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FACULDADE DE DIREITO
LICENCIATURA EM DREITO
Introdução ............................................................................................................................................ 3
1.3.2. A resolução dos litígios administrativos na administração de Moçambique antes de 1832 ...... 7
Conclusão........................................................................................................................................... 13
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Introdução
O contencioso administrativo tem a sua origem histórica em França onde começa a ser construído a
partir da Revolução Francesa e como reacção aos abusos dos “parlamentos”6 (2). Os
revolucionários oitocentistas entendiam que o respeito pelo princípio da separação dos poderes7,
que entretanto tinham proclamado como princípio básico da organização do Estado, impedia que à
jurisdição ordinária fosse confiada a tarefa de julgar as questões contenciosas da Administração,
razão pela qual a Assembleia rejeitou uma proposta no sentido de confiar o contencioso
administrativo aos Tribunais comuns, preferindo instituir Tribunais administrativos pela Lei 16-24
de 1790.
Acontece contudo que a criação de uma administração consultiva acabou por ser decisiva na
evolução do contencioso administrativo, visto que o Conselho de Estado progressivamente foi-se
impondo como órgão “autónomo” da administração activa, o que permitiu a passagem do sistema
de “justice retenue” para o sistema de “justice déléguée”. Com efeito, a Lei de 24 de Maio de 1872
consagrou que o Conselho de Estado poderia decidir definitivamente e sem homologação
ministerial os litígios de natureza administrativa, reconhecendo assim uma prática que, embora de
natureza intermitente, vinha sendo imposta pelo Conselho desde 1848.
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1. Contencioso administrativo
1.1. Contextualização
O termo contencioso faz referência a tudo ou pode ser objecto de contestação, disputa ou conflito de
interesse. Nesse caso, é um conflito de interesses que é levado aos conselhos de contribuintes ou ao
poder judiciário para que seja decidido por um conselheiro ou por um juiz de forma definitivo.
MARCELO, (2010), define contencioso administrativo como sendo uma subárea que compreende
os conflitos e disputas em que pelo menos uma parte é um ente da administração pública. Ademais,
o contencioso administrativo se caracteriza por tramitar por vias administrativas diferentes das vias
judiciais tradicionais.
Como decorre deste conceito de contencioso ou de recurso contencioso, este é antes de mais uma
segunda fase do processo administrativo, que, de acordo com MARCELO, (2010), tem duas fases, a
graciosa e a contenciosa, sendo esta última caracterizada pela apreciação jurisdicional da legalidade
do acto administrativo. Segunda fase do processo administrativo está que decorre junto dos
Tribunais administrativos e que denota um conflito entre o particular e a Administração provocado
por acto desta considerado ilegal e lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos.
Assim, podemos dizer que o contencioso administrativo confundia-se com regras processuais
reguladoras da actividade da jurisdição administrativa tendentes a apreciar a legalidade de acto da
Administração ofensivo dos interesses ou direitos do particular. Ou, mais especificamente, o
contencioso nasce como uma garantia de natureza jurisdicional contra acto da Administração.
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1.2. Origem do contencioso administrativo
O contencioso administrativo tem a sua origem histórica em França onde começa a ser construído a
partir da Revolução Francesa e como reacção aos abusos dos “parlamentos”6 (2). Os
revolucionários oitocentistas entendiam que o respeito pelo princípio da separação dos poderes7,
que entretanto tinham proclamado como princípio básico da organização do Estado, impedia que à
jurisdição ordinária fosse confiada a tarefa de julgar as questões contenciosas da Administração,
razão pela qual a Assembleia rejeitou uma proposta no sentido de confiar o contencioso
administrativo aos Tribunais comuns, preferindo instituir Tribunais administrativos pela Lei 16-24
de 1790.
Estes Tribunais eram constituídos por magistrados oriundos da própria administração activa Rei,
Ministros, Administradores de Departamento, e com eles o contencioso administrativo era confiado
à própria Administração activa. Criava-se uma “jurisdiction d’exception”, para usarmos a expressão
de René Chapus9, com administradores-Juízes ou, por outras palavras, instituía-se o sistema de
“administrationjuge”.
