Você está na página 1de 6

MUITO ALÉM DO QUE ENXERGAMOS

Neste texto complementar vamos discorrer mais sobre o tema de projetos nas
artes visuais. Para isso, vamos fazer uma observação: qualquer produção artística, seja
uma pintura, gravura, fotografia, escultura ou similares que representam uma arte, será
referida, neste texto, como projeto, não no sentido de preço, mercado ou do ponto de
vista comercial, mas com o direcionamento para a concepção da criação e
representatividade artística.

Segundo Dondis, no prefácio de Sintaxe da Linguagem Visual (1997): “se a


invenção do tipo móvel criou o imperativo de um alfabetismo verbal universal, sem
dúvida, a invenção da câmera e de todas as suas formas paralelas, que não cessam de
se desenvolver, criou, por sua vez, o imperativo do alfabetismo visual universal”.

Para situar, vamos relembrar que a invenção da prensa móvel, por Gutemberg,
foi o estopim para que livros e impressos fossem mais acessíveis para todos, gerando
assim uma maior oferta e mais facilidade para a reprodução dos mesmos. A câmera e
suas formas paralelas, com que se refere Dondis, criaram o imperativo do alfabetismo
visual universal. Ou seja, com a facilidade de se “fotografar” cada vez mais pessoas
dentro desse universo, tendo em vista que esse prefácio é de 1997, onde a internet
ainda estava se desenvolvendo, vamos acrescentar que, na atualidade, com as mídias
sociais, internet móvel, celulares e correlatos, a distribuição de conteúdo agora é uma
tarefa tão simples como o apertar de um botão, conseguimos transcender fronteiras e
distância a uma velocidade impressionante. Vamos a um exemplo prático, se um artista
oriental em seu país produzir uma obra artística, fotografar e postar ela em alguma mídia
social, em poucos instantes ela fica disponível a um gigantesco número de pessoas ao
redor do Planeta.

A arte hoje transcorre lugares e atinge pessoas como nunca antes aconteceu,
vários fatos podem ser retratados por diferentes pessoas em pouquíssimo tempo. Um
exemplo disso foi a morte de Alan Kurdi, em 2015, um menino sírio de apenas três anos
que se afogou quando sua família, de forma precária, tentava atravessar o mar para
fugir de uma guerra em seu país. Vários artistas prestaram homenagem em forma de
arte após essa tragédia.

A tecnologia e a arte também se mostraram muito presentes na pandemia do


Covid-19, trazendo uma nova faceta para as artes, exposições, artistas, museus etc. A
indústria cultural, de forma geral, passou por grandes adaptações nessa fase. Aos
artistas também foram trazidas novas reflexões.
Então, estamos de frente a vários fatores que devemos pensar ao desenvolver
um projeto: pesquisa, planejamento, referências e novas tecnologias.

Atualmente, e mais do que nunca, o uso da imagem é um representativo cada


vez mais presente no dia a dia de todos nós. Independente se estamos falando de uma
fotografia, vídeo, pintura, ilustração, escultura etc., no conceito de artes e percepção
visual, vamos definir o resultado final como uma forma; utilizaremos o que Wong, em
Princípios da Forma e Desenho (1998, p. 44), define: “todos elementos visuais
constituem o que geralmente chamamos de forma...”. E continua: “forma, neste sentido,
não é apenas uma figura vista, mas um formato de tamanho, cor e texturas definidos”.
Nesta linha de raciocínio, temos a concepção de que a forma é a soma de um conjunto
de fatores que compõem o resultado final.

Segundo Arnheim, em Arte e Percepção Visual (2005, p. 89), “forma é a


configuração visível do conteúdo”. Aqui, podemos analisar que “enxergamos” uma
forma, mas na configuração do conteúdo podemos ter algo “invisível”, como, por
exemplo, um simbolismo e/ou representação de uma ideia, valor, conceito etc. Muitas
vezes, esse conteúdo é subjetivo, e não temos como cair nessa questão sem nos
lembrarmos da Semiótica, que é definida por Lucy Niemeyer, em Elementos de
Semiótica Aplicados ao Design, como sendo a teoria geral dos signos. Segundo Peirce,
signo é algo que representa alguma coisa para alguém em determinado contexto. Ou
seja, nenhum projeto de arte conseguirá representar a mesma coisa para todos, quanto
mais pessoas tiverem acesso à sua obra, maior será o leque de visões sobre ela.

Vamos a um exemplo prático: ao escolher uma cor específica, teremos uma


mensagem sendo transmitida, mas vale ressaltar, mais uma vez, que essa mensagem
não será universal. Se tivermos uma arte em que a cor branca é predominante, em
determinadas culturas, a cor branca representará paz, pureza; em contrapartida, em
outras culturas, a cor branca estará ligada a ideias fúnebres. Em 2019, tive um caso em
sala de aula de um aluno que estava fazendo algumas artes para uma peça. Para as
artes que seriam veiculadas no Brasil, o personagem tinha predominância da cor branca
em seu figurino, mas para apresentação em determinado país, eles mudaram esse
figurino para a cor preta, para que o contexto da arte fizesse sentido naquela cultura.

