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SEU TREINAMENTO
:: TEXTO ANA PAULA CHINELLI E ROBSON VITURINO
:: ILUSTRAÇÃO EVERSON NAZARI
o
corredor cada fase de treino provoca, que você vê ainda nesta edição,
conquista de uma meta podem tempo para o organismo fazer as adaptações necessárias e
ser comparados à construção de uma casa, pois dependem aplicar uma nova carga maior de treinamento, para provocar
de um processo para serem atingidas. Primeiro, é preciso novas adaptações. Essa é o princípio da sobrecarga e super-
organizar a base; depois, a estrutura começa a ser erguida; compensação, a essência da periodização.
em seguida, as paredes tomam forma; e, por fim, coloca-se o Para o treinador de atletas profissionais e amadores Lauter
telhado. O treinamento de corrida é semelhante: o atleta Nogueira, o corredor que não segue a periodização, além de
constrói uma base de condicionamento aeróbio; depois, traba- se desgastar absurdamente sem obter o resultado. que
lha velocidade; na fase seguinte, melhora a técnica de corrida; espera, desperdiça um "caminhão de energia". "Quando se
e, no fim, descansa. Cada fase de treino é necessária para dar planeja uma temporada de corridas, há uma economia de
ao atleta condições sólidas de expandir seus limites. gasto anual de energia de 30 a 35%", diz.
Esse planejamento pode ser feito com a periodização, Na prática, periodizar é estabelecer uma meta e dividir o
conceito elaborado pelo russo LP Matveev, na década de ano (ou o semestre) em vários períodos e ciclos, que devem
1960, em busca de bases científicas para o treinamento prepará-Io para conquistar o objetivo final.
esportivo. A técnica de Matveev é considerada uma das cau-
sas do sucesso dos esportistas soviéticos nas décadas que se Etapas do treinamento
seguiram. Hoje, parte da teoria foi reformulada, mas persiste O ciclo mais amplo da periodização é o macrociclo, período
a idéia de que o planejamento leva a melhores resultados. A que contempla 100% do tempo de treinamento. Um
explicação é óbvia: os treinos são programados para provo- macrociclo pode ser cumprido em meio ano, um ano inteiro ou
car adaptações que levem à melhoria da performance. até quatro anos (no caso do planejamento para uma
Para tratar o assunto com profundidade, essa reportagem Olimpíada, por exemplo). A duração varia de acordo com os
de Treinamento foi dividida em três' partes: o planejamento objetivos do atleta, seu nível de preparo e de quão alta é a
geral do seu ano (macrociclo e mesociclos), que você lê nesta meta estabelecida. Em geral, um macrociclo de até seis
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meses é suficiente para amadores atingirem a performance Normalmente, a cada quatro semanas de treino (um mesociclo),
desejada em uma prova que esteja dentro de suas capacidades. há um leve recuo no volume, mas que logo será compensando
"Para montar um macrociclo, é essencial definir quais serão as nas semanas seguintes. Em geral, a primeira semana do
competições principais do atleta no ano e, com essas mesociclo tem o mesmo volume da terceira semana do mesociclo
informações, traçar os objetivos e fracionar o período", destaca anterior. Observe o gráfico no fim da reportagem.
Rodrigo Taddei, diretor técnico da Limiar Assessoria Esportiva. Você pode fazer todos os tipos de treinos na fase de Base, mas
Portanto, para começar, defina sua principal prova do semestre ou os preponderantes devem ser os que visam a capacidade aeróbia
ano. Depois, veja o tempo que terá até a prova Esse tempo será (veja tabela), como os contínuos, trabalhados entre os limiares
o seu macrociclo. anaeróbios L 1 e L2, em 60% a 70% do V02 máximo.
Se o tempo for curto, provavelmente você terá que colocar uma
. meta menos distante da sua capacidade atual. Se o período for O V02 máximo é o volume máximo de oxigênio que o
longo (seis meses para uma prova de 10km, por exemplo), você corpo consegue absorver nos pulmões e usar na
pode esperar um avanço maior da sua performance. produção de energia durante um minuto. Ele é medido
Depois, divida o macrociclo em vários períodos, que em um teste ergoespirométrico, que determina ainda o
correspondem à cada fase do treinamento: Período de Base, limiar anaeróbio L1 (chamado também de limiar aeróbio,
Período Pré-Competitivo ou Especifico, Período Competitivo e é o ponto em que o corredor passa a fazer o exercício
Período de Transição. Cada período é dividido ainda em alguns aeróbio, ou seja, com energia predominantemente gerada
mesociclos, que são grupos de três a quatro semanas de treino. com uso de oxigênio) e o limiar anaeróbio L2 (ponto em
Cada semana é um microciclo. que a geração de energia em processo anaeróbio supera
Geralmente, o período mais longo é o de Base, principalmente o aeróbio).
para os atletas que não estão bem condicionados fisicamente. O
período Pré-Competitivo é o segundo maior. Os dois juntos vão Ao fazer. um exercício com a freqüência cardíaca entre o
tomar cerca de 2/3 do seu macrociclo. Os períodos Competitivo L1 e o L2 (exercício aeróbio), o corredor se cansa
e de Transição são mais curtos. Veja no gráfico a proporção dos menos, porque os resíduos da respiração aeróbia são
períodos de um macrociclo sugerido de 24 semanas. normalmente eliminados. Ao atingir (e ultrapassar) o L2
Período de Base
No Período de Base, que pode ter d
l quatro a 12 semana , o
(exercício
cansado,
esgotamento
anaeróbio), o corredor fica cada vez mais
porque o
do glicogênio
processo anaeróbio
estocado nos músculos e
leva ao
à
atleta irá desenvolver as capacidades erais do organismo -~~o liberação de mais ácido lático do que o corpo é capaz de
caso da corrida, o principal foco será a capacidade aeróbia c;to eliminar. Isso provoca a sensação de cansaço.
que, se o atleta já estiver muito bem condicionado no início ~o
período, o avanço será menos expressivo.