Acontece que, em 1790, a Lei 7-16 de Outubro e a Lei 6-11 de Novembro acabaram
por consagrar que as reclamações contra actos ilegais da Administração deveriam
ser deduzidas junto do Rei e, mais tarde, com a monarquia constitucional, essa
competência era atribuída aos Ministros. Completa-se então o sistema de solução
dos conflitos de natureza jurídico-administrativo, que ficou conhecido por sistema
de “justice retenue” ou de justiça reservada10 nas mãos do Governo, sistema que no
ano VIII (1799) vai evoluir com a criação, pelo Consulado, de uma administração
consultiva ao lado da administração activa.
Na verdade, a Constituição do ano VIII criou o Conselho de Estado como um órgão consultivo do
Chefe de Estado com competência para apreciar e emitir parecer sobre as questões contenciosas,
parecer que carecia da homologação do Chefe de Estado. No mesmo ano, foram criados, nos
Departamentos, os Conselhos de Prefeitura com funções contenciosas junto do Prefeito, que as
exerciam sem necessidade de homologação.
Poder-se-á assim dizer que essa dualidade de justiça que a Revolução veio instituir respeita a velha
tradição francesa do Ancien Régime que Richelieu, no seu Édito de 1641, sintetizava, proibindo aos
Tribunais comuns a apreciação de matérias contenciosas da administração11, e é com base nessa
velha tradição que o princípio da separação dos poderes é interpretado.
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Acontece contudo que a criação de uma administração consultiva acabou por ser decisiva na
evolução do contencioso administrativo, visto que o Conselho de Estado progressivamente foi-se
impondo como órgão “autónomo” da administração activa, o que permitiu a passagem do sistema
de “justice retenue” para o sistema de “justice déléguée”. Com efeito, a Lei de 24 de Maio de 1872
consagrou que o Conselho de Estado poderia decidir definitivamente e sem homologação
ministerial os litígios de natureza administrativa, reconhecendo assim uma prática que, embora de
natureza intermitente, vinha sendo imposta pelo Conselho desde 1848.
O Governo delegava, deste modo, no Conselho de Estado a competência para decidir tais litígios
sem intervenção do Chefe de Estado. Instala-se o sistema de “justice deléguée” e com ele surge a
verdadeira jurisdição administrativa. Poder-se-á assim dizer que com essa lei fica concluído o
processo de separação entre a administração activa e a consultiva, assumindo esta agora a natureza
de jurisdição contenciosa administrativa, separação que passa a ser um princípio que tem de ser
respeitado pelo Governo e no seio da própria Administração.
Mas, essa mesma Lei, ao criar um Tribunal de Conflitos para dirimir os conflitos de competência
entre a jurisdição ordinária e a administrativa, completa também a separação entre essas duas
jurisdições. Assim, diz-nos Laubadère (1984: I: 434), “par la conjugaison de ceux deux principes le
système de la juridiction administrative était formé”. Contudo, embora o Conselho de Estado
continuasse a reafirmar a sua competência como Tribunal administrativo de direito comum, o ponto
é que, até ao final do século XIX, o sistema de administrador-Juiz formalmente é ainda o
dominante, e só a partir do “Arrêt Cadot”, em que o Conselho abandona a doutrina de ministro-Juiz
e admite o recurso directo, se põe definitivamente de lado tal doutrina.
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1.3.1. A pré-história do Contencioso Administrativo (…-1831)
Não se pode conceber uma administração sem litígio, seja esse o fruto de conflitos internos ou a
consequência de actividades susceptíveis de prejudicar os particulares. Mas pode-se conceber
modos de resolução de litígios administrativos ou não jurisdicionais (e particularmente sem a
intervenção de qualquer jurisdição administrativa ou jurisdicional), por um lado, e na ausência de
uma jurisdição privativa e original do contencioso administrativo, por outro lado. (CISTAC, 2005).
Não existia, nesta altura, nenhum “tribunal administrativo” para dirimir qualquer
litígio de natureza administrativa e se existia era a premissa de uma garantia
contenciosa através do ouvidor (juiz local e responsável perante o capitão), ou seja,
o direito aplicável e aplicado não tinha nenhuma especificidade (era o “direito
privado”). (CISTAC, 2005).
De qualquer forma, o ouvidor estava sujeito à autoridade do capitão o que limitava a sua
independência e a eficácia das suas próprias decisões (por essa razão, os litígios originados pela
actividade da “micro-administração” da capitania eram principalmente resolvidos através de
garantias graciosas [e não tanto por garantias contenciosas]).
