Você está na página 1de 431

A Obsessão de Zachary King

Mari Monni
Direitos autorais © 2022 Mari Monni

Todos os direitos reservados

Os personagens e eventos retratados neste livro são fictícios. Qualquer semelhança com
pessoas reais, vivas ou falecidas, é coincidência e não é intencional por parte do autor.

Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou armazenada em um sistema de


recuperação, ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico, mecânico,
fotocópia, gravação ou outro, sem a permissão expressa por escrito da autora.

Edição: Criativa Literária

Revisão: Bárbara Pinheiro

Capa: Natália Saj

Para Luísa.

Seja bem-vinda, princesa.

E para Renata.

Porque eu te amo mais que batata frita.


Nota da autora

Querida leitora, obrigada por escolher meu livro dentre as milhões


de opções na plataforma. Espero que Zach e Gaia consumam você
da mesma forma que fizeram comigo. Eu acordava e dormia
pensando neles. Em certo ponto da história, queria entrar no
computador e viver em uma simbiose estranha (e um tanto
preocupante, confesso) com esses dois.
Espero, também, que se apaixone pelos demais King. Ao todo,
teremos cinco. E cada um deles está aqui, com um pequeno easter
egg das próximas histórias. Não é nenhum spoiler, também não é
nada gritante. Uma fala, um movimento, um sinal que indica o grande
romance que o personagem irá viver. Será que você consegue
encontrar? Conte-me no Instagram.
Por último, e não menos importante, apenas o prólogo é narrado
em terceira pessoa. Os demais capítulos são intercalados — não
necessariamente de forma organizada — entre as visões de Zach e
Gaia. Mas leia o prólogo! Muita coisa só faz sentido por conta dele!
Aproveite o livro.
E cuidado com a maldição dos King.
Você pode ser a próxima.
Prólogo

Três meses atrás…


Harvey King andava de um lado para o outro da pequena sala


oculta em sua mansão. Quando tinha sete anos e descobriu a tal
“passagem secreta”, teve a certeza de que ali seria o local perfeito
para um clube dos meninos, onde ele e seus dois irmãos, Edmund e
Walter, bolariam planos para destruir o clube das meninas, suas
maiores rivais.
Ah, como os tempos mudaram…
Desde então, mais de cinquenta anos havia se passado, só que
o clube dos meninos permanecia firme e forte — apenas com
objetivos bem diferentes. Agora, uma das meninas do clube rival
havia se casado com Eddie; Wally e Harvey também tinham
esposas, que eram os grandes amores de suas vidas. Isso era o que
acontecia com todos os homens King.
— Desculpe a demora. — Edmund invadiu o pequeno cômodo,
que ainda trazia marcas de dias bem vividos.
Nas paredes estavam alguns porta-retratos com imagens de
momentos marcantes na vida dos três jovens King. Viagens,
formaturas, casamentos, nascimento dos filhos… tudo ao lado de
recortes de jornais, que celebravam o sucesso da empresa. Uma
sala de seis metros quadrados, no máximo, mas que carregava a
história de três dos homens mais importantes do país.
— Ainda bem que você chegou. — Walter se levantou da
poltrona velha e preta, com o recosto já bastante surrado, e foi
cumprimentar o irmão. — Harvey estava prestes a ter um infarto
aqui. — Apontou para o mais velho, que agora esfregava o rosto em
sinal de desespero.
— O que aconteceu, Harv? — Eddie, o caçula, quis saber.
Estava na cara que seu irmão sofria com algo bem sério.
— Sentem-se. Tenho um assunto de extrema urgência para
tratar. — Porém, em vez de se sentar, Harvey foi até o frigobar e
retirou de lá três latas de refrigerante de laranja, de uma marca
antiga que quase não se vendia mais, e as levou até os irmãos.
Aquela era a bebida preferida dos três, mesmo que eles nunca
revelassem este detalhe ao público.
Os únicos outros móveis eram uma mesinha redonda de centro,
que ficava bem no meio do círculo formado pelas três poltronas,
pequenas demais para três homens adultos, e uma escrivaninha no
canto, que não passava de uma tábua de madeira com dois pés de
ferro. Não era opulência que eles queriam ali dentro — isso estava
presente em todos os outros cantos da mansão, que ocupava quase
um quarteirão inteiro de Manhattan. Não, não. O que eles queriam
era privacidade, a chance de se encontrarem sem qualquer
perturbação. Sem suas esposas falando trivialidades e sem os
funcionários oferecendo bebidas e comidas caras.
Harvey surtaria se, ainda naquele dia de início da primavera,
ouvisse outro “Deseja mais alguma coisa, sr. King?”.
No clube dos meninos, que só os três conheciam, ninguém mais
entrava. Por isso, Harvey conseguiu puxar o ar com força e revelar a
verdade que escondia há algum tempo, sem medo de ser ouvido:
— Quero me aposentar. — Ele se permitiu tombar na poltrona
verde-escuro, tão gasta quanto as de seus irmãos, e deu um longo
gole na bebida doce e cítrica.
— Nós já sabemos disso, Harv — Eddie comentou, chegando o
corpo para frente e apoiando os antebraços nas coxas. — Inclusive,
não foi por isso que me pediu para ficar de olho em Zach?
Zachary King era o único filho de Harvey, o primogênito do
primogênito do primogênito, e tinha o potencial de ser o CEO das
Indústrias King. O único problema era que o garoto, que agora já
tinha quase trinta anos, não demonstrava qualquer sinal de estar
maduro o suficiente. Pelo menos quando o assunto era a vida
pessoal, já que no trabalho ele estava excedendo todas as
expectativas.
— Vocês se lembram de quando combinamos a nossa
aposentadoria? — Harvey revezou o olhar entre os irmãos, que
apenas assentiram com a cabeça.
— Essa conversa aconteceu há quase dez anos, mas isso não
quer dizer que a gente não lembre. Já temos mais de cinquenta, só
que ainda não ficamos caducos. — Wally revirou os olhos.
— Deixe de ser babaca, Walter. O assunto é sério e de muito
interesse para vocês dois — Harvey ralhou, talvez por estar cansado,
talvez por já ser onze da noite e ele ainda não ter tido a chance de
tomar um banho nem de jantar.
— Então, pare de fazer pausas dramáticas e vá direto ao ponto.
Estou exausto, Harv. Acabei de chegar e não vejo a hora de dormir.
Jet lag é uma merda. — Wally, que havia voltado de uma de suas
viagens para o Japão, deu um gole no refrigerante e esperou que o
irmão continuasse.
Quem visse de fora acharia que os três tinham um
relacionamento frio, o que não poderia estar mais longe da verdade.
Harvey, Walter e Edmund eram melhores amigos, além de irmãos.
Era por isso que o bate-boca entre eles nunca parava, também não
era levado a sério.
— Pois bem, vou direto ao ponto. — Harvey maneou a cabeça e
continuou: — Pretendo anunciar minha aposentadoria no dia que eu
completar sessenta anos.
— Mas isso é daqui a… — Eddie começou, mas logo foi
interrompido.
— Um ano, nove meses e doze dias, para ser mais preciso. —
Harvey se limitou a prestar atenção na reação dos outros dois.
Quando marcou este encontro, sabia que a conversa seria um tanto
complicada.
— Harvey, não sei se vai dar tempo —Walter foi o primeiro a
reclamar.
— Já está decidido — decretou, colocando um ponto final no
assunto. Às vezes, ser o mais velho tinha alguma importância. — A
única coisa que quero saber é se vamos seguir com nossos planos
ou se vocês mudaram de ideia.
Há quase dez anos, como o próprio Walter dissera, os irmãos
King haviam tido essa mesma conversa. O peso da responsabilidade
sempre fora alto demais e, naquele momento, eles haviam decidido
que não demorariam a se aposentar. Afinal, de que adiantava passar
a vida toda trabalhando e não ter a chance de curtir a velhice?
Mas Harvey não queria estar velho quando se aposentasse. Ele
queria viajar com sua linda esposa, passear em Paris sem pressa e
sem compromisso marcado, igual fizeram na lua de mel e nunca
mais tiveram a chance. Todas as suas viagens giravam em torno de
reuniões e mais reuniões — e Harvey estava cansado disso.
Fora que ele queria netos. Uma casa cheia de crianças
barulhentas, para trazer um pouco de caos à sua vida regrada. A
esposa estava louca para ser avó, e sempre que uma amiga
anunciava a gravidez da filha ou da nora, Monica King passava uma
semana chorando e reclamando.
Os cinco meninos teriam que dar conta do recado. Ele tinha um
filho só, mas Eddie e Wally tinham dois cada. A nova geração King
estava pronta para assumir a responsabilidade. Ou estaria muito em
breve, porque Harvey não estava disposto a esperar que seu filho
tomasse vergonha na cara e decidisse que era hora de ser um
homem de verdade, não um moleque.
O silêncio fez-se ouvir no clube dos meninos. Tanto Edmund
quanto Walter não sabiam o que responder, afinal, eles conheciam
muito bem seus filhos e sobrinhos — e nenhum deles estava
disposto a largar a vida confortável que tinha para assumir as
Indústrias King.
Mas o grande problema nem era esse, e sim o combinado que
os irmãos haviam feito quase uma década antes.
— Não vai dar certo — Wally, o mais cético dos três, afirmou.
— Tem que dar certo, se quisermos ficar seis meses no sul da
Itália, como combinamos… — Harvey olhou para o irmão. Ele sabia
que este era o ponto fraco de Wally: passar um tempo curtindo
vinhos e massas frescas, olhando o sol nascer e se pôr.
Ninguém sabia o motivo, mas Walter King era apaixonado pela
Itália, e um de seus maiores arrependimentos foi não ter investido na
compra de uma vinícola. Mesmo que tivessem dinheiro suficiente
para comprar o que bem entendessem, não era assim que os irmãos
King funcionavam: eles eram homens de negócios, e nunca, nunca
mesmo, investiam em algo que sabiam que daria errado. Um ano
depois de recusar a oferta, a vinícola faliu — e Wally sabia que tinha
feito a escolha certa.
— Não é desse jeito que… — Dessa vez, foi Eddie quem disse.
— Eles não estão prontos.
— Eu também acho — para espanto dos outros dois, Harvey
concordou. — É por isso que estamos aqui. Quero alterar um pouco
os planos.
— Harvey, presta atenção. — Walter deixou a lata vazia de
refrigerante sobre a mesa de centro e se levantou da poltrona. —
Nós tínhamos combinado que nos aposentaríamos juntos, certo?
— Certo — Harvey e Eddie disseram ao mesmo tempo.
— Também combinamos que só entregaríamos as Indústrias
King aos nossos filhos quando eles estivessem casados, certo?
— Certo — os dois disseram juntos de novo.
— E como vamos fazer isso em um ano, nove meses e doze
dias? — Walter quis saber.
Era esse o grande problema. Quando abordaram o assunto pela
primeira vez, eles sabiam que não poderiam deixar as Indústrias
King na mão de cinco irresponsáveis. E, para bem da verdade, era
isso o que os cinco rapazes eram. Bebidas, noitadas, mulheres e
zero preocupações.
Foi por isso que, há dois anos, eles foram enviados para
Londres, onde ficaram sob os olhares cuidadosos de Edmund e
assumiram setores da segunda filial mais rentável da IK. Harvey
ainda não confiava neles a ponto de deixar que tomassem conta da
matriz, em Nova York. Mas a hora havia chegado. Harvey King
queria se aposentar e queria ser avô, merda.
— Vamos trazer os cinco de volta para casa — anunciou. —
Enquanto isso, procuramos as mulheres perfeitas para eles. Mas
nada de modelos e socialites. Queremos mulheres normais, para
colocar um pouco de juízo na cabeça oca desses idiotas. — De
repente, se calou. Calou-se porque sabia de outro detalhe. Um que
talvez os irmãos tivessem esquecido.
— É dos nossos filhos que você está falando, Harv. — Edmund
sorriu enquanto balançava a cabeça em negativa.
— Podem ser nossos filhos, mas são cinco idiotas — Harvey
argumentou, porém o pensamento ainda rondava sua mente. Então,
subiu o olhar, revezando-o entre Eddie e Wally. — Precisamos
apresentá-los ao máximo de mulheres possível. Se a maldição não
vai funcionar sozinha, temos que fazer a nossa parte por ela.
Como previsto, os dois deram pulos em suas poltronas.
— Eu tenho que voltar para Londres — Eddie desconversou. —
Não sei se vou conseguir dar atenção ao nosso plano.
Mais de cinquenta anos desde que encontraram o clube dos
meninos, mas a essência permanecia ali. Edmund fora o primeiro do
trio a sofrer com o efeito da maldição dos King, com apenas cinco
anos de idade. Wally foi o segundo, aos quinze. Com Harvey
aconteceu por último. Ele já estava trabalhando na época. Mesmo
assim, foi dito e feito.
— A maldição dos King nunca falhou. — Walter, corajoso como
o primogênito, engoliu em seco e tomou a frente. — Tem certeza de
que está disposto a passar por cima dela?
— Não passaremos por cima dela, Wally. Apenas… daremos
uma ajudinha — Harvey disse com segurança, mas, por dentro, não
estava se sentindo tão seguro assim. — Vamos fazer dar certo.
— Tudo bem. Estou dentro. — Wally parecia resignado. Ou
talvez apenas desesperado o bastante e pensando no sul da Itália.
— Eu também. — Por último, mas não menos importante, foi a
vez de Edmund.
— Temos menos de dois anos para isso. E depois… férias
eternas.
Harvey se levantou da poltrona com calma, caminhou até o
frigobar e retirou de lá mais três latas de refrigerante. Estava na hora
de brindar.
— Por onde começamos? — Eddie quis saber.
Nenhum deles precisou pensar muito e, com um olhar, sabiam
que o plano teria que começar por cima.
— Zachary — responderam em uníssono e um sorriso
conspiratório se formou nos rostos dos três irmãos.
Vida em Nova York
A sua fonte de informações sobre a cidade que
nunca dorme

Vejo esses sites de cobertura de famosos da Inglaterra se


gabando porque têm uma família real para mostrar, mas agora sou
eu que vou esfregar na cara deles: OS KING VOLTARAM!
Ainda não acredito que eles estão de volta a Nova York! E sem
aviso, sem nada? Isso não se faz! Preciso de roupas novas, porque
se vou sair correndo atrás do meu futuro marido — e aceito qualquer
um deles —, então tenho que estar na minha melhor versão!
Os ingleses que fiquem com Kate e Will, já que tenho os cinco
homens mais lindos que este planeta já viu para me esbanjar:
Zachary, Trenton, Sebastian, Elijah e Jackson. Um só não era o
suficiente. Depois de anos morando na Inglaterra, os cinco primos
reapareceram na cidade usando aqueles ternos caríssimos, com
cortes de cabelo impecáveis e sorrisos capazes de derreter uma
calota polar!
Sabe quem vai se beneficiar com isso? Os cardiologistas!
Porque nossos corações não vão aguentar tanta beleza no mesmo
metro quadrado.
Capítulo 1

Zachary

Três meses depois…

O som do violino atinge o meu peito como um soco, tão intenso


e triste que paro de andar. As pessoas elegantes ao meu redor
perdem a importância. Até o salão do Waldorf Astoria fica um pouco
menos imponente. Agora, só consigo manter o foco na mulher que
toma o centro do palco. Em pé, vestida de preto, ela apoia a cabeça
no instrumento, enquanto suas mãos guiam uma melodia triste. Mas
não é na musicista que presto atenção, e sim nas notas arrastadas.
O som parece o vento frio do inverno, que entra pelas roupas e te
deixa com a sensação de que mil facas minúsculas cortam a sua
pele.
“Quando foi que você começou a usar metáforas, Zachary?”,
faço a pergunta na minha cabeça, ao mesmo tempo que me sinto
hipnotizado, com calafrios subindo pela coluna e incapaz de me
mexer.
A mulher mantém os olhos fechados e o rosto contraído, como
se sentisse dor, o arco em sua mão indo de um lado para o outro —
e eu apenas observo. Não sei que música ela está tocando, mas isso
não me impede de continuar com a admiração. Há tanta paixão ali…
tanta urgência e, ao mesmo tempo, uma calma irritante. Tanto
controle.
De alguma forma, tenho a impressão de que essa música foi
feita para mim. Os altos e baixos, o tom falsamente tranquilo, que
acelera até virar uma explosão. É como se cada nota fizesse parte
daquela história.
Uma sensação estranha ganha espaço, como se tudo estivesse
prestes a mudar. Sinto as mãos ficarem mais geladas do que a
bebida que carrego, e um aperto no peito me deixa tonto.
Que porra é essa?
— Zach! — Uma voz masculina rompe o transe e me vejo
obrigado a balançar a cabeça para retomar um pouco da lucidez. —
Aí está você. Tio Harvey não para de te procurar.
Atrás de mim, vejo meu primo Trenton se aproximando.
— Onde ele está? — quero saber, antes que meu pai possa vir
até mim e me apresentar a mais duzentos de seus convidados.
— Te esperando para fazer o brinde — Trent explica e me pego
soltando um suspiro de alívio. Não que eu queira fazer o brinde
principal da noite, mas até isso é melhor do que ficar parado por
conta de uma música.
— Acho melhor encontrar o velho. — Aceno com a cabeça,
contendo a vontade de revirar os olhos, e meu primo se limita a
sorrir.
— Quando acabar, tenho uma surpresinha… — fala de forma
enigmática.
— O que você fez? — O tom desconfiado em minha voz não
passa despercebido por ele, tanto que Trenton ergue ambas as
mãos, em um sinal claro de quem está se defendendo.
— Calma aí! — Solta uma risada, que interpreto como perigosa.
Conheço meu primo melhor do que ninguém. Ele é o mais perto que
tenho de um irmão, já que fomos criados juntos. Por isso, apenas
enfio uma mão no bolso, dou um gole na bebida e deixo que
continue. — Você sabe que odeio esse tipo de evento — revela, e o
sentimento é mútuo. — Então, encontrei uma forma de… deixar a
noite um pouquinho mais interessante.
Quando sobe e desce as sobrancelhas várias vezes, percebo o
que a insinuação quis dizer: mulheres.
— Ótimo. Estou precisando — digo no instante que o violino
para de tocar e é seguido de muitos aplausos. Não meus, porque
odiei cada segundo daquela música.
— Vá cumprir com seu papel de futuro dono da porra toda e
depois me encontre ali. — Trenton indica o local com um gesto de
cabeça.
— Certo, mas é melhor que a oferta seja boa, porque as
consequências serão dramáticas. — Pisco para ele, que solta uma
gargalhada.
— E quando a vida de um King não é dramática?
Não preciso responder e já começo a caminhar na direção da
mesa mais à frente, onde minha família está sentada. Trenton sabe,
tão bem quanto eu, que ser um King tem seu lado bom e o não tão
bom assim. Dou outro gole no espumante doce e respiro fundo duas
vezes. Enquanto sigo até meu pai, várias pessoas me
cumprimentam. A vontade que tenho é de ignorar cada uma delas,
só que mamãe me deu educação. Aceno de volta, sem parar para
conversar com ninguém.
— Ah, Zachary! — A voz de meu pai soa alto. Um sorriso largo
estampa seu rosto, fazendo com que os olhos verdes fiquem
pequenos. — Onde você estava, filho? Está na hora do brinde.
— Não sabia que precisava de mim para isso. — Acabo com o
líquido na taça e aproveito uma garçonete passando para trocar a
vazia por uma cheia.
— Não preciso, mas quero — meu pai fala, o humor inabalável
em seu tom.
— Certo…
Porque se Harvey King quer alguma coisa, ele consegue. Pode
não ser agora, nem amanhã, mas meu velho tem o dom de fazer
seus desejos virarem realidade. Sempre.
— Não se preocupe. — Mamãe vem até mim e começa a alisar
as lapelas do meu terno. — Você vai se sair bem.
Beijo seu rosto e sorrio.
— Não tenho dúvidas. — Dou uma piscadinha para ela, que
agora está revirando os olhos e balançando a cabeça em negativa.
Então, meu pai e eu começamos a nos afastar, seguindo na
direção do palco onde, há poucos minutos, a mulher tocava seu
violino. A banda chegou para trás, liberando espaço para nós.
— Sei que você não preparou um discurso — ele sussurra para
que apenas eu possa ouvir —, mas só precisa falar do coração.
Assinto, deixando que comece, e ele logo está na frente do
microfone. Retira a caneta do bolso e bate gentilmente na taça de
cristal algumas vezes, chamando a atenção dos convidados.
— Boa noite, senhoras, senhores e Wally — começa arrancando
risadas de todo mundo, porque a implicância entre os irmãos King é
lendária.
De algum lugar no salão, consigo ouvir um “vai à merda, Harv”,
que faz nossos convidados gargalharem ainda mais alto. Nem
parece que estamos em um evento para a nata da sociedade nova-
iorquina.
— Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a presença de cada
um de vocês. A data de hoje é muito especial, não só porque as
Indústrias King estão completando setenta e cinco anos — aplausos
frenéticos se arrastam por vários segundos, vibrando a conquista
suada da minha família —, mas também porque meu filho voltou
para casa, após passar os últimos anos em Londres.
Mais aplausos e vários gritinhos femininos seguem a
declaração. Se eu tivesse um pingo de timidez, ficaria vermelho
agora. Só que não sou tímido, muito menos inseguro. Por este
motivo, aceno para os nossos convidados, um sorriso largo
estampando o meu rosto.
A verdade é que estou realmente feliz por voltar a Nova York. A
vida na Inglaterra podia até ser boa, mas nada se compara a estar
em casa. Foram anos de muito aprendizado e, para a minha
surpresa, descobertas — a mais importante delas foi o fato de que
eu gosto de trabalhar nas Indústrias King. Pensei que iria me irritar,
ficar de saco cheio da responsabilidade…, mas o oposto aconteceu.
Por isso, quando meu pai termina o brinde, depois de falar por
mais dois minutos, e me oferece o microfone, eu aceito.
— Boa noite — cumprimento. — Estar aqui hoje significa muito
para mim. As Indústrias King começaram com apenas uma lojinha de
aparelhos de rádio. Depois, no quartinho dos fundos, onde ficava o
estoque, foi criada uma emissora. Algo bem simples, que passava na
vizinhança, dando voz aos artistas locais e independentes. Sem
patrocínio, sem grandes investimentos… Meu bisavô era apaixonado
por música, e sempre que escutava um talento tocando pelas ruas,
fazia questão de chamá-lo para uma apresentação na “rádio”. —
Faço o sinal de aspas com os dedos, porque, na verdade, a estação
nem era legalizada. Só que a paixão pela arte sempre correu no
sangue dos King. —  A evolução foi gradual, até meu avô tomar
conta da lojinha do pai e resolver dar um passo à frente. Uma
emissora pequena se tornou duas, e depois uma de televisão, e
duas. Chegou a vez do meu pai assumir, junto com meus tios,
transformando o que era uma empresa em crescimento em uma das
maiores do mundo.
“Para quem não sabe, as Indústrias King dominam o setor
audiovisual há mais de duas décadas. Hoje, temos diversas
produtoras, tanto musicais quanto de cinema e televisão, um
conglomerado de emissoras e, principalmente, um legado. Ainda não
sei de que forma irei contribuir com a evolução desta empresa, mas
de uma coisa tenho certeza: sinto-me honrado em ser um King.
Aproveitem a noite.”
Ignoro as ovações e abraço meu velho, que ficou emocionado
com o breve discurso. Ou talvez pelo fato de eu ter assumido
publicamente que serei o sucessor da família.
Durante um tempo, relutei bastante em aceitar o que o destino
tinha reservado para mim. Só que percebi que não podemos escapar
do inevitável. Então, que seja. Darei o meu sangue pelas Indústrias
King, só não estou a fim de perder a minha liberdade também.
Capítulo 2

Gaia

Sentada em um dos bancos na parte de trás do jardim,


descanso as costas enquanto crio coragem para finalmente tomar
um banho e ir para a cama. Meu primeiro dia foi intenso, com a
coronel da culinária me mostrando tudo o que precisarei fazer daqui
para a frente.
Disseram que a casa precisava de um sous chef, não que
queriam uma assistente de cozinha, o que é bem diferente. Quando
cheguei aos Hamptons, pensei que ficaria responsável por algumas
coisas, mas tudo o que Martha me deixou fazer foi descascar
legumes, lavar a louça e experimentar algumas de suas receitas —
que ela estava testando para quando a família chegasse.

Mesmo assim, respiro fundo o ar salgado e abro um pequeno


sorriso. Não é todo dia que uma oportunidade como esta aparece.
Principalmente para os que trabalham na bomboniere do cinema e
fazem bico de garçonete em eventos da alta-sociedade. Mas a
chance que recebi parece um presente enviado dos céus. Trabalhar
três meses na casa de praia de uma família de ricaços pode
alavancar minha carreira.

Meus dedos tamborilam no banco de madeira, ainda sem


conseguir acreditar que estou aqui. Tenho uma chance, só uma, para
provar que posso ser uma chef de verdade. As pessoas que vêm
passar o verão na casa são aquelas que pavimentam o caminho de
reles mortais como eu. Afinal, um elogio dos King e estou feita para o
resto da vida.
Fora que o dinheiro também é muito importante neste momento,
mesmo que eu seja obrigada a passar as próximas semanas
aturando as ordens de Martha. Descobri que preciso estar na
cozinha às 6h30 para preparar o café, depois focamos no almoço.
Apesar de ter parte da tarde livre, preciso estar de volta às 17h para
começar a organizar o jantar. Todas as refeições são servidas
pontualmente às 8h, 13h e 20h. A coronel explicou que o sr. Harvey
não abre mão disso, nem de que toda a família esteja à mesa — e
eu que lute para dar conta do serviço.
— Ainda não fugiu? — Uma voz feminina me assusta e viro para
ver quem se aproxima.
Valerie, uma das meninas que trabalha na casa, está parada ao
lado da porta, olhando para mim com um sorriso. As bochechas
rosadas não escondem que ela estava atribulada até agora, e os
longos fios castanhos, presos em um rabo de cavalo, estão
desalinhados.
Além dela, de Tina e Helga, que são as responsáveis por limpar
e arrumar tudo, tem também Lottie e Derek, que trabalham como
garçons. Quando fui apresentada a todos, mal acreditei que eles
estavam aqui para servir um grupo tão pequeno de pessoas. Foi
então que me contaram que, durante os fins de semana do verão, a
casa fica lotada, com pelo menos onze Kings e seus convidados.
— Ainda não fugi. — Sorrio de volta. — Mas confesso que estou
com um pouco de dor de cabeça.
— Ouvir Martha falar o dia inteiro pode causar isso.  — Valerie
se aproxima e toma o lugar ao meu lado no banco.
Dou um aceno positivo, pensando em como deve ser triste
passar o ano inteiro sozinha nesta mansão, sem nada para fazer.
— Ela mora aqui com o marido, né?
— Aham — Valerie confirma. — O filho dela, Spencer, morava
aqui também, mas há pouco tempo conseguiu um emprego no centro
da cidade. Acho que ele alugou um apartamento por lá.
— E você faz o que quando não está trabalhando para os King?
— quero saber.
— Estou terminando a faculdade. Faço fisioterapia esportiva.
Quem sabe o chefe não me dá uma carta de recomendação. O cara
conhece todas as pessoas mais importantes do ramo. E você?
— No momento, estou juntando dinheiro para retomar o curso
de gastronomia — confesso. — Trabalho no buffet da Christine
Lowell de vez em quando.
— Ah, então é por isso que está aqui — Valerie comenta e olho
para ela com uma sobrancelha erguida. Entendendo minha pergunta
silenciosa, ela explica: — Só se trabalha na casa dos King quem é
indicado. Eu sou sobrinha da governanta do sr. Walter. A Christine é
irmã da Angela, esposa do sr. Edmund, e é o buffet dela que sempre
faz os eventos dos King.
— Posso ser sincera? — Quando Valerie faz que sim com a
cabeça, continuo: — Não sei o nome de nenhuma pessoa da família,
a não ser o tal de Harvey.
Valerie começa a rir, os olhos castanhos brilhando ainda mais do
que o normal.
— Uma breve explicação? — pergunta e eu assinto. — A família
King é bem grande, e acho que é por isso que são tão famosos e
ricos. Tem gente em tudo que é ramo, mas ninguém é tão importante
quanto Harvey, Edmund e Walter. Eles são os três filhos da sra.
Dorothy e do sr. Albert, que já falerceram. Hoje em dia, os três
comandam as Indústrias King. Todos são casados e têm filhos, que
são os herdeiros da fortuna. Zachary é filho de Harvey, Trenton e
Elijah são filhos de Edmund, Sebastian e Jackson são filhos de
Walter.
— Qual é a dificuldade em parir mulheres? Nunca vi uma família
tão cheia de homens — comento.
— Também não. Acho que eles só têm uma prima, que mora em
Londres.
— São eles que vêm passar o verão aqui? — questiono,
tentando anotar mentalmente a árvore genealógica.
— Isso mesmo. Os outros Kings estão em diferentes estados e
países — Valerie segue com a explicação. — Advogados,
publicitários, engenheiros… o que você imaginar.
— Acho que preciso de um caderninho pra anotar tudo isso. —
Não consigo esconder o desespero.
— Que nada! Você logo se acostuma. A única coisa impossível
de se acostumar é à beleza daquele bando de homem gato. Sério,
Gaia, tem um motivo para os tabloides amarem tanto aqueles
rostinhos… — Valerie continua falando sem parar, dizendo que todos
eles são playboys renomados e raramente aparecem ao lado da
mesma pessoa duas vezes seguidas.
Conta algumas histórias de envolvimentos com artistas e diz que
eles sabem muito bem o efeito que causam.
O excesso de clichê me faz revirar os olhos. Reviro tanto que
tenho medo de que eles nunca mais voltem para o lugar. É claro que
todos os King são ricos, lindos e safados. Não podia ser diferente…
— Este é o meu quarto verão trabalhando aqui, talvez o último, e
não consigo me cansar deste lugar. — Quando percebe que não me
mostrei empolgada sobre o assunto, Valerie se recosta no banco e
olha para o céu, inclinando a cabeça para trás enquanto inspira
fundo.
— É realmente muito bonito — concordo. O céu está lotado de
estrelas, indicando que amanhã teremos um dia ensolarado, e o
barulho do mar ao fundo deixa tudo ainda mais tranquilo.
— Que bom que você está aqui, Gaia. Pelo menos, vou ter uma
pessoa da minha idade para conversar. — Valerie dá dois tapinhas
no meu joelho.
— Tem a Lottie. — Lembro-me da loira estonteante que conheci
mais cedo. Ela apareceu no fim da tarde, com a cara emburrada, e
disse que não via motivos para estar aqui, já que a família ainda não
tinha chegado.
— A Lottie não se mistura com empregados — Valerie diz em
tom de deboche, gesticulando como se tivesse unhas gigantescas.
— Mas o Derek parece ser legal — comento, me referindo ao
outro garçom e irmão de Lottie.
— É muito legal, muito lindo e muito educado. Pegava fácil. —
Ela oferece uma piscadinha e é minha vez de rir.
— E por que você não tenta?
— Porque quero um homem no estilo King, amor. Nasci para ser
rica, não para limpar privadas.
É impossível conter a gargalhada.
— Não há vergonha alguma em limpar privada, Valerie. É um
trabalho honesto, como outro qualquer.
— Ah, eu sei disso, miss politicamente correta. Mas você nunca
sentiu como se fosse grande demais para a própria vida? Porque é
exatamente assim que me sinto: presa, limitada. — O comentário de
Valerie chega como um soco. Será que eu também estou limitada à
minha realidade sem graça? Mas antes que eu possa dizer qualquer
coisa, ela se levanta do banco e me oferece um sorriso. — Já está
tarde, vou entrar. Quero tomar um bom banho e cair na cama. Se a
família chega amanhã, precisamos estar bem descansadas.
— Eu vou daqui a pouco — aviso. — Será que tem problema se
eu for para a frente da casa?
— Aproveita. — Ela indica a direção com a cabeça, vira as
costas e entra, me dando a privacidade que preciso.
Sigo pela lateral, cruzo a piscina e continuo em frente,
caminhando pelo jardim, até a grade que protege o deque. No
escuro, o mar brilha com o reflexo das estrelas. Posso ver a areia
branquinha, desejando mais do que tudo poder estar deitada ali, nem
que fosse por alguns minutos.
Algo no movimento sereno das ondas grita o meu nome e a
atração que sinto pela água me faz chegar o corpo para frente.
Agora debruçada sobre a grade, inspiro fundo o aroma salgado e me
sinto em casa.
Não sei por quanto tempo fico aqui, completamente hipnotizada,
mas acabo fazendo um pedido ao mar: que, neste verão, ele me
traga algo novo. Algo… bom, que me tire dessa realidade sem graça
e me ajude a apagar aquilo que merece ficar esquecido.
O pedido bobo acaba me fazendo rir.
— Gaia, você é uma idiota — falo sozinha, mas logo tapo a boca
por conta do som alto que acabou escapando.
A casa está escura e silenciosa demais. Imagino que todos já
foram dormir enquanto eu permaneço acordada, olhando o mar e
sentindo o cheiro da praia. Até então, o único barulho que podia ouvir
era o vaivém embalante das fracas ondas, só que o nítido ronco de
motor e o som de rodas passando pelas pedrinhas da entrada
rompem o feitiço, fazendo com que eu me vire para ver o que está
acontecendo.
De um carro chique, daqueles que não faço a menor ideia da
marca, várias pessoas saem correndo, ignorando as portas que
ficam abertas. Vejo dois homens e três mulheres, todos rindo de
alguma coisa que não sei. Eles ignoram a minha presença — talvez
por eu não ter qualquer relevância para interromper com a diversão
ou então por eu estar do lado oposto do enorme deque — e seguem
até a piscina. Roupas são arremessadas pelo caminho, a liberdade
do momento impedindo-os de ter qualquer pudor. Até as mulheres
logo estão apenas de calcinha e sutiã; os dois homens também só
de roupas íntimas.
Fico sem saber o que fazer. Duvido que sejam invasores, já que
sabiam para onde deveriam ir. Por isso, imagino que os dois homens
sejam King, e as mulheres, suas convidadas.
As risadas ficam cada vez mais altas depois de pularem na
piscina. Os cinco brincam, jogando água uns nos outros como se
fossem adolescentes. Uma cena ridícula, ao mesmo tempo invejável.
Assim como as ondas me chamavam, a presença deles também
me faz dar alguns passos na sua direção. Só que, em vez de ir pela
luz, opto em seguir pela sombra da casa. Paro ao lado da porta
lateral e observo por alguns minutos. Sou uma voyeur, usando da
desculpa de que preciso ter certeza de que a propriedade não foi
invadida para espiar o que estão fazendo.
É então que um dos homens sai da piscina e, ainda de costas
para mim, vai até a jacuzzi, ligando-a. Logo depois, o grupo se junta
a ele.
— Trenton! — a mulher loira exclama quando é puxada para o
colo do outro rapaz.
Ao ouvir isso, tenho certeza de que estes dois são King. Trenton
foi um dos nomes mencionados por Valerie. E por mais que eu não
saiba exatamente quem ele é, sei que faz parte da família.
Envergonhada por ter ficado tempo demais aqui, resolvo voltar
para dentro. Sem querer passar por eles e ter a chance de ser
descoberta, decido dar a volta pela garagem e entrar pelos fundos.
Levo alguns minutos, de tão grande que é a casa, e assim que me
vejo na cozinha de novo, me apoio na bancada e solto um suspiro de
alívio.
A sensação não dura muito tempo, porque logo sinto a presença
de mais alguém. Viro-me abruptamente, pegando a concha de sopa
que estava sobre a ilha — como se ela fosse capaz de me proteger
—, e encontro um par de olhos verdes me analisando com cuidado.
Vejo um flash de surpresa passar por eles enquanto o homem me
avalia, e a intensidade com que me encara me obriga a puxar o ar
com força.
— Quem é você? — pergunta, mas toda a minha eloquência vai
embora. Não por causa do tom acusador que ele usa, e sim porque é
impossível falar quando seus olhos mantêm os meus reféns.
Estou presa. Hipnotizada. Sem conseguir falar, respirar, me
mexer. Meu cérebro entrou em curto-circuito. O homem é tão lindo
que chego a ficar tonta e sinto os joelhos fraquejarem.
Reunindo o máximo de esforço que sou capaz, rompo o contato
visual e deixo meus olhos descerem um pouquinho. Grande erro. A
primeira coisa que me chama a atenção é a boca grossa e
desenhada, que no momento está fechada enquanto ele espera a
minha resposta.
Há quanto tempo não penso na boca de um homem passeando
por meu corpo, provando minha pele, me seduzindo aos poucos? Há
quanto tempo não sinto desejo? Há quanto tempo não sou inundada
pela vontade de ser tocada?
Engulo em seco, sentindo meu coração bater cada vez mais
forte dentro do peito.
Mas é só quando analiso o rosto severo, com os olhos verdes
que me encaram, emoldurados por sobrancelhas grossas e
franzidas, que percebo o tamanho do problema. O maxilar definido,
marcado por uma barba malfeita, está tenso, como se ele estivesse
prestes a entrar em uma briga.
Errar uma vez é humano; duas vezes é burrice. Só que descer
ainda mais o olhar é necessário neste momento, porque ele tem o
torso despido, com músculos definidos e molhados, que me faz ficar
com a boca seca.
Uau. Só… uau. Fico completamente admirada, tentando decidir
para onde olhar, enquanto me esforço para parecer indiferente. Devo
estar falhando de forma miserável, porque cada centímetro que
percorro com os olhos me deixa sem ar, ofegando por qualquer
contato que venha dele.
Aperto a concha com força, precisando ocupar as mãos com
alguma coisa, senão corro o risco de deixar com que façam aquilo
que mais desejam: tocar o homem à minha frente.
Ao fundo, escuto uma risada grossa e baixa, mas nem ela é
capaz de me desviar daquilo que está ao meu alcance.
— Vai ficar me comendo com os olhos ou vai responder à
pergunta? — Seu tom irônico não me escapa, mas é a arrogância
em sua postura, como se fosse o dono do mundo, que me faz sair do
transe e me dar conta do que estava fazendo. Puta merda. — Quem.
É. Você? — repete.
Recoloco a concha sobre a bancada e respiro fundo uma vez
antes de responder:
— Gaia Denver — revelo com a voz trêmula. — Trabalho para a
Martha neste verão — apresso-me em dizer, sem fazer referência ao
comentário.
— E não achou importante avisar que eu e meus convidados
não estávamos sozinhos? — Aponta na direção da piscina, e até seu
dedão é atraente.
Como é possível um dedão ser atraente?
— Achei desnecessário. — Tento retomar o controle, pelo
menos do meu corpo, e mantenho os olhos presos nos dele
enquanto respondo: — Não queria interromper a… diversão. Além
disso, vocês não tiveram problemas em não me ver quando
cruzaram por mim no deque, não é?
Ele sorri. E, de repente, descubro que existe algum ser superior
que fez “plim” e criou a humanidade, porque não é possível alguém
ser tão bonito assim por conta de biologia, genética e evolução.
Darwin estava errado. E Deus é uma mulher; uma mulher bem
safada, que lê meus pensamentos mais eróticos.
— Ah, mas espiar pode? — acusa, e preciso me esforçar para
voltar ao assunto.
Do que a gente estava falando mesmo? Ah, sim…
— Eu não estava espiando — defendo-me, arrependida por não
conseguir usar um tom mais enfático.
— Aham — o homem desdenha. — Se repetir isso algumas
vezes, vai acabar acreditando que é verdade.
Encaro-o, agora com mais firmeza, surpresa por sua ousadia,
também por sua eloquência neste momento. Como ele pode estar
tão calmo, enquanto eu estou me segurando para não sair correndo
daqui?
Ah, claro… não sou eu quem causa impacto devastador nas
pessoas.
Não sei o que me tira mais do eixo: se ter sido flagrada por meu
chefe ou se por meu chefe em si. Se eu abrisse o Google e
procurasse por “pecado”, era a foto dele que apareceria como a
melhor definição.
— Olha, eu só estava tentando descobrir quem tinha entrado na
propriedade. — Visto minha melhor expressão de sonsa, como se
olhos verdes e tanquinho lambível não me afetassem, e continuo
encarando-o. — Quase liguei para polícia, até ouvir uma das
meninas chamar o nome do outro rapaz.
Por alguns segundos, ele não diz nada. Sua expressão passa de
arrogante a divertida em um piscar de olhos. Desta vez, é ele quem
me fita de cima a baixo. O sorriso aumenta a cada centímetro do
meu corpo que percorre com os olhos, e o gesto predatório me faz
dar um passo para trás, esbarrando na porta que leva ao corredor
dos funcionários. Só que o magnetismo que ele exala me faz perder
o fôlego de novo.
Neste momento, algo muda, e a tensão entre nós dois ganha
proporções tangíveis quando ele começa a vir na minha direção.
— E o senhor é…? — quero saber.
— Senhor? — Finge ter sido atingido por uma flecha do peito e
faz cara de sofrido. — Assim parece que tenho a idade do meu pai.
Sou Zachary. — Dá uma piscadinha, como se o nome significasse
algo para mim.
Valerie também mencionou um Zachary. Respiro fundo,
envergonhada e, ao mesmo tempo, aliviada. Dou de ombros,
tentando não o encarar. Porque se eu olhar para ele agora, serei
reduzida a uma poça de hormônios no chão da cozinha — e terei
que limpar a bagunça depois.
— Bom, sr. King, já está tarde. Se me der licença… — Aponto
para o corredor que leva ao meu quarto.
— Sem essa de “senhor” pra cá e “senhor” pra lá. Pode me
chamar de Zachary, ou Zach. É assim que todos fazem. — Ele dá
mais um passo na minha direção.
Assinto com a cabeça e começo a sair, porém sou impedida por
uma mão no meu braço. O toque arrepia os pelos da minha nuca, e a
surpresa me obriga a fechar os olhos por um segundo. Faço força
para puxar o ar, mas tudo o que consigo é o básico para me manter
sã. A pele onde ele toca começa a esquentar, como uma chama
recém-acesa, que faz o calor viajar pelo ombro, descendo pelo peito
e indo mais abaixo, se concentrando no meu ventre.
Viro-me para Zachary, querendo quebrar a magia do contato.
Porém a hipnose se intensifica ao ficar presa naqueles olhos verdes.
Ele me encara com curiosidade, sem apertar meu braço. Seu toque
apenas me mantém no lugar. Por um instante, Zachary fica imóvel, e
o silêncio entre nós é preenchido com uma energia vibrante, que me
mantém refém e me deixa incapaz de romper o contato.
Então, ele lambe os lábios, a ponta da língua traçando o
contorno bem-desenhado da boca, como se fosse um predador
faminto pela presa à sua frente.
— Se quiser, tem lugar para mais uma na jacuzzi — fala,
estampando um sorriso malicioso, que enfatiza suas intenções.
A mão quente segue queimando em meu braço, e o cheiro
tentador que vem dele — uma mistura de cloro e perfume masculino
— me inebria e me obriga a fechar os olhos. Estou tremendo com a
proximidade, com o medo, e talvez com o desejo que sinto por esse
desconhecido.
Fico em silêncio, sem saber o que dizer, como agir. Até que,
finalmente, saio do transe e crio coragem. O par de olhos mais
marcantes que já vi me instiga com promessas silenciosas. Mas há
algo ali que… que… Fico parada por vários segundos enquanto ele
me olha de volta, seu rosto sério, como se também não fosse capaz
de entender muito bem o que está acontecendo aqui, mas, ao
mesmo tempo, conseguisse enxergar algo em mim.

— Eu não sei se deveria me sentir ofendida ou honrada, senhor


King — puxo o braço —, portanto, acho melhor recusar a sua oferta.
Minha fala não passa de um sussurro, mas a mensagem chega
alta e clara. De repente, sua expressão muda de novo: ele diminui a
distância entre nós, voltando a sorrir. Tão perto assim, fico com o
rosto a poucos centímetros do seu peito — uma verdadeira tentação
que me coloca à prova. Antes que eu possa ser puxada novamente,
escuto-o dizer:
— Quando decidir se está ofendida ou honrada, me avise.
Sempre posso encaixar mais uma na diversão. — Pisca para mim. —
Boa noite, Gaia.
E como se nada do que aconteceu nos últimos minutos fosse
real, Zachary King volta para a piscina. Meus pés ficam plantados no
chão por não sei quanto tempo, até que meu coração retoma o
passo normal e minha respiração volta a ficar tranquila. Só então
tenho forças para ir em direção ao quarto, desapontada por não ouvir
passos me seguindo.
Vida em Nova York
A sua fonte de informações sobre a cidade que
nunca dorme

Se não fosse suficiente fazer um evento de gala em um hotel


chiquérrimo de Nova York, a família mais importante da cidade
também convidou várias celebridades para comemorar os setenta e
cinco anos das Indústrias King. Mas como gostamos de falar daquilo
que ninguém sabe, o babado da vez é que Zachary e Trenton foram
vistos entrando na festa, mas ninguém os viu saindo.
Depois que o mais velho dos King fez seu discurso — afinal, ele
será o próximo a comandar o império —, nosso príncipe
desapareceu com o priminho. Minhas fontes disseram que eles
escaparam pela porta dos fundos antes mesmo de o jantar ser
servido, acompanhados de três modelos da Victoria’s Secret, que
estavam em Nova York para o lançamento da nova linha de lingerie
da marca.
Diferente de Jackson, que não esconde seus casinhos, os mais
velhos parecem ter aprendido a arte da discrição. Agora, fico me
perguntando se Zachary King está pronto para mudar seu estilo de
vida. Afinal, o futuro CEO de uma das maiores empresas do mundo
não pode se render à boemia sempre que tem vontade, não é?
Será que uma das modelos terá a chance de ser a nova
princesa ou foi só uma noite de diversão?
Capítulo 3

Zachary

Fugir da festa de aniversário das Indústrias King tinha me


parecido uma boa ideia. Foi por isso que, quando a oportunidade de
vir para os Hamptons mais cedo apareceu, nem hesitei.
Trenton está envolvido com uma modelo, que tinha mais duas
amigas “carentes” e dispostas a uma noite de diversão. Não pensei
duas vezes e trouxe todo mundo para cá. A programação era chegar
amanhã, com a família, mas quem sou eu para recusar a companhia
de duas mulheres lindas?
Só que elas não são mais lindas. Não depois de eu ter entrado
na cozinha e visto a porra de um anjo na minha frente. Um ser
celestial que me deixou duro em segundos, pronto para passar a
noite toda pecando. O que eu faria se pudesse venerar aquele corpo
pequenininho? Por onde começaria? Imagens de nós dois, com ela
gemendo alto enquanto eu a fodo com força, não saem da minha
mente. E agora, quando volto para a área externa da casa, só quero
me livrar da companhia indesejada e descobrir onde a garota dorme.
— Vem, Zach — Tatiana me chama com seu sotaque europeu.
— A água está fria sem você. — O tom manhoso, de repente, me
irrita mais do que atrai.
Os seios fartos sob o sutiã transparente não têm apelo. A cintura
fina e o corpo magro também não. A promessa de transar com duas
mulheres muito menos — porque agora eu quero só uma, e não é
nenhuma delas. O pensamento de que poderia passar a noite inteira
com Gaia, descobrindo cada centímetro daquela pele clarinha, que
mais parece de porcelana, faz meu sangue ferver.
“Quem é ela e por que eu nunca a vi antes?”, uma voz na minha
cabeça pergunta. “Ela é a nova ajudante da Martha e você não a viu
antes porque passou anos morando em Londres, além de não ter o
hábito de conviver com pessoas de outros círculos sociais”, outra voz
imaginária responde.
Pelo visto, fui um idiota durante vinte e nove anos de vida. E
agora estou ficando maluco.
— Zach, você tá bem? — Trenton pergunta e me encara, a
cabeça pendendo para o lado. Sei que devo parecer estranho,
travado ao lado da jacuzzi.
— Estou bem — minto, porque não estou bem. Não estou bem
mesmo. Estou em ponto de ebulição por conta de uma mulher que
mal conheço, que sequer me tocou. Tudo isso é só por causa da
mera lembrança dela. — Não vou poder entrar aí. Recebi uma
ligação e preciso resolver algumas coisas agora.
Outra mentira, mas quem está contando?
— Como recebeu uma ligação se não está com o celular nas
mãos, bobinho? — Katya, a outra modelo disponível para mim,
questiona com um sorriso no rosto.
Ergo a sobrancelha, desafiando-a a me chamar de mentiroso —
mesmo que eu seja — de novo. É um olhar reprovador, que aprendi
com meu pai e sempre surte efeito. Vejo quando a postura dela
muda, os ombros envergando, e me sinto aliviado por não ter que
dar mais explicações.
— Divirtam-se com Trenton. Amanhã cedo, um carro levará
vocês de volta para Manhattan. — Viro-me de costas e, sem esperar
resposta, sigo para o meu quarto.
O percurso não leva mais de dois minutos, só que fico o tempo
todo tentando me controlar para não seguir na direção oposta e bater
em cada porta da ala dos funcionários até encontrar aquela mulher
de novo. É claro que esta seria uma péssima decisão, e, por mais
que tenha visto os olhos dela brilhando com desejo, sua postura
gritava “mantenha a distância”. Era como se o cérebro dissesse uma
coisa, mas o corpo pedisse outra.
Entro no quarto e vou direto para o banheiro. Depois de um dia
como hoje, preciso de um bom banho. Tiro a boxer molhada e a
deixo jogada no chão antes de me enfiar na água morna. Meus
músculos tensos começam a relaxar pouco a pouco.
Vir para cá e curtir uma boa noite de sexo com aquelas modelos
foi a forma que encontrei de relaxar o estresse da semana, mas, pelo
visto, nem isso eu consigo. Porque agora meu corpo só quer… ela.
Quando a nova ajudante me chamou de “senhor Zachary”, tive
que refrear a vontade de agarrá-la ali mesmo. Nunca fui do tipo
dominador. Sexo, para mim, envolve duas pessoas bastante
participativas. Esse negócio de amarrar uma mulher na cama e fazer
com ela tudo o que eu quiser não tem tanto apelo. Ou melhor, não
tinha, já que imaginar Gaia esparramada no colchão, cada um de
seus membros amarrados com cordas, enquanto descubro cada
centímetro dela com a boca faz meu sangue ferver.
Tocar o meu pau rígido é involuntário.
Encosto um antebraço na parede, abaixo a cabeça e fecho os
olhos, sentindo os jatos quentes do chuveiro molharem as minhas
costas. Com a outra mão, subo e desço lentamente por toda a minha
extensão, lembrando-me dos lábios fartos, imaginando-os
substituírem a minha mão. Fico ainda mais duro.
Será que ela é tímida? Ou é do tipo santa na rua e puta na
cama? A velocidade da mão aumenta, e fico me perguntando
quando foi a última vez que bati punheta pensando em alguém. Pelo
que me recordo, era adolescente. Só que não consigo ignorar essa
vontade súbita, não quando aqueles olhos azuis estão na minha
mente.
A cada sobe e desce da mão, penso nela. No modo como me
olhou, nas bochechas coradas, na respiração ofegante. Tão linda e
angelical…
Como ela ficaria ajoelhada aqui, com aquela boca grossa em
torno do meu pau?
Olho para baixo e imagino a cena. Meus movimentos
incansáveis enquanto fantasio com uma desconhecida. Será que ela
lamberia cada centímetro, da base à cabeça, me encarando? Será
que chuparia só a pontinha para me atiçar?
Puta que pariu! Já sinto a porra do frio na espinha, um alerta
para a aproximação de um orgasmo. Continuo subindo e descendo a
mão com cada vez mais força, imaginando que meu rosto está entre
as pernas dela enquanto a devoro. Quero provar aquela mulher.
Quero sentir seu prazer escorrer na minha boca. Quero que ela
estremeça em meus braços, completamente saciada.
— Caralho! — O palavrão é seguido de um som gutural que
escapa sem que eu consiga controlar. O líquido branco se destaca
na parede escura do boxe, provando que a nova funcionária da casa
não precisa fazer quase nada para que eu fique nesse estado.
Deixo que os efeitos do clímax passem devagar, tentando
prolongar ao máximo a sensação gostosa. Se apenas pensar nela
me deixa assim, imagina o que vai acontecer quando…
— Controle-se, homem — digo para mim mesmo, dando um
tapa na parede, e resolvo que está na hora de parar com as
fantasias.
Limpo a bagunça que fiz e termino o banho rápido. Por mais que
eu saiba que tem algumas roupas minhas no armário, opto por
apenas me enxugar e, em seguida, me jogar na cama. A noite
quente de verão é muito bem-vinda, e a saciedade me faz soltar o ar
com força, completamente relaxado.
Só que a sensação não dura muito tempo, porque minha mente
traidora resolve repassar toda a interação da cozinha. Meu cérebro
repete o nome sem parar: Gaia. Não foi a melhor forma de conhecê-
la, isso é fato, e preciso encontrar maneiras de fazer com que ela
abaixe um pouco a guarda. Só não sei como, ainda.
Eu quero aquela mulher. Na minha cama, gemendo meu nome,
sentindo meu pau entrar e sair de dentro dela. Quero saber que
gosto ela tem e quais sons sairão da sua boca quando eu meter bem
fundo…
— Controle-se, Zach — falo sozinho de novo, esfregando o rosto
para tentar afastar as imagens de Gaia.
O sono não vem e começo a sentir falta do meu celular, que
deve estar esquecido no bolso da calça, jogada em algum lugar entre
o carro e a piscina. Que merda. Mas, por outro lado, é bom não ter
acesso ao que a mídia está falando agora. Com certeza, minha
escapada da festa deve ter sido noticiada de alguma forma. Que se
dane o que eles pensam e falam. A verdade é que preciso de um
pouco de tranquilidade — nem que seja durante os fins de semana.
Nos últimos anos, tudo o que fiz foi trabalhar. Ou melhor,
trabalhar o dia inteiro e procurar uma companhia ocasional para a
noite. Sinto falta da liberdade que eu tinha antes de me comprometer
com os negócios da família.
Lembro-me do dia em que meu pai me deu um ultimato: ou
começava a levar a vida a sério ou esquecia os luxos que ser um
King proporcionam. É claro que o discurso não foi apenas para mim,
mas para os meus primos também.
Carregar o sobrenome vai muito além de festas e casos
esporádicos com mulheres lindas — isso é só a parte boa. O que
ninguém vê é o empenho para fazer um negócio de sucesso
continuar no topo, nem os problemas que sempre aparecem ao lidar
com tantas pessoas, muito menos os contratos que assinamos por
baixo dos panos ou os processos que precisamos enfrentar sempre
que alguém acha que pode tirar o nosso dinheiro.
Para piorar, eu serei o próximo a tomar conta disso tudo — algo
que ainda não tinha admitido. Meu pai deixou claro a sua intenção de
que eu me torne o próximo CEO da IK, e foi por isso que ele resolveu
me trazer de volta a Nova York: para me treinar pessoalmente. Não
sei se devo me sentir um cachorro no adestramento ou feliz pela
oportunidade. Um pouco dos dois, talvez.
As minhas chances de rebeldia estão ficando cada vez mais
escassas, ao passo que o cansaço só aumenta. Não preciso ser um
gênio da matemática para perceber que essa combinação tem tudo
para dar errado.
Talvez um pouco de diversão com a nova funcionária da casa
seja exatamente o que eu esteja precisando, antes de ser obrigado a
assumir maiores responsabilidades.
Capítulo 4

Gaia

Quando o despertador toca, avisando que faltam trinta minutos


para que eu esteja na cozinha, meus olhos já estão abertos e o teto
do quarto parece realmente interessante. Fiquei olhando para ele
durante horas, depois de um sonho ter me acordado. Um tão vívido
que parecia real. Nele, a boca desenhada percorria a minha pele
devagar, espalhando beijos, lambidas e mordidas por onde passava.
Quando despertei, estava suada, com uma sensação incômoda entre
as pernas e o coração batendo de forma acelerada.
Pegar no sono já tinha sido um problema. Repassei umas
duzentas vezes a minha conversa com o sr. King — se aquilo puder
ser chamado de conversa — e fiquei imaginando como as coisas
seriam daqui para a frente. Porque não consigo explicar com
racionalidade o que senti quando estava perto dele. Meu corpo
pareceu ganhar vida, e a cada palavra que trocávamos era como se
eu estivesse sendo ligada à tomada.
A minha dúvida de antes — se deveria me sentir ofendida ou
honrada pelo convite — foi sanada enquanto repassava a nossa
interação. Ofendida. Claro que ofendida. Como ele pôde pensar que
eu simplesmente tiraria meu uniforme e entraria naquela jacuzzi com
ele e mais várias pessoas desconhecidas?
Sim, ofendida é a melhor escolha. O que dificulta tudo é a
lembrança do rosto masculino, com lábios desenhados em formato
de arco, do corpo molhado e do olhar predador.
Cansada de ficar pensando nele, levanto da cama e vou tomar
um banho para me sentir mais disposta e pronta para começar o dia.
Coloco uma calça legging preta, camiseta branca e sigo para fora do
quarto. Todos os funcionários usam essas tonalidades, que Martha
alegou ser o uniforme informal que os King exigem.
Assim que chego à cozinha e noto que ela está vazia, fico me
perguntando se errei o horário. Não há sinal de outra alma viva.
Também não ouço qualquer som vindo do andar de cima. Ao mesmo
tempo que quero adiantar as coisas, não sei se tenho permissão
para abrir os armários à procura de panelas e utensílios que vou
precisar para dar início ao café da manhã. Cheguei aqui há menos
de dois dias e não posso desagradar a coronel da culinária.
Então, em vez de fazer isso, procuro um bloco de anotações,
uma caneta e começo a escrever algumas opções de cardápio. Esta
é uma coisa que adoro fazer, e sempre me divirto enquanto imagino
pratos decorados e deliciosos. Estou quase na terceira alternativa
quando um furacão invade o espaço.
— Ai, meu Deus. Isso nunca aconteceu comigo antes. Dormi
demais! E logo hoje, que a família toda vai chegar! — Martha está
esbaforida, arrumando o cabelo enquanto pega o avental. — E você
está parada aí por quê? Vamos trabalhar, menina!
— Desculpa, eu não sabia se podia…
— Quando eu não estiver aqui, você pode, e deve, começar com
as tarefas. A sorte é que eles só vão chegar às oito e meia.
— Humm, na verdade, dois chegaram ontem à noite. Se não me
engano, são os rapazes mais velhos — interrompo-a, e logo me
arrependo.
Martha olha para mim e sinto que está prestes a ter um derrame.
— Meus meninos chegaram? — Sua voz sai esganiçada, como
se ela estivesse fazendo força para falar.
— Ontem à noite — repito. — Acompanhados de três mulheres.
— Desvio o olhar, sem querer que ela perceba o contexto dessa
companhia.
Porém, se ela conhece os “meninos” tão bem assim, já deve
saber da fama que têm. Valerie me disse que toda vez que aparecem
nos tabloides, estão acompanhados de mulheres lindas e famosas.
— Ótimo. Era o que me faltava. Zachary e Trenton sempre
fazem isso. — Martha solta o ar pelo nariz, nitidamente frustrada. —
Vamos trabalhar. Precisamos deixar tudo certo para o café da
manhã. O menino Zach sempre acorda cedo e precisa de algumas
xícaras de café, preto e forte, antes de começar o dia. Vai na
despensa e procura uma embalagem dourada. Pega também a
cafeteira francesa — Martha começa a ditar ordens e eu assinto com
a cabeça.
A despensa é um espaço maior do que o meu quarto no
Queens, e fica na porta à esquerda da cozinha. Sigo até lá e começo
a procurar o que preciso, no meio de uma infinidade de mantimentos.
Acho que nunca vi algo assim antes. Aqui tem o suficiente para
alimentar um exército por dois anos! Sem contar as entregas diárias
de vegetais frescos e carnes, que Martha explicou serem dos
melhores produtores locais. Estou focada no meu trabalho quando
escuto uma voz masculina, que me faz esbarrar na estante e quase
deixar cair tudo no chão.
— Bom dia, Tata.
— Ah, seu menino danado! Quer matar a velha de susto?
Fico parada no lugar, apenas ouvindo a conversa. Sei que é
Zachary quem está ali. A voz grossa e aveludada — cuja lembrança
me manteve acordada à noite — é inconfundível e faz um arrepio
subir pela minha coluna.
— A última coisa que quero na vida é te matar, Tata. Estou
tentando te roubar do meu pai há anos, mas você não me quer.
Prefere ficar com o velho, não é?
— Pare de bobagem. Você sabe que não posso deixar este
lugar. — Escuto o som de um beijo estalado, e imagino que a
senhorinha deva estar matando a saudade. Por Deus, a gente sabe
que chegou ao fundo do poço quando sente uma inveja dilacerante
de uma mulher de sessenta anos, casada, 1,45m, 80kg, cabelo
grisalho e completamente neurótica. — Já vou levar o seu café. Vai
ficar na varanda ou no quarto, menino?
— Na verdade, pretendo ficar aqui e colocar a conversa em dia.
— A declaração de Zachary faz meu coração bater mais forte. Tudo
o que não queria neste momento era ter que me encontrar com ele,
mas não posso ficar na despensa por tanto tempo.
Encontro a tal embalagem dourada, que descubro ser uma
marca árabe de café, e a cafeteira francesa. Seguro ambas no colo,
mas me mantenho presa no lugar. Sei que preciso sair, só que a
mera possibilidade de dar de cara com aquele homem faz com que
todas as minhas forças desapareçam.
— Gaia, cadê você? Anda logo, menina — Martha chama.
— Já vou — grito de volta, respirando fundo algumas vezes
antes de voltar para a cozinha.
É claro que a primeira coisa que vejo é ele. E, à luz do dia, o
desgraçado é ainda mais bonito. O cabelo bagunçado de quem
acabou de acordar, o sorriso malicioso no rosto e os olhos fixos em
mim. Pelo menos, está usando roupas. Não que uma camiseta
branca justa e um short vermelho de basquete façam muita diferença
para esconder a perfeição que existe por baixo. Minha boca seca na
mesma hora.
— Bom dia, Gaia. Dormiu bem? — Zachary King ergue a
sobrancelha e, por um segundo, fico imaginando se ele desconfia da
minha insônia.
— Muito bem, sr. King. Obrigada — respondo da forma mais
educada que consigo, apesar do nervosismo que me consome.
— Lá vai você com essa de “sr. King”. Já não pedi para me
chamar de Zachary?
Olho para o lado, envergonhada por ter sido repreendida, e vejo
Martha observando atentamente a nossa interação. Sua expressão
não esconde a surpresa, nem o desapontamento, o que me faz
engolir em seco.
— Vou preparar o café. — Ignoro o comentário dele e coloco os
itens na bancada ao lado do fogão. Em seguida, encho a chaleira e
começo a ferver a água.
Martha fala sem parar, o que é um alívio neste momento. Ela
está do outro lado da cozinha, retirando coisas da geladeira
enquanto revela que sentiu falta da família.
Quando começo a relaxar, acreditando que a presença da
cozinheira vai me deixar a salvo, sinto o toque suave dos dedos na
base das minhas costas. Meu corpo inteiro estremece com o
pequeno contato e me vejo obrigada a prender a respiração.
— Já decidiu como se sentir em relação ao meu convite, Gaia?
— A voz de Zachary é baixa, não passa de um sussurro para que
apenas eu escute. O timbre que usa é puramente sexual, e a
rouquidão me faz arrepiar.
Tão perto assim, fica impossível não sentir o calor vindo de seu
corpo. Mesmo logo depois de acordar, Zachary tem um cheiro
delicioso, que dificulta ainda mais me manter concentrada.
— O que você está fazendo, menino Zach? — Martha questiona,
notando a mudança de comportamento do seu queridinho.
— Só verificando se a Gaia sabe fazer café do modo que eu
gosto — ele diz para a mulher, agora em um tom bem diferente do
que usou comigo. Acho que, por estar logo atrás de mim, deve tapar
a visão de Martha. Não sei muito bem, porque estou petrificada aqui.
— Você fez aqueles biscoitinhos?
— Claro que sim, estão na despensa — explica e Zach pede
para que ela busque alguns.
Não me atrevo a virar o rosto para Martha, ainda tentando
manter o controle sobre minhas mãos trêmulas. Despejo o pó na
cafeteira e agora os dedos de Zachary sobem e descem em minhas
costas. Preciso fechar os olhos e morder o lábio inferior para não
soltar um gemido.
— Minha resposta, Gaia? Ofendida ou honrada? — sussurra de
novo quando estamos a sós.
Levo um tempo para entender a pergunta, até que recupero um
pouco da racionalidade que seu toque havia me roubado.
— A primeira opção — cochicho em resposta.
— Que pena. Estava torcendo para que fosse a segunda. — Os
dedos continuam traçando desenhos nas minhas costas, queimando
por onde passam. Viro o rosto, apenas um pouco, para poder
encará-lo. Só que o sorriso que estampa deixa claro que ele não
levou muito a sério o que eu disse. — Se mudar de ideia, sabe onde
me encontrar — declara por fim e começa a se afastar.
Seus dedos não mais me tocam, porém ainda posso senti-los,
como se uma marca tivesse ficado ali — uma tatuagem de fogo, para
me lembrar de algo que nunca poderei sequer cogitar. O silêncio
toma conta do ambiente, e sei que estamos sendo observados com
atenção.
— Vou tomar um banho e já volto para pegar o café, Tata — diz
para a cozinheira que tem um prato de biscoitos na mão, mas sem
tirar os olhos de mim. — Pode deixar que espero o resto da família
para o café da manhã.
Zachary se afasta e preciso de alguns segundos para poder me
recompor. Só a presença dele é o suficiente para me tirar de órbita.
Ignoro o resto do mundo, principalmente o olhar que Martha me
lança, voltando a me concentrar nas tarefas. E em respirar, porque
isso parece ser impossível quando ele está tão perto.
Fazer café nunca foi tão complicado, ou então são as minhas
mãos trêmulas que atrapalham o processo.
— Você vai ficar longe dele, garota. — Martha está ao meu lado
agora. — Não quero você se assanhando pra cima do meu menino,
ouviu bem?
— Não estou me
assanhando para cima de ninguém —
defendo-me, ao mesmo tempo que me controlo para não sair
correndo daqui, me esfregar naquele homem e chocar Martha com
todo o meu assanhamento.
— Sabe, Gaia, eu amo os meus meninos. Mas quando o
assunto é romance, nenhum deles vale um centavo furado. Para o
seu próprio bem, fique longe. Mantenha a cabeça no trabalho, as
pernas bem fechadas e saiba que eles nunca vão ficar com uma
garota como você.
A última frase de Martha me tira o ar. Fecho os olhos para
absorver o impacto das palavras, que incomodam mais do que eu
gostaria de admitir.
O que tem de errado em ficar com uma garota como eu? É claro
que não tive a mesma educação nem frequentei os mesmos lugares.
Todo o dinheiro que ganhei na vida não computa um dia de trabalho
deles. Eu sei disso tudo, mas isso não quer dizer que eu não seja
boa o suficiente para um homem como Zachary King.
Enquanto ele é um mulherengo, que está sempre em festas e
não deve ter trabalhado de verdade um único dia sequer, eu passei
os últimos anos fazendo de tudo para me sustentar. Não tenho uma
família milionária, não nasci em berço de ouro. O que me resta é ser
o mais esforçada possível e estar determinada a não desistir,
ignorando sempre as pedras que aparecem em meu caminho.
Nem sei por que estou pensando nisso. Então, apenas faço que
sim com a cabeça e tento me concentrar de novo no trabalho.
Martha não faz qualquer outro comentário enquanto termino o
café. Em seguida, avisa que irá levar a xícara para ele, me deixando
sozinha mais uma vez. Agradeço aos céus por isso, afinal, toda vez
que o encontro, a impressão que tenho é de que sou tomada pelo
instinto. Meu corpo todo fica em alerta. Mamilos eriçados, um
desconforto entre as pernas, a pele sensível…
Zachary King é perigoso, e eu sei muito bem que preciso me
manter afastada.

∞∞∞
 

— Onde está aquela garota? — Martha pergunta para o nada


enquanto coloca algumas coisas na bandeja.
— Que garota? — quero saber.
— A desmiolada da Lottie. Avisei que precisava chegar às 7h
para arrumar a sala de jantar, mas ela escuta? Claro que não.
Aquela lá só aparece quando quer.
— Minha irmã teve um compromisso ontem à noite — Derek, o
garçom loiro e de olhos bondosos, entra na conversa.
— Você dormiu aqui, como devia. Por que ela não fez o mesmo?
Agora, precisamos de mais alguém para servir — Martha continua
reclamando.
Quando fui contratada, deixaram claro que, de sexta a domingo,
devemos estar dentro da casa, a serviço dos King.
— Não preciso de ajuda, Martha. Posso servir sozinho. É só o
café da manhã — Derek argumenta em vão, e o olhar que recebe da
cozinheira é de matar qualquer um.
— Pare de defender a Lottie. — Aponta um dedo para ele. —
Você sabe muito bem que temos regras.
Derek se vira para mim e é impossível não notar a sua
frustração. Preciso me controlar para não sorrir, porque esta parece
ser uma atitude típica de Martha. Regras, regras e mais regras. A
mulher é regida por uma cartilha imaginária, como se a mera ideia de
se adaptar fosse impensável.
— A Valerie pode ajudar — sugiro.
— A Valerie? Você está louca? — Martha perde as estribeiras de
vez. — Ela está arrumando todos os quartos de novo. Não permito
um grão de areia nem de poeira! O sr. Harvey odeia sujeira.
A cada segundo que passo ao lado de Martha, tenho mais
certeza de que ela se enxerga como a senhora suprema desta casa.
Ela não é uma governanta apenas; é uma governante, que manda e
desmanda sem pena.
Preciso de paciência para aguentar tanto drama a esta hora da
manhã, principalmente porque, de dramático, isso aqui não tem
nada. É tudo neurose de uma mulher acostumada a fazer tudo de um
jeito só, incapaz de mudar um pouquinho sequer.
Olho para Derek e sei que ele pensa a mesma coisa da
situação.
— Eu ajudo, então — digo, sendo que a última coisa que eu
queria era me colocar de propósito em um cômodo com Zachary
King. — Estou acostumada a servir nos eventos da Christine Lowell.
Martha me encara por alguns segundos, e acho que está
avaliando a possibilidade.
— Tudo bem. Vá até o quarto da Lottie e pegue um uniforme
para você. — Martha parece resignada.
Pelo visto, calça legging e camiseta branca, mesmo sendo
informal e ideal para a cozinha, não serve para aparecer na frente da
família.
Capítulo 5

Gaia

Olho para o meu reflexo no espelho e fico me perguntando o


que diabos estou fazendo aqui. Uma saia preta — rodada, de cintura
alta, que termina um pouco acima do joelho —, blusa branca — sem
manga, de gola rolê — e as minhas sapatilhas pretas não era o que
pretendia usar hoje. Mas, pelo visto, Lottie não tem problema em
mostrar as pernas.
Ela é alta, loira, com cabelo comprido, e sabe que é muito
bonita. Já eu não sou alta nem tenho um corpo escultural. É neste
momento que a insegurança bate com força.
— Seu curso de gastronomia, Gaia — repito para mim mesma o
motivo de ter aceitado este emprego enquanto tento abaixar um
pouco a saia.
Refaço o rabo de cavalo e crio coragem para voltar à cozinha.
Quando chego lá, percebo que o clima está ainda mais aflito.
Sou recebida pela correria de Martha e pelo olhar curioso de Derek,
que me fita de cima a baixo, talvez notando a diferença gritante de
como a roupa fica em mim.
— O helicóptero já pousou. — Tina invade a cozinha antes que
eu consiga dizer qualquer coisa. É claro que eles viriam de
helicóptero. Carro é coisa de gente comum. — Temos menos de
cinco minutos.
Desde que fomos apresentadas, Tina nunca me dirigiu uma
palavra sequer. Apenas me olhou com ar de desaprovação e
continuou fazendo seu trabalho. De acordo com Valerie, ela é
funcionária dos King há mais de quinze anos, e se reveza entre a
casa de praia e a de inverno — diferente de Martha, que fica o ano
inteiro por aqui.
Martha e Derek começam a se mexer ainda mais rápido. Até Val,
que acabou de arrumar os quartos, já está a postos para recepcionar
os patrões.
— Tudo pronto. Só preciso terminar de fazer os ovos e as
panquecas. Não posso servir comida fria — Martha declara e
panelas brotam de todos os cantos. Os passos acelerados dos
funcionários garantem à cozinha uma sensação de que estamos em
um restaurante, e não em uma casa. Tento me manter útil, ajudando
Martha como posso, até que ouvimos o som de carros se
aproximando.
— Eles estão aqui. Eles estão aqui. — O desespero no tom da
governanta me dá vontade de rir.
Talvez eu devesse estar tão ansiosa quanto ela, mas não
consigo deixar de achar graça nisso tudo. Sou puxada com força
pelo braço, quase sem tempo de desligar o fogo, arrastada por
Martha para fora de casa, junto com todos os funcionários. Vamos
rápido em direção à parte da frente, quase correndo, até que
avistamos quatro SUVs, que param enfileiradas, ao lado do carro de
ontem.
Posicionada em uma fila na frente da casa, tenho certeza de que
fui transportada para o século retrasado e parei em Downton Abbey.
A cena dos empregados recebendo os patrões consegue ser ridícula,
mas mantenho a postura e finjo que estou acostumada ao teatro.
— Martha, minha querida! — um homem mais velho, com o
cabelo cheio de fios grisalhos, exclama.
Ele é o primeiro a descer do carro, logo oferecendo a mão para
uma mulher ainda mais estonteante. Ela deve ter em torno de
cinquenta anos, mas não parece um dia mais velha do que quarenta.
O cabelo loiro, lindamente penteado em um coque, combina com o
vestido de linho, que, apesar da viagem, não tem um amassado.
O casal se aproxima e vejo o quanto são bonitos. O tipo de
beleza que muito dinheiro garante. O homem é alto, com o corpo
forte, o cabelo para trás e óculos escuros. Mas é o sorriso dele que
me conquista logo de cara.
— Senhor Harvey, que bom tê-lo de volta — Martha diz e posso
sentir a sinceridade em seu tom. — Senhora Monica, mais linda do
que nunca.
— Bondade sua, minha querida — a mulher responde.
Logo, várias pessoas aparecem em meu campo de visão. Não
consigo contar quantas, mas acho que pelo menos uma dúzia. Todos
lindos, exuberantes, bem-vestidos e parte de um mundo
completamente diferente do meu.
Três homens maravilhosos, muito parecidos com Zachary, riem
alto enquanto caminham na nossa direção. Eles cumprimentam
Martha e seu marido Gerald, que apareceu de algum lugar enquanto
eu estava hipnotizada.
Outros casais mais velhos também chegam, junto de algumas
mulheres mais novas e um homem baixinho, que é o mais
escandaloso de todos. Ele solta gargalhadas, abrindo os braços e
respirando fundo enquanto esfrega o peito.
Dá para ver que estão animados por passarem uns dias aqui,
cumprimentando os funcionários conhecidos e acenando brevemente
para mim.
— Gaia! — alguém chama meu nome e viro o rosto na mesma
hora, dando de cara com a pessoa que menos esperava ver.
Christine Lowell está acompanhada de um homem de cabelo e olhos
muito escuros, apesar dos fios brancos nas têmporas.
Ela se desvencilha daquele que só pode ser seu marido e dá
alguns passos na minha direção. Seu terninho costumeiro foi
esquecido em Manhattan, e agora ela veste algo mais apropriado
para o verão. Nunca pensei que veria Christine de short branco e
uma bata tie dye, mas quem sou eu para saber o que os ricos usam
quando vêm passear na praia?
— Oi, Christine. Que surpresa te encontrar. — Sorrio para ela e
logo sou envolvida em um abraço atípico. Minha chefe nunca
demonstrou qualquer afeição por mim. Pelo menos, nada além de
um elogio ou outro quando estava em sua cozinha.
— Harvey, aqui está ela! — Christine diz e o homem de óculos
escuros vem até mim.
— Ah, a famosa Gaia. Seja bem-vinda, mocinha. Você não deve
se lembrar de mim, mas nos vimos em um dos eventos de Christine
— o homem fala e fico encabulada. Ele está certo: não me lembro de
termos nos conhecido.
— Muito prazer, sr. King. Sua casa é adorável — elogio,
tentando evitar o constrangimento.
— Não precisa de formalidades. Não somos esse tipo de família.
Há décadas tento fazer com que Martha me chame pelo nome, mas
essa mulher é mais teimosa do que eu. — Ele finge seriedade
quando encara a governanta, que, pela primeira vez desde que a
conheci, abre um sorriso tímido e fica com as bochechas bem
vermelhas de vergonha.
— Prometo que, quando ela o chamar pelo nome, eu também
chamarei.
Martha vira o olhar para mim, surpresa por minha resposta, e eu
respiro, aliviada, sabendo que ela aprova minha postura.
— Eu disse que essa menina é de ouro — Christine comenta.
— Ou talvez teimosa. — Harvey King me oferece uma
piscadinha e o gesto me faz lembrar de Zachary.
Na verdade, tudo nele me faz lembrar de Zachary. É óbvio que
são pai e filho, porque as semelhanças são gritantes. O formato do
rosto, a altura, a postura tranquila…
— Com licença, sr. Harvey. Gaia e eu precisamos voltar para a
cozinha — Martha entra na conversa. — O café da manhã será
servido em quinze minutos.
— Ah, perfeito. Estou morrendo de fome.
— Tina, Helga, Valerie e Derek acompanharão os convidados
para os quartos. As malas estarão lá em breve. Vou pedir a Kyle que
deixe tudo nos quartos — a mulher baixinha declara, e fico me
perguntando quem é esse tal de Kyle.
Todos começam a se encaminhar para dentro, enquanto Martha
e eu vamos por fora, rodeando a casa até chegarmos à cozinha. Ela
reacende o fogo e começa a me ditar ordens, correndo para terminar
os preparos.
É essa correria dentro da cozinha que me faz sentir viva. Parece
que meu corpo sabe como se mover para dinamizar o tempo. Com
uma mão, quebro vários ovos. Com a outra, mexo-os na vasilha.
Martha vira as panquecas.
As frutas já estão cortadas e arrumadas em travessas de prata.
O bacon também já está na frigideira.
Em poucos minutos, tudo está pronto para ser comido. É quando
Derek aparece e avisa que a família já está à mesa.
— Leve o café primeiro. — Martha aponta para os três bules que
acabei de preparar. Derek os coloca na bandeja, junto com o
açucareiro, o leite e o creme. — Gaia, separe os sucos — ela ordena
e vou até a geladeira, retirando de lá três jarras grandes de suco de
laranja.
Nem tenho tempo de respirar direito e já sou obrigada a mudar
de função. Lottie ainda não deu as caras, e isso quer dizer que vou
servir à mesa.
A sala de jantar dos King é grande o suficiente para receber,
pelo menos, trinta pessoas, porém alguns lugares estão vazios.
Enquanto levo a bandeja com as panquecas e seus
acompanhamentos, tento contar quantos são, mas sou interrompida.
— Ah, finalmente vocês chegaram! — Zachary King aparece,
acompanhado de um outro homem que ainda não conheci. Não há
qualquer sinal das mulheres de ontem à noite, e fico me perguntando
o que aconteceu com o trio.
É claro que meu olhar vai para ele na mesma hora. O filho da
mãe é como um ímã. E depois da nossa conversa mais cedo, é
ainda mais difícil ignorá-lo. Pelo visto, ele tomou banho, porque seu
cabelo está um pouco molhado e veste uma bermuda azul-marinho e
uma camiseta polo num tom claro de cinza. Zachary sorri
abertamente para a família enquanto dá a volta na mesa para falar
com o pai, que está na cabeceira. Em seguida, beija as outras
mulheres na bochecha e dá tapinhas nos ombros dos homens.
— Teríamos vindo juntos, se vocês dois não tivessem fugido —
Harvey alfineta.
— Não vamos começar o fim de semana desse jeito — Monica,
eu acho, fala para o marido, mas seu tom não contém reprovação. É
apenas um pedido.
Coloco as panquecas na mesa, do jeito que fui instruída a fazer,
e viro de costas para voltar à cozinha.
— Gaia. — A voz aveludada me faz parar no lugar. Viro-me para
ele, tentando colocar meu melhor sorriso de funcionária educada no
rosto.
— Sim, sr. Zachary?
Em vez de me responder, ele solta uma gargalhada alta,
balançando a cabeça em negativa.
— Quantas vezes vou ter que pedir para você não me chamar
de “senhor”? — Zachary insiste, sua postura bem diferente de
quando estávamos na cozinha.
— Também pedi para ela me chamar de Harvey, mas nada feito
— o patriarca comenta, seu tom bem-humorado.
— Você é velho e paga o salário dela, pai. Eu entendo que a
Gaia te chame assim. Ela é mais educada do que a gente.
— Mas você é o filho do velho que paga o meu salário. — É
minha vez de oferecer uma piscadinha para Harvey King.
Minha piada é recebida por gargalhadas histéricas. A mesa toda
entra em erupção, até que Harvey se levanta e vem até mim, me
puxando para um abraço inesperado. Pelo visto, essa família não é
tão tradicional quanto eu pensava.
— Gostei de você, menina. Tem senso de humor. — Fico sem
saber como reagir e acabo retribuindo o abraço. Sinto olhares sobre
mim e minhas bochechas ganham cor. — Venha, vou te apresentar
ao resto do povo.
Com o braço passado em torno dos meus ombros, o sr. King me
leva para a cabeceira da mesa e pede
para que eu me apresente.
Parece que estou no primeiro dia de aula em uma escola nova, mas
cumpro com a sua vontade.
Posso sentir Zachary observando cada um dos meus
movimentos, porém sou obrigada a me conter e não o encaro de
volta.
— Muito prazer, sou a Gaia. Estou aqui para ajudar a Martha na
cozinha.
— Isso mesmo. Ela trabalha comigo às vezes. É maravilhosa e
sabe cozinhar muito bem — Christine interrompe, me deixando ainda
mais encabulada com o elogio.
— E quantos anos você tem, Gaia? De onde você é? — Harvey,
ainda ao meu lado, pergunta.
— Tenho vinte e quatro anos e sou da Virgínia. Me mudei para
Nova York pouco depois de ter concluído a escola. Hoje em dia, vivo
no Queens. — Dou de ombros, contando por alto o que fiz da vida.
— Ah, adoro a Virgínia. Seus pais ainda moram lá? — Monica
quer saber. O filho ao seu lado me olha atentamente. O rosto
pendendo para o lado, como se avaliasse as minhas respostas.
— Não, eles se mudaram na mesma época que eu e vivem no
Tennessee. — Omito o fato de que são dois professores de escola
aposentados, que pararam de dar aula há dois anos e abriram um
bar de música country. Ninguém precisa saber das paixões ocultas
da minha família pouco tradicional.
— Você gosta de dançar, Gaia? — o baixinho risonho pergunta,
me deixando confusa.
Olho para ele sem entender muito bem aonde quer chegar, mas
antes que eu consiga responder, a voz de Zachary soa pela sala.
— Que tipo de pergunta é essa, Ollie?
— Ué, se ela gosta de dançar, então gosta de…
— Cala a boca, Oliver! — É um coro de homens. Não só
Zachary, mas também dois dos outros rapazes mais jovens.
— Acostume-se, Gaia. Esses garotos não valem nada. Ignore
que é mais fácil — Harvey diz ao meu lado.
Desta vez, não consigo segurar meus olhos, que instintivamente
buscam Zachary. Ele continua me encarando, mas é impossível
decifrar o que passa em sua mente.
— Agora é a nossa vez — Harvey volta a falar. — Esta é
Monica, minha esposa, e o bonitão ali é o meu filho, Zachary. Pelo
que entendi, vocês já se conheceram. — Apenas assinto, sem querer
entrar em detalhes. — Estes são meus irmãos, Walter e Edmund, e
suas esposas, Leah e Angela.
Walter é o mais franzino dos três. Diferente dos irmãos, que têm
um porte atlético, ele é magro e baixo, usa óculos e tem o nariz fino.
Sua esposa, no entanto, é a mulher mais bonita da sala, com cabelo
e olhos muito negros, que contrastam com a pele clara. Já Angela
mantém um tom arruivado de loiro e é muito elegante.
— Elijah e Trenton — Harvey continua e dois rapazes acenam
— são filhos de Edmund. Sebastian e Jackson são filhos de Walter.
Christine você já conhece, mas aquele ali é Peter Lowell, seu marido.
Chloe Lowell — ele aponta para uma moça da minha idade, com o
cabelo loiro cortado em um long bob charmoso, que me encara com
um ar de tédio —, Dana Harrington, uma amiga de Chloe — a garota
sentada ao lado de Chloe sorri —, o engraçadinho é Oliver Cooper e
aquela é sua irmã, Vicky. Ambos são amigos da família há anos. Os
outros dois são Sam, um dos diretores das Indústrias King, Sabrina
Coulton, e Charlie, o filho deles.
— Acho que vou precisar de algumas semanas para decorar
tanto nome. — De novo, meu comentário é recebido com risadas.
— Só não esquece o meu, porque você vai gritar ele mais tarde
— Oliver diz, fazendo o meu bom humor dissipar. Sinto um gosto
amargo na boca, ao mesmo tempo que meu rosto queima com a
vergonha. Porém, em vez de demonstrar quão humilhada me sinto
pela frase, apenas ergo uma sobrancelha e o encaro.
O silêncio toma conta. É como se ninguém acreditasse que
aquelas palavras foram realmente ditas. Sinto Harvey tensionar ao
meu lado, mas me recuso a ver como Zachary reagiu.
— O café está na mesa — Derek anuncia, me salvando de ainda
mais constrangimento.
Pelo visto, enquanto estava sendo apresentada a todos, ele fez
o trabalho sozinho.
— Bom apetite. Com licença. — Crio coragem e me viro para
Zachary, que parece não ter desviado o olhar por um segundo
sequer.
Essa atitude dele me confunde, e preciso me lembrar de que,
assim como o seu amigo mal-educado, ele também faz parte do
mesmo clube de playboys com mais dinheiro do que juízo.
Viro de costas antes que eu possa ser interrompida de novo e
vou para a cozinha, onde é o meu lugar — e de onde nunca deveria
ter saído.
Capítulo 6