Vamos falar um pouco mais sobre cor: sabemos que a cor carrega um aspecto
psicológico junto, mas não podemos esquecer que também temos os aspectos físicos.
Há muito tempo, esses aspectos físicos já são objetos de estudos, e antigas
descobertas são utilizadas até os dias de hoje. Um dos principais estudiosos foi Isaac
Newton, que inclusive foi autor da experiência que comprovou que a cor (luz) branca é
composta pela mistura de sete cores; para isso, ele utilizou um prisma com a luz natural
de um lado, e do outro ela se decompôs nas sete cores, como mostra a imagem a seguir:

(Fonte: Autoria própria)

Agora vamos trazer um cenário que pode acontecer em um projeto de artes:


existe uma técnica chamada video mapping, onde são utilizados projetores para
reproduzir vídeos em superfícies, como, por exemplo, em uma fachada de prédio ou até
mesmo na lataria de um automóvel. Do ponto de vista artístico, temos infinitas
possibilidades de ideias, cores e formas que podemos utilizar, mas veja a importância
do aspecto físico na construção desse projeto: a luz precisa de uma potência para ser
visualizada. O equipamento que será utilizado é compatível com o ambiente? A parede
que irá receber a projeção é de qual cor? São perguntas importantes no planejamento
do projeto, pois caso se resolva fazer a projeção de dia, a luminosidade do ambiente
com certeza irá atrapalhar a visualização final da arte; em contrapartida, se for de noite,
teremos uma experiência muito mais impactante. A fachada do Masp, o Cristo Redentor
e a Catedral de Pouso Alegre são alguns dos exemplos de lugares que receberam esse
tipo de intervenção. Então, quando nos referimos a um projeto, todos os aspectos são
fundamentais.

Vale a pena também reforçar que, quando falamos de cores, temos uma divisão
da classificação de cores, como cor luz (síntese aditiva) ou cor pigmento (síntese
subtrativa), sendo que projetos que envolvem fontes luminosas (vídeos, telas, projetores
etc.) trabalham com cores compostas pelo sistema RGB; e quando falamos de pinturas,
quadros etc., estamos nos referindo ao sistema CMY, que trabalha com pigmentos
(tintas). Não vamos nos aprofundar nas diferenças, mas cada sistema tem suas
propriedades. A seguir, temos duas imagens que representam os dois sistemas:
(Fonte: Autoria própria)

Independente do sistema de cor, temos que ter ciência das suas propriedades,
pois se falamos, por exemplo, da cor vermelha, cada um pode imaginar um tom. Para
alguns, ela pode ser um vermelho mais claro ou mais escuro, mais intenso ou mais
“apagado”. Para formar qualquer cor, precisamos conhecer as propriedades de matiz,
saturação e brilho. O matiz, por ora, vamos definir como o nome da cor como
conhecemos: azul, verde, amarelo, laranja etc. A saturação é responsável por deixar a
cor mais ou menos “viva”. E, por fim, o brilho, onde teremos a alvura da cor, podendo
ser mais clara ou mais escura. Na figura a seguir temos o exemplo de cada uma delas:

Matiz

Saturação

Brilho

Como exemplo prático, podemos trazer dois supostos cenários para um projeto
de artes. No primeiro, vamos imaginar um quadro e, como base, vamos ter o movimento
do tropicalismo brasileiro; nesse caso, teremos uma paleta de cores bem saturadas, ou
seja, cores pujantes e vivas, independentes do matiz escolhido. No segundo caso, o
projeto será baseado no estilo vintage, assim, teremos uma paleta de cores com baixa
saturação. Vamos ver as paletas prontas nas imagens a seguir:

Exemplo de paleta de cores para utilizar no projeto de estilo tropicalismo

Exemplo de paleta de cores para utilizar no projeto de estilo vintage

Podemos perceber que a escolha das cores influencia diretamente no projeto


final, por isso, é aconselhável montar uma paleta com as cores que serão utilizadas em
suas artes.

As cores também “conversam” entre si, podemos fazer uma combinação


cromática utilizando regras de harmonia entre elas. Existem diversas ferramentas que
ajudam a compor uma paleta de cor e, como exemplo, temos uma ferramenta on-line e
com recursos grátis: o site Adobe Color (color.adobe.com) da empresa Adobe. Nele
existem muitos recursos, como extrair a paleta usando uma imagem de referência ou
com uma cor base de guia. Em relação às regras de harmonização de cores, temos
muitas opções, como sombras, monocromático, tríade, composto, entre outras. Caso
precise de uma arte com cores que tenham alto contraste entre si, e ainda se
destaquem, procure utilizar a regra de cores complementares; já se o intuito é ter cores
harmoniosas e agradáveis, tente a regra de cores analógicas.

Em um panorama bem geral, a escolha da cor em um projeto vai além do visual,


suas propriedades e significados influenciarão no projeto final, assim como cada
elemento (material, forma, formato etc.) também é importante e pode transmitir uma
mensagem, uma ideia de diferentes maneiras e, se aliadas com as novas tecnologias,
as artes podem alcançar lugares e pessoas que nem imaginamos.

Vimos que a composição de um projeto é bem complexo e que cada detalhe faz
toda a diferença na hora de compor a nossa arte. Muitas vezes, o que queremos
transmitir não fazemos de forma implícita, mas utilizando o invisível para que as pessoas
“enxerguem” a proposta da nossa arte.
Referências:

ARNHEIM, R. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. 3. ed. São
Paulo: Pioneira, 2005.

DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

NIEMEYER, Lucy. Elementos de semiótica aplicados ao design. 2AB Editora. Edição do


Kindle.

WONG, Wucius. Princípios de forma e desenho. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

Você também pode gostar