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PLANE~E

SEU TREINAMENTO
:: TEXTO ANA PAULA CHINELLI E ROBSON VITURINO
:: ILUSTRAÇÃO EVERSON NAZARI

e nas próximas páginas; as mudanças no organismo que

o
corredor cada fase de treino provoca, que você vê ainda nesta edição,

estabeleceu uma na seção Seu Corpo; e o planejamento da semana de corrida


(rnicrociclo), tema da edição de março da 02. Ao fim, você
meta para 2005, sabe
deve ser capaz de montar seu esquema de treinos do ano ou,
aonde quer chegar, mas
se tiver um técnico, de entender o porquê de cada planilha.
surge a dúvida: qual o
caminho? A resposta é Periodiz:;:a::.::ç;::ã:::,o:::..._- ...,
periodização. Planeje seu No livro 'Complete Book of Running", o técnico Rich Sands

treinamento de corrida dos conta um exemplo que vê com freqüência entre os


corredores. 'Muitos fracassam ao tentar alcançar suas metas
próximos meses para
porque seus treinos são muito ao acaso. Eles se preparam
começar desde já a
apenas algumas semanas antes, treinando pesado. Sem êxito,
construir a performance tentam um programa mais avançado e simplesmente falham
que vai levá-Io até seus de novo. Esse modelo se repete inúmeras vezes", diz. Para
objetivos.
A superação
um limite e a
de Sands, eles ignoram a essência do treinamento,
provocar um estímulo no corpo maior que o usual, dar um
que é

conquista de uma meta podem tempo para o organismo fazer as adaptações necessárias e
ser comparados à construção de uma casa, pois dependem aplicar uma nova carga maior de treinamento, para provocar
de um processo para serem atingidas. Primeiro, é preciso novas adaptações. Essa é o princípio da sobrecarga e super-
organizar a base; depois, a estrutura começa a ser erguida; compensação, a essência da periodização.
em seguida, as paredes tomam forma; e, por fim, coloca-se o Para o treinador de atletas profissionais e amadores Lauter
telhado. O treinamento de corrida é semelhante: o atleta Nogueira, o corredor que não segue a periodização, além de
constrói uma base de condicionamento aeróbio; depois, traba- se desgastar absurdamente sem obter o resultado. que
lha velocidade; na fase seguinte, melhora a técnica de corrida; espera, desperdiça um "caminhão de energia". "Quando se
e, no fim, descansa. Cada fase de treino é necessária para dar planeja uma temporada de corridas, há uma economia de
ao atleta condições sólidas de expandir seus limites. gasto anual de energia de 30 a 35%", diz.
Esse planejamento pode ser feito com a periodização, Na prática, periodizar é estabelecer uma meta e dividir o
conceito elaborado pelo russo LP Matveev, na década de ano (ou o semestre) em vários períodos e ciclos, que devem
1960, em busca de bases científicas para o treinamento prepará-Io para conquistar o objetivo final.
esportivo. A técnica de Matveev é considerada uma das cau-
sas do sucesso dos esportistas soviéticos nas décadas que se Etapas do treinamento
seguiram. Hoje, parte da teoria foi reformulada, mas persiste O ciclo mais amplo da periodização é o macrociclo, período
a idéia de que o planejamento leva a melhores resultados. A que contempla 100% do tempo de treinamento. Um
explicação é óbvia: os treinos são programados para provo- macrociclo pode ser cumprido em meio ano, um ano inteiro ou
car adaptações que levem à melhoria da performance. até quatro anos (no caso do planejamento para uma
Para tratar o assunto com profundidade, essa reportagem Olimpíada, por exemplo). A duração varia de acordo com os
de Treinamento foi dividida em três' partes: o planejamento objetivos do atleta, seu nível de preparo e de quão alta é a
geral do seu ano (macrociclo e mesociclos), que você lê nesta meta estabelecida. Em geral, um macrociclo de até seis