Zachary

Tudo naquela garota me intriga. Não sei muito bem o porquê,


mas algo nela me faz olhar duas vezes. A começar pelo nome. Que
tipo de nome é Gaia? Fiz uma pesquisa hoje cedo e descobri que
quer dizer terra, ou Mãe Terra. É interessante, só que ainda não sei
se combina com ela. O fato de ser incrivelmente linda não é o único
fator que contribui para essa minha fixação. Claro que ajuda, porém
a minha necessidade de falar com ela vai além disso. E não sei por
quê. Sempre que me olha, a impressão que tenho é de que o mundo
para e tudo o que consigo enxergar é ela.
Quando entrei na cozinha hoje de manhã, quase não resisti. Ela
estava linda demais com suas roupas simples, o cabelo preso em um
rabo de cavalo e os olhos curiosos em cima de mim. Pude sentir
cada parte do meu corpo ser acariciada — e o mais engraçado é que
dava para ver que ela não fazia ideia de que estava me encarando.
Muito menos que passou a língua nos lábios enquanto descia os
olhos, ou que prendeu a respiração durante todo o tempo.
Posso estar acostumado a receber atenção feminina, às vezes
de forma ainda mais descarada, só que o modo como Gaia me
olha… dá para sentir a intensidade do seu desejo. Hoje precisei usar
todo o meu autocontrole para não demonstrar reciprocidade. É claro
que falhei, mesmo com Tata no mesmo cômodo. A necessidade de
encostar naquela mulher, de sentir seu cheiro falou mais alto do que
qualquer resquício de bom-senso.
Depois disso, veio o muro, que ela ergueu tão alto que é quase
impossível de penetrar. Toda vez que tento conversar com Gaia, sou
respondido com um “sr. Zachary”. É óbvio que ela está tentando
manter uma distância profissional entre nós, mesmo com a minha
insistência para que isso acabe. E agora, com o comentário babaca
de Oliver, suspeito que o muro vá permanecer no lugar durante
algum tempo. Tive vontade de socar a cara do abusado depois do
que disse, mas preciso me lembrar de quem ele é filho e da
importância que o pai do moleque tem para os futuros negócios da
IK. Se não fosse por isso…
— O que vocês acham de um piquenique na praia amanhã, na
hora do almoço? — Meus pensamentos são interrompidos pela
sugestão de tio Eddie, que está mais animado do que o vi nesses
últimos anos de convivência quase que diária.
— Uma ótima ideia. Você lembra que a gente fazia isso quando
eles eram crianças? — é a vez de tio Wally entrar na conversa.
Troco olhares com Trenton, que, assim como eu, parece um
tanto entediado com a ideia. Depois, olho para Eli e Sebastian, que
também não mostram um pingo de entusiasmo. Jackson, como
sempre, não está prestando atenção. A ressaca não o permite se
concentrar em nada além da dor de cabeça que deve estar sentindo.
O café da manhã termina em um clima agradável, com a
perspectiva de passar um fim de semana sem muitas
responsabilidades, relaxando na praia. A ideia do piquenique é aceita
pela maioria, e meu pai diz que vai avisar na cozinha para
prepararem algo bem gostoso para comermos.
— Deixa que eu aviso — interrompo-o. — Preciso falar com a
Tata de qualquer jeito.
É uma mentira deslavada, mas mantenho a expressão neutra
para que ninguém perceba. Nos últimos anos, desenvolvi a
habilidade de fazer “cara de pôquer” enquanto ouvia pessoas falando
merda nas reuniões. Quem diria que usaria isso a meu favor para
poder me encontrar com a nova funcionária da casa?
— Eu vou junto — Chloe Lowell oferece, sorrindo para mim.
Conheço esse sorriso e faço o meu melhor para ignorá-lo
sempre. Algo nela não me agrada. É linda, inteligente, simpática…
Mas tem alguma coisa errada com essa garota. Ou comigo.
Com certeza comigo.
— Não precisa. Só vou pedir a Martha que prepare meus
sanduíches preferidos. Encontro vocês na piscina daqui a pouco.
Saio da sala antes que Chloe possa protestar. Ou pior, me
seguir.
Assim que me aproximo da cozinha, um som quase que
melódico me faz parar no lugar. Gaia está rindo de alguma coisa, e a
risada ecoa no corredor. Dou mais um passo à frente e espio o que
está acontecendo.
— É verdade! — Derek está ao lado dela, recostado na bancada
enquanto Gaia lava a louça. — Lottie vai morrer de ciúme do que
aconteceu. Acho que terá ciúme até do assédio daquele pomposo do
Oliver.
Gaia ri de novo, balançando a cabeça em negativa como se não
acreditasse nas palavras do colega. Mas o que Ollie fez foi assédio.
Aquele moleque nunca entendeu a consequência de seus atos.
Sempre achou que, por ser filho de um grande executivo que fez de
tudo para o proteger, não deveria pesar suas atitudes, nem no que
elas acarretariam.
Damon Cooper precisa colocar uma coleira em Oliver o mais
rápido possível.
— Olha só pra mim. É claro que Lottie não vai ter ciúme — ela
se defende, mas o incômodo ainda continua preso na minha
garganta.
— Todos gostaram de você, Gaia. Na verdade, é impossível não
gostar de você. — A declaração de Derek me faz franzir o cenho.
Será que ele está a fim dela?
— Vou te contar uma coisa, que talvez você ainda não saiba —
Derek continua. — Quando esses ricaços vêm passar as férias aqui,
eles têm só uma coisa em mente: diversão. E nada melhor do que se
divertir com quem está por perto.
— Até os patrões? — Gaia parece surpresa.
— Não. A família King é excelente, e olha que já conheci muita
gente com tanto dinheiro quanto eles.
Duvido. Derek pode até ter conhecido gente de classe alta, mas
ricos como nós é difícil de encontrar.
— O que você está tentando dizer, Derek?
— Que os amigos da família adoram dar em cima dos
funcionários. Já perdi as contas de quantas visitas apareceram no
meu quarto de madrugada para um… servicinho extra. — Por incrível
que pareça, o comentário dele não me espanta nem um pouco. —
Só tome cuidado, tá?
— Não vou ficar com Oliver — Gaia ri enquanto fala, como se a
mera ideia fosse ridícula.
Confesso que, de alguma forma, isso me tranquiliza. Odiaria
abrir mão do meu réu primário por ter matado um idiota como Oliver.
Insetinho de merda. Preciso me lembrar de novo que o pai do
babaca é importante demais para que eu faça algo.
Mas então percebo para onde meus pensamentos estão indo e
resolvo que já cansei de apenas escutar a conversa. Entro na
cozinha, fazendo com que Derek e Gaia se calem na mesma hora,
assustados com a minha presença.
— Menino Zachary, em que posso te ajudar? — Tata, que estava
atipicamente calada enquanto os dois fofocavam em horário de
trabalho, aparece na minha frente.
Não consigo me controlar e olho para Derek de cara fechada.
Um, dois segundos e ele desvia o olhar. Bom menino.
— Não é nada de mais — falo logo, antes que a senhorinha
morra de preocupação. Ela é a pessoa mais exagerada que
conheço. — A família quer fazer um piquenique na praia amanhã.
Tem como você preparar um almoço leve?
Por mais que esteja falando com Tata, não posso evitar e olho
para Gaia. Algo nessa garota me obriga a manter o foco nela. Não
consigo entender a fixação, mas está aqui de qualquer jeito. É só ela
estar no cômodo que não posso controlar: meus olhos encontram os
dela, tão azuis que parecem uma piscina de desejo e incertezas.
Eles me tiram da realidade e me deixam sem chão.
— Claro que preparo. — Preciso de alguns segundos para
entender o que Martha está dizendo. Também percebo que,
enquanto eu estava preso em quem não devia, Derek saiu da
cozinha.
Gaia vira o rosto e volta a se concentrar em suas tarefas sem
me dar importância, e é com muito esforço que desvio o olhar do
dela e volto a prestar atenção em Tata.
— Ótimo. Faz aquele sanduíche que eu amo? — peço,
oferecendo minha melhor carinha de cachorro carente.
— Nem precisava pedir. Pepino, cream cheese e hortelã? — ela
busca confirmação e eu apenas aceno positivamente. — Perfeito.
Vou fazer outras coisinhas mais caprichadas também. Não posso
deixar vocês passando fome. Sanduíche de pepino não é o suficiente
para o almoço.
— Obrigado. Ah, meu pai pediu para que Gaia nos
acompanhasse no piquenique — minto, voltando a olhar para ela e
vejo que seu corpo fica tenso com o pedido.
— Gaia? É Lottie quem serve vocês normalmente. Não sei se
isso é uma boa… — Tata começa a dizer, mas eu a interrompo.
— Não vejo Lottie por aqui — rebato. — E meu pai pediu por
Gaia.
— Certo. Às 13h30?
Assinto com a cabeça.
— Peça para montarem a tenda.
— Vou falar com Derek. — Tata acata meu pedido.
Por alguns segundos, o silêncio toma conta da cozinha. Não
consigo parar de olhar para Gaia, que agora voltou a me encarar.
Algo desperta em mim ao perceber que ela também não é imune a
essa energia que vibra entre nós.
Puta que pariu, a mulher é linda demais, tão linda que sinto
vontade de esfregar a mão no peito com o incômodo que isso causa.
Estou louco para soltar o cabelo ruivo daquele rabo de cavalo e
passar meus dedos por ele, ou então puxá-lo enquanto ela está de
quatro na minha cama. A mão chega a coçar para acariciar a pele
clarinha, tão lisa que parece ser de porcelana, até ficar vermelha
com meus toques bruscos.
Meu corpo não mais consegue esconder o desejo, e quando
Gaia abre um pouco a boca, com a respiração pesada, tenho ainda
mais certeza de que o sentimento não é unilateral. Desço o olhar,
apreciando o quadril mais largo e ansiando pelo momento em que o
terei em minhas mãos.
— Posso te ajudar com mais alguma coisa? — Tata pergunta,
me obrigando a desviar o olhar.
Merda! O que estou fazendo?
— Só isso. Obrigado.
Viro de costas e saio da cozinha, determinado a não passar
mais vergonha. Porém, assim que cruzo a porta, a voz de Martha
volta a soar.
— Fique longe dele, garota. Fique bem longe do meu menino.
O alerta apita na minha mente.
Tata está certa: Gaia precisa ficar bem longe de mim, porque
não sei por quanto tempo serei capaz de me controlar. Esse desejo
louco que estou sentindo não é nem um pouco saudável.
Talvez essa seja a primeira vez que o ditado está errado: o que
um King quer, ele nem sempre pode ter.
Capítulo 7

Gaia

Da cozinha, consigo ouvir as risadas escandalosas que vêm da


área da piscina. Achei que isso fosse impossível por conta da
distância, mas eu já deveria ter aprendido que, quando estamos
falando dos King, nada segue as regras normais — nem mesmo a
física.
Balanço a cabeça enquanto termino de enxugar os últimos
pratos. Depois, guardo tudo nos armários e puxo o ar com força. Meu
corpo cansado e as costas doloridas não escondem o dia árduo de
trabalho. Já passa das dez da noite e ainda estou aqui… caramba,
eu estou aqui! A ficha não caiu de que estou trabalhando com uma
das famílias mais importantes do país. Se não fosse a exaustão,
daria alguns pulinhos de alegria. Mais alguns meses e terei dinheiro
suficiente para terminar o curso e começar a minha vida. Talvez até
seja contratada pela Christine de forma permanente, e não como
garçonete. Se tudo der certo e eu tiver a chance de mostrar do que
sou capaz, é possível que os King me deem uma carta de
recomendação para trabalhar em um restaurante. Quem sabe?
Solto um suspiro e passo o pano seco sobre o mármore,
limpando as últimas gotas de água antes que eu possa encerrar o
expediente. Todos os outros funcionários já foram se deitar, mas é
claro que fiquei para arrumar a bagunça na cozinha. Só que não
posso reclamar. Se lavar louça é o que preciso fazer para chegar
perto do meu sonho, então que seja. Farei isso com um sorriso no
rosto — e dor nas costas.
O som das risadas aumenta e, por um segundo, fico me
perguntando como seria estar lá, sentada também, rindo de nada em
especial, aproveitando a piscina à luz do luar e tomando drinks
coloridos. Sem uma preocupação em mente nem boletos vencidos.
— Vai sonhando, Gaia… — sussurro para mim mesma.
Assim que termino o serviço, pego todos os panos de prato
sujos e levo-os para a lavanderia anexa à cozinha, colocando-os no
cesto junto com os demais. “Pelo menos não tenho que dar conta
disso aqui também”, penso quando retorno, porém me vejo obrigada
a estancar no lugar. Som de passos se aproximando, junto com uma
voz grossa, que aumenta a cada segundo, indica que não estou mais
na solidão dos meus pensamentos.
Na mesma hora, meu coração acelera.
Não. Não. Não.
De novo não.
Toda vez que estamos no mesmo espaço, fico a um passo de
infartar. O pobre do meu corpo não vai aguentar por muito tempo
sem entrar em combustão espontânea.
— Já disse, não vou voltar. — Zachary King cruza a porta
externa e, por um minuto, seus olhos encaram o nada. Ele esfrega o
rosto com uma mão, nitidamente frustrado, enquanto a outra mantém
o celular preso à orelha. — Não tão cedo. Talvez no ano que vem.
Não consigo me mexer. Estou presa à outra porta, ao lado da
despensa, quase às suas costas. Sei que ainda não me viu, e fico
me perguntando quanto tempo consigo passar despercebida e
apenas… olhar. Afinal de contas, esse homem sem camisa é uma
visão e tanto.
— Quantas vezes vou ter que repetir? — pergunta, seu tom
enfático e um tanto cansado. — Não! — Começa a andar de um lado
para o outro, ainda sem me notar.
Então, ele faz uma pausa e aproveito para observar os músculos
contraídos de suas costas. Cada linha é bem desenhada e os
movimentos me hipnotizam. Ao mesmo tempo, há algo de errado
com sua postura, como se estivesse carregando um peso enorme.
— Não me importo com o que estão falando. Nunca me importei.
— Vejo as costas subirem e descerem em uma respiração pesada.
— Os tabloides vão dizer o que quiserem, é sempre assim.
Então, Zachary se vira. Seus olhos me encontram parada aqui, e
não tenho mais o que fazer. Se me mexer já era difícil, agora é
impossível. A surpresa lampeja em seu rosto, e aposto que o meu
também não consegue esconder o que estou sentindo. Pela segunda
vez, sou pega no flagra. A maldita voyeur espiando o chefe.
Seus olhos ficam arregalados, mas logo relaxam e um canto dos
lábios se repuxa naquele sorriso torto. Predatório. Perigoso.
Os passos que dá até mim são lentos, e suas falas ao telefone
se limitam a “aham”, como se toda a sua atenção tivesse mudado de
foco. Sinto o ar na cozinha ficar mais pesado. Quente. Úmido.
Denso. A cada centímetro que se aproxima, meu coração bate mais
rápido. É uma mistura de medo, ansiedade e excitação.
Não entendo o efeito que Zachary tem sobre mim. Já conheci
outros homens bonitos antes, mas algo nele… algo me impede de
me afastar. É mais forte do que eu.
— Já cansei de discutir isso com você. — Sua voz sai grave,
baixa, e ele está tão perto que posso sentir o calor emanar de seu
corpo.
Sou obrigada a olhar para cima a fim de encará-lo. Grande erro,
porque olhos muito verdes me fitam de volta, com uma intensidade
que me deixa desconcertada. É como se ele estivesse buscando
algo em mim, algo que não sei se sou capaz de dar. E ao mesmo
tempo que quero desviar o olhar, não consigo. Não posso. Apenas
encaro-o de volta, percebendo minha respiração ficar errática.
Então, vem o toque suave de seu dedo no dorso da minha mão,
e conter o tremor é impossível. Para piorar, o sorriso em seu rosto se
amplia — ele sabe o efeito que causa em mim.
Quero me afastar, empurrar esse peito maravilhosamente
definido e sair marchando da cozinha, como a mulher decidida que
sou, mas estou incapaz de me mexer. E quando ele sobe o toque
leve, acariciando bem lentamente o meu braço, até chegar ao
cotovelo, o ar fica preso na minha garganta. Mordo o lábio para não
soltar um gemido enquanto mantenho o contato visual.
Preciso usar de todas as minhas forças para não fechar os olhos
e me deixar levar. Respirar já está se mostrando uma tarefa
hercúlea. O frio sobe por minha espinha ao imaginar seu toque
ficando cada vez mais brusco, talvez os dedos explorando outras
partes do meu corpo.
Zachary King é, possivelmente, o homem mais gostoso que já
conheci. Ele deveria estar na capa de uma revista, em vez de na
cozinha, olhando para mim desse jeito.
— Eu. Não. Vou. Voltar — fala de forma pausada, seu olhar
descendo devagar por meu rosto, até se fixar na minha boca. — Não
há nada que me tire daqui agora.
O ar pulsa, e cada segundo ao lado dele é um ponto a menos na
minha escala de bom-senso. Existe uma linha imaginária entre nós.
Uma que não posso cruzar.
Ele é meu patrão.
Eu sou a cozinheira.
Mas parece que a linha está cada vez mais transparente, já que
sinto meu corpo inteiro se acender quando seus dedos sobem mais
um pouco, chegando perto do meu ombro. E no instante que ele
acaricia meu pescoço, me vejo obrigada a comprimir uma perna
contra a outra.
— Odeio ter que me repetir. Não vou voltar para Londres —
decreta, seus dedos na minha nuca, entrando por entre os fios soltos
do meu cabelo. — O que eu quero está bem aqui.
Um puxão leve e estou colada a seu corpo, meu peito no dele. A
linha inexistente, minha sensatez desaparecida. Seu rosto começa a
descer, centímetro a centímetro… levando décadas para fechar a
distância que separa a sua boca da minha. E quando apenas um
fiapo de sanidade é o que me impede de sentir seu gosto pela
primeira vez, eu escuto uma voz abafada:
— Mas eu te amo, Zachary! — O tom feminino do outro lado da
linha está quase chorando. Posso ouvir seu desespero com tanta
clareza que parece soar dentro de mim.
É então que recobro toda a lucidez que a proximidade deste
homem me impediu de ter e o afasto, empurrando-o com toda a força
que tenho. Zachary me encara, dando três passos para trás,
sabendo muito bem que ouvi aquilo que não deveria.
Ou deveria, porque se ele tem uma mulher — seja ela
namorada, amante, noiva ou sei lá o quê — à sua espera do outro
lado do oceano, por que está brincando comigo desse jeito?
— Quantas vezes preciso te dizer que o sentimento não é
recíproco, Sam? — Não sei se ele está falando isso para mim ou
para ela. Também não importa.
Zachary King é o tipo de homem que parte corações por onde
passa… e se eu permitir, o meu será o próximo. É justamente por
isso que cruzo por ele, esbarrando em seu braço, e saio da cozinha.
Não vou sucumbir a esse jogo cruel. Farei o que for preciso para
ficar longe, custe o que custar.
Capítulo 8

Zachary

Merda, merda, merda!


Gaia sai da cozinha e posso ver a decepção estampada em seu
rosto.
Ela estava tão perto… e, de repente, tão longe.
— Você não pode estar falando sério — Sam continua insistindo
do outro lado, e preciso me controlar para não arremessar o celular
contra a parede.
— Samantha, me escute: nós terminamos há meses. Nem
chegamos a ficar juntos de verdade, e você sabe muito bem disso.
Ela tem noção de que não sou o tipo de homem que tem
relacionamentos sérios. Deixei isso claro quando começamos a ficar,
de forma bem casual e sem qualquer tipo de exclusividade. Saímos
algumas vezes, trepamos duas, fomos a alguns eventos… sem
compromisso. Até porque ela não era a única com quem eu fazia
essas coisas.
— Mas vi aquele artigo! — argumenta, aos berros e com a voz
chorosa. — Eles disseram que você estava deprimido longe de mim.
Puxo o ar com força e começo a andar de um lado para o outro
da cozinha. Onde está Gaia?
— Vou falar isso pela última vez: os tabloides não sabem da
minha vida. — Podem até achar que sabem, mas, na verdade, não
têm ideia do que acontece de verdade. Todas as informações que
soltam a meu respeito não passam de pura imaginação fértil e
tentativas desesperadas de fazer dinheiro às custas dos King. —
Sam, por favor. Você sabe como é a mídia: se não acham notícias,
inventam. Nem por um momento fiquei deprimido. Estou ocupado
demais para isso. Olha, você merece um cara muito melhor do que
eu. Alguém que te valorize e que esteja disposto a ter um
relacionamento saudável. Eu não sou esse cara.
— É só você tentar, Zach…
— Aí é que está, Sam: não quero tentar — declaro. — Não
tenho vontade de estar em um relacionamento. Não quero
monogamia. Não quero me casar, ter filhinhos e viver feliz para
sempre.
— Mas se você mudar de ideia, vai me procurar? — pergunta e
posso ouvi-la fungando do outro lado da linha.
— Não — falo com toda a sinceridade e ela arfa. — Não vou
mais te procurar, Samantha. Olha, eu não sou um babaca insensível,
só não quero te dar falsas esperanças de algo que nunca vai
acontecer.
Sam e eu não somos compatíveis. Ela é linda, sofisticada,
sensual… perfeita para algumas noites de diversão. Ponto final.
— Você é, sim, um babaca insensível, Zachary King.
A linha fica muda e sei que ela encerrou a ligação.
Jogo o celular na bancada, apoio as mãos no mármore e afasto
o corpo, abaixando a cabeça até encostar na pedra fria. Solto o ar
com força, odiando cada segundo do que acabou de acontecer.
Gaia não precisava ter escutado essa conversa com Sam. O
que deve estar pensando agora?
Tenho que ir atrás dela. Mas se eu for, será que estará disposta
a me ouvir? Ou será que precisa de um tempo longe de mim? Tudo o
que escutou e não tem ideia de como interpretar… Caralho, que
confusão da porra.
O que eu estava pensando quando me aproximei dessa mulher?
Para isso, eu tenho resposta: não consigo ficar perto e não
querer tocá-la. Ela é tão linda… tão pura. Sei lá. Algo me puxa, me
instiga, faz com que eu simplesmente precise chegar mais perto,
como se meu corpo fosse um pedaço de ferro e ela, um ímã.
O pior de tudo é que, desta vez, Gaia não se afastou ao primeiro
contato. Ficou parada, aceitando o meu toque, estremecendo com o
carinho. A boca entreaberta, a respiração cortada, o coração batendo
tão forte que pude ver a veia pulsando em seu pescoço…
Gaia também me quer, e hoje pude confirmar isso.
Merda! Preciso encontrar um jeito de contornar essa situação e
fazer com que ela entenda que Sam e eu não temos nada.
Não sei se devo ir atrás dela agora e…
“E o que, Zachary?”, uma nova vozinha pergunta dentro da
minha cabeça. “O que vai dizer? Você nem conhece a garota direito.”
A voz tem razão, é claro. Mas desde ontem à noite não consigo
tirar Gaia dos pensamentos.
— Ei! — Trenton escolhe este momento para entrar na cozinha.
— Está fazendo o que aqui?
Ergo a cabeça e encaro meu primo.
— Tentando consertar um erro. — Pego o celular na bancada,
um pouco aliviado por ter a chance de pensar em outra coisa. —
Acho que preciso beber.
— Era sobre isso mesmo que eu queria falar. — Sobe e desce
as sobrancelhas, e o gesto me diz que ele tem algo bem específico
em mente.
— Onde?
— Na casa dos Millner — explica.
— Quem diabos são os Millner? — quero saber, abrindo a
geladeira e tirando de lá duas garrafinhas de cerveja. Entrego uma a
meu primo e fico com outra para mim.
— Amigos do Oliver.
— Odeio aquele babaca — nós dois falamos ao mesmo tempo.
Estendo a garrafa e brindamos a sincronia de pensamento.
— Ainda não sei por que meu pai convidou aquele idiota para
passar o fim de semana com a gente. Quer dizer… eu sei sim. Ele
está desesperado pelo contrato com Damon Cooper.
Oliver pode ser um babaca, mas seu pai é um executivo
importante no estúdio de cinema com o qual queremos trabalhar em
breve, e pode facilitar bastante a nossa vida daqui para a frente.
Principalmente quando lançarmos nossa plataforma de streaming.
— Vamos esquecer o Oliver por um minuto — Trenton sugere, e
apenas assinto com a cabeça. Afinal, já tenho problemas suficientes
para perder ainda mais tempo com Oliver Cooper. Aquele lá não
merece a minha atenção. — A festa dos Millner…
— A festa dos Millner! — Jackson invade a cozinha, braços
abertos e uma expressão de pura felicidade no rosto.
Atrás dele, Sebastian e Elijah entram também. Os dois
balançando a cabeça, fingindo reprovar a reação exagerada do
nosso caçula. Mas todos sabemos que, no fundo, é ele quem deixa
as coisas mais interessantes.
— Não sei se quero ir à festa dos Millner. — Reviro os olhos. —
Não faço ideia de quem sejam.
— Como se isso fosse um impedimento — Jackson diz, dando
um pulo para se sentar no balcão. Sem pedir, ele toma a cerveja da
minha mão e vira todo o conteúdo da garrafa em um gole só.
— Claro, Jack, sirva-se à vontade — ironizo e ele me responde
com uma piscadinha.
— Tá com cara de quem comeu merda e não gostou… —
Jackson me analisa de cima a baixo.
— Por acaso, alguém come merda e gosta? — Elijah pergunta,
franzindo o nariz.
— Ah, Eli — Trenton dá um tapa leve no ombro do irmão mais
novo —, tem sempre um maluco no mundo.
Balanço a cabeça, rindo com a conversa estranha que tomou
conta da cozinha.
— Mas voltando à cara do Zach. — Jackson aponta a garrafa
vazia para mim. — O que aconteceu?
O silêncio impera. Olho ao redor e percebo que todos os meus
primos estão virados na minha direção. Trenton, como sempre, tem
aquela expressão relaxada no rosto, como se não tivesse uma
preocupação na vida — além da sua próxima conquista. Elijah, o
mais certinho de nós, está recostado na geladeira, com os braços
cruzados na frente do peito e uma perna dobrada, com o pé apoiado
na porta de metal. Sebastian tem o corpo inclinado para o lado, o
antebraço deitado no balcão, ao lado de Jackson. Já o caçula me fita
com um sorriso.
É sempre assim. Nós cinco. Os King. Seja para o bem ou para o
mal, estamos juntos, prontos para enfrentar o problema que vier.
Nunca escondemos nada uns dos outros e a lealdade que reina
entre nós fala mais alto do que qualquer competitividade que a mídia
insiste em dizer que existe na nossa família. Tudo mentira. Nunca
precisamos competir, porque sempre soubemos que juntos somos
muito mais fortes. E é justamente por isso que não hesito em contar
o que tem me perturbado.
— Na verdade, são dois problemas — confesso.
— Sabia… — Jack joga um beijinho para mim.
— Samantha acabou de me ligar.
Na mesma hora, todos eles fazem algum gesto que indica
vômito, náusea ou qualquer outra expressão de desgosto. É
unânime: Samantha Strauss não é a pessoa preferida entre os
homens King.
— Tanto lugar bom para enfiar o pau, e você escolhe o vespeiro
— Sebastian comenta, balançando a cabeça de um lado para o outro
de forma desaprovadora.
— Vespeiro é pouco! — Trenton se mete. — Eu preferia invadir o
território de uma matilha de lobos selvagens a chegar perto da
Samantha. Aquela mulher é louca.
É claro que um coro de concordância segue a afirmação de
Trent.
— Não sei como… — Elijah começa a falar, mas eu logo o
interrompo.
— Tá, já entendi. Ela é a versão feminina do capeta. —
Empurro-o para o lado, abrindo a geladeira, e começo a retirar
algumas garrafas de cerveja, que ele distribui. — Mas o que não tem
remédio, remediado está. Já peguei e agora ela está se dizendo
apaixonada. Quer que a gente tenha o “felizes para sempre” de um
filme da Disney.
De novo, todos os meus primos fingem vomitar.
— Mas você disse que eram dois problemas — Sebastian
comenta. — Qual é o segundo?
— Tecnicamente, não é um problema… — Ainda. Na verdade,
nem sei se vai ser. Também não faço ideia de como explicar o que
aconteceu.
Merda.
Dou um gole na cerveja, sentindo quatro pares de olhos sobre
mim enquanto volto para o meio da cozinha.
Por alguns segundos, ninguém fala nada, como se estivessem
pensando no meu predicamento.
— É outra mulher — Elijah conclui com convicção.
— Fato. E ele foi rejeitado por ela — Sebastian completa.
— Foi rejeitado porque ela é casada — Trenton sugere,
adicionando coisas à história.
— Não só ela é casada, mas seu marido é o chefe da máfia e,
possivelmente, o homem mais perigoso de Nova York — Jackson
termina a fantasia, balançando o indicador.
— Vocês deviam escrever roteiro de filmes com tantas ideias
mirabolantes. Mas seria interessante se não falassem de mim como
se eu não estivesse presente. — Dou mais um gole na cerveja,
tentando engolir o amargor da vida. Ou a estupidez dos meus
primos. — E, tecnicamente, ela não me rejeitou.
— Continue usando a palavra “tecnicamente” para tudo, Zach,
meu amor. Porque é na tecnicalidade que você ganha o jogo —
Jackson ironiza e, mais uma vez, me joga um beijinho.
— Vai à merda.
— Voltamos a falar de merda? — Eli pergunta com a cara mais
deslavada do mundo e os quatro começam a rir da minha desgraça.
Puta que pariu, eu amo e odeio meus primos na mesma
intensidade.
— Tadinho do Zach. — Sebastian vem para o meu lado e passa
um braço em volta dos meus ombros. — Parem de sacanear o pobre
coitado. Não conseguem ver que ele está sofrendo? — O tom que
usa é ainda mais debochado do que o de Jackson, o que me faz
empurrá-lo para longe.
— Vocês não valem nada — acuso, mas resolvo que está na
hora de me render à correnteza ao invés de lutar contra ela. — Na
verdade, ela é uma princesa japonesa. Seu pai, um homem muito
tradicional, está nos impedindo de viver este amor proibido —
dramatizo, colocando ênfase nas palavras e usando todo o dom que
não tenho para performar. — Só que estou determinado a tê-la para
mim.
— Não sabia que tinha princesas no Japão. — O comentário de
Elijah me pega desprevenido e não consigo conter a gargalhada.
— Olha, todos sabem que tenho mais criatividade do que bom-
senso — Jack diz, e balançamos a cabeça em concordância. — Por
isso, acho melhor você contar logo o que está acontecendo. Senão
ficaremos aqui a noite inteira, imaginando oitocentas possibilidades.
— Não é uma má ideia… — Puxo um dos bancos e sento-me de
frente para a bancada. Jackson nem se mexe, mas Trenton e
Sebastian repetem meus movimentos, só que tomam o lugar do
outro lado da ilha. Já Elijah se mantém de pé, recostado de novo na
geladeira.
Quanto mais tempo fico calado, pior será a reação deles ao
ouvir o que tenho a dizer. Mas a desgraça é que não sei muito bem
como explicar o fato de eu estar… sei lá, obcecado.
— O problema deve ser sério mesmo. Nunca vi Zachary tão
inarticulado antes — Sebastian rompe o silêncio.
— Não sei o que dizer. É só que… — Respiro fundo, criando
coragem. — Não consigo tirar a Gaia da cabeça.
Um assobio longo e agudo soa dentro da cozinha, e sei que foi
Trenton que emitiu o som irritante. Porém, diferente do que achei,
ninguém faz qualquer comentário. Dez segundos se tornam trinta.
Um minuto. Abaixo a cabeça de novo, deixando que o mármore
gelado resfrie um pouco a minha mente.
Desde que a vi pela primeira vez, não consigo parar de pensar
nela. Tão linda e angelical. Mas com uma boca grossa e…
— Vocês já ouviram falar na maldição dos King? — Elijah
interrompe o meu raciocínio.
De repente, todos os olhares saem de cima de mim e recaem
sobre ele, que encara o gargalo da garrafa. Então, leva-a à boca,
dando um gole generoso no líquido, e se aproxima do grupo.
— Que maldição? — é Jackson quem solta a pergunta,
erguendo um pouco as costas.
Troco olhares com Trent, que apenas dá de ombros, como se
quisesse me garantir que também é sua primeira vez ouvindo algo a
respeito disso.
— Há alguns anos, ouvi uma conversa dos nossos pais — Eli
começa a explicar. — Foi antes de morarmos em Londres, quando
tio Harv ia viajar para a filial do…
— Fala logo, Elijah! — Sebastian apressa o primo, tão
impaciente quanto o resto de nós.
— Enfim, eles estavam no escritório, mas tinham deixado a
porta entreaberta. Eu tinha que entregar um documento, só que ouvi
os três cochichando.
— E, como bom fofoqueiro, ficou bisbilhotando — Jackson
conclui.
— Óbvio. — Elijah dá de ombros. Trenton e eu fazemos o
mesmo, porque, se estivéssemos em seu lugar, não teríamos agido
diferente. — Eles estavam falando sobre nós cinco. Tio Harv tinha
aquele discurso de “eles precisam se casar para tomarem vergonha
na cara” — faz uma imitação precisa do meu pai, o que garante
algumas risadas e cabeças balançando em concordância. — Já tio
Wally falou que seria complicado a gente se casar por conta da
maldição dos King.
— E que maldição é essa? — quero saber.
— Pelo que interpretei da conversa, todos os homens King se
apaixonam à primeira vista. E depois que conhecem a pessoa certa,
ficam obcecados. Não há mais ninguém que possa competir. — Ele
bate uma mão na outra, como se limpasse poeira de forma enfática.
— Acabou. Sem mais putaria, sem mais festas, sem mais orgias…
Pau fiel. Para sempre, amém.
O silêncio volta a tomar conta da cozinha, mas, desta vez, logo é
quebrado por um coro de gargalhadas escandalosas. Rimos tanto
que lágrimas escorrem dos meus olhos. Minha barriga dói e chego a
dobrar a coluna com a risada. Acho que a última vez que ri tanto
assim foi quando Jackson resolveu que seria jogador profissional de
rugby e chegou em casa com o dente da frente faltando.
No. Primeiro. Dia. De. Treino.
— E você acha que eu me apaixonei à primeira vista pela Gaia?
— pergunto, tentando controlar a risada. — Uma mulher que eu não
conheço direito, de quem não sei absolutamente nada?
Elijah franze a sobrancelha, como se estivesse avaliando a
possibilidade.
Não. Não mesmo.
Gaia é linda? Sim.
Tem um cheiro delicioso? Sim.
Fico pensando nela o dia inteiro? Sim.
Bati punheta pensando nela? Sim.
Quero me enterrar nela até que o meu nome seja a única coisa
que consiga lembrar? Com certeza.
Daí a dizer que estou apaixonado? Não. Não mesmo. Nem
fodendo.
— Olha, eu não sei vocês, mas acho que todo esse humor fez
com que eu ficasse sóbrio. — Jackson pula da bancada, parando ao
lado de Sebastian. — Festa dos Millner? — sugere.
— Festa dos Millner — Trenton concorda.
Eli e Sebastian também.
— Zach? — O caçula olha para mim.
— Não, valeu — dispenso a oferta. — Não conheço ninguém lá,
e a última coisa que quero fazer hoje é ser cercado de pessoas
interesseiras. Talvez amanhã.
Sem mais festas.
Viro alvo de vários olhares curiosos, porém ignoro todos eles.
Não é a maldição. Só que a conversa com Samantha foi cansativa
demais. A confusão com Gaia foi… sei lá o que foi aquilo, mas não
vou pensar nisso agora. Tudo o que quero neste momento é tomar
um banho e deitar na minha cama. Quem sabe dormir um pouco. E
não pensar nela.
Porque eu não vou pensar em Gaia. Não vou.
Não vou pensar em Gaia, porque não existe a maldição dos
King. Logo, não estou apaixonado por uma mulher que eu mal
conheço. Obviamente.
— Dá pra parar de me olhar desse jeito? — Cruzo os braços,
encarando meus primos. — Um homem não pode querer dormir,
não?
— No sábado à noite? — Trenton pergunta.
Até tu, Brutus?
— Quero ver se você tem ânimo pra qualquer coisa depois de
uma hora de conversa com a Samantha. Especialmente para lidar
com mulheres. — Aponto o dedo para ele, desafiando-o a discordar.
Meu primo ergue as duas mãos em sinal de rendição.
— Justo. — Só que quando os outros três saem da cozinha, ele
é o único que fica para trás. — Mas qual é a desculpa que você vai
usar para ter dispensado as modelos ontem?
Trenton não diz mais nada, apenas dá dois tapinhas no meu
ombro e sai da cozinha também.
A pergunta dele fica martelando na minha cabeça. Porém meu
primo está errado. Tem que estar. Maldições não existem.
Vida em Nova York
A sua fonte de informações sobre a cidade que
nunca dorme

O verão chegou e, com ele, não vimos os King no fim de


semana. O que está acontecendo? Onde eles estão e por que não
apareceram nos lugares mais badalados da cidade?
Na verdade, o único que tem saído com mais frequência é
Jackson King, que estava na Glamour na quinta-feira. Sebastian foi
visto em Las Vegas durante a semana, na companhia de Ian
McDonnell e Christopher Walsh. Mas Zachary, Trenton e Elijah têm
estado sumidos. Será que a Inglaterra destruiu os nossos
queridinhos ou NYC não é mais tão interessante assim?
Dizem as minhas fontes que Zach tem levado a sério a ideia de
ser o próximo chefe da família King, já que está tentando se
comportar de forma menos divertida. Trenton, que será o segundo
em comando, parece seguir os exemplos do primo. Com isso, ambos
estão se dedicando bastante ao trabalho. Mas o fim de semana foi
criado para relaxar, queridos! Por que não agraciaram nossos olhos
com suas belezas?
E Elijah? De todos os King, ele é o mais quietinho… Mas aposto
o que quiserem que é o mais safado de todos!
De qualquer forma, estarei atenta a todas as movimentações e
trarei qualquer novidade para vocês.
Capítulo 9

Gaia

Lottie mal chegou e já está discutindo com a coronel. Enquanto


a loira tenta argumentar sobre o motivo de ter faltado ontem,
explicando que vai trabalhar mais pesado hoje, Martha nem quer
olhar direito para a cara dela. É claro que a vontade de Lottie não é
acatada, porque a cozinheira resolve que a melhor forma de punir a
garota por não ter avisado que faltaria ao trabalho é mandando-a
embora para casa.
— Volte na sexta que vem, se ainda quiser o emprego — Martha
assente. — A família chega às 17h30. O ideal é que você esteja aqui
duas horas antes. Se não estiver, nem precisa voltar mais.
— Mas… Mas…
— Sem “mas” — Martha não quer saber. — Estou avisando,
menina: esta será sua última chance.
Lottie não recebe bem a recusa, já que sai da casa bufando e
batendo os pés. Não entendo o comportamento, afinal, ela deveria
estar aqui na sexta à noite, e não no domingo. Ela conhece Martha
há alguns anos e sabe muito bem que nada do que disser fará com
que a mulher mude de ideia. Até eu, que só a conheço há
pouquíssimos dias, não me atrevo a contradizê-la.
— Gaia, eu ouvi quando o menino Zachary disse que o sr.
Harvey solicitou a sua presença no piquenique. Não irei contra os
desejos do meu patrão — afirma. — Vá se arrumar. Coloque uma
bermuda e uma blusa clara. Está muito quente ao sol.
Apesar de ter tomado banho e trocado de roupa há pouco
tempo, vou para o meu quarto e obedeço. A fera já está irritada
demais para ser contrariada. A última coisa que quero é dar mais um
motivo para ela se estressar.
Coloco um short jeans — que não é muito curto, porém mais
curto e justo do que gostaria — e uma blusa branca, soltinha e sem
manga. Nos pés, o par de chinelos que fiz questão de comprar no
posto de gasolina em que parei na estrada, enquanto vinha para cá.
Refaço o rabo de cavalo, alto e firme, passo um pouco de rímel e
gloss de framboesa.
Não sei qual o tipo de nervosismo que estou sentindo agora —
se aquele que te deixa com um friozinho gostoso na barriga ou se o
que faz com que você sinta vontade de vomitar.
Muito provavelmente o segundo.
Ainda não estou preparada para ver Zachary King de novo. Não
depois do que aconteceu ontem à noite. Também não estou a fim de
pensar no “incidente” na cozinha. Porque é assim que vou me referir
àquele lapso de julgamento. Foi o cansaço que me fez ficar parada
que nem uma idiota, deixando que os dedos dele subissem por meu
braço, chegassem à minha nuca e me puxassem para perto. Foi o
cansaço que quase me permitiu ser beijada por aquela boca carnuda
e…
— Gaia, pelo amor de Deus, controle-se. Você não vai pensar
nele. Vai fazer a sonsa e fingir que nada aconteceu. Fim da história
— digo para o meu reflexo no espelho do armário e afirmo com a
cabeça.
Decidida, respiro fundo e volto para a cozinha. Três enormes
cestas já estão em cima do balcão, enquanto Martha reclama com
Derek de forma bem ruidosa.
— Cuidado com elas. Não quero ninguém comendo sanduíche
amassado e frutas machucadas. Se eu ouvir uma queixa, você vai se
ver comigo, rapazinho — ameaça.
— Sim, senhora — Derek assente.
— Os pratos, talheres e taças já estão na tenda?
— Sim, senhora.
— E as bebidas?
— No cooler, também já na praia.
— Você vai levar as cestas e ficar esperando perto do deque,
apenas no caso de Gaia precisar de ajuda. Ela foi chamada para o
piquenique, não você. Entendeu?
— Sim, senhora.
Observo a cena com ainda mais nervosismo do que senti ao sair
do quarto. Os King estavam planejando um piquenique descontraído,
mas o que nenhum deles sabia era que, para isso acontecer, seria
necessário um quartel de guerra nos bastidores.
— Estou pronta — interrompo, querendo livrar Derek de ainda
mais cobranças.
— Você carrega essa aqui. — Martha aponta para uma das
cestas.
Derek e eu saímos pelos fundos, damos a volta na casa e
vamos até a praia. Ninguém da família aparece em nosso campo de
visão, mas sabemos que todos já foram se arrumar.
— Ela é sempre assim? — quero saber, a enorme tenda branca
já à vista.
— Martha? — Faço que sim com a cabeça. — Ela foi ficando
mais dura nos últimos anos, mas sempre foi rigorosa. Na verdade,
acho que nunca a vi tão irritadiça.
— Sorte a minha — rebato de forma sarcástica.
— Ela não está acostumada a ter estranhos em sua cozinha. Vai
levar um tempo até te aceitar de verdade.
— Por quê? Más experiências?
— Não. Na verdade, o único assistente que teve foi seu filho, o
Spencer. Ele terminou a faculdade no ano passado e este é o
primeiro verão que não está aqui. Conseguiu um emprego em uma
firma de arquitetura no centro.
— Ela colocou o filho para trabalhar na cozinha?
— Ah, sim. Spencer sempre trabalhou na casa, de uma forma ou
de outra, apesar das reclamações de Harvey. O velho sempre gostou
do moleque e queria que ele se dedicasse aos estudos, mas Martha
dizia que trabalho gera caráter.
— Eu consigo imaginar Martha dizendo isso — confesso e
Derek me encara, um sorriso no rosto.
— De toda forma, este é o primeiro verão que ela precisou trazer
alguém de fora. Talvez seja por isso que esteja ainda mais rígida.
— Espero que goste de mim. Sei que este é o meu primeiro fim
de semana aqui, mas tenho toda a intenção de continuar. Eu amo
trabalhar na cozinha, só queria que ela me desse a chance de fazer
qualquer coisa além de picar, limpar e descascar — falo com
sinceridade.
Neste momento, chegamos à tenda — e logo percebo que essa
palavra não define a realidade à minha frente. Na areia, foi montado
um circo! Ou quase isso. A tenda é tão grande, com várias lonas
brancas conectadas e presas em hastes de ferro, que deve ser
capaz de abrigar umas cem pessoas. No chão, há uma enorme
toalha branca de linho, rodeada de almofadas coloridas. Uns dez
metros à esquerda, ainda na sombra, duas mesas foram montadas,
e é lá que arrumo as frutas e os sanduíches, enquanto Derek abre as
garrafas de espumante e coloca a bebida nas taças, deixando tudo
pronto para a chegada da família.
— Cuidado para não desperdiçar. Cada garrafa dessa custa em
torno de quinhentos dólares.
Olho para o cooler e sinto vontade de chorar. Ali dentro tem,
pelo menos, seis mil dólares. Dinheiro que usaria para fazer muitas
coisas, em vez de apenas apreciar um vinho branco com bolhas.
Nem o curso de gastronomia me preparou para tanta opulência,
e olha que trabalhamos sempre com produtos de primeira linha. Mas
aqui… é outro mundo. Um que é o oposto do meu, onde o dinheiro
não importa e tudo que querem é aproveitar a vida e a família.
— Eles estão vindo — Derek diz e, logo depois, se afasta.
Não preciso me virar para saber que disse a verdade. As vozes
aumentam, as risadas também. As duas mesas de apoio estão
prontas quando todos entram na tenda.
— Martha se superou desta vez — um dos rapazes mais jovens
diz. Acho que é Sebastian, mas são tão parecidos que ainda não
consigo decifrar quem é quem. O único dos cinco que reconheço
com facilidade é Zachary, que não está aqui, e a noite de ontem me
volta à mente.
— Gaia, que prazer em vê-la — o sr. Harvey fala, ainda mais
animado do que antes, e a sua surpresa me confunde.
Mas então me lembro da excentricidade dos ricos e imagino
que, provavelmente, deve ter esquecido que me pediu para servir o
piquenique. Sorrio de volta e abro passagem para que ele e Monica
encontrem seus lugares na tenda.
Mais e mais pessoas vão chegando, me cumprimentando
quando seguem para as almofadas. Ainda estranho a ausência de
um homem, mas estou decidida a não pensar nele.
“Talvez esteja conversando com a mulher apaixonada ao
telefone”, é o que se passa em minha mente.
Sirvo as taças quando todos estão acomodados e, em seguida,
passo uma rodada de sanduíches, que todos aceitam, menos uma
das moças. Ela abana com as mãos e sei muito bem o que quis dizer
com esse gesto: saia com esses carboidratos de perto de mim. Perdi
as contas de quantas vezes ouvi o mesmo comentário durante os
eventos.
As conversas animadas deixam claro que o sábado de verão
teve o efeito planejado, mesmo que à moda “ricos de Nova York”.
Eles bebem, comem, conversam…, mas ninguém está na água. Não
entendo. Se eu pudesse, já teria ficado de biquíni e estaria
aproveitando o mar fresquinho em vez de apenas olhar para ele.
— Gaia! — uma voz masculina me chama e, quando me viro
para ver quem é, noto que um dos irmãos do sr. Harvey está sorrindo
para mim.
— Pois não, sr. Walter?
Ele ri e fico sem entender o motivo da graça.
— Eu não sou o velho que paga o seu salário, nem o filho do
velho que paga seu salário, menina. Pode me chamar de Wally.
— Dá pra parar de me chamar de velho? — Harvey reclama
com o irmão e arremessa um guardanapo usado, que bate no rosto
do outro homem.
A tenda cai em gargalhadas e fico me perguntando se este tipo
de comportamento é normal entre eles.
Espero que sim.
Acaba que o sr. Walter não consegue falar comigo, porque logo
é envolvido por uma conversa escandalosa sobre algum esporte.
Acho que é futebol americano, mas não tenho certeza. Sirvo mais
uma rodada de taças cheias e sanduíches, oferecendo sorrisos a
cada um dos presentes. Depois, volto para as mesas, onde fico de
pé, esperando ser chamada mais uma vez.
— Por que você não vem sentar com a gente? — Um dos
rapazes vem para perto, parando logo ao meu lado enquanto procura
pela garrafa de espumante.
— Deixa que eu faço isso — interrompo-o e encho a sua taça.
— Obrigado. Eu sou o Jackson. — Ele estende a mão para mim
e eu a aperto.

— Gaia. — Dou de ombros.

— Eu sabia disso. — O comentário simples me deixa vermelha.


Não porque ele é lindo e tem um charme jovial no olhar, mas porque
eu não fazia a menor ideia de seu nome. Odeio não ter memória boa
para pessoas. Às vezes, fico com a impressão de que meu cérebro
tem todo o espaço ocupado por receitas. — Aceita um? — Ele me
oferece a própria taça.

— Não, obrigada. Estou trabalhando. — Tento colocar o máximo


de gratidão na voz.

— Se você trabalhasse dirigindo guindastes, até entenderia.


Mas você está na praia, dentro da propriedade e cercada de pessoas
prepotentes, que se acham dádivas divinas. — Ele ri da piada,
enquanto eu fico sem saber o que dizer. — Beber ajuda, confie em
mim.

Desta vez, pega a minha mão e deposita a taça nela, insistindo


para que eu dê um gole.

— Não sei se devo, sr. King. Como disse, estou traba…


— Trabalhando, eu sei. E não sou o sr. King. Pelo amor de
Deus, não me chame assim ou vou acabar fazendo uma loucura
qualquer, só para que ninguém duvide que estou o mais longe
possível de ser considerado um “senhor”. — Ele revira os olhos, mas
o gesto termina com um sorriso travesso, que acaba me fazendo
sorrir também. Esse daí tem uma simpatia diferente. Ele parece mais
solto. Ou, pelo menos, mais honesto.

— Ok, Jackson. — Acabo me rendendo, mas não bebo o


espumante.

Ele alcança mais uma taça, vira todo o seu conteúdo e a enche
novamente. O processo é repetido três vezes, sem qualquer pausa.

— Você deveria pegar leve com isso — comento baixinho,


olhando para as outras pessoas na tenda. Mas ninguém presta
atenção na gente.

— E você deveria relaxar um pouco, Gaia. Isso aqui é uma casa


de férias. Ninguém vai se importar se você quiser conversar e tomar
um drink. — Ele pisca para mim, e percebo que este deve ser um
hábito entre as pessoas da família. Porém, o modo como Jackson
me encara é bem diferente de Zachary.

— Desculpe. Não posso aceitar sua oferta. — Devolvo a taça a


ele, que apenas dá de ombros e vira o líquido borbulhante de uma
vez só.

— Azar o seu. Quem sabe não te convença na semana que


vem? — A frase sai um pouco enrolada, o que me faz concluir que
estas não foram as primeiras doses que Jackson tomou hoje.

— Convencer de quê? — O baixinho irritante, que agora sei que


se chama Oliver, se aproxima de nós. — Tá chamando a gata pra
uma festinha particular, Jackie?
— Vá à merda, Ollie — Jackson responde sem nem olhar na
direção do amigo.

Surpresa, surpresa: o jovem King desistiu de usar taças e agora


dá um gole no espumante direto do gargalo.

— Ah, pare com isso. Você nunca teve problema em dividir. —


Oliver para entre nós e me olha de cima a baixo, demorando mais do
que eu gostaria na região dos meus seios.

Na verdade, o que eu gostaria mesmo era que ele não olhasse


para mim. Pelo menos, não dessa forma, como se quisesse me
comer de sobremesa.

— Com licença. — Resolvo me afastar ao invés de permanecer


aqui. Não vou me deixar ser humilhada dessa forma, mesmo que o
cara esteja bêbado.

Porém, antes que eu consiga me afastar, a mão de Oliver aperta


o meu braço e ele me puxa para perto.

— Largue a garota, cara. Deixe a Gaia fazer o trabalho dela —


Jackson argumenta, mas seu estado inebriado faz com que a frase
saia de forma tranquila.

— Gaia, Gaia, Gaia… Esse seu nome é uma delícia, sabia? —


Sinto o hálito alcoólico de Oliver tocar o meu rosto e preciso virar a
cara. Ele está perto demais, e sua boca quase encosta na minha.

Meu instinto me diz para dar uma joelhada em suas bolas e


colocá-lo no lugar que merece. Por outro lado, não sei o que
acontecerá comigo se eu fizer isso — provavelmente demitida, algo
que não estou disposta a arriscar. Por isso, limito-me a dizer:

— Por favor, solte o meu braço.

Mas Oliver apenas ri, o corpo cada vez mais junto ao meu, me
pressionando contra a mesa.
— Que isso, gata. Não precisa se fazer de difícil. Eu sei muito
bem o que você quer.

Como se ser um babaca não fosse o suficiente, ele segura


minha cabeça com uma mão e força meu rosto para perto do seu. É
a gota d’água.

— Me solta! — grito, ignorando as consequências. Sem pensar,


faço o que queria desde a primeira vez que Oliver dirigiu a palavra a
mim: dou uma joelhada forte mirando a virilha, que erra o alvo e
acaba acertando a coxa. Mas isso é o bastante para que ele se
afaste.

— Gaia! — Escuto meu nome ser chamado, e acho que foi


Derek quem o disse. Porém não desvio a atenção do homem à
minha frente.

— Sua piranha! — ele grita, curvado enquanto segura o local


onde o atingi.

— Bem feito, seu babaca — é Jackson quem fala, agora do meu


lado.

Acho que ele não teve tempo de reagir.

— Você não tem o direito de me tocar sem permissão,


entendeu? Da próxima vez, não vou errar — ameaço, mas minha voz
é trêmula e não passa muita confiança.

Oliver começa a me xingar, dizendo que eu deveria ser mais


fácil, que esse joguinho não o convence e que, até o fim da noite,
estarei em sua cama. Pela fala acelerada e pelo modo como me
olha, sei que não é apenas álcool que está em seu sistema.
Reconheço muito bem os efeitos da cocaína em alguém.

— O que está acontecendo aqui? — Desta vez, é Harvey quem


se coloca ao meu lado, uma mão protetora em meu ombro.
— Essa piranha fica me dando mole e depois faz cu doce! —
Oliver acusa, o dedo apontado para mim.

— Vai se foder, Oliver! — Jackson vem em minha defesa. — Ela


estava trabalhando quando você apareceu cheio de gracinha. Tio
Harvey, a Gaia não teve culpa. — Ele se vira para o tio, que parece
analisar a situação.

É então que me dou conta da cena que protagonizo. Olho ao


redor e noto que todos me encaram. As mulheres estão
boquiabertas, cochichando entre si. Já os homens se entreolham,
como se conversassem em silêncio.

— Desculpe, sr. Harvey. Eu não queria… Só não aceito… —


  engasgo as palavras, me sentindo perdida com a situação. Queria
poder chorar de tanta vergonha. Só não farei isso na frente deles. —
Preciso sair daqui. Derek irá servi-los pelo resto da tarde — declaro
e, sem dar tempo de ser contestada, começo a me afastar da tenda.

Escuto pessoas me chamando, mas não estou a fim de


conversar agora. Não quando lembranças de tempos tóxicos voltam
à minha mente.
Capítulo 10

Zachary
Samantha não me dá sossego. Ela está acostumada a ter tudo o
que quer, na hora que quer. Então, por que aceitaria a frase que mais
disse a ela nos últimos meses? “Acabou, Sam.”
Se arrependimento matasse, eu estaria enterrado a sete palmos.
Enquanto desço as escadas que levam ao primeiro andar da
casa de praia, tento me acalmar, respirando fundo para não
demonstrar o quanto essas conversas com ela me irritam. A de
ontem foi uma merda; a de hoje, ainda pior. Sam estava aos prantos.
Mas já passei da fase de sentir pena. Tudo o que eu queria neste
domingo era ficar um pouco com a minha família, comer os
sanduíches que Tata fez para mim e, quem sabe, conversar um
pouco com Gaia. Talvez descobrir por que estou tão encantado por
uma garota que mal conheço, também ter certeza de que não existe
essa coisa de “maldição dos King”. Porém, não fiz nada disso, já que
precisei ficar trancado no quarto enquanto tentava racionalizar com a
miss carência.
Maldito tio Eddie que me apresentou a ela. O pior é que nem
posso ser mais enfático no modo como a trato, porque Samantha
Strauss é a filha de um dos nossos diretores em Londres.
Olho para o relógio no pulso e vejo que já são quase três da
tarde. Pelo menos, ainda dá tempo de curtir um pouco o piquenique.
Assim que cruzo a porta, louco para dar um mergulho no mar, meus
pensamentos perdem o foco ao ver Gaia correndo pelo jardim.
Desvio do meu destino e vou até ela, que nem presta atenção na
minha presença.
— Gaia! — chamo seu nome, mas ela me ignora e continua
correndo, passando pela lateral da piscina.
É claro que a sigo até estarmos na parte de trás da casa. Antes
que ela consiga entrar pela porta da cozinha, eu a alcanço.
— Gaia — repito e consigo segurar seu braço.
— Me largue, seu… — ela grita e sou obrigado a dar um passo
para trás, espantado com a violência com que gira o corpo, se
soltando de mim. Quando me encara, o rosto lívido me assusta. —
Ah, achei que fosse ele.
As palavras vêm acompanhadas de um suspiro de alívio, o que
me deixa ainda mais confuso — e tudo piora quando vejo lágrimas
pesadas escorrendo pelo rosto de porcelana. Os olhos estão
vermelhos e a respiração, acelerada. Vê-la chorando causa o mesmo
impacto de um tapa na minha cara.
— Está tudo bem? O que aconteceu? Quem fez isso? —
pergunto com aflição, colocando uma mão na porta para impedi-la de
entrar.
— Nin-ninguém. Nada aco-conteceu — ela gagueja uma
resposta que eu sei ser falsa.
— Duvido. — Cruzo os braços na frente do peito e deixo que
meus olhos caiam por seu corpo. Mas Gaia não parece machucada.
— Só… preciso ficar sozinha, está bem? — diz e puxa o ar com
força, como se fosse difícil respirar.
— Prometo deixar você sozinha assim que me disser quem te
fez ficar nesse estado. — Meu tom deixa claro que não estou para
brincadeiras.
Ela não responde de imediato, o que me faz ficar ainda mais
preocupado. Apenas olha para os lados, como se me encarar fosse
difícil. Minha curiosidade, aliada à preocupação, não me permite
relaxar. Por isso, de forma impensada, deixo meus braços caírem
para os lados e dou um passo em sua direção. A reação dela é se
afastar de mim.
— O. Que. Aconteceu? — pergunto pausadamente, cada vez
mais tenso.
É então que seus olhos encontram os meus — e esqueço como
se faz para respirar. Porque, ali dentro, há muito mais do que um tom
azul. Há uma tristeza profunda, uma desesperança, um pânico.
— Gaia, por favor, me conte — peço baixinho, percebendo que
uma aproximação brusca não é a forma certa de conseguir
respostas.
Ela está abalada demais. Vulnerável demais.
— Oliver…
Uma única palavra sussurrada é o suficiente para fazer meu
sangue ferver. Aquele filho da puta desgraçado!
Nem dou tempo para que Gaia continue sua explicação.
— Vá para o seu quarto e tire o dia de folga — é tudo o que digo
antes de virar as costas para ela e seguir até a tenda.
Vou matar alguém hoje!
Marcho até lá, passos apressados e cheios de raiva, sabendo
muito bem do que Oliver é capaz. Desde que chegamos, ele ficou
fazendo comentários sobre Gaia. Como ela é linda, como é gostosa,
como queria “dar uma comidinha nela” na despensa — palavras
dele. Pelo visto, foi só beber um pouquinho que criou coragem de
investir.
A conversa que escutei entre Gaia e Derek me volta à mente.
Ele a alertou sobre os assédios de Oliver e de demais convidados, e
eu não levei a sério. Achei que ninguém que frequenta nosso círculo
social forçaria uma mulher a fazer algo que não quisesse.
Desta vez, não há contrato na minha cabeça. Não há executivos
do cinema, nem amizade de uma vida inteira.
Quando entro embaixo da tenda, ignoro as vozes alteradas das
pessoas e vou direto até aquele idiota. Sem pensar duas vezes, dou
um soco em sua cara, levando-o ao chão.
— Zachary! — minha mãe grita atrás de mim e sinto braços
tentando me conter, mas já estou além da racionalidade.
— Saia da minha casa agora! — cuspo as palavras. — Você
nunca mais vai pisar em uma propriedade King, entendeu? Não
aceitamos comportamentos de merda sob o nosso teto.
— Ah, o príncipe no cavalo branco veio em defesa da
empregadinha? — Oliver diz em tom de escárnio, limpando o corte
que abriu no lábio.
— Tanto faz se ela é empregada ou a porra da rainha da
Inglaterra, seu pote de merda! — A expressão de raiva não deixa o
meu rosto. — A nossa família trata todo mundo da mesma forma, e
não será um bostinha como você que vai sujar o nosso nome. Já
disse e repito: saia da minha casa agora, ou vai detestar as
consequências. — Minha ameaça não é vazia.
Oliver sempre foi do tipo que se aproveitou da nossa companhia
para subir na vida, tudo porque crescemos juntos. Por mais que se
ache um de nós, ele está longe de ser um King.
— Você ouviu o meu filho, Oliver. — Sinto quando meu velho
coloca a mão no meu ombro em sinal de apoio e as que me
seguravam se afrouxam. — Saia de nossa casa e não volte nunca
mais. Você não é mais bem-vindo.
Se a minha explosão e o soco não surtiram efeito, então a
declaração firme de meu pai é o suficiente para mostrar que eu não
estava brincando. É o último prego no caixão de Oliver. Porque
ninguém discute com Harvey King. Ninguém.
— Vocês só podem estar de palhaçada. Ela é uma empregada!
— Oliver tenta argumentar.
— Como meu primo disse — Trenton entra na conversa —, não
importa quem ela é.
Olho para os lados e vejo uma parede de homens sendo
formada. Trenton, Jackson, Eli, Sebastian, Harvey, Edmund e Walter:
todos dispostos a defender o que levamos anos para conquistar. Se
tem uma coisa da qual nos orgulhamos é de fazer a coisa certa.
Sempre. Dentro e fora do escritório, a família King vive sob um
código de conduta transmitido de geração em geração. Nunca minta,
nunca trapaceie, nunca desrespeite. Ponto final.
Leva um tempo para que Oliver perceba que não estamos
brincando, mas ele enfim volta para dentro da casa, xingando
entredentes.
— Derek, vá com ele para se certificar de que não haja uma…
mudança de percurso — peço ao garçom —, e depois chame um
carro para que o leve de volta à cidade. Eu pago.
Inclusive, pagaria muito mais para nunca ter que olhar para a
cara presunçosa de Oliver de novo.
O silêncio, que até então tinha se instalado na tenda, é rompido
por um sussurro de Vicky:
— Eu deveria ajudar meu irmão e…
— Você ainda é nossa convidada, Vicky. — Elijah encara a
garota, que parece encabulada com a situação. — Não fez nada de
errado.
— Mas Oliver é…
— Seu irmão, nós sabemos disso. Só que não estamos aqui
para te julgar — meu primo insiste. Dos cinco, ele é o mais sensato.
— Oliver agrediu uma funcionária, uma mulher, e por isso ele não
fará mais parte do nosso círculo social. Simples assim. Mas isso não
se estende a você ou ao seu pai.
— Agradeço pelas palavras, Elijah. — Ela passa a mão no braço
do meu primo, em um gesto de carinho. — Mesmo assim, ele é a
minha família. Desculpe a todos. — Vicky olha ao redor, para os
demais presentes, e começa a se afastar, seguindo os mesmos
passos que Oliver fez há poucos minutos.
— Que merda!
— Jackson! — tia Leah repreende o filho.
Troco olhares com meu pai, sabendo que a merda, na verdade,
é muito maior do que eles pensam.
Caralho, isso vai acabar com as chances de firmar um contrato
com Damon Cooper…
— O quê? É uma situação de merda e todos sabemos disso. A
Gaia estava conversando comigo. Na verdade, eu estava tentando
conversar com ela, mas a garota é tão quietinha que nem quis trocar
muitas palavras.
Não sei por que, mas a confissão de Jackson me faz soltar um
suspiro de alívio, e ignoro o outro problema por enquanto.
— E Oliver apareceu do nada? — Sebastian quer saber.
— Aham — Jackson confirma. — Ele escutou uma conversa
pela metade e se achou no direito de entrar no assunto. É claro que
pegou o bonde andando e pensou logo em merda.
— O que você disse para Gaia, Jackson? Preciso me preocupar
com você também? — pergunto ao meu primo, que pende a cabeça
para o lado enquanto me encara. Mas são as sobrancelhas erguidas
que deixam claro a sua desconfiança.
— Não precisa se preocupar comigo, Zach. — Ele sorri. — Só
estava oferecendo uma taça de espumante para ela. Acho que Gaia
ainda não entendeu que somos uma família diferente.
De fato, somos. Lottie e Derek conversam com a gente
enquanto servem. Lottie principalmente, já que sempre senta
conosco e toma alguns drinks. Este é o nosso normal. Nossos
funcionários podem ser amigos também, e fazemos questão de que
saibam que são bem-vindos em nossa casa para além de trabalhar.
— Vou falar com ela — aviso.
— Não — meu pai diz. — Eu falo com ela. Aproveitem o resto do
piquenique.
— Ninguém vai falar com ela. — A voz de minha mãe soa mais
alto do que as demais e me espanto ao vê-la em pé, com uma mão
na cintura enquanto a outra segura uma taça, e aquele olhar que tem
sempre que quer me dar uma bronca.
— Mas, mãe, eu acho que… — tento intervir, mas é em vão.
— Você não acha nada, Zachary James King. — Nome do
meio? Definitivamente, é uma bronca. — Inclusive, creio que já tenha
feito o suficiente por hoje. Pode deixar que eu falo com ela. A menina
não precisa de mais homens a rondando.
Merda! Eu queria poder conversar com Gaia agora, saber se
está tudo bem. Mas nessa casa há uma hierarquia: Harvey King
manda em todo mundo, e Monica King manda em Harvey. Até
mesmo meu pai fica quieto e apenas assente. Por isso, me limito a
aceitar o espumante que Jackson oferece e viro tudo de uma só vez,
enquanto observo minha mãe caminhar de volta para casa.
Paciência nunca foi meu forte, mas não vou desobedecer. Não
agora, depois de já ter fodido com tudo. Só que foi impossível
controlar meus impulsos depois de ver o estado em que Gaia estava.
E por mais que Oliver tenha merecido muito mais do que apenas um
soco, já começo a pensar nas consequências que minha atitude trará
para os negócios da família.
Um mergulho no mar parece mais do que necessário neste
momento.
Capítulo 11

Gaia

A casa está silenciosa demais. Até Martha, que nunca para de


falar, está calada enquanto analisa com cuidado o conteúdo da
geladeira. Estamos nos preparando para a hora do jantar e ela
precisa ter tudo pronto no momento certo.
Quando Zachary me deixou sozinha, resolvi que tinha duas
opções: aceitar a folga, me esconder no quarto e chorar, ou então
enxugar as lágrimas e voltar ao trabalho. Passei dois minutos
tentando controlar o choro e voltei para o serviço. Desde que entrei
na cozinha, fiz o possível para ficar sempre de costas para Martha.
Não quero que ela note o meu estado.
A primeira tarefa que Martha me passa é limpar a peça de carne
que será servida mais tarde. É um trabalho maçante, mas que me dá
tempo de pensar no que aconteceu agora há pouco, e de que forma
posso garantir que isso não se repita. Repasso o momento algumas
vezes na cabeça, porém não encontro uma resposta. Só espero que
a joelhada tenha sido o suficiente para fazer com que Oliver — e
todos os outros homens presentes — entenda que não estou aqui
para ser um objeto sexual para os ricos e bonitos.
Escuto algumas vozes na sala da frente, e fico me perguntando
o que está acontecendo lá. Porém, como ainda tem a sala de jantar
separando a cozinha do restante da área social da casa, não consigo
ouvir o que estão dizendo. Mesmo assim, fico curiosa. Será que
estão rindo? Será que Oliver vai tentar outra coisa mais tarde?
Você poderia ir à polícia, uma vozinha em minha mente lembra.
Mas sei muito bem o que vai acontecer. É a palavra de um homem
influente contra a de uma assistente de cozinha. Em quem vão
acreditar? Além disso, minhas testemunhas, os King, ficarão do lado
do seu convidado, é claro.
Auxiliar nas preparações não está ajudando. Na verdade, o que
eu queria mesmo era ter a oportunidade de cozinhar. Cozinhar de
verdade, misturando temperos e fazendo mágica em uma panela,
para esquecer da vida. Ficar perdida nos aromas, nas técnicas…, só
que Martha continua me tratando como se eu fosse um assistente de
programa culinário, que deixa todos os ingredientes prontos para a
apresentadora usar. Virei a rainha do mise en place.
— Ei, viu quem entrou correndo? Opa… O que aconteceu com
você? — Val aparece ao meu lado. Não sei de onde ela saiu, ou
talvez estivesse distraída demais para prestar atenção no que
acontece. — Estava chorando?
— Nada de mais, só cortei cebola. — É uma tremenda mentira,
porém melhor do que falar a verdade.
O que eu deveria dizer? Acabei de ser assediada sexualmente
por um dos convidados?  Não consigo parar de pensar em Zachary
King? Estou com vontade de ir para casa e implorar de volta pelo
meu emprego na bomboniere do cinema?
Nada disso vai mudar algo. Por isso, resolvo ficar em silêncio e
manter a concentração na peça de carne.
— Eu estava pensando — Val diz —, o que acha de fazermos
uma festinha no meu quarto? Amanhã, a família vai embora e todos
os funcionários são liberados. Podemos pegar algumas bebidas,
assistir a um filme, jogar alguma coisa… — Ela dá de ombros. —
Falei com o Derek mais cedo e ele está dentro. Vamos comemorar o
primeiro fim de semana do verão.
— Posso responder depois? Tenho muita coisa para fazer agora
— desvio da oferta.
Na verdade, não sei o que dizer. Por mais que um momento de
tranquilidade seja exatamente do que esteja precisando, fico com
medo de não ser uma boa companhia.
— Tudo bem. Mais tarde a gente conversa. — Val dá um sorriso
e eu forço um também.
— Parem de cochichar e vá buscar tomilho, Gaia. Preciso
temperar a carne ou não terá gosto nenhum — Martha diz, antes de
retirar algumas frutas vermelhas da geladeira.
Troco olhares com Val enquanto lavo as mãos e, em seguida,
saio da cozinha. Na parte de trás da casa, tem um quintal. É ali que
os funcionários relaxam quando têm um tempinho livre. Cruzando-o,
encontra-se a hortinha. Seguindo mais à frente, pelo caminho de
pedras no jardim, passamos por um gazebo e, mais uns duzentos
metros à frente, chegamos à casa onde Martha e Gerald moram.
Juro que esta é a maior propriedade que já vi, e o pouco que
consegui explorar parece um sonho. Porém Martha me contou que,
em vez de aproveitar todo o terreno, a família King normalmente se
limita ao deque da frente, com vista para a praia, ou à lateral, onde
fica a piscina e a área de lazer.
O lugar é uma mistura perfeita de campo e praia, com jardins
bem mantidos, muitas plantas e flores. Tem um jardineiro cuidando
de tudo durante a semana, e isso fica muito claro quando vejo a
horta verdinha e cheia de temperos. Começo a cheirar tudo, feliz em
ver que a variedade é grande.
— Como está sendo trabalhar aqui, Gaia? — Assusto-me com a
voz e me viro, dando de cara com Monica King.
A matriarca da família era a última pessoa que esperava ver
agora, e a serenidade em seu tom, apesar do acontecido há pouco,
me deixa um tanto preocupada.
O que será que ela quer comigo?
— Um desafio, com certeza. — Até cogito mentir, mas minha
expressão revelaria o que se passa em minha mente. — Posso te
ajudar com alguma coisa? Um refil? — Aponto para a taça pela
metade que tem na mão.
— Não, obrigada. Na verdade, queria falar com você por outra
razão — declara e indica com a cabeça a área que os funcionários
normalmente usam para descansar.
Ela toma o lugar em um dos bancos e dá duas batidinhas no
espaço ao seu lado, pedindo para que eu me sente também.
— Se isso é a respeito do que aconteceu no piquenique,
expliquei a Martha que saí de lá por conta do sol — apresso-me em
contar, com medo do que Monica queira conversar comigo.
— Pois não deveria ter mentido. Não para beneficiar aquele pote
de merda, como diz meu filho. — Ela revira os olhos e, mais uma
vez, me espanta. Afinal, jamais imaginei ouvir palavras tão chulas
saindo da boca de uma mulher tão elegante.
— Desculpe, sra. King. — Abaixo o olhar e encaro meus dedos,
que se entrelaçam sobre as pernas.
— Você não tem que se desculpar de nada, menina. Inclusive, é
por isso que estou aqui. — Desvio os olhos das mãos e encaro a
mulher ao meu lado.
Não há um sorriso em seu rosto, apenas a serenidade de
alguém que sabe o poder que carrega. Não preciso acompanhar os
tabloides para saber que Monica King é uma mulher e tanto. Basta
olhar para ela que qualquer um tem a certeza de que não está
lidando com uma pessoa comum.
Se a beleza estonteante não fosse o suficiente, a postura reta e
o olhar confiante garantem que estou frente a uma mulher que não
tem medo do mundo, que sabe seu lugar e entende que pode mover
céus e terra se quiser.
Fico muda diante de tanta imponência.
— Gaia, em nome da família King, gostaria de pedir o mais
sincero perdão e, ao mesmo tempo, garantir que isso jamais se
repetirá. Pelo menos enquanto estiver sob o nosso teto. — Seu tom
não dá espaço para ser contestado. — Oliver está saindo da
propriedade agora e não retornará, fique tranquila quanto a isso.
— Obrigada, sra. King. — Não consigo conter o suspiro de
alívio.
— Pode me chamar de Monica. — Dá dois tapinhas na minha
mão e, desta vez, deixa um sorriso aparecer. — Não quero mais falar
sobre o piquenique. Quero falar sobre você. — Ela me encara de
maneira avaliadora, mas sem parar de sorrir. Pelo visto, todo mundo
aqui gosta de olhar bem para as pessoas antes de decidirem se elas
valem ou não seu tempo. Acho que já estou até acostumada.
— O que a senhora gostaria de saber? — pergunto e ela ergue
uma sobrancelha, como se me repreendesse por chamá-la de
senhora.
— Sabe, Gaia, nós não somos uma família muito tradicional.
Não somos um bando de riquinhos metidos à besta, que se acham
superiores aos demais. Fazemos questão de tratar todo mundo bem
e nunca julgar com base no que a pessoa tem, e sim no que ela é.
— Acho que já percebi que vocês não são o estereótipo — solto
o comentário, lembrando-me de todas as vezes que me pediram
para diminuir a formalidade.
— Não mesmo. — Ela revira os olhos, e o gesto é tão
inesperado que me faz sorrir. — Quando conheci meu marido, eu
trabalhava como babá enquanto fazia faculdade de Pedagogia. Fui
contratada para cuidar de crianças em uma festa de Natal da
empresa. Eu estava toda rabiscada e descabelada, mesmo assim,
quando Harvey me viu, foi amor à primeira vista. Para nós dois.
Apesar de achar a história encantadora, fico sem entender qual
é o seu propósito.
— Que bom que vocês se encontraram — falo com sinceridade.
— Dá para ver que são muito felizes no casamento.
Monica continua sorrindo, como se estivesse recordando os
bons momentos que teve ao lado do marido.
— E tudo o que eu mais quero é que meu filho seja tão feliz
quanto eu e seu pai somos. — Mais uma vez, a declaração me
surpreende.
— Desculpe, sra. King, mas não estou entendendo aonde quer
chegar.
— Monica, por favor — ela repete o pedido e acabo ruborizando.
— Eu vi como Zachary olhou para você.
— Senhora King…
— Monica, menina. Monica. Ou então chamarei você de srta.
Denver pelo resto do tempo que passarmos juntas — ela briga e um
olhar de mãe toma conta de seu rosto.
— Certo… Monica.
— Sei que é meu filho, mas tome cuidado com Zachary. — O
alerta chega sem qualquer filtro e eu arregalo os olhos em surpresa.
— Senhora King, Monica — corrijo-me na mesma hora —,
desculpe, mas não estou entendendo.
— Ah, Gaia… — Mais dois tapinhas condescendentes na minha
mão. — Eu posso ser muitas coisas, mas cega não é uma delas, e
meu filho não consegue ser discreto quando está interessado em
alguém ou em algo. É assim desde criança.
A confissão me faz perder o ar. É claro que, em nossas
interações, Zachary King sempre manteve um tom de flerte. Mas era
apenas isso, não? Uma brincadeira.
— Ele não está interessado em mim — declaro com firmeza.
Muito mais firmeza do que, de fato, sinto.
— Eu até acreditaria nisso — subo o olhar para Monica, que
perdeu o sorriso durante a conversa —, se não tivesse visto meu
filho socar um homem que conhece há mais de vinte anos e expulsá-
lo de nossa casa, de nossa vida, por conta do que fez a você.
Acho que minha expressão perplexa diz tudo o que Monica
precisa saber, porque logo ela muda de posição, se recostando no
banco e passando um braço em torno dos meus ombros.
Encaramos o bosque verde enquanto tento recuperar um pouco
do ar que perdi ao ouvir a declaração. Quando Zachary se afastou de
mim com passos determinados, imaginei que pudesse dar uma
bronca no amigo. Sei lá, talvez reclamar que eu fosse processar a
família ou algo do tipo. Mas jamais imaginei que o agrediria por
minha causa.
Por que ele fez isso?
— Provavelmente, o sr. King não queria ninguém sujando o
nome da família — respondo em voz alta e Monica ri.
— É claro que não queria, mas meu filho é um homem racional.
Jamais se envolveria em uma briga por algo que não o incomodasse
profundamente. — A declaração me deixa ainda mais confusa.
Porque não faz sentido! Nada aconteceu entre mim e Zachary.
Absolutamente nada. Também não dei a entender que aconteceria.
— Eu não entendo — deixo escapar.
— E é justamente por isso que estou dizendo para você ter
cuidado. Zachary é um… homem saudável. — A expressão sai em
um tom baixo e irônico.
É a minha vez de rir com a analogia.
— Com todo o respeito, Monica, não tenho intenção nenhuma
de… qualquer coisa com seu filho.
Se é verdade ou mentira, ainda não sei.
— Fico feliz em saber disso. Eu gosto de você, Gaia. Christine
só me disse coisas boas a seu respeito, tanto como pessoa quanto
como profissional. Acredite em mim quando digo: não quero que
você saia daqui machucada. — Ela coloca a mão sobre a minha, em
um gesto bem materno e sincero. — Ele pode ser lindo e rico, mas
não vale a calcinha que você comprou no mercado.
Arregalo os olhos com a honestidade bruta. Se por um lado me
sinto feliz que ela esteja tentando me proteger, por outro, fico
imaginando por que uma mãe diria isso a respeito do próprio filho.
Talvez o intuito seja de me amedrontar para que eu não tente alguma
coisa com Zachary King.
— Estou aqui para trabalhar, Monica, não para encontrar um
homem para aquecer minha cama por uma noite só. — Minha
resposta sai um tanto mais ríspida do que gostaria, e isso faz com
que ela tire o braço do entorno de meus ombros, como se tivesse
sido atingida pelas palavras.
— Entendo… — ela diz, pensativa. — Pelo visto, meu marido
estava certo a seu respeito.
Monica me oferece um último sorriso, dá mais dois tapinhas na
minha mão e se levanta do banco. Ela não fala mais nada, porém
consigo perceber o ar triunfante que carrega enquanto caminha de
volta para sua família. Incrédula, me pergunto o que diabos acabou
de acontecer.
— Gaia, cadê o tomilho? — Martha solta um berro de dentro da
cozinha.
— Já vou! — grito de volta e corro para pegar a erva fresca.
Capítulo 12

Zachary

Flashes estouram na minha cara assim que saio do carro.