Os treinos começam com intensidade (esforço) e volume No Período de Base, os treinos são predominantemente
(quilometragem) baixos (veja no "Resumo" a quilometragem da aeróbios, portanto menos cansativos. Se você não sabe seus
primeira e da última semana de treino do ciclo de acordo com limiares, uma alternativa é avaliar o cansaço que sente após cada
o tipo de prova de que vai participar). Semanalmente, deve treino e se manter entre 9 e 14 (para o aeróbio) na escala de
haver um aumento no volume de treino (progressão) de 10% Borg (abaixo):
a 15%, respeitando a mesma intensidade. Ou seja, o corredor
vai fazer mais quilômetros a cada semana, mas não deve se 7-8 - muito fácil
sentir mais cansado, porque seu condicionamento deve ficar 9-10 - fácil
melhor. Esse é um dos parâmetros para medir se o aumento de 11-12 - relativamente fácil
uma semana para outra foi exagerado ou não. Caso esteja mais 13-14 - ligeiramente cansativo
cansado que o usual - sem influência de fatores como falta de 15-16 - cansativo
sono e má alimentação - , o corredor pode ter exagerado. Caso 17-18 - muito cansativo
o treino esteja fácil demais, a progressão poderia ser maior. 19-20 - exaustivo
RESUMO - PERíODO DE BASE Um
quatro a 12 semanas por semana,
o atleta faz um
treino de inten-
Nesse período, que pode durar dJ seis a 12 semanaa haverá - ganhar velocidade
redução de até 30% no volume para que consiga aumentar a 10km 40km a 50km
subir novamente até um pouco acima do que tinha sido o máximo 42km 65km a 75km
02:2 9
Período Competitivo Período de transição
No Período Competitivo, a preocupação é manter a A fase começa após a corrida e dura de duas a quatro semanas.
perforrnance atingida no pico de treino, ao mesmo tempo em O objetivo é recuperar a parte física e a psicológica do atleta.
que o corredor descansa e se recupera para a prova. A estratégia é o corredor não parar de se exercitar, mas fazer
Essa fase é conhecida também como "polimento" do atleta, pois outras modalidades de exercício - de preferência aeróbias, para
ele vai aperfeiçoar sua técnica de corrida A duração pode variar que seu condicionamento físico não fique muito comprometido. É
de duas a quatro semanas, e termina no dia da competição. o que se chama de recuperação ativa
Na prática, há uma diminuição rápida do volume dos treinos de Segundo o treinador Lauter Nogueira, cada uma das etapas de
maneira que, na semana da prova, o corredor tenha retomado treinamento é um degrau de escada para a meta do corredor.
(gradativamente) ao volume inicial do Período de Base. "Para sair da escada, você tem que deixar sua forma física um
Os treinos ficam mais curtos, mas a intensidade continua alta pouco de lado e fazer outros esportes, não a corrida".
para que o esportista mantenha sua performance. Na última Alguns atletas ignoram a importância desse período e mantêm
semana, a intensidade também baixa e a maior parte das sessões o treinamento, o que, na avaliação dos especialistas, pode levar ao
de corrida é feita a 60% do VO'2 máximo ou próximo do L 1. overtraining ou comprometer o macrociclo seguinte.
Por isso a periodização é tãdimportante: além de ser uma forma
RESUMO - PERíODO COMPETITIVO planejada para atingir a meta, é uma maneira de o atleta fazer sua
duas a quatro semanas performance evoluir macrociclo após macrociclo, ano após ano.
Isso acontece porque, após o Período de Transição, você deve
iniciar um novo macrociclo, portanto um novo Período de Base. Se
- diminuição do volume de treino você fizer a recuperação ativa, seu condicionamento inicial do
- cai a intensidade do treino na última semana novo macrociclo será melhor que no anterior e sua evolução o
levará a patamares mais altos.
regenerativo regeneração
legenda;
'ü treino muito importante no periodo
•• !reino importante
• !reino pouco importante, mas que pode ser feito
MACROCICLO DE 24 SEMANAS
• pico de treino
I
Barras:
Volume de treino
Linha:
Intensidade
de treino
-,
• prova
1 2 3 4 5 6 7 9 10 11 12 13 14 15 16 17
Semanas ou microciclos
" Mesociclos
I I
2
I I
3
, I
4
~--------------~I~I--------~------~
" 5 6
II
Especialistas consultados
Fábio Cavarieri Rosa, coordenador técnico da MPR Assessoria Esportiva, pás-graduado em fisiologia do exercício pelo Centro de Alto Rendimento de
Barcelona e consultor técnico da 02;
Lauter Nogueira, treinador de atletas profissionais e amadores em atletismo e diretor técnico da Confederação Brasileira de Triathlon;
Milton Mizur:noto, médico ortopedista, nutrólogo, especialista em medicina esportiva e diretor médico da Corpore (Corredores Paulistas Reunidos);
Paulo Sérgio Zogaib, médico cardiologista, especialista em medicina do esporte do Centro de Medicina da Atividade Física e do Esporte (Cernafe) da
Unifesp;
Rodrigo Taddei, treinador especializado em corrida e diretor técnico da Limiar Assessoria Esportiva;
Turibio Leite de Barros, médico especializado em flsioloqla do exercício e professor da Unifesp.