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meses é suficiente para amadores atingirem a performance Normalmente, a cada quatro semanas de treino (um mesociclo),
desejada em uma prova que esteja dentro de suas capacidades. há um leve recuo no volume, mas que logo será compensando
"Para montar um macrociclo, é essencial definir quais serão as nas semanas seguintes. Em geral, a primeira semana do
competições principais do atleta no ano e, com essas mesociclo tem o mesmo volume da terceira semana do mesociclo
informações, traçar os objetivos e fracionar o período", destaca anterior. Observe o gráfico no fim da reportagem.
Rodrigo Taddei, diretor técnico da Limiar Assessoria Esportiva. Você pode fazer todos os tipos de treinos na fase de Base, mas
Portanto, para começar, defina sua principal prova do semestre ou os preponderantes devem ser os que visam a capacidade aeróbia
ano. Depois, veja o tempo que terá até a prova Esse tempo será (veja tabela), como os contínuos, trabalhados entre os limiares
o seu macrociclo. anaeróbios L 1 e L2, em 60% a 70% do V02 máximo.
Se o tempo for curto, provavelmente você terá que colocar uma
. meta menos distante da sua capacidade atual. Se o período for O V02 máximo é o volume máximo de oxigênio que o
longo (seis meses para uma prova de 10km, por exemplo), você corpo consegue absorver nos pulmões e usar na
pode esperar um avanço maior da sua performance. produção de energia durante um minuto. Ele é medido
Depois, divida o macrociclo em vários períodos, que em um teste ergoespirométrico, que determina ainda o
correspondem à cada fase do treinamento: Período de Base, limiar anaeróbio L1 (chamado também de limiar aeróbio,
Período Pré-Competitivo ou Especifico, Período Competitivo e é o ponto em que o corredor passa a fazer o exercício
Período de Transição. Cada período é dividido ainda em alguns aeróbio, ou seja, com energia predominantemente gerada
mesociclos, que são grupos de três a quatro semanas de treino. com uso de oxigênio) e o limiar anaeróbio L2 (ponto em
Cada semana é um microciclo. que a geração de energia em processo anaeróbio supera
Geralmente, o período mais longo é o de Base, principalmente o aeróbio).
para os atletas que não estão bem condicionados fisicamente. O
período Pré-Competitivo é o segundo maior. Os dois juntos vão Ao fazer. um exercício com a freqüência cardíaca entre o
tomar cerca de 2/3 do seu macrociclo. Os períodos Competitivo L1 e o L2 (exercício aeróbio), o corredor se cansa
e de Transição são mais curtos. Veja no gráfico a proporção dos menos, porque os resíduos da respiração aeróbia são
períodos de um macrociclo sugerido de 24 semanas. normalmente eliminados. Ao atingir (e ultrapassar) o L2

Período de Base
No Período de Base, que pode ter d
l quatro a 12 semana , o
(exercício
cansado,
esgotamento
anaeróbio), o corredor fica cada vez mais
porque o
do glicogênio
processo anaeróbio
estocado nos músculos e
leva ao
à
atleta irá desenvolver as capacidades erais do organismo -~~o liberação de mais ácido lático do que o corpo é capaz de
caso da corrida, o principal foco será a capacidade aeróbia c;to eliminar. Isso provoca a sensação de cansaço.
que, se o atleta já estiver muito bem condicionado no início ~o
período, o avanço será menos expressivo.
Os treinos começam com intensidade (esforço) e volume No Período de Base, os treinos são predominantemente
(quilometragem) baixos (veja no "Resumo" a quilometragem da aeróbios, portanto menos cansativos. Se você não sabe seus
primeira e da última semana de treino do ciclo de acordo com limiares, uma alternativa é avaliar o cansaço que sente após cada
o tipo de prova de que vai participar). Semanalmente, deve treino e se manter entre 9 e 14 (para o aeróbio) na escala de
haver um aumento no volume de treino (progressão) de 10% Borg (abaixo):
a 15%, respeitando a mesma intensidade. Ou seja, o corredor
vai fazer mais quilômetros a cada semana, mas não deve se 7-8 - muito fácil
sentir mais cansado, porque seu condicionamento deve ficar 9-10 - fácil
melhor. Esse é um dos parâmetros para medir se o aumento de 11-12 - relativamente fácil
uma semana para outra foi exagerado ou não. Caso esteja mais 13-14 - ligeiramente cansativo
cansado que o usual - sem influência de fatores como falta de 15-16 - cansativo
sono e má alimentação - , o corredor pode ter exagerado. Caso 17-18 - muito cansativo
o treino esteja fácil demais, a progressão poderia ser maior. 19-20 - exaustivo
RESUMO - PERíODO DE BASE Um
quatro a 12 semanas por semana,
o atleta faz um
treino de inten-