— Zachary, você veio acompanhado? — uma voz feminina
pergunta, mas eu a ignoro.
É claro que não vim acompanhado. Afinal, o objetivo de ter
saído de casa às onze da noite em plena terça-feira foi justamente
provar a mim mesmo que a maldição dos King não existe. E jamais
faria isso estando com uma mulher a tiracolo. Hoje, não vou ficar
com uma. Vou ficar com várias. Duas, três, cinco ao mesmo tempo.
Não existe isso de pau fiel.
— Zachary, o que você está vestindo? — alguém quer saber,
mas ignoro também.
Sei lá o que estou vestindo. Calça jeans e camiseta social
branca. Não sei a marca. Por que saberia? Não fico olhando
etiquetas. Tenho uma pessoa que faz compras para mim quando
preciso, e isso é o suficiente. Contanto que as mulheres dentro da
Brush olhem para mim, o que estou usando não importa.
A quem estou tentando enganar? Eu poderia ser a porra do
Corcunda de Notre Dame que não faria diferença. Meu sobrenome é
King, e isso já é incentivo bastante para calcinhas caírem por onde
eu passo.
Menos a única calcinha que eu quero ver arriada no chão.
Foda-se. Não estou aqui para pensar em Gaia. Na verdade,
estou aqui para esquecer que aquela garota existe e me concentrar
nas outras quatro milhões de mulheres que vivem em Nova York. E,
pelo visto, metade delas está aqui. A boate está lotada na sua noite
de inauguração, tanto que preciso me espremer para entrar.
O segurança libera a corda vermelha e eu passo na frente das
pessoas na fila. Meus primos já estão lá dentro, esperando por mim
na área VIP. Olhares me seguem enquanto cruzo o salão, porém
faço questão de me manter indiferente. Por enquanto… daqui a
pouco escolho as minhas presas. Antes, quero algumas bebidas e
encontrar com os outros membros do meu clã.
A mensagem que Sebastian me passou avisava que eu deveria
subir as escadas, então, procuro por elas. Vejo que, à esquerda, o
bar se estende por quase toda a parede. Realmente enorme, com
diversos bancos cromados indo de uma ponta à outra. Na parede
oposta, um DJ toca as melhores músicas do momento — inclusive
de uma cantora nossa —, e a pista de dança está entre ele e o bar.
Ao fundo, vejo a escada. Sigo até lá, fazendo questão de cruzar
pelas pessoas que dançam, sentindo várias mulheres se
aproximando. Mãos me puxam para dançar e, como bom homem
difícil que sou, desvencilho-me de todas elas.
Calma, meninas. Daqui a pouco terá Zachary para todo mundo.
No andar de cima, as coisas estão menos sufocantes. O que é
um alívio, confesso. Com várias áreas separadas em sofás
circulares, vejo que o amigo de Sebastian não economizou para
garantir que os convidados VIPs fossem bem tratados. No terceiro
lounge, encontro meus primos.
— Olha quem finalmente chegou. — Jackson é o primeiro a me
notar. Com uma mulher aninhada em cada braço, ele abre um sorriso
e aponta a garrafa de cerveja para mim, mesmo que com certa
dificuldade, afinal, a loira não facilita os movimentos. Mas Jack não
parece se importar muito com isso.
— Por que demorou tanto? — Trenton pergunta, com uma
morena sentada em seu colo.
— Porque, diferente de vocês, seu bando de desocupados, eu
trabalhei até tarde — aviso, alcançando a cerveja na mesa de centro.
— Inclusive, fechamos contrato com…
— Pode parar! — Sebastian me interrompe. — O horário
comercial já acabou. — Ele também não está sozinho. A mulher dele
parece ter cinco mãos passeando pelo corpo do meu primo.
Dou um gole na cerveja, enquanto dou falta de um King.
— Onde está o Eli?
— Disse que tinha outro compromisso — Trenton revela —, mas
duvido que seja verdade. Você conhece o meu irmão, sabe que ele
odeia essas coisas. — A última parte da frase quase não sai, porque
a morena decide que essa é a hora perfeita para começar a beijá-lo.
— Elijah não odeia essas coisas — Jackson comenta. — Aposto
que está se divertindo em algum outro lugar mais privado.
Aceno, concordando com ele, e tomo o único lugar vazio no
sofá. Mal me sento e uma ruiva aparece na área VIP.
Tinha que ser ruiva?
— Quer companhia, Zach? — ela pergunta com a voz manhosa,
enrolando uma mecha do cabelo comprido e olhando para mim por
baixo dos cílios longos, que com certeza não são naturais.
Desço o olhar por seu corpo: seios grandes, cintura fina, pernas
enormes… perfeita. Só que Gaia tem um ar mais… Merda. Não
posso compará-las.
— Claro, por que não? — Abro o braço e deixo que ela venha
para o meu lado.
Na mesma hora, a mulher se aproxima, sentando bem perto de
mim e jogando as duas pernas sobre a minha. Sua mão vai direto
para a minha nuca, onde começa a acariciar meu cabelo. Só que seu
cheiro me incomoda — é um perfume forte demais, doce demais.
— Ah, agora sim! — Jackson sorri para mim. — Quer um
pouco? — Indica com o queixo para uma caixinha preta sobre a
mesa, subindo e descendo as sobrancelhas.
— Quero saber o que tem ali dentro?
— Várias coisas que vão fazer você perder essa cara de quem
comeu e não gostou — ele retruca, e sei que não estou conseguindo
disfarçar a náusea que o cheiro desagradável do perfume está me
causando.
“Ainda não comi e já sei que não vou gostar”, quero responder,
mas resolvo ficar quieto.
— Quantas você já tomou, Jack?
— Quando foi que virou minha mãe, Zach? — Usa o mesmo tom
que eu, ritmando a minha pergunta.
Para enfatizar, ele se desvencilha das mulheres, chega o corpo
para frente e alcança a caixinha. De lá, retira duas pílulas brancas e
joga-as na boca, engolindo-as com a cerveja. Revezo olhares com
Trent e Sebastian, que parecem tão preocupados quanto eu. Ao
mesmo tempo, já estamos acostumados a esse comportamento de
Jackson.
— Também quero — a ruiva diz, sorrindo para o meu primo, e
faz um malabarismo estranho. Ela está de lado no sofá, ainda com
as pernas sobre mim. Mesmo assim, se debruça para o centro,
abrindo a boca para Jack, que deposita uma pílula em sua língua.
Se a mulher já estava me irritando antes, agora perdi todo o
interesse que restava. Não que eu seja antidrogas, mas porque não
estou a fim de ficar com alguém que esteja em um estado alterado.
Preciso de uma pessoa sóbria e disposta a fazer tudo o que eu
quero.
Sem pensar duas vezes, levanto-me do sofá, afastando as
pernas dela com cuidado para que não caia no chão.
— Vou descer — aviso e saio sem esperar por resposta.
Estou cansado: do trabalho, de pensar em Gaia, de lidar com
meu primo inconsequente… Mesmo assim, preciso dar um jeito de
garantir que essa merda de maldição dos King seja apenas uma
história de terror para assustar os homens da nossa família. É por
isso que desço as escadas determinado a encontrar alguém com
quem passar a noite de hoje.
Foda-se o mundo. Sou Zachary King e posso pegar quem eu
quiser.
Vida em Nova York
A sua fonte de informações sobre a cidade que
nunca dorme

Finalmente os King foram vistos juntos! Em plena terça-feira,


diga-se de passagem. É sobre isso que estou falando, meninos. É
esse tipo de comportamento que adoramos.
Zachary, Trenton, Sebastian e Jackson marcaram presença na
inauguração da Brush, uma nova boate no Chelsea. Disseram que é
superexclusiva e, pasmem, caríssima. Não é para menos que os
King foram convidados.
Vários fotógrafos, que não tiveram a entrada permitida, estavam
na porta e conseguiram flagrar alguns artistas chegando à boate. As
poucas fotos que conseguimos encontrar dos priminhos King
mostram nossos príncipes muito bem acompanhados de mulheres
glamourosas. Mas uma coisa me deixou curiosa: por que Zachary
King foi o único que passou a noite sozinho? E pior: por que ele saiu
tão cedo? Antes de meia-noite, nosso Cinderelo foi visto deixando o
local.
O que está acontecendo, Zach?!
Enquanto isso, do outro lado da ponte, no Brooklyn, Elijah King
curtiu a noite em um bar, junto com alguns amigos. Vicky e Oliver
Cooper entre eles. O grupo intimista assistiu a um show de uma
banda local, mas ninguém sabe o que fizeram depois.
Por que será que Elijah não saiu com os primos?
Capítulo 13

Gaia

Passar uma semana sem a família é torturante. Fico limitada a


conversar com Martha sobre receitas — que ela se recusa a usar —
e com Valerie, sendo que eu gostaria de poder deitar naquela areia
clarinha e curtir a praia. Lottie e Derek não dormem na casa quando
os King estão fora. Pelo que soube, seus tios são donos de um bar
no centro dos Hamptons, e é lá que eles trabalham quando não
estão ocupados aqui. Até mesmo Tina e Helga, as outras mulheres
que cuidam da limpeza, ficam mais sociáveis e resolvem dar as
caras de vez em quando.
Mas o pior de tudo é passar um tempo sozinha, porque meus
pensamentos não conseguem se manter afastados de um certo King
de olhos muito verdes e sorriso perigoso. É por isso que, na maior
parte do tempo, fico longe do quarto, buscando algo para me distrair.
— Boa tarde, Julian — cumprimento o jardineiro de cabelo
grisalho.
Durante meus passeios diários pela propriedade, acabei
conhecendo melhor o senhorzinho, que não deve ser muito mais alto
do que eu. Pelo que Valerie disse, ele nunca entra na casa e pouco
conversa com os outros funcionários, preferindo se limitar a
conversas com plantas. Sorte a dele. Eu faço o mesmo com as
comidas que preparo.
Descobri, também, que Julian aparece três vezes na semana —
às segundas, quartas e sextas —, e é responsável por manter a área
externa limpa, mesmo que a família só apareça aos fins de semana.
— Boa tarde, menina. Aqui — ele retira uma rosa branca da
roseira, entregando-a a mim —, para você.
Corto o cabo bem curtinho e prendo a flor atrás da orelha,
sorrindo para ele.
— Muito obrigada. Gostou? — Faço uma pose e o homem ri.
— Ficou ainda mais bonita. — Julian deve estar perto dos
setenta, mas continua firme e forte nos cuidados do jardim.
— Acho que a família chega daqui a pouco — observo e ele
assente com a cabeça.
— Às 17h30, pontualmente — explica. — É sempre assim
durante o verão.
— O senhor trabalha aqui há muito tempo? — quero saber.
— Ah, sim. Esta casa foi o meu primeiro emprego, sabe? Eu
tinha quatorze anos e meu pai precisava de ajuda para cortar a
grama. Naquela época, os Goodwin eram os donos da propriedade.
Depois vieram os King. — Julian começa a narrar como tudo
aconteceu e não consigo desviar a atenção. Ele fala dos arquitetos
que vieram modernizar a casa, dos decoradores que mudaram tudo
por dentro e até reclama do paisagista que contrataram. — Tratei de
expulsar o cara no mesmo dia. Virei para o sr. Harvey e disse que, se
quisesse mudar o jardim, então que faria isso por cima do meu
cadáver. Ele tinha acabado de se casar, e foi a sra. Monica que
aceitou minhas condições. As roseiras foram o único pedido dela.
— Realmente, são muito bonitas. — Um enorme canteiro
contém, pelo menos, vinte plantas. Todas grandes e floridas. — Mas
o senhor não fica cansado? Este jardim é enorme. Deveria ter
alguém para ajudar.
— E tenho! — ele se apressa em dizer. — Inclusive, Kyle deve
estar por aí. Veio comigo hoje, para aparar a grama. Ele é meu neto,
sabe? Mas não gosta muito do pesado. Diz que quer trabalhar com
não sei o que de computador.
Solto uma risada com o comentário, enquanto continuo vendo
Julian tirar algumas folhas queimadas e colocá-las em uma sacola
plástica. Uma a uma, o senhorzinho deixa o jardim ainda mais
impecável.
Ficamos em silêncio por um tempo, comigo seguindo o jardineiro
enquanto ele faz seu trabalho. Apenas me concentro no aroma
delicioso das flores e me permito relaxar. É a calmaria antes da
tempestade, que chegará em pouco tempo quando o helicóptero
pousar, trazendo a família para mais um fim de semana nos
Hamptons.
Fico pensando em como gostaria de morar em um lugar como
este. Tranquilo, com o som do mar ao fundo e o perfume de um
jardim bem-cuidado. Seria um sonho…
Minha realidade é bem diferente, morando em um apartamento
minúsculo, de dois quartos, no Queens e tendo que dividir o único
banheiro com Pamela, minha amiga bagunceira, que sempre deixa
tudo espalhado. A casa em que morava com meus pais não era
muito diferente, apesar de ter um pouco mais de espaço e um
pequeno quintal na parte de trás, com um balanço improvisado e
preso à cerejeira-negra.
Não cresci com muito, mas o que tínhamos era bem-cuidado —
mesmo que aos moldes excêntricos de minha mãe. De repente, a
saudade vem com força. Não vejo meus pais há quase dois anos, já
que eles estão vivendo o sonho country e se recusam a deixar o bar.
Infelizmente, é no caos de uma metrópole que posso realizar o meu.
Se ficasse para sempre naquela cidadezinha na Virgínia, jamais teria
a chance de me tornar uma grande chef.
— Gaia! — O grito de Valerie me tira dos devaneios e me viro
para vê-la correr em minha direção. — Martha estava te procurando.
Quando para perto de mim, está ofegante.
— Ela precisa de alguma coisa? — quero saber.
— Não exatamente, mas você sabe como a coronel é: precisa
saber onde cada um está e detesta quando isso não acontece.
Balanço a cabeça em negativa. Eu estava na cozinha há meia
hora, ajudando-a a deixar tudo pronto para o jantar. Pelo menos,
aquilo que podemos fazer antes da hora.
— Já vou entrar — aviso à Val, que faz uma careta.
— Deixa a velha esperando um pouquinho. — Solta uma risada
e passa o braço pelo meu, enquanto me puxa para passear pela
propriedade.
— Até mais, Julian. — Aceno com a mão livre para o jardineiro.
— Se cuida, menina. Nos vemos na segunda — ele diz e logo
volta a se concentrar na roseira.
— Você sabia que Julian tem um neto que trabalha aqui? —
pergunto para Val, que estanca no caminho.
— Se eu sabia? — Ela me encara com os olhos arregalados. —
Vai me dizer que ainda não viu o Kyle por aí?
— Eu cheguei há pouco tempo. — Dou de ombros.
— Ô, pobrezinha. Não sabe o que está perdendo. Venha
comigo. — Valerie não me dá tempo de responder e começa a me
puxar para o lado que leva à piscina.
Não precisamos andar muito até que eu descubra o motivo de
sua pressa. Um motivo sem camisa, moreno e com bíceps enormes,
que arrasta a rede pela água, segurando no cabo longo e de metal.
— Uau — falo baixinho para que apenas ela escute.
— Exatamente: uau — Val repete enquanto encaramos o
homem.
Alguns fios dourados se destacam ao sol forte da tarde
enquanto continua focado na limpeza. Ele não é mais bonito que
Zachary King — afinal, nunca conheci alguém que fosse —, mas isso
não quer dizer que não seja lindo. E sarado. Muito sarado. Mesmo
de longe, consigo ver o tanquinho. Lembro-me do comentário de
Julian sobre ele querer trabalhar com computadores. Nunca conheci
um nerd com esse tanquinho.
— Venha, vou te apresentar a ele — Valerie diz e volta a me
puxar.
Eu poderia até protestar, mas seria irrelevante. Nesses poucos
dias de convivência, aprendi que Valerie faz o que quer e ponto final.
Cruzamos os poucos metros que nos separam da piscina e, quando
pisamos nas pedras brancas do deque, o rapaz levanta o rosto,
notando nossa presença.
— Oi, Val! — Sorri para a mulher ao meu lado e, em seguida,
vira seu olhar para mim. — Acho que ainda não te conheço.
— Esta é a Gaia — Valerie faz as apresentações.
Ele deixa a rede de limpeza e vem até nós, oferecendo uma
mão para mim.
— Muito prazer, Gaia. Sou o Kyle. — De perto, é ainda mais
bonito do que imaginei, com o nariz um pouco torto e os dentes bem-
alinhados. Tenho certeza de que ele não tem mais de dezenove ou
vinte anos.
— Ah, eu sei. Seu avô me contou tudo a seu respeito — brinco e
Kyle finge desespero.
— Poxa, então não tenho chances de fazer você gostar de mim.
— Não mesmo — continuo com as provocações e ele solta uma
gargalhada.
— Querem pular na piscina? Acho que ainda dá tempo — Kyle
oferece.
— Tá maluco, garoto? — Val interrompe. — Martha vai matar a
gente se chegarmos perto da água.
Risadas seguem o comentário de Valerie, porque sabemos que
ele contém nada mais do que a verdade. O dia que um funcionário
entrar na piscina é o dia que Martha vai para a cadeia, acusada
corretamente de homicídio doloso, aquele que a pessoa tem total
intenção de matar.
— Mesmo assim, se quiserem curtir uma piscina durante a
semana, estou trabalhando na casa dos Clarke, e eles estão na
Califórnia até o fim do mês. — Kyle dá uma piscadinha conspiratória.
— Lottie e as amigas dela foram lá na semana passada.
Olho espantada para Valerie, que apenas dá de ombros.
— Quando os gatos saem, os ratos fazem a festa…
— E se vocês forem pegos? — pergunto, chocada.
— Nunca somos — é a vez de Kyle minimizar o problema. —
Inclusive, no domingo, tem festa na casa dos Peterson. Fica a duas
ruas daqui. Vocês deveriam aparecer.
— Que ótimo! — Valerie diz.
Ao mesmo tempo, penso “De jeito nenhum!”.
Olho para ela, que está toda sorrisos, enquanto eu sinto medo
por algo que sequer pretendo fazer. Como eles podem ficar tão
relaxados em invadir uma propriedade privada?
Porém, antes que eu consiga verbalizar minhas aflições, escuto
o barulho de rodas sobre o cascalho. Valerie também parece
espantada, mas Kyle continua sorrindo, sem nenhuma preocupação
na vida.
— Martha está esperando alguma entrega? — ela quer saber.
— Não — respondo. — Recebemos tudo pela manhã.
Com a sobrancelha franzida, sigo até a parte do deque que dá
de frente para a praia, de onde posso ver o local onde os carros
ficam estacionados. Para a minha surpresa, é o mesmo veículo
esportivo, azul-marinho e com portas no estilo tesoura, que vejo
parado.
Dentro do peito, meu coração parece bater no mesmo ritmo de
um show de heavy metal — tudo porque estou prestes a ver Zachary
King de novo.
— Ainda são 15h — Valerie observa e eu apenas maneio a
cabeça em afirmativa. — Por que ele está aqui?
Mas o pior não é isso, porque quando Zachary sai do carro, ele
parece outra pessoa, vestido com um terno impecável de três peças,
uma gravata rosa-claro, sapatos bem polidos e o cabelo penteado
para trás. A vontade que tenho é de me ajoelhar no chão e começar
a chorar.
Puta merda, um homem não deveria ter o direito de ser tão
lindo. Chega a ser difícil respirar enquanto ele caminha na nossa
direção, com passos firmes e aquela autoridade que sempre carrega.
Desta vez, está sozinho, sem o primo ou as modelos para
embarcar em uma festinha noturna na piscina.
— Zachary! — Valerie diz, muito mais animada e informal do que
imaginei.
— Oi, Val. Tudo bem por aqui? — ele pergunta, mas seu olhar
está preso ao meu.
— Tudo ótimo. A gente pensou que você viria mais tarde.
— Consegui sair cedo do escritório. — A resposta dele é direta e
não dá brechas para que ela continue. Fora que seus olhos não
desgrudam dos meus, e isso deixa claro para Valerie que a conversa
chegou ao fim. — Oi, Gaia.
Meu nome em sua boca faz com que coisinhas estranhas surjam
em mim. Já senti tesão, desejo, já me apaixonei…, mas nada se
compara a esta sensação de estar congelando por fora, enquanto
estou fervendo por dentro.
— Boa tarde, sr. Zachary — é tudo o que consigo dizer.
Ele puxa o ar com força e balança a cabeça de um lado para o
outro, porém um sorriso torto decora os lábios grossos.
— Um dia… — começa a falar, mas logo hesita.
— Bom, acho que ouvi Tina me chamando. Nos vemos mais
tarde. — Não sei para quem as palavras de Valerie são direcionadas,
porque sou incapaz de desviar o olhar de Zachary, que continua
parado à minha frente.
O que esse homem tem que me faz ficar sem reação sempre
que está por perto? É um inferno!
— Precisamos conversar — ele declara e, então, olha na
direção da piscina, onde imagino que Kyle esteja nos observando. —
A sós.
Capítulo 14

Zachary

Passei a semana inteira pensando em Gaia e tentando entender


que porra de feitiço foi esse que ela lançou sobre mim. Porque não é
normal estar com a mulher na cabeça o tempo todo! Dormindo e
acordado, ela preencheu meus dias e minhas noites enquanto eu
tentava cumprir com as tarefas mais básicas.
E o pior de tudo é que não consigo decidir se a maldição dos
King é verdadeira ou não. A terça-feira foi um fiasco completo.
Quando desci para a pista de dança e fui cercado de mulheres, não
consegui ficar por mais de três minutos com elas me tocando. Saí de
lá às pressas, com medo de levar uma delas para a cama e passar
vergonha.
Eu, Zachary King, me tornei o que mais temia: uma piada. Um
pau fiel. E o pior de tudo é que meu pau decidiu ser fiel a uma mulher
que ainda nem o provou.
Que grande merda.
Quando a sexta-feira chegou, já não aguentava mais: precisava
encontrá-la de novo. A ansiedade era tanta — e tão inexplicável —
que saí do escritório para almoçar e não voltei mais. Vim direto para
a casa de praia, sem ao menos passar no apartamento para pegar
uma mala de roupas. Tudo na esperança de ter um momento com
ela.
Chego aqui e dou de cara com Gaia toda derretida pelo limpador
de piscina. Era só o que me faltava. Não faço a menor ideia do que
quero falar com ela, não tinha planejado essa parte. Só não podia
deixar a concorrência continuar no jogo.
— Tudo bem — ela aceita meu convite de conversarmos a sós,
usando aquele tom baixinho e submisso, e me sinto como um
adolescente de novo, apesar de ter quase trinta anos na cara.
Quando começamos a caminhar, olho para Kyle, que está atento
à nossa interação.
— Da próxima vez que estiver trabalhando, coloque uma
camiseta. Não estamos aceitando processos de assédio sexual no
momento — rosno para ele, que parece espantado com a minha
rispidez.
É claro que está, já que isso nunca foi pedido antes. Creio
também que nunca fui tão grosseiro com um dos funcionários antes,
só que estou perdendo o controle — e a culpa é toda dela.
Passar uma semana com imagens e fantasias na cabeça não
faz bem para a sanidade de um homem.
— Desculpe, Zach. Prometo que não irá se repetir — Kyle
responde e eu apenas assinto.
Direciono Gaia para dentro da casa, tentando me conter para
não pôr uma mão na base de sua coluna. Essa mulher não é
minha… ainda.
— O que você quer falar comigo? — pergunta quando abro a
porta principal, deixando que passe na minha frente. É uma tortura
estar tão perto assim e não poder tocá-la do jeito que quero. Do jeito
que preciso.
— Aqui não — é tudo o que consigo dizer, enquanto continuo
indicando para que siga em frente.
Ela obedece sem contestar e a levo até a segunda porta do
corredor do primeiro andar, que abre para a sala de jogos. Uma
enorme mesa de bilhar ocupa o centro do espaço. Ao canto, duas
poltronas estão de frente para uma tela de plasma, equipada com
videogames — a distração preferida de Sebastian. Também há uma
mesa de xadrez, que meu pai sempre joga com qualquer um
disposto a enfrentá-lo em um duelo de mentes, e outra redonda, para
carteados.
Não sei por que diabos trouxe Gaia aqui, sendo que preferia
estar com ela em meu quarto. Mas a pressa em tê-la a sós me fez
tomar decisões estúpidas. Ou talvez inteligentes, porque duvido que
ela ficaria confortável se soubesse as milhares de coisas que estou
fantasiando agora.
— Aconteceu alguma coisa? — questiona assim que fecho a
porta atrás de mim.
É claro que não sei o que responder, e isso me irrita mais do que
consigo explicar. Afinal, o que poderia dizer? “Não consegui parar de
pensar em você por um maldito segundo sequer, e agora estou aqui
para…”, mas nem sei como continuar a frase.
Solto um suspiro frustrado e a encaro. A janela da sala está
aberta, deixando que a luz do sol bata diretamente em seu cabelo,
que agora parecem feitos de fogo. Uma chama que queima dentro
do meu estômago e se espalha por meu corpo, como se eu tivesse
acabado de entornar uma dose de conhaque, me impedindo de
manter um pingo de racionalidade. Talvez seja por isso que dou um
passo à frente, tentando diminuir — nem que seja um pouco — a
distância entre nós.
— Não consegui falar direito contigo depois do que aconteceu
na semana passada. Queria saber como você ficou — solto a
primeira coisa que me vem à mente e logo me arrependo. A
expressão de Gaia muda. Não que eu consiga decifrar o que se
passa na cabeça dela, mas com certeza não estava esperando por
esse tipo de conversa.
Boa, Zach. Seu idiota.
— Ah! — Gaia se mostra surpresa e talvez… decepcionada?
Porra, espero que sim. Espero que ela tenha sentido tanto a minha
ausência quanto senti a dela. — Estou bem.
Sua resposta curta me deixa sem saber como continuar e fico
imaginando quando foi que me tornei esse babaca, sem qualquer
aptidão para conversar com mulheres. Mulheres não, porque com o
gênero em si eu me dou muito bem, obrigado. O problema é ela. É
Gaia quem me deixa pensando em coisas desconexas e faz com que
eu me sinta totalmente fora de controle.
— Que bom. Oliver nunca mais vai voltar aqui — continuo no
assunto, mesmo sabendo que é uma péssima escolha. — Inclusive,
neste fim de semana, será apenas a família. Sem convidados.
— Por favor, não se sintam obrigados a fazer isso por mim —
ela se apressa em dizer e começa a embaralhar as palavras. — Eu
vou ficar na cozinha e prometo não causar nenhum inconveniente.
Suas bochechas assumem uma coloração rosada, o que indica
que ficou encabulada com a explicação. Preciso me conter para não
sorrir, e acho que falho miseravelmente, porque logo ela pende a
cabeça para o lado, como se estivesse me analisando.
— Não se preocupe com isso — declaro em um tom ameno. —
Não precisamos da companhia de ninguém para nos divertirmos um
pouco.
Claro que minha frase é seguida de uma piscadinha, porque não
consigo estar perto dela e não insinuar meu interesse, nem que seja
de forma discreta.
Mas será que estou sendo discreto? Ou será que estou sendo
descarado e Gaia consegue perceber que estou louco para qualquer
coisa que ela estiver a fim? Um beijo seria um sonho; tê-la em meus
braços seria a porra do paraíso; remover cada uma das peças
simples que usa me enlouqueceria.
Gaia é pequenininha, uns trinta centímetros menor do que eu.
Ela não tem muitas curvas, a não ser pela cintura fina, que se abre
em um quadril desenhado. Seios pequenos, braços finos e um rosto
angelical. Mas são os olhos que me fazem promessas silenciosas —
e é neles que me perco.
O silêncio toma conta da sala e eu me sinto cada vez mais idiota
por não ter ideia do que conversar com essa garota. Talvez nem
precisasse conversar com ela agora. Basta estar em sua companhia
que já fico mais tranquilo. Se me fosse permitido, passaria horas
apenas olhando para ela, na tentativa de decorar cada um dos seus
traços — ao menos para entender o motivo dessa minha fixação.
— Está gostando de trabalhar aqui? Como foi a semana sem a
família? — despejo mais perguntas desnecessárias. Qualquer coisa
que me deixe ficar perto dela por mais um momento.
— A semana foi… tediosa — ela confessa com um sorriso, e me
pego sorrindo de volta.
Cacete, o que essa mulher faz comigo? Mas, de certa forma,
sinto um certo alívio ao ter encontrado um assunto seguro para
podermos conversar. Só que a vontade de me aproximar dela cresce
a cada respiração, e por isso resolvo que está na hora de colocar
algo entre nós.
— Por quê? — Aponto para uma das cadeiras perto da mesa de
xadrez e ela segue até lá.
Um de frente para o outro, com uma mesa no meio. Bem mais
seguro.
— Com vocês aqui, pelo menos temos algo para ocupar a
mente. — Encaro a rosa branca presa atrás da sua orelha, que
contrasta com o tom vermelho do cabelo solto. Acho que essa é a
primeira vez que a vejo assim, e a vontade que sinto é de correr os
dedos pelos fios lisos e ter certeza de que eles são tão macios
quanto imagino.
Engulo em seco.
— Quem te deu essa flor? — quero saber, e só então percebo
que minha voz soou bem mais ríspida do que o intencionado.
— Ah, foi o Julian. — Gaia abaixa o olhar e suas bochechas
ficam vermelhas. É impressionante como o rosto dela não esconde o
que está sentindo, e me pego hipnotizado. E cheio de ciúme de um
velho de setenta anos.
— Poucos dias aqui e você já tem quatro admiradores — as
palavras saem da minha boca sem qualquer filtro e logo me
arrependo.
— Quatro? — Gaia solta uma risada melódica.
— Quatro — confirmo, meus olhos presos naqueles lábios de
boneca, que parecem mandar beijos o tempo todo. Talvez seja por
isso que acabo explicando: — Teve aquele ridículo do Oliver. — Gaia
revira os olhos. — Julian — aponto para a flor em seu cabelo. — Não
se esqueça do Kyle.
— O Kyle? Não mesmo — ela me interrompe. — Eu o conheci
dois minutos antes de você chegar.
— Eu vi o modo como ele estava olhando para você. Acredite
em mim, Kyle está interessado.
O que eu quero dizer é que não existe um homem heterossexual
nesta merda de planeta que não estaria interessado. Gaia é linda
demais e exala uma inocência afrodisíaca, que cutuca o lado mais
primal de qualquer um.
— E o quarto? — ela quer saber.
— Hein?
— O quarto interessado. Quem é?
Desta vez, sou eu que deixo os lábios se curvarem em um
sorriso. Não um de felicidade, e sim de desejo.
— Ainda não percebeu? — sussurro a pergunta e, na mesma
hora, ela abaixa o olhar.
Quando suas bochechas ganham cor, meu corpo reage de
forma instintiva, e fico pensando em outras coisas que a deixariam
vermelha.
Esfregar minha barba rala no interior de suas coxas enquanto
provo sua doçura…
Dizer que estou louco para tê-la na minha cama…
Puxá-la contra mim, deixando Gaia sentir o quanto estar perto
dela me excita…
— Senhor Zachary, eu…
— Se me chamar de “senhor” mais uma vez, juro por Deus que
vou te dar motivos para só usar o meu nome para sempre.
A frase não faz muito sentido, mas o que eu poderia dizer? Que
vou jogá-la em cima desta maldita mesa que nos separa e devorar
sua boca até eu não ter mais ar para respirar?
Mesmo sem falar a verdade, ela arregala os olhos, talvez —
puta que pariu, tomara! — lendo meus pensamentos. Levanto da
cadeira de forma brusca, sem conseguir controlar as minhas pernas.
Estou inquieto, frustrado, louco para tentar alguma coisa com ela. Só
que não sei como dar a porra do primeiro passo.
— Qual é o problema da sua família quando eu mostro sinal de
respeito?
Gaia se levanta também e cruza os braços na frente do corpo,
elevando um pouco os seios pequenos. Sou tomado por uma
vontade minimamente controlável de emoldurá-los com a mão
enquanto sugo um mamilo de cada vez. Será que ela soltaria um
gemido alto se eu fizesse isso?
— Não estou tentando ofender ninguém — ela continua e
balanço a cabeça para afastar as fantasias —, mas não vou sair por
aí chamando seu pai de Harvey, pelo amor de Deus! — Joga as
mãos para o alto.
— Por que não? É o nome dele — atesto o óbvio.
— Eu sei disso, mas é uma questão de respeito — repete. —
Vocês são meus patrões e…
Dou um passo à frente. Depois mais um. O que me deixa a
centímetros dela.
O ar ganha uma carga de energia diferente quando estamos tão
perto. Neste momento, não sei o que muda. Talvez a minha
coragem.
— Eu não sou seu patrão. Nunca serei o seu patrão — declaro
baixinho e deixo que um dedo suba por seu braço.
É a minha perdição, porque Gaia deixa os braços tombarem e
entreabre a boca, como se respirar fosse difícil. Eu entendo muito
bem a sensação, já que estou longe de ser imune a ela. Posso ouvir
o sangue correndo por minhas veias, fervendo dentro de mim.
O rosto angelical me encara de volta e sei que se Gaia pedisse
qualquer coisa agora, eu daria a ela. Qualquer coisa, menos uma:
que eu me afastasse. Só que ela não pede nada, apenas me olha,
como se quisesse entender o que está acontecendo aqui.
Confesso que também queria entender, mas estou tão preso que
meus pensamentos são apenas um. Ela.
— Me chame de Zachary. — É quase uma súplica.
Vejo quando suas pálpebras estremecem, e a impressão que
tenho é de que ela precisa fazer força para manter os olhos abertos.
— Zachary… — sussurra, meu nome dançando em sua boca.
Nunca pensei que algo tão simples pudesse ser tão erótico.
Talvez seja por isso que não consigo controlar um som grave,
que acaba escapando da minha garganta. É involuntário, assim
como me aproximar ainda mais. A ponta do meu sapato toca o dela,
e odeio cada centímetro que nos separa.
Gaia passa a língua pelo lábio inferior e acompanho o
movimento com cuidado, meu corpo a desejando mais do que
consigo explicar. É então que cometo o pior erro de todos e subo o
olhar, encontrando um par de olhos azuis intensos. Olhos que
prometem. Que me instigam. Que me deixam com vontade de fazer
uma loucura.
Por isso, me afasto. Quando já estou perto da porta, puxo o ar
com força antes de confessar:
— Eu sou a porra do número quatro.
Capítulo 15

Gaia

Zachary sai da sala de jogos e me deixa sozinha, tremendo,


ansiando.
Em qualquer outro momento, a proximidade teria me obrigado a
abaixar o olhar. Mas o verde em seus olhos, que foi escurecendo até
ganhar um tom acinzentado, me impediu de fazer qualquer coisa a
não ser ficar presa.
Ele disse que era o número quatro. Ele disse que era o número
quatro e foi embora. E agora, o que eu faço? O que ele espera que
eu faça? Estou tão confusa que pensamentos não conseguem se
manter em linha reta.
Meu corpo inteiro está fraco, como se todas as minhas forças
tivessem cruzado aquela porta com ele.
— Zachary… — sussurro seu nome de novo, deixando que cada
som seja pronunciado com o cuidado que merece.
Só de estar perto dele, algo parece acender dentro de mim. Algo
que eu não quero que acenda.
Não sei quanto tempo fico parada no mesmo lugar, tentando
retomar um pouco do controle que ele me fez esquecer.
— Uh! Aí está você. — Lottie interrompe meus pensamentos ao
entrar na sala de jogos. — O que está fazendo, Gaia? Martha está te
procurando — ela diz, seu tom nem um pouco amigável.
Eu poderia inventar alguma mentira, só que não há como formar
pensamentos coerentes agora.
— Já estou indo — limito-me a dizer e saio da sala, passando
por ela com mais raiva do que o necessário.
Basta Zachary dirigir meia dúzia de frases para mim e eu já
estou em ponto de combustão. Odeio me sentir assim.
Sei muito bem que homens como ele são perigosos,
principalmente porque sempre conseguem o que querem e, quando
se dão por satisfeitos, deixam um rastro de corações partidos para
trás. Enquanto isso, mulheres como eu ficam perdidas no caos
causado por declarações falsas e momentos inesquecíveis.
Amor à primeira vista é muito diferente de tesão à primeira vista.
Amor tem profundidade. Tesão é urgência. Amor é paciência.
Tesão é apenas vontade. O corpo gritando por alguém, clamando por
um beijo, um toque ou até mesmo uma migalha de atenção.
Qualquer coisa que traga saciedade a essa maldita pulsão. E agora
eu estou rimando, poetizando o comportamento de um homem que
claramente está interessado em mim, apesar de não me conhecer
direito. O pior é que ele talvez esteja interessado em muitas outras
mulheres. Outras que fazem declarações de amor e são rejeitadas
por telefonemas.
— Parabéns, Gaia: você está a fim de um tremendo cafajeste —
sussurro quando vejo a porta da cozinha. — Dane-se Zachary King e
seus olhos verdes.

∞∞∞
 
— Gaia, Harvey está te chamando na sala de jantar — Derek
avisa enquanto termino de bater o chantili.
Meus pulsos estão doendo de tanto mexer o fouet, até o creme
ganhar uma espessura airada. Viro o pote de cabeça para baixo e
Derek arfa com a surpresa, porém, nem uma gota vai ao chão.
— Está pronto — aviso à Martha, que tem um sorriso no rosto.
— Boa menina. — É o máximo de elogio que receberei dela, por
isso, apenas assinto com a cabeça e coloco o bowl sobre a bancada.
— O que ele quer? — pergunto a Derek, que franze as
sobrancelhas e parece não entender a pergunta. — O sr. King. O que
ele quer comigo?
— Não sei. — Dá de ombros. — Só me pediu para vir te buscar.
Olho para Martha, que não fica nem um pouco contente com o
chamado.
— Vá e volte logo. — Aponta a porta e corro para limpar as
mãos em um pano de prato antes de sair da cozinha.
Como prometido, a família chegou pontualmente às 17h30.
Diferente do que aconteceu na semana passada, não precisamos
ficar na entrada da casa para recebê-los. Acho que esse “ritual” é só
no primeiro dia mesmo. Ainda bem, porque assim fiquei limitada ao
meu trabalho e não precisei mais me preocupar em ver Zachary.
— Ah, Gaia! — Harvey King se levanta da cadeira à cabeceira
da mesa e me toma em um breve abraço paternal, que me pega de
surpresa. — Ainda bem que continua com a gente.
— Obrigada, sr. King. É muito bom vê-los novamente. — Sorrio
para todos, até que meus olhos encontram com aqueles que não
gostaria de ver agora.
Acho que Zachary percebe o meu desconforto, porque me
oferece um sorriso contido. A confissão dele na sala de jogos fez
com que cruzássemos uma linha, e não tenho ideia do que vai
acontecer agora. Porém estou decidida a manter o máximo de
profissionalismo possível.
— Espero que estejam gostando da comida. Martha se
empenhou bastante hoje — digo, na esperança de que o assunto
leve me faça esquecer de coisas mais pesadas.
— A Martha é uma cozinheira excepcional — é Jackson quem
fala, sorrindo para mim. Sorrir de volta é involuntário. Tem algo nele
que me encanta de um jeito fraterno. — Se eu pudesse, carregaria
aquela mulher pra cima e pra baixo.
— Você entraria em uma guerra se fizesse isso, filho — Walter
King brinca e as risadas tomam conta da mesa.
— Ah, pai, você sabe que não tenho medo de uma boa briga.
De repente, um pedaço de beterraba é arremessado, cruzando
os demais presentes e atingindo em cheio o peito de Jackson. A
blusa branca ganha uma mancha púrpura e, para a minha surpresa,
quem o jogou foi Edmund King, que tem uma expressão severa no
rosto.
— Nem se atreva, moleque. Será uma disputa até a morte!
Enquanto a família finge uma discussão acalorada, começo a
sair de fininho, mas sou pega no flagra antes que eu consiga dar
mais do que três passos.
— Não vá embora ainda, Gaia — é Monica quem me denuncia.
— Decidimos fazer um luau amanhã à noite e adoraríamos a sua
presença. Foi por isso que te chamamos aqui.
O convite me pega de surpresa, mas então me dou conta do que
ela quis dizer.
— Fico muito agradecida, mas a Lottie estará aqui neste fim de
semana. — Sorrio para a loira, parada à esquerda da mesa, que
parece prestes a me fulminar com os olhos. — Acho que ela
consegue servir a família.
— Ah, mas não estamos te chamando para servir — o sr. King
me corrige. — Queremos você como convidada.
Apesar da distância que me separa de Lottie, posso ouvi-la
bufar.
— Convidada? — busco esclarecimento.
— Com certeza. — Harvey deixa o braço cair em torno dos
meus ombros e me puxa para seu lado. — Queremos te conhecer
melhor. E, por favor, leve uma sobremesa bem gostosa. Queremos
provar a sua comida, já que Christine te elogiou tanto.
Ergo uma sobrancelha, talvez um pouco desconfiada de tanta
amabilidade. Mas o que posso fazer? Negar? Claro que não.
— Muito obrigada pelo convite. Estarei lá. — Desta vez, sinto
minha pele queimar, só que não é pela vergonha e sim pelo olhar
fervente que Zachary me lança. — Prometo levar os melhores
brownies que já comeram na vida.
A mesa vibra com a minha resposta e sinto um friozinho subir
pelas pernas e chegar até a garganta. E o pior é que, agora, tenho
dois motivos para me sentir assim: saber que estarei perto de
Zachary King de uma forma social e confraternizar com um dos
grupos mais ricos do país.
Peço licença, usando a desculpa que Martha precisa de mim na
cozinha, e sigo para onde quero estar. Posso sentir vários olhares
me acompanhando e detesto cada segundo que fico sob o
microscópio.
Martha me lança um olhar cruzado quando volto ao meu posto.
Não digo uma palavra sequer, e ela também não pergunta. Por isso,
continuo montando as tacinhas de milkshake. Não é exatamente um
milkshake, mas o visual passa essa impressão. Na verdade, é um
creme frio de chocolate cremoso, com nozes picadas no meio, um
pouco de chantili por cima e, para finalizar, uma cereja e raspas de
chocolate amargo.
Lembro que um dos meus professores preferidos sempre dizia
que um cozinheiro precisava ter algumas sobremesas na manga.
Coisas simples e deliciosas, que pudessem encerrar o jantar com
chave de ouro, sem precisar de um profissional de confeitaria para
prepará-las. Desde então, os milkshakes se tornaram parte do meu
cardápio.
Termino de montar os copinhos e ajeito tudo em uma bandeja.
Logo em seguida, Derek aparece para buscar a sobremesa.
— Você foi muito bem hoje, menina. — Viro-me para Martha e a
vejo recostada em uma das bancadas, os braços apoiados no
mármore enquanto me encara.
— Obrigada. A sua comida estava deliciosa. Espero que me
ensine a fazer aquela marinada um dia — digo, na tentativa de
amolecer o dragão.
Martha ainda não me aceitou muito bem em sua cozinha, mas
percebi que ela merece cada um dos elogios que recebe da família.
Posso ser muitas coisas, burra não é uma delas, e por isso estou
determinada a aprender o máximo que conseguir enquanto estiver
aqui.
— Continue assim e eu ensinarei muito mais do que a marinada
— responde de forma seca.
— Obrigada.
— Agora, me diga uma coisa. — Ela se afasta da bancada e
vem até mim, os passos curtos prolongando a expectativa. Quando
para na minha frente e puxa o ar com força, sei que coisa boa não é.
— Eu pedi que se mantivesse afastada do meu menino. Você não
fez isso.
As palavras carregam um tom julgador e acabo abaixando o
olhar de forma involuntária.
— E-eu… — gaguejo um pouco, sem saber como me explicar.
— A fofoqueira da Lottie disse que você e o menino Zachary
ficaram trancados na sala de jogos hoje à tarde, e eu gostaria de
saber por quê. — Não é um pedido, e sim uma ordem.
Sinto o suor brotar nas têmporas enquanto crio coragem para
encarar a mulher de novo. Afinal, muitas coisas aconteceram
naquela sala. Na verdade, muitas sensações. Mas como posso
explicar isso à Martha?
— Ele só queria saber se eu estava bem. — Opto pela resposta
mais simples.
— Por que você não estaria bem? E por que precisaram de
privacidade para conversar sobre isso? — ela quer saber,
desconfiada.
Martha não sabe o que aconteceu com Oliver. Além de eu não
ter contado, também pedi a Derek para guardar o meu segredo. A
última coisa que eu queria era que Martha, ou qualquer outra
pessoa, pensasse que dei motivos para ele me tratar daquela
maneira. Porém, neste momento, percebo que não posso omitir o
ocorrido — não se eu quiser que ela aceite o fato de eu e Zachary
termos ficado a sós por um tempo.
Então, começo a narrar tudo o que aconteceu no outro fim de
semana. Desde o comentário inapropriado durante o café da manhã,
chegando ao ponto em que quase fui agarrada por Oliver no
piquenique. Não deixo nada de fora, nem a conversa que tive com
Monica King.
— Foi por isso que o sr. Zachary me chamou em particular —
revelo. — Para saber se eu estava bem e para me garantir que não
teríamos nenhum convidado esta semana.
Por vários segundos, Martha apenas escuta, sem dizer nada ou
esboçar qualquer reação. Até que, para a minha surpresa, ela me
envolve em seus pequenos braços e me puxa para um abraço. Sou
obrigada a curvar as costas para receber o afeto, e só então percebo
como estava precisando disso. Não só pelo que aconteceu com
Oliver — porque isso já foi devidamente guardado em uma gavetinha
no meu cérebro —, mas pela saudade que sinto da minha família.
Então, solto um suspiro de alívio e me permito ganhar um pouco de
carinho. Mesmo que seja por pena.
— Homem nenhum tem o direito de te tratar como um objeto.
Não importa a posição de poder que ele ocupa. Nem mesmo se for
seu namorado ou marido — ela sussurra em meu ouvido e logo se
afasta, colocando ambas as mãos nos meus ombros e me
encarando.
Encaro-a de volta e, em seus olhos, não vejo mais reprovação.
Apenas a cumplicidade entre mulheres que sabem muito bem o que
é ser assediada.
— Obrigada — falo baixinho para ela, que assente com a
cabeça.
— Bom, agora estou cansada — Martha declara e se afasta. —
O jantar já foi servido, então meu trabalho acabou. Lave a louça,
arrume a cozinha e vá descansar. Amanhã é um novo dia.
— Pode deixar.
Ofereço um gesto positivo e deixo que se encaminhe até a porta
da cozinha.
— E, Gaia — ela me chama quando está com a mão na
maçaneta, virando o rosto para me encarar. — Nunca mais esconda
qualquer coisa de mim.
Vida em Nova York
A sua fonte de informações sobre a cidade que
nunca dorme

Preparem-se para a bomba nuclear: Jackson King foi preso!


Mas calma que ele já está solto. Afinal, um rei não fica atrás das
grades por muito tempo. A imprensa não noticiou e eu não tenho
como provar a veracidade do fato, mas uma fonte me contou que ele
foi levado para a delegacia durante a semana, após ter transado em
público. Sebastian King, irmão e advogado, foi quem o liberou.
Também não sei se a família está ciente do que o caçula anda
aprontando, mas parece que está fora de controle, meus queridos!
Após uma noite de farra, Jackson foi pego em flagrante com não
uma, não duas, mas três mulheres! Três!
De acordo com a minha fonte, ele estava bêbado e sob a
influência de drogas enquanto transava com elas em um beco, atrás
de uma boate. Com a chegada da polícia, todos foram fichados.
Ah, as moças também foram liberadas. Afinal, estar com um
King só traz vantagens.
Capítulo 16

Gaia

Mesmo cansada, o sono me falta. Rolo de um lado para o outro


na cama, sem conseguir relaxar, e fico me perguntando por que
diabos não consigo dormir. É claro que sei a resposta para isso,
mesmo que não esteja a fim de admitir. Olho para o relógio na mesa
de cabeceira e descubro que já passa de uma da manhã.
Resignada, resolvo me aventurar até a cozinha. Talvez um leite
morno, com açúcar e canela me ajude a relaxar. A casa está escura
a essa hora e não escuto um som sequer. Lottie e Derek devem
estar dormindo, assim como Valerie e Tina. Todas as portas do
corredor dos funcionários estão fechadas e, quando chego à
cozinha, me limito a acender uma única lâmpada, que fica sobre a
bancada. A claridade, apesar de fraca, faz com que eu precise fechar
os olhos. Assim que os abro de novo, sigo para a geladeira e pego a
garrafa de leite.
— Também tem insônia?
A voz grave me dá um susto e acabo deixando a garrafa de leite
escapar das minhas mãos. Ainda bem que meu reflexo é rápido o
suficiente e consigo agarrá-la antes que se espatife no piso claro.
— Zachary! — Olho para o motivo da minha falta de sono, que
está parado à porta, encostado no batente e com os braços cruzados
na frente do peito nu.
Sou tomada por flashbacks da noite em que nos conhecemos,
que ele apareceu aqui molhado, quase sem roupas e um sorriso
safado capaz de derreter qualquer calcinha do planeta.
— Desta vez, nem precisei pedir para que usasse meu nome.
Acho que estamos evoluindo — ele debocha e se descola da parede,
então começa a caminhar na minha direção com passos lentos.
Meu coração bate mais forte a cada centímetro que se
aproxima, me olhando como se fosse um predador que tivesse
acabado de encontrar sua presa. Só que Zachary para de andar,
ainda mantendo vários metros entre nós, e eu não sei se me sinto
aliviada ou decepcionada — assim como me senti no dia em que nos
conhecemos.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto, me esforçando
para não denunciar o nervosismo em minha voz.
Mas Zachary não responde, apenas pende a cabeça para o lado
e deixa que seus olhos percorram meu corpo. O calor que sinto
quando faz isso me tira do eixo, a ponto de me fazer ficar tonta. O ar
entre nós é carregado e respirar se torna cada vez mais difícil.
Eu não sei o que esse homem tem, mas sempre que estamos
perto eu me sinto como se estivesse à beira de um precipício, e
qualquer palavra dele fosse capaz de me empurrar para o abismo,
sem que eu me preocupasse com a queda.
— Pelo amor de tudo que é mais sagrado, me diz que você
nunca usa essa roupa em público.
É então que sigo o seu olhar e noto o motivo do pedido.
— Ai, meu Deus!
A irritação por não conseguir dormir me fez sair do quarto sem
prestar atenção no que estava vestindo. O resultado disso é estar
aqui, na frente de Zachary King, usando nada mais do que um short
de malha curtinho, roxo e com alguns cupcakes estampados, e uma
regata branca, tão velha que o tecido já está quase transparente.
Coloco um braço na frente dos seios e a garrafa de leite na
frente do short. Meu olhar de choque enquanto tento me cobrir de
forma apressada faz com que ele solte uma risada. Seu sorriso é
largo, exibindo dentes retos e muito brancos. Mas o melhor de tudo é
a covinha que se destaca na bochecha esquerda. Os olhos brilham
com o divertimento, e eu quase me esqueço de que estou na cozinha
com uma roupa indecente. Na verdade, eu quase me esqueço do
resto do mundo.
A sensação de que algo se acende dentro de mim está de volta.
Algo que ficou adormecido por anos. Um desejo latente, pulsante,
combinado com uma maldita vontade de conhecê-lo melhor. Porque
se Zachary já é a intensidade encarnada quando está sério, tudo
piora quando está sorrindo.
— Pelo visto, não — ele diz, balançando a cabeça de um lado
para o outro, mas o bom humor ainda está ali.
— Hã? — pergunto, sem ter entendido o que quis dizer.
— Sobre a roupa — ele explica. — Acho que não usa isso em
público. — E eu acho que minhas funções cerebrais resolveram tirar
folga no instante que ele começou a sorrir. — Vai fazendo o leite que
eu já volto.
Zachary não me dá tempo de responder e começa a correr para
fora da cozinha. Enquanto isso, não sei se faço o que pede ou se o
sigo com o olhar. As costas musculosas descem para uma bunda
redonda e durinha, emoldurada por uma bermuda larga, mas de um
tecido fino que destaca a perfeição.
Puta merda, esse homem é lindo demais. Talvez “lindo” nem
seja o adjetivo certo para defini-lo, já que Zachary King pode
facilmente estar na categoria de ser humano mais atraente da face
da Terra.
Sou uma confusão de hormônios por dentro, enquanto fico
parada no lugar sem conseguir me mexer. “Por que ele saiu
correndo?”, me pergunto. Não posso mais ouvir o som dos passos e
começo a debater se devo fazer o que ele pediu ou se devo
aproveitar a chance e sair logo daqui.
Porém, antes que eu consiga tomar uma decisão, escuto
barulhos na escada de novo e sei que ele está voltando. A
necessidade de ficar aqui é mais forte do que eu, apesar de saber
que deveria me manter bem longe dele.
Só que a decepção me assola assim que ele volta à cozinha, já
que agora está vestido com uma camiseta cinza-claro.
— Aqui. — Zachary segura uma outra blusa nas mãos e não
para de andar até estar bem perto de mim. — Levante os braços.
Olho chocada para ele, que me encara de volta com uma
expressão de desafio. Zachary se inclina na minha direção e seu
aroma masculino faz com que borboletas voem dentro do meu
estômago.
“Nossa, como ele cheira bem”, penso sozinha e logo começo a
imaginar como seria estar deitada em seu peito, com meu rosto
afundado naquele perfume delicioso enquanto acaricio cada um dos
músculos da barriga definida.
— Gaia — ele me chama, e então percebo que fiquei em
silêncio tempo demais. Muito mais do que o aceitável.
— Desculpe. — Crio coragem, coloco a garrafa na bancada e
levanto os braços.
Ele começa a descer a camiseta por meus braços, passa a gola
pela cabeça e sinto meu corpo se arrepiar quando os dedos de
Zachary entram em contato com a minha pele. Preciso fechar os
olhos para não deixar um gemido baixinho escapar.
— Pronto. Só não sei se ficou melhor ou pior. — Ele dá um
passo para trás e me analisa de novo.
A blusa que colocou sobre o “pijama” bate na metade das
minhas coxas, tão grande a diferença de tamanho entre nós.
— Pelo menos não estou seminua. — Dou de ombros.
— Exatamente por isso que não sei se está melhor ou pior —
ele confessa.
Arfo com a audácia, mas, quando olho para Zachary, percebo o
humor em sua expressão. Não consigo conter a gargalhada e o
empurro, só que ele nem sai do lugar.
— Para de palhaçada! — Finjo que estou ofendida, mas
continuo rindo.
— Acho que você deveria recompensar meu ato de
cavalheirismo — Zachary diz e apoia um antebraço na ilha da
cozinha.
— Ah, é? E o que vossa senhoria quer como recompensa? —
pergunto, mantendo o tom de brincadeira.
Zachary finge que está pensando por alguns segundos, e então
solta:
— Fiquei com um desejo estranho de comer cupcakes.
Sinto o calor subir pelo pescoço até atingir o rosto, e sei que
estou muito vermelha agora.
— Você não vale nada, sabia?
Meu comentário gera gargalhadas dele, o que me faz relaxar um
pouco.
— Eu estou brincando, Gaia. Mas confesso que não rejeitaria
mais um pouco daquela sobremesa que teve para o jantar. — Ele
sobe e desce as sobrancelhas.
— Ah, o milkshake — digo e vou até a geladeira. — Acho que
sobraram alguns. Só não sei se o chantili vai estar tão bom quanto
antes.
— Juro que não me importo.
Começo a procurar os três copinhos que sobraram e os
encontro na última prateleira. Então, me abaixo para pegá-los. Meu
movimento é seguido pelo som de Zachary puxando o ar com força e
acabo olhando para trás. Seus olhos estão presos na minha bunda,
mas é a escuridão neles que me deixa ainda mais à flor da pele.
Eu deveria ficar envergonhada de novo, talvez me desculpar
pela falta de cuidado em me abaixar dessa forma, só que não é isso
o que acontece, e sim o contrário. Dou vazão a um desejo estranho
de que ele me veja. Quero que me deseje. Neste momento, quero
que ele se aproxime e me toque, por mais irracional que esta decisão
possa ser.
Ficamos presos pelo que parecem ser horas, mas um de nós
tem bom-senso, e quando Zachary balança a cabeça de um lado
para o outro, sei que o momento passou. Volto minha atenção para
os copos e retiro-os do fundo da geladeira, levando-os até o balcão.
— Você não deveria comer doce a essa hora — digo,
alcançando uma colher para ele. — Não vai te ajudar a pegar no
sono.
— Não tem problema — ele dá de ombros —, estou acostumado
a passar noites em claro.
A confissão me faz imaginar os motivos que o levam a não
dormir, e é claro que logo visualizo Zachary na cama com aquela que
disse que o amava. Pensar nisso me faz retrair, e então decido que
uma distração é necessária. Vou até o armário embaixo da pia e
retiro de lá uma leiteira, em seguida, coloco um pouco de leite
dentro, levando-a ao fogo.
— O que foi? — pergunta e, quando me viro, vejo-o levar um
pouco da sobremesa à boca.
O movimento da colher em contato com sua língua me faz suar
frio. Tudo o que esse homem faz é um convite para o sexo, puta
merda! Como pode?
— Nada, não — limito-me a dizer. — Só estou cansada.
É claro que estou mentindo. Ou melhor, usando uma resposta
verdadeira em um contexto errado, porque não é o cansaço que me
fez afastar, e sim o pensamento de Zachary com outra mulher. Um
ciúme descabido toma conta de mim, apesar de saber que não tem o
menor sentido de ele existir.
— Você não está acostumada a trabalhar até tarde? Pensei que
fizesse parte do buffet da Christine — Zachary puxa assunto,
sentando em um dos bancos em torno da ilha.
Quando o meu leite já está quente, coloco um pouco de açúcar
e canela na caneca. Sento-me de frente para Zachary, que me
encara com curiosidade.
— É verdade. Estou acostumada a trabalhar até tarde, e acho
que este é o motivo para eu não conseguir dormir.
— O que você faz da vida, Gaia? Além de trabalhar no buffet, é
claro. — Ele leva mais uma colher à boca e sigo seus movimentos
com cuidado, imaginando outras coisas que ele poderia fazer com
aqueles lábios grossos.
— Estava fazendo curso de gastronomia. — Pigarreio. —
Faltavam só seis meses para eu me formar, mas precisei trancar a
matrícula.
— Por quê? — ele quer saber, um interesse genuíno em seus
olhos.
— Dinheiro. — Dou um gole no leite adocicado, deixando que o
calor me acalme. — As despesas eram muitas e não consegui dar
conta.
— Que droga. É por isso que veio trabalhar aqui em casa?
— Em parte — confesso. — Também pela oportunidade.
Quando Christine me ofereceu o cargo, ela disse que eu seria sous
chef. — Reviro os olhos. — Mas, na verdade, estou limitada a ser
uma secretária da Martha, que manda e desmanda em mim o dia
todo e quase não me deixa cozinhar. Acho que a única coisa que fiz
sozinha até agora foram os milkshakes. — Aponto para o copinho, já
vazio, na mão de Zachary.
— Por sinal, isso está uma delícia. — Ele sorri e alcança mais
um. — Pode fazer para mim sempre que quiser. Prometo comer
tudo.
Solto uma risada e balanço a cabeça em negativa.
— Que bom que você gostou — digo com sinceridade.
Posso não querer estar no centro das atenções, mas adoro
quando elogiam a minha comida.
— É isso o que você quer da vida? Ser cozinheira? — ele
pergunta sem nenhum tom de julgamento na voz.
— É, sim. Na verdade, quero muito ter o meu próprio
restaurante. Foi por isso que me mudei para Nova York quando tinha
dezoito anos. — Nem sei por que estou me explicando para ele, mas
algo em Zachary me compele a falar.
Neste momento, não há flerte, apesar de que meu corpo parece
estar bastante ciente da presença deste homem. Mas, de alguma
forma, é muito bom poder apenas… conversar com Zachary.
— Que bom que você está buscando os seus sonhos — ele diz
entre colheradas da sobremesa, até que mais um copinho está vazio.
Logo, o terceiro já está em suas mãos e sorrio sozinha ao ver que
não estava mentindo sobre ter gostado.
Faço uma nota mental de preparar mais sobremesas para a
família. Ou melhor, para ele.
— E você?
— Eu, o quê? — Zachary me encara com curiosidade.
— Qual é o seu sonho? — Não sei de onde veio a pergunta,
mas, quando percebo, ela já está ao vento.
— Não sei se tenho um. — A confissão me espanta, e acho que
Zachary nota a descrença em meu semblante, porque logo completa:
— O que eu tenho é a obrigação de continuar com os negócios da
família. E não pense que esta é uma história de “pobre menino rico”,
porque não é. Estou gostando muito de seguir os passos do meu pai,
mas nunca cheguei a pensar naquela coisa de o que ser quando
crescer.
— Nem quando você era criança? — pergunto. — Não queria
ser bombeiro ou astronauta ou sei lá o quê?
É então que acontece algo que nunca imaginei ser possível:
Zachary King ruboriza.
— Eu queria ser cowboy — diz baixinho.
É inevitável: começo a gargalhar.
— Cowboy? Daqueles que laçam touros e acenam para a
torcida?
— Aham. Que usa chapéu e tem sotaque. Durante um ano
inteiro, tentei falar que nem cowboy. — Ele balança a cabeça, como
se a lembrança fosse vergonhosa demais.
Continuo rindo, cada vez mais histérica, até que ele se junta a
mim.
— Eu tinha sete anos! — Joga as mãos para o alto e fala em um
tom elevado, como se quisesse se justificar.
— Desculpe, mas não consigo te imaginar como um cowboy.
A não ser que fosse um stripper, aí sim é possível. Mas resolvo
guardar os pensamentos — e talvez usá-los como fantasia quando
estiver sozinha.
— Por que não?
— Porque você é um garoto da cidade grande, que usa terno,
dirige um carro esportivo e sai nos tabloides! Nunca vi alguém tão
longe de ser um cowboy quanto você — implico e ele ri, conformado.
— É verdade. Não dá pra montar a cavalo usando Hugo Boss.
— Não mesmo! — Termino de beber o leite e vejo que os três
copinhos restantes de sobremesa também estão vazios.
O silêncio toma conta da cozinha, como se nenhum dos dois
soubesse o que dizer em seguida. Subo meu olhar para ele e
descubro que também está preso em mim. De novo, o ar ganha
aquela densidade incômoda. Aprendi que estar sozinha com ele me
afeta de formas que não consigo entender, muito menos controlar.
— Acho que vou me deitar — falo baixinho, optando pela saída
mais segura, e levo a caneca até a pia.
Depois, vou até ele e começo a pegar os copinhos, colocando
um dentro do outro. Porém, antes que eu consiga me afastar,
Zachary segura meu pulso, impedindo que eu saia de perto. Não há
qualquer força em seu toque, apenas uma energia que sobe por
minha pele e me faz estremecer com o contato. Ele se levanta do
banco e se coloca à minha frente. Preciso olhar para cima se quero
encará-lo, e descubro que fitar seus olhos tão de perto é um erro.
Vejo quando as pupilas dilatam, e sei que as minhas também reagem
à proximidade. Estou cercada por Zachary King, por sua intensidade
e seu cheiro delicioso. Não há forças em mim para me distanciar.
— Gaia, eu… — ele começa a dizer, mas hesita.
Os olhos descendo para a minha boca, que se entreabre de
forma instintiva. Ele puxa o ar com força e, ao nosso redor, tudo
parece desaparecer.
Capítulo 17

Zachary

Ela está tão perto que posso sentir meu corpo inteiro reagir à
sua presença. É ridículo como essa mulher consegue me
enlouquecer e me acalmar na mesma proporção. A última meia hora
que passei ao lado dela, apenas conversando, foi o suficiente para
provar que não sou imune a tudo o que tem a oferecer. Posso sentir
o cheiro do seu xampu — maçã-verde nunca foi tão afrodisíaca — e
as batidas frenéticas que vêm de seu peito, tão ritmadas com as
minhas, assim como a respiração ofegante.
Quero me aproximar mais, e todo o controle que achei que
poderia manter vai embora quando sinto seus dedos tocarem o meu
peito. A mão que não segura seu pulso fino encontra a cintura
pequena e desliza para trás, ganhando lugar na base de suas
costas. Meus dedos flexionam, puxando-a para mais perto.
Ela é tão pequena que mal chega à altura dos meus ombros, por
isso, inclino-me para baixo, encurtando aos poucos a distância que
nos separa. Em seus olhos, encontro uma mistura de confusão e
desejo estampada. É essa porra de energia que parece ganhar vida
quando estamos tão perto, e não sei mais o que fazer. A
necessidade de beijá-la é mais forte do que qualquer outra coisa que
senti antes. Por isso, continuo abaixando meu rosto, deixando que a
promessa do que está prestes a acontecer nos domine.
O nariz pequeno, a língua umedecendo os lábios rosados, a
pele de porcelana e as várias sardas que decoram o rosto mais lindo
que já vi na vida… tudo é um convite para que eu me perca de vez
nessa mulher.
E o pior é que tem algo de familiar nela. Como se eu já estivesse
acostumado a estar tão perto, mesmo sem nunca a ter tocado desse
jeito antes. Um conforto de quem está fazendo a mesma coisa pela
trigésima vez, junto com uma ansiedade sem fim pela vontade do
primeiro beijo.
— Quero muito te beijar — acabo soltando os pensamentos, e
logo me arrependo.
Gaia abaixa a cabeça, como se tivesse se dado conta do que
estávamos prestes a fazer. E, quando desencosta o corpo do meu, o
frio da sua ausência me incomoda.
— Desculpe, sr. King — ela diz, erguendo o muro desgraçado
entre a gente. — Vou deixar a louça na pia, amanhã eu lavo.
A mudança brusca de assunto me faz franzir o cenho. Gaia vira
as costas, coloca os potinhos na bancada e começa a se encaminhar
para a porta. Levo alguns segundos para sair do estupor e, quando a
vejo cruzar o batente, não me controlo e vou até ela. Sigo-a pelo
corredor sem disfarçar e sei que ela percebe que estou aqui, já que
acelera os passos. Só que não vou embora até entender o que
diabos aconteceu agora há pouco.
Ela abre a porta do próprio quarto e, assim que entra no espaço,
vou atrás, invadindo sua privacidade. Apenas uma luz fraquinha
ilumina o ambiente e é como se ambos estivéssemos presos na
escuridão.
— O que houve? — pergunto ao encostar a porta por trás de
mim. Cruzo os braços na frente do corpo, esperando a resposta e
pouco me importando para o que tem ao nosso redor.
— Nada — ela diz, como se isso fosse uma resposta aceitável.
— Gaia, por favor, converse comigo. Uma hora você está perto,
sem esconder que sente por mim o mesmo que sinto por você. De
repente, tudo muda. Então, me diga: o que houve? — O que era para
ser uma simples pergunta acaba se tornando um vômito de palavras
desesperadas, porque não posso aceitar que ela simplesmente
tenha mudado de ideia. Alguma coisa está acontecendo e eu preciso
saber o que é.
— Não posso fazer isso, sr. King.
— Porra! Pare de me chamar assim! — Jogo as mãos para o
alto e elevo o tom de voz, em um nítido sinal de frustração.
Alguns passos encurtam a distância entre nós. Puxo-a pela
cintura, colando seu corpo ao meu. Sinto quando estremece com o
contato e, definitivamente, não é medo que está estampado em seus
olhos. É desejo. O mesmo sentimento louco que me guia neste
momento.
— Zachary, por favor… — Gaia pede baixinho e sou obrigado a
me afastar. Por mais que esteja desesperado para beijá-la, jamais
irei forçar algo. Não sou esse tipo de homem.
— É porque sou filho do seu chefe? — insisto, querendo saber.
— Também — Gaia confessa, e isso me deixa ainda mais
curioso.
— E o que mais?
Por alguns segundos, ela apenas me encara. Odeio não
conseguir ler pensamentos. Seria tão mais fácil… inclusive, adoraria
que Gaia pudesse ler os meus, porque eu tenho certeza de que
estão em sincronia com os dela, apesar dessa relutância.
— Gaia — chamo de novo quando ela permanece calada por
um bom tempo.
— Eu ouvi aquela mulher dizendo que te ama. Vocês estão
juntos? — joga a pergunta como se fosse uma bomba.
É sério isso?
— Claro que não estamos! — apresso-me em dizer, antes que
ela tenha mais ideias loucas a meu respeito. — De onde você
deduziu isso? — Mas a resposta vem em formato de silêncio de
novo, o que me deixa perto de um colapso. — Gaia, por favor, me
responda.
Dou um passo em sua direção, tentando diminuir a distância
física — e talvez emocional — que nos separa.
— Vocês não…?
Franzo a sobrancelha, confuso com a pergunta.
— Já disse que não. Ela era um caso, algo sem qualquer
compromisso sério nem promessa de exclusividade. Ficamos juntos
há meses, quando eu ainda estava em Londres.
— Então, vocês não têm mais nada?
Balanço a cabeça em negativa, aproximando meu rosto do dela.
Eu não deveria ter que me justificar para ninguém, muito menos para
Gaia, mas algo em sua expressão me obriga a ser verdadeiro. Essa
mulher desperta em mim coisas que não consigo entender.
Silêncio de novo.
Esse maldito silêncio.
É como se ambos estivéssemos vendados de frente para um
penhasco, com medo do que pode acontecer se dermos um passo à
frente. Mas algo muda no modo como ela me encara, um brilho
diferente no olhar — e não consigo desviar por um segundo sequer.
Estamos tão perto que Gaia precisa inclinar a cabeça para me
encarar.
Mesmo com pouca luz, posso ver seus lábios rosados, que
combinam com a coloração das bochechas quando emolduro seu
rosto com uma mão. Ela estremece com o contato e me sinto a porra
de um super-herói.
Não posso esperar nem mais um segundo — e é por isso que
deixo minha boca descer sobre a dela. No instante que isso
acontece, o mundo parece entrar no eixo.
Puta que pariu.
Sua boca macia me convida e não perco tempo, deixando que
minha língua a invada em um beijo carregado de desejo e
desespero. Com a mão livre, puxo sua cintura para mais perto, louco
para que não haja um mísero centímetro entre nós. É então que sinto
quando ela sobe os braços, passando-os em torno do meu pescoço,
e afunda os dedos em meu cabelo, como se também não suportasse
ficar sem me tocar. Como se quisesse me manter aqui, me
ancorando no meio desses malditos sentimentos que ela tem
despertado.
Nunca pensei que um beijo pudesse ser tão… certo. É por isso
que não paro, pouco me importando se consigo ou não respirar.
Nossas línguas perdidas em um frenesi descontrolado. É rápido,
intenso e contém promessas deliciosas.
A mão que estava em seu rosto começa a descer, desejando
percorrer cada pedacinho da pele de porcelana. Acaricio o ombro e
deslizo as pontas dos dedos pela lateral do corpo até parar na
cintura, apertando a carne macia. Não consigo me controlar e solto
um gemido contra sua boca, imaginando-a de quatro enquanto a
puxo com força contra mim.
Meu corpo é incapaz de esconder o desejo crescente, a ereção
pressionada à barriga lisa. Sem controle, balanço nossos corpos
para frente e para trás, numa fricção tentadora. A necessidade por
ela aumenta a cada movimento de nossas línguas. O que será que
encontraria nesse momento se deixasse minha mão entrar por
debaixo daquele short de cupcakes?
Caralho, eu quero tudo dessa mulher. Quero seus beijos, seu
corpo, seu sorriso… sou um egoísta filho da puta e preciso que Gaia
seja minha. Só minha.
É então que tomo a pior decisão de todos os tempos e afasto
minha boca dos lábios inchados. Os olhos de Gaia, nublados pelo
desejo, fitam os meus e… porra! Acho que nunca vi uma mulher tão
linda.
Mas o intervalo dura pouco quando a boca provocante procura a
minha de novo. O contato, cuidadoso no início, ganha urgência a
cada movimento. O corpo pequeno se derrete junto ao meu e só
consigo pensar no que vai acontecer quando eu a colocar na cama.
Nós nos beijamos pelo que parecem horas, numa sincronia
inexplicável que aplaca a minha frustração e agrava o meu desejo. O
gosto doce na boca ávida é a porra do paraíso, que continua me
conduzindo à loucura. Não consigo parar. Não consigo me afastar.
Não consigo manter um fluxo racional quando Gaia está tão perto de
mim.
Mãos pequenas passeiam pelo meu peito, os dedos volta e meia
flexionando sobre meus músculos, sentindo cada parte que acaricia.
Enquanto isso, a mantenho o mais colada possível ao meu corpo,
em um gesto de possessividade impensada, porém necessária.
Um beijo nunca foi tão bom — e não sei se tenho capacidade de
parar. É uma necessidade insana, que me consome por inteiro. É por
isso que a beijo com mais força, querendo que ela veja o quanto me
afeta. Um fervor violento, que me queima de dentro para fora ao
sentir que Gaia está tão imersa no momento quanto eu, me obriga a
erguê-la do chão. Quando sinto suas pernas envolverem minha
cintura — seu calor encontrando a minha rigidez, implorando para
que eu a tome —, tenho certeza de que estou completamente fodido.
Não há espaço para palavras. Na verdade, não há espaço para
mais nada, a não ser esse ímpeto de estar dentro dela.
— Gaia, eu…
O mundo para quando uma voz feminina invade o quarto, que
até então era apenas embalado pelo som de nossas respirações
entrecortadas.
Com Gaia ainda no meu colo, viro o rosto para o lado e dou de
cara com a porta escancarada e Valerie boquiaberta enquanto tenta
entender o que está acontecendo. “Empata foda do caralho”, xingo-a
mentalmente, mas revolvo não deixar que as palavras escapem.
Respiro fundo duas vezes, tentando me controlar.
Devagar, desço Gaia pelo meu corpo, até que seus pés toquem
o chão. Porém não consigo me afastar o suficiente e acabo
permitindo que minha mão vá para sua nuca.
— Ei, olhe para mim. — Ignoro a presença de Valerie e
mantenho minha concentração em Gaia. Ela está atordoada pela
interrupção, mas os lábios inchados e os olhos anuviados me
mostram que o efeito do nosso beijo ainda corre por suas veias. —
Depois continuamos isso, está bem?
Só que Gaia está em choque. É por isso que deposito um
selinho em sua boca e me afasto. Passo pela funcionária
embasbacada e desejo boa noite a ela, seguindo para o meu próprio
quarto.
A última coisa que quero é deixar Gaia desconfortável, e aposto
que expulsar a camareira não seja a melhor maneira de conquistar
essa mulher maravilhosa. Mas também debato se não acabei de
fazer a pior merda da minha vida.
Será que ela vai pensar que eu fugi?
Na verdade, nem sei por que saí daquele quarto. Talvez para
conseguir recobrar um pouco da minha lucidez.
No caminho até minha cama, tento fazer com que o meu corpo
retome o estado de normalidade, mas acho que ele nunca mais será
o mesmo. Não depois do que acabou de acontecer.
Maldita maldição.
Maldita obsessão.
​Capítulo 18

Gaia

Zachary King me beijou.


Ele
me beijou.
Olho para Valerie, que ainda está pasma do outro lado da porta
aberta, e fico sem saber o que falar. Acho que, neste momento, não
conseguiria elaborar uma frase coerente nem que fosse para salvar a
minha vida.
— Comece a se explicar — Val comanda, entrando no quarto,
fechando de novo a porta e acendendo a luz. Pelo menos, uma de
nós já retomou as capacidades mentais.
Com certeza, não fui eu, que apenas sento no divã rosa ao pé
da cama, em silêncio. Continuo olhando para o nada, na tentativa —
inútil — de entender o que aconteceu.
Zachary King me beijou.
— Gaia, pelo amor de todos os santos! — Valerie eleva o tom de
voz e se senta no chão, logo à minha frente.
Não há mais espanto em seu olhar, só uma empolgação — que
fica claro quando ela começa a dar pulinhos sentada. Vejo a boca de
Valerie se mexer e sei que ela está falando alguma coisa, mas tudo
que consigo pensar é que Zachary King me beijou.
E não foi algo comum, mas sim um daqueles que tiram o chão,
que fazem com que você veja estrelas e sinta coisas que nunca
havia sentido. Era como se meu corpo inteiro tivesse sido ligado na
tomada e, de repente, nada mais existia. Nada além dele e do nosso
beijo.
— Zachary King me beijou. Na boca. De língua.
— Eu vi! Estava voltando do banheiro e ouvi uns sons
estranhos. Achei que alguém estava invadindo a casa. Errei feio! —
Valerie continua com seus pulinhos e então percebo o que falei em
voz alta. — Foi a primeira vez? Você está gostando dele? Ele está
gostando de você? — ela solta uma sequência de perguntas e
preciso balançar a cabeça para afastar as lembranças e me
concentrar no presente.
— Sim. Sim. Puta merda, espero que sim — respondo da forma
mais sucinta que consigo, deixando as palavras saírem num impulso.
Val solta uma risada.
Enfio o rosto nas mãos, tentando controlar os efeitos
devastadores que aquele homem causou, e respiro fundo. Mas o
cheiro dele ainda está impregnado em mim, o que dificulta minha
situação.
— Ai, que delícia! A Lottie vai ficar verde de inveja. — Val bate
palmas, como se isso fosse a melhor parte do que aconteceu.
O comentário inesperado me faz erguer a cabeça e encará-la.
— O que a Lottie tem a ver com isso?
— Ela sempre quis ficar com o Zachary, o herdeiro. — Valerie
abana a mão, dispensando a ideia. — Só que acabou pegando
apenas o Jackson.
— Jackson?! — pergunto, incrédula.
— Aham. Mas isso tem anos! — Val explica. — Desde então,
Lottie se acha no direito de continuar procurando alguém com o
mesmo sobrenome, mas que a leve a sério.
— Não consigo imaginar ela e Jackson juntos — comento,
porém, posso estar enganada. Não conheço o caçula dos King o
suficiente. Pelo pouco que percebi, ele está mais interessado nas
garrafas de bebida do que nas pessoas ao seu redor.
— Mas não vamos falar dela agora. Quero saber de você e do
beijo tórrido que vi agora há pouco. — Val começa a se abanar e não
sei se está brincando ou sendo sincera.
— Não tenho o que falar. Foi… uma surpresa.
Uma bem deliciosa, que me tirou o chão e me fez sentir coisas
que nunca havia sentido antes. Eu estava prestes a me entregar por
completo. Inclusive, estava tão perdida no beijo que teria feito o que
ele quisesse. Ainda bem que Valerie apareceu, senão tudo seria
muito mais complicado.
— Surpresa ou não, quando abri a porta do quarto, vi você no
colo de Zachary King, sendo beijada de um jeito que só acontece nos
filmes. Preciso de detalhes!
“E eu preciso entender o que fiz”, quero acrescentar, mas fico
calada. Olho para a mulher sentada à minha frente, a expectativa por
uma história fabulosa estampada no rosto, e não sei o que dizer.
Porque só uma coisa preenche meus pensamentos: Zachary King
me beijou.
— Podemos conversar sobre isso depois? — peço, um pouco
constrangida, e Val solta uma risada.
— Ah, tadinha. Beijar um King fritou os seus neurônios, foi? —
ela pergunta em tom de brincadeira, mas é a pura verdade. Por isso,
limito-me a assentir com a cabeça, levando minha amiga a rir ainda
mais alto.
Meu corpo não esqueceu o toque firme. Minha pele continua
queimando com a vontade de estar com ele de novo. Minha boca,
que deve estar inchada com a intensidade dos beijos, precisa de
mais.
Com muito esforço, levanto-me do divã e tento arrumar meu
cabelo bagunçado. Estou uma confusão de sentimentos e
hormônios, sem saber o que fazer.
— Zachary King me beijou — repito em um sussurro, pelo que
parece ser a milésima vez.
— Eu sei, gata. — Val está de pé, com ambas as mãos nos
meus ombros. Seu tom, desta vez, não contém a euforia de antes. —
Ele é lindo, charmoso e tem mais dinheiro do que o PIB da Serra
Leoa. — Ela hesita por um tempo, sem desviar os olhos de mim. —
Cuidado para não se machucar, querida.
As palavras me fazem lembrar dos conselhos de Martha e de
Monica, como se todas as mulheres tentassem manter meus pés no
chão. Isso me deixa ainda mais insegura.
— Preciso dormir agora. Tenho que estar de pé em algumas
horas, antes das 6h — digo.
— Tudo bem, mas depois você vai me contar tudo. Tudinho,
ouviu? — Sorrio com o pedido e acabo confirmando com a cabeça.
Ela me dá um beijo na bochecha, solta mais um som estranho
de empolgação e começa a se afastar. Porém, antes que chegue à
porta, eu me lembro de uma coisa bem importante.
— Val! — Ela se vira para me encarar. — Por favor, não conte
para ninguém o que viu, tá? — peço, com medo de acordar amanhã
e descobrir que a casa inteira está sabendo do que eu fiz.
— Minha boca é um túmulo, garota. — Ela faz um sinal de “x”
sobre os lábios e dá uma piscadinha para mim. — Ah, e desculpe
mais uma vez por ter entrado no seu quarto. — Sua frase é seguida
de uma careta e, em seguida, Valerie sai do quarto e me deixa
sozinha com a minha confusão.
Sigo para o banheiro, tentando acalmar meu coração. Só que
ele continua batendo em um ritmo acelerado, como se dissesse que
não está disposto a esquecer o que aconteceu.
Encaro meu reflexo e tudo ali parece o mesmo: o cabelo ruivo,
os olhos claros, as sardas que tanto odeio… Mas não sou mais a
mesma. Algo mudou dentro de mim, e por mais que não consiga
explicar muito bem o que foi, uma coisa está bem clara: todo o meu
ser grita que preciso beijar Zachary King de novo.