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A partir da segunda metade do séc. XVII, acentuou-se o processo de centralização do poder central
(cristalização do absolutismo da realeza que se iniciou no séc. XVI) que se manifestou nas colónias
pelo fim do monopólio comercial do capitão em 1675. Na verdade, a existência do monopólio
comercial do capitão entrava em choque com a política defendida pela Coroa, daí que o monopólio
do capitão tenha dado lugar a uma Junta de Comércio que operava em Moçambique em nome da
Coroa e o capitão se tenha tornado apenas num simples funcionário executivo que tratava de
obedecer ao vice-rei de Goa. Para Malyn Newitt o fim do monopólio do capitão “significou também
o fim de toda uma fase na história administrativa da Europa”.
O facto colonial, numa vontade de assimilação institucional, introduzira nas suas colónias as
instituições administrativas da metrópole e, mais particularmente, uma justiça administrativa
teoricamente distinta da justiça civil. É na segunda parte do séc. XIX que Moçambique será o
receptor deste modo original de resolução dos litígios administrativos.
A primeira fase histórica inicia-se em 1856 terminando em 1933 com a aprovação da Reforma
Administrativa Ultramarina. Este período caracteriza-se por uma instabilidade crónica em termos
organizativo e de regras processuais que regulam o Contencioso Administrativo.
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A segunda fase histórica inicia-se com a aprovação da referida Reforma Administrativa (1933)
terminando com a grande Reforma de 2001. Este período é marcado pela estabilidade das regras
processuais que regulam o Contencioso Administrativo em Moçambique.
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1869) e desenvolvia as atribuições estabelecidas pelo Código Administrativo de 1842 (nos termos
do artigo 50.º do Decreto de 1 de Dezembro de 1869).
No início do séc. XX, o Decreto de 2 de Setembro de 1901 vem, por um lado, estabelecer uma
competência de atribuição a favor do Supremo Tribunal Administrativo em matéria de recursos dos
actos e decisões das autoridades administrativas das províncias ultramarinas, e por outro lado,
regular, nas províncias ultramarinas, a forma do processo, a interposição e o seguimento de recursos
para o Supremo Tribunal Administrativo.
Ainda no início do séc. XX, o Decreto de 23 de Maio de 1907 veio implementar uma reforma
importante no domínio da “Reorganização administrativa da província de Moçambique”. Esta
reforma procurou lutar contra uma centralização excessiva, sendo que teve consequências do ponto
de vista do contencioso administrativo, no que concerne à composição e às competências do
Conselho de Província (introduzindo alterações na sua composição e alargou as suas atribuições).
Contudo, esta reforma não conseguiu cumprir aquilo para o qual se propôs. A
aprovação do Decreto n.º 164 de 14 de Outubro de 1913 demonstrou isso
claramente. Este diploma, constituindo mais uma reforma, reorganizou os serviços
do Conselho de Província de Moçambique com base em dois tipos de medidas: em
primeiro lugar, procedeu a uma modificação da composição do Conselho de
Província num duplo sentido: de se tornar o Conselho mais “judicial” (o processo de
“judicialização” traduz-se no ingresso de “Todos os juízes da Relação de
Moçambique” [nos termos do artigo 1.º, alínea a)] e “profissional” (o processo de
“profissionalização” traduz-se no reforço do corpo administrativo ao seu serviço
[nos termos dos artigos 4.º, 5.º e 6.º]); em segundo lugar, atribuiu “gratificações” aos
juízes e vogais de forma a interessar melhor os seus membros no desempenho
efectivo das funções atribuídas ao Conselho [nos termos do artigo 2.º]).
(TAVARES, 1992).
Em 1914, com a publicação da Lei n.º 277, de 15 de Agosto de 1914 (Lei Orgânica da
Administração Civil das Províncias Ultramarinas) cessou o regime do Decreto de 1869 e do Código
de 1842, o que levou “cada colónia a publicar a sua legislação administrativa”.
A colónia de Moçambique não foi excepção. No dia 28 de Janeiro de 1922, o Alto Comissário da
República da Província de Moçambique, Manuel de Brito Camacho, promulga a Carta Orgânica da
Província de Moçambique (constante do Decreto n.º 200, de 28 de Janeiro de 1922), consagrando
esta, pela primeira vez, de uma forma explícita, num Capítulo individualizado (Capítulo VI), a
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instituição do Tribunal Administrativo (sendo que o Capítulo VI tem como objectivo racionalizar o
funcionamento desta instituição).