- aumento de volume sidade alta, como

- manutenção da intensidade um intervalado, por


- principalmente treinos de intensidade exemplo (veja a tabela de
baixa a moderada tipos de treino), Aposta-se, portanto,
em uma sessão acima de 85% do V02 máximo (acima do L2). Este
treino ficará em cerca de 10% do volume de corrida semanal.
- melhorar o condicionamento aeróbio Portanto, se seu volume--;-manal for 70km, você deve dedicar
- preparar os músculos, tendões e ossos para o 7km ao intervalado, por exemplo. Vale lembrar que os 7km devem
esforço da corrida ser corridos acima do L2, portanto são descontados os trotes de
- aumentar o V02 máx aquecimento e do final do treino, feitos abaixo do limiar.
Nos outros dias, o corredor deve respeitar a zona aeróbia (entre
L 1 e L2), fazendo sessões a 700/~ a 80% do V02 máximo. Para
distância corrida em provas - volume semanal . .:J quem vai disputar provas de 1Okm, em mais um dia por semana o
10km 20km a 30km l\~() treino pode chegar próximo ao L2 (80% do V02 máximo).
21 km \-- 30km a 40km y, Também nesse período são feitos os treinos específicos para
42km 40km* a prova, como os de subida, os preparatórios para temperaturas
muito altas! baixas, ou os de ritmo.

distância corrida em provas - volume semanal


10km 40km
21km 50km RESUMO - PERíODO PRÉ-COMPETITIVO
42km 70km* K (\""0.. 1.-llooILtf\ :: Tempo: seis a 12 semanas
lI· ----
* para atletas com alguma experiência e'; prb2aF l,f) :: Características do treino:

longas - acima de 10km - queda e posterior aumento do volume de treino


- aumento da intensidade
. - um treino de intensidade alta por semana (acima de

Período Pré-Competitivo 85% do V02 máx ou do L2)

No Pré-Competitivo, as atenções se voltam ao aumento da


velocidade e às exigências específicas da prova. A prioridade
agora é trabalhar a qualidade da corrida, nem tanto a quantidade, - preparar-se para as especificidades da prova

Nesse período, que pode durar dJ seis a 12 semanaa haverá - ganhar velocidade

uma elevação da intensidade ~o treinamento park que o - aumentar o limiar anaeróbio

atleta ganhe velocidade e seja capaz de manter um ritmo


forte de corrida por mais tempo (aumente seu L2).
Nas duas primeiras semanas, o corredor pode programar uma distância corrida em provas - volume semanal

redução de até 30% no volume para que consiga aumentar a 10km 40km a 50km

intensidade, Após essas semanas de adaptação, o volume pode 21 km 45km a 55km

subir novamente até um pouco acima do que tinha sido o máximo 42km 65km a 75km

no Período de Base, A última semana do Pré-Competitivo é o


"pico de treino" do atleta.

02:2 9
Período Competitivo Período de transição

No Período Competitivo, a preocupação é manter a A fase começa após a corrida e dura de duas a quatro semanas.
perforrnance atingida no pico de treino, ao mesmo tempo em O objetivo é recuperar a parte física e a psicológica do atleta.
que o corredor descansa e se recupera para a prova. A estratégia é o corredor não parar de se exercitar, mas fazer
Essa fase é conhecida também como "polimento" do atleta, pois outras modalidades de exercício - de preferência aeróbias, para
ele vai aperfeiçoar sua técnica de corrida A duração pode variar que seu condicionamento físico não fique muito comprometido. É
de duas a quatro semanas, e termina no dia da competição. o que se chama de recuperação ativa
Na prática, há uma diminuição rápida do volume dos treinos de Segundo o treinador Lauter Nogueira, cada uma das etapas de
maneira que, na semana da prova, o corredor tenha retomado treinamento é um degrau de escada para a meta do corredor.
(gradativamente) ao volume inicial do Período de Base. "Para sair da escada, você tem que deixar sua forma física um
Os treinos ficam mais curtos, mas a intensidade continua alta pouco de lado e fazer outros esportes, não a corrida".
para que o esportista mantenha sua performance. Na última Alguns atletas ignoram a importância desse período e mantêm
semana, a intensidade também baixa e a maior parte das sessões o treinamento, o que, na avaliação dos especialistas, pode levar ao
de corrida é feita a 60% do VO'2 máximo ou próximo do L 1. overtraining ou comprometer o macrociclo seguinte.
Por isso a periodização é tãdimportante: além de ser uma forma
RESUMO - PERíODO COMPETITIVO planejada para atingir a meta, é uma maneira de o atleta fazer sua
duas a quatro semanas performance evoluir macrociclo após macrociclo, ano após ano.
Isso acontece porque, após o Período de Transição, você deve
iniciar um novo macrociclo, portanto um novo Período de Base. Se
- diminuição do volume de treino você fizer a recuperação ativa, seu condicionamento inicial do
- cai a intensidade do treino na última semana novo macrociclo será melhor que no anterior e sua evolução o
levará a patamares mais altos.