∞∞∞
 
Quando me levanto, sem ter conseguido dormir direito por mais
de um par de horas, sinto meu corpo todo dolorido. Mas é aflição que
me deixa com vontade de voltar para debaixo dos lençóis e fingir que
o resto do mundo não existe. O que vai acontecer assim que nos
vermos? Posso ficar escondida na cozinha? Não sei se quero vê-lo.
Por outro lado, não posso simplesmente ignorar meu trabalho e ficar
aqui, enquanto sonho acordada com um par de mãos fortes e olhos
verdes.
A camiseta que me emprestou ontem está a salvo sob meu
travesseiro, o perfume masculino impregnado na fronha. Talvez
tenha sido o cheiro dele que me impediu de ter um sono tranquilo,
que me faz fantasiar de um jeito que nunca fiz…
Tudo em Zachary King grita “sexo”. Desde o modo como se
mexe, até o timbre da voz. Sem esquecer da intensidade que
carrega e da paixão com que beija. Aquele homem é capaz de criar
um furacão de desejo dentro de mim.
Não tenho ideia do que vai acontecer, de como Zachary vai
reagir quando estivermos no mesmo ambiente de novo. E o pior de
tudo é que não sei como eu quero que ele reaja. Por isso, enquanto
tomo um banho, listo mentalmente as possibilidades do que pode
acontecer.
1 – Ele pode ignorar minha presença;
2 – Ele pode me beijar na frente de todo mundo;
3 – Ele pode me dar uma piscadinha safada e deixar claro que
não esqueceu a promessa que fez;
4 – Também pode…
— Céus, desde quando as atitudes de um homem viraram o
centro do meu universo? — pergunto em voz alta, repreendendo
meu comportamento.
Não deveria estar pensando nisso, e sim no que eu quero fazer.
Como eu quero lidar com o que aconteceu ontem à noite.
— Uma coisa é fato — falo sozinha de novo, enquanto retiro o
xampu do cabelo —, não quero esquecer ou ignorar o que
aconteceu. Não quero que tenha sido um lapso de julgamento.
“Algo casual, durante o verão, pode ser uma possibilidade…”
Não tenho todo o tempo do mundo para ficar aqui, cogitando
hipóteses de algo que talvez nunca aconteça. Finalizo o banho e me
seco rapidamente, escolhendo uma roupa adequada.
Por alguns minutos, olho para o uniforme — camiseta branca e
calça preta — e decido que, só por hoje, vou melhorar um pouco o
visual. Quero que Zachary me veja, que me ache bonita e que me
deseje de novo.
Nunca fui uma mulher sonsa, que finge estar sentindo uma coisa
quando, na verdade, está sentindo o oposto. Não mesmo. É por isso
que pego a saia de Lottie, que eu ainda não devolvi, e coloco uma
regata branca, um pouco mais decotada do que as roupas que uso
quando estou trabalhando na cozinha. Opto pela sapatilha preta e
faço uma trança no cabelo. Passo gloss de framboesa e um pouco
de rímel. Também aplico uma camada fina de corretivo, para
esconder os efeitos da noite mal dormida.
Quando saio do quarto, estou me sentindo bonita e pronta para
encontrar Zachary King de novo.
Chego à cozinha vazia e começo a preparar o café. Martha deve
aparecer a qualquer momento. No fundo, torço para que Zach venha
antes dela, para um cumprimento de bom-dia. Só que isso não
acontece e, no instante que o relógio indica 6h, a cozinheira cruza a
porta dos fundos.
— Bom dia, Gaia.
— Bom dia, Martha. — Sorrio para ela, notando que a água
ainda não ferveu.
A correria da manhã começa. Faço um pão de fermentação
rápida e, enquanto sovo a massa, penso em Zachary. Depois, corto
algumas frutas e penso nele. Para terminar, separo a louça a ser
posta na mesa e meu pensamento ainda está no mesmo homem.
Porque é impossível fazer qualquer coisa sem que as
lembranças do que aconteceu ontem sejam revividas. A cada tique
do relógio, minha ansiedade aumenta e borboletas voam com mais
ímpeto em meu estômago.
Martha conversa o tempo todo, falando de receitas que pretende
fazer, da vizinha que fez uma festa, do primo do cunhado da
sobrinha que, pelo visto, está tendo um caso com a tia da madrasta
da moça da padaria. Aceno nas horas certas, demonstro espanto em
momentos oportunos e finjo que tudo o que ela fala é do meu
interesse. Só que a única coisa que me importa de verdade é
Zachary King.
Valerie aparece, lançando um olhar conspiratório quando me vê.
Tina, Helga e Derek também chegam para o café da manhã dos
funcionários. Apenas Lottie, como de costume, está atrasada.
— Onde está a sua irmã? — Martha pergunta em um tom nada
amigável e Derek encolhe os ombros.
— Não sei. Ela deveria estar aqui — ele diz e coça a nuca.
— Eu juro por tudo que é mais sagrado: se Lottie não chegar em
cinco minutos, vou dispensá-la do verão todo. — Martha aponta para
o relógio, que indica faltar menos de meia-hora para que a primeira
refeição do dia seja servida para a família.
— Quer que eu vá ao quarto dela chamar? — Derek oferece.
— Não precisa. A responsabilidade não é sua, mesmo que Lottie
seja sua irmã — Martha fala, sem dar a chance de ser contestada. —
Vá colocar a mesa. — Indica a porta da cozinha e o rapaz mal tem
tempo de terminar o café com leite em sua xícara antes de sair
apressado. — Tina, preciso que vocês preparem três quartos de
hóspedes. O sr. Harvey avisou que os Lowell devem chegar depois
do almoço e uma amiga da Chloe vem junto. Ah, e não se esqueçam
de chamar o Kyle para ajudar Derek a preparar tudo para o luau.
Eles pediram uma fogueira! — Martha joga as mãos para o alto em
sinal de desespero. — Quem gosta de fogueira no verão? Também
temos que chamar a Julie e a Nancy, para ajudar a servir o luau.
Derek não vai dar conta sozinho e…
Ela continua ditando ordens, como um bom coronel. Tento me
manter ocupada, separando as fatias de bacon que serão servidas
em breve. Também aproveito que Martha está distraída e começo a
preparar a massa das panquecas.
— Gaia! — Viro o rosto quando escuto meu nome ser chamado.
— Fique pronta para servir caso a Lottie não apareça. Pelo jeito, o
sono de beleza daquela metida à dondoca é mais importante do que
as responsabilidades.
O pedido de Martha me faz sorrir por dentro. Por fora, apenas
assinto com a cabeça e finjo desinteresse. Já que Zachary não
apareceu na cozinha durante a manhã, servir o café pode ser uma
boa chance de encontrá-lo de novo e ver qual será a sua reação.
É claro que não estou esperando que ele me beije na frente de
todo mundo. Nem que declare um amor de contos de fadas. Mas um
olhar pode dizer muita coisa, e é disso que preciso agora.
— Estou pronta, Martha — confirmo.
— Posso ver… — Ela me olha de cima a baixo, prestando
atenção na roupa que uso pela primeira vez. Seu olhar analítico não
esconde a desaprovação, parando por tempo demais no decote que
uso, como se perguntasse por que diabos escolhi essa roupa.
O bom é que Martha não tem tempo de mais nada, porque o pão
precisa ser retirado do forno e fatiado da forma certa.
Os cinco minutos de Lottie se acabam, assim como a meia-hora
que nos separava do café da manhã. As vozes da família na sala de
jantar já podem ser ouvidas, fazendo com que a correria na cozinha
só aumente.
— Derek, leve as bebidas. Gaia, as frutas — a cozinheira ordena
e obedecemos na mesma hora.
Chegando à sala, vejo algumas pessoas sentadas em volta da
mesa, conversando animadamente enquanto esperam a refeição. Os
casais mais velhos já estão aqui, assim como Elijah, Trenton e
Sebastian.
— Bom dia, Gaia — o sr. Harvey me cumprimenta, oferecendo
um sorriso.
Cordialidades são trocadas entre os donos da casa e os
funcionários — no caso, Derek e eu —, até que um outro homem
aparece.
— Bom dia a todos. — Jackson King, que parece ser o mais
sonolento, toma o lugar na cadeira e logo se serve de uma enorme
xícara de café.
— Onde está o meu filho? — Monica questiona no instante em
que coloco uma fatia de melão em seu prato.
Finjo que não estou prestando atenção, mas, de repente, meus
ouvidos ficaram bem abertos.
— Esqueci de falar, titia — é Trenton quem responde —, ele não
está em casa.
A frase me pega de surpresa e acabo erguendo o olhar para
encarar o primo de Zachary. Quando faço isso, percebo que Trenton
também está olhando para mim.
Será que ele sabe?
— O que aconteceu? — Monica insiste. — Para onde meu filho
foi?
— Ontem de madrugada, Zach recebeu uma mensagem urgente
e teve que voltar à Manhattan — Trenton esclarece. — Tem algo a
ver com Samantha.
A explicação me deixa confusa, fazendo com que meu coração
tombe dentro do peito, ao mesmo tempo que o restante da mesa não
demonstra muito espanto.
— Aquela menina ainda vai fazer uma loucura… — O sr.
Edmund balança a cabeça desalentado.
— Acho que já fez, pai — Trenton responde de forma
enigmática.
O silêncio que segue a declaração é ensurdecedor, e fico me
perguntando se é a mesma mulher que ouvi ao telefone, dizendo que
o amava. Ontem, Zachary disse que os dois tiveram um caso sem
compromisso quando ele morava em Londres.
Será que mentiu? Se foi sem importância, por que ele foi
correndo para a cidade?
Sinto a decepção de não o ter aqui me baquear, levando uma
pequena tremedeira às minhas mãos, aliada às inseguranças que
começam a gritar dentro de mim. Então, obrigo-me a pedir licença e
voltar para a cozinha.
Minhas mãos estão mais trêmulas, as pernas, que parecem
feitas de gelatina, mal suportam meus passos. De repente, sou
tomada por um arrependimento enorme. Devia ter ficado escondida
na cama.
Afinal, Zachary King me beijou.
E me deixou.
Capítulo 19

Gaia

Depois de passar a tarde inteira na cozinha com Martha,


preparando quitutes para o luau, tudo o que mais queria era poder
deitar na cama e recuperar o sono perdido. É claro que não tenho a
chance de fazer isso, já que o evento está começando.
Nunca fui a uma festa assim, por isso, pedi ajuda à Valerie para
escolher uma roupa apropriada.
— Você só trouxe isso? — ela pergunta, olhando para todos os
itens no armário.
— Não pensei que seria convidada para confraternizar com os
patrões. — Mordo o lábio inferior, a preocupação cada vez mais
evidente por não ter algo decente para usar.
— Eu até te emprestaria algo meu, mas não sei se vai caber —
Val observa e eu balanço a cabeça em concordância. Ela é bem
mais alta do que eu, fora que seus seios são fartos e seus quadris,
bem largos.
— Não tem problema — digo com um pouco de decepção —,
posso usar isso aqui mesmo.
Aponto para a saia jeans e a bata colorida que escolhi antes de
ela vir me ajudar. Não é uma opção muito boa, mas melhor do que
usar o uniforme.
— Não tem nada mais… tchan? — ela pergunta, me olhando de
cima a baixo. — Você não trouxe um vestido ou…?
Só que Valerie para de falar e seus olhos se arregalam.
— O que foi? — quero saber, aflita com a expressão de espanto
que ela agora tem no rosto.
— Eu sou a porra de um gênio! — vibra e começa a dar seus
pulinhos típicos.
Sem oferecer qualquer outra explicação, agarra meu antebraço
e começa a me puxar para fora do quarto.
— Val! O que você está fazendo? — questiono, mas não recebo
uma resposta.
Ela apenas continua me puxando e saímos da área dos
funcionários. Passamos pela cozinha, pela sala de refeições,
subimos a escada e, quando vejo que está me levando para o
corredor dos quartos principais, é a minha vez de puxar seu braço.
— Não mesmo! — digo em um sussurro.
— Sim! Fique tranquila que não tem erro — ela garante, os
olhos carregados de expectativas. — Confie em mim, Gaia.
O pedido é uma maldade, porque eu confio nela, mas sei que
sua empolgação pode ser a nossa ruína.
Valerie coloca um dedo sobre a boca, como se me pedisse para
ficar em silêncio, e continua andando até um dos quartos de
hóspede. Neste corredor, são mais de dez portas — inclusive,
descobri que a área dá a volta na casa, no estilo hotel. Fora os
quartos no andar de cima. Pelo que fiquei sabendo, a casa consegue
abrigar mais de trinta pessoas.
— Entre aqui. — Ela retira um molho de chaves do bolso e abre
a porta. Mais uma vez, sou puxada contra a minha vontade.
Valerie acende a luz e nos tranca do lado de dentro. Sem me dar
tempo para contestar, vai até um armário e retira de lá um cabide
com o vestido mais lindo que já vi.
— De quem é isso? — pergunto, boquiaberta.
— De uma mulher insuportável que passou um fim de semana
aqui no verão passado. Acho que era inglesa, pelo sotaque. —
Apenas faço que sim com a cabeça, sem tirar os olhos da peça.
Estou hipnotizada pelo degradê, que começa em um tom claro
de cinza no busto e vai ganhando vida até chegar ao azul-turquesa.
Ele é reto, longo, com alças finas e sem muito decote ou qualquer
outra extravagância.
— Tem alguém apaixonada… — Valerie cantarola.
— Você acha que eu posso usar? — pergunto, revezando
olhares entre ela e o vestido.
— Claro que sim. E o melhor é que ninguém vai saber que não é
seu. — A afirmativa me faz franzir a sobrancelha, sem entender
muito bem o que quis dizer com isso. Mas então, Val se explica: —
Ainda está com a etiqueta. Ou seja…
— Não foi usado nesta casa — concluo o pensamento.
Meu queixo cai ainda mais. Por um momento, debato se devo ou
não experimentar a peça. Será que eu estaria roubando o vestido?
— Devolvo depois da festa — falo mais para mim mesma do que
para Valerie.
— Isso aí, garota! — Ela volta a dar pulinhos.
Minutos depois, já retirei as roupas simples e o tecido macio
cobre o meu corpo com perfeição. Encaro meu reflexo no espelho e
não consigo conter o suspiro.
— É lindo demais. — Acaricio o vestido, que marca minhas
poucas curvas, mas sem me deixar muito exposta.
De repente, sinto um puxão e vejo que Valerie removeu a
etiqueta. Olho espantada para ela, que apenas dá de ombros.
— Agora, já foi — diz como se fosse a coisa mais simples do
mundo.
Meu coração martela dentro do peito, em uma mistura de medo
e ansiedade.
— Será que vão…? — Não consigo terminar a frase.
— Claro que não! — Val se apressa em dizer. — Fique tranquila
e vá curtir a festa, Cinderela.
Balanço a cabeça, rindo do comentário, ao mesmo tempo que
penso que um certo príncipe encantado poderia estar aqui também.
Mas Zachary preferiu voltar para a cidade e cuidar da tal
Samantha. Minhas mãos ficam geladas só de pensar no que eles
devem estar fazendo sozinhos. Afinal de contas, se ela não
significasse nada, ele não teria saído daqui no meio da madrugada.
— Pare de pensar no homem. — Valerie se coloca à minha
frente, bloqueando a visão do espelho. — Hoje, você vai ser a
mulher mais simpática do mundo e encantar aquela família. Essa é a
sua chance, gata. Não é todo dia que pessoas como nós têm a
chance de socializar com os King. Pense no seu sonho de abrir um
restaurante e que uma palavra deles pode atrair toda a clientela que
você precisa.
O papo motivacional atinge um ponto certeiro dentro de mim.
Estou aqui por um motivo: meu futuro. Posso não ser a pessoa mais
ambiciosa do mundo, mas não estou acima de aproveitar as poucas
chances que a vida me dá e fazer delas um degrau para a minha
subida.
Não quero o dinheiro dos King, quero o que vou receber com o
meu trabalho suado. Preciso terminar meu curso de gastronomia e,
um dia, terei o meu próprio restaurante. É só isso o que desejo.
Isso e mais um pouco de Zachary, mas por motivos bem
diferentes.
— Você tem razão. Vamos lá, fada madrinha — devolvo a
brincadeira e Valerie abre um sorriso.
Saio primeiro do quarto, com Val avisando que vai arrumar tudo
para que ninguém desconfie que estivemos aqui, bem como vai
guardar a roupa que eu estava usando. Porém, assim que cruzo a
porta, estou tão distraída que quase esbarro em Trenton King.
— Gaia, o que…? — Só que nenhuma outra palavra sai de sua
boca enquanto me varre de cima a baixo com o olhar. Ele me analisa
com cuidado, reparando em cada detalhe quando me afasto um
pouco, tentando me manter de pé. — Meu primo é um homem de
sorte.
Sou pega de surpresa com a confissão, porém ela me faz ter
certeza de que o olhar lançado por Trenton no café da manhã era
justamente o que eu imaginava ser.
Ele sabe.
— O quê? Não é isso, é… — Acabo me engasgando com as
palavras, e Trenton retribui minha confusão com um sorriso
debochado.
— Ei, calma, garota. Respire devagar. Isso… fique tranquila, não
vou contar a ninguém. Eu sei de tudo o que meu primo faz —
Trenton explica. — Eu e Zach somos próximos demais. Elijah pode
até ser o meu irmão de sangue, mas meu primo é meu irmão de
alma.
Não consigo conter um “own”, para o qual ele revira os olhos.
— Que tal não falarmos sobre ele esta noite? — sugiro, fazendo
com que Trenton franze a testa.
— Está dando em cima de mim, ruivinha? — pergunta em um
tom bem safado, que me deixa vermelha de vergonha. O duplo
sentido me passou despercebido e agora é tarde demais.
— Não foi isso o que quis dizer, só… — tento me justificar e,
mais uma vez, a risada de Trenton me interrompe.
— Estou brincando com você. Posso ser muitas coisas, fura-
olho não é uma delas. — Ele me oferece o braço. — Venha.
Mesmo relutante, acabo aceitando o convite e enlaço meu braço
no dele, que começa a caminhar de queixo erguido. É claro que solto
uma risada com a pompa que finge manter. Cada vez mais, entendo
que esta família está longe de se encaixar no estereótipo dos ricos e
metidos.
— Tem certeza de que não quer falar sobre o Zach? — Trenton
insiste no assunto quando estamos descendo as escadas.
— Tem certeza de que você não quer falar sobre ele? — repito a
pergunta, invertendo os papéis. — Talvez exista alguma coisa que
precise desabafar. Essa coisa toda de irmão de alma pode ser algo
como almas gêmeas…
— Olha como ela é engraçadinha. — Trenton esbarra em mim
com o ombro, me fazendo rir do comportamento juvenil.
— Pare com isso ou então vou acabar rolando escada abaixo —
brigo com ele, mas meu tom deixa claro que não estou chateada.
— Meu primo me mata se eu deixar isso acontecer. Antes de ir
embora, ele invadiu meu quarto e mandou, com a voz de lobo mau:
“cuide da Gaia” — Trenton conta, engrossando o tom das palavras.
— Por que ele faria isso? — A curiosidade fala mais alto.
— Me diga você. — Trenton abre a porta da frente e deixa que
eu saia primeiro. Ao que parece, o cavalheirismo ainda não morreu.
— Não faço a menor ideia…
— Pare com isso, ruivinha. O Zach me contou que vocês se
pegaram ontem. — Paro de andar e o encaro com espanto. É claro
que Trenton ri da minha expressão. — Ele não usou essas palavras,
fique tranquila. Só estou parafraseando. Ou sendo direto com o que
entendi de tudo.
Mesmo com a explicação, não me sinto calma. Pelo contrário:
estou confusa, decepcionada e cheia de expectativas descabidas.
Acho que meu semblante deixa isso bem evidente, porque logo
Trenton me envolve em um abraço — que não entendo o motivo — e
deixa um beijo na minha cabeça. Talvez eu esteja carente ou
precisando de alguém que me ajude a entender essa miscelânea de
sentimentos. É por isso que deixo meus braços circularem o corpo
musculoso que me oferece apoio.
Não é a mesma coisa. Trenton também é lindo e, assim como
todos os homens dessa família, bem parecido com Zachary. Só que
ele não tem o mesmo cheiro, nem faz com que meu coração bata de
forma descontrolada. Ele não desperta em mim aquilo que estava
adormecido, muito menos me deixa com vontade de… mais. De
tudo.
— Vem, temos uma festa para curtir hoje. — Trenton se afasta e,
em um gesto bem parecido com o de Valerie, me puxa pela mão e
me guia na direção da praia.
Ainda bem que tenho em quem me apoiar, porque se eu achava
que a tenda do piquenique era um exagero, então não estava
preparada para ver o luau que foi montado.
Luzes de Natal presas a mastros de ferro criam um teto vazado,
que não nos impede de enxergar o céu estrelado da noite de verão.
A brisa suave que corre do mar é muito bem-vinda, já que a enorme
fogueira ao centro emana um calor incômodo.
Pensei que apenas a família estaria aqui, mas, de novo, me
enganei. Pelo menos quarenta pessoas estão na praia, a maioria
usando roupas claras enquanto conversam em grupos menores.
— Quem é essa gente toda? — questiono, talvez para mim
mesma.
— Amigos da família que têm casa por aqui — Trenton explica e
não solta minha mão por um segundo. Fico bem agradecida pelo
gesto.
Enquanto caminhamos para o centro da festa, ele vai me
explicando quem é quem. Vejo uma atriz conhecida, um cantor pop,
um apresentador de talk show, vários empresários e até mesmo
algumas modelos. Todos lindos, ricos, bem-vestidos e animados.
Acho que nunca me senti tanto como um peixe fora d’água.
— Gaia! — alguém grita o meu nome e, antes que eu perceba,
sou erguida do chão por braços musculosos. — Ainda bem que você
chegou. A festa estava muito feia sem você. — Jackson me recoloca
no chão e dá uma piscadinha. Na mesma hora, lembranças de
Zachary vêm com força, mas me controlo para não deixar que isso
transpareça em meu rosto. — Eita, que ela tá gata demais hoje —
ele diz para o primo, que apenas faz que sim com a cabeça, um
sorriso conspiratório nos lábios.
— Oi, Jackson — falo enquanto tento ajustar o vestido, que ficou
torcido com a demonstração pública de carinho.
— Vou roubar a Gaia — ele avisa para Trenton. — Não sei
quando devolvo.
Sem me dar chance de concordar, ou de Trenton reclamar,
Jackson sai me puxando até o outro lado do espaço reservado ao
evento. Acho que meu tamanho pequeno é um convite para que me
tratem como uma boneca de pano. Só pode!
— Para onde você está me levando? — quero saber.
Passamos por várias mesas improvisadas no chão, de cangas
coloridas e almofadas brancas, e seguimos até uma mesa comprida,
no estilo daquelas de piquenique que vemos em parques.
— Quero descobrir se hoje você aceita uma bebida. — Jackson
solta uma risada e me pergunto quantas ele já tomou. — Qual é o
seu veneno? — Aponta para a seleção multicolorida de garrafas.
Sem saber o que responder, viro o rosto para ele.
— Aceito sugestões — digo com um pouco de timidez na voz. —
Não estou acostumada a beber muito.
Quando era adolescente, até experimentava uma coisa ou outra
nas festas em que conseguia aparecer, mas nem sempre. E quando
me mudei para Nova York, não podia me dar ao luxo de gastar
dinheiro com isso. Uma cerveja era o limite sempre que saía com
Pamela para uma noitada.
— Sugestões… — Jackson repete o que eu disse e coloca um
dedo no queixo, como se estivesse pensando. — Não sou barman,
mas posso fazer uma misturinha bem boa para você.
Ele me olha de cima a baixo, mas não tem um pingo de desejo
em seu olhar — pelo que me sinto aliviada. Acho que está apenas
tentando me entender melhor para descobrir qual bebida me
oferecer.
Coloco as mãos na cintura e faço uma cara de indiferença,
fingindo ser uma das mulheres chiquérrimas ao meu redor. Com isso,
Jackson solta uma gargalhada estridente.
— Já sei! — Em seguida, começa a misturar o conteúdo de três
garrafas em uma taça de espumante.
— O que é isso? — pergunto quando ele me entrega o líquido
rosado.
— Prove e me diga se gosta.
Fico um pouco hesitante, mas então me lembro de onde estou e
do que aconteceu ontem.
“Quer saber? Dane-se”, falo mentalmente e dou um gole.
É forte, mas com um docinho delicioso que me dá vontade de
beber ainda mais.
— Que gostoso! — elogio.
— Eu sei que sou. Mas obrigado mesmo assim. Estava
precisando de uma acariciada no ego hoje — Jackson brinca, e
percebo que duplo sentido é a escolha preferida dos King.
Se Trenton era um anfitrião discreto, Jackson é o oposto. Parece
eufórico, falando sem parar, bebendo o tempo todo, rindo alto e
fazendo comentários sobre tudo. Ele me apresenta a todo mundo,
dizendo que sou uma amiga da família. Em momento nenhum
explica que, na verdade, trabalho na cozinha da mansão.
Conversamos com várias pessoas sem que ele saia do meu lado.
Não sei como me sinto em relação a essa proteção exagerada
dos primos King. Estou conseguindo me divertir um pouco, apesar de
que, volta e meia, meus pensamentos retornam ao único homem que
gostaria que estivesse comigo agora.
“Foi só um beijo”, tento me lembrar. “Isso não quer dizer que, se
ele estivesse aqui, ficaria contigo.”
Quando Jackson e eu chegamos ao outro lado da tenda de
luzes, vejo Chloe Lowell acompanhada da mesma amiga que veio no
outro fim de semana. Mas o que me chama a atenção é o fato de
que ela tem os braços cruzados e uma expressão de desgosto no
rosto. As duas não estão interagindo com os demais convidados e
fico me perguntando o porquê desse comportamento estranho.
Antes que eu consiga entender um pouco mais, Jackson já está
me apresentando a outras pessoas. Mantenho o tom simpático, me
esforçando ao máximo para ficar entrosada. O que é bastante difícil,
já que não é todo dia que tenho a oportunidade de me misturar com
os ricos e bonitos.
— Gaia! — Harvey King para ao meu lado quando estou
conversando com Katrina Dawson, uma atriz de Hollywood.
Nunca pensei que diria essa frase.
— Senhor King! — Sorrio para ele, afetada pelas três taças que
Jackson me empurrou na última meia hora. — Que festa linda.
Presa a seu braço, Monica está deslumbrante em um vestido
branco, que para na altura de sua canela. A saia esvoaçante a deixa
ainda mais jovem, e a maquiagem suave não esconde sua beleza.
Eles cumprimentam Katrina, que é bem mais humilde do que
imaginei.
— Está tudo perfeito — Monica diz com um enorme sorriso em
seu rosto, o que me faz perguntar se, assim como eu, ela já bebeu
mais do que deveria. — As comidas ficaram divinas.
— Isso me lembra — Harvey interrompe a esposa —, você fez a
sobremesa prometida?
— Os brownies, como falei que faria. — Sorrio para ele.
— Eu ouvi “brownies”? — Jackson se intromete e apenas faço
que sim com a cabeça.
É então que o pandemônio se instala, porque é claro que
Jackson King está longe de ser um homem comedido. Ele sobe em
cima de uma mesa, que estava sendo usada para apoiar algumas
bandejas de croissants que fizemos, mas que agora estão vazias.
— Atenção, por favor! — grita, abanando os braços para que
todos se virem para ele. Seu estado alcoolizado o faz tropeçar e
quase cair, mas Jackson consegue se manter de pé com algum
esforço. — Está na hora de provarmos os brownies da Gaia! Brow-
nies! Brow-nies! Brow-nies! — incentiva as pessoas, que começam a
vibrar junto com ele.
Fico vermelha ao me tornar o centro das atenções, já que o
dedo de Jackson está apontado para mim. Até Harvey King cantarola
junto com o restante dos convidados. A única que demonstra um
pouco de bom-senso é Monica, que me olha com piedade.
Enfio o rosto na mão e respiro fundo. Em seguida, vou para a
mesa das sobremesas, um pouco à direita, só para pegar a bandeja
lotada das delícias de chocolate que preparei à tarde. Começo a
servir o doce e vejo que uma fila de pessoas bêbadas e eufóricas se
formou, todos esperando a vez para provar a minha comida.
Um frio na barriga, tão forte que parece que engoli um iceberg,
começa a me dominar. Vozes altas, risos despreocupados e a noite
agradável… enquanto isso, ninguém percebe que estou morrendo
com a ansiedade que corrói meu estômago. Katrina Dawson vai
provar meu brownie, pelo amor de Deus! Nunca, em toda a minha
vida, pensei que isso aconteceria.
A receita é ótima, com algumas gotas de chocolate ao leite,
trazendo um pouco de doçura à massa de chocolate amargo, e com
pedacinhos de nozes, só para dar um toque crocante.
— Isso é bom demais! — Tom Jenkins, outra personalidade da
televisão, elogia e vem pegar mais um pedaço.
— É muito bom mesmo. — Katrina para ao meu lado e repete a
dose, retirando da bandeja o último brownie. — Não sabia que você
cozinhava — ela comenta. Claro que não é como se a atriz soubesse
qualquer outra coisa a meu respeito, sem contar meu nome.
— Fico muito feliz que tenha gostado — digo com sinceridade,
minhas bochechas queimando de vergonha.
Atrás dela, posso ver Jackson mastigando. Ele me dá mais uma
piscadinha, com o dedão num gesto de aprovação. Percebo então
que o espetáculo foi de propósito. Do seu jeito espalhafatoso, ele
estava tentando me ajudar — me sinto ainda mais grata por isso.
— O que você faz da vida, Gaia? — Katrina insiste em saber,
um tom de pura curiosidade na voz.
— Sou cozinheira — confesso, com certo orgulho. — Ou melhor,
quero ser uma. Por enquanto, ajudo na cozinha. — As palavras
saem baixinho. Não tenho vergonha de ser uma mera ajudante, mas
também não é algo que queremos gritar quando estamos de frente
para uma das mulheres mais famosas do país.
— Você tem muito talento — ela diz e coloca a mão no meu
braço, em um gesto de apoio. — Tenho certeza de que vai fazer
sucesso. Caso abra um restaurante ou doceria, me avise. Adoraria
repetir a dose desse brownie maravilhoso.
Várias outras pessoas vêm me elogiar, enaltecendo a destreza
com que criei aquela obra de arte gustativa. Palavras dos
convidados, não minhas. Só consigo pensar em uma frase: “Foi só
um brownie”. Não é como se fosse uma criação própria, com sabores
nunca provados antes. Dando de ombros, resolvo ignorar minha
incredulidade, imaginando que deva ter mais do que um dedo da
família King nessa exaltação toda.
O resto da noite corre de forma mais tranquila — ainda bem —,
e consigo conversar com algumas pessoas. Ao meu lado, Jackson
se mantém presente o tempo todo. Trenton, que esqueceu o que
havia prometido ao primo mais velho, está sentado em uma das
almofadas brancas, com duas mulheres lindas ao lado.
Sebastian e Elijah embarcaram em uma conversa acalorada
com um cara que descobri ser piloto de Fórmula 1, enquanto os pais
King parecem bastante entretidos com outros homens de negócios.
Só Zachary que continua em Manhattan, com Samantha, e
duvido que esteja pensando em mim.
Vida em Nova York
A sua fonte de informações sobre a cidade que
nunca dorme

Será que Zachary King está namorando?


Durante a semana, algumas fotos dele com Samantha Strauss
— filha de um executivo da filial britânica da IK — vazaram nas
redes. Os dois foram vistos em momentos intimistas, conversando
em restaurantes e parecendo bem próximos.
Sabemos que Zach e Sam já tiveram um affair quando ele
estava em Londres, então, só me resta perguntar: o que ela está
fazendo em NY? Será que reataram o romance?
Capítulo 20

Gaia

— Já chega! — Valerie invade o meu quarto na quinta-feira à


noite, enquanto estou lendo um livro que peguei emprestado na
biblioteca da casa. — Não vou deixar que você continue aqui dentro,
remoendo pensamentos autodestrutivos enquanto aquele babaca
está se divertindo.
Ela arremessa o celular, que cai ao meu lado quicando no
colchão macio, interrompendo a cena do primeiro beijo de Jace e
Clary.
— Do que você está falando? — pergunto, um tanto atordoada
ao fechar o livro.
Quase não acreditei quando vi a saga de fantasia adolescente
em uma das prateleiras da biblioteca dos King. Claro que não podia
perder a oportunidade de reler uma das autoras que mais amo na
vida. Mas minha alegria dura pouco frente ao furacão Val. Sem me
responder, minha amiga apenas aponta para o celular na cama. Pela
cara, sei que coisa boa não é.
Pego o telefone e, ao ver a foto estampada na rede social, meu
estômago parece dar um nó. A bile sobe até a minha boca,
queimando tudo pelo caminho. Eu sei, eu sei, que estou prestes a
vomitar.
“Zachary King fora do mercado?” é a chamada do post. Mas sei
que pode ser apenas um click bait. O que me incomoda mesmo é a
foto. Nela, Zachary tem o rosto abaixado e quase colado ao de uma
mulher, que sorri de forma tímida para a câmera.
Não sei por quanto tempo encaro os dois, tentando controlar a
vontade de colocar tudo o que comi no jantar para fora.
É como se meu cérebro tivesse parado de funcionar, como
acontecia durante as provas de matemática na escola. Eu estudava
bastante, fazia vários exercícios, respondia às perguntas em sala de
aula e, quando colocavam a prova na minha frente, nada.
Absolutamente nada. Meses de estudo e nada! É exatamente isso o
que acontece agora.
Nada.
Um maldito nada causado por uma foto. Só uma foto, de um
homem que mal conheço acompanhado de uma mulher que só
posso imaginar ser a tal de Samantha. Os dois parecem… íntimos
demais, e o sorrisinho que ela lança não esconde que Zachary deve
estar sussurrando coisas deliciosas em seu ouvido.
Talvez as mesmas que sussurrou no meu.
Desgraçado!
É demais para mim. Solto o telefone na cama e corro até o
banheiro, me ajoelhando na frente do vaso sanitário e esvaziando o
conteúdo do meu estômago. Ânsia após ânsia, sinto meu corpo
rejeitar a ideia de que ele está com outra mulher. Beijando outra
boca, acariciando outra pele, sussurrando palavras sedutoras. Meu
corpo não entende que Zachary King não é meu.
Nós apenas trocamos um beijo. Tudo bem que foi o melhor beijo
da minha vida, mas ele não sabe disso — nem saberá. Não vou
alimentar um ego já inflado. Só que ele também não tem culpa.
Zachary nunca me prometeu nada, nunca disse que estávamos
juntos nem insinuou que tínhamos algum tipo de exclusividade.
Foi só um maldito beijo!
Mesmo assim, outra ânsia vem, acompanhada de um líquido
amargo.
“De novo não. De novo não.”
— Ei, está tudo bem. — Sinto as mãos de Valerie segurarem o
meu cabelo, impedindo-o de entrar em contato com a nojeira. —
Desculpe ter mostrado a foto, mas é que…
— Não precisa se desculpar — asseguro, não querendo que ela
se sinta culpada por revelar a verdade e abrir meus olhos.
Aperto o botão da descarga e abaixo a tampa do vaso. Sentada
no chão, deixo que minha cabeça penda entre as minhas mãos,
envergonhada demais pelo que Valerie acabou de presenciar.
O que ela não sabe é que esse tipo de comportamento me afeta
de forma mais profunda do que à maioria. Não tenho estômago para
suportar mais traições.
Val senta ao meu lado e apoia uma mão no meu ombro em um
gesto de solidariedade.
— Não queria que você criasse mais esperanças, enfurnada
neste quarto, esperando por um babaca — ela sussurra e posso
sentir o pesar em suas palavras. — Ele pode ser um King, mas todos
sabem que esses homens são problemáticos quando o assunto é
relacionamento.
— Zachary não deveria ter me beijado — confesso e levanto o
olhar para ela.
— Não, não deveria — Val concorda. — Mas agora você já sabe
com que tipo de homem está lidando.
— Um dos piores. Porém, talvez eu não queira acreditar — solto
as palavras em um sussurro, minhas esperanças foram embora junto
com a descarga.
Valerie não responde de imediato e, para a minha surpresa, ela
se levanta do chão do banheiro e vai até o quarto. Segundos depois
está de volta, trazendo o celular nas mãos. Ela se recoloca ao meu
lado e começa a digitar coisas na tela, até que finalmente parece
encontrar o que estava procurando.
— Esse perfil aqui, King Lover, é dedicado à família. — Ela me
entrega o aparelho, mas não olho para ele de imediato.
— Como assim? — quero saber.
— É um Instagram que fala apenas sobre fofocas relacionadas
aos King. Tem fotos de tudo o que eles fazem. Ou melhor, de tudo
que é noticiado sobre eles. Dê uma olhada — Val me incentiva.
Quando faço o que ela pede, sinto que meu coração será o
próximo a parar no vaso sanitário. Fotos e mais fotos de todos os
cinco herdeiros King. Vejo Jackson sorrindo, abraçado a duas
mulheres lindas; Trenton saindo de um carro de luxo; Sebastian em
um cassino, com muitas fichas à sua frente; Elijah correndo no
parque sem camisa; e Zachary… São tantas fotos dele que chego a
perder as contas. Vou rolando a tela para baixo, me deparando com
imagem atrás de imagem, até perder as forças e deixar o celular cair
no meu colo. Porque, em todas elas, ele está acompanhado de uma
mulher diferente.
— Ei, algumas dessas fotos são antigas, de quando ele morava
em Londres — Val explica, mas não é o suficiente para me acalmar.
Pego o aparelho de novo e volto a observar as fotos dele.
Sempre sorrindo, com o braço passado pelos ombros das mulheres,
ou então abaixado enquanto sussurra coisas em seus ouvidos —
como na primeira imagem que vi hoje. Em algumas, estão até se
beijando.
— Val, eu… — Na verdade, não sei o que dizer.
— Ele é um playboy, Gaia.
— Um homem saudável — repito as palavras ridículas que
Monica King usou para defini-lo.
— Muito, muito saudável — Val brinca, mas não há sinal de
humor em sua voz. — Cabe a você escolher o que vai fazer agora,
querida.
— Não vou fazer nada, Valerie. Na verdade, nem tenho o que
fazer. Não posso me sentir traída, porque não tínhamos nada. Só
que também não sei passar por cima do que senti.
— Isso é mentira. Você pode fazer muitas coisas, inclusive
aceitar sair comigo hoje e esquecer Zachary King.
Encaro a mulher ao meu lado e, em seus olhos, vejo um brilho
de travessura.
— O que você está planejando?

∞∞∞
 
Duas horas depois, entramos no Danny’s. Desta vez, pouco me
importei com o que iria usar, escolhendo uma calça jeans, uma
regata preta bem justa, e sapatilha. Val melhorou meu visual com um
cordão dourado e argolas enormes, prendendo meu cabelo em um
rabo de cavalo alto e fazendo uma maquiagem mais pesada.
Diferente dela, que optou por um vestido vermelho bastante curto e
saltos, hoje estou com uma roupa confortável, do jeito que gosto.
Apesar de ser apenas dez da noite, o bar está lotado. O espaço
não é dos maiores, mas todas as mesas estão ocupadas, até mesmo
os bancos altos perto do balcão. O pop rock conhecido que toca ao
fundo faz com que algumas pessoas dancem com seus parceiros,
enquanto outras balançam a cabeça enquanto conversam com os
amigos.
— Vamos procurar o Derek — Valerie diz, apontando na direção
do balcão, e eu respondo com um aceno. — Só espero não
encontrar a Lottie também. — Ela faz cara de nojo, me obrigando a
rir.
— Ela não é tão ruim assim — sugiro numa tentativa de suavizar
a conversa. Val franze o cenho, como se não entendesse o meu
comentário. Também não entendo, mas a verdade é que não gosto
de falar mal das pessoas sem ter motivos para isso.
— Ei, o que você quer beber? — minha amiga pergunta,
segurando o meu braço.
— O mesmo que você. — Dou de ombros.
Hoje, estou disposta a qualquer coisa que me faça esquecer
daquelas milhares de fotos. E se isso significa ficar bêbada, então
que seja. Amanhã é um belo dia para se curar de uma ressaca.
— Oi, meninas! — Derek sorri atrás do balcão, um pano de prato
na mão e um copo de cerveja na outra. — Que bom que vocês
vieram.
— Aproveitamos que Martha estava com dor de cabeça e foi
dormir mais cedo — Val explica.
— Escolheram um bom dia para aparecer. A casa está lotada. —
Ele aponta para o mar de pessoas animadas e eu acabo forçando
um sorriso.
Não temos muita chance de papear com Derek, já que, como ele
mesmo disse, o bar está cheio e os clientes aparecem a cada
segundo pedindo bebidas. Valerie escolhe Sex on the Beach para
nós duas e, assim que temos as taças na mão, fazemos um brinde:
— Ele não sabe o que está perdendo — minha amiga diz e me
oferece uma piscadinha. Agradeço mentalmente por suas palavras
encorajadoras e dou um gole na bebida colorida.
O líquido doce desce por minha garganta de forma suave, tanto
que sorrio e fecho os olhos para aproveitar um pouco mais o sabor
de pêssego. Nunca tinha provado esse drink antes, e me arrependo
profundamente, porque é uma delícia. Logo penso em um prato que
posso criar, usando essa mistura de sabores como inspiração.
Bebemos, dançamos, rimos e, por alguns momentos, consigo
esquecer Zachary King. A quem estou tentando enganar? É claro
que ele não sai da minha cabeça por um minuto sequer, e toda vez
que tento me divertir, penso no que ele deve estar fazendo com
Samantha e sinto vontade de voltar para cama e chorar.
Odeio estar tão enfeitiçada por um homem que está pouco se
lixando para mim. Mesmo assim, finjo felicidade até que ela se torne
verdade. A música está animada e não posso desperdiçar minha
vida pensando em alguém que não me quer, por mais lindo que ele
seja.
Então, bebo mais um pouco, danço mais um pouco e rio mais
um pouco. Um looping forçado para ver se consigo sair desse
sentimento ruim.
— Querem companhia? — Estamos no quarto drink quando uma
voz grossa atrás de mim me faz virar o corpo.
Dou de cara com dois homens bem atraentes, que nos encaram
de forma apreciativa. Só que a última coisa que preciso agora é
flertar com quem quer que seja.
— Adoraríamos! — Valerie diz antes que eu possa recusar a
proposta. — Eu sou a Val e esta é a Gaia — ela nos apresenta e,
com isso, os dois se aproximam ainda mais, parando ao nosso lado.
— Dean — o que está mais próximo de mim fala. Ele é bem
interessante, com seu cabelo curtinho, no estilo militar, e a pele bem
bronzeada contrastando com os olhos cor-de-mel.
— Craig — o outro também se apresenta, e acho que são da
mesma família, porque as feições são parecidas.
Que nem os King.
— Vocês moram por aqui ou só estão passando as férias? — Val
quer saber, mas permaneço calada. Minha expressão murcha de
desespero ao ter que conversar com dois homens bonitos e,
provavelmente, ricos.
Seria engraçado se não fosse triste. Eles falam, mas não escuto
nada. Na minha cabeça, tudo o que queria era poder voltar para a
minha cama, me entupir de chocolate e esquecer que beijei Zachary
King. Por isso, vejo as bocas se mexendo, só que ignoro cada uma
das palavras que saem delas. Nada me interessa agora. Nem
ninguém.
— E você, Gaia? — Dean encosta no meu cotovelo, chamando
a minha atenção de volta à conversa. Quando franzo o cenho, sem
entender muito bem a pergunta, ele explica: — O que você faz da
vida?
Um sorrisinho de lado ganha espaço no rosto bonito.
— Sou cozinheira em uma das mansões — solto a verdade e ele
se espanta.
Dá para ver que o interesse que tinha vai embora quando
descobre que não sou uma mulher rica e importante, como a maioria
das que frequentam a região nesta época do ano.
— Ah, que legal… — Seu tom é tão murcho quanto a minha
expressão.
— É ótimo. Descasco cebola e alho o dia inteiro. É o sonho da
minha vida. — Viro o rosto para Val, que está boquiaberta. — Com
licença.
Eu me afasto do grupo antes de minha amiga tentar me impedir
e sigo na direção do banheiro, desviando das muitas pessoas no
caminho. Todos riem alto e parecem estar felizes de verdade.
Achei que poderia vir até aqui e me divertir um pouco, mas
estava mentindo para mim mesma. O que preciso é começar a
esquecer aquele homem, sem a ajuda de ninguém.
Zachary King foi o primeiro por quem me interessei desde…
Balanço a cabeça, tentando afastar as lembranças que continuam
me assombrando. Se eu consegui esquecer ele, com certeza farei o
mesmo com Zachary. O que tivemos nem se compara ao que tive
com meu ex-namorado. Mas que merda do caralho! Por que não
tenho sorte com relacionamentos? Por que só encontro babacas que
querem me usar? Por que nunca conheço um cara normal?
Chego ao banheiro e, para a minha sorte, não tem ninguém na
fila além de mim. Porém a porta está fechada, indicando que tem
uma pessoa lá dentro. Só que quando escuto um gemido masculino,
seguido de outro feminino, percebo que estava errada quanto ao
número de ocupantes.
Merda, o que faço agora? Tenho duas opções: esperar que o
casalzinho apaixonado “acabe” a diversão, ou voltar para Val e os
dois homens. São todas péssimas opções, quase torturantes para o
momento. Não preciso pensar por muito tempo até entender que
chegou a hora de voltar para a mansão.
Decidida a acertar a conta com Derek amanhã, viro as costas
para o banheiro. No instante que faço isso, a porta se abre,
revelando uma Lottie descabelada, com o rosto vermelho e uma
expressão bastante satisfeita no rosto. Ela para de andar assim que
me vê, os olhos arregalados com a surpresa. Logo Lottie se
recompõe, passa a língua pelos lábios inchados e volta a caminhar,
ignorando completamente a minha presença.
Se fosse só isso, tudo bem, eu teria seguido meu caminho. O
problema é que, atrás dela, está a última pessoa que esperava ver
aqui.
Jackson King.
Ele tem os olhos abaixados enquanto tenta abotoar a calça
social que usa, sem perceber que estou aqui. Quando nota que não
está sozinho, diferente de Lottie, ele abre um enorme sorriso ao me
reconhecer.
— Gaia! — Antes que eu possa dizer qualquer coisa, ele me
puxa para um abraço apertado.
Não sei se me sinto feliz por vê-lo aqui ou preocupada pelo que
estava fazendo. Com certeza estou com nojo, porque ele não lavou
as mãos — e eu posso imaginar onde elas estiveram nos últimos
minutos.
— A Lottie, Jackson? Sério? — acabo perguntando, mas ele não
parece nem um pouco abalado pelo meu tom de descrença.
— O Zachary, Gaia? Sério? — ele refaz a minha pergunta,
atingindo um ponto certeiro dentro de mim.
— Touché. Mas está desatualizado. — Aceno com a cabeça e
ele solta uma gargalhada.
— Humm… sei. Mas o que você está fazendo aqui? — Jackson
quer saber, mas não há um pingo de julgamento em sua voz, apenas
curiosidade.
— O mesmo que você. — Dou de ombros.
— Transando com Lottie no banheiro?! — Seu tom é
escandaloso. — Mas que coincidência!
Acabo rindo da situação ridícula e ele me acompanha. Dando
um passo em falso, Jackson cambaleia um pouco, apoiando-se em
mim para conseguir manter o equilíbrio. Pelas pernas bambas e pelo
cheiro, sei que está bêbado — como sempre.
— Pensei que a família só chegaria amanhã — comento e seus
olhos nublados confirmam a minha suspeita. Mesmo assim, ele
passa um braço em torno dos meus ombros e começa a me guiar de
volta para o salão, ignorando o motivo que tinha me levado ao
banheiro.
— A família vem amanhã. Eu só… precisei fugir um pouco mais
cedo. Essa coisa de trabalhar é muito ruim, Gaia, querida. Não estou
acostumado a uma vida de responsabilidades, nem quero isso para
mim. — As palavras saem um tanto emboladas.
Assim que chegamos de volta ao bar, ele faz um sinal de
número dois para Derek, que não parece surpreso ao ver um de
seus patrões ali.
— Me conte um pouco dessa vida — peço, tentando me manter
ocupada para não ter que voltar para Valerie e os dois homens.
De canto de olhos, vejo que eles estão no mesmo lugar de
antes, rindo e conversando como se não tivessem uma preocupação
na cabeça. Pelo visto, minha amiga vai poder escolher a companhia
para mais tarde.
Porém, antes que Jackson possa me esclarecer sobre a vida
boa, Derek reaparece, trazendo dois copinhos pequenos de um
líquido azul.
— Beba comigo, Gaia — o caçula dos King pede, enfiando um
deles na minha mão.
— O que é isso? — pergunto enquanto cheiro o conteúdo. O
aroma forte de álcool me faz franzir o nariz.
— A solução para os nossos problemas. Confie em mim. Você
vai esquecer seus problemas rapidinho se beber a poção mágica. —
A resposta me faz sorrir.
Já bebi quatro Sex on the Beach. Um shotzinho a mais não vai
fazer diferença. Por isso, encosto meu copo no dele num brinde pela
vida fácil antes de virarmos o líquido de uma vez só. A bebida
queima a minha garganta e sou obrigada a fazer uma careta. É claro
que Jackson ri de mim.
— Mais um! — grita para Derek, que corre para obedecer.
— Eca. Isso é muito ruim — confesso. — Mas se você diz que
funciona para esquecer problemas, acho que devo acreditar.
Repetimos o processo, só que, desta vez, Jackson também
coloca um comprimido pequenininho na boca. Não sei o que é — e
não quero saber —, mas logo o clima fica bem mais animado.
Não sei quantos shots bebemos. Três, talvez mais. Pouco
importa. É só quando estou dançando com Jackson, rebolando no
meio do salão, que percebo meu estado de embriaguez.
Valerie está ao nosso lado. Dean foi esquecido e toda a
concentração da minha amiga está em Craig, que dança junto com
ela.
A bebida mágica fez o efeito que eu precisava, e não há mais
Zachary King na minha mente, apenas a música e um pouco da
tontura. Jackson está comigo, empolgado como nunca vi, por isso
me forço a entrar no mesmo clima. Do outro lado do salão, vejo
Lottie me encarar com nada além de ódio nos olhos, mas também
não estou a fim de pensar nela agora.
Danço até meus pés doerem, com Jackson se mexendo atrás de
mim, o corpo colado ao meu. Jogo meus braços para cima e ignoro o
resto do mundo, sentindo as mãos dele envolverem minha cintura.
É… Foda-se Zachary King.
Capítulo 21

Gaia

— We are the champions! We are the champions! No time for


losers, ‘cause we are the champions… of the world! — Jackson e eu
cantamos a música a todo pulmão enquanto andamos de volta para
a enorme casa da família King. Valerie resolveu aproveitar o restante
da noite com Craig, mas prometeu que estaria no trabalho pela
manhã.
Ao longo do caminho, ouvimos gritos de reprovação, mas nem
nos importamos. Estamos tão livres, leves e soltos que ignoramos as
regras básicas da sociedade. De braços dados e cambaleando pela
praia, cantamos mais algumas músicas e rimos com algumas
pessoas tão animadas quanto a gente, que passam em direções
opostas.
— Acho que você é minha nova melhor amiga, Gaia — Jackson
diz quando a mansão aparece ao lado. Só que a frase é
acompanhada de uma gargalhada alta, tão escandalosa que o faz
ele tropeçar nos próprios pés e cair de joelho na areia.
— E eu acho que você está bêbado — comento, rindo dele e
talvez de mim mesma também.
Em vez de se levantar, Jackson aproveita a chance e se deita no
chão, abrindo os braços e as pernas enquanto encara o céu
estrelado.
— Vem ficar aqui comigo. — Ele estica uma das mãos até
alcançar a minha e me puxa para baixo.
Não tenho tanta firmeza quanto normalmente, por isso caio com
o puxão e acabo me acomodando em seu braço.
— Eu podia morar aqui, sabia? — faço a pergunta retórica, sem
esperar uma resposta de volta. — Amo a praia, amo o barulho das
ondas e odeio Nova York.
A confissão me faz sentir uma leveza tranquilizadora. Respiro
fundo a maresia e deixo o silêncio me embalar.
— Também odeio Nova York — Jackson fala. — Odeio Nova
York, Londres, Madri, Roma, Paris… Odeio todas essas grandes
cidades. Para ser sincero, odeio a minha vida. — A revelação me
pega de surpresa e acabo erguendo o torso enquanto me apoio nos
antebraços para poder encarar o homem deitado na areia.
A expressão de Jackson, porém, é neutra. Tão neutra quanto o
nada que senti ao ver a foto de Zachary e Samantha estampada nas
redes sociais. É então que percebo o que quer dizer com isso. Ele
não sabe o que fazer, não tem como reagir, e então fica nesse limbo.
Mesmo com essa consciência, acabo perguntando:
— Por quê?
— Não sei. — A resposta não me espanta. — Eu tenho tudo
para ser feliz, mas não sou. Poderia dizer que é por conta das
responsabilidades, das exigências no trabalho… só que a verdade é
que não sei. Nunca fui feliz de verdade, Gaia. Nunca chorei de tanto
rir. Nunca chorei de emoção. Ser um King é… complicado.
— Como assim? — incentivo-o a continuar.
— A gente tem que estar no controle o tempo todo. — Jackson
se senta também, seu olhar encontrando o meu. — Não podemos
fazer nada sem que uma foto nossa apareça na mídia. As decisões
são friamente calculadas.
— É por isso que você bebe tanto? — A verdade escapa da
minha boca antes que eu consiga usar aquele bendito filtro. Mas
Jackson apenas sorri para mim, sem dar sinais de estar chateado
com a minha intrusão.
— Eu bebo, fumo, me drogo, trepo… Faço tanto qualquer coisa
só para tentar trazer um pouco de ânimo para a minha vida — ele
confessa e apenas assinto com a cabeça. — Às vezes, estou tão
deprimido que nem consigo sair da cama. Outras vezes, estou tão
eufórico que não consigo me controlar e só penso em beber, fumar,
me drogar, trepar…
— Mas não dá certo, né?
— Não, não dá — ele diz em um tom seco. — Mas não sei o que
fazer. Juro por Deus que já tentei de tudo. Até a porra da religião, só
que nada me faz feliz. Todos os meus sorrisos são falsos, Gaia.
— Nem todos — falo antes de me lançar sobre ele e começar a
fazer cócegas na lateral de seu corpo.
Jackson corresponde ao ataque, gargalhando alto enquanto
implora para que eu pare. Estou bêbada demais para perceber o que
faço, porque, de repente, tenho ambas as pernas passadas em volta
da cintura de Jackson e nossos rostos estão a centímetros de
distância.
— Viu? — Corro um dedo na lágrima que desce por sua
bochecha. — Você consegue chorar de tanto rir.
Ofereço um sorriso.
— Quer ser minha, Gaia? — ele diz, me fazendo arregalar os
olhos com a surpresa, e o sorriso em meu rosto morre. — Eu te
ajudo a esquecer o meu primo. Prometo que vou tentar te fazer feliz
e…
— Jackson — interrompo-o antes que seu discurso saia de
controle. — Não posso fazer isso com você. Não é justo com
nenhum de nós dois. Você merece uma mulher incrível e que te ame
incondicionalmente. Mas eu não sou ela.
Não há um pingo de ressentimento em seu olhar quando me
encara. Acho, inclusive, que está cheio de humor.
— Uma pena, né? A gente se daria muito bem.
— Disso, eu não duvido. — Puxo-o para um abraço.
Apesar da posição em que me encontro, não há desejo entre
nós. Não há aquele clima pesado de expectativa e excitação. Não há
nada além do sentimento fraternal que começa a brotar.
Eu entendo, talvez melhor do que ninguém, o que Jackson
sente. Esse oco no peito, como se nada fosse capaz de preenchê-lo,
já senti também. Só que, diferente dele, eu encontrei meu ponto de
alegria — e é na cozinha que me sinto viva, capaz de qualquer coisa.
— Vamos entrar. — Afasto-me dele e começo a me erguer. Em
seguida, ofereço uma mão para ajudá-lo a ficar de pé novamente.
Assim que ele toma a posição, parando bem na minha frente,
um sorriso triste decora seu rosto.
— Tenho que me casar. — As palavras me pegam de surpresa.
— Como assim?
— Tenho que me casar, ser um cara responsável, tomar meu
lugar na empresa e blá-blá-blá.
— Do que você está falando?
Ele me encara por alguns segundos e, depois, se vira para o
mar. Imito seus movimentos, parando ao seu lado e fitando a
imensidão escura. Antes que diga qualquer outra coisa, Jackson
envolve os dedos nos meus.
— Ouvi uma conversa de meu pai com tio Harvey e tio Eddie.
Eles estavam falando que todos nós precisamos nos tornar homens
de verdade, que está na hora de pararmos de ser moleques. —
Balança a cabeça em negativa, como se não entendesse muito bem
o que os outros disseram.
— Por quê? — pergunto, curiosa.
— Eles querem se aposentar — Jackson explica. — Isso,
inclusive, eles disseram para a gente antes de sermos enviados para
Londres. Foi por isso que nos mudamos para lá. Tipo um
treinamento.
— E você está pronto para assumir a empresa?
— Claro que não. — Ele solta uma risada triste e, por instinto,
aperto um pouco sua mão, tentando oferecer consolo. — Mas
preciso estar pronto. Sei que Zach está. Ele é muito bom em tudo o
que faz, sabe? Trenton também gosta muito da ideia de ser o
segundo em comando na IK. Sebastian é advogado e Elijah… Bom,
Eli é pau pra toda obra. Já eu não sou ninguém, Gaia. Não sei o que
gosto, o que quero ser quando crescer, nem se quero crescer. Não
sei de nada, nem quero me envolver com os negócios da família.
Fico sem reação. Quando Jackson me confessou que não era
feliz, eu entendi. Entendi, porque me senti do mesmo jeito durante
muito tempo. Queria saber o que dizer agora, qualquer coisa útil para
confortar esse cara tão quebrado.
Jackson é um menino perdido, mas não sei de que forma posso
me tornar uma bússola para ele, já que estou perdida também.
— O que você vai fazer? — acabo questionando.
— Não tenho ideia. — Desta vez, ele me encara. Nos olhos
verdes, tão parecidos com aqueles que tiram o meu sono, vejo a
definição de desesperança.
Então, faço a única coisa que consigo: puxo-o para um abraço,
oferecendo meu apoio silencioso.
— Obrigado — é tudo o que ele diz, seus braços ainda envoltos
em meu corpo.
— Obrigada — falo a mesma coisa e o aperto um pouco mais.
Não sei quanto tempo passamos assim, até que nos separamos
e seguimos juntos na direção da casa. Quando cruzamos a porta de
entrada, Jackson vai direto para o aparador, que guarda alguns
copos e garrafas de bebidas.
— Quer uma saideira? — oferece, mas eu recuso. — Mais pra
mim.
Em vez de servir o líquido no copo, ele abre a tampa e envolve o
gargalo com a boca, virando grande parte do conteúdo de uma vez
só. Faço uma careta, com medo do que vai acontecer quando
Jackson ficar ainda mais bêbado.
— Chega. — Tiro a garrafa de sua mão e a recoloco no
aparador. — Está na hora de dormir.
Antes que ele proteste, começo a arrastá-lo pela escada.
— We are the champions! — Jackson volta a cantar enquanto
passa o braço em torno dos meus ombros.
A impressão que tenho é de que estou subindo uma catedral, e
não apenas alguns degraus. O peso que deposita sobre mim me faz
cambalear, mas continuo firme na missão de colocá-lo na cama.
Finalmente chegamos ao quarto e abro a porta. Jackson se
desvencilha de mim e, logo em seguida, se joga no colchão.
— Estou cansado — diz com um sorriso.
Se é falso ou verdadeiro, ainda não sei.
— Então vai dormir — brinco e ele estica a mão para mim.
— Fique aqui comigo.
— Pensei que a gente tinha combinado de…
— Não estou falando nesse sentido, Gaia. — Os olhos
permanecem fechados, mas a mão não desiste e permanece
estendida no mesmo lugar. — Só não quero ficar sozinho. Estou
sempre sozinho.
A declaração faz meu coração se apertar com a pena que sinto
dele neste momento. Eu sei que pena é um sentimento bem errado,
até porque não sou melhor do que Jackson em sentido nenhum. Só
que é impossível olhar para um homem como ele — tão lindo, rico e
divertido — e não ser tomada por uma tristeza profunda.
Então, sem contestar, vou até a cama, mas paro na beirada.
— Ei — cutuco sua perna com o joelho e Jackson abre os olhos
—, você não está mais sozinho, ouviu?
Ele me encara de volta e noto uma certa travessura no modo
como sorri. Só então me dou conta de que estou sendo puxada para
a cama.
— Hmpf — solto um gemido de dor ao cair sobre ele.
— Você também não está sozinha. Prometo que sempre terá a
mim — declara.
Não sei se é por conta do nosso estado ou então para aliviar o
peso do momento, mas nós dois começamos a rir. Alto.
Mas antes que eu perceba o que está acontecendo, Jackson
cola os lábios aos meus. É só um selinho, acredito que sem
segundas intenções, mas o problema é que ele faz isso no instante
que a luz do quarto é acesa.
Viro o rosto para o lado, uma desculpa já preparada para quem
quer que esteja ali.
Merda, merda, merda, merda!
Parado à porta, está Zachary King.
Capítulo 22

Zachary

Ver Gaia nos braços do meu primo, um homem que eu amo


e por quem daria a vida, faz com que eu entenda a profundidade dos
meus sentimentos por ela. Porque, neste momento, tudo que tenho é
uma vontade meramente controlável de arrancar a cabeça de
Jackson fora.
O sangue ferve dentro de mim, um vulcão de ódio e desgosto.
De ciúme e mágoa.
— E aí, mano. Quer vir brincar com a gente? — Jackson
pergunta naquele costumeiro tom bem-humorado, o que piora ainda
mais a minha situação.
Meus olhos não saem de cima dela, que me encara de volta
com um misto de medo e surpresa. E eu não sei qual dessas
emoções é a pior. Mas o que sei é que daria toda a minha fortuna
para não ver Gaia deitada sobre outro homem de novo.
Nunca. Mais. Nesta. Vida.
Eles estavam se beijando. Consegui ouvir as vozes abafadas
enquanto subia as escadas, correndo para ver se meu primo estava
bem. Vozes de dois amantes. E risadas. Muitas risadas.
A mensagem que ele me mandou antes de sair de Manhattan
me deixou bastante preocupado. E eu, como bom idiota que sou, vim
correndo até aqui, ignorando todas as minhas responsabilidades
para cuidar do meu primo. Pelo visto, Jackson não precisava de mim
para isso, já que tem Gaia para fazer o serviço.
Permaneço calado, observando os dois na cama e me
permitindo ser torturado, os punhos cerrados ao lado do corpo e um
nó na garganta. Nunca mais vou esquecer esta imagem. Gravo-a na
memória com cuidado. Meu primo deitado, Gaia sobre ele, usando
uma calça jeans que evidencia as curvas de sua bunda empinada,
uma camiseta preta, os sapatos ainda nos pés… como se tivessem
acabado de chegar e não aguentassem mais estar longe um do
outro. Mas é a expressão em seu rosto que me mata por dentro. Não
há dúvidas de que a minha chegada foi um susto para ela, já que
nem consegue se mexer e continua com a boca aberta e os olhos
fixos em mim.
— Há quanto tempo isso vem acontecendo? — Finalmente
consigo fazer algumas palavras saírem da minha boca.
Acho que isso tira Gaia do choque, porque ela logo se levanta.
— Não tem nada acontecendo, cara. Ela é a minha nova melhor
amiga — Jackson explica com a voz embriagada, mas não consigo
olhar para meu primo.
Foda-se ele. Todo o meu foco está nela, que parece bastante
envergonhada de ter sido pega no flagra.
— Cala a boca, Jackson — digo, já sem paciência. — Há quanto
tempo isso está acontecendo? — Meu tom é mais baixo quando
repito, porém a pergunta é direcionada a Gaia.
Ela puxa o ar com força e cruza os braços na frente do corpo. O
movimento faz com que seus peitos ganhem destaque e preciso me
controlar para não descer os olhos até eles. Mesmo irritado, eu
continuo atraído por essa mulher. É uma boa merda.
— Há quanto tempo você está com a Samantha? — A pergunta
que joga de volta me faz dar um passo para trás.
— Não estou com a Samantha — respondo com rispidez,
franzindo as sobrancelhas em confusão.
— Não estou com Jackson. — Ela usa o mesmo tom.
— Se você não está com ele — aponto para o meu primo —, por
que estavam juntos na cama?
— Se você não está com ela, por que estavam juntos naquela
foto?
Desta vez, a vontade que sinto é de rir. Ou de gritar. Talvez de
socar a porra de uma parede, porque se tem uma pessoa neste
mundo maldito que não entendo, essa pessoa é Gaia. Não entendo
ela, muito menos os sentimentos que tenho pela mulher mais
deliciosamente confusa que já conheci.
Entramos em uma batalha de comentários mordazes e olhares
desafiadores. Mas pouco importa, porque uma ideia começa a se
formar em minha mente: Gaia está com ciúme.
— Samantha e eu… — puxo o ar com força — …é complicado.
— Jackson e eu é muito simples: somos amigos — declara. —
Mas é muito bom saber que você pensa tão pouco a meu respeito.
— Hãn? Do que você está falando?
— Estou falando de você entrar aqui e me acusar de estar
dormindo com seu primo, sendo que, na semana passada, estava te
beijando no meu quarto. Quem você pensa que eu sou, Zachary?
— Se coloca no meu lugar, Gaia! — solto em um grito. —
Semana passada eu estava te beijando e hoje, quando chego aqui,
vejo você deitada na cama com ele! O que você pensaria? — cuspo
as palavras, cada vez mais consumido pela raiva. Talvez pela
frustração de não poder tocá-la. — Ah, mas você pensou, não foi?
Viu uma foto minha com a Sam e começou a imaginar que nós dois
estávamos juntos.
— Claro que pensei! — ela berra. — Ainda penso, tá? Talvez se
você não tivesse desaparecido, ou tirado dois minutos para explicar
o porquê de estar indo embora, eu não me sentiria tão…
Só que ela não continua. Seu olhar perde um pouco do fogo
quando encara as próprias mãos, as palavras engasgadas dando
lugar a um silêncio perturbador.
— Tão o quê? — Não resisto e dou um passo à frente. Depois,
mais um. Mais um até que estamos a poucos centímetros de
distância.
Toda a raiva que sinto é substituída pelo desejo ao sentir o
cheiro dessa mulher. O perfume adocicado me atiça, como se fosse
a porra de um energético. Sinto meu corpo inteiro entrar em estado
de alerta, desejando que a proximidade entre nós seja ainda maior.
Por um momento, me esqueço de como a encontrei na cama com
Jackson, seus lábios colados aos dele. Esqueço a semana infernal
que tive, cuidando de Samantha após ela dizer que iria se matar
caso eu a ignorasse. Esqueço as minhas responsabilidades, as
Indústrias King e até a porra do meu nome, porque nada importa a
não ser ela.
— Tão o que, Gaia? — repito a pergunta, meu coração batendo
acelerado dentro do peito com medo da resposta.
Encosto um dedo em seu queixo, encorajando-a a olhar para
mim. E quando ela o faz, perco o ar. Uma lágrima solitária para em
sua boca e tudo o que mais quero agora é lamber suas tristezas e
colocar o mundo aos seus pés.
— Tão… insegura. Tão decepcionada e triste e desesperada.
Tudo porque eu entendi que você não era meu — ela sussurra as
palavras, mas o impacto que elas causam é devastador.
Um grito não teria surtido o mesmo efeito. Talvez sejam os olhos
azuis me encarando com tanta vulnerabilidade. Ou talvez seja essa
loucura que sinto sempre que estamos perto um do outro. É
irracional e incontrolável.
É certo demais.
— Eu não estou com Samantha. — Limpo a lágrima de seu
rosto enquanto minha outra mão a toma pela cintura. — Não estou
com ninguém. Nem quero estar com qualquer outra pessoa que não
seja você, Gaia.
Ela inspira com força e eu não sei o que fazer. Não sei, porque
não entendo o que está acontecendo comigo. Eu coloquei a verdade
na mesa e a resposta dela vem em forma de silêncio, me deixando
apreensivo e me fazendo relembrar do inferno que foi ter que ficar
esses dias longe. Não sei o que se passa em sua mente, mas tenho
certeza de que preciso estar com ela.
É mais do que uma vontade. É uma necessidade latente.
Gaia é minha obsessão.
— Eu não estou com Jackson. Não estou com ninguém — ela
confessa baixinho e solto o ar em alívio, porque, desta vez, eu sei
que é verdade.
Antes que consiga me controlar, estou descendo minha boca na
dela, envolvendo nossas línguas e sentindo o gosto único da mulher
que tem minha sanidade nas mãos. E o melhor de tudo é que ela
retribui meu beijo da mesma forma: com carinho e desespero. Com
uma aflição e um medo que nunca senti.
— Vocês são muito lindos e tal, mas não tenho esse fetiche de
voyeurismo. Ou eu participo ou acho melhor vocês irem embora —
Jackson interrompe o momento e Gaia esconde o rosto no meu
peito. — Me deixem dormir, por favor. Estou bêbado demais para
assistir ao casalzinho se acertando.
Envolvo-a em um abraço enquanto olho para ele, que está
esparramado na cama prestando atenção em nós dois. Jackson
pisca para mim, em um sinal que entendo ser aprovação. Mesmo
assim, sei que ainda preciso falar com ele. Descobrir o que diabos os
dois estavam fazendo juntos.
Quando se trata de Gaia, não sou o mesmo Zachary de sempre.
Algo instintivo fala mais alto do que minha racionalidade. Ela
desperta em mim coisas que jamais imaginei sentir, e o problema
disso tudo é que eu nem a conheço tão bem.
— Venha comigo. — Seguro-a pela nuca e faço com que me
encare. — Acho que precisamos ter uma conversa. — Gaia apenas
assente e, de alguma forma, sei que está tão apreensiva quanto eu.
— Você está bem? — Desta vez, a pergunta é direcionada a
Jackson.
— Tô bem, cara. Desculpe ter ligado, é que…
— Não precisa se desculpar. — Apesar de tudo o que aconteceu
desde que cheguei aqui, agora estou mais calmo. Talvez por ter Gaia
em meus braços, em vez de nos braços dele.
Fito Jackson na cama, bêbado e com os olhos perdidos, e sei
que ele está mal. Sei que tem alguma coisa muito errada
acontecendo com meu primo. Mas está na cara que ele não quer
conversar agora.
Nem eu.
O que quero — ou melhor, preciso — é falar com Gaia e resolver
nossa situação de uma vez.
Sem pensar duas vezes, enlaço meus dedos nos dela e a puxo
para fora do quarto, apagando a luz e fechando a porta quando
saímos. O meu fica mais para o fim do corredor, e agradeço aos
céus que Gaia não protesta enquanto é guiada para lá.
Não consigo falar nada agora. Parece que toda a minha
eloquência ficou em stand by e, no lugar, restou apenas a vontade de
estar com ela. De entender um pouco o que está acontecendo e o
que podemos fazer daqui para a frente.
Quem diria que eu estaria tão ansioso para uma DR?
Capítulo 23

Gaia

Eu não sei se ainda estou bêbada ou se isso é uma alucinação.


Parada no centro do quarto de Zachary, tentando colocar meus
pensamentos em ordem, sinto sua mão tocar a base da minha
coluna e milhares de arrepios brotam em minha pele. Eu me viro na
mesma hora, é claro, porque esse homem tem algum tipo de poder
sobre mim — um que me obriga a deixar de lado o meu orgulho, as
minhas dúvidas e talvez até o meu bom-senso.
— O que você estava fazendo com Jackson? — ele pergunta,
mas, desta vez, seu tom é ameno.
— O que você estava fazendo com Samantha? — rebato, sem
desviar o olhar.
Por mais que Zachary me faça sentir coisas estranhas, não
estou disposta a ser apenas mais uma na sua lista de conquistas
baratas de uma noite. Eu não sou assim. Não consigo separar sexo
de sentimento. Deveria tentar, mas não consigo.
Pamela sempre diz que tenho o coração na xoxota, e creio que
ela esteja certa.
— Não vamos começar com isso de novo, Gaia, por favor — ele
pede, os braços cruzados na frente do corpo, evidenciando os
músculos do bíceps.
Por um momento, desvio o olhar para seu corpo, a camisa social
branca marcando o braço forte, mas logo subo os olhos para o rosto
perfeito, o que acaba sendo um grande erro. Porque ali vejo uma
calma que me intriga. E talvez uma dor que me assusta.
— Eu falo primeiro e depois é a sua vez, combinado? — ofereço
e ele assente. Respiro fundo por alguns segundos, criando coragem
para começar a falar. — Valerie me mostrou uma foto sua com a
Samantha.
— Sim, eu estive com ela durante a semana. — A confirmação
faz com que meu coração diminua de tamanho, até parecer uma uva
passa.
É aquela porcaria de insegurança, que cisma em gritar na minha
mente, sempre dizendo que um homem como ele jamais se
interessaria de verdade por uma mulher como eu. Que eu não passo
de um desafio.
Acho que nunca vou superar esse tipo de pensamento.
Respiro fundo de novo, tentando controlar as lágrimas que sinto
queimar atrás dos olhos. Ao mesmo tempo, lembro-me de que ele
acabou de dizer que não estava com ela, que não queria estar com
ela nem com qualquer outra mulher. Só comigo — e isso me deixa
ainda mais confusa.
— Depois de ver sua foto com Samantha — engulo em seco —,
vi muitas outras com dezenas de mulheres diferentes.
— Certo… — Ele coça o cabelo na nuca, parecendo um tanto
incomodado. — Já fiquei com muitas mulheres, Gaia. Não sei o que
mais posso falar. É o meu passado.
— Só o seu passado? — Eu me arrependo das palavras assim
que elas escapam. Estou parecendo uma namorada ciumenta, e nós
dois nem estamos em um relacionamento.
Acho que Zachary percebe o meu choque, porque um sorriso
torto se forma em seus lábios.
— Só o meu passado — afirma, sem afastar os olhos de mim. —
Quer ser meu presente, Gaia?
A pergunta espontânea me faz ruborizar e acabo fitando meus
pés.
Maldito homem perfeito com suas palavras que me tiram do
eixo. Por que ele tem que falar essas coisas? Será que não sabe o
efeito que tem sobre mim?
— Eu… eu… — gaguejo com a minha própria incerteza e ele ri.
— Podemos ir com calma. — A voz grave de Zachary me faz
estremecer. É uma promessa, mas não sei se ele está disposto a
cumpri-la.
Pigarreio, tentando deixar de lado o medo, e volto a encará-lo.
— Por que você fugiu? — jogo a pergunta, tentando entrar em
assuntos mais seguros.
— Eu não fugi — ele fala com toda a calma do mundo. —
Samantha é uma ex… — hesita, como se não soubesse como defini-
la.
— Ex-namorada? — sugiro.
— Já te disse que nunca chegamos a esse ponto. Para ser
sincero, nunca cheguei a esse ponto com ninguém. Esse negócio de
relacionamento bonitinho não é a minha praia.
Faço que sim com a cabeça, sem conseguir conter o
desapontamento.
O que será que ele quer comigo? Porque se acabou de dizer
que não gosta de “relacionamentos bonitinhos”, com certeza não
estará disposto a ter um comigo. E não é isso o que sempre faço?
— Certo. Então, vocês ficavam? — tento voltar à conversa,
ignorando o fato de que meu estômago está prestes a se revirar pela
segunda vez no mesmo dia.
— Do jeito que você fala, parece que eu estava dando falsas
esperanças a ela. Não era assim, Gaia. A gente se pegava de vez
em quando, mas nunca fiz promessas. Muito pelo contrário: deixei
claro que era só diversão, nada mais. Não havia exclusividade, nem
sentimentos envolvidos.
— Que seja! — Jogo os braços para o alto e começo a andar de
um lado para o outro, o assunto me deixando inquieta demais.
— Você fica linda quando está com ciúme, sabia? — As
palavras dele fazem com que eu pare de andar na mesma hora e o
encare.
Só que Zachary está sorrindo, aquele maldito sorriso safado que
me deixa com vontade de tudo, menos de conversar.
— Ah, sou eu a ciumenta? Você me viu abraçada com Jackson
e quase teve um treco — acuso, odiando ser a única vulnerável na
situação.
— Você estava beijando o meu primo, Gaia! Beijando. Nem
tente dizer que não, porque eu vi. — O desgraçado continua parado
no mesmo lugar, em total controle de suas emoções, o que me faz
lembrar do que Jackson disse na praia.
— Foi só um selinho que ele me deu. Nada de mais — tento
explicar. — Nos encontramos no bar da cidade, bebemos bastante,
dançamos e voltamos para casa. Eu estava ajudando Jackson
quando ele me puxou para a cama, de brincadeira — acrescento,
porque não quero que tenha uma ideia distorcida do que realmente
aconteceu.
— Você foi ao bar sozinha? — A voz de Zachary se altera, e isso
me faz erguer uma sobrancelha.
— Com a Valerie. E você, por acaso, estava sozinho todas as
vezes que saiu com Samantha esta semana? — volto ao assunto,
porque ele não pode me fazer sentir culpada por algo tão simples
quanto sair com uma amiga para beber um pouco.
Nunca mais vou me sentir culpada por viver a minha vida, isso
eu prometi a mim mesma quando tudo deu errado, anos atrás.
Mas então encaro Zachary, que me olha de volta com uma
expressão confusa no rosto. Não sei se por frustração, mas logo ele
começa a esfregar o rosto com as mãos, como se não soubesse o
que fazer, o que pensar. Confesso que meus sentimentos estão bem-
alinhados aos dele neste momento.
— Nada aconteceu entre vocês dois? — pergunta mais uma
vez.
— Nada. Seu primo precisa de ajuda, acho que ele está em
depressão — revelo minhas suspeitas e Zachary apenas assente.
— Ele me mandou uma mensagem mais cedo, dizendo que não
aguentava mais ficar no escritório e que viria para cá. Estranhei
quando avisou que iria ao Danny’s, e por isso vim atrás. Demorei um
pouco porque estava em reunião e acabei vendo a mensagem horas
depois.
Debato se devo contar a ele sobre o momento em que encontrei
com Jackson mais cedo, saindo do banheiro depois de ter ficado
com Lottie, mas acho melhor guardar a informação.
— Não tenho nada com Jackson, a não ser uma amizade
esquisita. De certa forma, entendo o que ele sente — é tudo o que
digo, sem vontade de continuar a explicação. A última coisa que
quero agora é que Zachary perceba o quão quebrada realmente sou.
— E eu não tenho nada com Samantha — ele explica. Pode ser
a esperança de uma idiota falando mais alto, porém algo em seu tom
me diz que é verdade. — Ela estava em Londres quando me ligou
aquele dia. — Um nó se forma na minha garganta ao me lembrar da
declaração que ouvi do outro lado do telefone, mesmo assim,
mantenho minha expressão neutra e deixo que Zachary continue. —
Depois que a gente se beijou, fui para o meu quarto e recebi uma
mensagem dela. Era uma foto. Samantha estava em Nova York e
disse que iria se matar se eu não fosse falar com ela.
Minha expressão de choque substitui a de decepção.
— Se… se matar? — gaguejo, incrédula. — Como assim?
— Samantha é um pouco desequilibrada. Na verdade, ela só é
mimada demais. Filha única de um homem muito rico. — Dá de
ombros. — Sempre teve tudo o que quis. Aquela mensagem não era
verdade, mas ela estava, sim, na cidade. Duvido que fosse se matar
mesmo, porque ela nunca apresentou qualquer sintoma de
depressão. Só gosta de ser o centro das atenções. Mesmo assim, fui
até ela. Não podemos ignorar quando alguém diz que vai tirar a
própria vida.
— E agora? — questiono, querendo saber mais sobre o que ele
está disposto a fazer.
— Agora ela voltou para Londres. Conversei com ela, expliquei,
pela milionésima vez, que não ficaremos juntos — Zachary declara,
como se fosse a coisa mais simples do mundo.
— Só isso?
Ainda não consigo acreditar que uma mulher ameaçaria se
matar por causa de um homem, pegaria um voo de Londres para
Nova York, sairia com ele algumas vezes e se contentaria com um
“não”. Tem algo faltando nessa história.
— Só isso — Zachary confirma. — Como eu disse, ela só queria
um pouco de atenção. Talvez aparecer ao meu lado na mídia, não
sei. Saí com ela algumas vezes durante a semana e tenho certeza
de que avisou aos paparazzi. Mas eu te prometo, Gaia, que nada
aconteceu. Apenas conversamos. O pai dela é um dos diretores da
nossa filial em Londres, e expliquei a Sam que não teríamos mais
nada. Que meu lugar é aqui e que não estou disposto a ter um
relacionamento com ela. E é isso o que Samantha quer: um homem
que a tenha como um troféu.
Franzo o cenho, confusa e sem entender muito bem o que está
dizendo.
— E ela simplesmente desistiu de tudo? De você? — Não
consigo acreditar.
— Digamos que… — ele hesita, dando alguns passos na minha
direção — …apresentei um amigo a ela. Isso fez com que o foco de
Sam mudasse. Inclusive, esse meu amigo foi para Londres também.
— Dá uma piscadinha. — Neste momento, os dois estão em um voo
particular, tomando champanhe às minhas custas.
Antes que eu possa comentar, sinto as pontas dos seus dedos
subirem devagar por meu braço. É inevitável: minha pele se arrepia
com o contato sutil, e preciso me controlar para não fechar os olhos.
— Zachary… — sussurro, tão baixinho que seu nome mal sai da
boca.
— Eu prometo, Gaia, não tem nenhuma outra mulher na minha
vida. — Há tanta firmeza em seu tom que, neste momento, algo
dentro de mim resolve acreditar.
Talvez seja essa maldita vontade que tenho de estar perto dele.
Talvez seja a lembrança do seu gosto. Talvez seja a saudade que
senti durante a semana. Não importa. Um tremor em meu estômago
faz com que eu apenas assinta com a cabeça, precisando aplacar
essa urgência dentro de mim. Porque estou cansada de lutar contra
o que sinto. Cansada de dizer a mim mesma que é melhor ficar longe
de Zachary King, quando tudo o que mais quero é ficar bem perto,
com o corpo colado ao dele, sentindo o seu calor, inalando seu
perfume e me deixando ser acariciada.
Ao mesmo tempo, crio coragem para soltar uma última súplica:
— Eu já tive meu coração estraçalhado uma vez, e foi quase
impossível emendar os cacos. Não faça isso comigo de novo… por
favor.
Zachary hesita, os olhos presos aos meus como se quisesse
entender melhor o que acabei de dizer. Mas não estou disposta a
contar mais sobre o que aconteceu. Não quero falar sobre ele, nem
sobre todo o mal que me causou. O passado ficou para trás e, por
mais difícil que tenha sido, já superei. Neste momento, não quero
voltar para uma época em que vivia para outro homem. Tudo o que
preciso agora é aplacar a vontade de estar com este aqui, que
parece confuso e, ao mesmo tempo, resignado.
— Você… — Zachary começa a falar.
— Não — interrompo-o. Não só com palavras, mas com ações
também. Passo os braços em volta de seu pescoço, ficando na ponta
dos pés, e colo meu corpo ao dele. — Não quero mais falar —
sussurro, tão perto que nossas respirações se misturam.
Não quero mais nada, a não ser me entregar a ele. Não sei o
que vai acontecer daqui para a frente, e possivelmente amanhã vou
acordar com medo de tudo e duvidando das minhas ações, mas hoje
eu quero que Zachary King me beije.
— Você ainda está bêbada? — ele pergunta, e só de ver essa
preocupação já me sinto aliviada. Por isso, balanço a cabeça em
negativa. Toda essa conversa fez com que os últimos resquícios de
álcool fossem embora.
— Acho que nunca estive tão sóbria.
Mal termino de falar e sua boca já está na minha.
Zachary me beija até que eu esteja sem ar.
Sua língua em sincronia com a minha até que eu esteja
gemendo.
Ele me puxa para mais perto, os dedos tocando de forma
provocativa a linha de pele exposta na base das minhas costas,
enquanto roça o quadril em mim, me fazendo sentir sua ereção.
Esqueço a sanidade, esqueço a racionalidade. Neste momento,
estou resumida a hormônios e desejo, enquanto sinto seu gosto em
minha boca. Deixo minhas mãos invadirem seu cabelo, puxando-o
para mais perto. Devoro-o na mesma intensidade, precisando de
mais. É então que ele arrasta os lábios pela minha mandíbula,
continuando até sugar o lóbulo da minha orelha. Os dedos cravando
na minha cintura com mais força.
— Você não tem ideia do quanto eu sonhei com este momento
— ele fala no meu ouvido, a voz rouca fazendo com que meus
joelhos enfraqueçam. Ainda bem que Zachary está me segurando,
senão eu teria ido ao chão.
Sua boca continua descendo os beijos, espalhando as
sensações, me deixando tonta e louca por ele. Sinto como se
estivesse derretendo de dentro para fora, meu corpo inteiro entrando
em ebulição.
Até que Zachary se afasta, e respirar é quase impossível.
Ele mantém os olhos presos em mim, o polegar acariciando o
próprio lábio inferior enquanto me analisa de cima a baixo. Posso ver
o efeito que o beijo teve em seu corpo, já que ele respira
pesadamente e há uma protuberância em sua calça. Aquela que
cutucava a minha barriga há alguns segundos.
— Tire a roupa — pede em um tom autoritário, que faz meu
coração bater mais forte.
Fico sem saber como reagir. Deixo a cabeça pender para o lado
e olho para ele, incerta de como me sentir neste momento. Na
verdade, Zachary King faz com que eu me sinta de diversas formas
ao mesmo tempo.
— Você também faz com que eu me sinta assim — ele diz e,
então, percebo que falei isso em voz alta. Só que, diferente de mim,
ele parece não ter perdido todo o senso de eloquência, porque logo
completa: — A impressão que tenho é de que estou brincando com
fogo, Gaia — enrola uma mecha do meu cabelo em seu dedo —, e
não vejo a hora de me queimar. Agora, tire a roupa.
Dá um passo para trás, me deixando sozinha em um misto de
sentimentos conflitantes: medo e desejo, vergonha e desinibição.
Mas então eu encaro aqueles olhos verdes, que não saem de cima
de mim, e todas as minhas dúvidas desaparecem.
Esqueço-me das brigas, do passado, de que ele é o filho do meu
chefe… esqueço-me de tudo, a não ser a vontade que sinto de me
entregar a ele. De sentir suas mãos descobrindo o meu corpo. De
sentir sua boca em mim. Um homem que fez com que um lado meu
voltasse a existir com apenas um olhar. Desde a primeira vez que o
vi, eu sabia que Zachary King seria um problema — ou a solução dos
meus problemas.
Sei que não deveria, mas confio nele.
Neste momento, vejo o desejo que sente por mim refletido em
seus olhos, reverberando por seu corpo. É por isso que alcanço a
barra da camiseta e, apesar da vergonha, começo a erguer a peça.
Uma onda de adrenalina corre por minhas veias, incentivando-me a
continuar. Até que a brisa toca a pele exposta da minha barriga, me
deixando toda arrepiada. Olho para o lado e vejo que a janela está
aberta, mas logo a minha atenção se volta para Zachary.
Seus olhos verdes agora estão escuros, enquanto percorre as
poucas curvas do meu corpo com cuidado. Sua respiração é pesada,
e vejo o peito musculoso, mesmo que escondido pela camisa, subir e
descer ao me analisar.
Balanço de um lado para o outro, tentando aplacar um pouco
dessa energia crepitante, mas nada é capaz de me impedir agora.
Então, continuo. Tiro o colar e as sapatilhas; em seguida, começo a
desabotoar a calça jeans. O barulho do zíper é o único som no
quarto, ao mesmo tempo que posso ouvir meu coração batendo
rápido dentro do peito.
Nunca fiz isso antes. Nunca me despi para um homem, apenas
para que ele pudesse me observar. Mas o modo como Zachary me
olha não me deixa desconfortável. Não me sinto um pedaço de carne
exposta no açougue. É como se ele precisasse disso, dessa minha
entrega total. Porque já me afastei tantas vezes… Agora, ele
necessita da certeza. E vou deixar claro que é isso o que eu quero.
Mexo o quadril de um lado para o outro, descendo a calça pelas
pernas, até que ela fique embolada no chão, me deixando apenas
com um conjunto simples de calcinha e sutiã brancos. Sem renda,
sem qualquer glamour.
Zachary estende a palma para mim e, com sua ajuda, dou um
passo à frente.
— Temos duas opções — ele diz, envolvendo-me pela cintura.
Mal consigo entender o que está falando, porque suas mãos quentes
tocam minha pele, fazendo com que eu me derreta mais um pouco.
— Quais são elas? — forço as palavras.
— A primeira é te beijar a noite inteira… e apenas isso. — Não
sei se Zachary nota a decepção em meu rosto, porque abre um
sorriso torto e completa: — A segunda é me enterrar tão fundo em
você até que as palavras “senhor King” nunca mais saiam dessa sua
boca gostosa. — Arfo com a declaração, sentindo as malditas
borboletas levantarem voo dentro do meu estômago, ao mesmo
tempo que uma dor incômoda se instala entre minhas pernas. — Já
decidiu qual opção você prefere, Gaia?
Da outra vez que ele me perguntou isso, eu o estava recusando.
Mas agora não tem recusa. Não tem chance de eu voltar atrás. Estou
perdida demais nesse homem.
— A segunda — sussurro.
Capítulo 24

Zachary

— Quero ouvir você dizer as palavras, Gaia. — Um sorriso


safado toma conta do meu rosto, enquanto minhas mãos apertam
sua cintura. — O que você quer que eu faça?
Olhos muito azuis me analisam. O ar entre nós é pesado, cheio
de tesão e expectativa. Mesmo com a lingerie menos sexy do
mundo, ela continua sendo a mulher mais linda que já vi. Eu sei o
que ela quer — é exatamente o mesmo que eu —, mas preciso ouvir
as palavras saindo dessa boca gostosa. Porque o que tenho em
mente não é simples. Não é rápido. Não é temporário.
— Zachary, eu… — Ela hesita, como se não conseguisse mais
falar.
Para incentivá-la, tomo sua mão na minha, imprensando-a
contra a minha ereção.
— É isso o que você quer?
Ela arfa com o contato, mas logo solta um gemidinho baixo. E
sentir seu toque, mesmo que sobre a calça, já me faz pulsar com o
desejo de estar dentro dela. Para enfatizar, esfrego sua palma por
toda a minha extensão, friccionando com um pouco mais de força.
— Fala pra mim, Gaia. Diga: “Zachary, eu quero que você me
foda bem gostoso”.
Ela morde o lábio, desviando o olhar para baixo, para onde sua
mão está posicionada. Vejo que respira de forma pesada, como se
não aguentasse mais esperar.
Eu também não aguento mais, Gaia… Estou esperando por este
momento há dias demais.
Então, ela sobe o olhar e me encara. Uma nuvem de desejo
estampando seu rosto angelical. E, de repente, seus dedos me
apertam com mais força, ao mesmo tempo que ela se aproxima,
chegando tão perto que sua boca encosta na minha.
— Quero que você me foda bem gostoso, senhor King —
sussurra, passando a língua nos meus lábios.
É o meu fim.
Agarro-a pela bunda, erguendo-a do chão, e ela arqueja com o
susto. Mas não dou tempo para que reaja e tomo sua boca em um
beijo desesperado. Estou cansado de ser paciente, cansado de
desejar esta mulher sem poder tê-la do jeito que preciso. Mas agora
eu posso, e não há nada neste mundo que irá me impedir.
Com ela em meu colo e sem interromper o beijo, vou até a porta
e passo a chave. Imprenso-a contra a madeira, deixando uma mão
subir por seu corpo, até parar em sua nuca e entrar naqueles fios
macios, que sonhei tocar um milhão de vezes. A outra mão aperta a
bunda, trazendo Gaia para mais perto de mim, enquanto mordisco
seu lábio inferior.
— Você — sussurro em um grunhido — não sai da minha
cabeça. — Devoro sua boca, sem conseguir me afastar. O gosto é
viciante, e nunca precisei tanto de uma mulher nesta vida. Puxo seu
cabelo com mais força, impedindo que se afaste, enquanto mexo o
quadril, mostrando aquilo que estamos prestes a fazer. — Sonho
com este momento desde a primeira vez que te vi, Gaia.
Deslizo os lábios por sua mandíbula e desço para o pescoço.
Ela joga a cabeça para o lado, me dando mais acesso, e aproveito a
chance para deixar uma mordida leve ali. Mesmo que, na verdade,
minha vontade seja de deixar marcas permanentes em Gaia. Meu
lado possessivo dando as caras.
Esses dias ao lado dela foram uma tortura, e agora que sei
como ela se encaixa perfeitamente em meus braços, não há
qualquer chance de deixá-la escapar.
Gaia é minha. Foda-se a maldição dos King.
Ela geme alto quando beijo sua clavícula, as mãos pequenas se
agarrando aos meus braços, as pernas apertando a minha cintura
enquanto deixo a língua traçar o caminho até o outro lado do
pescoço. Depois, assopro e ela estremece.
Sinto seu calor, sua necessidade, e sei que Gaia está tão
desesperada quanto eu. Cada novo contato mandando um raio de
desejo direto para o meu pau, que fica mais duro a cada sonzinho
que ela emite.
— Zach… Eu não sei o que fazer — ela confessa, o gosto doce
de seus lábios contra os meus.
— Também estou em dúvida. — Beijo-a com força. — Não sei
se me enterro de uma vez em você. Aqui, agora. — Puxo seu lábio
com os dentes, sem romper o contato visual. — Ou se aproveito
cada centímetro desse seu corpinho gostoso com calma. — Então,
começo a carregá-la para a cama, deitando sobre ela assim que
suas costas tocam o colchão.
Gaia se abre para mim e me encaixo entre suas pernas. Na
mesma hora, sinto as mãos pequenas começarem a desabotoar
minha camisa com avidez, como se ela não suportasse a ideia de
nossas peles estarem separadas. E pensar que Gaia me quer com
essa mesma intensidade me deixa ainda mais excitado.
Assim que os botões são abertos, ela acaricia meu peito, o
toque cauteloso de início. Puxo o ar com força e fecho os olhos,
sentindo meu corpo reagir. Mas ainda não é o suficiente. Levanto-me
da cama e começo a remover todas as peças de roupa, ficando
apenas de cueca. Não consigo parar de olhar para Gaia, que agora
está apoiada nos cotovelos, apenas me encarando de volta. Uma
perna dobrada enquanto a outra se mantém esticada na cama. A
mancha úmida na calcinha branca deixa claro que, assim como eu,
ela também não aguenta mais esperar.
— Isso não vai ser um… — começa a falar, mas logo hesita.