A Carta Orgânica de 1922, no seu artigo 91.º, previa a publicação de um regimento especial pelo
Governador em Conselho Executivo que regulará a ordem e forma de processo a seguir no Tribunal
Administrativo, Fiscal e de Contas de Moçambique, fixará a respectiva tabela de emolumentos,
custas e salários, e o quadro e vencimentos do pessoal da secretaria.
Além disso, o artigo salientado estabelece a regra fundamental segundo a qual “os seus Acórdãos
têm um carácter e efeitos das decisões dos Tribunais de Justiça”. De jure, os Acórdãos do Tribunal
Administrativo produzem efeitos processuais definidos pelo Código de Processo Civil. O
Contencioso Administrativo permanece um contencioso de “actos” e não de “actividades”. É o
julgamento das “reclamações” e “recursos” que domina a actividade jurisdicional do Tribunal
Administrativo de então.
Na verdade, o facto de cada colónia ter começado a publicar a sua própria legislação administrativa
(que derivou da publicação da Lei n.º 277, de 15 de Agosto de 1914 [Lei Orgânica da
Administração Civil das Províncias Ultramarinas] que veio cessar o regime do Decreto de 1869 e
do Código de 1842), juntamente com os diplomas metropolitanos comuns a todo o Ultramar, teve
como consequência uma inconveniente dispersão legislativa. Por essa razão, o Governo central,
usando da faculdade conferida pelo artigo 108.º da Constituição da República Portuguesa, aprovou
por Decreto-Lei n.º 23.229, de 15 de Novembro de 1933, a Reforma Administrativa Ultramarina
(em diante, RAU).
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1.3.5. O novo Contencioso Administrativo (2001-…)
A observação atenta do Direito Comparado demonstra que nos últimos vinte anos houve uma
corrente convergente em termos de reformas do Contencioso Administrativo. Portugal, Espanha,
França, Alemanha, Argentina, entre outros países, realizaram profundas reformas das normas
contenciosas administrativas para responder às necessidades de evolução das formas de actuação da
Administração Pública e do próprio relacionamento Administração/Administrado.
Pelos motivos anteriormente salientados, uma reforma profunda era necessária. No princípio do ano
de 1996, o Governo solicitou ao Tribunal Administrativo que estudasse a elaboração de um Ante-
Projecto de Legislação Contenciosa Administrativa. O Presidente do Tribunal Administrativo,
sensível a este interesse, decidiu constituir um Grupo de Trabalho encarregado de reflectir sobre os
grandes eixos da reforma e de apresentar um Ante-Projecto de Reforma do Contencioso
Administrativo.
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Conclusão
O contencioso administrativo tem a sua origem histórica em França onde começa a ser construído a
partir da Revolução Francesa e como reacção aos abusos dos “parlamentos”. Os revolucionários
oitocentistas entendiam que o respeito pelo princípio da separação dos poderes, que entretanto
tinham proclamado como princípio básico da organização do Estado, impedia que à jurisdição
ordinária fosse confiada a tarefa de julgar as questões contenciosas da Administração, razão pela
qual a Assembleia rejeitou uma proposta no sentido de confiar o contencioso administrativo aos
Tribunais comuns.
Acontece contudo que a criação de uma administração consultiva acabou por ser decisiva na
evolução do contencioso administrativo, visto que o Conselho de Estado progressivamente foi-se
impondo como órgão “autónomo” da administração activa, o que permitiu a passagem do sistema
de “justice retenue” para o sistema de “justice déléguée”. Com efeito, a Lei de 24 de Maio de 1872
consagrou que o Conselho de Estado poderia decidir definitivamente e sem homologação
ministerial os litígios de natureza administrativa, reconhecendo assim uma prática que, embora de
natureza intermitente.
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Referência bibliográfica
ANDRADE, José Carlos Vieira de. (2000). A Justiça Administrativa (lições). (3ª edição).
Almedina. 2000.
GOVEIA, Jorge Bacelar. (2001). Reflexão sobre a próxima revisão da Constituição moçambicana
de 1999.
TAVARES, José. (1992). Administração Pública e Direito Administrativo, para seu estudo e
compreensão. Coimbra: Almedina.
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