- fazer o polimento da técnica de corrida RESUMO - PERíODO DE TRANSiÇÃO


- manter o pico de performance atingido :: Tempo: duas a quatro semanas
- descansar para a competição
\ :: Características do treino:
\
- suspende-se o treino de corrida e praticam-se
distância corrida em provas - volume semanal outros tipos esportes, como natação e ciclismo
10km 15km a 20km
21km 15km a 25km :: Objetivo:
42km 20km a 30km - recuperar a mente e o organismo após a prova

GLOSSÁRIO: TIPOS DE TREINO

TREINOS DECAPACIDADEAERÓBIA da ou trote bem leve), o que dá nome ao treino. Em intensidade


Contínuo - corrida em ritmo constante, feita entre o L1 e o L2. muito alta, serve também para aumentar a tolerância do orga-
Contínuo longo - apelidado de "Iongão~ é semelhante ao con- nismo ao ácido lático.
tínuo, mas com quilometragem maior. TREINOS ESPECíFICOS - são treinos para que o atleta se
TREINOS DE VELOCIDADE/ INTENSIDADE! QUALIDADE acostume com as características da prova que vai enfrentar. Ex:
Fartlek - o corredor alterna um ritmo forte (corre no L2) com um treinos em subidas, em piso especifico (areia, terra batida etc),
ritmo mais leve (entre L1 e L2). Ele corre o tempo todo, mas au- em temperaturas altas/ baixas e treinos de ritmo de prova (o
menta e diminui a intensidade a cada certa distância ou tempo. atleta corre uma parte da quilometragem da prova mantendo
Intervalado - é o famoso treino de "tiro": o atleta corre em inten- um tempo proporcional ao quer fazer na competição).
sidade alta (acima do L2) durante um determinado tempo ou TREINO REGENERATIVO - geralmente um treino contínuo feito
distância. Entre um tiro e outro, faz um intervalo (com caminha- abaixo do L1, no treino seguinte ao de intensidade alta.
continuo capacidade aeróbia G
continuo longo capacidade aeróbia

intervalado potência aeróbial velocidade

fartlek potência aerébia/ velocidade

específico subida, ritmo de prova, tipo de piso etc

exercícios educativos biomecânica

regenerativo regeneração

legenda;
'ü treino muito importante no periodo
•• !reino importante
• !reino pouco importante, mas que pode ser feito

MACROCICLO DE 24 SEMANAS
• pico de treino

I
Barras:
Volume de treino

Linha:
Intensidade
de treino

-,

• prova

1 2 3 4 5 6 7 9 10 11 12 13 14 15 16 17
Semanas ou microciclos

" Mesociclos
I I

2
I I

3
, I

4
~--------------~I~I--------~------~
" 5 6
II

Períodos Periodo de Base Período Pré-Competitivo Período de Transição

Especialistas consultados

Fábio Cavarieri Rosa, coordenador técnico da MPR Assessoria Esportiva, pás-graduado em fisiologia do exercício pelo Centro de Alto Rendimento de
Barcelona e consultor técnico da 02;
Lauter Nogueira, treinador de atletas profissionais e amadores em atletismo e diretor técnico da Confederação Brasileira de Triathlon;
Milton Mizur:noto, médico ortopedista, nutrólogo, especialista em medicina esportiva e diretor médico da Corpore (Corredores Paulistas Reunidos);
Paulo Sérgio Zogaib, médico cardiologista, especialista em medicina do esporte do Centro de Medicina da Atividade Física e do Esporte (Cernafe) da
Unifesp;
Rodrigo Taddei, treinador especializado em corrida e diretor técnico da Limiar Assessoria Esportiva;
Turibio Leite de Barros, médico especializado em flsioloqla do exercício e professor da Unifesp.

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