— Um o quê? — pergunto, alcançando um pacote de camisinha


e jogando-o sobre a cama. Gaia acompanha os movimentos, e vejo
sua garganta se mexer.
— Um “entrou, gozou, nunca mais voltou” — explica, e não sei
se tenho vontade de rir ou de dar uns tapas na bunda dela pela
audácia.
Engatinho sobre a cama, até estar em cima dela, uma perna de
cada lado de seu corpo, nossos rostos quase colados.
— Vou entrar, você vai gozar, eu vou gozar, e depois vou voltar
várias e várias vezes. — Não dou tempo para que ela responda.
Minha sanidade está por um fio. A hora de conversar já acabou.
Deitado em cima dela, encaixo-me entre suas pernas e começo a
simular os movimentos que farei em breve. Gaia geme sob mim,
enquanto suas mãos agarram minhas costas, as unhas curtas
cravando nos meus músculos.
Desço beijos por seu pescoço, abaixando a alça do sutiã até que
o seio esteja exposto. O mamilo rosado está durinho, e não consigo
resistir: coloco-o na boca, chupando com força até que ela esteja se
remexendo sem parar. Suas mãos ganham lugar no meu cabelo,
puxando os fios, sem me deixar afastar a boca de sua pele.
Enquanto isso, aperto sua bunda, esfregando minha ereção em
Gaia. Ela geme cada vez mais alto, e preciso me controlar para não
gozar antes que a brincadeira comece. Essa mulher tem um gosto
doce, delicioso. Ela é a porra da melhor sobremesa que já
experimentei, e mal posso esperar até que seu prazer esteja na
minha língua. Quando já está fora de si, parto para o outro seio e
repito o movimento, brincando com o biquinho rígido e deixando
algumas mordidas leves.
— Zachary…
— Será que você consegue gozar assim? — pergunto, ao
mesmo tempo que deixo minha mão invadir sua calcinha, apenas
para descobrir que ela está encharcada. Seu clitóris inchado e
sensível encontra o meu dedo, e Gaia solta um gemido rouco,
abrindo mais as pernas.
— Não para, não para — ela pede e eu a estimulo, mexendo
rápido de um lado para o outro, enquanto sigo lambendo seu peito e
chupando seu mamilo.
Quando percebo que ela está prestes a gozar, resolvo atrasar
um pouco seu prazer e enfio um dedo dentro dela. Desta vez, Gaia
berra, jogando a cabeça para trás. É então que me sento na cama,
de frente para ela, e puxo sua calcinha.
— Afaste as pernas — peço e, na mesma hora, ela obedece.
Qualquer inibição esquecida e, de repente, tenho o paraíso
diante dos meus olhos. Gaia brilha de excitação, sua carne rosada e
inchada pronta para me receber. E o melhor de tudo é que tem
alguns fios ruivos e curtinhos aqui também. Linda demais.
Com quatro dedos, começo a estimular rápido seu clitóris, tão
molhado que nem preciso de saliva para ajudar no processo. Gaia
está esparramada na cama, as mãos segurando os próprios seios
enquanto geme alto, se contorcendo sob os avanços, enquanto meu
pau lateja na cueca.
— Vem… Goza, gostosa — incentivo, indo cada vez mais
rápido.
Não preciso de muito mais, porque logo ela está berrando meu
nome, as costas arqueando no colchão e a pele clarinha ganhando
uma coloração avermelhada com a força do orgasmo.
Puta que pariu, linda demais.
Antes que eu enlouqueça de vez, arranco a cueca preta e
alcanço a camisinha que deixei separada, desenrolando o látex em
tempo recorde. Mas então escuto-a arfar e a encaro.
— O que foi? — pergunto, preocupado, e vejo que ela está
olhando para mim.
— Não vai caber. — Sua declaração é tão inocente e
espontânea que me deixa com vontade de rir. Ao mesmo tempo, é
uma injeção no ego. Não que eu precise.
— Se Deus fez, então cabe.
Subo em cima de Gaia e posso sentir que a parte interna de
suas coxas estão molhadas e grudentas, o que só comprova que ela
está pronta para mim. Saber disso me faz atacar sua boca com um
beijo ávido, que ela retribui com a mesma pressa.
— Você é linda quando goza, sabia? — Beijo sua orelha, desço
para o pescoço e sinto suas mãos me puxarem para mais perto.
— Não me faça esperar mais, Zach… — ela pede, e não
consigo conter o sorriso. — Só, por favor, vai devagar.
Guio-me para dentro dela, centímetro a centímetro, amando e
odiando a tortura. Gaia é quente, molhada e muito apertada. A cada
centímetro de avanço, só consigo pensar que sexo nunca foi assim.
Tudo o que eu mais queria agora era me enterrar dentro dela de uma
vez e nunca mais sair daqui. Só que não posso fazer isso. Então,
pouco a pouco, vou preenchendo o vazio, ouvindo seus gemidos,
sentindo seus arranhões… Encosto minha testa na dela, nossas
respirações misturadas enquanto o prazer sobe por minha espinha.
Assim que estou todo dentro, tenho a certeza de que morri e fui
para o céu. Porque nada nunca foi tão bom. Nenhuma boceta nunca
foi tão apertada, nem tão quente, nem tão molhada assim.
Deixo minha cabeça tombar, apoiada em seu ombro, e inalo o
cheiro delicioso que ela emana — uma mistura de sexo e maçã-
verde.
Não consigo mais me controlar e impulsiono o quadril para a
frente, ouvindo o gemido de Gaia acompanhar meu movimento.
Repito o gesto, e ela também. Até que entramos em uma sincronia
perfeita. Cada célula do meu corpo parece entrar em ebulição
enquanto balanço para frente e para trás, louco por alívio. Ao mesmo
tempo, não quero que isso acabe.
Minhas mãos passeiam por Gaia, apertando e acariciando por
onde passam, querendo sentir o máximo dela enquanto vou bem
fundo.
— Puta merda — falo com os dentes cerrados e ela fecha os
olhos.
— Zach… — Meu nome em sua boca é uma prece.
Emolduro seus seios e rolo o bico entre o polegar e o indicador,
querendo dar a ela o máximo de prazer que consigo. Porque não sei
se vou durar muito. Para a minha surpresa, ela empina o peito,
pedindo por mais. Devoro sua boca em um beijo, enquanto nos
encontramos em cada estocada. Vou fundo, rápido, descontrolado.
Precisando de alívio, desesperado para que nunca termine.
Sua boceta parece feita de fogo, tão quente e apertada que me
queima. Um prazer intenso me domina e não consigo parar de me
mexer. Mais fundo. Mais rápido. Mais descontrolado. Também estou
gemendo, chamando o nome dela.
Até que sinto-a contrair, exigindo minha libertação.
— Gaia, eu… — Não consigo terminar a frase. Os jatos de
prazer preenchendo a camisinha enquanto ela se agarra a mim, suas
pernas envolvendo minha cintura e me puxando para mais perto.
Caralho. Estou muito fodido. Muito mesmo. Virei um…
Pau fiel.
Capítulo 25

Zachary

Gaia dorme ao meu lado, tão serena que não consigo parar de
olhar para ela. A boca ligeiramente entreaberta, o cabelo ruivo
bagunçado, as sardas decorando o rosto de anjo… Enquanto isso,
fico parado que nem um idiota, com a cabeça apoiada na mão,
apenas observando a mulher mais linda do mundo.
Ainda bem que a porta do quarto está trancada, porque se
alguém entrasse aqui agora, a reputação que criei ao longo da vida
seria destruída. Inclusive, mudariam meu nome na certidão de
nascimento: deixaria de ser Zachary King e passaria a ser golden
retriever.
Que merda.
Ao mesmo tempo, não consigo parar de sorrir. Também não
quero.
Com cuidado para não a acordar, afasto uma mecha de cabelo
do seu rosto e puxo o ar com força, sem saber o que fazer. É
estranho — e muito melhor do que pensei — acordar com alguém ao
meu lado. Mas tenho certeza de que estou me sentindo assim
porque a pessoa que está comigo é Gaia. Se fosse qualquer outra
mulher, eu estaria arrependido e louco para sair correndo. Meu
modus operandi é sair no meio da noite, deixando um bilhete de
agradecimento pela noite “maravilhosa”. Nunca, jamais, em qualquer
circunstância, nem que eu estivesse bêbado, dormiria ao lado de
uma mulher.
Mas, com Gaia, não quero sair daqui. Não quero que ela acorde
e se arrependa da noite anterior, nem que voltemos ao “senhor King”.
Essa mulher desperta algo em mim, e não estou disposto a entender,
muito menos a rejeitar, os sentimentos novos que estão dando as
caras. A única coisa que quero é passar mais tempo com ela.
Então, como se soubesse que a estou olhando, ela se mexe na
cama, virando de costas para mim. O lençol desliza por seu corpo,
expondo parte da pele clarinha e a bunda redonda. Gaia não é cheia
de curvas, mas as poucas que tem são capazes de me enlouquecer.
De lado, a posição é perfeita para que eu me encaixe a ela. Sem
pensar duas vezes, é exatamente o que faço — e quem diria que
ficar de conchinha pudesse ter vantagens. Meu corpo nu contra o
dela é a porra da perfeição, sua bunda bem em cima do meu pau,
que já começa a ficar duro só por estar perto do seu parque de
diversões.
Não sei se continuo aqui — e ganho o troféu de pervertido do
ano, me aproveitando de uma mulher inconsciente — ou se me
afasto e sofro as consequências. Puta merda, Gaia ainda vai me
deixar maluco.
Mas então ela começa a se mexer… e a rebolar contra mim.
— Hummm, é isso o que eu chamo de bom dia. — Sua voz
grogue de sono acompanha os movimentos, e solto um suspiro de
alívio ao perceber que não sou o único a me sentir desse jeito. Não
que eu vá falar isso em voz alta.
Beijo o local onde seu ombro encontra o pescoço e sinto-a
estremecer.
— Bom dia. — Empurro meu corpo para a frente e ela geme
baixinho.
— De novo? — Solta uma risadinha baixa, e decido que este é o
segundo melhor som do mundo. O primeiro é quando ela grita meu
nome.
— Se você alcançar uma camisinha na gaveta, sim. De novo. —
Deixo uma mordida leve onde estava beijando e vejo-a esticar a
mão.
Só que seus movimentos são interrompidos quando meus
toques ficam mais ousados. Puxo uma de suas pernas para cima da
minha e alcanço seu clitóris, massageando bem devagar o pontinho
sensível.
— Zach… — Ela rebola no mesmo ritmo do meu estímulo,
balançando a bunda em cima do meu pau, que já está duro e
pulsando.
— Que foi, linda? Quer que eu pare? — Mordisco sua orelha,
acelerando o toque. Ela acelera também. Sua respiração começa a
ofegar e sei que não vai levar muito tempo até gozar na minha mão.
— Pega logo a camisinha — brinco, porque sei muito bem que ela
não consegue chegar lá agora.
Vou mais rápido, sentindo sua excitação escorrer por meus
dedos, ao mesmo tempo que uma necessidade latente de estar
dentro dela começa a me fazer suar frio. Encosto a testa em seu
ombro e me mexo no ritmo também, indo e vindo, simulando aquilo
que mais quero neste momento, tomando cuidado para não a invadir
por acidente.
— Pega a camisinha — murmuro em uma súplica e tiro a mão
de seu clitóris já inchado.
Na mesma hora, como se tivesse pressa, Gaia se estica até a
mesa de cabeceira, abre a gaveta e alcança o pacotinho. Não sei
como consigo fazer isso com meu corpo colado ao dela, mas
desenrolo o látex e começo a penetrá-la devagar, segurando sua
perna para ter mais acesso.
— Puta merda, acho que vou morrer — confesso quando a
cabeça já está dentro, sendo agarrada por seu calor.
— Não pare — ela pede. — Mete tudo.
A desgraçada sabe como me destruir, porque essas duas
palavrinhas são suficientes para me fazer perder o último pingo de
sanidade que restava. Como um cachorro no cio, monto em cima
dela e deixo de lado o cuidado, entrando e saindo com força.
Apoio as mãos na parede para dar impulso e vejo Gaia fazer o
mesmo, enquanto geme que nem uma desesperada e empina a
bunda, me incentivando a continuar.
— Mais forte! Mais forte! — E só consigo obedecer.
O suor escorre por minhas costas e, com esse ângulo, preciso
ranger os dentes para não me envergonhar, porque a boceta de Gaia
me aperta com força, como se nunca mais fosse me largar nesta
vida. Minha visão fica turva, o mundo inteiro desaparece. Ela geme
alto, me encontrando a cada estocada e eu preciso que ela goze
agora.
Seguro seu cabelo com força, puxando a cabeça dela para trás,
e vou ainda mais rápido, mais forte, ouvindo o choque de nossas
peles enquanto chupo seu pescoço.
— Vem, Gaia. Goza bem gostoso pra mim — peço. Imploro.
Suplico.
Pelo amor de Deus, goza logo. Porque eu não consigo mais
esperar.
Essa boceta é tão quente e apertada que vai tirar o meu juízo.
— Zachary! — ela grita o meu nome, se entregando ao clímax, e
eu finalmente consigo relaxar.
Meu orgasmo é intenso, acompanhado de um urro. Estremeço
por inteiro, deixando meu corpo tombar sobre o dela, e tenho certeza
de que a pobre coitada está sendo esmagada. Mas, neste momento,
não consigo me mexer. Minhas pernas não têm força. Gaia roubou
toda a minha energia. Acho que morri — e o paraíso é o melhor lugar
para se ficar.

∞∞∞
 
— Bom dia, priminho querido. Dormiu bem? — Jackson
pergunta quando o encontro no corredor.
Diferente de mim, que já tomei banho, ele ainda usa a mesma
roupa de ontem, menos os sapatos. E apesar do sorriso no rosto, dá
para ver as evidências da noite mal dormida não só no modo como
anda, mas também nas olheiras escuras.
— O que aconteceu com você? — desvio da pergunta, olhando-
o de cima a baixo, sem conseguir conter o tom preocupado. É então
que noto algumas manchas em sua blusa. Na mesma hora, paro de
andar e seguro-o pelo braço. — Jack…
— Nada de diferente. — Dá de ombros. — Só não trouxe nada
para vestir e… houve um acidente.
— Acidente? — repito, odiando a escolha de palavra.
Não foi um acidente. Jackson vomitou a noite inteira,
provavelmente bêbado demais para sequer levantar e ir ao banheiro.
O quarto deve estar uma imundície. Mesmo assim, foco toda a
atenção no meu primo, que está fedendo e tem uma aparência
tenebrosa.
— Não me olha desse jeito — ele repreende. — Desde quando
você é minha mãe?
— E desde quando você vomita a noite toda e não pede ajuda?
— rebato.
— Você estava ocupado demais, não queria atrapalhar. —
Jackson sobe e desce as sobrancelhas. Como sempre, minimizando
os problemas reais.
— Eu perguntei se você estava bem.
— E eu estava, mas depois não fiquei tão bem assim e… foda-
se, já passou. — Abana o ar com a mão, mas logo para, como se o
simples ato de se mexer fosse difícil demais para seu estado de
ressaca. — Vou lá embaixo ver se a Tata tem alguma roupa minha
guardada. Vim direto do escritório e acabei esquecendo de trazer
uma mala.
— Deixa que eu cuido disso. Vai tomar um banho, você está
nojento. — Faço uma careta no instante que ele me encara, porém
Jackson apenas ri.
Para ele, tudo é simples demais, fácil demais. Acho que é por
isso que assente com a cabeça e volta para o quarto, enquanto sigo
para o meu, a fim de procurar alguma coisa que possa emprestar a
ele. Mas assim que cruzo a porta, sinto o cheiro dela — e as
lembranças da noite passada vêm com força.
Gaia saiu correndo assim que se deu conta de onde estava. Ela
jurou que não estava fugindo, apenas indo trabalhar. Só que ainda
não estou convencido disso. A desculpa que ela me deu foi de que
Martha passou os últimos dias afastada por conta de uma gripe, e
como hoje a família toda chega no fim da tarde, há muita coisa a ser
feita para o fim de semana. É claro que me ofereci para ajudar, e
recebi uma gargalhada — também um beijo rápido — em resposta.
Só espero que ela não tenha mentido para mim, nem que esteja
surtando, porque a última coisa que quero agora é ter que convencê-
la de que não cometemos um erro. Porque não foi um erro. Foi
perfeito.
Sexo nunca foi tão gostoso. Estar com uma mulher nunca foi tão
certo.
Ela percebeu isso, né? Tem que ter percebido. Não posso ser o
único idiota da relação.
É então que paro no meio do quarto e olho para os lados,
completamente embasbacado.
— Caralho, será que estou em um relacionamento? — pergunto
para mim mesmo, e ainda bem que não tem ninguém aqui para me
responder. Meus primos ririam da minha cara, com tanta força que
cairiam no chão.
Mas a verdade é que não tenho ideia. Nunca estive com
ninguém assim, nem tive uma namorada na escola para ter algum
parâmetro.
Por um momento, esqueço que Jackson está precisando de
roupas limpas e faço a única coisa lógica que consigo. Pego meu
celular e digito no Google: “como descobrir se você está em um
relacionamento”. Não obtenho resposta, mas a primeira coisa que
encontro é uma opção bem interessante: como saber se você está
pronto para um relacionamento[1]. Passo os olhos pelo artigo e vejo
que está subdividido em tópicos. O primeiro fala que adolescentes —
reviro os olhos — geralmente começam a namorar na mesma época
que seus amigos. Se for pensar assim, estou pronto, já que a maioria
das pessoas de vinte e nove anos já sabem o que é isso. O segundo
é mais complexo, e ainda bem que vem dividido em itens:
1) Sentir-se confortável a ponto de expressar seus pensamentos,
sentimentos, opiniões e sonhos para a outra pessoa.
Nunca tentei fazer isso com ninguém a não ser meus primos.
Acho que será um desafio, mas posso tentar. Mas, pensando bem, já
comentei com Gaia que queria ser cowboy. Isso conta?
2) Tratá-la com respeito e oferecer apoio a ela.
Disso, não tenho dúvida. Posso ser um babaca de vez em
quando, mas minha mãe me deu educação.
3) Evitar violência.
Com Gaia, com certeza. Com qualquer babaca que ouse chegar
perto dela, duvido muito. Quase arranquei a cabeça do meu primo
quando vi os dois juntos ontem, sem contar no soco que dei em
Oliver, quase arruinando um contrato importante para a IK, antes
mesmo de estar com ela. Duvido que consiga me controlar, caso veja
Gaia com outro homem. Ela desperta algo em mim… Não consigo
explicar muito bem, nem entender. É primal demais.
4) Saber resolver conflitos e brigas.
Acho que sim. A conversa que tivemos ontem foi prova disso.
Sempre acreditei que sentar e explicar as situações é a chave para
resolver tudo.
5) Ser capaz de fazer confidências e comunicar-se direta e
abertamente.
De novo, nunca fiz isso com pessoas além da minha família. Mas
acho que posso tentar com ela. Confessar que preciso dela, como fiz
ontem à noite. É isso, certo?
6) Incentivá-la a ter seus próprios amigos e interesses.
Isso é fácil. Sou a favor de que ela continue perseguindo seus
interesses, e ter amigas é tranquilo. Quanto a amigos… vamos ver.
Depende do tipo de amizade que eles querem.
7) Ser honesto quanto a relacionamentos ou hábitos sexuais do
passado.
Que merda! Será que vou precisar ouvir as experiências sexuais
de Gaia? Não sei se quero saber com quantos homens ela já ficou,
nem o que fez com eles. Só de pensar nisso, já começo a sentir meu
sangue ferver. E, pela reação dela ontem à noite, não sei se Gaia
ficaria confortável ao ouvir as minhas.
Gaia é minha, e a mera ideia de ela ter estado com outro já me
deixa com vontade de socar a parede.
8) Praticar atividades sexuais sem se sentir pressionado.
Finalmente alguma coisa boa nessa lista! Inclusive, estou louco
para saber tudo o que Gaia gosta. Descobrir cada detalhe de seu
corpo, cada área sensível… Que tipo de posições ela prefere. Estou
bem aberto a sugestões.
Se a nossa primeira vez foi ótima, as próximas serão ainda
melhores.
Continuo lendo e vejo que o artigo é enorme, então resolvo que
não vou perder mais tempo aqui. Não agora, porque Jackson está
esperando por mim. Só por este motivo, e não porque tenho medo
de relacionamentos. Não tenho, sou maduro demais para isso. Sigo
até o meu armário, encontro uma bermuda e uma camiseta, e depois
volto até meu primo.
Mas na minha cabeça, somente uma coisa se passa: será que eu
quero estar em um relacionamento de verdade ou isso é só o efeito
da maldição dos King?
Vida em Nova York
A sua fonte de informações sobre a cidade que
nunca dorme

Mais um fim de semana de verão sem os King na cidade, só que


agora sabemos onde eles estão: nos Hamptons. Afinal, é para lá que
os ricos e famosos vão para relaxar e pegar um bronzeado durante a
temporada de calor.
Mas ainda resta um King na cidade, vocês sabiam? Konig King!
Konig — que significa “rei” em alemão — é o filho de quatro patas
de Zachary. Adotado assim que Zachary voltou da Inglaterra, o
cachorro entrou para a família com tudo o que tem direito. Inclusive,
dizem os funcionários que ele tem um quarto próprio no duplex do
dono. Não é para menos, já que possui uma equipe destinada a seus
cuidados.
Temos certeza de que Konig se alimenta com uma refeição
balanceada e faz suas atividades físicas em horários certos. Sem
falar que deve receber muito carinho do seu dono.
Chegamos ao fundo do poço quando temos inveja de um
cachorro, não?
Capítulo 26

Gaia

É difícil andar quando se está toda ardida. Mesmo assim, corro


de um lado para o outro da cozinha, controlando a careta e tentando
organizar tudo para a chegada da família. Martha ter ficado doente
fez com que a noite passada perdesse um pouco do brilho, já que,
agora, eu nem posso ficar sonhando acordada. Muito menos deitada
na cama, aproveitando os braços fortes de Zachary.
— Os vegetais chegaram — Gerald avisa, entrando pela porta
dos fundos.
— Martha deixou a lista em algum lugar para que eu pudesse
conferir os itens que encomendou? — pergunto a ele, que apenas
balança a cabeça em negativa.
— Ela não faz lista. Aquela lá sabe tudo de memória — o marido
da coronel explica.
— Aposto também que ela não deixou anotado o que tinha
planejado para o jantar — comento baixinho enquanto saio da
cozinha, indo até o estacionamento, onde uma caminhonete me
aguarda.
Assino o recibo e me entregam algumas caixas com frutas,
legumes e verduras. Ainda bem que Kyle vem me ajudar e carrega
tudo para a despensa.
— Precisa de mais alguma coisa, Gaia? — ele oferece, apoiando
os caixotes no chão.
— De mais duas mãos para me ajudarem na cozinha — brinco e
ele ergue as palmas calejadas.
Se eu não tivesse passado a melhor noite da minha vida com
Zachary, talvez até me sentisse atraída pelo gesto de Kyle — afinal,
suas mãos são enormes, o que quer dizer que outras partes de seu
corpo também não devem ser nada pequenas. Mas, no momento, só
há um homem bem grande ocupando minha mente. E duvido que ele
saia de lá tão cedo. Não depois de tudo o que aconteceu. E não
enquanto ainda posso sentir o efeito do que fizemos. Aperto as
pernas de forma discreta, tentando aplacar a ardência.
Preciso até fechar os olhos e respirar fundo.
— Você sabe cozinhar, Kyle? — quero saber, me obrigando a
voltar para a realidade.
— Serve miojo?
— Acho que os King não devem gostar muito desse menu tão
requintado. — Ergo uma sobrancelha sarcástica.
— Então não posso te ajudar. — Kyle ri, exibindo dentes muito
brancos, e dá de ombros.
— Vai ajudar seu avô com o jardim. Qualquer coisa, eu te chamo
— aviso e ele me responde com uma piscadinha.
Volto para o meu serviço e começo a olhar tudo o que tenho na
cozinha. Abro a geladeira, a despensa, vejo o que acabou de
chegar… Não faço ideia do que Martha tinha pensado em fazer, mas
preciso tomar a frente agora, já que ela está de cama e sequer pode
vir me orientar. Para piorar, terei que fazer a minha parte e a dela,
sem ao menos saber quantas pessoas estarão aqui mais tarde.
Será que os King vão trazer convidados para o fim de semana?
Será que eles têm alguma outra festa planejada? Já fizeram um
piquenique e um luau. O que pretendem desta vez?
Ai, minha deusa…
Pego meu caderno, sento na banqueta e começo a anotar ideias,
baseadas no que tenho disponível. Sei que, se precisar de alguma
coisa, Gerald pode providenciar a tempo, mas acho melhor deixar
tudo organizado logo. Aprendi com meus melhores professores que,
para ser um bom chef, temos que começar a cozinhar na cabeça, e
depois passar para a panela, finalizando a ideia no prato.
— Acho que nunca te vi tão concentrada antes. — Uma voz
grossa me faz pular, quase a ponto de cair do banco.
— Zachary, você me assustou — digo, colocando a mão no peito.
— Desculpe, não era a minha intenção. — Ele dá uns passos até
mim, parando bem ao meu lado e apoiando um antebraço no balcão
da ilha. Seu rosto a centímetros do meu. — Levantei da cama
sozinho e percebi que estava morrendo de fome.
Um sorriso torto se forma nos lábios grossos e, por um segundo,
me pego hipnotizada. Mas logo me dou conta do que acabei de ouvir
e me afasto.
— Ai, meu Deus. Perdão! — Começo a correr para a geladeira.
— Esqueci que você e Jackson estavam na casa. Não preparei o
café da manhã e…
Sinto o calor do corpo dele às minhas costas. De repente, braços
fortes me envolvem pela cintura.
— Não era esse tipo de fome que eu estava falando, Gaia —
sussurra contra o meu ouvido, o rosto encaixado na curva do meu
pescoço. Estremeço com o contato, me sentindo completamente
vulnerável. Ao mesmo tempo que quero me afastar, também quero
chegar mais perto e descobrir o que Zachary pode fazer comigo
nesta cozinha.
Vários sentimentos me tomam quando sinto seu corpo quente
atrás de mim, contrastando com o frio à minha frente, vindo da
geladeira.
Desejo.
Necessidade.
Carência.
De repente, sinto-me vazia. A ardência esquecida. Em seu lugar,
apenas a vontade de ser preenchida de novo e de novo, do mesmo
jeito que Zachary fez ontem à noite e hoje de manhã. Acordar com
ele foi a melhor coisa que já me aconteceu, e não sei o que vai se
desenrolar daqui para frente, quando ele despertar desse sonho e
descobrir que eu não passo de uma diversão de férias. Mas, por
enquanto, apenas aproveito.
Suas mãos subindo pela minha lateral, emoldurando meus seios,
enquanto a boca macia beija meu pescoço. É inevitável: solto um
gemido baixo e começo a rebolar contra ele, que enrijece com meus
movimentos. Isso me lembra do que estávamos fazendo mais cedo,
e a vontade de voltar para a cama fala mais alto do que meu bom-
senso.
Apoio as mãos na prateleira fria, empino a bunda e me entrego,
desesperada para que ele abaixe a legging e me penetre bem fundo.
— Gaia, tem café? — Uma voz masculina soa alto.
— Ai, meu Deus! — Afasto-me de Zachary em um pulo, ao
mesmo tempo que escuto um rosnado vindo dele.
— Boa, Jackie. Muito boa.
— Foi mal. Não queria empatar a foda.
Enfio a mão no rosto e corro para a despensa, incapaz de olhar
para os primos conversando. Estou morrendo de vergonha por ter
sido pega no flagra. Pelo menos foi Jackson quem entrou, e ele já
sabe o que está acontecendo. Imagina se fosse Gerald. Ou pior,
Martha. Ou pior ainda, Harvey King! Eu morreria na hora.
Não, não, não, não, não.
Agacho-me no chão da despensa, a ansiedade me dominando.
Isso não pode acontecer. Ninguém pode saber do meu envolvimento
com Zachary. Vim aqui com o propósito de aprender mais sobre
culinária, de mostrar do que sou capaz e fazer um dinheiro para
terminar de pagar meu curso. Apenas isso. E por mais que ficar com
o filho do patrão seja uma excelente forma de passar o meu tempo,
não posso me dar ao luxo de ignorar todos os meus planos e
simplesmente…
— Pare de surtar. — A porta é aberta e um feixe de luz toca os
meus olhos. É então que vejo Zachary parado bem à minha frente.
— Não estou surtando.
— Aham. E eu virei um cowboy. — Ele entra no pequeno espaço,
acende a luz amarelada, fecha a porta e se senta, virado para mim.
— Estou falando sério, Gaia, pare de surtar. Foi só o Jackson, e não
é como se ele não soubesse o que fizemos ontem à noite — Zachary
diz.
— Tudo bem, foi só o Jackson — concordo. — Mas poderia ser
qualquer outra pessoa. E não posso me dar ao luxo de ser exposta
desse jeito.
— Exposta? — pergunta, franzindo o cenho.
— Claro! — Minha voz sai mais aguda do que intencionei.
Balanço a cabeça e puxo o ar com força, tentando me acalmar. —
Todos sabem que… — hesito, na tentativa de encontrar as palavras
certas para explicar o que está se passando em minha mente agora.
— Olha, Derek já havia me explicado como isso funciona. E não
estou falando de você, nem da gente…
— Então, tem um “a gente”? — Zach me interrompe, seu tom
divertido, as sobrancelhas subindo e descendo de forma insinuativa.
— Pare de palhaçada. — Empurro seu ombro, me controlando
para não rir. — Esqueceu que estou surtando?
— É verdade. — Ele faz um bico e assente com a cabeça. Lindo
demais. — Continue, por favor.
— Derek me disse que é normal as pessoas se envolverem com
os funcionários da casa. Por diversão. Nada sério — explico e, de
repente, a expressão de Zachary muda. Ele fica sério e até mesmo
cruza os braços na frente do corpo. — Não quero que me
confundam, sabe? Preciso que as pessoas me levem a sério. Vim
passar o verão aqui com o objetivo de conseguir dinheiro para
terminar o meu curso de gastronomia e, quem sabe, ter alguns
contatos para o futuro. Não quero que minha reputação fique
manchada.
— Nós dois sabemos que isso — Zachary gesticula com um
dedo, indicando entre nós dois — não é apenas diversão.
— Nós sabemos? — questiono, sem entender muito bem aonde
ele quer chegar.
— Pelo menos, eu sei. Você não? — Abro a boca para responder,
porém não encontro palavras. Acho que Zachary percebe o meu
desconforto, porque ele solta uma risada sem qualquer humor e
começa a se levantar. — Bom saber que é só diversão para você.
— Não foi isso o que eu disse. — Seguro seu braço e me levanto
também, impedindo-o de sair da despensa. — Eu não sei o que está
acontecendo — a última frase sai baixinho, quase não passa de um
sussurro —, mas a noite de ontem foi…
Antes que eu tenha tempo de continuar, ele me envolve pela
cintura e me puxa para bem perto, colando nossos corpos. A testa
encostada na minha, nossas respirações misturadas e, de repente, o
mundo deixa de existir. Não há mais problemas, muito menos
confusão. Quando Zachary está a centímetros de distância, não
consigo pensar direito, a não ser na vontade que sinto de que ele
esteja aqui para sempre. E o modo como me olha, uma mistura de
urgência e tranquilidade, só me faz ter certeza de que eu não sou a
única a me sentir assim.
— A noite de ontem foi perfeita, e apenas a primeira de muitas,
certo? — ele busca confirmação.
— Certo — sou obrigada a responder.
Então, antes que eu possa dizer qualquer outra coisa, sua boca
está na minha, roubando o meu ar e a minha sanidade. Nossas
línguas em sincronia, meu corpo sendo acariciado. Zachary imprensa
minhas costas contra as prateleiras da despensa e tenho certeza de
que os jarros e latas tremem com o impacto, mas nada importa a não
ser o gosto que ele tem. Seus toques ficam mais ousados, causando
uma dorzinha incômoda entre as minhas pernas. Meus seios estão
carentes, com os bicos duros apontados para ele.
Preciso usar de toda a minha força para romper o beijo e
empurrá-lo.
— Mas com uma condição — digo, ofegante.
— Que condição? — Vejo uma nuvem de desejo nublar seus
olhos. Não consigo resistir e desço o olhar por seu corpo, notando
que Zachary está tão excitado quanto eu.
— Eu preciso trabalhar. Preciso focar nos meus sonhos, que são
muito importantes e não têm nada a ver com você. — Cruzo os
braços na frente dos peitos, que estão loucos para serem tocados. —
Quando eu estiver na cozinha e outras pessoas estiverem aqui, você
será o sr. King. À noite, você volta a ser Zachary.
Mordo o lábio inferior, pedindo aos céus para que ele aceite a
minha oferta. Por mais que eu o queira na minha cama, não sei por
quanto tempo Zachary King estará na minha vida. E jamais deixaria
que ela girasse em torno de um homem. Já errei uma vez — o que
me fez perder tudo —, não sou burra a ponto de cometer esse erro
de novo.
— Você está dizendo que… — passa o polegar pelos lábios
enquanto me analisa — …quer que eu seja o seu segredinho sujo,
Gaia?
A frase me faz rir baixinho, e acabo assentindo com a cabeça.
— Um segredinho muito, muito sujo — concordo.
Por alguns segundos, Zachary fica calado, apenas me
examinando de cima a baixo. Tenho que lutar para manter a
expressão firme, porque não posso titubear agora. Enquanto eu não
souber o que temos, e até que ponto ele está disposto a ir por mim,
não abrirei mão de nada por ele. Zachary King é rico, lindo e tem o
mundo aos seus pés. Eu não tenho nada, ainda não conquistei nada,
e não posso ter minha reputação manchada por ser o lanchinho do
filho do patrão — e ele precisa entender isso.
— Temos um acordo. — Estende a mão para mim e eu a aperto.
Desta vez, não tem toque sedutor. O que é estranho e, ao mesmo
tempo, reconfortante, já que mostra que levou a sério o que eu disse.
— Obrigada.
— Vou para a piscina. Se puder, prepare um café bem forte para
o Jackson. Ele precisa de alguma coisa para curar aquela ressaca —
pede, fazendo uma careta.
— Pode deixar. — Sorrio e não resisto: corro para ele, pulando
em seus braços e deixo um beijo rápido em sua boca.
Mas assim que abro a porta da despensa, voltamos a ser Gaia
Denver, assistente de cozinha, e Zachary King, futuro CEO da IK.
O problema é que, quando entro na cozinha, vejo Kyle
acompanhado de outro homem. Um loiro, alto e muito, mas muito
atraente.
— Você disse que precisava de ajuda na cozinha — o neto do
jardineiro diz, dando de ombros. — Este é o Spencer, filho da
Martha.
— Muito prazer, Gaia. — Ele se aproxima, mas seu olhar muda
de foco, se encontrando acima da minha cabeça. Sei que ele
percebeu que, logo atrás de mim, ninguém menos do que Zachary
King está parado. — Oi, Zach. Quanto tempo.
— Spencer. — A voz grossa soa em um tom nada amigável,
porém não me viro para ver sua reação.
— Enfim… Kyle disse que você precisava de ajuda. — Spencer
sorri. — Resolvi ser o príncipe no cavalo branco por um dia.
Costumava ajudar a minha mãe.
Então, me oferece a mão para um aperto.
O que será que tem na água desta casa? Alguma poção mágica,
que transforma todos os homens em possíveis astros de filmes da
Marvel?
Capítulo 27

Zachary

— Vem para a piscina, Zachary — Chloe chama naquele biquíni


minúsculo e estende a mão para mim de dentro da água.
— Não, valeu. Estou bem aqui. — Coloco os óculos escuros e me
recosto na espreguiçadeira, fingindo estar apenas interessado em
pegar um pouco de sol. Vejo-a fazer uma careta desapontada, mas
ignoro. Minha última preocupação no momento é Chloe Lowell. Ou
as outras mulheres que meu querido pai trouxe para passarem o fim
de semana nos Hamptons.
Estou há mais de vinte e quatro horas sem tocar Gaia e isso tem
tirado o meu sono. Porque, a poucos metros de distância, ela está
rindo com Spencer. Os dois cozinhando, trocando histórias,
convivendo em perfeita harmonia na cozinha… e eu aqui, inquieto,
morrendo de ciúme, me contentando em fingir que está tudo bem
enquanto aturo Chloe e as Chloettes.
Tudo bem, o meu ovo esquerdo.
Tata tinha que ficar doente logo neste fim de semana? Ela nunca
passou mal em todos os anos que trabalha para a nossa família!
Se a sexta-feira longe de Gaia foi um inferno, o sábado está
sendo ainda pior. Depois de nossa conversa na despensa, fiz o que
ela me pediu e respeitei os limites entre suas horas de trabalho e o
tempo vago. O problema é que não existe tempo vago. Claro que fui
até o quarto dela durante a noite — e, para a minha alegria, a porta
estava destrancada —, só que a encontrei dormindo, ainda com a
mesma roupa que usou o dia inteiro, o que me fez ter certeza de que
ela estava tão exausta, a ponto de ter desmaiado sem ao menos
tomar banho. Pela primeira vez na vida, acho que coloquei as
necessidades alheias acima das minhas. Até tirei os sapatos de seus
pés e a cobri.
Não sei se estou crescendo ou ficando azarado. Não importa,
porque o resultado é o mesmo: um Zachary King frustrado, com
ciúme correndo pelas veias, enquanto finge que está tudo bem.
— Alguém quer uma cerveja? — Trenton pergunta. — Estou indo
na cozinha e…
— Também quero. — Levanto-me em um pulo, louco por uma
desculpa para ver o que está acontecendo por lá. — Vou com você.
Trenton só ergue uma sobrancelha e disfarça o sorriso. Eu sei o
que ele está pensando, mas não dou importância, apenas marcho
pela lateral da casa com meu primo ao lado.
— Ah, o desespero… — ele cantarola naquele tom irritante.
— Cala a boca — rosno entredentes.
— Quem está desesperado? — A voz de Sebastian soa atrás de
nós e me viro para confirmar que o fofoqueiro veio também.
Encerro os passos, parando na curva da casa, antes de chegar à
parte de trás, que dá acesso à área de serviço. Não quero que
ninguém escute o que estamos falando.
— Zachary, claro.
— Por quê? — Sebastian quer saber, mas fico calado.
— Porque a Gaia virou melhor amiga do Spencer — Trent
explica, o que faz o outro soltar uma risada.
Não sei se rio também, se dou um soco na cara dele, se apresso
o passo ou se volto para a piscina. Na verdade, não sei o que faço
para ficar a sós com ela. Nunca imaginei que precisaria mendigar por
alguns minutos da atenção de uma mulher. Antes, bastava estalar os
dedos que já tinha uma ao meu lado. Mas agora… agora eu estou
um tanto perdido.
— Pensei que a gente gostasse do Spencer — Jackson comenta,
me fazendo revirar os olhos.
Quando foi que ele apareceu?
— Você não ouviu a história? — desta vez, é Elijah quem diz.
Meu Deus! Isso não são primos, é um grupo de velhas que se
encontram aos domingos para jogar bingo e falar mal das vizinhas.
— Que história? — Jack pergunta.
— Spencer está dando em cima da Gaia — Sebastian elucida, ao
mesmo tempo que Trenton começa a rir.
— E rezam as más línguas que ele já comprou o anel de noivado
e…
— Parem! — interrompo meu melhor amigo. — Só parem de
inventar histórias e de falar merda.
— Voltamos a falar de merda? — Elijah franze o cenho.
— Antes de invadirmos a cozinha… — ignoro o comentário.
— O território inimigo — Jackson corrige e esfrego a testa com a
palma da mão.
— O território inimigo — confirmo, apontando para ele —, preciso
deixar uma coisa bem claro: Gaia e eu estamos juntos.
Os quatro se entreolham, mas nenhum exibe uma expressão de
surpresa.
— A gente já sabia disso — Trenton fala.
É claro que sabem. Falei para Trent e Jackson viu o que
aconteceu. Fora todo aquele papo da maldição dos King. E, de novo,
clube das velhotas do bingo.
— Sim, mas ela não quer que ninguém mais fique sabendo —
continuo explicando. — Na verdade, ela disse que, durante o horário
de trabalho, quer ser tratada como uma funcionária comum.
— E você está bem com isso? — Elijah questiona.
— Claro que não — respondo na mesma hora.
Se eu tivesse direito de escolha, Gaia estaria ao meu lado na
piscina, toda molhada nos meus braços, sem falar que eu poderia
tocá-la sempre que tivesse vontade. Mas a vida é injusta e, pela
primeira vez, não tenho o que quero.
— Aonde você quer chegar com essa ladainha? — Sebastian
questiona.
— Só estou pedindo para ninguém falar merda. — Cruzo os
braços na frente do corpo, mas logo desfaço o gesto e aponto para
Elijah. Se ele voltar ao assunto de merda outra vez, juro que quebro
os óculos de nerd que tanto gosta. — Sei que a intenção aqui é boa,
mas não podemos deixar Gaia ainda mais desconfortável. Senão, as
coisas vão ficar ainda mais difíceis para o meu lado.
De novo, vejo meus primos trocarem olhares, e não sei o que
eles estão pensando.
— Concordo em não deixar Gaia em maus lençóis, mas isso não
quer dizer que precisamos facilitar as coisas para o Spencer… —
Sebastian coça o queixo, como se estivesse formulando um plano.
— Como assim? — Jackson se aproxima do irmão.
— Olha, eu adoro o Spencer, mas somos um time — Sebastian
diz. — E se ele está dando em cima da Gaia, então acabou de se
tornar nosso inimigo número um. Não podemos facilitar para ele.
Balanço a cabeça de um lado para o outro e olho para Trenton,
que apenas sorri de forma conspiratória.
É por isso que eu amo meus primos. Mesmo que, às vezes, eu os
odeie.
— Vamos entrar. — Jackson me puxa pelo braço. — E destruir a
autoestima de Spencer. — Dá uma piscadinha.
De início, não entendo o que ele está dizendo. Nós nos
aproximamos da cozinha e as risadas vão aumentando de volume, o
que faz minha raiva crescer também. Mas assim que cruzamos a
porta, todos os sons param. Meus olhos procuram Gaia na mesma
hora, e o alívio me toma quando vejo-a arfar. Ela me encara de cima
a baixo, passando a língua pelos lábios. É então que compreendo o
que Jackson quis dizer e abro um sorriso.
Tadinho do Spencer. Ele pode até ser boa-pinta, mas quando está
cercado de cinco Kings, todos sem camisa, não passa de um
menininho que ainda não atingiu a puberdade.
— Oi, Gaia — falo só com ela. Nem dirijo um olhar a Spencer,
porque ele não tem qualquer importância no momento. Não quando
Gaia está no mesmo cômodo que eu.
— O…oi, Zachary. — Pelo menos não me chamou de sr. King, e
isso já é uma vitória. Dou alguns passos em sua direção e paro a
alguns centímetros dela, respeitando seu pedido.
— Viemos pegar algumas cervejas. O dia está tão quente, né?
Escuto algumas risadas abafadas e sei que não estou sendo tão
discreto quanto deveria, mas foda-se. Também escuto vozes e
conversas, com a certeza de que meus primos estão distraindo o
“inimigo número um”, mas meus olhos não saem de cima de Gaia.
Ela respira pesadamente, e a minha vontade é de puxá-la para perto,
até nossos corpos estarem colados e eu poder levantar a maldita
saia que ela usa. Quero correr meus dedos pelas coxas macias,
talvez descobrir se apenas a minha presença é capaz de deixá-la
pronta para…
— Vou buscar as cervejas — Gaia diz, e sei que algo em minha
expressão denunciou para onde meus pensamentos estavam indo.
Mas assim que ela se vira de costas, não consigo resistir e
seguro seu pulso.
— Fui ao seu quarto ontem à noite. — Minha voz não passa de
um sussurro. Mesmo assim, posso sentir o coração dela acelerar
com a declaração. — Só que você estava dormindo.
De lado, Gaia olha para onde a estou tocando. Quero dizer a ela
que também sinto isso, essa energia estranha que percorre a minha
pele sempre que nossos corpos se encostam, mas mantenho os
olhos fixos em seu rosto. E quando ela olha para mim, eu a libero.
— Zachary, eu…
— Não precisa falar nada — interrompo-a. — Vou tentar de novo.
E acho redundante dizer que quero muito que esteja acordada.
Dou um passo à frente e a respiração dela fica mais curta,
enquanto seus olhos não conseguem esconder o quanto essa
proximidade a afeta. Ao mesmo tempo que quero encorajá-la a
esquecer essa ideia de me manter afastado no horário de trabalho —
e sei que, se eu desse mais um passo, ela não me empurraria —,
preciso ser o mais forte da relação. Gaia tem que confiar em mim, se
eu tenho qualquer intenção de que… Porra, nem sei como terminar
este pensamento.
— Pegue umas cervejas para a gente, por favor — limito-me a
pedir, minha voz quase um rosnado.
Ela leva alguns segundos para sair do transe, balançando a
cabeça várias vezes, mas por fim assente, como se entendesse que
meu pedido vai muito além da vontade de beber alguma coisa.
Gaia tem toda razão: preciso manter a distância, porque sempre
que estamos perto sou tomado por uma vontade minimamente
controlável de arrastá-la para a primeira parede e ter certeza de que
a noite que passamos juntos não foi uma alucinação.
Mas então vejo-a abrir a geladeira e se abaixar para pegar
algumas long necks na última prateleira — e ela está usando a porra
de uma saia. Sem pensar duas vezes, corro para proteger sua
retaguarda.
Minha retaguarda.
— Tá maluca? — sibilo, olhando para trás, a fim de ter certeza de
que nenhum pervertido, inclusive aqueles com o mesmo sobrenome
que eu, está olhando.
— Do que você está falando… — Ela vira o rosto para mim, por
cima do ombro, a bunda empinada, e então nota a posição em que
estamos. Um sorriso safado se forma em seu rosto.
— Gaia… — alerto.
— Zachary. — A falsa inocência que coloca na voz ao pronunciar
meu nome faz com que minha palma queime com a vontade de
estapeá-la aqui mesmo, tanto que fecho os olhos e respiro fundo.
— Você é um teste para o meu autocontrole, mulher.
Só que, assim como na primeira vez que ela fez isso, agora
também não recua. Apenas empina mais a bunda, a ponto de roçar
em minha perna. Se ela fosse mais alta, roçaria em outra parte do
meu corpo, uma que preciso manter relaxada agora, senão a família
toda irá perceber o quanto esta diaba ruiva me afeta.
Mas se ela pode me atiçar assim, eu também posso ter uma cota
de satisfação. E é por isso que deixo uma mão subir lentamente pela
lateral de seu quadril, até a cinturinha fina, e a puxo para trás.
Garrafas tintilam dentro da geladeira e Gaia arfa com o contato. Eu
deveria me abaixar um pouco, rebolar nessa bunda gostosa, talvez
pedir licença aos inconvenientes atrás de mim e acabar logo com
essa tortura. Porém não faço nada disso.
— Hoje à noite, Gaia. Hoje à noite. — É uma ameaça, e a porra
de uma promessa.
Capítulo 28

Gaia

Os King não convidaram apenas três amigos para ficarem na


casa durante o fim de semana; eles convidarem três casais, além de
Chloe, Dana e mais cinco jovens. Todas lindas, bem-vestidas, ricas,
piscadoras de cílios e aposto meu fouet da sorte que são cheirosas.
Por falar em fouet da sorte, se ele estivesse aqui comigo, nada
disso estaria acontecendo. Ou, pelo menos, eu não estaria me
sentindo tão inadequada neste momento, enquanto tento
desembaraçar os fios do cabelo e ajeitar o vestido preto e um pouco
sujo de farinha.
Merda. Preparar um menu de quatro pratos, para vinte e quatro
pessoas, não é fácil. Muito menos quando se tem a ideia brilhante de
se inspirar nas estações do ano, só porque a bonita aqui quis se
mostrar capaz.
E agora que a sobremesa foi servida, Harvey King disse que
gostaria de dar suas felicitações à chef.
À chef.
Estou tremendo por dentro. Minha barriga parece feita de
gelatina, enquanto dá voltas em uma montanha-russa sem freio.
— Eles estão esperando, Gaia — Derek avisa, como se eu não
soubesse disso.
Mordo o lábio, com tanta força que quase tiro meu próprio
sangue. Minhas mãos estão congeladas e sei que vou desmaiar a
qualquer momento.
— Certo. — Tento controlar minha respiração, mas não consigo.
Estou hiperventilando.
— Calma… — ele diz, acariciando o meu braço. — Tenho certeza
de que amaram o que fez. Estava tudo delicioso.
Por um lado, concordo com Derek. Tenho um bom paladar, sei
quando a comida está boa, harmônica e bem apresentada. Só que
os King têm um padrão alto demais, e não sei se o meu é suficiente
para agradá-los. Não quero felicitações por pena.
Mas esta é a minha chance. Foi por isso que vim. Então, reunindo
todas as minhas forças, ergo o queixo e sigo para a sala de jantar.
Enquanto saio, sei que Spencer, Kyle, Val e Derek farão a pior parte
do trabalho. A segunda melhor parte de ser a chef do dia é não
precisar arrumar toda a bagunça depois que o jantar é servido. Hoje,
desde que cheguei aqui, não precisei lavar a louça.
— Gaia! — Harvey King pula da cadeira assim que me vê. Um
enorme sorriso estampado em seu rosto me faz soltar o ar em alívio,
ao mesmo tempo que deixa meu coração acelerado. Ele vem para o
meu lado e, como de costume, me envolve em um meio abraço,
passando o braço por meus ombros. — Não sei por onde começo a
te elogiar, menina.
Sinto as minhas bochechas ficarem quentes e sei que não estou
conseguindo disfarçar a vergonha. Tento não olhar para todas as
pessoas à mesa, porém uma delas merece a minha atenção. Nem
preciso procurar por ele, porque é como se meu corpo soubesse
onde Zachary está, mesmo que eu não o tenha visto ainda. Ele está
com o queixo apoiado nos dedos entrelaçados e um sorriso torto nos
lábios. Mas é o modo como me olha que revela um outro sentimento
que eu ainda não tinha visto ali: orgulho.
— Espero que tudo tenha ficado ao agrado de vocês. — Obrigo-
me a manter a firmeza na voz. — O menu foi pensado com muito
carinho.
— Eu poderia me esbaldar com a sua comida todos os dias, ruiva
— Jackson diz, e o comentário faz com que ele receba uma
cotovelada de Trenton.
É claro que, imediatamente, a mesa inteira cai na gargalhada. Ou
melhor, quase todo mundo, porque as mulheres mais jovens
parecem bastante incomodadas. Também posso jurar que Zachary
fecha a cara e solta um rosnado baixo, só que as gargalhadas não
me deixam ter certeza.
— Jackson, meu filho, modos — Leah repreende, mas não há
seriedade em seu tom, apenas um carinho genuíno. Ela olha para
mim e completa: — Estava divino, Gaia. Nem me lembro quando foi
a última vez que provei um jantar tão delicioso.
Minhas bochechas devem estar roxas agora, e o aperto de
Harvey fica mais forte. De certa forma, é como se ele fosse um pai
vaidoso.
— Eu disse que ela era espetacular. — Christine Lowell me
oferece uma piscadinha. — Adorei essa sua ideia de cada prato ser
uma estação do ano. Foi isso o que fez, não é?
— A senhora percebeu?! — pergunto, espantada por alguém ter
notado a minha inspiração.
— Ganhei a aposta, meninos — ela comemora, me ignorando, e
levanta-se da cadeira com a palma estendida sobre a mesa. —
Quero o meu dinheiro agora!
—  Um dia, essas apostas vão me custar caro demais… —
Sebastian comenta, balançando a cabeça de um lado para o outro
enquanto retira a carteira do bolso a contragosto.
Os outros quatro primos também ficam de pé e colocam várias
notas na mão de Christine, que parece radiante por ter feito uma
pequena fortuna às custas dos King.
— Mas nos conte sobre os pratos, Gaia — Walter pede. —
Queremos detalhes.
— Bom, como a própria Christine disse, fiz um menu inspirado
nas estações do ano, começando, é claro, pelo verão — explico. —
O primeiro que vocês provaram foi um pequeno aperitivo: ceviche de
salmão com pimenta rosa e manga. — Servi em uma porção bem
pequena, apenas para dar início ao jantar de forma leve. — Depois,
a entrada foi um canelone de camarão com aspargos, pensando no
outono. — Investi na massa fresca e no molho bem vermelho para
trazer as cores da estação, com os aspargos bem dourados fazendo
o contraste. — O prato principal foi um filé mignon ao molho de
queijo, para lembrar o nosso amado fondue de inverno,
acompanhado de mil-folhas de batatas. E, para a sobremesa…
— Um sorvete de rosas — é Monica King quem termina a frase.
— Um sorvete de baunilha, aromatizado com rosas, sim. Fiz
pensando na senhora… em você — corrijo-me. — E coloquei pétalas
muito finas de chocolate meio amargo. — Ela abre um sorriso doce e
apoia as mãos sobre o peito em um gesto de agradecimento. —
Julian disse que você fez questão de ter roseiras aqui, então
imaginei que eram as suas flores preferidas.
— Tinha toda razão. — Não sei se é impressão minha, mas
posso jurar que vejo os olhos dela brilharem com lágrimas não
derramadas. — Muito obrigada pelo jantar maravilhoso, minha
querida. Espero que seja apenas o primeiro de muitos.
Quando ela diz isso, meu coração quase pula para fora do peito.
A impressão que tenho é de que todo o cansaço, todo o trabalho e
todo o estresse valeram a pena, porque, ao fim do jantar, as pessoas
que comeram a minha comida estão sorrindo.
É assim que os chefs se sentem todos os dias?
Automaticamente, meu olhar busca Zachary, que sorri de volta
para mim.
— Concordo com a minha esposa — Harvey interrompe o
momento. — O primeiro de muitos, Gaia.
— Estou às ordens, sr. King — consigo dizer com muito esforço.
O senso de dever cumprido entalado na garganta. A vontade de
sair pulando em comemoração tentando dominar minhas pernas.
— Ah, ainda sou o velho que paga o seu salário?
— Sim, senhor — confirmo. Mas, de forma impensada, viro o
corpo e o envolvo em um abraço, deixando um beijo rápido em sua
bochecha. — Obrigada pela oportunidade. Foi uma honra poder
cozinhar para a sua família — sussurro em seu ouvido e ele me
aperta com força.
— Em breve, você fará mais por ela do que imagina. — Afasto-
me dele, sem entender muito bem o que quis dizer com isso, mas
Harvey apenas me dá uma piscadinha. — Agora, que tal uma
saideira lá no escritório, rapazes?
Vejo todos os homens se levantarem da mesa. Também escuto
as mulheres dizendo que vão para o deck aproveitar o resto da noite.
— Querem mais alguma coisa da cozinha ou posso dispensar os
funcionários?
— Estão todos liberados. O serviço de hoje foi… — Edmund
começa a falar, mas não termina. Em vez de usar palavras, ele
passa a bater palmas, sendo seguido por todos na sala. Até mesmo
as garotas, que estavam olhando para mim de cara feia, acabam me
aplaudindo, mesmo que com certa antipatia e só para não
desapontarem os anfitriões.
— Viu, ruiva? Eu disse que você era demais. — Jackson corre até
mim e me toma nos braços, rodando comigo no colo. Não consigo
conter uma gargalhada.
Seguro firme em seus ombros enquanto a sala de jantar gira ao
nosso redor. Várias pessoas riem do comportamento dele, mas
parece que Jackson pouco se importa com o que os outros pensam
a seu respeito.
— Solta. Ela — um rosnado interrompe, fazendo com que eu pare
de rodopiar.
Sou colocada no chão e preciso me apoiar em Jack para não cair.
E quando consigo fixar os olhos, vejo Zachary encarando a cena
com uma expressão sombria no rosto. Ele pega a taça de vinho e
vira o conteúdo de uma vez só.
— Obrigado — diz, vira as costas e começa a caminhar para fora
da sala de jantar, sem me dirigir um sorriso sequer.
Sei que ele está frustrado, talvez um pouco decepcionado
comigo, e ver a forma como Jackson tem liberdade de me tocar não
facilita nem um pouco as coisas.
Merda.
— Você precisa dar logo pra ele, senão meu primo vai explodir.
— Jackson! — Bato em seu ombro quando cochicha no meu
ouvido.
— Estou falando sério, ruiva. — Cruza os braços na frente do
corpo e fica calado, esperando a sala esvaziar. Quando estamos a
sós, continua: — Você tinha que ver o estado de calamidade do
pobre coitado. O cara está perdendo a sanidade, e a culpa é sua.
— Mas eu não…
— Shhh, minha vez — Jackson me interrompe. — Você tem duas
opções: a primeira é esquecer o meu primo e ser minha. — Ele
balança as sobrancelhas de forma insinuativa. Reviro os olhos,
fingindo estar entediada.
— Não, Jackson.
— Que pena. Mas já que prefere o segundo melhor dos King,
então engula esse seu orgulho e diga para ele como se sente,
porque Zach está bem caidinho por você. Meu primo não merece
ficar no escuro. — O modo como Jackson me olha diz que, pela
primeira vez desde que o conheci, ele não está bêbado. Que toda a
felicidade que demonstrou durante o jantar não foi efeito de álcool
nem de drogas. Talvez seja por isso que eu o esteja levando a sério
agora.
— Acho que tem razão — confirmo.
— Claro que tenho. E odeio dizer o óbvio, mas…
— Mas o quê?
— Mas se você não o quiser, opções não faltam, Gaia. — A
declaração vem como um soco. Um soco que dói, e muito.
Será que é isso o que as mulheres à mesa eram? Opções? Será
que Zachary trouxe elas até aqui no caso de eu o rejeitar?
— Que cara é essa? — ele quer saber.
Por alguns segundos, fico em dúvida se deixo ou não minhas
dúvidas escaparem da mente, mas então decido que é melhor
colocar tudo às claras logo, antes que as inseguranças me corroam
de dentro para fora. Pensar que ele estava, de alguma forma, ligado
à Samantha foi o que me impediu de me aproximar quando o
conheci. E se quero ficar com ele agora, não posso perder mais
tempo.
— As cinco convidadas novas. Elas eram… opções?
— Claro que sim. — Jackson abana o ar, como se fosse a coisa
mais simples do mundo. — Não é segredo nenhum que tio Harvey
quer que Zach se case logo. — Ele pigarreia e, então, força a voz
para imitar o tio: — Zachary, meu filho, você precisa tomar jeito na
vida se quiser assumir as Indústrias King.
Começo a rir, porque ele parece um comediante acertando
exatamente a entonação.
— Perfeito, Jack — elogio, batendo palmas. — Mas isso é sério?
Ele quer que Zachary se case? Com qualquer uma?
Acho que tivemos essa mesma conversa na praia, só que a
bebida em excesso e o que aconteceu depois acabou fazendo com
que me esquecesse do “pequeno detalhe”.
— Não só o Zach — corrige. — Todos nós. Eu, inclusive. — Coça
a nuca, parecendo bastante desconfortável. — É um dos pré-
requisitos para que a gente fique no controle das empresas.
— Eles podem exigir isso?
— Não é nada contratual. Nossos pais não são monstros, Gaia. É
só que… — hesita, como se procurasse as palavras certas — …eles
querem que a gente pare com tantas festas, que os tabloides não
tenham motivos para duvidarem da nossa capacidade. Por isso, criar
família, ser bonzinho e blá-blá-blá é a opção mais lógica. Os três
velhotes querem se aposentar. Para isso, nós cinco temos que estar
em condições perfeitas de temperatura e pressão. — Faz uma
careta, fingindo vômito.
— Pare com isso — brigo com ele e empurro seu ombro de novo.
— Então, aquelas são pretendentes? — busco confirmação e
Jackson assente.
Sinto meu estômago embrulhar com a possibilidade de Zachary
se envolver com qualquer uma delas.
Na verdade, com qualquer mulher que não seja eu.
Por mais que me casar com ele hoje não seja uma opção,
também não quero que ele vire as costas para mim e se envolva com
outra. Não sei o que temos, muito menos o que estou sentindo, mas
de uma coisa tenho certeza: Zachary King e eu estamos apenas
começando.
— Você me faria um favor, Jackson? — pergunto, mordendo o
lábio.
— Só pedir que será feito, milady. — Ele se curva em um gesto
teatral.
— Peça a Zachary para me encontrar em uma hora na cozinha.
— Na cozinha, sua safada?
— Jackson! — reclamo em um gritinho, mas ele apenas solta
uma risada e começa a se afastar.
Ainda bem, porque não quero desistir da ideia que acabei de ter.
Capítulo 29

Gaia

Ando de um lado para o outro da cozinha, eufórica demais para


conseguir dormir. Nem um banho quente, depois de um dia tão
cansativo, foi capaz de me relaxar. Na verdade, sei que preciso de
mais uma coisa hoje… e essa “coisa” tem nome, 1,90m e olhos
verdes.
Jackson disse que o chamaria aqui, mas já passa das onze da
noite e ele ainda não apareceu. Ele também tinha prometido que
viria, quando falou comigo na cozinha. Será que desistiu? Será que
achou que eu estaria dormindo de novo? Será que não recebeu o
recado? Será que se encantou por uma das pretendentes batedoras
de cílios? Será que simplesmente não quer mais me ver?
Droga! Minha mente não para de se fazer um milhão de
perguntas, ao mesmo tempo que não escuto passos nos corredores
ou na sala de jantar — e isso está começando a me preocupar.
Então, sem pensar duas vezes, resolvo que está na hora de
tomar uma iniciativa. Zachary é sempre quem deixa claro que está
interessado. Já fugi demais, já impus limites demais… Jackson tem
razão: agora está na minha vez de mostrar que também quero isso.
Saio da cozinha na ponta dos pés e fecho a porta que dá para a
sala de jantar com cuidado para não ser ouvida. Ninguém precisa
saber que estou indo para o segundo andar da casa, para o quarto
do filho do meu chefe, com a total intenção de passar a noite inteira
usando aquele corpo enorme para o meu prazer. Não só isso, mas
estou com saudade do seu toque, da sua boca, do jeito que ele me
olha e do que me faz sentir.
Não gosto de admitir, mas Zachary King mexe demais comigo, e
não vou me fazer de sonsa e fingir que sou indiferente a ele, muito
menos aos sentimentos que têm se desenvolvido dentro de mim.
A sala de jantar está vazia. Passo para o próximo cômodo, a sala
de estar, que tem vista para todo o mar pela parede de vidro.
Ninguém por perto também. Ouço vozes femininas na parte da frente
e imagino que algumas mulheres ainda devam estar pelo deque
externo, bebendo, conversando e curtindo a noite quente de verão.
Lembro-me de Harvey chamando os homens para uma saideira.
Será que foram para a sala de jogos? Zachary disse que o pai
gostava de xadrez. Talvez estejam no meio de uma partida, talvez no
carteado ou jogando sinuca… “Tomara que sim”, penso, indo na
direção das escadas, “e que Zachary tenha ido para o quarto”. E, por
todos os deuses que existem, que ele esteja sozinho lá. Imagina se
abro a porta e dou de cara com ele junto de outra mulher?
Eu despenco no chão. Morro. Tenho um treco.
Mesmo assim, finjo que esses pensamentos não me abalam e
sigo em frente, chegando ao meio da enorme sala de estar, sentindo
a ansiedade me dominar. Meu coração bate mais forte a cada passo,
como se me alertasse da loucura que estou prestes a cometer. Mas
não é loucura se Zachary já deixou explícito que deseja estar
comigo, não é? Claro que não.
Aperto com força as minhas mãos e chego à escada
deslumbrante. Desde a primeira vez que entrei nesta casa, sei que
isso é o mais perto que chegarei de uma escadaria de castelo,
porque isso aqui é gigante! Quando ergo os olhos para o topo,
estanco no lugar ao ver o bendito fruto do meu desejo nos degraus,
como se não tivesse uma mísera preocupação na vida. Pelo menos,
ele está sozinho.
— Gaia? — A confusão estampa seu rosto. Então, desço o olhar
por seu corpo. Quase livre das roupas, com a exceção de um short
preto soltinho, que aparentemente não tem nada por baixo, Zachary
é o tesão encarnado. — O que você está fazendo aqui?
É claro que ele perguntaria isso. Mas imaginei que o
questionamento viria quando estivéssemos lá em cima e eu pudesse
dar uma resposta atrevida — mesmo que ainda não tivesse pensado
em qual seria.
— Eu… eu…
Isso, menina. Boa hora para perder as suas habilidades vocais.
— Está tudo bem? Aconteceu alguma coisa? — Zachary desce
os últimos degraus correndo, o rangido me deixando alerta para o
fato de alguém ter escutado. Preocupado, ao que parece, com a
minha falta de eloquência que fica mais intensa a cada centímetro
que se aproxima, ele me alcança e segura pelo braço.
— Nada aconteceu — luto para dizer. Quero completar com um
“ainda”, mas não posso soar desesperada a esse ponto. — Só…
estava indo te ver.
— Me ver? — Ele ergue uma sobrancelha, no mesmo instante
que estico um dedo. Cuidadosamente cedo ao impulso e percorro o
vale entre os músculos da barriga definida, traçando cada linha com
calma.
— Te ver. Te tocar. Tanto faz… — Dou de ombros, contendo as
outras informações. É então que escuto, e sinto, um rosnado.
Sempre que esse desgraçado faz isso, desperta algo novo em mim.
E que todas as feministas neste mundo me perdoem, mas, puta
merda, minha calcinha quase ganha vida e tomba no chão. —
Jackson não deu o recado? — pergunto, meu dedo ainda fazendo o
percurso do pecado.
— Que recado? — Sua voz soa rouca e baixa.
— Eu pedi que…
Antes que eu termine a frase ou possa traçar os seis gominhos
que ele tem na barriga, sou puxada para baixo da escada, onde
ficamos escondidos sob os degraus de madeira. E isso é tudo o que
eu preciso para ter certeza de que tomei a decisão certa vindo aqui.
Numa sequência de gestos rápidos, logo estou com o rosto
pressionado contra a parede, o peito firme de Zachary colado às
minhas costas.
Antes mesmo que eu consiga respirar, sinto o hálito quente tocar
meu pescoço quando ele inala meu cheiro com força. As mãos
passeando pela lateral do meu corpo, meus pelos se erguendo,
arrepios brotando por onde ele deixa traços com os lábios.
— Diga que sentiu minha falta, Gaia. — O modo como fala indica
que não é um pedido.
— Senti sua falta, Zachary… — solto em um murmúrio, mais do
que feliz em obedecer. Porém as poucas palavras e o som baixo são
suficientes para fazê-lo roçar a ereção contra a minha bunda.
— Diga que me quer aqui. Agora. — Não consigo conter o
arquejo, ouvindo o grunhido baixo. Uma ordem e uma súplica. —
Fale, Gaia.
Ele imprensa mais o corpo contra o meu e perco o total controle
sobre o que estou fazendo. Se me perguntassem o meu nome agora,
não saberia responder. A única coisa que sei é…
— Eu te quero, Zachary. Aqui. Agora.
Sou virada de novo, ficando cara a cara com um homem tomado
pelo desejo, as íris escuras. Assim que me empurra para trás, minha
boca é invadida por um beijo, como se ele precisasse disso para
sobreviver. Uma mão emoldura meu rosto e a outra aperta minha
cintura com necessidade. Zachary me pressiona mais ainda contra a
parede, me devorando.
Meu Deus, o gosto desse homem é viciante — e não quero parar
de prová-lo nunca mais. O beijo é explosivo. Só que não o suficiente.
Por isso, coloco mais fogo, imitando seus movimentos e me
entregando à necessidade na mesma moeda. Deixando tudo
queimar.
Agarro-me a ele com força. Se eu pudesse, escalava esse
monumento e nunca mais sairia daqui.
Estou ofegante quando Zach desce os lábios para o meu
pescoço, lambendo e mordendo por onde passa, me deixando ainda
mais louca e precisando de algum alívio. Só que ele, ao mesmo
tempo que tem pressa, parece que não quer parar.
Sem conseguir ficar parada, minhas mãos ganham caminho para
o seu cabelo, depois descem para os ombros largos, as costas
firmes, e ainda bem que ele está sem blusa, porque não sei se teria
coordenação motora suficiente para desabotoar uma camisa agora.
Aproveito e corro as unhas por sua pele quente, louca para deixar
algumas marcas. Só para poder mostrar ao mundo que estive aqui,
que ele tem a mim. Como se cravasse uma bandeira. Porque
mulheres também gostam de marcar o território e foda-se. Mas meu
gesto faz com que Zachary realmente comece a perder todo o senso
de controle. Seus beijos ficam mais fortes, os movimentos do quadril
também. Quando os dentes raspam minha pele, sei que ele está
tentando fazer o mesmo comigo.
— Isso. Me marca — encorajo, apertando os braços musculosos.
Não sei de onde vem essa nova necessidade, também não vou
pensar nisso agora, mas a verdade é que quero acordar amanhã e
ver no espelho tudo o que ele fez comigo. Quero ver as evidências
de que nada disso é um sonho. Quero ver minha pele branca
marcada com seu toque brusco, com seus beijos descontrolados,
com suas mordidas desesperadas. Quero que ele precise de mim.
Que sinta necessidade de me possuir.
Porque é esta a minha realidade agora.
E no instante que ele segura com força a barra do meu vestido,
sei que estamos indo por um caminho sem volta.
— Puta merda, Gaia — diz com o rosto enfiado no meu decote.
— Só você me deixa desse jeito.
Jogo a cabeça para trás e me entrego. Nada mais importa,
apenas ele e o que estamos fazendo aqui. Os passos que escuto
vindo do deque ao fundo não são relevantes. As vozes masculinas
que soam pelo corredor distante também não. Muito menos as
risadas finas que entram pelas grandes janelas da frente.
— Preciso de mais — sussurro. — Preciso de você. Agora.
De repente, meu vestido é rasgado ao meio, permitindo que
nossas peles se encontrem sem qualquer barreira. O contato me
queima da forma mais prazerosa possível.
— Veio sem nada? — Ele rosna de novo ao notar que não estou
usando lingerie alguma.
Encolho os ombros para remover os trapos do que era a minha
roupa. Então, encaro-o, sorrio e assinto. Na mesma hora, sem
qualquer humor em seu rosto, Zachary toma meus seios com as
mãos e minha boca com a sua. O beijo também não tem qualquer
controle. É um encontro de línguas e dentes. De tesão e desejo. De
urgência e pressa. Nós nos beijamos como se nossas vidas
dependessem disso. Como se há anos não nos víssemos.
As vozes ficam mais próximas. As risadas também. Mas nada é
importante, a não ser o que estou vivendo com ele neste momento.
Zach rola o bico do meu seio entre os dedos, porque o desgraçado
faz de tudo para me deixar ainda mais cheia de tesão. Tudo o que
sinto é uma vontade louca de gemer. Então, é o que faço. Gemo
baixinho em sua boca e puxo-o pela bunda, rebolando contra sua
ereção, implorando para que Zachary aplaque essa carência e
preencha o vazio que estou sentindo.
— Caralho, você ainda vai me matar, mulher… — Ele abaixa o
rosto, sugando com força um mamilo enquanto tapa minha boca para
que ninguém descubra o que estamos fazendo aqui. — Eu não tenho
camisinha.
Não quero me lembrar de onde estamos, do perigo que corremos.
Só preciso desse homem dentro de mim. Tento avisar que tomo
anticoncepcional, mas o som sai abafado contra a mão forte.
Zachary nota e olha para mim, com os lábios ainda prendendo meu
biquinho sensível.
— Anti… concepcional — ofego.
— Tem certeza? — pergunta de forma enrolada, sem tirar os
olhos de mim nem parar de me estimular com a língua.
Neste momento, não quero pensar. Quero apenas sentir. Se não
tiver Zachary logo, acho que serei capaz de morrer. E não estou
exagerando. É por isso que apenas faço que sim com a cabeça,
tentando colocar o máximo de confiança no gesto.
Mais uma vez, sua boca invade a minha, e qualquer resquício de
sanidade que restava vai embora. Estou nua embaixo da escada,
ouvindo passos se aproximarem. Seremos pegos a qualquer
momento e não terei nem como disfarçar. Meu segredinho sujo virá à
tona, e não me importo nem um pouco com isso. Quero mais é que
as outras opções vejam que ele está comigo.
Não sei se é o medo ou o desespero em ter Zachary dentro de
mim, mas alguma coisa me obriga a enfiar a mão dentro de seu short
e senti-lo. Por. Inteiro. Tão duro e grosso que chego a salivar com a
vontade de tê-lo em minha boca. Zachary espalma as mãos no meu
quadril, me puxando para mais perto.
Então, ouço-o rosnar quando o aperto com um pouco mais de
força, porém logo nossas posições mudam e sou virada de frente
para os degraus, as mãos apoiadas na madeira que cobre os
espaços entre um e outro.
— Só você para me fazer esquecer do juízo — ele sussurra grave
ao pé do meu ouvido.
Não tenho tempo de contestar, já que sua mão volta a tapar
minha boca no instante que ele abaixa um pouco o próprio short.
Sinto seus joelhos dobrarem para ficarmos na mesma altura e logo
Zachary está escorregando para dentro de mim. Estou tão molhada
que não há qualquer resistência.
Então, passos começam a soar, subindo a escada.
Ele entra e sai devagar, com a testa apoiada no meu ombro, uma
mão segurando meu quadril e a outra me impedindo de gemer. É o
inferno e o paraíso. Zachary vai com calma, como se quisesse me
torturar. Tirando quase tudo e depois indo até o fundo de novo.
Minha cabeça tomba para a frente, meus lábios abertos em formato
de O, os olhos fechados para absorver o prazer. Se alguém der a
volta na escada, pode nos pegar no ato. Porém o perigo de sermos
vistos só deixa tudo ainda mais gostoso.
É a melhor sensação de todas.
Espalmo as mãos na madeira em diagonal, empinando a bunda.
Mais passos ecoam na escada. Rangidos de pessoas subindo.
Mais Zachary dentro de mim. Indo e vindo, cada vez mais
devagar. Ele me aperta com força, e sei que está deixando as
marcas que tanto quero. Encontro-o em cada um de seus
movimentos, tentando manter o ritmo lento para que ninguém ouça o
que estamos fazendo aqui embaixo. Mesmo assim, meus peitos
balançam com o impacto de cada estocada. Meu corpo pede por
libertação.
Escuto as mulheres se despedindo, os saltos batendo contra a
madeira a cada passo, tudo sincronizado com os avanços de
Zachary. Alguém se despede, outros desejam boa-noite. Enquanto
isso, tudo o que eu quero é gozar.
Uma porta se fecha. Depois outra. Várias. Por fim, o silêncio.
— Não vou conseguir parar — Zachary fala… e cumpre com a
promessa.
Sua mão sai da minha boca e chega ao meu cabelo, puxando-me
para trás. Então, ele começa a se mexer. A realmente se mexer. Um
vaivém rápido, o barulho estalado das nossas peles se chocando.
Começo a ofegar, o mais baixo que consigo, e ele também não se
controla, indo cada vez mais fundo, mais forte.
Sinto a pressão se formando no meu ventre enquanto mordo o
lábio para não gritar. Zachary aperta minha bunda com força, me
puxando para mais perto, impulsionando seus movimentos.
— Não para, não para — imploro, começando a ver tudo
embaçado.
— Caralho de boceta gostosa.
Os sons dos nossos corpos se chocando, a voz rouca, o cheiro
de sexo desenfreado… tudo é intenso demais, a ponto de eu não
conseguir mais me segurar.
— Ai, meu Deus!
— Não é Deus quem está te fodendo, Gaia. — Zachary dá um
tapa na minha bunda. — Diga meu nome, linda.
Não consigo obedecer, porque suas palavras despertam o
orgasmo mais intenso que já tive em minha vida. As pernas
fraquejam e Zachary precisa me envolver pela cintura para que eu
não caia no chão. O rosto afundado em meu pescoço, enquanto meu
corpo inteiro treme.
— Aaah! — solto em um suspiro, os espasmos me fazendo
contrair em torno dele.
— Porra, Gaia. — Zachary vem junto, crescendo e latejando
dentro de mim.
Capítulo 30

Gaia

— Isso foi…
— A melhor surpresa de todas — Zachary termina a frase, depois
da terceira rodada, enquanto acaricia o meu braço. Agora não há
mais o medo de sermos pegos, já que estamos aninhados em sua
cama, seguros e saciados.
Foi preciso que ele me carregasse escada acima depois da foda
espetacular na sala de estar, junto com o trapo que virou o meu
vestido. Finalmente conseguimos um pouco de privacidade para
continuar nossa diversão.
— Nunca imaginei que você tivesse um lado exibicionista. —
Apoio a cabeça em seu peito, deixando os dedos roçarem os
músculos que tanto amo. — Nem o maratonista.
— A culpa é toda sua, mulher. — Não consigo conter a risada,
nem a vermelhidão que toma as minhas bochechas.
É então que me dou conta da loucura que fizemos lá embaixo e
me sento na cama.
— Meu Deus! — Enfio o rosto na mão. — E se tivéssemos sido
pegos? Eu sabia do perigo, mas… não me importei na hora.
— Agora você se preocupa com isso? — Ele solta uma risada
gostosa, fazendo com que eu suba um pouco o olhar para encará-lo
e ver a resposta. — Eu não teria parado.
— Zachary! — Pego o primeiro travesseiro que vejo e miro em
seu rosto. Mas os reflexos dele são ótimos e não consigo atingi-lo,
que pega o travesseiro e me puxa de volta para seus braços.
— Fique mais um pouco, Gaia. Ainda não estou pronto para te
deixar ir embora.
— Não pretendia ir — confesso. — Na verdade, estou bem
confortável aqui. — Jogo uma perna por cima das dele e me permito
ser apenas uma garota normal por alguns momentos.
Aqui e agora, somos Gaia e Zach. Nada de futuro CEO da IK e
funcionária da casa. Não há diferença entre nós. Não há
pretendentes esperando por ele do lado de fora, nem expectativas.
Apenas uma sensação gostosa de companheirismo e saciedade.
— No que você está pensando? — ele quer saber, seus dedos
acariciando levemente os fios do meu cabelo.
— Em duas coisas, na verdade — confesso.
— E quais seriam elas?
— A primeira é por que você não foi me ver. Na cozinha, você
disse que iria e…
— Meu pai me chamou para uma conversa. Acabei demorando
mais do que o esperado — ele explica. — Depois, fui tomar um
banho. Quando desci, dei de cara com você na escada.
Tento conter o suspiro de alívio, ao mesmo tempo que não
consigo esconder o sorrisinho bobo que se forma em meu rosto.
Ele não ia me ignorar…
— E a segunda? — pergunta, me puxando para mais perto.
— Nas convidadas que seu pai trouxe. Tenho certeza de que elas
dariam tudo para trocar de lugar com essa cozinheira, neste
momento — solto em tom de brincadeira e aproveito para deixar uma
mordidinha em seu peito, agora me sentindo bem mais relaxada.
Zachary ri alto.
— Imagina o desastre que seria o jantar — ele também faz piada
e não consigo conter a gargalhada. — Inclusive, estava delicioso. E
não estou falando isso porque você está na minha cama, nem
porque já provei outras coisas também. É a mais pura verdade. Você
tem muito talento, Gaia.
Subo o olhar para encontrar o dele. E ali, refletido em todo aquele
mundo verde, não há nada além de sinceridade. Tanto que meu peito
infla, fazendo meu coração errar algumas batidas.
— Você não tem ideia de como é bom ouvir isso.
— E sobre as mulheres quererem ser você agora… — Seu rosto
vem para bem perto, o nariz roçando o meu. — Elas podem até
tentar, mas ninguém jamais será você, Gaia.
— Você não pode dizer essas coisas. — Minha voz é tímida e
não passa de um sussurro.
— Por quê?
— Porque senão eu acabo acreditando — confesso, mais
baixinho ainda. O medo de me expor é enorme. Ao mesmo tempo
que não quero parecer a mocinha emocionada, também não estou a
fim de soar indiferente a tudo que tem acontecido entre nós. Até
porque não tenho mais como fingir que não sinto aquilo que meu
corpo já deixou bem claro para ele.
Só que, por vários segundos, Zachary apenas me encara de
volta, como se buscasse as palavras certas para dizer o que está em
sua mente. O silêncio domina o quarto, preenchido apenas por
respirações hesitantes. Por um segundo, fico com medo de ter falado
besteira, talvez trazido à tona um assunto que não deveria fazer
parte deste momento. Há uma tensão estranha no ar, como se não
soubéssemos ao certo o que está acontecendo. Algo está mudando
agora. De um lado da moeda, há o desejo. Do outro, há aquilo que
nenhum de nós está pronto para olhar e descobrir o que é.
— Se eu te dissesse que não minto, você acreditaria em mim? —
A pergunta é tão inesperada que acabo enrugando as sobrancelhas.
— Como assim?
— Todos dizemos mentirinhas bobas, é claro, mas eu me lembro
quando tinha doze anos e contei uma mentira séria na escola.
Coloquei a culpa por uma janela quebrada de um carro de luxo em
um menino bolsista. Ele era metido, insuportável e tinha ficado com a
menina que eu queria. — Solta uma risada sem qualquer humor. —
É claro que todos acreditaram em mim.
Zachary se ajeita nos travesseiros, desviando o olhar do meu, e
encara o teto. É como se, ali em cima, um filme estivesse passando
e ele pudesse enxergar a cena.
Ou talvez só não queira que eu veja seu rosto agora. Mesmo
assim, me puxa para perto, fazendo com que eu deite em seu peito.
— O menino era um Smith. Zachary Smith, de todos os nomes…
Eu, um King — continua narrando. — De alguma forma, meu pai
sabia que eu não estava sendo honesto, mas não me contestou na
frente de todo mundo. Ele ficou do meu lado e deixou que os
diretores da escola tomassem as atitudes necessárias. — Com a
cabeça sobre seu coração, enquanto traço círculos nos músculos da
barriga, escuto-o bater acelerado. Sei que a parte ruim está por vir.
— Expulsaram Smith no mesmo dia.
Absorvo o impacto da história, só que não consigo ficar calada.
— E o que aconteceu depois?
— Cheguei em casa, achando que tinha me safado, e meu pai
estava lá, sentado no escritório, esperando por mim. — Seu braço
me aperta com um pouco mais de força, o que me deixa preocupada
com o que vou ouvir em seguida. — Quando entrei, pensei que fosse
levar uma surra por ter mentido, mas não foi o que aconteceu. Meu
pai nunca levantou a mão para mim. Nem uma única vez. Ele apenas
olhou em meus olhos e disse, naquele tom firme de quem sabe mais
da vida: “Um King de verdade entende que mentiras ajudam um lado
e condenam o outro. De agora em diante, você será obrigado a
dormir com esse peso na sua consciência para sempre. Parabéns,
meu filho, foi brincar de rei e se tornou um carrasco”.
A frase me faz estremecer.
— Mas…
— Ele estava certo, Gaia — Zachary me impede de continuar. —
Durante meses, só conseguia pensar em Smith e na merda que eu
tinha feito. Eu era orgulhoso demais para voltar atrás e consertar o
meu erro. Não falei para ninguém que tinha sido eu o culpado pelo
estrago na janela do carro, mas encontrei outra solução. — O
coração dele bate mais rápido, acho que de forma animada pela
lembrança positiva, e suas mãos me acariciam com mais firmeza. —
Fui atrás de vários colégios, até encontrar o segundo melhor de
todos, e fiz uma doação generosa em nome de Zachary Smith. Tirei
o dinheiro da minha poupança pessoal e paguei a mensalidade dele
até o fim da escola. Não contei para o meu pai, mas, de novo, ele
sabia o que eu tinha feito. E, de novo, me chamou ao seu escritório.
Dessa vez, ele estava de pé. Quando entrei, tudo o que fez foi
estender a mão para mim. “A partir de hoje, você não é só um King,
mas o meu herdeiro também. Porque, nesta família, nós não temos
medo de nos sacrificarmos pelo que acreditamos ser o correto”, ele
disse.
Meus olhos ficam marejados quando termino de ouvir a história.
Não só pelo que aconteceu, mas por saber que, embaixo de tanta
pose e atitude, há um homem de verdade.
Não sei por que me surpreendo ao ver que Zachary King tem
princípios.
— É por isso que você está trabalhando tanto para ser o próximo
CEO da IK? — solto a pergunta. — Para honrar o seu pai?
— Também — ele confirma, virando-se para mim. — Harvey King
é o homem mais correto que já conheci na vida. Dentro e fora do
escritório. Quero muito ser o herdeiro que ele precisa, mas… —
hesita, fechando os olhos e puxando o ar com força.
— Mas? — incentivo-o a continuar. Aproveito e traço levemente
seu nariz. Depois, contorno a boca com a mesma leveza, descendo
o toque para seu pescoço enquanto mantenho os olhos presos em
seu rosto, até que meus dedos chegam ao peito forte e ele toma a
mão na minha, impedindo-me de seguir.
— Quero isso por mim — declara com firmeza, beijando a palma
da minha mão. — Eu quero ser capaz. Por mim, Gaia. Quero provar
a mim mesmo que posso ser metade do homem que meu pai é, nem
que seja apenas como profissional.
— Não sei se vale para muita coisa — deixo um beijo rápido em
seu pescoço —, mas acredito em você. Sei que vai ser um excelente
chefe.
É então que seu rosto muda, e algo novo aparece ali. Algo que
não consigo decifrar. O modo como Zachary me encara é… não sei.
Como se estivesse procurando algo em meus olhos, talvez na minha
alma. Tão lá dentro que fico desconfortável e sou obrigada a romper
o contato visual, balançando um pouco a cabeça.
Às vezes, ele é intenso demais para mim.
— Não foi por isso que contei aquela história, sabe? — ele diz,
aliviando meu incômodo.
— Ah, é?
— Só estava tentando te dizer que não minto. — Solta uma
risada, mas a frase me faz lembrar do que havia falado antes, e é
claro que fico vermelha de novo. — Meu Deus, mulher! Quando você
vai parar de ficar com vergonha?
— Não sei! — Começo a rir também, agora sem graça pela minha
vergonha descabida.
— Trabalhe nisso, porque há meia hora eu estava te chupando
e…
— E se você não parar agora, vai ter que me chupar de novo —
ameaço, só para calar a boca mesmo.
— Olha — finge uma expressão séria, porém logo relaxa —,
prometo que não será um sacrifício.
Então, nos encaramos. Os olhos buscando alguma coisa nos
meus, só que não há mais palavras sendo ditas. Não precisamos
falar nada. Apenas sentimos.
O desejo.
A necessidade.
Logo sua boca encontra a minha. E, desta vez, o beijo é calmo,
sem a urgência de antes, mas isso não quer dizer que não cause o
mesmo efeito devastador. É sempre assim, e não entendo o porquê.
— De novo? — pergunto, alcançando sua rigidez.
Um sorriso estampa o rosto atraente e Zachary me puxa para
cima, me fazendo montar sobre ele.
— Já perdemos muito tempo.

∞∞∞
 
Nem mesmo uma festa é divertida sem os King por perto. Ou
talvez seja a saudade que eu esteja sentindo de Zachary. Ele foi
embora no domingo e mal tive chance de me despedir. O máximo
que conseguimos foi uma troca de olhares. Pelo menos, ficamos até
as cinco da manhã juntos, sem conseguir parar de conversar. Uma
sequência de risadas, toques, beijos, orgasmos…
Acho que foi a melhor noite da minha vida.
Primeiro, o sucesso do jantar. Depois, Zachary. No domingo, eu
estava mais destruída do que meu vestido. Porém, quando o sol
nasceu, tudo voltou ao normal: eu era a cozinheira, e ele era o filho
do meu patrão. Mas cada segundo valeu a pena. Não só o sexo, as
conversas que tivemos também.
Agora estou olhando para o mar enquanto tento refletir sobre o
que vou fazer daqui para a frente. Porque a verdade é que me sinto
cada vez mais envolvida por Zachary, e não sei se devo me permitir
ter esses sentimentos de novo.
Já me iludi uma vez. Entreguei minha alma.
Se eu fizer isso de novo, e não der certo, não sei se vou
conseguir me reerguer.
“Mas será que não passamos do ponto de questionar o que
estamos fazendo?”, um Zachary imaginário pergunta em minha
mente. E por mais que eu odeie admitir, ele tem razão.
Ficar questionando se devo ou não me envolver quando já estou
envolvida é a mesma coisa que chorar o leite derramado. É tarde
demais para isso.
— Gaia! — A voz de Valerie interrompe meus pensamentos.
Desencosto da grade e olho para trás, vendo-a acenar para mim. —
Vem logo — ela chama, apontando para o grupo de pessoas em
volta da piscina.
— Só mais um minuto.
A vista na mansão dos Callihan é diferente da dos King, que fica
em uma área bem limitada de Southampton. A caminho de Havens
Beach, com alguns conhecidos de Valerie e Kyle, tive ainda mais
certeza de que a propriedade dos King faz parte do 1% do 1% dos
ricos e famosos. E que ninguém tem algo tão exclusivo quanto eles.
Até nós, que somos os funcionários, somos tratados de forma
diferente que os demais invasores.
Quando viu meu estado de total apatia, Val insistiu para que eu
viesse a essa festinha. Mesmo minha vontade sendo de ficar em
casa lendo um livro e comendo pipoca, aceitei. Só que ela tinha
razão: eu merecia uma folga agora que Martha está recuperada.
Depois de todo o esforço para cuidar da família no fim de semana,
nada melhor do que um pouco de diversão. O problema é que não
estou achando nada para me alegrar, porque não consigo tirar um
certo homem da cabeça.
— Gaia… — Kyle se aproxima.
— Desculpe. — Viro-me para ele. — Sou uma péssima
companhia hoje.
— Aconteceu alguma coisa?
— Não — apresso-me em mentir. — É só que… não estou muito
a fim de ser sociável. E como não conheço a maioria das pessoas
aqui — aponto para o grupo —, fico meio desconfortável. Nada de
mais.
— Se você quiser, podemos ir embora — Kyle oferece, um sorriso
carinhoso estampando seus lábios.
— Imagina. Fique com seus amigos e aproveite a noite. Eu estou
bem. — Abano o ar, dispensando a ideia. — Daqui a pouco apareço.
Só estou vendo o mar.
— Tem certeza?
— Absoluta — garanto.
Não vou dizer a ele que minha bateria social é limitada. Muito
menos que preferia estar nos braços de um determinado homem
agora. Por isso, apenas forço um sorriso e afirmo que vou ficar legal.
Kyle assente e volta para o grupo animado. Todos estão rindo em
volta da piscina, tomando cerveja e parecem bastante alegres por
curtir a noite do mesmo jeito que os ricos e famosos.
Os Callihan, pelo que soube, estão passando o verão no sul da
Itália.
Ah, a vida difícil.
— Gaia! — Val me chama de novo.
— Prometo que já… — começo a dizer, virando-me para ela,
porém estremeço ao ver o celular em sua mão.
Da última vez em que ela veio até mim com o aparelho, não foi
para me trazer boas notícias. Acho que minha amiga percebe para
onde meus pensamentos vão, porque sua expressão fica murcha na
mesma hora. Há uma raiva contida ali também.
— Olha, eu não queria ser portadora de más notícias de novo,
mas… — Valerie nem consegue me encarar direito.
Puta merda, a coisa deve ser feia mesmo.
— Me mostra logo. — Estendo a mão, sem querer adiar o
inevitável.
Minha respiração é pesada e a coragem vacila no instante em
que ela coloca o aparelho na minha palma. Sinto o corpo inteiro gelar
antes mesmo de ver o que está ali, porque eu sei, eu sei, que vou
me decepcionar. A expressão de Valerie já diz tudo.
Então, fecho os olhos, tentando conter as batidas
descompassadas dentro do peito.
Contei a ela parte do que aconteceu entre mim e Zachary no
último fim de semana. Disse que o nosso envolvimento está cada
vez maior e que não estou conseguindo conter o avanço dos meus
sentimentos. Falei que estou me apaixonando, mesmo que eu tenha
certeza de que a recíproca não é verdadeira.
Zachary King, todos sabem, não é um homem que se apaixona.
Ele mesmo me disse que não tem relacionamentos bonitinhos, que
não se envolve com mulheres e que nunca namorou. Por que seria
diferente comigo? Tudo bem que fizemos mais do que sexo. Ele se
abriu comigo. Contou histórias de sua infância, me mostrou um lado
mais… humano. Só que isso não significa amor. Sei disso, mesmo
que precise repetir essas frases algumas vezes ao dia para não
afundar na besteira de acreditar em finais felizes de novo.
Crio coragem, abro os olhos e vejo o que ela tem a me mostrar.
Na tela, há uma postagem do Instagram. A primeira foto é de
Zachary ao lado de Trenton. Os dois de terno, rindo, no que parece
ser um evento da alta-sociedade.
— Isso é de hoje? — pergunto, minha voz não passa de um fiapo.
Val faz que sim com a cabeça. Fico me questionando quem
diabos vai a uma festa em plena terça-feira. Só então me lembro de
que também estou em uma festinha e ignoro o ciúme. Pelo menos,
por enquanto. Então, passo para a foto seguinte — e meu coração
para de bater.
Porque Zachary está abraçado a duas desconhecidas. Duas
mulheres lindas, com certeza modelos. Altas, magras, com vestidos
elegantes que devem custar mais do que meu salário anual,
maquiagens impecáveis e sorrisos de milhões. O pior de tudo é que
ele também está sorrindo. Sem suportar olhar mais para a imagem,
passo para a próxima. Zachary cochicha no ouvido de uma delas,
enquanto a outra tem a mão espalmada em seu peito.
O mesmo peito em que me deitei há poucos dias.
Engulo em seco, tentando conter a vontade de vomitar. Sigo para
a última foto e meus joelhos perdem as forças. Preciso me apoiar na
grade do deque para não cair. Ali, estampado para o mundo ver,
Zachary King está beijando a boca da acariciadora de peitos
masculinos.
— Ei, ei, ei! — Valerie me chama. — Presta atenção: essa última
foto é antiga, viu? — Não tenho como encarar minha amiga. — Leia
o que está escrito na postagem.
— Não consigo — confesso, sentindo minhas mãos tremerem.
— Então eu vou ler. Ele foi a um evento da gravadora. Essas aí
são duas cantoras. A da direita, Janice Blue — diz em tom acusador,
se referindo à mulher com quem ele estava cochichando —, é a
superfamosa do momento. A da esquerda é Kirsten Heart. Ela já é
antiga na King Records e um ex-casinho do Zachary. Esse perfil de
fofoca colocou essa foto e perguntou se os dois estão juntos de
novo. — Forço-me a desviar o olhar da tela para minha amiga. Posso
ver no rosto de Val que ela está tão preocupada quanto eu. —
Aquele cachorro! Eu podia jurar que ele estava a fim de você, Gaia,
de verdade. Desculpe, eu jamais imaginei que…
— Não precisa se desculpar. O erro não é seu, Val — interrompo-
a, cansada de ouvir explicações.
Meu olhar encontra o dela enquanto tento conter as lágrimas.
Mas não vou chorar agora. Não vou. Não posso me permitir chorar
por um homem que está se divertindo com outras mulheres,
enquanto fico aqui, pensando nele que nem uma idiota. Onde está o
meu senso de autovalorização?
— Talvez tenha sido algum engano. Você sabe como são essas
fofocas de internet… — Ao notar as lágrimas que lutam para cair, Val
tenta me acalmar, mas é em vão.
É impossível me tranquilizar agora, porque, a cada segundo que
passa, tenho mais certeza de que não sou nada além de uma
diversão de temporada para aquele homem.
Um romance proibido.
O sexo embaixo da escada.
Um desafio para Zachary King.
Vida em Nova York
A sua fonte de informações sobre a cidade que
nunca dorme

Kirsten Heart reconquistou o coração de Zachary King?


Sabemos que os dois tiveram um caso anos atrás, mas parece
que a chama do romance foi reacendida com sucesso.
Os dois se reencontraram na festa de vinte anos da King Records
e a química rolou solta! Durante o tempo quase todo, eles ficaram
juntinhos, conversando e talvez relembrando tudo o que viveram.
Confesso que shippava muito o casal e agora estou empolgada para
ver como essa história vai se desenrolar.
O possível casal não saiu junto do evento, mas aposto que só
fizeram isso para despistar os fotógrafos e jornalistas, que estavam
em cima deles como um enxame de abelhas.
Uma pergunta importante: se Zachary está todo encantado com
Kirsten, quer dizer que ele não está envolvido com Samantha
Strauss, certo? Como será que ela está se sentindo em relação a
tudo isso? Será que foi outra que teve seu coração partido pelo
nosso príncipe?
Fiquei sabendo que Sam voltou para Londres logo após a
semana que passou junto com nosso King preferido, em Nova York.
De repente, foram só alguns dias para matar a saudade.
Ah, como eu queria saber detalhes dessa história…
Capítulo 31

Zachary

Quando tudo dá certo, só consigo pensar nela. É com Gaia que


quero comemorar.
Quando tudo dá errado, só consigo pensar nela. É com Gaia que
quero conversar e, talvez, encontrar as soluções.
Essa mulher não sai da minha cabeça por um maldito segundo, a
ponto de eu já ter desistido de tentar. Até quando fecho um dos
maiores contratos da minha carreira, penso nela e no quanto queria
comemorar com Gaia. Uma celebração que envolveria seu gosto,
seu cheiro, seu sorriso doce… Penso na sua boca, nas mãos me
puxando para mais perto, na expressão que faz quando goza e em
como briga sempre que acha que estou fazendo alguma coisa
errada.
Gaia só tem um defeito: não está comigo agora. Hoje ainda é
quarta-feira e já estou enlouquecendo de saudade. Como isso é
possível?
Sentado no meu novo escritório, em um dos últimos andares do
prédio da IK, na Lexington Avenue, tenho uma vista esplêndida para
Manhattan, só que nada disso importa. Frustrado, esfrego o rosto,
tentando aliviar o sentimento. A remodelagem do espaço ficou
perfeita, do jeito que eu sempre quis, com as enormes janelas
iluminando o ambiente e o piso claro deixando tudo ainda mais
amplo, só que nem isso tem me animado. Porque Gaia não está
comigo.
Olho ao redor, percebendo que tudo está como eu queria: os
sofás confortáveis para as conversas com meu pai e meus primos. A
mesa de reunião enorme para encontros mais sérios e para
videoconferências; o bar ao fundo, uma exigência de Jackson para
vir aqui. Sem falar na extravagante parede de vidro que separa a
minha sala da de Trenton, com uma enorme estante de livros — que
nós dois jamais leremos — entre o espaço, impedindo que vejamos o
que acontece um do lado do outro.
Porém o que mais gosto é da minha mesa. Enorme, de uma
madeira muito escura, quase preta, com uma base retangular e fixa,
que lembra mármore. Sei lá do que essa porra é feita, mas quando a
designer me mostrou a foto, sabia que era a escolha perfeita. Foi a
partir dela que deixei a mulher decidir os outros tons do escritório.
Até algumas semanas atrás, isso era minha ideia de paraíso no
trabalho. Agora, tudo parece sem graça e vazio, como se eu tivesse
deixado passar algo importante e não conseguisse saber o quê.
Irritado, minha testa tomba sobre o tampo da mesa, mas nada treme.
Viro a cabeça de um lado para outro, tentando descobrir o que está
acontecendo.
É então que noto o que está faltando e me sinto um idiota por
sequer pensar nisso. Afinal, só fiquei com Gaia poucas vezes,
apesar de terem sido intensas. Então, não é normal um homem
saudável, de vinte e nove anos, trepar com uma mulher e querer ter
porta-retratos de momentos felizes no escritório.
— Golden retriever do caralho! — xingo alto, na mesma hora que
Trenton está cruzando a porta.
— Quem?
— Eu! — grito, erguendo-me da cadeira. — Eu sou um maldito
golden retriever. Eu era um lobo, Trent. A porra de um lobo solitário,
uivando para a lua. Um pitbull. Igual a você. Alto, forte, marrento,
piruzudo, macho alfa. — Gesticulo sem qualquer controle. — E agora
sou esta porcaria de golden retriever. Daqui a pouco, viro um
yorkshire, daqueles de ser levado numa bolsa. E o que vai restar da
minha dignidade, hein? Nada! — Faço um sinal de encerramento
com as mãos. — Absolutamente nada.
— Do que você está falando, Zach? E desde quando o tamanho
do meu pau virou pauta de discussão?
— Estou falando daquela demônia ruiva. — Aponto o indicador
para a porta. — E o problema não é o seu pau, e sim a boceta
mágica que encontrei. Aquela lá… Aquela lá é perigosa, Trent. —
Minha voz chega a tremer. De raiva, de medo, de nervoso. Não sei.
Estou completamente desnorteado, sem conseguir mais manter meu
amor-próprio em vista.
Nos últimos momentos — porra, nos últimos dias —, alguma
coisa mudou. Um interruptor foi ligado dentro de mim e, de repente,
uma enxurrada de merda escapou. E já dizia o velho ditado: diarreia
cagada não volta pro cu.
— Meu primo, você está bem?
— Não, não estou bem. Trenton — vou até ele com passos
apressados e, ao mesmo tempo, hesitantes —, eu acho que estou…
“Enlouquecendo” deveria ser a melhor forma de terminar a frase,
porém não era isso o que estava prestes a dizer, e sim algo muito
mais perigoso.
Então, sigo até a janela e fecho as persianas. Sei que Trenton
deve estar observando cada um dos meus movimentos, mas o que
preciso contar não pode ser dito tão abertamente assim. Paredes —
e janelas — têm ouvidos. E se meu pai souber disso… vou matar o
velho de orgulho e não estou pronto para ser o filho de ouro neste
sentido.
É por isso que, logo depois, abro a porta do escritório e verifico se
não tem um futriqueiro do outro lado. Não posso correr o risco.
— Estamos bem — aviso.
— Você não olhou embaixo da mesa. — Ele ergue uma
sobrancelha e sei que está ironizando.
Mesmo assim, acho melhor garantir. O que será dito não pode ser
ouvido por ninguém. Ninguém. Nem mesmo Jackson pode ficar
sabendo disso. Balançando o dedo para ele em confirmação, vou até
minha mesa linda e, como bom idiota que sou, verifico se tem
alguém ali, ou alguma escuta.
— Limpo. — Meu coração acelera quando volto à área de
reuniões.
Vejo meu primo sentado, um braço aberto sobre o encosto do
sofá e a perna cruzada. A postura relaxada contrasta com a testa
franzida, que deixa claro o quanto está preocupado — comigo ou
com meu comportamento insano, tanto faz.
— O que foi? Fala logo — ele me apressa.
Ando de um lado para o outro, sem conter o nervosismo que
percorre o meu corpo. As palmas das mãos suadas, o tremor por
conta do medo.
Meu Deus do céu, o que foi acontecer?
— A maldição, Trent. A porra da maldição. — Sinto como se eu
tivesse sido ligado na tomada e não mais consigo impor controle aos
meus movimentos.
— O que tem ela?
Olho para meu primo, que me encara de volta como se não
conseguisse entender o que diabos está se passando. É claro que
não entende, afinal, não é ele quem está…
Sem forças para me manter de pé, acabo deixando meu corpo
cair em uma das poltronas, o rosto enterrado nas mãos frias como
gelo. Não consigo acreditar nisso. Não posso.
Não. Não. Não.
Não é verdade.
Não pode ser.
Não é.
— Zachary? — ele chama.
Minha respiração falha, parece que alguém está apertando a
minha garganta. Ou então que engoli um pedaço de iceberg. Afrouxo
a gravata, mas nem isso me ajuda a puxar o ar com facilidade.
Que merda.
Estou tendo um ataque de pânico pela primeira vez na vida.
Vivendo uma espiral de sofrência sem tamanho, tudo por conta
de uma maldição.
Não pode ser.
Claro que não.
Por outro lado, é a única explicação.
— A maldição dos King é real — confesso de novo, incrédulo,
vendo algumas sombras se mexerem à minha frente.
— Calma, Zach. Aquilo era só uma piada do Elijah.
Subo o olhar e encontro Trent agachado à minha frente. Posso
notar a preocupação genuína no modo como me fita.
Talvez ele pense que estou ficando louco.
Talvez ele esteja certo.
Ou talvez — e só talvez — nada disso faça sentido.
Mas a questão é que…
— Não, Trent — corrijo-o. — A maldição dos King é real, porque
estou apaixonado pela Gaia. — As palavras escapam da minha boca
e vejo meu primo dar um pulo para trás, se recostando no sofá de
novo. Uma expressão estarrecida no rosto, que até então só
estampava a angústia por conta do meu comportamento.
— Não… — ele diz, prolongando a sílaba.
— Sim — insisto. E, quando confirmo, uma calma estranha
começa a me dominar.
Sim.
Sim.
Sim.
Eu estou apaixonado por Gaia.
Que coisa mais estranha.
— Não… — Trenton repete, balançando a cabeça de um lado
para o outro, o lábio inferior esticado para a frente.
— Entendeu o meu pânico agora?
Volto a respirar no ritmo normal, absorvendo aos poucos o
impacto da informação, que se repete em looping na minha mente.
— Mas como?
— É o que estou tentando te contar, Trent: a maldição…
— Existe mesmo isso de maldição? — pergunta em um sussurro,
agora também em pânico e olhando para os lados.
Aponto um dedo em sua direção.
— Eu. Não. Sei. Mas é a única explicação. Isso ou…
— Ou…? — insiste para que eu continue com a hipótese.
— Ou boceta mágica. As duas opções são ridículas demais. E se
eu for ser honesto, prefiro acreditar em uma maldição do que em…
— Concordo com você. Muito mais crível. — Assente com a
cabeça, parecendo um tanto resignado. — Fora que os riscos são
menores.
— Bem menores — sou obrigado a concordar.
— Que merda.
— Que merda — repito.
— E agora, o que você vai fazer?
— Não tenho ideia — confesso.
— Vai fugir? Fingir que nada aconteceu? Nunca mais aparecer
nos Hamptons, pelo menos até ela ser demitida depois do verão?
Porque, cara, você está apaixonado. — A última frase não passa de
um murmúrio, como se ele estivesse dizendo que sou impotente.
Então, penso nas opções que acabou de oferecer. Fugir é uma
delas. Inclusive, uma bem viável. E talvez a mais segura.
Fingir que nada aconteceu. Bem… não tem muito sentido. Só
quem sabe do meu envolvimento com Gaia são meus primos, ou
seja, não teria muita diferença no fim das contas. Aquele bando de
enxeridos jamais me deixaria esquecer.
Nunca mais aparecer nos Hamptons até ela ser demitida… Não.
Não consigo. Não consigo ficar longe daquela mulher. Na verdade,
preciso ficar o mais perto possível. De preferência, sem nada entre
nós. Já passamos desse ponto.
— Caralho, já passamos desse ponto! — digo em voz alta, cada
vez mais estarrecido com a minha própria falta de autoconhecimento
quando o assunto é sentimento.
— De que ponto? — Trenton quer saber.
Olho para ele e dou graças aos céus por meu primo ainda não ter
desenvolvido a habilidade de ler a minha mente. Se Trenton
soubesse que transei sem proteção com alguém que mal conheço,
com certeza me daria um sermão mais longo do que o meu…
— Esquece. — Abano o ar com a mão, dispensando o
comentário.
Será que tem um mini King a caminho? Puta merda! Ela disse
que tomava anticoncepcional. Só espero que seja verdade. Eu até
consigo admitir que estou apaixonado — mesmo que isso venha às
custas de um ataque de pânico. Por isso, nem quero imaginar o que
aconteceria se eu descobrisse que estou prestes a ser papai.
Mas isso é só um outro fator contribuinte para que eu tenha
certeza de que a maldição está a pleno vapor. Porque eu nunca, em
todos os meus anos de trepância, fiz sexo sem camisinha. E foram
muitas mulheres na estrada da vida. A vontade era sempre menor do
que o meu bom-senso. Só que Gaia me fez esquecer de tudo. Foi só
aquela desgraçada dizer “anticoncepcional” e pronto.
Entrei no parque de diversões sem comprar o bilhete.
Que. Grande. Merda.
Pior do que isso. A cada segundo, a ideia de um mini King se
torna mais e mais atraente. Pelo menos a ideia de como fazer um.
Puta que pariu.
— Que cara é essa? — Vejo o dedo de Trenton apontado para
mim. — Eu te conheço, Zachary James King, sei o que isso significa.
— Não, você não sabe. E não vou falar sobre isso agora —
decreto, levantando-me do sofá. Começo a andar de um lado para o
outro, a inquietude me impedindo de ficar parado.
— Então, já decidiu o que vai fazer?
“Não”, respondo mentalmente, enquanto esfrego o rosto com as
mãos, porém logo finjo que me acalmo e enfio os punhos cerrados
no bolso.
— Claro que sim. Preciso ver a Gaia. — É o que sai da minha
boca.
Mesmo que meu lado racional diga que eu não posso me jogar de
cabeça nessa relação, outras partes já se jogaram. Não há nada que
eu consiga fazer neste momento para conter os meus impulsos.
— Quer ficar com ela, né? — o idiota pergunta. — Tipo, ficar de
verdade.
Meu Jesus Cristo, nunca pensei que teria essa conversa de
quinta série.
— Claro que eu quero. Posso ser louco, mas não sou burro. —
Paro de andar e encaro meu primo.
— Como você vai conseguir isso? Da última vez que nós
conversamos, disse que ela não estava disposta a assumir que…
— Eu sei, eu sei. — Solto o ar com força.
Tenho plena noção do meu status de lanchinho da madrugada.
Sou bom para algumas trepadas, mas não o suficiente para que
ela me apresente como algo mais.
E é assim que se destrói o ego de um homem. Até ontem, não
tinha problema. Mas hoje… Hoje não posso mais aceitar essa
humilhação.
Gaia vai ter que entender que estou disposto a mudar tudo entre
nós. Daqui para a frente, ela terá um homem em sua vida. Só preciso
me acalmar, retomar um pouco do controle e encontrar uma forma
sensata de contar isso a ela. Porque se eu aparecer deste jeito nos
Hamptons, Gaia com certeza vai fugir de mim — e com razão.
— Preciso de um grande gesto — digo.
— De um… o quê?
— Um grande gesto — repito. — Sabe aquelas coisas de filmes?
Quando os caras vão fazer declarações de amor…
— Das formas mais estúpidas possíveis? — Trenton termina a
minha frase. — Sei. Sei, sim.
— Exatamente. Preciso de um grande gesto.
— Você é bilionário. — Ele dá de ombros. — Compre um
restaurante para ela — sugere de forma descabida.
— De jeito nenhum! — Tiro as mãos do bolso e ergo as palmas.
— Gaia arrancaria minhas bolas se eu fizesse isso.
Ela deixou claro que quer conquistar as coisas com o seu
trabalho — algo que respeito e admiro. Por mais que eu possa
comprar um restaurante num estalar de dedos, se fizesse isso,
eliminaria todas as minhas chances com ela. Gaia enxergaria o
“grande gesto” como uma afronta, não como algo romântico.
— Então, não faço ideia.
— Nem eu. Mas se a maldição existe mesmo, ela vai encontrar
uma forma de me ajudar.
Porque da próxima vez que eu encontrar Gaia Denver, direi a ela
que estou apaixonado.
Capítulo 32

Gaia

Eu odeio Zachary King.


Quando a quarta-feira começa, todos os sites de fofoca estão
falando do relacionamento dele com a tal de Kirsten Heart. Pelo que
vi, ela é um dos nomes mais famosos da música pop, e seu possível
reatamento com o queridinho da América é o assunto número um
nas redes sociais. Twitter, Instagram e até videozinhos de montagens
fofas deles no TikTok enchem a minha timeline. Fotos dos dois juntos
no passado reaparecem como um enxame de vespas assassinas,
me injetando com o veneno verde da inveja.
Quando a noite chega, estou tão cansada de ver o casal feliz que
sinto vontade de arremessar meu celular contra a parede. Quem
sabe a minha cabeça não possa ir junto? Talvez usar esta faca aqui
para ajudar no meu processo de autodecapitação.
Mas não posso sujar a cozinha, senão Martha me mata. Então,
continuo picando cebola, como a boa assistente que sou. Por que
Zachary não me ligou ao saber das notícias que estão saindo? Ele
viu como fiquei da última vez. Isso só mostra que não sou realmente
mais do que o caso do verão.
— Essas mulheres são o meu passado. Quer ser o meu presente,
Gaia? — debocho, forçando uma voz esganiçada, porém baixinha
para a coronel não ouvir.
Que piada!
Quem ele acha que sou? Uma delas? Que é só estalar aqueles
dedos ricos e vou correndo? De jeito nenhum!
Pico a cebola bem rápido, em pedaços minúsculos, usando tanta
força que a tábua de madeira acaba sofrendo com a minha ira.
— Maldito. Desgraçado. Filho de uma…
— O helicóptero dos King acabou de pousar! — Val entra
esbaforida na cozinha e me encara com os olhos arregalados. — É
ele, Gaia. Gerald mandou avisar.
Não consigo me controlar e começo a rir.
— O que aconteceu com ela? — Martha, que estava quieta
enquanto testava uma receita, aponta para mim.
— Nada, não — Val garante, mas não consigo parar e passo a rir
ainda mais alto.
Tenho certeza de que elas devem achar que estou surtando.
Qualquer um que me visse neste estado acharia a mesma coisa,
porém a verdade é que estou rindo de ódio. Uma ira intensa dele,
que se acha no direito de aparecer aqui — de helicóptero —, quando
bem entende, para uma rapidinha no meio da semana. Ah, se for
isso… Juro que darei outro uso à faca na minha mão: tornar Zachary
o primeiro King eunuco. Corto o pau dele fora e coloco numa
moldura bem bonita no meio da sala.
Se ele pensa que vai encostar um dedo em mim, está muito
enganado. Não sem antes contar tim-tim por tim-tim do que andou
fazendo com a esfregadora de peitos masculinos.
Posso ser louca, mas não sou burra. Talvez um pouquinho
ciumenta.
Darei a ele uma única chance de explicar por onde seu órgão
reprodutor andou desde a última vez que esteve dentro de mim —
sem camisinha, diga-se de passagem. E se gaguejar… vai daqui
direto para o caixão.
Tenho plena consciência de que não serei mãe, porque as
injeções de anticoncepcional estão em dia, mas não estou a fim de
fazer tratamentos contra infecções sexualmente transmissíveis,
muito obrigada. Nem de ficar transando por tabela com outras
pessoas, só porque o bonitão não tem controle sobre os próprios
impulsos.
Lembro-me de Monica dizendo que seu filho é um homem
saudável. Será que ela vai achar a mesma coisa quando ele for
servido à la frango xadrez[2] no próximo jantar em família? Duvido
muito.
Ignorando os comentários das duas outras mulheres na cozinha,
paro de rir subitamente, lavo as mãos e apenas revezo olhares entre
as portas, sem saber por onde ele vai entrar. Com isso em mente,
preparo-me para a briga. Porque, ah… vai ter uma briga. Um dedo
pronto para ser apontado na cara dele, a faca pronta para qualquer
gracinha.
Modo tóxica on.
Então, pela porta dos fundos, ele entra. De terno cinza-escuro,
com um buquê enorme de rosas vermelhas nas mãos e um sorriso
devastador no rosto. Filho da puta. Para piorar a situação, a primeira
vontade que tenho é de sentar nesse sorriso, me esfregar em sua
boca e não sair de sua cara até ter gozado duas vezes. Só que não é
isso o que vai acontecer.
— Oi, Gaia — o disgramado tem a audácia de dizer, olhando para
mim com aquela carinha linda de modelo. Depois, como se
recobrasse a educação que a mamãe lhe deu, ele cumprimenta as
demais pessoas na cozinha: — Oi, Tata. Val.
Enquanto isso, a cólera passeia por minhas veias, corroendo a
minha sensatez e me fazendo ver tudo nublado. Porque ninguém
tem o direito de ser perfeito dessa maneira, com a mandíbula
definida, os lábios carnudos e os olhos verdes… os malditos olhos
verdes, que, é claro, já estão presos em mim de novo. Só que
Zachary percebe o meu estado. O meu peito subindo e descendo
com a respiração acelerada. O fato de eu não estar sorrindo de volta.
Minhas mãos se fecham com mais força ao redor do cabo da faca
e sei que não irei matá-lo. Seria um desperdício para o mundo — e
aprendi no curso de gastronomia a não desperdiçar comida boa —,
mas não facilitarei as coisas. Mesmo assim, aponto a lâmina afiada
em sua direção e ouço Martha arfar. Zachary também se assusta, os
olhos arregalados enquanto engole em seco e dá um passo para
trás.
— Boa noite, senhor King — falo bem devagar, deixando-o
absorver a mudança entre nós. — Está precisando de alguma coisa?
Apesar de manter o buquê na mão, ele esfrega o rosto,
nitidamente abalado, e, em seguida, respira fundo.
— Gaia! Abaixa isso! — Martha pede, porém finjo que não a
escuto. De algum lugar, posso ouvir a risada baixa de Val e um “é
isso aí, garota”.
— Foram as fotos, não é? — Zachary pergunta baixinho, agora
erguendo uma palma em sinal de rendição.
Solto uma risada sem qualquer humor.
— É… — Cravo com força a ponta da faca na tábua de madeira,
fazendo alguns pedaços de cebola caírem no chão. — Foram as
fotos — confirmo.
— Vai me deixar explicar ou…?
— Não sou louca. Claro que vou te deixar explicar. Agora,
inclusive. Você tem um minuto. — Aponto para o relógio na parede e,
depois, cruzo os braços na frente do corpo, encarando-o de queixo
erguido.
Eu não vou ceder. Eu não vou ceder.
Zachary King tem tudo o que quer, na hora que quer, do jeito que
quer.
Se o reizinho me quer, então será nos meus termos. Jackson
falou a verdade: o que não falta a ele são opções. Que vá procurá-
las se não estiver satisfeito comigo. Meu coração jamais será
estraçalhado por um maldito traidor de novo. Eu me recuso a ter uma
carteirinha de otária.
É por isso que respiro fundo e me dou o valor que mereço.
— Por que um minuto? — pergunta. — A gente pode sair daqui,
conversar em outro lugar e…
— Você prefere gastar seu pouco tempo entendendo a minha
matemática? — Dou um passo à frente. — Agora, tem cinquenta
segundos — ameaço.
— Está bem, está bem — ele se apressa em dizer. — Kirsten
Heart era uma… — engasga-se com as palavras, como se não
soubesse definir o tipo de relacionamento que os dois tinham. Ah,
tadinho.
— Uma trepada ocasional — termino a frase por ele, ganhando
um arquejo de Martha.
Ótimo, temos plateia.
— Uma ficante — Zachary me corrige.
— No seu dicionário, isso dá no mesmo — censuro e ele franze o
cenho.
— Certo — acaba concordando e chega dois passos para a
frente. Não recuo. — De qualquer forma, não tínhamos algo sério.
Isso foi no início da carreira dela, quando ainda não era tão famosa
assim. Meu pai não se importou muito na época, até porque ajudou
bastante com a mídia. Nada melhor do que se envolver com um King
para ganhar os quinze minutos de fama que ela precisava para
decolar. — Zach dá de ombros, uma expressão resignada estampa
seu rosto agora.
Isso faz com que um pouco da minha raiva seja aplacada. Só um
pouco. Posso ser ligeiramente tóxica, mas ainda tenho empatia. E
imagino que não deva ser fácil viver com um alvo nas costas para
todos aqueles que queiram subir alguns degraus na carreira às suas
custas.
— E o que vocês estavam fazendo juntos ontem? — quero saber,
meu tom com a mesma firmeza de antes.
— Ontem, fizemos uma festa para comemorar os vinte anos da
King Records, a gravadora da IK — ele explica. — Há meses,
estamos tentando fechar contrato com a Janice Blue, que é um novo
nome da música country.
— E está crescendo muito rápido — Val entra na conversa. — Há
várias trends de vídeos com ela.
— Exatamente — Zachary confirma. — Estava acontecendo uma
batalha acirrada entre várias gravadoras para ver quem iria ficar com
o próximo álbum dela. Eu queria provar para o meu pai que era
capaz de fechar esse acordo sozinho. Por isso, pedi ajuda para
Kirsten, que é uma das melhores amigas dela. Mas foi só isso, Gaia,
eu prometo.
— Isso aqui — estendo a mão para Val, que, como boa amiga
que é, lê meus pensamentos e corre para me entregar o celular com
as fotos — parece um encontro de negócios para você?
Estico o aparelho, mostrando uma imagem dos dois conversando
lado a lado, os rostos bem próximos, os olhares de cumplicidade, os
sorrisos…
— Esta foto foi tirada dois minutos depois de Blue ter concordado
em assinar com a King Records.
O impacto das palavras me atinge em cheio.
A lembrança da conversa de domingo volta.
— Ela concordou? Parabéns! — Cubro poucos passos que me
separam de Zachary com um sorriso tímido, envolvendo-o em um
abraço apertado. Por um segundo, esqueço os motivos que me
levaram a ficar cheia de ciúme e foco apenas na conquista dele. —
Você conseguiu, seu grande CEO!  — Ele me segura com força,
deixando o buquê cair no chão. — Seu pai deve ter ficado orgulhoso.
Eu também estou… — sussurro, resistindo à vontade de enfiar o
rosto em seu pescoço e sentir aquele perfume que tanto adoro.
É por isso que logo me afasto e o encaro. A expressão dele
chega a ser cômica: uma mistura de choque e alívio, como se não
conseguisse compreender de onde veio essa minha mudança de
humor. Sei que Zachary precisava dessa vitória. Sei o quanto tem se
empenhado pela IK e o quanto quer seguir os passos do pai. E
mesmo sendo apenas um contrato, já é prova de que tem
capacidade de chegar aonde quiser. Claro que a comemoração
poderia ter sido outra se ele tivesse mostrado o mínimo de
consideração e me ligado.
Quando Zachary está prestes a me beijar, saio de seu alcance e
volto ao modo brava. Talvez não tão brava assim. Porque, na
verdade, eu sou uma frouxa — e talvez precise, sim, daquela
carteirinha de otária.
— E isso aí? — Aponto para as flores, agora com pétalas
faltando. Ele se abaixa e as toma de volta nas mãos, tentando ajeitar
o plástico amarrado com um enorme laço vermelho, para que fique
menos amassado. — É um pedido de desculpas?
— Não exatamente, porque eu não sabia que precisava me
desculpar — diz, parecendo um tanto inseguro, o que me faz
amolecer ainda mais. — Nunca fiz isso antes, Gaia. Nunca estive em
um relacionamento. Não faço ideia de como essas coisas funcionam.
— Então, o que você está querendo dizer?
Ele hesita por vários segundos, revezando olhares entre mim,
Martha e Val. A impressão que tenho é de que há algo preso em sua
garganta, porém nada sai. Zachary apenas se aproxima, envolvendo
minha cintura com a mão livre, e cola a testa na minha. Desta vez,
não recuo, não me afasto.
Não consigo.
Como sempre, essa proximidade mexe comigo. Tem algo no
cheiro deste homem que me deixa tonta, que nubla meus
pensamentos e me transforma em um monte de hormônios
desorganizados e pulsantes. É uma desgraça, a ponto de quase não
conseguir manter a minha sanidade intacta. E no instante que seus
olhos procuram os meus, também procuro os dele.
Há algo ali, um sentimento não dito. E os não-ditos são
perigosos, me dão medo, porque me deixam no escuro. Mas também
são eles que me garantem que Zachary não mentiu. Que ele não
estava com outra mulher, enquanto eu passava a minha noite
pensando no que fizemos, no que compartilhamos.
Em seus olhos, não vejo nada além de entrega. A mesma que
espero estar demonstrando. O toque de seus dedos fica mais forte,
apertando a curva do meu quadril, e só posso imaginar que esse
sentimento todo é equivalente à saudade.
Apesar da plateia, há muito que quero falar… Porque eu sei que
jamais sentiria tanta raiva se não houvesse outra coisa aqui dentro
também, mesmo que ainda não tenha coragem de verbalizar. Às
vezes, não conseguimos pôr em palavras aquilo que apenas somos
capazes de sentir. E eu sinto. Com uma força que me assusta.
Algo novo, intenso, que me faz ser tomada por um frio na barriga
toda vez que ele se aproxima. Isso acontece desde o primeiro
momento em que nos vimos. Uma vontade de estar em seus braços,
de me perder em seu corpo, de me aninhar em seu peito e senti-lo
dentro de mim. Mas também de fazer nada ao lado dele, de rir e,
quem sabe, de me permitir ser feliz. Pode parecer insensatez da
minha parte, mas é sincero: estou me apaixonando por Zachary
King. Só que odeio estar tão vulnerável assim, na iminência de ter o
meu coração partido, por mais que eu tente me proteger.
Neste momento, me esqueço de tudo. Porque só há uma coisa
que preciso: que ele sinta o mesmo por mim.
— Gaia… — Meu nome não passa de um sussurro grave.
— Zachary, o que estamos fazendo? — pergunto de volta, bem
baixinho, com meus lábios quase colados ao dele, desejando algum
tipo de confirmação.
— Também não tenho ideia. — Em sua voz, só há dúvida. — Mas
sei que não posso ficar longe de você. — Então, há também a
certeza, solidificando aquilo que eu já sabia.
Que Zachary King não me traiu. Este maldito não estava com
outra. Mas ele também não pode dizer essas coisas e esperar que
eu…
Por isso, não espero.
Não consigo.
Fico na ponta dos pés e encerro qualquer distância que havia
entre nós. As flores esquecidas, o ciúme deixado de lado, a
insegurança ignorada por agora, assim como a plateia. Sei que
Martha desaprova o meu comportamento, mas não estou aqui por
ela. Estou aqui por mim, pelo meu trabalho e, de agora em diante,
por Zachary King.
Maldito seja o momento que ele entrou em minha vida e se tornou
uma obsessão.

— Você tem certeza de que isso é uma boa ideia? — questiono,


sendo afivelada ao banco.
— Claro que tenho. — Ele pisca para mim, ao mesmo tempo que
deixa os lábios descerem sobre os meus para um beijinho rápido.
Porém, quando faz menção de se afastar, não permito que isso
aconteça e o puxo para mais perto. A verdade é que estou com
medo: nunca andei de helicóptero na vida. Acho que Zach nota o
meu nervosismo, porque o beijo ganha uma nova intensidade,
apesar de eu estar tremendo.
Minhas mãos invadem seu cabelo, os dedos entrando pelos fios
sedosos, colando-o cada vez mais em mim. Até estarmos ofegantes.
Nossas línguas duelando. Meu corpo gritando por mais. Qualquer
coisa que me distraia do que estamos prestes a fazer.
Então, Zachary ri e se afasta um pouquinho, ainda respirando o
mesmo ar que eu.
— Por mais que eu não me importe com o que o piloto vá pensar,
não sei se você compartilha da minha falta de decoro, querida. —
Seu tom é brincalhão, mas me deixa vermelha de vergonha. E isso
só faz com que a risada dele fique mais alta.
Zachary termina de me prender no cinto de segurança e entra
também, sentando-se ao meu lado. 
— Não sabia que faziam tão grandes assim… — comento,
olhando ao redor.
— Obrigado — ele fala, me obrigando a encará-lo com uma
expressão nada divertida.
— Agora não, Zach, por favor. Tenho medo de altura — acabo
revelando e tomo sua mão na minha, o que dificulta o processo
quando ele tenta colocar o próprio cinto.
— Não sabia disso — confessa, no instante que o clique da fivela
se faz ouvir. — Senão, teria vindo de carro. Só queria agilizar as
coisas. Eu estava — pigarreia — ansioso para te ver.
Mordo o lábio com a revelação, deixando a cabeça tombar no
ombro dele.
— Há muitas coisas que não sabemos sobre o outro — falo
baixinho.
— Vamos descobrindo aos poucos.
— É uma boa ideia. — Não consigo conter o sorriso tímido,
imaginando se teremos mesmo um futuro juntos.
Menos de uma hora atrás, estava pronta para arrancar o pau dele
fora com uma faca. Agora, depois de ele ter conversado a sós com
Martha e dito para mim que tinha uma surpresa me esperando em
Nova York, estou sentada no banco de couro bege de um helicóptero
caríssimo. Pelo visto, a Terra não gira, ela sai capotando, destruindo
todos os nossos planos e mostrando que não temos qualquer
controle sobre o que está bem à nossa frente.
É claro que eu disse que não iria, mas a coronel só faltou me
expulsar da casa. Ela me arrastou para o quarto, começou a enfiar
minhas roupas na mala e disse que eu não tinha escolha. Pelo visto,
por trás da carranca, há uma romântica escondida. E como Zachary
prometeu que eu estaria de volta na sexta de manhã, acabei
aceitando o convite.
— Mas sobre os helicópteros… — ele volta a falar. — A IK tem
vários. Alguns pequenos, como este, que só cabem oito passageiros.
Outros menores ainda, para quatro. E temos uns enormes, que
cabem mais de vinte. Ah, e a nossa frota também tem alguns aviões
— explica, como se estivesse mencionando a variedade de maçãs
no supermercado.
— Que chique… — solto em uma mistura de surpresa e
sarcasmo.
— É necessário, principalmente quando temos que fazer viagens
curtas em um dia só, o que acontece com bastante frequência. O
trânsito de Nova York é uma merda.
Não consigo me controlar e solto um risinho. Enquanto ele “luta”
com helicópteros e aviões, eu tenho uma lata-velha que mal anda. O
carro já quebrou algumas vezes e foi do meu avô, que morreu há
quinze anos, durante duas décadas.
— Você deve ter noção de como as diferenças entre nós são
gritantes, né? E, por favor, não se faça de sonso. — Desencosto-me
de seu ombro e subo o olhar para ele, que não parece nem um
pouco incomodado com o meu comentário.
— Eu tenho noção, Gaia, só não me importo mesmo. Tem coisas
mais importantes do que dinheiro nesta vida.
— É fácil falar assim quando se tem muito dinheiro.
— Não estou contestando este fato, até porque, como você
mesma disse, não quero me fazer de sonso. — Zachary entrelaça
nossos dedos com uma das mãos, estendendo-me o headset com a
outra.
Meio desengonçada, coloco-o na cabeça, ao mesmo tempo que
hélices começam a girar. Ele abafa o som quase que por completo.
Só ouço um leve ruído agora. Meu coração acelera dentro do peito e,
desta vez, o nervosismo não tem nada a ver com a presença do
homem delicioso ao meu lado, e sim com o fato de que, em poucos
minutos, precisarei enfrentar um dos meus maiores medos por ele.
— Está me ouvindo bem? — ele pergunta pelo fone e me limito a
acenar com a cabeça. — Voltando ao assunto, veja Jackson, por
exemplo.
Olho para Zach, que agora carrega uma preocupação nítida em
sua testa franzida. De forma instintiva, estico o dedo e massageio o
vinco que se formou entre suas sobrancelhas, ajudando-o a relaxar.
Ele pega meu indicador, levando-o à boca, e deixa um beijinho na
ponta, me oferecendo um sorriso logo em seguida. Repito o gesto
dele, sentindo um calor gostoso aquecer minhas mãos, até agora
frias pelo pânico.
— O que tem o Jackson? — incentivo-a a continuar.
— Ele sempre teve dinheiro, mas não sei se é feliz. Pelo menos,
não feliz de verdade — comenta baixinho. Olho para trás, aflita com
a possibilidade de os pilotos estarem ouvindo a nossa conversa. A
última coisa que quero é expor os segredos da família King.
— Ninguém escuta o que estamos falando. Pedi que
sintonizassem em uma frequência diferente para que tivéssemos
privacidade aqui atrás — Zachary me tranquiliza, como se pudesse
ver minhas preocupações em balõezinhos, e nossas mãos voltam a
se entrelaçar.
— Não conheço seu primo o suficiente, mas talvez ele esteja em
depressão — sugiro, tentando não mostrar que Jackson fez uma
confissão a mim sobre o assunto. Não acho certo comentar isso, se
o próprio não falou nada para os primos. Apertando-o com um pouco
mais de força, sinto o helicóptero se mexer.
— Também não sei se é depressão ou algo…
— Podemos não falar sobre o Jackson agora? — interrompo-o
assim que vejo a parte de trás do helicóptero se erguer, nos
deixando inclinados. — Desculpe. Não quero falar nada. — Fecho os
olhos com força, sentindo meu corpo ser erguido do chão, mesmo
que eu ainda esteja presa ao banco.
Já andei de avião antes e foi horrível. Péssimo. Pânico total. Mas
isso… isso é diferente. Parece que estou em um elevador turbulento.
— Abra os olhos, Gaia — Zachary encoraja.
— Não! Tá maluco? — Mantenho-os bem fechados, enquanto
aperto a mão dele com força. Muita força. Tanto que ele me solta,
possivelmente achando que estar ao meu lado é um risco para sua
vida. Não o culpo. Estava prestes a quebrar seus dedos.
Finco a palma no banco, tentando me segurar enquanto
continuamos subindo, apenas para cima. Diferente do avião, que é
para frente, aqui parece que estou sendo erguida por uma mão
invisível. Mas logo outra mão toca a minha coxa por baixo da saia.
Uma quente, levemente calejada e… Abro os olhos, virando o rosto
para encontrar o de Zachary me analisando com cuidado.
— O que você está fazendo? — pergunto, ouvindo minha voz
arrastada no fone.
— Tornando sua primeira viagem de helicóptero inesquecível.
Capítulo 33

Zachary

A surpresa no rosto de Gaia a deixa ainda mais linda. Os lábios


entreabertos, a respiração ofegante, os olhos nublados. Ela nem se
mexe direito. Não sei se é o medo, se está excitada… porém não me
pede para parar. E no instante que descruza as pernas, sei que está
disposta a entrar no meu jogo, apesar do pavor.
Não consigo conter o sorriso predatório.
Se não fosse a porra do cinto — bem como os pilotos às nossas
costas, fechados na cabine —, me ajoelharia na frente dela e a
relaxaria com a boca, em vez de apenas usar os dedos. Porém um
homem usa as ferramentas que tem ao alcance. Pelo menos o
assento duplo permite a proximidade que preciso para fazer o que
quero.
Bem devagar, traço o percurso para baixo, descendo da coxa até
o joelho. Não desvio o olhar do dela por um segundo sequer,
precisando ver aqueles olhos azuis escurecerem com a necessidade.
Como sempre, Gaia não desaponta: as pupilas dilatam e ela ofega,
tanto que posso ouvir o ar saindo com força de sua boca pelo fone.
— A viagem é curta… — falo baixinho. — Não leva muito mais do
que quarenta e cinco minutos. O que será que podemos fazer para te
acalmar nesse tempo?
Meus dedos rondam o joelho com suavidade, uma, duas vezes, e
subo de novo, agora pelo interior da coxa. Mas paro quando cruzo a
barra da saia, descendo de novo e repetindo o processo. Mantenho
os olhos fixos nos dela, não só porque preciso ver suas reações a
mim, mas também porque não consigo parar de encarar a mulher
mais linda que já esteve na minha frente.
A verdade entalada na minha garganta, louca para sair.
O grande gesto esquecido.
O sentimento guardado.
O toque cada vez mais ousado quando invado a área coberta
pela saia — e Gaia afasta um pouco mais as penas.
Quero dizer a ela tudo o que sinto, mas não sei o que estou
fazendo. Isso aqui é fácil. Sexo é fácil. Prazer é fácil. Já amor… amor
é complexo demais. E nunca senti isso antes.
É uma necessidade constante de querer estar junto, de proteger,
de sonhar o amanhã. É estar à beira do precipício, implorando para
ser arremessado, sem saber a profundidade da queda. Só não sei se
Gaia está pronta para me empurrar, ou para cair comigo. Mas estou
disposto a tudo para mostrar que isso vale a pena. Que eu valho a
pena. Eu, Zachary. Não o Zachary King. Porque há uma enorme
diferença entre os dois. E, a partir de agora, estou determinado a
mostrar essa dualidade.
Também não faço ideia da diferença entre amar e estar
apaixonado por alguém. Nem se há diferença. Isso importa?
No momento, só quero estar com Gaia. Apenas com ela. Talvez
permitir que essa mulher seja a única que enxergue além do que
sempre me permito mostrar. Que sinta o mesmo que estou sentindo.
É uma urgência que grita dentro de mim, precisando ser
externalizada, mesmo que seja através de ações. Sem pensar duas
vezes, deixo minha mão subir mais um pouco por baixo da saia,
fazendo círculos na parte macia da coxa.
— Zach… — Gaia geme meu nome baixinho, sua voz um
murmúrio no headset.
— O que você quer de mim? — Minha pergunta não poderia ser
mais vulnerável, mas ela não sabe disso.
— Tem certeza de que…? — Gaia nem consegue terminar,
fechando os olhos e mordendo o lábio inferior enquanto tenta
controlar a respiração.
— Que ninguém está vendo nem ouvindo? — busco confirmação
e ela faz que sim com a cabeça. — Tenho certeza.
Subo os dedos, esbarrando de propósito no tecido da calcinha.
Atiçando, do mesmo jeito que ela me atiça sempre que respira perto
de mim. Sempre que me olha. Sempre que existe. Gaia arfa e dá um
pulinho no banco. Desço de novo para parte de dentro da coxa,
sentindo sua pele arrepiar. Não consigo conter o sorriso.
A pele esquenta sob meu toque e, neste momento, tudo o que
quero é puxar essa mulher para mim e beijá-la até não ter mais ar.
Não entendo a necessidade que sinto dela, essa loucura que me
consome quando penso na sensação de estar enterrado até as bolas
em seu corpo quente e apertado, sem nada entre nós. Mesmo que
isso seja impossível agora.
Então, continuo tocando-a de leve, distraindo-a do medo.
Protegendo-a do jeito que posso. Se as coisas daqui para a frente
forem do meu jeito, ela irá se acostumar a andar de helicóptero. Se
forem do jeito dela, só andaremos de carro. A logística pouco
importa, porque é a companhia que faz a porra da viagem valer a
pena.
Arranho a unha, subindo na pele sensível, e Gaia geme mais alto.
Sei que, por trás da cara de anjo, existe uma diabinha que gosta de
brincadeiras mais safadas — obrigado, Deus —, é por isso que
continuo, cada vez mais forte, querendo deixar algumas marcas ali.
Um maldito cachorro delimitando o seu território.
Gaia afasta mais as pernas e começa a se remexer no assento,
descendo um pouco o corpo. Está inquieta. De olhos fechados.
Apenas sentindo o que posso oferecer.
— Olhe para mim enquanto te toco — peço, subindo de novo com
os dedos pela coxa, até chegar à calcinha.
Agora, a surpresa é minha, porque a peça está úmida com os
indícios de seu desejo. E assim que a toco por cima do algodão
barato, ela obedece e as pálpebras destapam as íris azuis, que
brilham com a intensidade da sua excitação. Que me mostram
exatamente aquilo que eu queria — e temia — ver.
Merda.
Fico tão duro que meu pau chega a incomodar. É nisso que dá
não pensar direito antes de fazer o que queremos. Agora, vou ter
que passar os próximos quarenta minutos de uma forma bastante
desconfortável, e só espero conseguir manter um pouco de controle
para não gozar na calça.
Mas se terei que lidar com as consequências dos meus atos,
melhor aproveitar. Passeio com o dedo por cima da fenda, bem
devagar, sentindo Gaia estremecer sob meu toque. Os olhos presos
aos meus. A boca ligeiramente aberta. A respiração acelerada.
Aquele brilho no olhar que não consigo entender. Sigo com o toque
lento, até mesmo torturante. Ela começa a rebolar no banco,
cansada de esperar. E quando estica a mão para me tocar, impeço-a
com aquela que está livre.
— Não — declaro com firmeza. — Só você agora.
Preciso mostrar a ela que não sou um babaca egoísta.
— Mas…
— Sem “mas”. — Trago sua mão à minha boca, beijando a palma
com calma. — Quero entrar neste maldito helicóptero outro dia e me
lembrar do seu rosto quando goza — confesso, colocando a ponta
do dedo mindinho entre meus lábios e chupando-a devagar, porém
com força. A resposta de Gaia vem na forma de um murmúrio de
prazer. — Ninguém mais vai saber o que fizemos aqui, mas eu vou.
Minha mão invade a calcinha, encontrando sua boceta molhada e
carente. Escorrego pelos lábios inchados, pela brecha entre eles, e
me deparo com seu clitóris intumescido.
— Zachary — ela arqueja quando eu o estimulo uma, duas, três
vezes. Bem devagar. De um lado para o outro.
— Me deixe te fazer gozar aqui? — Coloco seu dedo do meio na
boca, chupando-o da base ao topo, e termino com uma mordidinha
na ponta.
— Aaaah… — Gaia se remexe na minha mão, como se pedisse
por mais. Então, é isso o que dou.
Esfrego seu clitóris mais vezes, enquanto chupo o indicador,
fazendo-a rebolar contra mim e jogar a cabeça para trás no banco.
É a entrega por completo.
É a visão perfeita.
É a certeza de que Gaia é minha.
O helicóptero segue o curso, e eu também. Coloco seu dedão na
boca, mantendo-o ali com os dentes sem usar força, mas sugando
com intensidade enquanto brinco com o clitóris. Essa mulher é um
teste para minha coordenação motora, mas foda-se, porque ela não
para de gemer. Então, também não paro de me mover. Vejo-a levar a
mão até um seio, mesmo que sobre a blusa, e apertar o próprio
mamilo.
Talvez seja por isso que eu decida intensificar um pouco as
coisas, tanto para ela quanto para a minha sanidade. Coloco seu
anelar na boca, onde muito em breve colocarei um anel, ao mesmo
tempo em que enfio um dedo em sua boceta apertada. Entro e saio
algumas vezes antes de inserir o segundo dedo.
Gaia solta um gemido mais alto, arqueando as costas.
Coloco o terceiro dedo e vou mais rápido, metendo com força,
sentindo minha mão encharcar com o seu prazer. Precisando
desesperadamente substituir os três por outra parte do meu corpo
que também pede por alívio.
Tremo inteiro, querendo estar sobre ela, sentindo o contato de
nossas peles, o deslizar do ato. O calor do que podemos fazer
juntos. Só que, neste momento, preciso me contentar com isto.
Então, continuo… e Gaia não consegue controlar os gritos.
Puta merda. Ainda bem que os pilotos estão usando os fones,
porque esses sons são meus. Só meus. Sou um egoísta do caralho e
não estou disposto a dividir minha mulher com ninguém. Muito
menos quando ela está prestes a gozar desse jeito.
Vou mais rápido. Minha mão molhada, meus dedos sendo
esmagados. Meu dedão agora estimulando seu clitóris bastante
inchado. Ela me encontra nos movimentos, mas, de repente, para.
Olha para mim.
— Zachary… — E relaxa, começando a estremecer logo em
seguida. O corpo inteiro sentindo o reflexo dos espasmos.
Puxo-a com força pela nuca para um beijo, minha língua
invadindo sua boca, mas acabo esbarrando no microfone do
headset. Afasto o filho da puta e logo beijo-a de novo, precisando
sentir seu gosto enquanto goza. Meus dedos ainda dentro dela,
sendo apertados pela intensidade de seu orgasmo.
As mãos de Gaia invadem meu cabelo, como se ela também não
conseguisse ficar longe. Como se precisasse de mim. Como se
sentisse o mesmo que eu.
Caralho, eu amo essa mulher.
E o pior de tudo: estou bem com isso, mesmo que ela não me
ame de volta.

∞∞∞
 
Gaia precisa me amar de volta.
Precisa. Porque a diaba ruiva está destruindo tudo o que tenho
de melhor. Primeiro, a minha autoestima. Depois, a casa nos
Hamptons. Sempre adorei passar férias lá, e será impossível voltar
se ela não estiver comigo. Serei o velho chato, que fica entocado na
biblioteca enquanto reclama do barulho que as futuras crianças da
família farão enquanto brincam na piscina. Não satisfeita, ela
destruiu meu helicóptero preferido gozando lindamente na minha
mão. E, neste momento, está destruindo a minha casa — e até o
meu cachorro.
— Konig! — solto um grito, seguido de um assobio de comando,
pedindo para o vira-lata descer de cima dela. Mas o bicho é tão
animado que nem me escuta. Fora que ele assistiu a um total de
duas aulas de adestramento e não aprendeu porra nenhuma.
— Calma, lindão… — Gaia acaricia o carente, que não para de
esfregar o rosto nela, depois de tê-la jogado no sofá. — Eu tenho
quase o seu peso. Assim você vai me sufocar.
Tento puxá-lo para longe, mas o audacioso me ignora. Tão forte e
estabanado que mantém o foco em cheirar seu rosto e lambê-la o
máximo que consegue.
— Desculpe — arrasto-o para o chão, apenas para que o monstro
suba de novo no sofá e volte a ser acariciado —, daqui a pouco ele
se acalma.
Ou não. Konig nem falou comigo direito, e sou seu humano
preferido. Logo que sentiu o cheiro dela, parece que o mundo deixou
de existir. O mesmo que o idiota aqui sente toda vez que Gaia está
por perto. Dizem que os cachorros são reflexos dos donos, porém o
meu, além de ser parecido comigo, também é um traidor de primeira
instância.
— Por que você nunca o levou para a casa de praia? — Gaia
pergunta, virando a cabeça de um lado para o outro enquanto tenta
desviar dos mil beijos caninos.
— Porque ele tem medo de carro — confesso, fazendo-a soltar
uma gargalhada. — Na verdade, Konig tem medo de tudo.
Absolutamente tudo.
Isso me faz lembrar…
Pego o primeiro objeto que vejo, um porta-copos de papel que
Jackson roubou de um bar qualquer, e o solto no chão. Na mesma
hora, Konig dá um pulo e corre para debaixo da mesa de centro,
ficando encolhido, com o rosto entre as patas dianteiras.
— Você não estava mentindo — Gaia comenta, olhando
espantada para o cachorro.
— Não, já disse que não gosto de mentiras. — Com passos
leves, vou até o meu cão e começo a acariciá-lo devagar. — Calma,
garoto, é só um porta-copos. Isso não vai te fazer mal.
Mostro o objeto a ele, colocando bem perto de seu nariz para que
possa cheirá-lo. Depois, amasso o papel e mostro de novo. Só então
Konig começa a sair de baixo da mesa, a passos hesitantes, e vem
falar comigo.
— Por que ele é assim? — Gaia quer saber enquanto o vira-lata
deita a cabeça no meu joelho para ganhar um pouco de carinho. Dá
para ver que ele ainda está assustado.
Odeio ter feito isso, mas o bicho estava prestes a sufocar Gaia,
completamente fora de si.
— Adotei Konig de um abrigo há alguns meses e ainda estamos
em fase de adaptação. Ele é um filhote, por incrível que pareça. Tem
oito meses. — Aponto para o seu tamanho gigantesco. — O
veterinário disse que ele é uma mistura de Pastor Alemão com São
Bernardo. Como o cruzamento deu certo, é um mistério…
Já divaguei demais sobre o sexo dos cães, não aguento mais
pensar nisso.
— E o resultado foi um companheiro medroso desse? — Gaia
vem para o chão também, sentando ao meu lado, e segue meus
movimentos para acariciar Konig.
Encaro-a com assombro ao ver a maldita destruir o meu
cachorro. O nariz pequeno e reto, os olhos redondos, as sardas que
decoram a pele clara… e o cabelo vermelho, emoldurando tudo com
algumas ondas soltas. Tão linda que faz meu peito doer. E eu odeio
muito me sentir assim. Porque ao mesmo tempo que quero seu amor
de volta, quero foder sua boca com força.
Isso não faz sentido.
Passei os últimos vinte minutos beijando-a no helicóptero, louco
para entrar na cobertura e poder trepar com ela até ficar desidratado.
Então, assim que cruzamos o batente, ela virou o novo amor da vida
de Konig. Sentou no meu sofá. Espalhou seu cheiro. Largou os
sapatos no tapete.
Cinco minutos na minha casa foi o que precisei para, dentro de
mim, admitir que não posso deixá-la ir embora.
Nunca. Mais.
Por outro lado, tenho total consciência de que não posso me
declarar agora.
Cheguei aos Hamptons determinado a dizer como me sentia e o
pandemônio se instalou. Além de Gaia estar puta da vida por conta
das fotos que viu, Tata e Val estavam na cozinha. Mas o buquê nem
era o grande gesto que eu estava planejando. Só ia chegar com
flores e convidá-la para passar uns dias comigo em Nova York. Aqui,
e a sós, contaria a verdade.
Só que é difícil demais explicar a porra da maldição. Não sei por
onde começar.
Como ela vai se sentir quando souber que estou obcecado? Que
não posso mais ficar longe? Que, daqui em diante, nunca mais serei
capaz de olhar para outra mulher? Que sou a porra de um pau fiel?
Eu poderia ter explicado que seu ciúme era completamente
infundado, mas ela jamais teria acreditado. Ninguém em sã
consciência levaria a explicação a sério.
Porque se maldições funcionam, então magia também é real. Só
que não é. Mas a dos King é real, sim. Eu sou a prova viva disso.
— Zachary? — ela chama o meu nome, porque, é claro, eu a
estava encarando que nem um psicopata.
— Venha. — Levanto-me do chão e estendo a mão para ela. Por
um milagre, Konig fica quieto no lugar. — Quero te mostrar o motivo
de eu ter comprado este apartamento — mudo de assunto.
— Não foi o heliporto no telhado? — pergunta em tom debochado
e eu finjo rir, revirando os olhos.
— Não, não foi. — Beijo sua têmpora, puxando-a para a varanda
toda fechada por vidros grossos. Melhor assim, pois não importa o
tempo lá fora, a vista sempre é espetacular. — Daqui a pouco a
gente faz um tour e eu mostro o resto, mas, por enquanto, preciso
que veja isso…
Deslizo a cortina e, em seguida, a porta de vidro.
Gaia arfa com a vista, ao darmos alguns passos para frente,
ficando no meio da varanda. Mesmo que eu ame esse skyline, ele só
não é mais bonito do que ela. Ótimo, agora eu virei um idiota ainda
maior.
— Olhe, Simba, tudo isso que o Sol toca… — começo a falar em
um tom grave e Gaia solta uma risada alta, acompanhada de um
tapa no meu peito.
— Seu palhaço. Está de noite.
Posiciono-me às suas costas, inclinando um pouco para frente, e
a envolvo em meus braços, ambos de frente para o vidro que nos
protege da imensidão.
— Foi por isso que resolvi morar aqui — explico. — A selva —
aponto para o Central Park abaixo de nós — e a pedra.
Olho para os muitos prédios à nossa frente, um mais alto e
importante que o outro, sentindo a pressão de estar em uma das
cidades mais imponentes do mundo. Em carregar um dos
sobrenomes mais influentes. Em saber que não falta muito para que
várias dessas luzes acesas sejam minhas. Engulo a tensão, ignoro a
agonia e aperto um pouco mais a mulher em meus braços.
— É muito lindo — Gaia sussurra, tombando a cabeça no meu
peito enquanto aprecia a vista.
A primeira coisa que fiz ao me mudar para cá foi pedir que
remodelassem a enorme varanda, que acompanha a sala inteira do
duplex. Porque é o modo que me sinto aqui em cima que me fez
escolher este como o meu lar: no topo do mundo, porém
insignificante. À vista de todos, mas sem que ninguém me veja. Com
vidros me cercando, oferecendo aquela falsa sensação de
segurança. Porque vidro quebra. E quando isso acontece, ele se
estraçalha em milhões de pedaços.
É exatamente isso o que significa ser um King: qualquer tropeço
pode colocar tudo a perder.
— Eu moro para… — Ela começa a gesticular com o indicador
para todos os lados, como se não soubesse ao certo para onde deve
apontar.
— Para cá. — Estico o braço rente ao dela e tomo seu dedo,
depois, viro-a para mim. Na posição que estamos agora, passo sua
mão por cima do meu ombro, indicando a direção atrás de nós. Para
dentro da minha casa.
Nossos olhos se encontram quando faço isso, e minha respiração
falha. Talvez esse seja o momento certo de falar tudo o que está
engasgado, só que o medo me paralisa, porque não posso correr o
risco de estilhaçar o que estamos construindo.
— Bem longe — Gaia atesta baixinho, como se quisesse, mais
uma vez, dizer que nossos mundos não se encontram.
“Só se você quiser”, respondo na mente, porém não tenho
coragem de colocar essas palavras para fora. Ainda não.
Limito-me a descer os lábios, encontrando com os dela no meio
do caminho. Essa é a única forma que me permito de mostrar o que
sinto: através de toques. Só espero que isso baste por enquanto.
Capítulo 34

Gaia

Zachary me beija sem explicação — e não faço ideia do que isso


significa. Mas também não preciso entender agora. Apenas beijo-o
de volta, levando a mão até sua nuca enquanto me entrego sem
qualquer resistência. A fase de resistir passou. A de duvidar também.
Neste momento, só me resta ver onde essa loucura vai dar e torcer
para que eu sobreviva quando esse homem se cansar de mim.
De alguma forma, estou enfeitiçada, completamente viciada e
sem forças para me afastar. Talvez seja por isso que eu o beije de
volta com tanta vontade, tentando usar minha boca para dizer aquilo
que não sei ao certo como explicar. Ou talvez eu o beije porque é
gostoso demais. É certo demais.
Estou navegando em alto-mar sem bússola e sem destino,
perdida em Zachary King. Mas o modo como ele me envolve, firme e
determinado, garante que eu não estou tão perdida assim, porque
ele sabe o caminho. Nossas línguas dançam em uma sincronia
calma enquanto fico na ponta dos pés. As mãos redescobrindo o que
já conhecem. O coração pedindo o desconhecido.
— Por que me trouxe aqui? — pergunto entre ofegos, sentindo os
dedos se enfiarem pelos fios em minha nuca e puxarem minha
cabeça para trás.
— Já disse — Zachary desce para a clavícula, os lábios deixando
uma marca quente por onde passam —, tenho uma surpresa. Mas
preciso que confie em mim.
A outra mão me agarra pela cintura, trazendo-me para mais perto
de seu corpo. Seguro-me em seus braços, precisando de apoio,
porque minhas pernas já perderam as forças.
— É loucura dizer que confio em você?
Sinto-o sorrir contra minha pele, e então, de forma brusca, ele me
ergue pela bunda e me coloca sobre a mesa, que fica de frente para
a parede de vidro.
— Por incrível que pareça — começa a desabotoar a própria
camisa, sem tirar os olhos de mim —, é a coisa mais sensata a se
fazer no momento.
Apoio as mãos no tampo de madeira, chegando o corpo um
pouco para trás enquanto Zachary termina de se livrar da camisa. E
mesmo que o sorriso ainda estampe seu rosto, não há sinal de
divertimento. Também não é só desejo o que estou vendo. Há algo
diferente no modo que me fita, como se Zachary estivesse em uma
missão.
Ele começa a descer os olhos por meu corpo, talvez notando
minha respiração acelerada, porque leva um tempo admirando meus
seios sob a blusa branca. Em seguida, continua indo para baixo,
para a saia florida que usei no dia que fui para os Hamptons. Roupas
simples demais para uma cobertura como esta. Mas o que estou
vestindo não faz a menor diferença quando afasto um pouco as
pernas, convidando-o a se aproximar. Como se fosse atraído,
Zachary encurta a distância entre nós.
— Eu prometo que ainda te fodo de novo em uma cama, linda.
Mas agora… — ele passa o polegar pelos lábios, sem desviar o foco
de mim — …agora eu quero você aqui. Para que o mundo todo saiba
que estamos juntos, mesmo que você ainda não esteja disposta a
admitir isso.
As palavras de Zachary cravam em mim como uma faca. Mas é o
entendimento do que seu olhar quer dizer que realmente me
machuca. Seus olhos pedem, imploram para que eu dê algo em
retorno. Só que não sou capaz de entregar o que sei que ele quer.
Não agora. Por isso, faço a única coisa que consigo: abro mais as
pernas. De certa forma, preciso que Zachary entenda que isso, que o
sexo, também é uma forma de aceitá-lo no meu íntimo. Um rosnado
baixo deixa seus lábios e reverbera em meu peito no instante que ele
ataca, tomando minha boca em um beijo sem controle e aceitando o
que posso oferecer.
Uma mão me puxa pela nuca. A outra me chega para a beirada
da mesa, fazendo meu corpo ficar colado ao dele. Posso sentir seu
desejo, tão intenso quanto o meu. A ereção contra a minha calcinha,
que ainda contém os resquícios daquilo que fizemos no helicóptero.
Enquanto ele me beija, envolvo-o com as pernas, puxando-o pelo
quadril, querendo mostrar minha necessidade de tê-lo mais perto.
Acaricio seu peito, chupo sua língua e deixo que Zachary me guie
para onde quiser.
Pelo jeito, ele quer ir para debaixo da mesa, já que vai se
ajoelhando enquanto sua boca desce, explorando meu corpo… me
excitando cada vez mais. Fricciono uma perna contra sua ereção,
enorme e dura, e a vontade de senti-lo dentro de mim só aumenta.
Pouco importa se estamos sendo vistos por um vizinho — ou por
todos.
Neste momento, somos apenas Zachary e Gaia — e títulos não
têm qualquer relevância quando chamo seu nome. Uma mão em
meu seio, puxando um bico com força. A outra me prendendo pelo
quadril enquanto ele volta a atacar meu pescoço, o corpo imitando
movimentos de vaivém. Sou deliciosamente torturada, a impaciência
crescendo, o tesão começando a molhar minha coxa.
Louca para senti-lo inteiro dentro de mim, tento alcançar os
botões de sua calça, mas ele não me permite.
— Puta merda, Gaia — diz ao segurar meus pulsos junto à mesa,
prendendo-os. — Se você me tocar, juro que… — Zachary me
encara, os olhos ebulindo com a mesma vontade que sinto. — Você
vai ficar quietinha, sem se mexer. Quero sentir seu gosto agora.
— Depois — interrompo-o, libertando meus braços. — Deixe para
depois, por favor. Não aguento mais esperar. — Cravo as unhas em
sua mão, colocando mais força do que deveria no aperto e fazendo-o
chiar baixinho. — Por favor, Zach, mostre a esta cidade o que só
você consegue fazer comigo.
Aproximo um pouco o corpo, desesperada para alcançar sua
boca. Ele percebe isso e me encontra no meio do caminho,
emoldurando meu rosto com as mãos, devorando a minha boca com
urgência. Afobada, me concentro no cós de sua calça,
desabotoando-a e descendo o zíper. Colocando a mão por dentro da
cueca. Sentindo-o. Masturbando-o. Para cima e para baixo.
Ter esse homem literalmente na palma da mão é o mais perto
que já cheguei do poder. Saber que os gemidos que ele solta são por
cada movimento que faço me excita ainda mais. O que só melhora
quando Zachary tomba a cabeça no meu ombro, como se meu toque
fosse sua perdição. A respiração ofegante. A boca deixando beijos
na minha pele enquanto se mexe sob o meu toque.
— Abra mais as pernas para mim, Gaia — pede com a voz rouca,
as mãos apertando cada uma de minhas coxas. Apenas meneio a
cabeça, obedecendo. — Me coloca para dentro, linda. Me guia para
onde você precisa de mim.
Hesito por um minuto, meu coração acelerado ao saber que o
terei de novo onde mais preciso. Só que, agora, por mais que haja a
necessidade, não precisa haver a inconsequência.
— Precisamos de camisinha? — pergunto, engolindo o
nervosismo. — Meus anticoncepcionais estão em dia, mas…
— Olhe para mim, Gaia. — Seu tom é firme, o que me faz subir
os olhos e encontrar os dele me encarando de volta. — Vou falar só
mais uma vez e preciso que acredite: esqueça o meu passado. —
Ele puxa a minha calcinha com força, arrebentando as laterais.
Então, a arremessa para trás de mim, para um canto qualquer.
Sem barreiras entre nós, Zachary toma o controle, segurando seu
pau, esfregando a ponta no meu clitóris, me estimulando e deixando
ainda mais molhada. Abro a boca e ofego. Só que é o modo como
me olha, sem qualquer reserva e com total confiança, que me faz
acreditar no que está dizendo.
— Desde que te conheci, Gaia, não consegui olhar para outra
mulher. Não beijei outra mulher. Não toquei em outra mulher. Não
senti vontade de estar com outra mulher. — Com um único
empurrão, ele desliza, entrando em mim por completo. Conter o grito
de prazer é impossível. É como se ele finalmente chegasse em casa.
— Você é a única que eu quero, Gaia.
Tudo isso é perfeito demais.
Perdida no prazer, sinto seus movimentos ficarem rápidos, um
frenesi descontrolado enquanto entra e sai de dentro de mim.
Gememos juntos e Zachary apalpa um seio, brincando com o mamilo
escondido sob a roupa, me fazendo jogar a cabeça para trás e
arquear um pouco as costas.
Queria estar nua, para que ele pudesse brincar comigo com tudo
que tem: lábios, língua, dedos e mãos, como só ele sabe fazer. Mas
estamos expostos demais assim, na varanda, para que Manhattan
inteira veja.
— Era isso o que você queria comigo aqui? — Olho para a vista,
imaginando se tem alguém com um binóculo virado para cá.
— Não… — Zachary acelera o passo. — Mas já é um começo.
Ele aperta meu mamilo com mais força e não consigo conter o
grito. Tentando me firmar, estico uma mão e arranho seu peito.
Preciso me segurar em algo para não despencar no precipício de
prazer. Só que meu movimento apenas contribui para atiçar ainda
mais o animal que habita em Zachary. Ele solta um grunhido,
dobrando o corpo para frente, e me envolve com um braço pela
cintura, puxando-me até que eu fique sentada na beirada da mesa,
quase saindo dela. Então, cola os lábios aos meus, tomando-me em
um beijo apressado.
Suas estocadas ficam cada vez mais rápidas e descompassadas.
Odeio ter que ficar vestida e não sentir o contato de sua pele suada
contra a minha. Por isso, aproveito o que posso, deixando minhas
mãos acariciarem as costas musculosas, as unhas raspando na pele
quente enquanto tento encontrá-lo em cada um dos movimentos de
entra e sai. A mesa range contra o chão. O cheiro forte de sexo
preenche o ar. É delicioso demais e sei que estou prestes a perder o
controle também.
— Estar dentro de você é… — Zachary sussurra entre beijos,
mas não consegue terminar a frase.
— Eu sei — garanto. — Sinto a mesma coisa. É tão…
Contraio em torno dele, sem saber explicar o que estou sentindo
neste momento. Só que meu gesto faz com que Zachary esqueça as
restrições que tentava manter.
— Caralho, mulher. Não brinca comigo.
Com um impulso, ele me tira da mesa, gira o corpo e me
pressiona contra a parede de vidro da varanda. Rodeio sua cintura
com as pernas, ao mesmo tempo que suas bombeadas ficam mais
fortes. Os gemidos saem mais altos.
Zachary espalma uma das mãos no vidro acima do meu ombro
enquanto a outra me segura pela bunda. Ele entra e sai com força —
e apesar do medo que sinto de cair daqui de cima, sei que já tombei
por ele há muito tempo.
Enfio minhas mãos em seu cabelo, puxando-o com força para um
beijo, enquanto subo e desço por sua extensão dura. Zachary não
para, vai sempre mais fundo — e sei que o desespero em seus
movimentos é o mesmo que estou sentindo agora. O calor se
espalha em meu ventre, junto com o frio na espinha, denunciando
meu estado de proximidade do gozo.
— Mais forte, Zach… me fode com força — imploro, beirando a
incoerência, e escuto-o rosnar baixinho.
Ele não contesta, apenas faz o que peço, metendo gloriosamente
bem, a ponto de eu começar a gritar com as estocadas bruscas e
duras. Sinto o corpo cada vez mais imprensado contra a parede. O
prazer aumenta, sobe, arrepia. Meus peitos estão duros, meus dedos
dos pés começam a se contrair. Então, envolvo-o em um abraço
apertado, afundando o rosto em seu pescoço, os lábios grudados na
pele suada… e gozo. Não consigo emitir um som sequer, porque
meu corpo inteiro treme agarrado a Zachary, que está urrando e
latejando dentro de mim. Suas mãos firmes em minha bunda,
trazendo-me para ainda mais perto, como se quisesse me fundir a
ele neste momento.
— Caralho… — Zach murmura um tempo depois, a cabeça
tombada em meu ombro. — Acho que você me matou desta vez,
mulher.
Não consigo conter a risada baixa, mas logo paro, porque isso faz
com que eu o sinta voltar a pulsar em mim. Deslizamos até o chão,
eu ainda no colo dele, preenchida até a completude, uma perna
minha de cada lado do corpo dele. Nossas respirações voltam ao
normal devagar, assim como os batimentos, mas não conseguimos
nos afastar. Apenas ficamos abraçados, saciados, cansados e, talvez
um outro “ados” também.
Acaricio seu peito em silêncio, minha cabeça aninhada na curva
entre seu ombro e o pescoço, enquanto ele sobe e desce as pontas
dos dedos em minhas coxas. Sorrio com o carinho calmo, oposto ao
que aconteceu há pouco. Estamos em um silêncio confortável,
mesmo que num lugar nada convidativo. Só que não sei se estou
pronta para sair daqui agora.
— Queridos, cheguei! — A voz de Jackson, tão nítida como se
estivesse ao meu lado, faz com que eu dê um pulo. O movimento tira
Zach de dentro de mim, junto com um pouco de sêmen que escorre.
Com pressa, me levanto quase tropeçando nos próprios pés.
— Ai, meu Deus! — solto em um grito, ao mesmo tempo que as
mãos de Zachary apoiam minha cintura e impedem a minha queda.
Já de pé, ele começa a fechar a calça, mas não se dá ao trabalho
de procurar a camisa, que está jogada no chão do outro lado da
porta de vidro.
— Timing perfeito, de novo, priminho — ironiza em um rosnado.
— Quando foi que te dei a chave da minha casa? — Olho para a sala
e vejo Jackson caminhando até nós. Sua resposta é apenas um
erguer de ombros, como se a informação fosse irrelevante. — E
quando foi que eu convidei todo mundo para uma festinha?
Porque, logo atrás de Jackson, três outros King também
começam a entrar. Trenton e Sebastian não parecem muito afetados
pela cena que encontram. Talvez esta não tenha sido a primeira vez
que entraram aqui e viram Zachary acompanhado, saindo de um
momento íntimo. Odeio admitir que o pensamento me incomoda um
pouco — ou muito. Elijah é o único que coça a nuca e evita me
encarar, preferindo dar atenção ao monte de pelos que segue até ele
abanando o rabo.
— Trent contou que Gaia viria passar uns dias na cidade —
Jackson começa a se justificar. — Achei que…
— Seria uma ideia excelente entrar aqui sem ser anunciado? —
Zachary termina a frase, uma expressão assassina no rosto
enquanto sua mão segura a minha em um gesto possessivo.
Fico só imaginando qual é o meu estado agora. Devo estar toda
descabelada, com as roupas tortas e uma expressão atordoada no
rosto. Acho que nada podia ser pior, até sentir o sêmen começar a
escorrer por minhas pernas. Que merda. Aperto as coxas para evitar
que todos vejam, mas não é como se eles não tivessem percebido o
que estava acontecendo segundos antes de chegarem. Só que
admitir isso me mataria de humilhação.
Saber que os homens King têm plena consciência do que eu
estava fazendo não me impede de ficar vermelha da cabeça aos pés.
Preciso de um lugar para enfiar o rosto e não entrar em combustão.
O peito de Zachary é o único lugar seguro no momento.
— Tenho que ir até o banheiro — digo baixinho, os lábios roçando
contra a pele ainda quente. Na mesma hora, ele beija o topo da
minha cabeça, acariciando os fios do meu cabelo. Junto mais minhas
coxas, tentando a todo custo não me envergonhar mais do que já fiz.
— Não precisa ficar assim, ruiva. Trouxemos pizza. — Afasto o
rosto do corpo musculoso e viro-me para os homens na sala.
Sebastian sorri, segurando uma pilha de caixas quadradas na mão e
oferecendo-as para mim.
O gesto é tão inesperado que me faz rir — e isso piora a minha
situação.
— Banheiro — sussurro de novo para Zachary, que finalmente
entende o que está acontecendo.
— Vocês, cozinha, agora. — Ele aponta para os primos. — Eu
disse agora. — A última palavra sai em um rosnado grosso,
garantindo que seja logo obedecido.
Quatro homens se apressam para fora da sala, indo na direção
oposta à que Zachary começa a me puxar. Vejo Konig seguindo-os
— talvez atraído pelo cheiro da comida — enquanto Zachary se
abaixa ao lado do sofá e pega a minha pequena mala.
— Vamos, vou te levar até o meu quarto para resolvermos o
problema. Depois a gente lida com esses… — Ele não termina o
insulto, porém vejo em seus lábios o esboço de um sorriso quando
me toma no colo e começa a subir as escadas.
— Não demorem! Ou vão comer pizza fria! — alguém grita e
preciso me controlar para não rir.
Capítulo 35

Zachary

O dia de hoje foi longo demais, só que, de alguma forma, não me


sinto cansado. Na verdade, com Gaia sentada no chão entre as
minhas pernas e meus primos falando alto, acho que “sono” é a
última coisa que sentiria agora.
— Toma essa, ruiva — Sebastian grita, o sorriso triunfante em
seu rosto quando vence mais uma partida de Mario Kart.
— Eu desisto! — Gaia se recosta no sofá, apoiando a cabeça no
meu joelho enquanto joga o controle ao seu lado no chão. Está tão
relaxada que nem parece que esta é a primeira vez que colocou os
pés em minha casa, nem que está cercada pelos homens da minha
família. — Não nasci para jogar essas coisas. Mas aposto que te
venço em uma batalha de cortes, Sebastian. — Ela olha para meu
primo e balança as sobrancelhas, desafiando-o. — Que tal?
— O que você tem em mente? — ele pergunta.
— Acho que…
— Eu acho que você já usou facas demais por um dia —
interrompo-a, lembrando a nossa discussão nos Hamptons, antes de
virmos para cá.
Gaia vira o rosto para mim e suas bochechas ficam rosadas na
mesma hora, como se não acreditasse no que tivesse feito. Seus
olhos se arregalam e ela enfia o rosto nas mãos. Não resisto à cena
e puxo-a do chão para o meu colo, rindo que nem um idiota. Ela é
tão pequena que vem com facilidade.
— O que tem a ver facas com a disputa? O que aconteceu? Por
que não entendi o comentário? — Jackson quer saber, trocando
olhares com os outros. O videogame foi ignorado, assim como a
competição acirrada de antes.
— Também não faço ideia. — Trent dá de ombros.
Gaia, agora parecendo uma pimentinha, afunda mais ainda no
meu colo, tentando se esconder em meus braços. É impossível
controlar a risada.
— Acho que todos nós já ouvimos o mito de que as baixinhas,
principalmente as ruivas, são as mais bravas — começo a contar em
tom de suspense. Meus primos se empolgam. — Só que não é um
mito. Hoje eu fui vítima da ira desta mulher aqui. — Olho para cada
um deles com calma, e todos exibem expressões bem-humoradas.
Sebastian no chão, virado para nós; Elijah na outra ponta do sofá,
com um pé no estofado e o outro no tapete; Jackson sentado no bar;
e Trenton na poltrona, com a última fatia de pizza a caminho da
boca. Quatro Kings entretidos com a história, revezando olhares
entre mim e Gaia. — Quando cheguei à casa dos Hamptons para
buscar a bonita aqui, com um enorme buquê de rosas vermelhas, fui
recebido com uma faca apontada na minha direção. Gaia estava
ameaçando a minha vida por conta de algumas fotos que
apareceram nos tabloides. Como se isso não fosse o bastante, em
um gesto bem desproporcional para alguém que não deve pesar
mais do que cinquenta quilos — para reforçar a ideia, ajusto-a em
meu colo como se não pesasse nada —, esta enviada do mal cravou
a faca na tábua de madeira sem a menor dificuldade, me dando
apenas um minuto para explicar tudo.
Um coro de “não”, com sílabas prolongadas e falsos gestos de
surpresa, segue a narrativa. Não é segredo que meus primos
adoram dramatizar as coisas, e estão fazendo isso com o único
propósito de testar a mulher no meu colo. Será que Gaia aguenta a
brincadeira sem surtar?
Inclusive, tenho certeza de que foi este o motivo que os fez
invadir o meu apartamento sem serem convidados. Apesar de já
terem conhecido Gaia, nenhum deles teve a chance de nos ver
interagindo, ou de saber como ela é fora do ambiente de trabalho.
— Como você sobreviveu, Zach? — Jack pergunta em um tom
falsamente espantado.
— Podemos processar a ruiva por tentativa de agressão, sabe?
— Sebastian usa seu melhor tom de advogado para sugerir.
— Processar por tentativa de agressão e por danos morais!
Nunca, em toda a minha vida, fui tão humilhado. Tenho testemunhas.
Tudo isso aconteceu… — faço uma pausa dramática, encorajando a
brincadeira e apertando Gaia em meus braços — …na frente da
Tata.
Sons arfantes são seguidos de risadas histéricas. Quatro homens
quase rolam no chão de tanto gargalhar e Gaia só falta querer cavar
um buraco no chão para se esconder. Deixo um beijo no topo de sua
cabeça, mas sinto-a rir também, como se tivesse se dado conta da
cena que protagonizamos há algumas horas.
Foi há tão pouco tempo, mesmo que pareça dias atrás.
— Em minha defesa, não queria agredi-lo… meus planos
envolviam remover uma parte bem importante e que tinha tudo a ver
com a situação — ela começa a falar, tirando o rosto do meu peito.
Quando dá uma rebolada, percebo do que está falando. Engasgo,
não acreditando no que ela pensou em fazer. Puta que pariu, a
situação foi muito mais perigosa do que eu imaginava. — Bom, não
preciso revelar a vocês os motivos que me levaram a ficar puta da
vida com aquelas fotos. Mas fiquei, e não volto atrás nas minhas
atitudes. — De repente, vira-se para mim e aponta o dedo bem no
meio da minha cara. — E se você aprontar outra daquelas, Zachary
King, aviso logo que a faca não será cravada apenas na tábua.
— Apoiado! — Elijah começa a bater palma, como se estivesse
adorando tudo isso. — Se precisar de ajuda, eu seguro e você corta.
Arregalo os olhos com a oferta. Menos de duas horas na
companhia de Gaia e Eli já está no time dela? Não é possível.
— Ei, espere um pouco! — Jackson pula do bar, caminhando até
o meio da sala. — Gaia é a minha nova melhor amiga. Eu cheguei
primeiro. Inclusive, se não fosse por mim, os dois pombinhos aí não
estariam juntos agora. — Aponta o indicador para nós, porém seu
olhar é restrito aos outros homens, como se os desafiasse a
contradizê-lo.
— Do que você está falando? — Gaia se ajeita em meu colo, mas
não faz menção de se afastar. Deixo a mão repousar de forma firme
em sua cintura. Enquanto isso, apenas observo o comportamento de
todo mundo.
Nunca pensei que estaria nesta posição, literalmente. Na sala de
jogos da minha casa, com uma mulher em meu colo, meu cachorro
dormindo no chão e meus primos por perto. É tudo tão… familiar.
Tão simples e, ao mesmo tempo, tão novo.
— Estou falando de não ter passado o seu recado para ele, ruiva
— Jackson diz, dando de ombros. Na mesma hora, Gaia arfa e
endireita as costas.
— Seu… seu filho da… — Com um dedo apontado de volta para
o caçula, o rosto dela começa a se contorcer de raiva. É muito bom
ver que Gaia pode ter esse tipo de sentimento direcionado a outra
pessoa para variar.
— Gênio? Homem brilhante? — Jackson oferece opções de
resposta, mas minha ruiva apenas nega com a cabeça.
— Por que você não fez o que pedi? Era uma coisa simples. Eu
fiquei esperando um tempão e…
Não sei do que eles estão falando. Troco olhares com Trenton,
que também não parece entender muito bem a conversa.
— Deu certo, não deu? Você teve que tomar uma iniciativa. —
Jackson dá uma piscadinha irritante para Gaia, que fica sem saber o
que responder. A boca aberta, os olhos fixos em meu primo, a
respiração pesada. De alguma forma, sei que ela está absorvendo o
impacto. — Talvez o meu nome do meio deva ser Cupido daqui para
a frente — ele encerra a conversa, parecendo bastante satisfeito
consigo mesmo.
— Melhor do que Reginald — Sebastian solta baixinho, olhando
para os lados enquanto tenta se fazer de inocente.
É claro que todo mundo ri da informação já conhecida e sempre
ridicularizada.
— Seu nome do meio é Reginald?! — Gaia é a única que parece
incrédula, afinal, ela ainda não conhece nossas piadas internas.
— É um nome de família — Jack tenta se justificar. — Nosso tio-
bisavô se chamava assim e…
— Isso mesmo, Reginald. Defenda sua honra — Elijah implica.
— Falou o Rei Arthur — Jackson revira os olhos, retrucando. —
Você sabia, Gaia, que Elijah Arthur King tem esse nome porque
nosso querido tio Edmund é fã…
Só que ele não consegue terminar a frase. Uma almofada é
arremessada em sua cara, o que faz Konig levar um susto e sair
correndo da sala, esbarrando na mesinha e derrubando as caixas
vazias de pizza. Cascas e guardanapos se espalham pelo chão
numa bagunça que não me incomoda. É um milagre que o pobre
cachorro tenha mais medo do que fome.
— Tadinho… — Gaia diz, se levantando do meu colo para ir até
Konig. Só que, neste momento, não quero que ela se afaste.
— Ainda não — peço, puxando-a de volta para os meus braços.
Outra vez, Gaia não resiste, apenas sorri e se aconchega de novo, o
que só me deixa estupidamente feliz. A discussão com Jackson é
esquecida quando ela apoia a cabeça na curva do meu pescoço e se
aninha.
— Só porque estou cansada… — diz baixinho, se ajeitando mais
um pouco.
O silêncio toma conta da sala. Sinto vários pares de olhos sobre
nós dois, porém não me mexo, apenas mantenho meu foco em Gaia,
que não parece se importar em ser o centro das atenções. Ou talvez
não tenha percebido que meus primos estão hipnotizados neste
momento.
Mas o melhor de tudo é o fato de ela não notar que, finalmente,
suas barreiras estão abaixadas. Pela primeira vez, Gaia não está
fingindo que não somos nada um para o outro. Pode ser o cansaço,
o susto, o efeito pós-sexo… não importa. Ela está em meus braços.
Beijo o topo de sua cabeça e sinto uma esperança estranha me
dominar. Se Gaia está aqui, há a chance de ela não sair mais. De
sentir o mesmo que eu. Maldição ou não, meu sentimento só
aumenta a cada dia, e não sei o que fazer daqui para a frente —
apesar de ter certeza de que preciso dela comigo.
— Eu não sei vocês, mas fiquei com vontade de comer algo doce
— Jackson sugere, quebrando meus pensamentos. — Bem
açucarado.
— Posso tentar fazer uma sobreme… — Gaia começa a oferecer,
mas a frase é interrompida por um bocejo.
— De jeito nenhum. Chega de comida por hoje. — Levanto-me do
sofá com ela no colo. Na mesma hora, seus braços envolvem meu
pescoço. — Vou te levar para a cama. E vocês, seu bando de inúteis,
arrumem a bagunça e tranquem a porta antes de sair.
— Não precisa expulsar seus primos, Zachary. Podemos ficar
mais e… — Outro bocejo.
— Relaxa, ruiva. Nós estamos aqui quase todos os dias —
Sebastian tenta tranquilizá-la, mesmo assim não paro de andar.
— Por quê? Moram aqui perto? — ela pergunta quando já
estamos próximos da escada. — Você pode me botar no chão,
sabia? Consigo andar até o quarto. — A última parte sai em um
sussurro, que resolvo ignorar.
— Moramos no mesmo prédio — Trenton explica. — Eu moro na
outra cobertura.
— Na verdade — Eli entra na conversa —, este prédio era da
nossa família, mas o bonitão aí resolveu com…
— Por hoje já deu — interrompo-o antes que comece a falar
coisas que não deve. — Arrumem a bagunça e até amanhã. Eli,
Trent, não se esqueçam do jantar com Damon — relembro.
— Sim, senhor — os dois dizem em uníssono, batendo
continência de forma exagerada, mesmo que ainda sentados.
Gaia se despede com um aceno de mão, desistindo de sair do
meu colo enquanto subo a escada que leva ao segundo andar do
duplex. Pelo contrário, parece bem tranquila em ser carregada.
— Eu pensei que você morasse com seus pais — ela diz assim
que entramos no meu quarto. Só então, e com cuidado, deixo que
apoie os pés no chão.
— Saí de casa quando comecei a faculdade. Nunca mais voltei —
conto. — Dividi um apartamento com Trenton durante um tempo, até
que nos mudamos para Londres. Lá, morei em um hotel por dois
longos anos… — confesso, sem conseguir tirar os olhos dela.
— Em um hotel? — Gaia parece incrédula enquanto começa a
tirar os sapatos, deixando-os no canto da cama.
— Era uma suíte bem grande. — Dou de ombros. — Eu sabia
que não ficaria por muito tempo em Londres, então não vi motivos
para ter uma casa de verdade. Quando voltei de férias, resolvi
comprar este duplex.
Vejo-a segurar a barra da camiseta, se preparando para tirá-la.
Quando ela para por um momento, fico pensando se Gaia está
encabulada por ter vindo para o quarto comigo. Será que a ficha de
que está na minha casa finalmente caiu e agora ela quer ir embora?
— Mas seu primo disse que o prédio é da família, o apartamento
já não era seu? — questiona e eu engulo as dúvidas, decidido a dar
as explicações que Gaia procura.
—  Comprei o lugar sem minha família saber que era para mim.
Tudo parte daquele meu plano de “mostrar que posso conseguir as
coisas sozinho”. — Faço o sinal de aspas com os dedos. Não revelo
que gastei uma parte mínima das minhas economias, porque ela não
precisa saber o quanto tenho no banco. A última coisa que quero é
assustá-la agora.
— Ah, sim… — Gaia olha ao redor, e não sei se é a decoração
masculina ou o tamanho do quarto, mas algo no modo como se
comporta a faz parecer ainda menor do que o normal.
— O que foi? — pergunto, chegando um passo para a frente e
envolvendo-a pela cintura.
— Só estava… Queria saber de verdade por que estou aqui? —
A frase sai tão baixinho que mal posso ouvir.
A forma como Gaia me encara, com aqueles olhos muito azuis
implorando por explicações honestas, faz com que eu me esqueça
dos meus motivos para surpreendê-la. Eles não são tão importantes
quanto a vontade que tenho de que ela saiba qual é o seu lugar na
minha casa. Na minha vida.
— Eu só iria te contar amanhã, mas… — Puxo o ar com força,
temendo sua reação. — Você deve ter me ouvido mencionar um
jantar agora há pouco. — Gaia faz que sim com a cabeça. — Era
para ser servido por Christine. Algo simples, aqui em casa, para
alguns executivos. Preciso fechar um contrato e não quero que seja
feito no prédio da IK — explico, começando a me enrolar com as
palavras. — Só que o buffet cancelou de última hora. Ligaram para
mim mais cedo e…
— Zach, diga logo — ela pede, sua mão acariciando meu braço.
— Queria muito que você cozinhasse para a gente amanhã.
Vida em Nova York
A sua fonte de informações sobre a cidade que
nunca dorme

Extra! Extra!
Samantha Strauss está namorando! Fiquei chocada com a notícia
que saiu no maior jornal de fofoca da Inglaterra ontem. De acordo
com o The Sun, a jovem milionária está em um relacionamento sério
com Drew Taylor, que é — pasmem! — amigo de Zachary King.
Será que houve uma traição?
Não estou entendendo mais nada!
Inclusive, Drew está passando uma temporada na Inglaterra com
a nova namorada e foi visto saindo do prédio da IK londrina.
Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, ainda estamos
esperando mais fotos de Zach e Kirsten, ou um comunicado
explicando essa repentina aproximação. Por enquanto, nada mais
saiu sobre os dois. Será que não será dessa vez que Zach se
comprometerá?
De qualquer forma, Elijah King foi visto esta semana com Oliver
Cooper novamente. Os dois almoçaram juntos em TriBeCa,
acompanhados de mais quatro homens desconhecidos por esta
coluna. O que será que estavam fazendo?
Capítulo 36

Zachary

Trazer Gaia até a minha casa para preparar o jantar foi a melhor
e a pior ideia de todas. É uma tortura tê-la tão perto e não poder agir
do modo como quero, como preciso. Porque, no instante que ela
entrou na cozinha e colocou o avental, minha diaba ruiva ergueu um
muro tão alto entre nós, que nem meu melhor sorriso foi capaz de
penetrá-lo.
Agora estou aqui, recostado na parede, com as mãos no bolso
enquanto vejo-a andar de um lado para o outro, fazendo mil coisas
ao mesmo tempo. Gaia é uma máquina de eficiência — e, ao mesmo
tempo que isso me excita, também fico preocupado que ela possa
desmaiar de cansaço a qualquer momento.
— Tem certeza de que não posso ajudar? — Ela levanta o rosto
para me encarar, enquanto pica alguns vegetais com tanta rapidez
que me dá medo de que possa cortar o dedo fora. Gaia é realmente
boa no manejo de uma faca.
— Já disse que não. — Seu tom é ríspido. O olhar que me lança
é gélido.
A chef Denver não é a mesma mulher com quem dormi a noite
passada, muito menos a que estava gritando o meu nome hoje de
manhã. Não é uma pessoa angelical e carinhosa, nem uma
tremenda safada. Quando Gaia entra em modo profissional, parece
que adota uma outra personalidade.
— É sério, posso pegar algumas coisas e… — começo a
oferecer, porém logo sou interrompido.
— Se você der um passo para dentro da minha cozinha — aponta
a faca para mim —, não me responsabilizo pelos meus atos.
— Só estou querendo ajudar — tento me defender, tirando as
mãos do bolso e erguendo-as em sinal de rendição.
— Vai ajudar se sair daqui e me deixar fazer o meu trabalho. Teria
ajudado se tivesse me dado mais tempo, ou concordado em trazer
Spencer para servir de auxiliar. — Ela ergue uma sobrancelha e, na
mesma hora, fecho a cara.
— Sem Spencer — falo com os dentes cerrados. Ver a interação
dos dois na casa dos Hamptons foi torturante. Se tiver que ouvir
risadinhas sob o meu teto, não acho que serei capaz de controlar o
meu ciúme. — Você poderia ter escolhido qualquer outra pessoa. Eu
teria dado um jeito de trazê-la.
— Não conheço muitos auxiliares do ramo. Além disso, é difícil
ter química com alguém dentro da cozinha — ela se justifica e sou
obrigado a revirar os olhos.
Química? Com aquelezinho lá?
Química ela tem comigo, desde o dia que nos conhecemos!
— Dá pra desfazer essa cara? — Gaia interrompe os meus
pensamentos. Deixando a faca de lado, vem até mim com passos
calmos. Mordendo o lábio. Avaliando o meu rosto. Sorrindo.
Maldita mulher linda, que mexe com a minha sanidade e me
deixa à beira de um colapso. Não sei o que fazer quando estou perto
dela, talvez por nunca estar perto o suficiente. Mas assim que
apenas um passo nos separa, não consigo resistir e puxo-a pela
cintura, colando seu corpo ao meu. Gaia envolve meu pescoço com
os braços, porém as mãos não invadem o meu cabelo, como sempre
acontece.
— Odeio quando não podemos ficar juntos do nosso jeito —
confesso, colando nossas testas e deixando as palavras morrerem
na respiração entre as bocas.
— Foi você quem me chamou para trabalhar — Gaia diz baixinho,
e o esboço de um sorriso se forma em seus lábios. — Inclusive,
obrigada por isso. Estou me esforçando para oferecer o melhor jantar
que já cozinhei na vida. Nada como uma boa comida para deixar as
pessoas mais felizes e dispostas a assinarem contratos milionários.
— Sua ingenuidade me faz rir, ao mesmo tempo que me dá
esperança de que esta não será a primeira vez que preparará um
evento meu.
Nos próximos, não quero que Gaia fique apenas nos bastidores.
Só não sei como pedir isso a ela sem fazê-la sair correndo para
nunca mais voltar. Estou andando em uma corda bamba, e qualquer
passo em falso pode estragar tudo o que temos.
“Uma coisa de cada vez, Zachary”, tento lembrar a mim mesmo.
— Tem certeza de que não tem nada em que posso ajudar? —
Resolvo navegar em águas mais seguras.
— Tenho. Por favor, só fique longe da cozinha. Ter você tão perto
me distrai demais. Principalmente quando está usando esse terno. —
Ela encerra a distância entre nós, pousando os lábios sobre os meus
por um breve momento. O gesto foi curto demais para aplacar a
vontade que sinto, mas o suficiente para mostrar que ela não está
querendo me afastar. Apenas… precisa fazer o seu trabalho.
É por isso que tomo o que Gaia está disposta a dar, mesmo que a
minha vontade seja de mandar esse jantar se foder e arrastá-la para
o quarto. Se eu pudesse, deixaria bem claro que odeio essa linha
que ela insiste em manter entre a profissional que trabalha para os
King e a mulher que tem ocupado cada vez mais a minha mente — e
a minha cama.
— A equipe de serviço chega em vinte minutos. Os convidados
devem aparecer em menos de uma hora — aviso com um suspiro,
sabendo que jamais iria contra algo que Gaia me pediu. Deixando
mais um beijo rápido em sua boca, me afasto. — Vai lá terminar o
jantar.
Por mais que eu tente, não consigo manter minha expressão
neutra. É impossível não deixar transparecer a agonia que me
consome quando olho para ela antes de virar as costas e sair da
cozinha. Gaia percebe minha aflição, porque vejo em seu rosto o
mesmo desconforto. Hoje, cruzar a porta da cozinha para a sala é a
mesma coisa que transpor a linha que separa nossas realidades.
Uma que não deveria existir.
Gaia não só pode, como deve estar ao meu lado daqui para a
frente. E não existe nada de mundos diferentes. Nosso lugar é o
mesmo. Agora, só preciso encontrar um modo de fazer com que ela
enxergue isso também.
“Parabéns, Zachary, sua obsessão por essa mulher já passou do
limite do aceitável”, uma vozinha soa na minha cabeça. Resolvo
ignorá-la, afinal, tudo é culpa da maldição dos King.

∞∞∞
 
— Pare de andar — Elijah pede pela terceira vez. — Você não
quer receber os convidados suado feito um porco.
— Não sabia que porcos suavam. — Olho para ele, que estica o
pescoço e vira a cabeça de lado, antes de começar a refletir sobre o
que acabei de falar.
— Essa expressão não faz sentido, Eli. Animais não suam —
Trenton me apoia no argumento. — É por isso que cachorros ficam
com a língua para fora. Também ouvi dizer que tem algo a ver com
as almofadinhas nas patas e…
— E agora vamos conversar sobre glândulas sudoríparas? —
interrompo-o, fazendo como Elijah pediu e me sentando ao seu lado
no sofá da sala.
— Melhor do que ficar tendo crise de ansiedade à toa — oferece.
— Não é à toa e você sabe bem disso. A IK está em uma
bifurcação agora. O resultado dessa reunião vai definir o caminho
que vamos tomar daqui para a frente.
Apoio os cotovelos nos joelhos e enterro o rosto nas mãos,
preocupado com a merda que estou prestes a fazer. Ou talvez já
tenha feito, porque deveria ter me preocupado com o futuro da IK no
dia que soquei Oliver Cooper. Mas é claro que ignorei minhas
responsabilidades e agredi o filho de um aliado no instante que vi
Gaia chorando. Não tenho culpa se meu instinto falou mais alto.
Também não me arrependo, e faria de novo dez vezes, se fosse
necessário.
Agora que estou aqui, prestes a tentar resolver a merda que fiz
ao minar as chances de fechar um contrato com o apoio de Damon
Cooper, não posso deixar o medo — nem a ansiedade — me
dominar. Meu pai não tem ideia do que estou planejando. Se eu
contasse, me diria para ficar quieto e deixar que ele mesmo
resolvesse o impasse. Só que não posso fazer isso; não quando o
peso da IK recairá sobre meus ombros em pouco tempo. Tenho que
provar a ele, e a todos os olhos em cima de mim, que posso
contornar os problemas enquanto defendo aquilo em que acredito.
— Você deveria se preocupar menos com esse contrato —
Trenton aconselha em um tom calmo, que me faz erguer a cabeça e
encará-lo. Quando o faço, vejo um sorriso triunfante em seu rosto. —
Somos os King, cara. Damon Cooper não é o único nome do
mercado. Se ele não quiser, tem quem queira. — Dá de ombros,
como se a declaração fosse a coisa mais simples do mundo.
É então que a ideia me vem.
Sim, somos os King. E isso, na maioria das vezes, é o bastante
para resolver qualquer merda. Afinal, o que um King quer, um King
tem.
— Interessante avaliação, Trent… — Coloco a cara de pôquer no
lugar, imaginando a melhor forma de fazer minha vontade ser feita.
Porém, antes que eu consiga falar qualquer outra coisa para os
meus primos, alguém bate na porta do escritório.
— Senhor King — uma mulher loira, que não deve ser muito mais
velha do que Gaia, coloca a cabeça para dentro —, seus convidados
estão subindo.
— Certo. — Levanto-me do sofá e fecho o paletó. Depois, ajeito a
gravata, vendo Trenton e Elijah imitarem os meus movimentos. —
Hora do show, rapazes.
— Ah, esqueci de dizer — Eli interrompe antes de chegarmos à
porta. — Fechei contrato com aquela banda de indie rock. Eles ainda
não são famosos, mas…
Olho para o meu primo, que apenas dá de ombros.
— Porra, Elijah! — Vou até ele, envolvendo-o em um abraço
rápido. — Parabéns.
Sei que meu primo tem se interessado cada vez mais pelo lado
musical da IK. Por isso ouvi-lo dizer que fechou seu primeiro contrato
me enche de orgulho.
— Espero que dê certo — ele diz, retribuindo o abraço.
— Já deu. Se você diz que são bons, então não há dúvidas. —
Afasto-me e ofereço uma piscadinha.
— Parabéns, meu irmão — é a vez de Trenton cumprimentá-lo
pela conquista. — Depois você conta os detalhes, porque agora
temos um outro contrato para fechar.
— Certo… — Elijah retoma a postura, assim como eu.
Saio do escritório fingindo não estar nervoso, muito menos com
medo do que o resultado desta transação possa significar para o
futuro da empresa. Também tento não pensar em Gaia e no que
teremos que enfrentar quando as pessoas souberem que o próximo
CEO das Indústrias King está em um relacionamento com uma
cozinheira.
A sorte foi lançada.
Se a maldição dos King existe e quer que Gaia e eu fiquemos
juntos, então preciso de uma ajudinha. Darei o meu melhor para
trazer Damon Cooper para o nosso lado do jogo. Se ele aceitar,
convencerei Gaia a ser minha. Sem reservas. Sem ficarmos nos
escondendo.
É por isso que, quando entro na sala e vejo quatro homens
cruzando a porta, meus passos carregam mais determinação do que
o normal. Meu futuro está em cada gesto e decisão que tomarei hoje.
— Damon — cumprimento com mais animação do que realmente
sinto, indo até ele com a palma estendida —, obrigado por ter
aceitado o meu convite.
O homem que lidera o grupo aperta a minha mão, porém não há
qualquer alegria em seu rosto, apenas a curiosidade de um
empresário experiente. Confesso que sinto um certo alívio ao ver que
ele não foi burro o bastante a ponto de trazer Oliver até aqui para
tentar forçar uma reaproximação entre nós.
— Zachary — diz com calma, revezando olhares entre mim e
meus primos —, confesso que seu convite foi um tanto inesperado.
— Não sei por quê. — Finjo indiferença. — Temos vários
assuntos a tratar, e você sabe muito bem disso. Por favor, entre e
fique à vontade.
Gesticulo para a sala, deixando que ele passe na frente do grupo.
Cumprimento cada um dos homens que vem atrás, oferecendo a
minha melhor cara de anfitrião — aquela que aprendi com mamãe
—, apresentando Trenton e Elijah. Aproveito e aceno para a moça
loira, indicando que ela pode começar a servir algumas bebidas.
— Antes de entrarmos nos assuntos que os trouxeram aqui,
Damon, eu gostaria de dar uma palavrinha com você, a sós. — Viro-
me para os demais convidados antes mesmo de obter minha
resposta. — Tenho certeza de que meus primos conseguirão manter
os senhores entretidos por alguns breves minutos.
A sala se enche de risos forçados, inclusive de Elijah e Trenton,
que me olham sem saber ao certo o que estou fazendo. Apenas dou
uma piscadinha para que confiem em mim. Sei que nem precisava
pedir, a confiança é mútua. Fomos criados para isso. Nós nos
apoiamos sempre, não importam as circunstâncias.
— Claro, Zachary — Damon concorda com certa desconfiança.
Mantenho a postura reta enquanto levo-o até a porta de madeira
escura do escritório. Assim que a fecho atrás de mim e sei que
estamos a sós, decido não prolongar a agonia. atacando o problema
de uma vez.
— Vou direto ao ponto, Damon. — Posiciono-me atrás da mesa,
indicando a cadeira do outro lado para que ele se sente. Porém, não
tomo o lugar, mantendo-me de pé enquanto apoio os punhos no
tampo e chego o corpo um pouco para a frente. — Você deve ter
ouvido falar sobre o que aconteceu entre mim e seu filho.
Apenas vejo-o menear a cabeça em afirmativa enquanto se
recosta na cadeira e cruza as pernas. Com os dedos entrelaçados na
frente da barriga, penso se esta sua postura falsamente relaxada é
uma forma de se mostrar indiferente ao comentário. Entretanto, pelo
que conheço do modo protetor como lida com sua família, sei que
Damon está me avaliando.
— Foi por isso que me chamou aqui? Para se desculpar por ter
batido em Ollie? — ele pergunta, erguendo uma sobrancelha.
— Só peço desculpas quando cometo erros. — Às vezes nem
assim. — Achei melhor esclarecer as coisas para que você não
tivesse uma visão deturpada do que aconteceu, já que não estava lá
para presenciar a cena.
— Pelo que soube, você também não estava presente quando a
empregada da casa assediou o meu filho — Damon ataca e acabo
sorrindo. Um gesto carregado de raiva, porque é a única forma que
tenho de não socar a cara dele também.
— Não precisei estar lá, porque os homens da minha família
estavam e disseram o que aconteceu. Inclusive, dois deles estão na
sala agora e podem provar que o assédio foi cometido por Oliver. —
Mantenho meu olhar preso ao dele, sem desviar por um segundo.
Damon o sustenta, como a boa raposa velha que é. — É a palavra
do seu filho, um rapaz de histórico complicado, contra a nossa. Se eu
fosse você, escolheria muito bem em quem acreditar, Cooper, porque
você não vai querer estar contra os King. Principalmente agora, que
decidimos entrar em Hollywood de vez.
Meu blefe é calculado. A expressão fria em meu rosto também.
Ainda não sei se vamos investir muitas fichas no mercado
cinematográfico, quando temos muito a conquistar no universo dos
streamings. Nossa plataforma será lançada em alguns meses,
mesmo que ninguém saiba disso, porém estamos apenas
expandindo nossos horizontes. Com Damon ao nosso lado, a
ascensão dos King no cinema pode juntar esses dois objetivos da
melhor forma possível — e é por isso que não posso desistir dele
agora. Não quando estamos tão perto deste acordo.
Sei que esse é um sonho antigo de meu pai, que vinha plantando
isso há anos, aos poucos, sendo sutil. Quando tudo estava pronto
para ser realizado, fui lá e arruinei suas chances com um soco.
— Por que você está defendendo tanto essa empregada, garoto?
— ele quer saber. O homem perdeu um pouco da segurança ao ouvir
meus planos. As mãos que seguram o braço da cadeira é mostra
disso.
Diferente de seu filho, Damon Cooper não é burro.
— Não tem nada a ver com ela — minto da melhor forma que
consigo. — Tem a ver com você e com o contrato que quero firmar
com o estúdio. Sabe, Damon — chego o corpo para trás, assumindo
toda a minha altura e olhando de cima para ele —, eram três da
tarde e o seu filho já estava chapado de cocaína. Bêbado. E
assediando mulheres. Em um evento de família. Creio que é melhor
você colocar uma coleira naquele moleque, porque não queremos
que ele atrapalhe os nossos negócios daqui para a frente. —
Resolvo que está na hora de inverter a jogada e partir para o ataque.
— Estamos empolgados em fechar essa parceria, mas não
queremos nosso nome manchado por Oliver Cooper. Espero que
você entenda. — Enfio as mãos no bolso e ofereço meu melhor
sorriso. — Todo mundo quer um King ao seu lado, mas quem vai te
querer se o seu filho é um risco grande demais para a reputação do
negócio em vista?
Por vários segundos, Damon apenas me encara, como se não
acreditasse no que acabou de ouvir. Os nós dos dedos brancos
indicam seu estado de espírito. Só não sei se ele quer matar a mim
ou ao filho.
Talvez Damon não pensou em me levar a sério por nunca
acreditar que eu fosse capaz de abandonar meus dias de
vagabundagem. Talvez nunca tenha achado que eu pudesse ser o
homem à frente da IK. De qualquer forma, estava errado. Enquanto
Ollie manteve seus hábitos de merda, eu cresci.
— Eu te chamei aqui para que nós dois pudéssemos colocar
aquele… incidente para trás. Afinal, sei que as atitudes de Oliver não
devem manchar a sua reputação. — Ofereço o ramo de oliveira
como uma saída diplomática. — Apresentaremos a nossa proposta
para a diretoria e, se vocês tiverem interesse, ficaremos felizes em
nos considerarmos seus parceiros daqui para a frente. — Damon me
encara, ainda sem reação. Ótimo, era isso o que eu queria. — Agora,
que tal um jantar? Chamei uma das melhores chefs da cidade para
cozinhar especialmente para vocês.
Não digo a ele que a chef é a mesma mulher que seu filho
assediou, muito menos que estamos envolvidos. Isso será uma
surpresa no momento apropriado. Por enquanto, limito-me a apontar
para a porta e dou esta conversa por encerrada.
O que acontecer nas próximas horas será decisivo — tanto para
a IK, quanto para mim e Gaia.
Capítulo 37

Gaia

A sobremesa saiu da cozinha há três minutos e, desde então, não


paro de tremer. Sei que fiz o meu melhor com esse jantar, mas ainda
não obtive qualquer resposta de Zachary sobre a comida. Não sei se
as coisas estavam boas o suficiente para impressionar seus
convidados. Afinal, só tive um dia para pensar em tudo, fazer as
compras e cozinhar sem ajuda um serviço para sete pessoas.
Eu queria ajudar o meu King a conseguir o contrato, por isso
pensei em um jantar nostálgico que trouxesse à tona o lado
sentimental das pessoas. Tentei colocar elementos que
despertassem alguma memória afetiva dos convidados em cada
prato, mas com um toque de elegância. Só espero que tenha
conseguido.
Abri o jantar com um velouté[3] de tomate, servido com azeite de
manjericão e acompanhado de bolinhos de siri[4]. O prato principal
foram bifes em tiras, com molho barbecue, purê de batata com óleo
de trufas e vegetais bem dourados. Para fechar com chave de ouro,
um combo de chocolate em torre: base fina de bolo de chocolate,
uma camada de mousse de chocolate meio amargo, outra mousse
de chocolate branco, ganache de chocolate na cobertura e, para
decorar, um pouquinho de chantili e chips de banana. Claro que a
porção foi pequena, para ninguém sair daqui direto para o hospital,
mas não consigo parar de duvidar das minhas escolhas. E se algum
deles for alérgico a algo? Ou tiver algum ingrediente que desgoste?
Que droga!
Sei que as intenções de Zachary foram as melhores ao me pedir
para cozinhar, até porque a desculpa que deu de Christine ter
desistido de última hora não colou. Ele é um King, caramba! Bastava
estalar aqueles dedos lindos para o Le Bernadin ou o Per se se
disporem a preparar o melhor jantar para seus convidados. Mas
Zachary me chamou, e sei que estava tentando mostrar que confia
em mim e no meu trabalho. A última coisa que quero é decepcioná-
lo.
Dane-se a ideia de impressionar os King para ter uma referência
no futuro. Eu quero dar orgulho para o homem por quem estou cada
vez mais apaixonada.
Esfrego o rosto com as mãos, tentando manter alguma calma, só
que a demora deixa tudo ainda mais difícil. A cozinha já está quase
toda arrumada, porque eu tinha feito as sobremesas mais cedo —
deixando apenas a montagem para a última hora. A única coisa que
falta é lavar a louça, e Zachary garantiu que eu não deveria me
preocupar com isso. Amanhã, uma equipe de limpeza virá arrumar
tudo.
Nunca pensei que eu fosse precisar tanto de uma boa faxina para
me acalmar. A que ponto cheguei, minha deusa?
Mas antes que eu possa enlouquecer de vez, a porta da cozinha
se abre e, por ela, uma das meninas que vieram servir entra com
uma expressão assustada.
— O que foi? — corro até Debbie e pergunto, segurando seus
ombros.
— Não sei. Ninguém fala nada naquela mesa — ela explica. —
Aquele povo não sabe aplacar a ansiedade dos fofoqueiros. É um
horror.
Solto o ar com força, afastando-me.
— Eles devem ter gostado, Gaia — Julie, a outra menina que veio
servir, comenta. — Os ricos geralmente reclamam quando a comida
está ruim.
— Isso acontece em festas e restaurantes, não na casa dos King
— aponto o óbvio, voltando a esfregar o rosto com as mãos. — Não
teve nem um “hummm” de aprovação? — pergunto com um olhar
desesperado. Ambas balançam a cabeça em negativa.
Acho que nunca me senti tão agoniada na vida. Porém preciso
me lembrar que esse jantar não é sobre mim, mas sobre Zachary e o
contrato que ele quer fechar.
— Os homens ficaram falando de negócios o tempo todo —
Debbie revela e eu apenas assinto. Não que isso me deixe mais
tranquila.
— Certo…
Antes que eu possa continuar no looping de preocupação, a porta
da cozinha volta a ser aberta, desta vez, de forma brusca. Nós três
olhamos assustadas para a esquerda, onde Zachary aparece em
toda a sua glória.
— Fiquem na sala — é tudo o que ele diz, lançando um olhar
rápido para Debbie e Julie.
As duas nem respondem, apenas correm para obedecer às
ordens do patrão, parecendo mais preocupadas do que eu.
— Zachary, o que…? — Mas não consigo terminar a pergunta.
Assim que a porta se fecha novamente, ele já está em cima de mim.
Os dedos pressionando a base da minha coluna, tocando a linha de
pele por baixo da blusa, me puxando para mais perto. Nossas testas
coladas enquanto ele apenas me olha.
— Você tem ideia do que fez com a minha vida? — Sua voz é
rouca quando pergunta, mas é a respiração pesada que me deixa
ainda mais aflita. Algo de errado aconteceu, só pode ser isso.
Apenas me limito a balançar a cabeça em negativa.
Não sei o que está acontecendo. Em seus olhos, há uma mistura
de sentimentos que não consigo decifrar. Porém um deles, com
certeza, é raiva.
Ao mesmo tempo que fico com medo, também relaxo em seus
braços, porque essa proximidade sempre nubla meus pensamentos.
É impossível me manter racional quando estamos assim. Quando
sinto a evidência do seu desejo contra a minha barriga, toda a minha
aflição desaparece.
— Zachary… — falo baixinho, confusa com o comportamento
dele desde que entrou na cozinha.
Ele respira fundo algumas vezes, seu peito subindo e descendo
contra as minhas palmas. Quero dizer que está tudo bem, que pode
falar o que estiver em sua mente, mas não consigo manter uma linha
organizada de raciocínio, porque seus olhos continuam buscando
algo em mim. Ao mesmo tempo, sinto seu perfume gostoso, que
atiça as memórias do que fazemos quando estamos a sós.
— Eu pedi um sinal, Gaia. Um maldito sinal. E é claro que me
deram — ele finalmente diz, mas suas palavras não fazem muito
sentido.
— Do que você está falando? Eu…
— Estou falando do contrato — solta de forma ríspida, como se
odiasse as palavras.
Ouvi-lo dizer isso me traz um fiapo de esperança, tanto que
contraio os dedos, apertando seu peito de leve.
— Conseguiu o contrato? Deu certo? — pergunto, meu coração
acelerado com a possibilidade de ele ter tido mais um sucesso em
sua carreira.
— Claro que consegui. Barganhei com a maldição para isso… —
Zachary está fora de si. Não entendo o que uma suposta maldição
tem a ver com isso. Neste momento, a pressão em minha cintura fica
mais forte, e não consigo conter um gemidinho.
Empino meu corpo um pouco para a frente, querendo estar ainda
mais colada a ele, mesmo que o lado racional do meu cérebro diga
que esta não é a hora certa de comemorar.
— Eu sabia que você conseguiria. — Ofereço meu melhor
sorriso, que desaparece quando sua boca desce sobre a minha em
um beijo duro.
É delicioso e estranho ao mesmo tempo. Um lado de Zachary que
eu não tinha visto. Mas nem por isso desisto dele. Subo minhas
mãos por seu peito, envolvendo-o pelo pescoço até que meus dedos
segurem com força os fios sedosos do cabelo, puxando de leve.
Zach geme comigo, nossas línguas duelando, nossos corpos colados
enquanto sou imprensada contra a bancada da cozinha.
Assim como começou, ele se afasta de repente, dando dois
passos para trás e me deixando ofegante. Encaro-o, a confusão
estampada em meu rosto, sem a menor ideia do que se passa em
sua mente agora.
— Não posso mais fazer isso, Gaia. — As palavras saem
arrastadas da boca que, há um segundo, estava me beijando como
se dependesse de mim para viver. E o impacto que a frase causa faz
com que minhas pernas fraquejem. Preciso apoiar as mãos na
bancada para não cair.
Apenas observo-o com atenção, sentindo como se uma das
minhas facas preferidas estivesse cravada no meu peito agora. Eu
deveria sentir dor, mas não há nada aqui. Nada. Estou oca por
dentro, sem as batidas ritmadas para me dar vida.
Zachary King acabou de me tirar tudo.
Pisco algumas vezes, tentando absorver o impacto do que
aconteceu enquanto engulo a vontade de chorar. Quando foi que as
coisas mudaram tanto?
— Você… não… — gaguejo, sem saber como organizar as
palavras.
— Não posso, Gaia. Não posso mais ser o seu segredinho sujo.
Tudo o que mais quero agora é gritar para a porra do mundo inteiro
que estamos juntos, mas não posso — ele continua explicando e
franzo o cenho, mais confusa ainda.
O coração parado dentro do peito, como se não tivesse mais
forças para bater. Olho para ele e tento decorar cada detalhe de seu
rosto, porque esta pode ser a última vez que o verei pessoalmente.
— Sei que você precisa conquistar as coisas por conta própria, e
respeito demais a sua independência — ele continua, como se não
tivesse me dilacerando a cada frase. — Mas não posso ignorar tudo
isso que sinto.
Ele está terminando comigo ou…?
— Zachary, você está me deixando com medo — confesso.
Então, ele para de falar e me encara. A cabeça inclinada para o
lado. O humor de volta aos olhos.
— Não aceito mais os termos daquele acordo que fizemos na
despensa, Gaia — decreta e dá dois passos à frente, me envolvendo
de novo pela cintura. Quando faz isso, parece que injeta uma onda
de calor em meu corpo e reativa meus batimentos, me permitindo
respirar outra vez. — Eu não tenho vergonha de você, nem quero
esconder o que temos. Então, se você me quiser também,
encontraremos uma forma de fazer isso dar certo. Meus primos
sabem, Martha sabe, Val também. Só falta…
— O resto da sua família — termino a frase por ele, sentindo meu
estômago tremer com a possibilidade.
— E o resto do mundo também, mas isso a gente vê depois. —
Zachary sorri.
Não, ele não está terminando comigo. Ele só quer mais.
— O que passou pela sua cabeça para achar que este era o
momento perfeito para me falar isso? No meio de um jantar de
negócios importante, com seus convidados esperando do outro lado.
Quando eu estou apreensiva querendo saber se tudo deu certo. —
Sorrio de volta, sentindo o alívio correr por minhas veias enquanto
seguro-o pelos braços.
— Não me importo com essa gente. Já consegui o que queria
deles. — Sua voz sai rouca e baixa enquanto mantém os olhos
presos aos meus.
— Quase infartei, pensando que tinha estragado tudo. Desculpe,
mas eu vim aqui para cozinhar, senhor King. A comida não estava
boa? — Deixo que a frase saia em um tom bem-humorado, sem
parar de tocá-lo por um momento sequer.
— Sua comida estava perfeita, como sempre — responde, sua
respiração misturada com a minha. — E eu prometi que, se me
chamasse de “senhor” mais uma vez, te daria motivos para usar
apenas o meu nome para sempre, não foi?
Então, antes que eu me dê conta do que está acontecendo,
Zachary se coloca de joelhos à minha frente. Na mesma hora,
arregalo os olhos e minha boca ganha o formato de O.
Ai, meu Jesus! Será que ele vai…?
— Ainda não — Zachary afirma, como se pudesse ler minha
mente, e dá uma piscadinha sacana. Suas mãos alcançam a lateral
da calça que estou usando, puxando-a para baixo bem lentamente.
— O que está fazendo? — murmuro assustada, quando sinto
minha pele quente começar a ficar exposta.
Subo o olhar para a porta, esperando que alguém entre a
qualquer instante e me veja desse jeito: com a legging enrolada nos
calcanhares e o homem mais lindo do mundo aos meus pés.
— A comida estava deliciosa, Gaia, mas o que eu quero jantar
está bem aqui, na minha frente. — Sua declaração me deixa sem ar,
tanto que volto a encará-lo, sem acreditar no que estou ouvindo.
Ao mesmo tempo, meu corpo reage às palavras sussurradas. O
calor de sua voz bem em frente à minha calcinha só amplifica as
sensações causadas pelas carícias de suas mãos, que sobem
lentamente por minhas panturrilhas.
— Zachary, não podemos… Os convidados, as meninas do
serviço… — balbucio, porém os beijos que ele começa a espalhar
por minhas coxas me impedem de ter coerência.
— Todos estão do lado de fora. Ninguém tem permissão de entrar
aqui — declara, sem tirar os olhos de mim enquanto continua me
beijando.
Minhas pernas estão presas pela calça, não consigo me mexer.
Também não sei se quero, porque agora a língua dele começa a
passear por minha pele exposta, deixando traços quentes e
promessas do que está por vir.
— Eu não consigo me cansar de você — ele sussurra com o
rosto bem perto da minha boceta carente. — Quero você o tempo
todo, Gaia.
E vê-lo assim, de joelhos à minha frente depois de dizer que não
aguenta mais manter nosso relacionamento em segredo, só me faz
ficar ainda mais molhada. Preciso de seu toque com urgência.
— Ainda bem, porque eu quero você agora — digo, enfiando os
dedos em seu cabelo e esfregando-me em seu rosto.
Zachary solta um rosnado baixo, que faz um tremor violento de
pura necessidade reverberar por meu corpo. Então, como se
quisesse me atiçar ainda mais, ele morde minha carne sensível por
cima do tecido fino da calcinha. É impossível conter o gemido, que
se arrasta com rouquidão para fora da minha garganta.
Tento me mexer, mas a calça ainda prende a minha perna. Vendo
meu estado de desespero, Zachary me ajuda a tirar a peça,
removendo primeiro as sapatilhas. Assim que o faz, apoia uma das
minhas coxas em seu ombro, aproveitando para morder a pele
sensível da parte interior.
— Quis te chupar o dia inteiro, sabia? — pergunta, revezando
beijos e lambidas que apenas servem para me atiçar ainda mais. —
Só que você não gosta quando misturamos trabalho e prazer… — A
frase termina com ele apertando minha bunda com força, me
mantendo longe apenas para torturar. Preciso me controlar para não
soltar um grito. Por mais que estejamos a sós aqui dentro, tenho
certeza de que as outras pessoas lá fora são capazes de me ouvir se
continuar gemendo alto. Mas elas não importam.
Mordo meu lábio inferior, tão excitada que mal consigo formular
uma frase. Meu corpo implora para que Zachary acabe logo com
essa tortura. A ardência entre as pernas aumenta a cada segundo.
Mas ele continua com os beijos, passeando com a língua, sem nunca
chegar aonde realmente o quero. A demora me deixa cada vez mais
dominada pelo tesão. E no instante que sinto seus dedos afastarem
minha calcinha para o lado, sei que ele não vai precisar de muito
esforço para me fazer gozar.
— Diga que aceita os novos termos, Gaia. — A voz é firme, assim
como a língua que invade minha fenda e alcança meu clitóris bem
devagar. — Diga que não precisamos mais esconder que estamos
juntos.
Zachary não espera por uma resposta, que não conseguirei dar.
Ele enfia seu rosto em minha boceta, como se estivesse faminto por
dias. Meu quadril salta para frente em reflexo, pedindo por mais.
Puxo seu cabelo com força enquanto a maciez da língua aveludada
estimula meu clitóris já intumescido. Revezando sugadas e lambidas,
Zachary me devora como se eu fosse o melhor consommé. Não
consigo me conter e jogo a cabeça para trás, aproveitando cada uma
das sensações.
Ele varia a intensidade dos movimentos, e tenho a impressão de
que faz isso de propósito para que eu não goze tão rápido. Maldito.
Em resposta, agarro seu cabelo com força e começo a me esfregar
em sua cara, tentando buscar o alívio que preciso. A risada baixa
que ele solta ao entender meu desespero só deixa tudo ainda pior,
porque as vibrações ecoam por meu corpo, fazendo com que meus
mamilos fiquem ainda mais duros, querendo transpassar pela
camiseta branca.
Quando abaixo o rosto para pedir por mais, encontro um par de
olhos verdes safados me encarando. Apenas lá, me observando com
atenção. Aos poucos, paro de me mexer. Zachary também para de
me estimular. Ficamos dessa forma, só nos encarando com
profundidade, e é tão intenso que quase gozo.
Percebendo que estou muito próxima, meu carrasco resolve me
enlouquecer de vez com sua língua, que desce para a minha
entrada. A tortura não é lenta, mas começa circulando primeiro e, em
seguida, penetrando bem devagar. Estou tão sensível que estremeço
com a invasão. Cada centímetro da minha pele queimando.
Zachary me fode com a língua do mesmo jeito que faz com o pau:
rápido e forte, sem tirar os olhos de mim. Tudo é uma exigência para
que eu me entregue por completo. Aceito o desafio com um balançar
de cabeça, perdida nas sensações. Com as mãos, seguro firme em
seu cabelo, enquanto subo e desço em sua cara, buscando o meu
prazer. A mão grossa me agarrando pelo quadril, em uma mistura
perfeita de carícia e brutalidade, só me deixa ainda mais à beira do
precipício.
Sinto meu ventre se contrair quando ele solta um grunhido contra
minha carne molhada. Como se lesse os sinais do meu corpo,
Zachary tira a língua de dentro de mim apenas para que a boca
envolva meu clitóris, chupando-o com força uma vez, antes de usar a
língua para chicotear o monte de nervos de um lado para o outro.
Rápido. Incansável. Tudo é demais… E as sensações se sobrepõem
até que não aguento e me derramo em seus lábios. Pelo menos, me
lembro de tapar a minha boca para não gritar.
Só que Zach não para o tormento de vez, apenas diminui a
intensidade dos movimentos, agora suaves e lentos, até que meu
orgasmo passe. Quando meu cérebro volta a funcionar, percebo que
estou tremendo, praticamente sentada nos ombros de Zachary, pois
minhas pernas viraram gelatina. Acho que preciso deitar na cama e
dormir por uns três dias para me recuperar.
Homens não deveriam chupar tão bem assim, muito menos olhar
pra você dessa forma, como se soubessem do estrago que
acabaram de fazer. E, para piorar, ele lambe os lábios e sorri,
satisfeito. Desgraçado.
— Isso foi… — começo a dizer, mas não encontro a palavra certa
para concluir.
Zachary devolve minha perna ao chão e se levanta devagar, o
rosto ainda brilhando com o meu prazer. Conforme se ergue, deixa
beijos por onde passa e uma mordida no meu mamilo, ainda coberto
pela blusa.
— Mais tarde a gente continua — ele diz e me beija rápido,
fazendo com que eu sinta meu próprio gosto em sua boca. Depois,
pega o pano de prato e limpa o rosto da melhor forma que pode. —
Preciso voltar para os meus convidados.
Com um último puxão na minha cintura, Zachary me dá mais um
beijo e vira de costas. Esse homem é impossível: ele entrou na
minha cozinha e fez um estrago, só para me deixar aqui, parada no
lugar, sem calça e sem conseguir me mexer.
E sem a chance de dizer que aceito os novos termos.
Vida em Nova York
A sua fonte de informações sobre a cidade que
nunca dorme

PAREM TUDO!
Zachary King é visto com ruiva misteriosa!
Quem é ela? Por que estava no conversível com ele? E, antes de
mais nada, POR QUE OS DOIS ESTAVAM SE BEIJANDO?
Sim, meus amigos, se beijando! Em plena sexta-feira de manhã!
Estou em choque!
De onde essa mulher apareceu e por que ninguém ouviu falar
dela antes? Pedi ajuda ao FBI, mas acabei eu mesma investigando
as redes sociais do nosso King. O problema é que não a encontrei. E
se você procurar por aí, não vai achar nada sobre a ruiva misteriosa.
Nenhum site, jornal, rede social conseguiu identificar o novo
interesse de Zachary King.
Estamos todos surtando!
O alvoroço é tanto que quase esqueci de mencionar o vexame
que Oliver Cooper deu durante a semana. Na quinta-feira à noite, ele
foi a um restaurante, onde ficou bêbado, começou a gritar com
outros clientes e, no fim, ainda se recusou a pagar a conta. Disseram
que copos e pratos foram quebrados. Depois disso, o filhinho de
papai foi levado para a delegacia.
Mas nada disso importa. O que todos querem saber é: quem era
a ruiva sortuda beijando Zachary King?
Capítulo 38

Zachary

— O que você queria falar comigo? — meu pai pergunta assim


que entramos no escritório da casa nos Hamptons.
A família acabou de chegar e eu nem dei tempo para ele
descansar da viagem antes de pedir essa conversa. O assunto que
temos a tratar não pode esperar.
— Fechei contrato com Damon Cooper na quinta-feira — aviso e
vejo seus olhos arregalarem em surpresa. Antes que ele possa dizer
qualquer coisa, continuo: — Eu tinha noção de que vocês dois
estavam no caminho para isso quando criei aquela confusão com
Oliver. E, mesmo que meus motivos tenham sido justificáveis, sei
que não podemos nos dar ao luxo de deixar nossas vidas pessoais
interferirem nas decisões da empresa — solto o discurso que venho
planejando desde o jantar de uma forma clara e rápida. Torço que
seja o suficiente para convencê-lo de que foi uma boa ideia agir por
trás de suas costas.
Por vários segundos, meu pai não diz nada. Ele se recosta na
mesa, uma perna passada sobre a outra enquanto me analisa com
cuidado, como se quisesse entender todos os motivos que me
levaram a agir dessa forma. A impressão que tenho é de que voltei
ao passado e estou prestes a levar uma bronca por ter feito merda
na escola. Nunca sei o que meu pai pensa, porque Harvey King não
esboça qualquer reação de agrado com a minha conquista. Como
sempre, ele vai analisar a informação antes de revelar o que acha de
tudo.
Seu olhar é firme, porém não rompo o contato visual. Encaro-o de
queixo erguido, tentando mostrar confiança nas minhas atitudes.
Certas ou erradas, fiz o que achei ser o melhor para o futuro da
nossa empresa. Fiz pensando em mim e em Gaia. Arrisquei de forma
calculada, corrigindo o meu erro, mas sem me desculpar pelo meu
acerto.
— Damon Cooper não recebeu minhas ligações depois do que
você fez a Oliver no início do verão — meu pai finalmente diz. — Ele
considerou a sua agressão como um total descaso dos King ao laço
de amizade entre nossas famílias.
— Imaginei que algo assim pudesse ter acontecido. Por isso, no
início da semana, enviei uma nota de próprio punho a ele,
convidando-o para um jantar na minha casa, junto com outros
membros da diretoria do estúdio de cinema. Trenton e Elijah também
estavam presentes — começo a explicar e resolvo não deixar nada
de fora.
Conto como chamei Damon para uma conversa particular antes
das negociações e que coloquei a culpa em cima de Oliver, o que é a
verdade. Também digo que, nas entrelinhas, deixei claro que ele não
pode ser um problema para a imagem da nossa futura relação, caso
Damon aceitasse a nossa proposta.
— Você tem razão, Zachary. Aquele rapaz tem passado dos
limites. Viu as últimas notícias? — ele pergunta e apenas assinto
com a cabeça. O herdeiro dos Cooper pode começar a ser uma
pedra bem chata no sapato do pai dele.
— Oliver não será um problema — garanto.
— Espero que não. — Meu pai se afasta da mesa e se aproxima,
parando bem à minha frente. Seu olhar continua impassível, até que
ele estende a mão para mim, o canto da boca querendo se erguer. —
Você agiu bem, filho. Estou orgulhoso de mais essa conquista.
Aceito o aperto e sou puxado para um abraço, sentindo um
enorme peso ser erguido das minhas costas.
Puta merda, deu certo.
Quando me afasto, vejo um sorriso estampar seu rosto, provando
que as palavras não foram em vão.
— Garoto, já estou sentindo o cheiro da minha aposentadoria no
ar — meu pai diz, dando alguns passos para trás enquanto empina o
nariz.
Não consigo conter a gargalhada.
— Do jeito que você fala, parece que trabalhar na IK é um
martírio. — Sento-me em uma das poltronas, agora menos ansioso.
— Claro que não, só é… — ele faz uma pausa, como se
pensasse na melhor forma de descrever — …desgastante — conclui,
recostando-se à mesa mais uma vez. — Mas por que esperou que
estivéssemos aqui para me contar sobre o contrato? E por que não
foi ao escritório ontem?
A mudança de assunto é inesperada, e me faz hesitar por alguns
segundos. Mas é a brecha perfeita para puxar a próxima revelação.
Gaia tinha razão em estar nervosa. Merda, agora eu também
estou. Não é todo dia que revelo para a minha família — para o meu
pai — que estou em um relacionamento. Porque agora é oficial:
aquela mulher é minha e não estamos mais escondendo.
Não fui ao escritório ontem de manhã, porque saí com ela do meu
apartamento para voltarmos aos Hamptons de carro. Dirigi por
Manhattan com o teto do carro abaixado para que todos pudessem
ver minha companhia — escolhi o conversível de propósito para a
ocasião —, e ainda fiz questão de beijá-la a cada sinal fechado. E o
melhor de tudo foi que Gaia não protestou. Foi até bem ávida em
participar.
Mas isso aqui é diferente. Parece oficial demais, a ponto de eu
estar me sentindo mais ansioso do que quando abordei o tópico do
contrato com Damon Cooper.
— Eu queria esperar para contar depois do café da manhã,
quando a família estivesse reunida — começo a explicar.
— Do que você está falando? Preciso me preocupar? — Olho
para o meu pai e vejo que ele tem a testa franzida enquanto me
encara.
— Não… — A negativa soa um pouco incerta, o que só aumenta
o vinco entre as sobrancelhas de Harvey King. — Pelo menos, não
deveria. Na verdade, acho que você vai ficar feliz em saber.
De preocupada, sua expressão muda para divertida quando me
vê enrolado com as palavras. Meu pai chega o corpo um pouco para
trás, cruza os braços e me encara, deixando que eu me embaralhe
enquanto tento explicar o que está acontecendo.
— Zachary James King — chama meu nome completo, a voz
carregada de humor, me obrigando a calar a boca —, vá direto ao
ponto.
Respiro fundo. Harvey King é meu ídolo, meu exemplo, e se ele
não aceitar o fato de que estou apaixonado por uma mulher fora do
nosso círculo social, toda a imagem que tenho dele irá se desfazer.
Honestamente, não sei se estou preparado para isso. Mesmo assim,
não posso hesitar agora.
— Estou em um relacionamento sério, pai — encaro-o de queixo
erguido —, com a Gaia.
Acrescentar a última parte faz meu coração parecer que vai pular
para fora do peito. Então, percebo que nunca quis tanto a aprovação
de meu pai para alguma coisa nesta vida como preciso agora.
Como sempre, a primeira resposta dele é o silêncio. Meu pai e o
maldito hábito de absorver a informação antes de reagir a ela. Odeio
a tensão que sinto ao procurar alguma reação em seu rosto
enquanto ele apenas me analisa.
— O que você quer dizer por “relacionamento sério”? —
pergunta, nem um músculo do rosto se movendo.
— Quero dizer que estou apaixonado por ela — afirmo, desta vez
colocando o máximo de firmeza na voz.
— Casamento? Filhos? Quais suas intenções com aquela
menina, Zachary?
— Não deveria ser o pai dela a me fazer esse tipo de
interrogatório? — Fico confuso.
— Gaia é uma boa moça. Já você… Bem, como diria a sua mãe,
é um homem saudável, que não tem a melhor das reputações.
Levanto-me da poltrona indignado, sem saber para onde essa
conversa está indo.
— Isso significa que você não aprova o nosso relacionamento? —
questiono.
— Depende. Se for para você colocar alguns pares de chifres
nela, não, não aprovo — meu pai decreta, me olhando com
seriedade.
Não sei o que dizer. É tudo muito novo e um pouco ofensivo…
— Pela primeira vez na vida, digo a você que estou em um
relacionamento sério, apaixonado, e a sua mente logo imagina que
eu irei traí-la com a primeira que aparecer na minha frente? —
defendo-me, ultrajado com o pouco que meu pai faz de mim.
— Você ainda não respondeu à minha pergunta — ele aponta. —
Pretende se casar com ela? Ter filhos?
O pior de tudo é que, em seu rosto, a expressão continua a
mesma. Não há qualquer esboço de reação — positiva ou negativa
— ao fato de que Gaia e eu estamos juntos.
— Ainda não pensei no nosso futuro — minto, porque a primeira
coisa que imaginei quando Gaia entrou no meu apartamento foi a
minha vontade de que ela nunca mais saísse de lá. Eu tenho certeza
de que vou continuar sentindo a mesma coisa amanhã, ou daqui a
um ano ou trinta. Só não penso muito nisso agora para não correr o
risco de enlouquecer.
Meu pai semicerra os olhos na minha direção. Ele sabe
exatamente quando estou sendo sincero e quando estou sendo um
mentiroso de merda.
— Eu gosto da Gaia — ele declara, se afastando da mesa. — Só
espero que você seja digno de uma mulher como ela.
Dá dois tapinhas em meu ombro e, finalmente, o sorriso volta
para seu rosto, me deixando um pouco mais tranquilo.
— Eu também, pai. Eu também — confesso, soltando um suspiro
de alívio. Então, ele faz menção de sair do escritório, só que resolvo
aproveitar a oportunidade e perguntar mais uma coisa a ele antes de
nos juntarmos ao resto da família. — Pai, pode esperar um minuto.
Queria perguntar o que você sabe sobre a maldição dos King?

∞∞∞
 
Há cinco minutos, Gaia não para de ser envolvida por abraços.
Minha mãe é uma que não consegue manter as mãos longe dela,
revezando entre as demais pessoas, como se não conseguisse
acreditar na novidade que contamos. Pelo menos aquela
preocupação de “não seremos aceitos” deixou de existir. Só estou
com medo de ela ser aceita demais, porque a coitada quase não
consegue respirar.
— Se vocês não pararem com isso, a Gaia vai acabar fugindo
desta casa. E a culpa, por incrível que pareça, não será minha —
ameaço, olhando para minha mãe, que a puxa para outro abraço.
— Mas é que eu estou tão feliz, meu filho… — ela diz, a
bochecha colada com a de Gaia enquanto sorri feito criança no
Natal. — Nunca pensei que esse dia fosse chegar.
Reviro os olhos, odiando admitir que compartilho o pensamento.
— Zachary tem razão, Monica — meu pai intervém, puxando-a
pelo braço e trazendo-a para o seu lado. — Deixe a menina respirar.
Só que ele também parece bem animado, tanto que beija a
têmpora de sua esposa enquanto dá um aceno para mim. Ofereço a
mão para Gaia, que aceita sem hesitar e vem para o meu lado, como
se quisesse fugir da loucura.
— Eu disse que não teria problema — falo baixinho, passando o
braço em torno de seus ombros.
— Mas não imaginei que seria… isso tudo. — O rosto dela deixa
claro o espanto. Não consigo conter o sorriso, ao mesmo tempo que
sinto vários pares de olhos sobre nós.
— Bem-vinda à família. — Ignorando todo mundo, dou uma
piscadinha e Gaia fica vermelha. — Com a gente, nada segue os
padrões normais.
— Percebi.
— Precisamos de uma festa! — mamãe solta em um grito,
fazendo com que todos na sala de jantar olhem para ela. — Sim,
para exibir a namorada do meu filho para o mundo. Ah, já posso até
ver a cara daquelas insuportáveis do clube. Qual é mesmo o nome
da bruxa, Angela? — Ela estala os dedos algumas vezes, tentando
se lembrar.
— A Gillian? Ou a Amelia? — minha tia oferece.
— As duas! — Mamãe gargalha de forma quase maligna. — Elas
estão querendo colocar as garrinhas em Zachary há anos. Tive que
fazer malabarismos para proteger o meu garoto, lembram?
Troco olhares com meus primos, que parecem mais assustados
do que eu com o rumo que as coisas tomaram nos últimos minutos.
Trenton é o mais espantado, tanto que mal tocou em seu café da
manhã. Ele sabe, melhor do que ninguém, que a pressão de
sossegar recairá sobre ele, agora que eu parei com meus dias de
putaria.
Puxo Gaia para mais perto e sinto seu corpo gelado junto ao
meu.
— Só ignora que é mais fácil — sussurro para que só nós
escutemos.
A resposta dela é me encarar, com pânico estampado em seus
olhos. Tenho vontade de rir, mas sei que, em breve, a minha ruiva irá
se acostumar com o jeito extravagante desta família.
— Achei uma excelente ideia, Monica — tia Leah concorda —,
mas precisamos pensar na desculpa perfeita. Isso ainda não é uma
festa de noivado. Não queremos deixar a Gaia encabulada.
— Como se eu já não estivesse… — a mulher abraçada a mim
murmura, apertando as minhas costas enquanto tenta manter a
postura firme. Não resisto e deixo um beijo no topo de sua cabeça,
adorando vê-la manter a pose. Sei que, por dentro, ela deve estar
morrendo de medo.
— Não precisamos de uma festa, mãe — tento argumentar para
salvar Gaia, porém sou ignorado.
— Christine, o que você acha? Consegue fazer algum evento
amanhã, na hora do almoço?
Os olhos de Gaia triplicam de tamanho. Na mesma hora, sei que
preciso retomar o controle da situação.
— Chega! — solto em um grito. — Sem festa! Sem loucura!
Senão a gente se casa amanhã e nenhuma de vocês estará
convidada.
Evito olhar para baixo e ver como Gaia reage ao comentário.
Provavelmente deve estar pronta para sair correndo daqui. Sei que
minha mãe e tias estão com os olhos arregalados, só não sei se
assustadas com a minha explosão ou com o fato de que usei a
palavra com “c”.
Escuto meus primos rirem baixinho, mas finjo que não percebo e
continuo mantendo meu olhar sobre as loucas. As mulheres King
ficam estáticas por alguns segundos, sem conseguir acreditar na
minha ameaça. Como não suavizo o olhar, elas percebem que há um
fundo de verdade no que falo. Por fim, acabam cedendo e apenas
assentem com a cabeça.
— Sem festa — mamãe concorda —, mas adoraria fazer um
almoço para os nossos amigos mais próximos no fim de semana que
vem.
— Se a Gaia não se incomodar… — Dou de ombros e olho para
ela, que continua com o rosto vermelho de vergonha.
Porém, em vez de se esconder atrás de mim, ela dá um passo à
frente.
— Não me incomodo com um almoço para alguns amigos, mas
queria deixar uma coisa bem clara, Monica. — Reveza olhares entre
mim e minha mãe. Neste momento, sei o que está prestes a dizer.
Por isso, apenas balanço a cabeça em afirmativa, a encorajando a
seguir em frente. — Eu vim para esta casa com o propósito de
trabalhar, e é muito importante para mim que isso não mude. Seu
filho e eu… — Gaia hesita, virando-se para mim e me oferecendo um
sorriso tímido — …espero que o nosso relacionamento tenha um
futuro, de verdade. Só que não nasci para viver à sombra de um
homem, e o que eu quero conquistar independe dele. Então, se
vocês não se importarem, continuarei cozinhando durante as
próximas semanas, até meu contrato acabar.
É neste momento que escolho olhar para o meu pai, e sua
expressão diz tudo o que queria saber quando estávamos no
escritório: com o peito estufado e os olhos brilhando, o orgulho
estampa seu rosto. Ele também me encara, agora com firmeza,
acenando com a cabeça. Um único movimento, quase imperceptível,
mas o suficiente para me dizer que aprova a mulher que escolhi.
— Sabe, Gaia — tio Wally começa a falar —, tem duas coisas
que levamos muito a sério nesta vida: a família e o trabalho. Então,
querida, fique à vontade para agir da forma que achar correta.
— Querer conquistar os próprios sonhos através do trabalho é
uma virtude. Só que eu tenho uma condição para esse namoro. —
Meu pai interrompe os sorrisos. — De agora em diante, não sou
apenas o velho que paga o seu salário, mocinha. Ou seja, você vai
ter que me chamar de Harvey.
Capítulo 39

Gaia

Martha está à beira de um colapso. Tenho certeza de que não


falta muito para me matar, mesmo que eu não tenha culpa pelo
número de convidados desse almoço para amigos. Monica havia
prometido chamar apenas os mais íntimos da família para este fim
de semana. Então, como eu poderia imaginar que, nessa lista,
oitenta pessoas estariam incluídas?
Corro de um lado para o outro, tentando cumprir com todas as
ordens ditadas pela coronel, só que ela parece mais perdida do que
eu na balbúrdia que está este lugar. Afinal, não é todo dia que sua
cozinha é invadida por um buffet — muito menos o de Christine
Lowell, que vem totalmente equipado e com um time que é pura
eficiência.
— Você deveria estar lá fora — Valerie comenta, me tirando do
caminho de um cozinheiro, que passa com uma travessa de salmão.
— Eu sei, mas se sair daqui, Martha tem um ataque de pânico.
Veja o estado dela. — Aponto para a senhorinha, que olha para tudo
o que acontece como se assistisse a uma partida de pingue-pongue,
agarrada em algumas baixelas de prata. — Ela odeia invasores.
— Não importa, Gaia. O almoço de hoje é para apresentar a nova
namorada de Zachary aos amigos dos King, mesmo que a desculpa
seja a de ajudar uma ONG de animais de rua. Você já deveria ter se
arrumado, em vez de ainda estar aqui, de uniforme. — Val me fita de
cima a baixo, observando a blusa branca e a saia preta que peguei
emprestada de Lottie semanas atrás e nunca devolvi.
Se por um lado eu sei que ela tem razão, por outro estou
tentando me manter fiel àquilo que disse à família no fim de semana
passado: não posso misturar minha vida pessoal e profissional. Nos
dias em que os King não estão nos Hamptons, isso é bem mais fácil.
Por exemplo, quando Zachary apareceu na quarta-feira à tarde e me
obrigou — depois de ter feito muito pouco esforço — a ficar com ele
na piscina. É claro que aceitei sem reclamar. Depois, fomos parar na
jacuzzi, para compensar o convite da noite em que nos conhecemos.
Porém, na quinta de manhã, ele precisou voltar a Manhattan, e eu
voltei a ser a ajudante de cozinha.
Ontem à noite, a família chegou em peso, avisando que o buffet
de Christine viria hoje cedo, trazendo todo o necessário para o
almoço. É claro que insistiram para que eu participasse do evento
como convidada, e eu aceitei, contanto que pudesse ajudar com os
preparativos pré-festa. Só que ver o estado de Martha não está
ajudando muito, por isso continuo aqui, enquanto os convidados já
começam a chegar.
— Só mais dez minutos — aviso à Valerie, que balança a cabeça
em negativa, reprovando o meu atraso. — Se quiser me ajudar, vai
separando a roupa que compramos durante a semana. Aproveite e
escolha alguns acessórios também. Do seu guarda-roupa, claro,
porque eu não trouxe quase nada. — Deixo um beijo em seu rosto e
corro até a minha chefe, que continua parecendo uma barata tonta
na própria cozinha.
Homens e mulheres vão de um lado para o outro. Ordens são
gritadas. Panelas são mexidas e legumes são picados. Parece uma
sinfonia perfeita, e amo cada segundo. Já trabalhei com várias
dessas pessoas, por isso me sinto um pouco mal por estar só
observando agora. Para mim, esta é a melhor parte de uma festa —
e prefiro mil vezes estar aqui dentro do que lá fora, onde todas as
pessoas ficarão me julgando e se perguntando por que diabos um
homem como Zachary King escolheu uma mulher como eu, fora do
seu círculo de ricos e famosos.
Até agora, também me faço essa mesma pergunta. Porém engulo
as dúvidas e corro junto com as demais pessoas, separando os
pratos e organizando os talheres que serão usados daqui a pouco.
Não faço nada que interfira diretamente nos preparos, porque não
posso atrapalhar o ritmo que o chef impôs aos seus cozinheiros.
— Eles estão bagunçando as minhas panelas, Gaia. — Martha
me puxa de lado, choramingando sua dor.
— O que acha de tirar o dia de folga? Talvez seja melhor do que
ficar aqui — sugiro. — Você está se torturando, Martha.
— Não vou abandonar a minha cozinha. Trabalho nesta casa há
mais de vinte anos e nunca… — Um soluço escapa por sua boca e
sei que ela está prestes a chorar.
O exagero não me passa despercebido, mas quando me coloco
em seu lugar, imaginando como me sentiria se a minha cozinha
fosse invadida por um grupo de estranhos, o sentimento não é dos
melhores. Talvez eu voltasse a pegar minha faca e ameaçasse os
invasores. Cozinheiros parecem frios à distância, seres sem alma e
rígidos demais, mas isso só acontece porque é a disciplina que
mantém o serviço em ordem. Sem ela, o caos tomaria conta.
— Venha, vamos sair daqui. — Passo um braço em torno dos
ombros de Martha e começo a puxá-la na direção da porta dos
fundos.
Assim que estamos ao ar livre, começo a ouvir os sons que vêm
da parte da frente da casa: as risadas, conversas, a música — e sei
que não poderei consolar a minha chefe por muito tempo.
— Tudo está mudando, Gaia — Martha lamenta, me fazendo
parar perto dos bancos. — Spencer não está mais aqui. Você
apareceu este verão, mas não vai voltar no próximo. O menino
Zachary está namorando, Jackson está muito estranho, o sr. Harvey
quer se aposentar… O que será de mim? — Ela me encara ao
perguntar, os olhos brilhando como se realmente esperasse por uma
resposta.
— Nem sempre mudanças são ruins, Martha.
— Você parece meu Gerald, sempre vendo o lado bom das
coisas. — Passa os dedos embaixo dos olhos, afastando algumas
lágrimas. — Ele diz que não somos árvores para criarmos raízes.
Mas estou aqui há tanto tempo que… — Uma fungada me diz que
ela não é capaz de continuar a frase.
Apenas puxo-a para um abraço, tentando consolá-la.
Entendo muito bem como se sente. Por outro lado, não tenho
medo de novos caminhos, por mais amedrontadores que sejam. Só
que mudanças às cegas são complicadas mesmo, principalmente
quando não temos uma rede de segurança para nos apoiar no caso
de queda.
— Posso ser sincera? — pergunto baixinho, empurrando-a
levemente pelos ombros para poder encará-la. — Não sei se as
coisas vão mudar tanto assim.
— Eu vi como o menino Zachary olhou para você quando veio te
buscar no outro dia. Em breve, Gaia, você será uma King. — A
firmeza no modo como Martha fala é o contraste perfeito ao tremor
que toma minhas pernas.
— Uma coisa de cada vez, tá bom? — Forço um sorriso. Até
porque não tenho estrutura para lidar com esse tipo de afirmação.
Zachary e eu estamos juntos, oficialmente, há dez dias. Só dez
dias. Tudo bem que muita coisa aconteceu antes disso. Mesmo
assim, não posso pagar de emocionada agora, escolhendo vestido
de noiva e pensando se ele vai querer Reginald como nome do meio
de um dos nossos futuros filhos.
— Só para constar, acho que vocês formam um belo casal —
Martha comenta, para a minha surpresa.
— Eu me lembro de uma época em que você dizia para eu não
me assanhar para cima dele, dona Martha — falo em um tom
debochado.
— Era para o seu próprio bem, menina. Estava tentando te
proteger, pois conheço bem a forma que moldou o garoto. — Recebo
dois tapinhas carinhosos no rosto. — Agora, vou fazer o que me
recomendou e tirar o dia de folga. Amanhã vejo o estrago que esses
incompetentes causaram na minha cozinha — ela bufa e vira as
costas, seguindo na direção do caminho que leva à sua casa.
Por alguns segundos, apenas observo-a se afastar enquanto
penso no que disse. Assim como Martha, Monica também tinha me
pedido para ficar longe de Zachary. Ambas preocupadas comigo.
Meu lado mulher apaixonada diz que as duas estavam erradas,
porque ele jamais seria capaz de me magoar. Só que o lado mulher
sensata berra que homem nenhum consegue se manter fiel por
muito tempo.
Se até a linda e maravilhosa da Gisele Bündchen já tomou um
chifre, o que impede o resto das mortais de sofrerem a mesma sina?
Nada. Absolutamente nada.
Mas não é com uma galhada na cabeça que estou preocupada, e
sim com o meu coração, que talvez nunca se recupere depois de
tudo o que passou. Sei que não vou aguentar descobrir que Zachary
King não sente por mim o que sinto por ele. Só o pensamento já faz
pequenas rachaduras surgirem no meu peito.
— Gaia! — Como se meus pensamentos o conjurassem, Zach
aparece vindo da lateral da piscina. — Por que ainda não está
pronta? — Ele vem até mim, apressado, e me envolve pela cintura.
Sem qualquer preocupação e ignorando o fato de que estamos
em público, me puxa para perto e desce a boca na minha em um
beijo rápido. É apenas um oi, mas que significa muito mais do que
ele imagina.
— Martha estava surtando na cozinha — explico, mordendo o
lábio para conter o sorriso. — Precisava de ajuda para sair de lá e
tirar a tarde de folga. — Zach apenas olha para mim, mas sem
esconder o humor em sua expressão. — Me dê dez minutos e já
apareço.
— Não temos dez minutos — ele diz, balançando a cabeça. —
Minha mãe está impaciente. E as amigas dela não param de me
perguntar sobre você.
Fecho os olhos e encosto a testa em seu peito, respirando seu
perfume para tentar me acalmar.
— Tem certeza de que eu não posso fingir que estou doente? —
pergunto com a voz abafada.
Zachary apenas ri e me abraça mais forte, deixando um beijo no
topo da minha cabeça. Em seguida, começa a me puxar por uma
mão para a frente da casa.
— Não. Agora é tarde demais. — Cambaleio junto a seus passos
rápidos, e só então me dou conta do problema.
— Espera, espera! — peço, travando no caminho. — Eu estou
vestida… assim.
Com a mão livre, gesticulo para a minha roupa de trabalho.
— E daí? — Zach dá de ombros.
Então, indico meu rabo de cavalo bagunçado, não de um jeito
proposital e sexy, mas no estilo “passei a manhã inteira correndo de
um lado para o outro que nem uma maluca, e agora parece que
coloquei o dedo na tomada e levei um choque”.
— Vou encontrar com todos os amigos da sua família pela
primeira vez. Queria… — hesito, abaixando os olhos.
— Ei — ele coloca dois dedos sob meu queixo, forçando-o para
cima —, o que está acontecendo?
Encaro-o por alguns segundos, sendo absorvida por aqueles
olhos verdes que sempre me hipnotizam e me mostram muito dos
sentimentos de Zachary. Depois de todas essas semanas, ainda não
sou imune a eles, nem sei se um dia serei. De qualquer forma, no
momento, tudo o que vejo refletido ali é uma preocupação genuína.
É por isso que fico na ponta dos pés e deixo meus lábios tocarem os
dele.
Na mesma hora, mãos grandes me seguram pela cintura,
trazendo meu corpo para perto dele, enquanto uma boca faminta me
devora. Porque um toque suave não é o suficiente. Nunca foi, e não
é agora que isso vai mudar, mesmo com a iminência de uma
catástrofe.
Permito-me ser beijada do jeito que ele quer, sua língua
dançando com a minha até que nossas respirações estejam
ofegantes. Mesmo assim, continua não sendo o suficiente. Pelo jeito,
nunca será.
— Só você para me fazer entrar sorrindo numa jaula cheia de
leões, Zachary… — confesso baixinho quando ele encosta a testa na
minha e solta uma risada baixa. — Não queria ser apresentada a
todos os amigos da família vestida desse jeito, só isso — explico
minhas ressalvas. — Talvez, se eu estivesse na minha melhor
versão, as pessoas não implicariam com o fato de que o herdeiro dos
King está namorando uma cozinheira.
Zachary fica em silêncio, porém seus dedos começam a traçar
um caminho perigoso por minha pele. Os toques começam na
cintura, subindo pelo braço, contornando a curva do ombro, até
emoldurar meu rosto. Os olhos nunca saindo de cima de mim, o calor
do toque deixando arrepios para trás. Engulo em seco, presa no
momento, sentindo meu coração acelerar dentro do peito.
— Você sempre está na sua melhor versão, Gaia. E eu namoro
uma chef que um dia terá muito renome — ele sussurra, porém com
tanta firmeza na voz que não consigo contestar. Sua mão vai para
trás da minha cabeça e, de repente, sinto um leve puxão. Só percebo
o que ele fez quando mechas cobrem meus olhos: Zachary acabou
de soltar meu cabelo. — Se quiser se arrumar, é só fazer aquela
coisa que mulheres sempre fazem. Joga o cabelo pra baixo e pronto.
— Sorri, me deixando um pouco mais derretida.
Odeio que esse homem seja tão perfeito assim.
Não há necessidade disso.
— Assim? — pergunto, dando dois passos para trás e jogando a
cabeça para frente, apenas para subi-la de novo.
Passando os dedos pelos fios, o cabelo cai em ondas por minhas
costas até ajeitá-lo de lado.
— Viu? — Zach dá uma piscadinha. — Linda, como sempre. Mas
se você precisar daqueles dez minutos, posso distrair minha mãe e…
— Não... não precisa — interrompo-o, reunindo toda a minha
coragem. — Tem certeza de que não se importa com o que as
pessoas vão falar de verem você comigo vestida desse jeito?
— Eu só me importo com você, Gaia, e com a minha família.
Aquelas pessoas lá fora são irrelevantes. Seus julgamentos, menos
ainda. Já disse que não tenho vergonha de quem você é. Muito pelo
contrário — ele declara, o cenho franzido com o peso dos olhos
presos em mim. — Estou pouco me fodendo para o que os
convidados da minha mãe acham sobre a minha escolha de
namorada. Eles são apenas isso: convidados. Um bando de
aproveitadores, que adoram estar perto dos King por interesse e
fama. Não são amigos. Sabe quantos amigos eu tenho, Gaia?
Amigos de verdade? — Sei que sua pergunta é retórica, por isso
limito-me a balançar a cabeça em negativa. — Quatro — Zach diz —,
e todos carregam o mesmo sobrenome que eu. Então, entenda: essa
gente não tem importância alguma. Agora, vamos lá. Quero te exibir
para o mundo.
Antes que eu possa reagir, Zachary já está me puxando pela
lateral da casa. Volta e meia, ele se vira, olhando para mim e
sorrindo. A cada passo, sinto que meu coração vai sair pela boca.
Mas não posso recuar. Não se eu quiser um futuro ao lado dele.
Capítulo 40

Gaia

Zachary mantém um braço protetor passado em volta da minha


cintura durante a primeira hora da festa, como se quisesse me
garantir que está ao meu lado e não sairá daqui. É só isso que me
traz um pouco de alívio. Ofereço o melhor sorriso que tenho para
todas as pessoas a quem sou apresentada. Porém, consigo notar
que os que recebo de volta são tão falsos quanto a bolsa “Chamel”
que ganhei de Pamela no Natal passado.
Ninguém parece tão feliz assim em me conhecer, apesar do
entusiasmo na voz — forçado, com certeza — e das conversas que
duram vários minutos. Faço a minha parte, tentando não hesitar
quando perguntam como conheci Zachary. Só que, em todas as
vezes, vejo os olhos se arregalarem com surpresa ao ouvirem a
história.
— As amigas da Monica devem pensar que só estou contigo por
conta do dinheiro — sussurro para Zachary quando conseguimos um
minuto a sós. Paramos perto do balcão de bebidas para ele pegar
uma taça de espumante para cada um de nós.
— Iludidas. — Balança a cabeça, me estendendo a bebida. —
Mal sabem elas que você aceitou ficar comigo por conta da minha
beleza estonteante e do meu charme irresistível. — Ele dá uma
piscadinha, que quase me faz engasgar com o líquido borbulhante.
— Pare com isso. — Bato em seu peito, fazendo-o rir também. —
Estou falando sério. As pessoas não param de olhar para mim como
se eu fosse uma aproveitadora de primeira categoria.
— Você é? — ele pergunta e franzo o cenho. — Uma
aproveitadora. Você é?
— Claro que não — defendo-me na hora, olhando em volta para
ver se não tem ninguém ouvindo a nossa conversa. — Você sabe
muito bem que…
— Então, por que está preocupada? — Zach me interrompe. —
Não podemos controlar o que os outros pensam e falam a nosso
respeito, Gaia.
Sua declaração chega em um tom neutro, acompanhada de um
menear de ombros. Para ele, parece que a ideia é a coisa mais
simples do mundo.
— Você está acostumado a ser o centro das atenções —
esclareço. — Eu não. — Dou um gole na bebida, tentando usar o
álcool para me dar um pouco de coragem. É claro que não vai
funcionar, mas, pelo menos, vai fazer o impacto do dia doer menos.
— Olha isso aqui. — Ele me estende a taça e, em seguida, retira
o celular do bolso. Vejo-o digitar na tela algumas vezes, como se
estivesse procurando por algo, até que vira o aparelho para mim.
— “O romance secreto de Elijah King” — leio em voz alta o título
da matéria principal de uma página de fofocas. — É sério isso? —
pergunto, incrédula, e Zachary apenas assente, dizendo para que eu
continue a leitura.
“Dizem por aí que o filho mais novo de Edmund King está
envolvido há anos com alguém. Só que Elijah, além de ser uma
pessoa bastante discreta, também não quer revelar sua orientação
sexual. De acordo com nossas fontes, ele está em um
relacionamento monogâmico, há anos, com seu melhor amigo Scott
Hendrix.”
Termino o primeiro trecho do artigo e olho para Zachary, com a
boca escancarada e sem saber o que comentar.
— Essa matéria saiu hoje — ele explica. — As pessoas pensam o
que querem. A imprensa fala o que quer. Não adianta tentar
controlar.
— Eu não sabia que Elijah é gay — confesso.
— Nem eu, talvez nem ele. — Zachary sorri. — A questão não é
essa. Só estou dizendo para você não acreditar no que falam a
nosso respeito, mesmo que as fotos pareçam verdadeiras. Neste
caso — balança o aparelho —, Scott é amigo de Elijah desde a
época da faculdade. E, se não me engano, ele tem uma namorada.
— Minha expressão confusa faz seu sorriso aumentar ainda mais. —
Está vendo? As pessoas falam o que querem, quando querem,
porque querem. E 99% do que é publicado não passa de mentira
para faturarem às nossas custas.
— O que vocês fazem quando coisas assim aparecem? —
Estendo a taça de volta para ele, que a aceita e termina o conteúdo
todo em um só gole.
— Nada — diz de forma simples. — Temos uma equipe de
relações públicas que monitora tudo o que sai sobre nós. Quando é
algo sério, respondemos à altura. Quando é fofoca barata,
ignoramos. Nosso tempo vale mais do que isso.
Solto uma risada sem qualquer humor, balançando a cabeça de
um lado para o outro enquanto tento entender a complexidade disso
tudo. Zachary faz esse tipo de coisa parecer tão… mundana. Já eu
acho que morreria se alguém me expusesse na internet.
— Pelo visto, vou ter que me acostumar a isso… — solto em um
murmúrio.
— São as desvantagens de ser um King. — Ele me encara,
retirando a taça da minha mão e deixando-a sobre a mesa de apoio
ao nosso lado. Então, antes que eu possa dizer qualquer coisa,
nossos corpos estão colados de novo. — Vamos dançar — sussurra,
abaixando o rosto para bem perto do meu.
Nem finjo que vou resistir. Passo os braços em torno do seu
pescoço, ficando na ponta dos pés para diminuir um pouco a nossa
diferença de altura, e começo a me mexer no ritmo que ele impõe.
Algo lento, ao som da música suave que toca ao fundo, mas o que
importa mesmo é que estamos juntos — e, pela primeira vez, em
público.
Zachary tem razão quando diz que não posso controlar o que os
outros pensam ou falam. Assim como não posso controlar o que
sinto quando estou com ele. E esse sentimento parece ficar mais
intenso a cada segundo, como se a necessidade de estar perto fosse
sempre maior.
Enquanto me perco em seus olhos, me permitindo ser levada
pela música e pelo momento, a convicção de que não posso me
afastar dele só aumenta. Dificuldades virão. Pessoas falarão. Minhas
inseguranças aparecerão. Mas se ele continuar me segurando
assim, acho que consigo superar o resto.
— Você tem sorte por possuir essa beleza estonteante e esse
charme irresistível. Só assim para valer a pena todo o estresse. —
Reviro os olhos, irônica. — Senão seria muito difícil ser sua
namorada.
— Ah, é? — ele pergunta, entrando na brincadeira e erguendo
uma sobrancelha, sem parar de dançar.
— Com certeza. Porque, até agora, quase não desfrutei da sua
fortuna, sabe? Você ainda não me levou para jantar em locais
caríssimos, não ganhei um banho de loja, nem joias… Mas se você
me desse joias, não poderia andar de ônibus com elas.
— Você quer joias, Gaia?
— Só se for do tipo que rainhas usam. Aqueles colares bem
cafonas e com pedras enormes, que valem milhões. Não aceito
pedrinha mixuruca, não. Sou uma mulher de ostentação pura.
— Podemos providenciar algo do tipo. Acho que William não se
importaria de me passar o contato do joalheiro da família real —
Zach assente em um tom bem-humorado.
— Faça isso. Porque se for para pagar de interesseira, então
quero ter motivos para isso — declaro.
— E o que mais minha interesseira preferida precisa?
— Estou pensando. — Deixo meus dedos entrarem em seu
cabelo, arranhando devagar a nuca. Zachary fecha os olhos e tomba
a testa na minha, os passos da dança ficando mais lentos. — Pode
ser um jogo de panelas de ouro com diamante. Não… seria
impossível usá-las. Que tal aquelas luzes em casa, que você bate
palma e elas acendem?
— Já tenho isso no meu apartamento — ele murmura.
— Mas não moramos juntos — sussurro de volta e, então, ele
abre os olhos, parando de dançar.
— Não moramos juntos.
Por vários segundos, apenas nos encaramos. Há uma mudança
no ar, um peso novo. Com nossos corpos colados, sinto-o respirar
mais forte, suas mãos apertando minha cintura. Meu coração acelera
dentro do peito enquanto me perco em seus olhos, sabendo muito
bem o que eles querem dizer nesse silêncio.
— Por favor, não faça isso — peço. — Estamos namorando há
dez dias. Só dez dias.
— Eu sei. — Zachary abre um sorriso torto, como se o tempo
fosse insignificante para ele.
— Nem nos conhecemos direito — argumento.
— Eu sei.
— Não podemos.
— Eu sei.
— Ainda estou trabalhando aqui pelo resto do verão.
— Eu sei.
O sorriso no rosto dele fica ainda maior. Desta vez, um frio sobe
do meu ventre, me fazendo arrepiar até a nuca, tanto que estremeço
em seus braços.
— Preciso torrar todo o seu dinheiro antes disso. — Mordo o
lábio, tentando usar o humor ácido como uma defesa. Afinal, o modo
como Zachary me encara agora não me ajuda em nada a relaxar.
— E como você vai torrar meu dinheiro, Gaia? — Ele quer saber,
erguendo uma sobrancelha divertida.
— Vou comprar um chihuahua e passear com ele na bolsa o dia
inteiro, fazendo compras com o seu cartão de crédito preto.
— Konig tem medo de outros cachorros — Zach lembra e, na
hora, eu amoleço.
— Ah, tadinho… Não podemos fazer isso com ele.
Só que antes de eu dizer qualquer outra coisa, a boca de Zachary
já está cobrindo a minha. Não há mais burburinho ao nosso redor. A
música também parou de tocar. O mundo deixou de existir. Como
sempre acontece, restamos apenas nós dois e nosso beijo.
As mãos passeando pela lateral do meu corpo, as minhas
emaranhadas em seu cabelo. As línguas unidas e a respiração se
tornando uma só. Se eu pudesse, ficaria aqui para sempre. O gosto
do espumante potencializa o sabor único desse homem, me
deixando com ainda mais vontade dele. Tanto que empino meu peito,
tentando esfregá-lo em Zachary, completamente esquecida de onde
estamos.
Zach me agarra com força pelo quadril, como se também não
fosse capaz de se controlar, e então sinto sua rigidez contra a minha
barriga.
— Desculpe interromper o casal apaixonado. — Uma voz
interrompe o momento e, na mesma hora, abaixo a cabeça,
escondendo o rosto no peito largo à minha frente.
— Obrigado, pai. — Ouço Zach dizer, enquanto passa a mão no
meu cabelo e me abraça, protegendo-me da vergonha. — Obrigado
mesmo.
Minha deusa, eu estava me agarrando com ele em público…
Onde foi parar o meu bom-senso?
— Gaia, querida, se meu filho pudesse parar de monopolizá-la,
eu gostaria de te apresentar a um amigo — Harvey diz, lançando um
olhar sério ao Zachary. Respiro fundo duas vezes, criando coragem
para sair do casulo que os braços dele formaram ao meu redor.
Afasto-me um pouco e passo a mão pelo rosto, tentando me
recompor. Só então viro-me para trás, dando de cara com Harvey,
Walter, Edmund e um outro homem que nunca tinha visto, mas que
me é familiar.
— Boa tarde, senhor…
— Cooper — Zachary apresenta, estendendo a mão para ele. —
Seja bem-vindo, Damon. Esta é Gaia Denver, a minha namorada.
Repito os movimentos de Zach e cumprimento o homem, que
deve ter a mesma idade de Harvey. Alguma coisa no sobrenome
dele me chama a atenção. Reconheço-o de algum lugar.
— Muito prazer, sr. Cooper.
— O prazer é todo meu, Gaia — ele diz, oferecendo-me um
sorriso.
— Foi ela a responsável por aquele jantar maravilhoso que
comemos lá em casa, Damon — Zachary diz, se posicionando às
minhas costas, com as mãos em meus ombros. — Gaia é uma chef
extraordinária. Tenho certeza de que ainda ouvirá falar muito dela.
Sinto meu peito inflar com o elogio, porém me forço a permanecer
com uma expressão neutra no rosto. Pelo menos, o máximo que
consigo.
— Não tenho dúvidas disso — Damon concorda. — O jantar que
você serviu estava esplêndido, minha cara. Há muitos anos não
comia um bolinho de siri tão gostoso.
Desta vez, não consigo conter o sorriso.
— Fico muito feliz que tenha gostado, sr. Cooper — falo com
sinceridade, sentindo as mãos de Zachary me apertarem de leve, ao
mesmo tempo que ele deixa um beijo no topo da minha cabeça.
— Ah, aí está você, minha nora querida. — Monica King aparece
ao nosso lado, e o enorme sorriso em seu rosto não esconde o
quanto está se divertindo com a festa. — Venha comigo um
minutinho, precisamos conversar.
Ela estende a mão para mim e, na mesma hora, fico me
perguntando o motivo do convite. Sinto Zach tensionar, me
segurando pela cintura, e sei que ele está pensando a mesma coisa
que eu.
— Mãe, o que…
— Conversa de mulheres, meu filho — ela o interrompe. —
Prometo que devolvo sua namorada em um piscar de olhos.
Antes que eu possa argumentar, Monica começa a me puxar pelo
jardim com um passo acelerado, cruzando pelas mesas que foram
dispostas para a festa. Ela ignora os convidados que tentam chamá-
la, como se estivesse em uma missão.
— Para onde vamos? — quero saber.
— Você já vai ver — diz, enigmática.
Entramos na casa pela porta da frente, passando pela sala de
estar com a mesma pressa que tivemos no jardim. Ainda sem
entender os motivos dela para agir de forma tão estranha, não
contesto até entrarmos na sala de jogos. Em vez de conversarmos,
Monica fecha a porta com muito cuidado e sem fazer barulho, o que
me deixa ainda mais confusa. A situação piora quando ela coloca um
dedo em riste sobre a boca, me pedindo silêncio.
Monica não acende a luz nem abre as cortinas, apenas me guia
até a janela, parando escondida no canto. É então que me dou conta
do que estamos fazendo aqui: bisbilhotando.
— Eu não acredito que ele está namorando aquelazinha. — Uma
voz feminina e esganiçada soa do terraço.
— Ainda por cima veio vestida de garçonete. Será que não tem
roupas decentes?
— Você viu a sapatilha? Deve ter comprado na promoção da
Macy’s!
Várias risadas seguem o comentário, fazendo com que um nó se
aperte em minha garganta.
— Não sei o que deu na cabeça da Monica para aceitar que o
filho trouxesse uma qualquer para dentro de casa. Com tantas
opções maravilhosas, Zachary foi logo escolher a serviçal. Se a
garota está grávida por um descuido, não precisa desse circo todo, é
só pagar que ela desaparece.
As palavras cruéis e preconceituosas me machucam, porém
engulo-as com força, como se fossem areia. Arde, arranha e me
deixam com vontade de chorar, mas mantenho o rosto estoico e fico
firme. Monica não me traria aqui só para torturar. Tem que haver
algum sentido nisso tudo.
— Grávida ela não está, mas bem que gostaria. — O comentário
mordaz vem acompanhado de risadinhas. — Você precisava ver,
Amelia. Gaia se jogou em cima dele o verão inteiro. Todo mundo
conseguia ver isso, menos o pobre Zachary.
Essa última voz me é familiar. Olho para Monica, que apenas
sorri e murmura, sem som, “Chloe”. Fico em choque. A garota
passou vários fins de semana aqui, sabe que sua declaração é
mentira.
— Duvido que dure muito, minha querida. Ela é só a novidade da
vez, e aposto que tem aquele gostinho proibido que homens adoram.
Garotas como ela aproveitam as férias para arrumar algum dinheiro,
se é que me entendem.
— Só não imagino como Zachary pode aguentar, mesmo por uma
diversão passageira. A caça-dotes deve ter gosto de cebola, isso
sim. Já que passa o dia inteiro cozinhando. É quase uma gata
borralheira. Bem que podiam tê-la prendido numa torre. Não suporto
olhar para a desmazelada.
A frase me faz arregalar os olhos. Encaro Monica, que tem uma
expressão neutra no rosto enquanto apenas escuta. Só que, quando
ela se vira para mim, não consigo mais conter as lágrimas.
— Preciso sair daqui… — sussurro e dou um passo, mas logo
sou impedida.
— Não — ela diz, tão baixo quanto eu. — Você vai ficar e ouvir
tudo o que essas víboras têm a dizer.
Sempre achei que Monica era uma boa pessoa, que me tratou
bem. Por isso não entendo o motivo de estar me torturando desse
jeito. Se não queria aceitar meu namoro com Zachary, que tivesse
me dito. Só que isso que está fazendo é crueldade demais. Quando
desengasgo do choro, ergo a cabeça para avisar que estou indo
embora e vejo uma resolução no modo como a mãe de Zachary me
olha, como se exigisse de mim uma força que não sei se eu tenho.
Ela mantém as costas eretas e o olhar firme. Talvez por já estar
acostumada, ou talvez por ter sangue de barata, não sei. Mas ficar
parada, ouvindo mulheres que nunca me viram antes dizerem coisas
tão absurdas a meu respeito faz com que eu me sinta menor do que
um grão de arroz.
Minhas mãos estão congeladas. Meu estômago parece prestes a
se revirar. Não sei por quanto tempo vou conseguir ficar aqui. É o
olhar altivo de Monica que me dá forças para permanecer e escutar.
Ouço cada uma das ofensas. Sobre minhas roupas, minha postura,
meu cabelo, minha falta de dinheiro e má criação. Escuto que não
sou boa o suficiente e que não passo de uma interesseira qualquer.
Escuto que, em no máximo um mês, darei o golpe da barriga.
Fico calada. Cada uma das palavras vis tem o impacto de um
soco. O gosto amargo escorrendo pela minha garganta.
As lágrimas não param de deslizar por meu rosto, até que
começo a tremer. De tristeza, de raiva, de medo.
Mantenho-me no lugar até Monica se dar por satisfeita e me levar
para uma das poltronas, onde desabo com o rosto enfiado nas mãos.
— Enxugue as lágrimas agora — ela diz em um tom autoritário,
sentada ao meu lado. Subo o olhar e vejo-a me fitar de volta. —
Agora, Gaia.
Só consigo obedecer, bem a tempo de ver a porta que leva ao
terraço ser aberta. Por ela, o grupo de mulheres cruéis entra na sala
de jogos, logo estancando no lugar, como se jamais esperassem nos
ver aqui. É então que começo a entender o plano de Monica King.
— Boa tarde, senhoras. Estavam se divertindo? — pergunta,
porém não espera por uma resposta. — Serviremos a sobremesa em
alguns instantes. — Ela sorri, indiferente. Linda. De queixo erguido.
— Inclusive, meu marido disse que teremos uma apresentação
musical ao vivo daqui a pouco. Uma banda de rock, vocês
imaginam?! Recém-contratada da King Records.
Mas as mulheres permanecem mudas, paradas como estátuas,
os olhos arregalados. Revezando olhares entre nós duas. O medo
estampado em seus rostos, enquanto Monica é a plenitude em
pessoa.
De todas elas, Chloe é a mais pálida. Se eu estou vermelha de
chorar, a filha de Christine parece que perdeu todo o sangue do
corpo, encarando a anfitriã em pânico.
— Monica, eu… — ela começa a gaguejar.
— Podem ir na frente, meninas. Já iremos também. Só preciso
conversar com a minha nora um momentinho — Monica diz,
dispensando-as com um aceno de mão.
Ninguém é burro o bastante para contestar. Em questão de
segundos, estamos a sós novamente. Tento buscar dentro de mim
um fiapo de energia para dizer qualquer coisa, porém tudo que
encontro é mais desesperança.
Há poucos minutos, estava nos braços de Zachary, dançando, me
sentindo apaixonada e convencida de que os comentários alheios
não iriam me afetar. Mas eu ainda não tinha escutado o quão cruéis
poderiam ser.
— Quando eu comecei a namorar com Harvey, as coisas não
foram fáceis — Monica começa a dizer, cruzando as pernas nos
calcanhares e posicionando as mãos sobre os joelhos. É a postura
perfeita da realeza. — Sinceramente, queria que alguém tivesse feito
isso comigo — confessa, indicando o lugar onde estávamos
escutando antes. — Teria me poupado muito aborrecimento.
A frase me pega desprevenida, tanto que olho para ela com o
cenho franzido.
— Desculpe, Monica, mas não sei se isso é verdade. — Respiro
fundo e balanço a cabeça, afastando as palavras nocivas daquelas
mulheres.
— Ah, Gaia… Durante anos, achei que várias delas eram minhas
amigas, que estavam por perto porque gostavam de mim. — Ela
chega para frente e apoia uma mão sobre a minha. — Aprenda uma
coisa agora, querida: os King não têm amigos. Só uma lista de
pessoas que querem estar ao nosso lado por conveniência, porque
sabem o que podemos proporcionar.
O que ela diz vai de encontro ao que Zachary falou sobre os
únicos amigos serem os primos. A constatação só me faz ter mais
certeza das dificuldades que eles enfrentam diariamente, apenas por
carregarem este sobrenome e uma fortuna.
— Então, por que convivem com essas pessoas? Como lidam
com isso? — questiono, sem entender como aguentam.
— Sabemos exatamente quem é quem neste mundo. Mantemos
por perto aqueles que precisamos e antecipamos seus movimentos.
Foi por isso que a trouxe aqui, Gaia. Você está namorando o
herdeiro das Indústrias King, o próximo chefe da família. Era óbvio
que as serpentes iam destilar um veneno. E eu queria saber o que
elas estavam falando de você. Afinal, tudo isso que ouvimos estará
nos tabloides amanhã. — Monica dá de ombros, em um gesto bem
parecido com o do filho. — Nós lidamos com o previsível, mas não
podemos deixar que nada, absolutamente nada, manche o nome da
nossa família.
— Como assim?
— O fato de você ser uma cozinheira, por exemplo. — Puxo o ar
com força ao ouvi-la dizer isso. — Não, fique calma. Isso não
importa. É só um fato. Já sabemos disso e em nada interfere com a
nossa reputação. O que tem de errado você ser uma cozinheira?
Uma futura chef de cozinha?
— Diga-me você. — Encaro-a, sentindo a apreensão me dominar.
— Já te contei que era estudante de Pedagogia quando conheci
Harvey, mas não falei que fui vendedora de sapatos. Eu estudava à
noite e passava os dias ajoelhada na frente de pessoas — Monica
explica com um sorriso no rosto. — A imprensa caiu em cima de
Harv sem piedade, dizendo que eu não era digna de um homem
como ele, porque passava o dia cheirando chulé.
Faço uma careta, sem conseguir acreditar que Monica King, a
epítome da elegância, era alvo de críticas como essa.
— E o que aconteceu?
— Nada. Ignoramos, seguimos com nosso relacionamento, nos
casamos, tivemos Zachary e vivemos felizes para sempre,
esmagando um inseto de cada vez. Porque, no fim das contas, todos
eles são insetos, Gaia. Querem transformar os fatos mais simples
em coisas absurdas. Não podemos permitir isso — ela decreta, sem
um pingo de hesitação na voz. — Agora, o problema é se você
estiver escondendo algum segredo. Um… esqueleto no armário,
como eles chamam.
— Não, Monica, claro que…
— Minha vez de falar, querida — ela me interrompe. — Vamos te
defender até o fim, porque você é importante para o Zachary e, em
breve, será uma King também.
A frase me faz perder o ar por um segundo. O que há com essa
família de sempre colocar a carroça na frente dos bois? Monica está
falando em casamento, Zachary estava falando em morarmos
juntos… Será que nenhum deles consegue ir devagar? Qual o
problema em namoro de dois ou três anos, mais um noivado, para
então pensar em casamento?
— Os seus segredos virão à tona, querida — ela continua. —
Todos eles. Não duvide disso por um segundo. O que estou
perguntando é: você tem algo podre que precisa me contar? Se tiver,
esta é a hora para nos anteciparmos.
Engulo em seco, lembrando-me dos quase dois anos da minha
vida que perdi por achar que meu mundo girava em torno de um
homem que não me merecia.
— Eu tive um relacionamento merda, com um completo babaca.
Isso conta?
— Todas tivemos relacionamentos merdas. Isso não é nada.
Estou falando de filhos abandonados, crimes cometidos, se esse
relacionamento merda foi com um homem casado… qualquer coisa
que possa manchar o nome da minha família.
— Não, isso não. — Balanço a cabeça em negativa. — Ele era
um idiota que me chifrou várias vezes, e eu era uma iludida, sempre
fazendo o que ele queria. Achei que fosse amor eterno.
— Bom, querida — ela dá dois tapinhas na minha perna —, quem
nunca?
Não sei se a pergunta deveria me fazer rir ou chorar, mas a
verdade é que a maioria das mulheres já acabou se ferrando nas
mãos de um homem que não a merecia. No início, eles se mostram
príncipes encantados, apenas para descobrirmos depois que são
sapos cheios de verrugas venenosas. E, para deixar a minha história
ainda mais triste, o sexo nem foi tão espetacular assim, para ter
alguma lembrança boa quando acabou. Porque, lá no fundo, sempre
soube que não é um pau mágico que parte corações, e sim a dor de
não ser amada de volta.
— Bem, agora que já sabemos o que nos espera amanhã,
precisamos aparecer na festa — Monica interrompe meus
pensamentos. — Levante a cabeça, vista uma armadura, e saiba que
os King estarão sempre ao seu lado, querida. Os outros são só os
outros, e muito menos importantes do que a gente. — Ela estende a
mão para mim, e não hesito em segurá-la, saindo da poltrona
também.
— Como você consegue? Tudo isso — aponto para o jardim —,
todos os dias?
Por alguns segundos, Monica fica calada, mas então sorri.
— Por ele, querida. Meu Harvey faz tudo isso valer a pena. E a
vida que ele me deu é a melhor do mundo. E não estou falando
sobre o dinheiro. O importante, como imagino que você sabe, é que
tenho um marido que me ama incondicionalmente, um filho
maravilhoso e uma família louca… — Neste momento, seus olhos
ganham um brilho diferente. É como se várias lembranças
estivessem passando por sua mente. — Acredite em mim: vale a
pena. Principalmente quando vemos todas as víboras beberem do
próprio veneno. Um segredo, Gaia: todas elas vão acabar com um
homem que não presta, num casamento infeliz só para terem
dinheiro. Se soubessem que o amor verdadeiro vale muito mais…
Ela não me dá chance de argumentar antes de sair da sala, me
puxando pela mão. Enquanto caminho de volta até o jardim, digo
para mim mesma que preciso ter coragem. Mas também fico me
perguntando se terei forças para enfrentar tudo isso por muito tempo.
Já estou exausta e hoje é apenas o dia um.
Capítulo 41

Gaia

Com certeza não terei forças.


E não por conta das fofocas cruéis ou de pessoas que me odeiam
sem me conhecerem direito, mas sim pelo balde de água fria que
acabo de levar bem no meio da minha cara. Porque assim que piso
no jardim, vejo que o palco que haviam montado já está ocupado.
Bem no centro dele, a última pessoa que eu esperava ver aqui.
— Vamos dar as boas-vindas aos novos contratados da King
Records: Red Law. — Elijah está apresentando a banda, mas quase
não escuto o que é dito. Meus olhos estão presos no homem ao seu
lado, que sorri como se tivesse acabado de ganhar na loteria.
Na minha cabeça, várias perguntas se passam ao mesmo tempo.
Quando? Como? Onde? Por quê?
Por quê?
Por que Jamie está aqui?
Eu não o vejo há… sei lá, quase quatro anos. Por que agora,
quando minha vida finalmente está se acertando?
De onde foi que ele saiu?
Não sei quando Monica King me deixou sozinha, também não
faço ideia de para onde ela foi. Quando olho para os lados, ninguém
está por perto — e ainda bem por isso. A última coisa que eu queria
que acontecesse está prestes a explodir: meu passado acaba de
invadir meu presente como uma bola de demolição. E o pior: sem
qualquer aviso.
Mas como Jamie veio parar aqui? Por quê?
Meu ex fala alguma coisa no microfone, porém não consigo
discernir uma palavra sequer. Só ouço um zumbido agudo nas
minhas orelhas, como se uma bomba tivesse acabado de estourar
bem à minha frente. Elijah ri, os convidados aplaudem, e eu fico
parada. Estática. Encarando o nada enquanto tento entender o que
diabos está acontecendo.
Então, lembro que Monica mencionou para aquelas cobras que,
depois da sobremesa, uma banda de rock iria se apresentar.
E, pelo que entendi, se Jamie Lawrence está aqui com sua
banda, significa que acabaram de assinar um contrato com a King
Records.
Puta que pariu.
— Gaia, está tudo bem? — Sinto alguém tocar meu ombro, mas
não me viro para ver quem é. — Gaia? Ei, ruiva. Ruiva!
Só quando sou chacoalhada é que finalmente saio do transe e
consigo desviar o olhar do palco. Assim que me viro para o lado, dou
de cara com Jackson, que me observa de forma preocupada.
Esforço-me para dizer alguma coisa, mas parece que uma mão
invisível está apertando minha garganta. Impedindo o ar de entrar e
as palavras de saírem.
Memórias de um tempo em que eu me odiava voltam com tudo.
Imagens, cheiros e música… muita música. Se eu escutar uma delas
agora, não sei o que vai acontecer. Provavelmente começarei a
chorar, e não posso me dar ao luxo de desabar na frente de tantas
pessoas. Não de novo; não com tantos olhos em cima de mim,
esperando que eu falhe. Não vou chamar mais a atenção do que já
estou fazendo.
Fora que podem entender tudo errado.
— Gaia, o que está acontecendo? — Jackson insiste, segurando
o meu ombro enquanto tenta acompanhar meu olhar. — Você
conhece a banda?
É claro que ele iria perceber. Qualquer um que prestasse um
pingo de atenção notaria, mas ainda bem que todos estão focados
no que acontece à frente, já que Elijah saiu do palco e a primeira
música começou a tocar.
É uma balada que não conheço — ainda bem, porque odiaria
ouvir uma daquelas que Jamie costumava cantar quando ainda
estávamos juntos. As que ele compôs para mim, por exemplo. Ou
talvez para as muitas outras mulheres com quem se envolvia ao
mesmo tempo, enquanto jurava me amar.
— Gaia! — Jackson sacode o meu ombro mais uma vez.
— Me tira daqui… — é tudo o que consigo dizer a duras penas,
sentindo minhas pernas amolecerem com o impacto de estar na
presença do meu ex.
A voz dele soando, a guitarra de Trevor acelerando, a bateria de
Justin fazendo o chão tremer, o baixo de Luke dando o compasso.
Noites e noites em claro, ouvindo os quatro comporem seus sonhos.
Ignorando os meus próprios enquanto me deixava levar pelas
promessas daquele que tinha o meu coração.
— Vem comigo. — Sou puxada pelo braço até perdê-los de vista
quando entramos em casa, porém Jackson só para de andar quando
chegamos ao corredor que leva à sala de jogos. O lugar está vazio,
por isso não entramos em cômodo nenhum, apenas ficamos ali,
enquanto tento entender o que diabos está acontecendo com a
minha vida.
O som agora está abafado, mas ainda consigo ouvir Jamie
cantando. Não quero prestar atenção na letra, por isso me apoio na
parede e deixo a cabeça tombar para trás, sentindo o leve baque.
— De onde eles saíram, Jackson? — solto a pergunta de olhos
fechados, tentando recuperar o ritmo da respiração.
— São os novos contratados da King Records — ele diz aquilo
que já deduzi. — Mas por que você está assim, Gaia? O que
aconteceu? De onde você conhece a banda?
A sequência de perguntas me incomoda, mas não posso negar
que faz todo o sentido. Eu também perguntaria a mesma coisa se
estivesse no lugar dele. E, por mais que eu odeie falar sobre este
assunto, sei que não poderei fugir por muito tempo.
— Jamie e eu… — hesito, odiando o fato de que, um dia, existiu
um “Jamie e eu”.
— Vocês namoravam, é isso? — Jackson pergunta e finalmente
crio coragem para encará-lo.
Quando faço isso, não vejo nada além de empatia e preocupação
em seu rosto. Ele me encara sem qualquer julgamento, pelo que me
sinto muito grata.
— É, namoramos há algum tempo — confirmo. — Quando pus
um fim à nossa relação, eu tinha acabado de completar vinte anos.
Ficamos juntos por quase dois anos.
— Pela cara que está fazendo, o término não foi muito legal —
ele supõe, mas acabo negando com a cabeça.
— O relacionamento não foi legal — elucido, sem querer detalhar
todas as merdas que vivi quando estávamos juntos. — O término
foi… apenas uma consequência. Uma libertação.
Esfrego as mãos geladas no rosto, tentando entender como foi
que tudo mudou em um espaço tão curto de tempo. Se não bastasse
ter que ouvir as palavras cruéis das “amigas” de Monica, agora tenho
que ficar no mesmo ambiente que o homem responsável pela
destruição da minha autoestima.
— O que você vai fazer? — Jackson pergunta, me fazendo
encará-lo de novo.
— O que eu posso fazer? — Inverto o jogo, dando de ombros. —
Não sabia que eles estariam aqui, não fazia ideia de que tinham
assinado com uma gravadora… com a King Records, dentre todas
as possibilidades! — Minha voz sai esganiçada enquanto me esforço
para não chorar.
Que merda. Que grande merda.
— Nem eu sabia — ele diz. — Na verdade, nunca tinha ouvido
falar nessa banda até agora. Foi o Elijah que fechou o contrato, e
aposto que nem ele imaginou que você e o… cantor? — Jackson
busca confirmação, que respondo com um meneio de cabeça. —
Que vocês dois costumavam esconder o salame.
Dou uma risadinha com a analogia, um pouco sem graça. Porém,
nada é capaz de melhorar o meu humor neste momento.
Por que o passado tinha que me assombrar logo agora? Como se
eu não tivesse problemas o suficiente com os quais lidar.
— Não posso voltar lá para fora, Jackson — confesso, sentindo
meu estômago embrulhar só em pensar na possibilidade de encarar
Jamie justo hoje.
Ficar frente a frente com ele seria o inferno. Ainda mais quando
todas essas pessoas que não conheço estão esperando qualquer
erro meu para mostrar a Zachary que sou tudo o que elas acham de
mim.
— Quer que eu traga meu primo aqui? — Olho assustada para
Jackson. — Você tem que contar pra ele o que está acontecendo. —
Sem saber o que dizer, só o encaro, não querendo pensar nas
consequências que meu passado pode trazer. — Vai me dizer que
você não pretende falar a verdade pro Zach?
— C-claro que vou contar. Mas tem que ser agora? — pergunto,
virando a cabeça de um lado para o outro. — Logo no meio da festa?
— Gaia, pelo amor de Deus! — Jackson joga as mãos para cima,
exasperado. — Se Zachary descobrir isso por outra pessoa, ele vai
ficar…
— Eu sei. Vou contar pra ele, de verdade — interrompo-o. —
Óbvio que vou. Só… não agora. Não enquanto a casa estiver cheia
de convidados. Já imaginou a reação dele na frente dessas
pessoas?
Jackson apenas balança a cabeça, em um nítido sinal de
desaprovação.
— Isso vai dar merda, ruiva. E olha que minha mãe sempre diz
que nasci com o “merdômetro” quebrado. Mesmo assim, sei que
você precisa contar para o Zachary agora, antes que seja tarde
demais. Não é como se você e o tal de Jamie ainda estivessem
envolvidos. Certo? — Ele observa minhas reações com as
sobrancelhas franzidas, como se quisesse ter certeza de que a
minha resposta será não.
— Nem se ele fosse o último homem do planeta e a perpetuação
da raça humana recaísse sobre nós! — garanto, colocando o
máximo de convicção na voz. Até porque é a mais pura das
verdades. — Entraríamos em extinção antes que eu encostasse um
dedo em Jamie de novo.
— Então, que mal há em revelar tudo, nesse minuto? —
questiona.
Merda. Merda. Merda.
Se dependesse de mim, nunca iria contar para Zachary sobre
tudo o que passei com Jamie. Na verdade, se eu tivesse escolha,
jamais lembraria o que vivi. O que fizemos. A pessoa que fui. O que
senti. Mostrar esse lado meu a Zachary não estava nos planos.
Muito menos agora.
O que acontece com essa família que as coisas sempre se
atropelam? Eu mal comecei um namoro e já preciso contar todas as
desgraças da minha vida?
Mas Jackson tem razão. Se eu não contar a ele, Zach pode achar
que a omissão é por causa de sentimentos que ainda tenho por
Jamie — o que está longe de ser verdade.
Merda infinita!
— Tudo bem, eu vou contar — acabo falando. — Você pode me
fazer um favor e avisar ao Zachary que vou esperar na parte de trás
da casa, na porta dos fundos? Não quero que ninguém ouça a nossa
conversa.
— Pode deixar, ruiva. Prometo que, desta vez, darei o recado. —
Jackson dá uma piscadinha, sorrindo, antes de deixar um beijo na
minha têmpora. Em seguida, se afastar com rapidez.
Quando não posso mais ouvir seus passos, respiro fundo
algumas vezes e ergo o queixo, decidida a não ficar ainda mais
abalada com o que está prestes a acontecer. Mesmo que, por dentro,
eu seja uma pilha de nervos tensos e travados.
Com passos duros, como se tivesse desaprendido a caminhar,
volto pelo corredor até a sala de estar, a visão da escada trazendo as
imagens da noite em que eu e Zachary transamos embaixo dela.
Assim que cruzo a área de jantar, penso na satisfação que vi no
rosto de todos os King ao provarem meu jantar das estações. Na
cozinha movimentada, quase posso sentir o calor do corpo molhado
de Zachary na primeira vez em que nos encontramos.
“Gaia, isso não é hora para esse tipo de recordação”, digo a mim
mesma, desviando e evitando atrapalhar a correria dos funcionários
do buffet. Finalmente saio pelos fundos, respirando o ar puro,
perfumado pelas rosas do jardim.
Ainda bem que não encontro nenhum dos funcionários dos King,
porque odiaria ter que dar explicações para Valerie ou Derek sobre o
meu sumiço da festa. Minha cara deve estar denunciando o estado
de pânico em que me encontro.
Com o medo já mais controlado, admito que Jackson tem razão:
Zachary precisa saber a verdade sobre o meu passado. E antes de
qualquer pessoa. Só assim vamos estar preparados para enfrentar o
que vier. Monica sabia o que estava fazendo quando me disse isso.
Afinal, não é nada de mais. Assim como ele, também tive
relacionamentos antes de nos conhecermos — e não posso ser
julgada por isso. Fora que eu não tinha ideia que a King Records
assinaria um contrato com a Red Law. Foi só uma coincidência, que
apareceu na pior hora possível.
Mesmo aqui, na parte de trás da casa, a música soa com clareza.
E, desta vez, reconheço a canção. Era uma das que, teoricamente,
foi feita para mim. Engulo em seco, tentando impedir meu estômago
de se revirar. É horrível pensar que, em um determinado momento,
meu mundo girava em torno de Jamie e do que sentia por ele.
— Olha só quem eu achei… — Uma mão encosta em meu
ombro, me fazendo virar com o susto. Fico ainda mais espantada
quando vejo quem está à minha frente.
— Oliver? O que você está fazendo aqui? — pergunto, dando
dois passos para trás. Como ele conseguiu entrar na propriedade
dos King? Zachary não tinha proibido?
— Você realmente acreditou que eu nunca mais voltaria, Gaia? —
Ele sorri para mim, mas não há um pingo de felicidade no gesto. —
Mesmo depois do showzinho que você fez, ainda tenho as minhas
cartas na manga.
— Do que você está falando? Não fiz showzinho nenhum —
começo a me defender. — Foi você quem…
— Shhh, quietinha. Não precisamos relembrar o passado quando
o futuro é bem mais interessante. — Oliver se aproxima, diminuindo
a distância entre nós. Recuo na mesma hora, odiando estar tão perto
dele de novo.
Meu Deus, quantas surpresas terei em um dia?
— O que você quer? Por que está aqui? — pergunto, cruzando
os braços na frente do corpo e olhando para os lados.
Preciso ter certeza de que não tem ninguém nos observando
agora. A última coisa que quero é ser pega em uma situação
constrangedora com esse idiota.
— Você não sabe? — Oliver pende a cabeça para o lado,
colocando uma expressão inocente no rosto. — Aquela é a minha
banda. — Aponta na direção do jardim, onde Red Law continua
tocando.
Enrugo a testa, sem entender muito bem aonde ele quer chegar
com esse papo.
— Do que está falando?
— Eu sou empresário da banda, querida. — Oliver abre um
sorriso amarelo e predatório. — Foi por isso que vim, mesmo depois
de ter sido escorraçado por sua causa.
— Por minha causa? — Não consigo conter a risada. — Acho
que foi por conta das suas atitudes, isso sim — rebato.
— Sempre fui o mesmo Oliver, e os King sabiam disso. A única
coisa diferente na situação era você, meu bem. A família me
conhece desde criança e, mesmo assim, se prontificou a defender
uma empregadinha qualquer. A matemática não é difícil, Gaia — ele
diz, como se fosse a coisa mais simples do mundo. A vontade que
tenho é de revirar os olhos.
— Olha, Oliver, sinceramente, não estou com paciência para
discutir. — Viro-me de costas, pronta para me afastar. Antes mesmo
de dar um passo, ele volta a agarrar meu braço, agora com força,
impedindo-me de seguir.
— Preste atenção, sua vadiazinha de merda — ele sussurra ao
pé do meu ouvido, o peito colado nas minhas costas —, eu sei que
você e o Jamie namoravam. Na verdade, conheço muito mais do que
você imagina.
Puxo meu braço com força, cansada de ser tocada sem
permissão. Com raiva, viro-me para encará-lo. Se um chute na coxa
não foi o suficiente, desta vez vou acertar o lugar certo.
— Não sei onde você pretende chegar com isso, Oliver. Na
verdade, pouco me importa. O meu passado não interfere em nada
com o meu presente ou o futuro — atesto, encarando-o, olhos nos
olhos, para demonstrar que não tenho medo de ameaças vazias.
— Ah, mas pode interferir sim… — ele diz, e um sorriso estampa
seu rosto. — Sabe, eu já conhecia a banda há um tempo, mas nunca
soube da conexão de Jamie com você. Só descobri recentemente, e
que surpresa deliciosa… Meu vocalista fala sobre a ex-namorada
com muito entusiasmo, sabe? Foi então que vi a chance perfeita de
resolver dois probleminhas de uma vez só. Depois do que fez
comigo, sua piranha de merda, perdi minha conexão com os King.
Você não sabe o que precisei fazer para conseguir esse contrato
com Elijah. Tive que me humilhar e apelar. Então, não vai ser uma
mulherzinha como você que vai estragar com tudo.
— Por que eu estragaria o seu contrato? — pergunto, dando um
passo para trás. É claro que Oliver me segue, não permitindo que eu
imponha uma distância segura entre nós.
— Porque eu tenho certeza de que você vai correndo contar para
o seu namoradinho que teve um relacionamento com Jamie. E, no
momento que fizer isso, Zachary vai ficar morrendo de ciúme.
Possivelmente, vai fazer de tudo para dificultar a vida da Red Law na
King Records. Talvez até cancelar o contrato. É por isso, Gaia, que
você vai manter esse seu biquinho bem calado. Do contrário, eu
mostro para todo mundo o tipo de putinha que você era alguns anos
atrás. Estamos entendidos?
Não sei se é o modo como fala ou como me encara que me deixa
paralisada. De qualquer forma, não consigo responder de imediato.
Fico parada como uma estátua, apenas olhando para Oliver, que me
encara de volta como se tivesse acabado de vencer a guerra.
— Você está blefando. Não tem nada contra mim — digo, a voz
soando mais baixa e quebradiça do que eu queria.
— Então, tente a sorte, querida. Vá e conte para o Zachary sobre
o seu passado. Se algo acontecer com a minha banda, amanhã
teremos várias fotos suas na internet. Talvez alguns vídeos
interessantes também… — Oliver respira fundo, fechando os olhos e
virando o rosto para cima em um gesto puramente teatral. — Fico me
perguntando se os King vão gostar de saber com que tipo de pessoa
estão se metendo. Acho que um escândalo dessas proporções pode
acabar com o prestígio deles, mesmo sendo tão ricos.
— Não sei do que você está falando — digo com toda
sinceridade. — Que vídeos, Oliver? Que fotos?
— Quer descobrir, boneca? — Ele sorri para mim e sussurra: —
Por favor, diga que sim. Vou adorar ver a cara de Zachary quando
souber que sua namoradinha perfeita não passa de uma…
— Cooper, o que está fazendo aqui?
Antes que as ameaças possam continuar, Zachary se aproxima, o
rosto franzido e a voz grossa como um trovão. Solto um suspiro de
alívio, louca para me aninhar em seus braços e ver se esse pesadelo
acaba logo.
— Zachary King, o homem que eu estava procurando — Oliver
diz, seu tom de voz bem diferente do que usou para falar comigo. —
Por favor, cara, não me mate antes de ouvir, pode ser? Eu sei que as
coisas entre nós ficaram complicadas por conta de tudo o que fiz e…
— E eu bani você das nossas propriedades. Das nossas vidas.
Nada disso mudou. Mas, pelo visto, alguém não me obedeceu —
Zach declara com firmeza, chegando até mim e me puxando para um
abraço.
Vou sem qualquer resistência, encaixando-me ao seu lado
quando ele passa um braço protetor em volta do meu ombro. Estar
assim, tão perto dele, me sentindo segura, faz com que eu consiga
respirar de novo.
— Olha, não é culpa de ninguém. Eu sei dos problemas que
causei — Oliver volta a falar. — Meu pai conversou muito comigo.
Vicky e Elijah também. Depois daquele dia, eu…
— Não quero saber — Zachary o interrompe. — Saia da minha
casa agora.
— Mas… Eu vim com a banda, Zach. Sou o empresário deles —
o outro explica. — Juro para você que estou aqui em paz. — Sua
expressão é tão ingênua que quase acredito. — Prometi ao meu pai
que ficaria limpo, que investiria meu tempo no trabalho, e que me
desculparia pelas mancadas que cometi. É exatamente isso o que
estou fazendo. Red Law é o meu primeiro cliente, mas terei outros
em breve.
Sinto o aperto de Zachary ficar mais forte e sei que ele também
não acredita muito no que Oliver está dizendo. Queria poder alertá-lo
do que estávamos falando há menos de dois minutos, mas tem
alguma coisa nas expressões de Oliver que insistem em levantar
bandeiras de ameaças na minha mente. Será que ele não estava
blefando?
Eu não sei que fotos e vídeos ele pode ter, mas também não me
lembro de várias coisas que aconteceram na época em que estive
com Jamie. Será que são nudes? Mas nunca me coloquei nessa
situação! Jamie não seria tão canalha em fazer algo assim, né? Sem
o meu consentimento, ainda por cima?
Por outro lado, não sei se posso pagar o blefe. Há pouco tempo,
Monica estava me alertando para escândalos que poderiam arruinar
o nome da família King. Se o que Oliver disse é verdade, então eu
menti para ela — mesmo sem saber.
— De qualquer forma, vim aqui para me desculpar pessoalmente
com vocês dois. Em especial com você, Gaia. — Oliver me encara
com olhos tristes, as mãos sobre o peito, como um pecador
arrependido. Meu Deus, como ele pode ter duas caras ao mesmo
tempo? — O que eu fiz foi… — Vejo-o engolir em seco, como se
dizer as palavras fosse difícil. — Imperdoável. Eu nunca quis te
humilhar. Achei que estava brincando, mas…
— Basta, Oliver — Zachary não o deixa continuar.
— É sério. Eu juro que mudei, que estou tentando ser um homem
melhor. Prometo que, daqui em diante, vocês só me verão em
eventos profissionais, quando meus clientes forem convidados. Não
estou tentando voltar às boas graças da família, Zachary, porque
tenho noção da besteira que fiz. Só peço que me deixem fazer meu
trabalho. Que me deem uma chance para provar do que sou capaz.
— Os olhos de Oliver se fixam nos meus, como um lembrete de sua
ameaça.
Abraço Zachary com mais força, porque não sei como responder
ao comentário. Também não sei o que fazer agora.
O chantagista deixou claro que, se falar sobre meu passado, ele
irá jogar muita merda no ventilador. E por mais que eu não tenha
ideia do que está falando, não sei se estou disposta a arriscar. Por
outro lado, se eu não contar ao Zachary tudo sobre meu
envolvimento com Jamie, arriscarei o que construímos até agora.
Sinto como se estivesse em um quarto trancado, com o teto se
abaixando para me sufocar. A única porta que vejo está trancada, e
quem tem a chave é Oliver.
Sem muito tempo para pensar, repasso os anos que vivi ao lado
de Jamie, procurando algo que me dê uma pista da situação. Tudo o
que fiz, todas as festas que fui… Não me lembro de fotos
comprometedoras ou vídeos escandalosos. Muito menos se Jamie
foi capaz de gravar algo íntimo nosso sem o meu conhecimento. Mas
uma coisa é certa: meu ex sempre se colocou em primeiro lugar, e
duvido que isso tenha mudado. Não sei até que ponto ele está
envolvido nesse esquema de Oliver, só que também não quero
saber. Isso não é importante agora.
As ameaças podem ser vazias, ou então podem ser certeiras. E,
se eu for exposta, perderei não só Zachary, mas as minhas chances
de criar um nome de respeito no mercado culinário.
“Seus segredos virão à tona. Todos eles”, Monica disse há menos
de uma hora.
Há menos de uma hora, eu nem sabia que tinha segredos.
Merda.
Não posso estragar o que tenho com Zachary, nem minhas
chances de um futuro profissional. Também me recuso a destruir a
reputação da família que, até agora, só me ajudou.
— Nunca mais quero te ver na minha frente, Oliver — começo a
dizer, mantendo minha voz firme. Vejo um brilho de desafio passar
nos olhos daquele desgraçado, que ameaça levar a mão até o bolso
onde vejo o celular —, porém acredito em segundas chances. — Na
mesma hora, ele suaviza a expressão e solta o braço ao lado do
corpo.
Agora, Olivier tem um sorriso satisfeito e vitorioso no rosto.
Pelo visto, acabei de assinar meu contrato com o diabo.
Vida em Nova York
A sua fonte de informações sobre a cidade que
nunca dorme

Será que o rei finalmente encontrou sua rainha?


Calma que essa história é complexa demais para ser explicada
em poucas linhas.
Na sexta-feira da outra semana, vimos Zachary aos beijos com
uma ruiva, agora não tão misteriosa assim. Gaia Denver, 24 anos, é
uma cozinheira e moradora do Queens. Sim, meu povo, Zachary
King está namorando uma cozinheira. Do Queens!
A mulher é gente como a gente! Podia ser eu, podia ser você! E,
por incrível que pareça, isso me fez ficar ainda mais apaixonada por
Zachary, viu?
Nascida e criada na Virgínia, Gaia se mudou para Nova York
depois de terminar a escola, em busca do seu sonho de ser uma
chef. No verão deste ano, começou a trabalhar na mansão dos King,
nos Hamptons, onde encontrou nosso príncipe encantado.
Olha só! Era por isso que o querido Zach não saía de lá. Ele
estava com ela!
Pelas histórias que ouvimos, os dois começaram a se envolver
em segredo, só revelando o romance há pouco tempo. Agora, estão
namorando de verdade! Com o conhecimento — e aprovação — da
família. Inclusive, dizem que Monica King ama a nova norinha. Os
primos de Zach também só têm elogios para a ruiva, que conquistou
todo mundo não só pelas comidas maravilhosas que prepara, mas
por ser bem-humorada e ter pé no chão.
É claro que um bando de recalcadas vai falar mal da menina.
Todo mundo quer o coração de Zachary King. Mas vou ser sincera:
vocês não têm chance, queridinhas. Nunca tiveram.
Aposto o que quiserem que várias fake news sobre Gaia vão
brotar daqui para a frente. A imprensa vai cair em peso sobre a
coitada.
Força, Gaia! Zachary King é o Everest das mulheres! E você foi a
primeira a chegar ao topo dessa montanha. Não deixe qualquer um
te derrubar daí de cima.
Capítulo 42

Zachary

— Que cara é essa? — Trenton pergunta assim que o avião


começa a levantar voo, saindo de Washington DC.
A reunião desta manhã foi cansativa, principalmente porque meu
pai fez questão de não vir junto, deixando tudo nas minhas costas.
Mas não é por isso que estou parecendo um zumbi.
— Aposto que é a Gaia — Elijah sugere, cruzando as pernas
enquanto me encara.
— Ela fugiu com outro homem e… — Sebastian vem com aquele
hábito maldito de inventar histórias, só que não estou com paciência
para essa brincadeira.
— Nem comece — interrompo-o, erguendo uma mão.
— Ela ainda não respondeu às suas mensagens? — Jackson
quer saber.
— Não. — Balanço a cabeça, enfatizando. Mas é o tom sério que
ele usa que me deixa mais preocupado. Encaro meu primo, sentado
na poltrona de frente para mim, e chego o corpo um pouco para
frente. — Você sabe alguma coisa que eu não sei, Jack?
Por vários segundos, apenas trocamos olhares, enquanto o
silêncio preenche o avião. O único som vem das turbinas que nos
levam para a próxima reunião em Boston, depois de horas
negociando a fusão de um novo canal para a nossa emissora.
Mas nem o sucesso da manhã é capaz de melhorar o meu
humor. Não quando Gaia mal falou comigo desde que fui embora dos
Hamptons, no domingo à noite. Já é quarta-feira e suas mensagens
são monossilábicas — isso quando ela se digna a me responder.
Estou sentindo como se Gaia estivesse escapando por entre
meus dedos, e não sei o que fazer para mantê-la comigo. Será que
foi algo na festa? Ou a presença de Oliver mexeu com ela? Não
importa, a questão é que tem alguma coisa acontecendo e não sei o
que é.
Antes do evento, tudo estava bem. De repente, as coisas
mudaram da água para o vinho. Gaia ficou distante, não parava de
olhar para os lados e até pediu para ir embora mais cedo. Passamos
o resto do dia no meu quarto, na cama, com ela perdida em
pensamentos, mas sem compartilhá-los comigo.
Só que, se minha namorada não se abriu para mim, pode ter feito
com meu primo caçula. Afinal, Jackson e Gaia têm alguma conexão
que não entendo. Sei que não preciso ter ciúme, mas isso não quer
dizer que não posso usar o relacionamento dos dois a meu favor.
Principalmente neste caso, quando estou prestes a enlouquecer.
Ficar longe dela nesses últimos dias têm sido mais difícil do que
pensei, ainda mais depois de como Gaia estava no domingo.
Então, uma coisa que nunca imaginei, acontece: Jackson
permanece quieto, desviando o olhar de mim, como se estivesse
escondendo alguma coisa.
— Fala logo, cara — ordeno, porém meu tom não carrega a
mesma autoridade de sempre.
— Não tenho o que falar, Zach — ele diz. — Só acho que vocês
precisam conversar. — Dá de ombros, removendo o cinto de
segurança assim que a luz acende sobre nós.
— Deve ter algo a ver com Oliver — exponho minhas suspeitas e
vejo meus primos reagirem ao comentário.
Trenton me encara com as sobrancelhas erguidas. Sebastian
solta um assobio longo e agudo, enquanto Jackson arregala os
olhos, mais espantado do que todos os outros. Pelo visto, ele nem
imaginava isso.
Mas é a reação de Elijah que me surpreende ainda mais.
— O que Ollie tem a ver com isso?
Só pode ter sido a presença dele na festa que abalou Gaia
daquele jeito. Talvez a lembrança do assédio no dia do piquenique a
tenha abalado demais. O rosto dela estava pálido quando me
aproximei, e não acreditei, por um mísero segundo, naquele pedido
esfarrapado de desculpas que Oliver ofereceu.
Então, outra dúvida me bate: será que ele assediou Gaia de novo
antes de eu aparecer?
— Ele estava na festa, conversando com a Gaia na parte de trás
da casa — explico, sendo discreto com minhas suspeitas.
— Não, não estava — Elijah rebate na mesma hora, a certeza
estampada em seu rosto. — Foi ele quem me apresentou à banda,
mas…
— Pois é, explique melhor essa história, Eli — peço, querendo
saber mais detalhes da interação que ele teve com Oliver e de como
conseguiu o contrato com a banda.
É muito suspeito o modo como ele está tentando se reaproximar
de nós.
— Não foi nada de mais, Zach — ele começa. — Depois do que
aconteceu no piquenique, liguei para Vicky em algum dia da semana,
para ter certeza de que ela estava bem. Por mais que Ollie seja um
babaca, a irmã dele é uma garota tranquila, que não merece sofrer
as consequências por conta dos erros alheios — Elijah diz e acabo
concordando.
— É verdade — Trenton assente. — Vicky sempre foi nossa
amiga. A menos interesseira de todas elas.
— Fora que tem algum tipo de parentesco com a Brooke. Acho
que são primas por parte de mãe, não tenho certeza — Eli comenta,
como se todos soubessem do que está falando.
— Quem é Brooke? — quero saber.
— A namorada do Scott — Elijah esclarece, fazendo referência
ao seu melhor amigo. — De qualquer jeito, a Vicky me convidou para
ir a um show no fim de semana, e eu aceitei. Brooke e Scott foram
com a gente. Mas quando cheguei ao pub, para a minha surpresa,
Ollie também estava no local.
— Aquele lá é uma doninha ardilosa — Sebastian comenta,
balançando a cabeça de um lado para o outro em desaprovação.
— Um tremendo patife — Jackson completa, fazendo uma cara
tão séria que me deixa com vontade de rir da expressão ridícula. —
Aposto que foi tudo orquestrado.
— Não importa — Elijah corta —, porque a banda era muito boa.
Ignorei Ollie durante as primeiras horas e me concentrei apenas no
show e nos meus amigos. Mas depois ele veio me pedir desculpas.
— E você, com esse coração de ouro, aceitou — Trenton diz,
sinalizando para a comissária de bordo trazer algumas bebidas.
— Me dê um pouco de crédito, Trent. Sou bonzinho, mas não sou
otário. Mandei ele à merda e disse que os King não queriam mais
nada com ele — Eli declara com firmeza, porém algo me diz que a
história ainda não acabou. — Só que eu gostei demais da banda. A
Red Law se encaixava perfeitamente no que estávamos procurando.
E Ollie era o agente deles.
Escuto calado, apenas absorvendo as informações e tentando
entender de que forma tudo isso está relacionado à Gaia. Porque, de
algum jeito, tem relação. Ela ficou estranha depois que Oliver
apareceu. Ainda não sei o motivo, mas pretendo descobrir.
— Na semana seguinte, Ollie me procurou e disse que estava
começando uma nova carreira, que estava mudado e que queria
uma oportunidade de se provar.
— E você, com esse coração de ouro, aceitou — Trenton tenta de
novo.
— Mais ou menos — Elijah cede e sinto vontade de rir. — Disse a
ele que nada havia mudado, que ele continuava banido das nossas
vidas, mas que eu tinha interesse na banda.
— Ah, Elijah… — Sebastian e Jackson falam ao mesmo tempo,
enquanto Trenton e eu trocamos olhares.
— Vi o material da Red Law e as músicas eram muito boas, tanto
que apresentei aos nossos produtores e eles adoraram. O show lá
em casa foi um teste, para saber como as pessoas reagiriam. E,
como vocês mesmos viram, todo mundo adorou. Nossos pais,
principalmente.
Isso é verdade. Por mais que o dedo podre de Oliver possa
estragar tudo, não dá para negar que os moleques têm talento.
Mesmo assim, meu primo deveria ter contado que estávamos
fazendo um acordo com aquele desgraçado.
Talvez tenha sido justamente por isso que não me disse nada,
pois sabia que eu seria contra. Jamais teria aceitado lidar com Oliver
Cooper de novo, por melhor que fossem seus clientes.
Não acredito que Elijah agiu pelas minhas costas e trouxe aquele
pote de merda de volta para as nossas vidas, principalmente depois
das ameaças que fiz a Damon.
— Me diga que, pelo menos, fez uma checagem no pessoal da
banda? — Jackson pergunta, cortando meus pensamentos. —
Pesquisou os podres? Viu se eles estão envolvidos com coisas que
podem sujar o nome da King Records?
— A equipe faz isso sempre, Jack — Eli confirma. — Eles são
uma banda de indie rock, então álcool e drogas já é esperado. Mas
isso foi anos atrás. De acordo com o nosso pessoal, todos estão
limpos agora. Inclusive, antes de assinarmos os contratos, os
membros da banca fizeram exames de sangue e urina.
— E o que mais você sabe sobre eles? — finalmente questiono.
— Banda de garagem, nascidos e criados em Nova York.
Brooklyn ou Queens, se não me engano. Escola pública, tocaram em
bares a vida toda. Nada de mais… Alguns foram presos por coisas
pequenas, como urinar em público, brigas quando estavam bêbados.
Como eu disse, tudo dentro do esperado.
Assinto com a cabeça, sabendo que já tivemos que esconder
coisas muito piores de outros cantores. As pessoas não fazem ideia
de quem realmente são seus ídolos, e é nossa função garantir que
isso nunca aconteça.
A comissária escolhe este momento para chegar com alguns
copos de cerveja, estendendo-os para cada um de nós.
— O almoço será servido em dez minutos — ela informa. —
Querem mais alguma coisa agora, senhores?
— Não, obrigado — agradeço, dispensando-a.
— Olha, eu não sei vocês, mas acho muito estranha essa
reaproximação de Oliver — Sebastian comenta. — Todo o esforço
que fez. E por que escolheu…
Só que meu primo não tem tempo de continuar.
— Puta merda! — Trenton solta em um grito, me fazendo virar
para ele. Vejo que está com o celular em mãos, mas é a expressão
de pânico em seu rosto que revela o tamanho da merda que vem por
aí. — Acho que já sei por que a Gaia estava tão estranha, Zach.
Ele me entrega o aparelho. Antes mesmo de ler o que está
escrito ali, sinto meu coração acelerar com o medo, ao mesmo
tempo que vários olhares recaem sobre mim. Quando bato o olho na
manchete da página, o aperto no peito piora. “Negócios em família” é
o título do artigo. Se a informação estivesse num post nas redes
sociais, o problema seria menor. Porém, é a página seis[5] do The
New York Post, um jornal conhecido por revelar os piores segredos
das celebridades.

“Quem nunca sonhou em fazer parte da família King que atire a


primeira pedra. Ricos, lindos, famosos e donos de metade de Nova
York, eles ganham cada vez mais proeminência no mundo da música
e da televisão. Apesar de ficarem nos bastidores, os King são a
máquina que movimenta a indústria do audiovisual neste país.
Nas últimas semanas, o herdeiro desse conglomerado, nosso
solteiro mais cobiçado, escandalizou o país ao assumir publicamente
seu relacionamento com Gaia Denver, uma simples cozinheira.
Afinal, o amor é cego — e não estamos aqui para julgar ninguém por
suas escolhas.
A paixão entre esses dois foi fulminante. Em menos de dois
meses, Gaia, uma jovem de vinte e quatro anos, nascida na Virgínia
e que sonha em ser uma chef de cozinha, conquistou Zachary King.
Agora, se isso se parece com um conto de fadas ou um romance
estilo Nora Roberts, não importa. Afinal, creio que todos fomos
enganados, pois estamos falando de uma trama mais parecida com
os livros da finada Agatha Christie.
Uma pesquisa mais a fundo sobre a vida de Gaia Denver, revelou
um plano muito bem elaborado para conquistar o mundo. E não
estamos brincando. A jovem invejada por todas as mulheres deste
país, já esteve envolvida com o vocalista da nova banda descoberta
pela King Records, a Red Law. Vejam se não é uma coincidência
interessante?
A questão é que, logo que o Zachary King se descobriu
apaixonado, o ex de Gaia Denver consegue um contrato muito
vantajoso com uma grande gravadora, depois de anos tentando e
não conseguindo. Talvez, os negócios agora fiquem em família, com
a tão elogiada moral dos King sendo corrompida…

Paro de ler a matéria e olho para cima. Jackson e Trenton me


encaram de volta, enquanto Elijah e Sebastian têm seus celulares
nas mãos, provavelmente lendo o artigo até o fim. Coisa que não
tenho coragem de fazer.
— Você sabia disso? — obrigo-me a perguntar, mantendo os
olhos presos em Jackson.
Ele apenas balança a cabeça em afirmativa.
Puta que pariu. Como Gaia pode ter escondido isso de mim?
Solto o celular no banco vazio ao meu lado, e enterro o rosto nas
mãos, sem saber ao certo o que pensar agora.
Não consigo entender mais nada. Na verdade, tento colocar
algum sentido em tudo o que está acontecendo, mas são tantas
dúvidas que meu cérebro parece ter reiniciado. E ficado em tela
preta.
Por que ela não me contou? Será que acha que sou irracional a
ponto de não aceitar que ela teve outro namorado? E por que
Jackson sabe sobre isso?
Então, sem que eu consiga controlar, uma imagem se forma na
minha mente. Uma que fiz de tudo para esconder em um lugar bem
escuro. Aquela que jurei nunca mais permitir que chegasse à
superfície.
Gaia e Jackson na cama, se beijando.
No mesmo dia em que ficamos juntos pela primeira vez.
— Estão dizendo que foi tudo planejado — Sebastian comenta,
desviando meus pensamentos nocivos.
— Do que você está falando?
— Da matéria. — Ele aponta para o celular. — Estão dizendo que
ela só se envolveu com você para que o ex tivesse uma chance com
a King Records.
Engulo o ódio que começa a se formar na minha garganta.
— E o que mais? — pergunto, porque duvido que tenham parado
aí.
— Melhor do que ninguém, você sabe que isso é mentira, Zach
— Elijah comenta baixinho, porém não consigo olhar para ele agora.
Primeiro, sou obrigado a falar com Oliver. Depois, descubro que
Elijah agiu pelas minhas costas e fez um acordo com aquele
desgraçado. Agora, tomo conhecimento por um jornal
sensacionalista que minha namorada escondeu o fato de que teve
um relacionamento com alguém que está se beneficiando às nossas
custas. Escondeu de mim, porque não hesitou em contar a verdade
para Jackson.
— O. Que. Mais? — insisto.
— Falaram que os dois ainda estão juntos — é a vez de Trenton
responder, fazendo meu peito se apertar. — Que o seu
relacionamento com ela é só fachada.
— Cara, você sabe que isso é mentira, né? — Jackson entra na
conversa, usando aquele tom de quem não tem uma preocupação na
vida.
— Sei, Jack? — jogo a pergunta de volta.
— Claro que sim. Você conhece a Gaia, sabe que ela jamais faria
uma coisa dessas.
— Eu não sei de nada… — Recosto-me no assento, mais
cansado do que consigo explicar.
Tento me lembrar de tudo o que Gaia disse sobre o ex, e então
uma frase me vem à mente.
“Eu já tive meu coração estraçalhado uma vez, e foi quase
impossível emendar os cacos. Não faça isso comigo de novo… por
favor.”
A ironia dessa frase não me escapa, mas as dúvidas parecem se
acumular dentro de mim.
“Há muitas coisas que não sabemos sobre o outro”, ela também
disse, quando estávamos no helicóptero. E eu, como idiota
apaixonado, achei que era só uma questão de tempo até que isso
não passasse de um detalhe insignificante.
Mas, neste momento em que tudo isso está vindo à tona, não sei
mais no que acreditar. Minha racionalidade nunca funciona quando
Gaia está envolvida. Ignorei o que sempre fui, me joguei de cabeça
no que sinto, me entreguei à maldição… Porra, dei um soco na cara
de Oliver e quase pus os planos da nossa empresa em risco por
conta daquela mulher! Transei sem camisinha com ela!
Meu cérebro e meu corpo não trabalham juntos quando Gaia está
por perto, isso é fato. E, para piorar tudo, ela foi incapaz de me
contar uma verdade simples. É por isso que me pergunto: por que a
mentira?
Se ele é só um ex, por que Gaia não disse nada?
Eu contei sobre Samantha. Contei sobre as mulheres com quem
me envolvi — muito superficialmente —, então por que ela não fez o
mesmo? Porra, o ex dela estava na minha casa, caralho! Custava ter
apontado e dito: “Tá vendo aquele babaca? Então, ele era meu
namorado”. Claro que eu não iria dar pulinhos de alegria, mas
também não tomaria nenhuma atitude impensada. Muito menos no
meio da festa.
Só que o silêncio de Gaia, junto à sua atitude suspeita nos
últimos dias, só me faz ter certeza de que ela está escondendo algo
sério de mim. E, pela primeira vez na vida, talvez o artigo tenha um
fundo de razão. Principalmente se eu levar em conta o fato de que o
empresário da banda é o maior filho da puta que conheço. Será que
a armação dela envolvia o Oliver? Que o assédio foi uma forma de
conquistar a simpatia de algum King?
— Posso servir o almoço? — A comissária aparece, um sorriso
irritante estampando seu rosto.
— Pode — Trenton diz.
— Não — falo mais alto. — E avise ao piloto que precisamos
fazer uma mudança no plano de voo. Vamos para Nova York.
Não vou conseguir passar o resto do dia pensando sobre esse
assunto sem a chance de fazer algo a respeito.
A primeira providência que preciso tomar é pôr um fim àquele
contrato, antes que tudo saia do controle.
E, mais tarde, terei uma conversinha muito importante com a
minha namorada.
Capítulo 43

Gaia

Desde domingo à noite, não tenho nada para fazer, por isso
estou sentada aqui, vendo Julian cuidar do jardim, sem pressa.
Também não tenho ânimo para cozinhar, nem disposição para ajudar
Martha com receitas novas. Minha cabeça é um turbilhão de
pensamentos, sempre imaginando o que vai acontecer se Oliver
cumprir com sua promessa.
Fiz o que ele pediu e mantive a boca fechada, mesmo tendo que
mentir para Zachary. Ou melhor, omitir. Eu estava pronta para contar
a verdade e explicar sobre o tipo de relacionamento que tive com
Jamie, só que não consegui.
Como Zach precisou voltar a Manhattan, achei melhor usar os
dias em que ficaríamos afastados para pôr minha cabeça em ordem.
Talvez encontrar uma forma de dizer tudo sem atrapalhar os planos
de Oliver. Porque, no fim das contas, era isso o que ele estava
pedindo: que Zachary aceitasse a Red Law na King Records.
Nesse meio tempo, percebi que não posso manter meu
namorado no escuro. Não se eu quiser que as coisas entre nós
continuem bem. Os últimos dias foram complicados demais,
simplesmente porque não sou capaz de esconder o que sinto. A
cada mensagem que Zach me manda, tenho vontade de contar toda
a verdade, mas preciso fazer isso pessoalmente para que não haja
nenhum mal-entendido. Já demorei demais para fazer o certo.
— Gaia! — Olho para o lado e vejo Valerie correndo até mim. De
novo, ela tem o celular nas mãos e uma expressão de conflito no
rosto. Sempre que isso acontece é sinal de más notícias.
“De novo não”, é o que penso antes de ela se aproximar.
— O que foi desta vez? — pergunto, controlando a tensão que
começa a se formar dentro de mim.
— Você não vai acreditar… — ela sussurra, revezando olhares
entre mim e o jardineiro. — Vem comigo. — Val segura a minha mão
e começa a me puxar em direção à casa.
Vou atrás dela aos trancos e barrancos, mesmo que minha
vontade seja de ir na direção oposta. Quero me esconder em algum
canto onde não haja fofocas a meu respeito nem pessoas que
querem saber da minha vida.
Desde que Zachary e eu paramos de esconder nosso
relacionamento, vários sites de fofoca têm noticiado coisas sobre
mim. Faço o melhor para ignorar, até porque as informações não têm
importância. Ninguém sabe muito a meu respeito, simplesmente
porque não há muito o que saber. Na primeira semana, foram só as
fotos de nós dois no carro, enquanto vínhamos para cá. É claro que
as imagens acompanhavam várias perguntas de “Quem é a mulher
misteriosa?” e “Será que Zachary King está namorando?”. Mas,
desde domingo, as coisas mudaram de tom.
Como Monica havia previsto, notícias de quem eu sou
começaram a aparecer, além de fotos minhas com Zach na festa,
abraçados, dançando, conversando e nos beijando. Algumas fontes
anônimas — ou seja, os convidados que não quiseram ter seus
nomes revelados — disseram que eu era uma garota comum. Outras
sugeriram que eu só tinha me aproximado dos King por interesse,
para alavancar a minha carreira. Independente do que diziam, em
todos os veículos havia uma verdade: Zachary King estava
namorando a cozinheira da casa de férias.
Só que pelo modo como Valerie me puxa, sei que a notícia da
vez carrega muito mais do que simples fatos. Sua mão está suada,
como se ela também estivesse aflita. E isso só piora o meu estado
de nervosismo.
— Val, por favor — digo assim que ela fecha a porta do meu
quarto —, me conte o que aconteceu.
— Ah, Gaia… deu merda. Merda das grandes. — Ela me
encara, mas não por muito tempo, porque logo começa a andar de
um lado para o outro do cômodo.
— Do que você está falando? — pergunto, mas na mesma hora
minha mente volta para a ameaça de Oliver.
Será que ele jogou alguma coisa do meu passado na internet?
Será que tem minhas fotos íntimas rolando nas redes?
— Estou falando do seu relacionamento com Jamie Lawrence —
Val solta a bomba. — O The New York Post anunciou que você e ele
namoraram. Está na Página Seis! A matéria saiu perto da hora do
almoço, mas só vi agora. Estava ocupada arrumando a casa. Só que
isso nem é o pior… — ela hesita, olhando de mim para o aparelho
em suas mãos.
Por um momento, fico com medo do que vou ouvir. Só que o
acúmulo dos últimos dias já me deixou anestesiada. Além disso,
essa era a informação que Oliver não queria que vazasse, então não
deve ter sido ele a passar a dica para a imprensa. Oliver parece ser
do tipo ganancioso, não burro.
— Fala logo, por favor — peço, sentando-me na beirada da
cama para receber o impacto.
— Estão dizendo que você e Jamie armaram tudo. Que o seu
envolvimento com Zachary é uma farsa para ajudar na carreira do
seu ex.
Minha primeira reação é rir. Rir de desespero, pois não há
espaço para humor dentro de mim. Só de pensar na possibilidade de
eu fazer qualquer coisa para ajudar Jamie a se dar bem na vida,
sinto vontade de vomitar. Porque não há hipótese mais ridícula neste
mundo.
— É sério isso?
— Seríssimo. Disseram também que vocês ainda estão juntos e
que seu namoro com Zachary é fachada — Val acrescenta.
— Claro que sim. Por que não seria? — Apoio as mãos ao lado
do corpo e abaixo a cabeça, encarando o chão.
Bem que Zachary avisou que a imprensa publicaria qualquer
coisa para ganhar dinheiro às custas dos King.
— Mas, Gaia… — Valerie chama e acabo olhando para ela. —
Se fosse só um site de fofoca qualquer, eu também teria ignorado.
Mas quem publicou esse artigo foi o The New York Post, e eles têm
uma certa credibilidade. Não dariam a informação sem verificar a
fonte. Ainda mais na página de mais destaque.
— Tá bom… Só que nada disso é verdade, Val. É só um bando
de mentiras — defendo-me.
— Eu sei, querida. Mas será que os King sabem?
A pergunta dela é o último prego no meu caixão. Porque, mais
do que a opinião dos King, o que me preocupa são as
consequências deste artigo. Afinal, se a família acreditar nele, pode
quebrar o contrato com a Red Law. Se isso acontecer, Oliver irá
vazar qualquer informação que possa ter a meu respeito, o que vai
gerar um escândalo ainda pior. Isso tudo é uma maldita bola de
neve. Agora, preciso descobrir exatamente o que esse filho da mãe
tem contra mim — e me preparar para a catástrofe.
Merda!
Quando foi que minha vida virou esse caos completo?
“No dia que você assumiu estar apaixonada por Zachary King”,
uma voz responde dentro da minha cabeça. Por mais que eu tente
ignorá-la, é impossível.
Antes dele, tudo era mais fácil: não tinha fofocas a meu respeito,
ninguém me ameaçava, meu ex-namorado estava vivendo em um
canto qualquer… Mas assim que Zach entrou na minha vida, as
coisas viraram de cabeça para baixo — em todos os sentidos. Mais
uma vez, parei de pensar apenas em mim e no que eu queria
conquistar. Abaixei a guarda. Cedi.
Agora, estou aqui, com pessoas me chamando de tudo o que
têm direito, enquanto preciso me preocupar em ter vídeos meus
vazados — e eu nem sei o conteúdo deles.
Suspiro, lembrando-me do conselho que recebi da coronel e de
Monica. Eu deveria ter ouvido quando tive a chance e ficado longe
de Zachary King.
Por outro lado, eu não teria a chance de ficar com ele.
— O que você vai fazer a respeito disso tudo, Gaia? — Valerie
pergunta, sentando-se ao meu lado na cama.
— Sinceramente? Não sei. Não faço a menor ideia. A impressão
que tenho é de que estou vivendo um pesadelo nos últimos dias e
não consigo acordar.
Semana passada, tudo era um sonho. Estar nos braços dele.
Ser beijada e tratada como uma princesa pela primeira vez na vida…
Só que as coisas saíram do controle em um piscar de olhos.
— Preciso falar com Zachary — aviso à Val. — Explicar a ele
que isso não passa de um grande mal-entendido. Talvez provar que
não fazia ideia do contrato da Red Law. Não sei…
— Acho que é uma boa ideia — minha amiga concorda,
tomando minha mão na sua e apertando-a em um sinal de apoio. —
Ligue para ele e avise que precisam conversar. Zachary vai acreditar
em você.
— Espero que sim.
Porque não sei o que vou fazer caso ele escolha a verdade do
artigo. Principalmente depois de todo aquele discurso durante a
festa.
Jackson tinha razão quando disse que esconder meu namoro
com Jamie daria merda. Maldito Oliver! Ele precisava ter aparecido
logo naquela hora? Cinco minutos depois e nada disso estaria
acontecendo.
— Hmmm, Gaia? — Valerie me chama, seu tom ainda mais
preocupado do que antes. — Você vai querer ver isso.
Olho para o lado e vejo-a encarar o aparelho nas mãos com a
boca escancarada.
— O que foi?
— Puta merda! — ela diz, sem desviar o foco do celular. — Puta
merda, puta merda! — repete, os olhos ficando cada vez mais
arregalados.
Consigo ouvir uma música tocando e várias risadas, além de
uma voz rouca:
Agora tira a blusa, amor!
Meu coração acelera na hora, porque eu sei o que vou ver.
Chego o corpo para o lado, olhando por cima do ombro de Valerie.
Na tela do celular, está o meu maior pesadelo: eu mesma.
Dançando, rindo, completamente bêbada em cima de uma
mesa. Quase não dá para ver meu rosto, de tanta fumaça que há na
pequena sala do apartamento de Jamie. Só que tudo no vídeo é
reconhecível para mim. E pela posição que ele é gravado, sei que
meu ex-namorado está sentado no sofá, enquanto danço na mesinha
de centro. Como a idiota que fui, é claro que faço o que ele pede e
tiro a blusa, ficando apenas de saia jeans e um sutiã preto, que já
tinha visto dias melhores. Meu cabelo está uma zona. Minha pele
parece macilenta.
A Gaia do vídeo não se parece em nada com a mulher que sou
hoje.
“É isso aí!”, os outros integrantes da banda vibram quando me
veem só de sutiã. Eu não paro de me balançar, uma garrafa de
vodca na mão e um cigarro aceso na outra. Trevor está tocando
guitarra em um canto, Justin batuca no braço da poltrona, porém não
dá para ver seus rostos. A câmera muda de foco e ouço Jamie
fungar. Sei que deve estar cheirando, apesar de não conseguir ver
na imagem, que logo volta para mim.
“Agora tira a saia!”, Justin pede e Jamie solta uma risada alta,
apoiando o amigo. Coloco o cigarro na boca antes de levar uma mão
ao botão na cintura.
Abaixo a cabeça, sem querer assistir à minha própria desgraça.
E o pior de tudo é que nem me lembro desse dia. Algo assim deve
ter acontecido milhões de vezes quando eu e Jamie estávamos
juntos, simplesmente porque eu fazia tudo o que ele me pedia.
Mesmo me humilhar para seus amigos.
— Pare, por favor. — Aperto com força a mão de Valerie, que
interrompe o vídeo.
Não consigo encará-la, meu rosto queimando com a vergonha.
— Acabou de sair no TMZ — ela diz baixinho. — Tem algumas
fotos também.
Val coloca o celular na minha frente, mostrando cada uma das
imagens. Em todas meu estado é pior: deitada no sofá, usando
lingerie, sempre bêbada ou beijando Jamie…
— Meu Deus. — Meu estômago se revira, ao mesmo tempo que
me esforço para não sair correndo deste lugar.
— Pense pelo lado positivo: quase não dá para te reconhecer —
Val comenta, afagando minhas costas.
Só que isso não é o suficiente para me acalmar agora. Nada é,
porque Oliver cumpriu a promessa. Ou talvez nem tenha sido ele.
Não sei o que pensar, muito menos o que fazer.
O que será que os King estão achando de mim?
O que será que Zachary está achando?
Enfio o rosto nas mãos e começo a chorar de desespero,
sentindo o peso dos meus atos voltarem com tudo. Mais do que isso,
sinto a humilhação correr em minhas veias, sabendo que tudo isso
foi por conta de um homem que nunca mereceu os meus
sentimentos.
Jurei a mim mesma, quando me livrei daquele inferno, que
jamais cometeria esse erro de novo, e olha onde estou agora: minha
vida foi virada de cabeça para baixo por conta de Zachary King. Eu
nunca deveria ter me envolvido com ele. Se tivesse mantido as
pernas fechadas e o coração trancado a sete chaves, meu passado
teria ficado quieto.
Eu tentei resistir, juro que sim, mas algo sempre me puxou em
direção a ele — e fui incapaz de me controlar. Acabei me
entregando, me permitindo sentir de novo. Tudo para ver minha vida
ir por água abaixo.
Agora, eu deveria estar preocupada com as consequências
desse vídeo vazado, mas só consigo pensar nele. Em como Zachary
deve estar se sentindo traído, em como deve estar me odiando.
Porque eu sou uma idiota mesmo.
Enquanto o mundo cai em ruínas ao meu redor, o único pilar que
preciso para me manter de pé é ele. E não entendo o porquê! Essa
obsessão toda que tenho por Zachary King não faz o menor sentido.
Sei que amor deixa a gente meio estúpida, mas o que sinto vai além
disso. É como se eu precisasse dele para viver.
— Gaia — Val cutuca a minha perna —, chegou uma mensagem
no seu celular. — Ela aponta para a mesinha de cabeceira, onde o
meu aparelho ficou esquecido o dia inteiro.
Um fio de esperança surge dentro de mim. Talvez Zachary
esteja tentando me ligar para saber se estou bem. Desta vez, irei
responder da forma como ele merece. Porém, quando vejo que a
mensagem na tela não é dele, meu coração acelera ainda mais. E ao
notar que é de um número desconhecido, fico com medo de clicar.
Era sobre esse tipo de segredo que eu estava falando. Você
tem ideia do que causou quando não me contou a verdade? Eu
te dei todas as chances de ser sincera, Gaia. Agora, estamos no
meio de um furacão, tentando controlar os danos que esses
vídeos e fotos vão causar. Nos falamos mais tarde. MK.

MK. Monica King.


Merda, merda, merda!
Fico debatendo se respondo ou não à mensagem, dizendo a ela
que não fazia ideia da existência desses vídeos. Mas será que ela
vai acreditar em mim? Provavelmente não. Talvez acreditasse, se o
artigo não tivesse saído mais cedo.
Mais uma vez, me vejo entre a cruz e a espada: ficar e lutar por
Zachary ou voltar para a minha realidade e tentar, de novo, esquecer
que meu coração é capaz de ser de alguém?
Só que essa não é uma pergunta simples de responder. O que
está em jogo é complexo demais, principalmente se levar em conta
tudo aquilo que sinto por ele.
Por um lado, tem a dor. O constrangimento. O medo de me
perder em um homem. Por outro, tem a certeza de perder aquele
que eu amo. Porque a verdade é que eu amo Zachary King.
Amo o modo como me toca, como olha para mim e como me faz
sentir. Amo que não se importa com nossas diferenças e que sorri
sempre que me encontra. Amo sentir aquele friozinho na barriga
sempre que ele está por perto. Amo quem ele é, mesmo sem saber
se ele me ama de volta.
E é essa incerteza que me mata.
Ao mesmo tempo que estou disposta a arriscar tudo, queria
muito ter alguma prova de que minha entrega não é em vão. Fora
que não sei se ele vai me querer depois de descobrir sobre o meu
passado.
Merda!
— Preciso ir até Manhattan e conversar com Zachary.
Pessoalmente — aviso à Valerie.
Uma ligação não vai resolver nossos problemas; uma
mensagem menos ainda. É por isso que sigo até o armário e alcanço
a primeira bolsa que vejo, colocando-a em cima da cama. Depois,
começo a catar algumas roupas e as enfio lá dentro. Não sei quanto
tempo ficarei fora, mas essa bagunça não vai ser resolvida de um dia
para o outro.
Enquanto me organizo, fico pensando em quais palavras usar
para fazer com que Zachary escute o que tenho a dizer sem me
enxotar de sua casa. Porque agora que a merda já foi jogada no
ventilador, não tenho mais razões para esconder as ameaças de
Oliver. Por um lado, isso é bom. Muito bom. Terei a chance de contar
toda a verdade para quem realmente me importa.
Falarei do meu relacionamento com Jamie, do susto que levei
ao vê-lo na festa e não deixarei de fora a interação que me levou a
ficar calada durante esses dias. No fim, espero que ele entenda
meus motivos e aceite as minhas desculpas.
— Ah, Val… O que eu faço? — pergunto à minha amiga, mesmo
sabendo que ela não tem ideia do que se passa em minha mente
agora.
— Os King vão te ajudar — ela diz, vindo até mim com um olhar
empático no rosto. — Eles têm contatos e dinheiro. Com certeza vão
mexer os pauzinhos e fazer essas coisas desaparecerem em um
piscar de olhos.
— A gente até poderia fazer isso — uma voz chega da porta, me
fazendo levar um susto, tanto que me viro na sua direção e me
espanto ainda mais ao ver quem está parado ali —, mas tudo
depende de você, Gaia. Na verdade, depende do que você vai me
contar agora.
Diferente de todas as vezes que eu o vi antes, Trenton King não
está sorrindo nem parece relaxado. Acho que sua aparência nunca
esteve tão séria, o que só me faz ter certeza de que o peso do dia,
de alguma forma, recaiu sobre ele também.
— É a minha deixa… — Valerie diz, depositando um beijo na
minha têmpora antes de se afastar. — Boa noite, Trent — ela o
cumprimenta antes de desaparecer pelo corredor, porém não recebe
uma palavra de volta. Parece que a cordialidade também não está
aflorada hoje.
Ouço a porta do quarto ser fechada e sei que estou a sós com
ele. Só não tenho ideia do que vai acontecer agora. Pelo modo como
Trenton me encara, aposto meu fouet da sorte que nossa conversa
não será nada agradável.
— O que você está fazendo aqui? — questiono, mas mantenho
o tom manso. Não quero piorar ainda mais a situação.
— Jura que é essa a sua pergunta? — Trenton dá um passo
para dentro do quarto, seus olhos parando na mala ainda aberta
sobre a cama. — Que tal começarmos com a minha. — Ele aponta
para as minhas roupas jogadas. — Está fugindo?
Assim que as palavras saem de sua boca, Trenton começa a rir,
balançando a cabeça de um lado para o outro.
— Não estou fugindo, só… — começo a falar, porém sou
interrompida.
— Só indo embora por uns dias, para esfriar a cabeça? — ele
ironiza, sem tirar o sorriso do rosto. — Juro que esperava mais de
você, Gaia. Talvez uma explicação, um pedido de desculpa, mas
não… isso. — De novo, ele aponta para a mala, sem me dar a
chance de dizer que, na verdade, só estava indo até Manhattan para
conversar com o meu namorado. — Você sabia que Zachary está
vindo para cá? Depois de passar o dia inteiro tentando controlar a
imprensa, cancelando contratos, movendo mundos e fundos para
essa merda não feder ainda mais, ele ainda está vindo para cá,
porque o cara está tão cego de amor que está disposto a conversar.
A te dar uma chance de se explicar. — Trenton balança a cabeça,
como se não acreditasse no que o primo é capaz de fazer. — Ele
pegou o carro depois de ter arcado com a multa quase milionária no
contrato da Red Law. Zachary está tão desnorteado que esqueceu
que o meio mais rápido para chegar aqui é de helicóptero, assim
como fiz. Ainda bem, porque eu precisava falar com você antes dele.
O tom de voz que Trenton usa me dá certo medo. Não parece o
mesmo cara simpático que jogou videogame comigo numa noite de
semana. Nem o que me acompanhou até um luau, quando eu estava
insegura.
— Sabe, Gaia — ele continua —, eu faço tudo pelo meu primo.
Tudo. Sei que te disse isso uma vez, mas você não me levou a sério:
Zachary é meu irmão, e não posso permitir que ele não enxergue o
que está bem à frente de seu nariz. A verdade é que você colocou
um feitiço nele. “Amaldiçoou” talvez seja o verbo certo, neste caso.
Mas não importa, porque o resultado é o mesmo: Zachary perdeu o
rumo desde que te conheceu.
Trenton me observa, atento às reações que tenho ao ouvir seu
desabafo. Só que não sei como reagir, por isso fico estática,
esperando a tempestade que vejo se formar em seus olhos.
— Zachary sempre teve um lado despreocupado, mas nunca foi
burro. As responsabilidades com a família vinham em primeiro lugar,
do jeito que aprendemos desde cedo. Mas foi só você aparecer que
tudo mudou. Ele parou de pensar no que era certo e passou a agir
de forma irracional. Primeiro, colocou o contrato com Damon em
risco ao socar Oliver. Até entendi, dadas as circunstâncias. Só que
agora ele foi longe demais…
Assim que começa a falar, não para mais. Como se estivesse
despejando uma enxurrada de informações que ficaram guardadas
por muito tempo, e agora finalmente estão livres, Trenton joga o que
julga ser verdade em cima de mim, sem se preocupar com a
consequência do que diz.
Enquanto isso, engulo tudo, absorvo cada palavra,
acrescentando-as à dor que já estava sentindo antes de ele chegar.
— Você sabia que meu primo está entrando em guerra com a
imprensa por conta do que falaram sobre você? Que a família inteira
foi contra isso, mas que ele peitou até mesmo o pai? Sabia que ele
cancelou o contrato com a Red Law? Que brigou com Oliver de
novo, deixando o acordo com Damon por um fio? Você tem noção do
que isso representa para a IK? — ele joga as perguntas como se
fizessem algum sentido para mim. Apenas balanço a cabeça,
negando. — Pois é, você não tem ideia. É claro que não tem ideia.
Por que teria? Não é você quem está com o julgamento alterado por
conta de uma maldição de família. Admito que, no começo, achei
que tudo era mentira, uma história de terror para colocar medo em
meninos malvados. — Trenton solta uma gargalhada, andando de
um lado para o outro no quarto. Ele perdeu totalmente o controle das
palavras, soltando-as sem qualquer sentido, como se falasse consigo
mesmo. — Pois essa merda de maldição existe, e não vou deixar
que ela chegue perto de mim. Porque eu me recuso a agir que nem
meu primo. Zachary perdeu a noção. E o pior é que ele nem
consegue enxergar isso. Está brigando com todo mundo por sua
causa sem nem te perguntar se tudo isso é verdade ou não. Ele
acredita piamente que você é a vítima nessa história toda.
Não sei se Trenton percebeu, mas esse monólogo virou uma
tortura para mim. A cada comentário e pergunta, mais a faca enfiada
no meu coração se torce. Eu só queria a chance de amar e ser
amada, mas estou destruindo a vida de pessoas que não mereciam
isso.
— De início, imaginei que fosse tudo uma tremenda mentira, é
claro. — Ele não me encara mais, só fala olhando para as mãos, que
gesticula sem parar. — Raramente a imprensa fala verdades a nosso
respeito. Eles só querem faturar às nossas custas. Só que então me
bateu. — Dá um tapa na própria testa e continua com o monólogo: —
Você não é uma de nós. Ainda não. Então, por que eles inventariam
tantas mentiras a seu respeito? A troco de quê? Ninguém sabe…
Nem Zachary, mas ele não se importa. Disse que quer conversar
contigo. De repente, meu primo virou um homem maduro e
equilibrado emocionalmente, com aquele discurso de que é
conversando que resolvemos os problemas. Enquanto isso, está
destruindo tudo no caminho para te proteger. Não faz sentido
nenhum. Nenhum! É por isso que não podemos deixar que essa
maldição continue seguindo seu curso, Gaia. Você consegue me
entender?
Trenton finalmente para de falar e me encara. A respiração
pesada, os olhos desesperados. As mãos paradas no ar, entre um
gesto e outro.
— Que maldição? — pergunto, mais confusa do que antes.
Nos últimos dois minutos, recebi uma tempestade de
informações e ainda não consegui assimilar todas elas, a não ser o
fato de Zachary estar me protegendo à distância.
— Ah, então você não é a única que guarda segredos… —
Trenton balança a cabeça e dá alguns passos na minha direção. —
Sei que não era meu trabalho, mas deixa eu lhe avisar, Gaia: meu
primo não está apaixonado por você. Ele está sob os efeitos da
maldição dos King — declara, mantendo os olhos presos em mim.
Por mais que Trenton pareça um louco neste momento, suas
palavras atingem um ponto certeiro dentro de mim.
— Do que você está falando? — questiono mais uma vez,
ouvindo minha voz sair trêmula.
Sinto uma náusea começar a subir pela garganta, mas esforço-
me para permanecer composta e não demonstrar o efeito causado
pela declaração.
— Também não acreditei no início, até ver o estrago que você
causou em Zachary. Ele mudou demais desde que te conheceu, e
isso só tem uma explicação: a maldição dos King é real — começa a
dizer, fazendo o meu coração bater ainda mais forte dentro do peito.
— Ela obriga todos os homens da nossa família a se apaixonarem à
primeira vista. E, de acordo com o que ouvi, ficamos obcecados,
perdemos o bom-senso e não conseguimos funcionar direito. Mas
isso não é amor, Gaia, é só o efeito da maldição.
Por vários segundos, apenas encaro o homem à minha frente,
sem saber como responder. O primeiro pensamento gira em torno do
quão ridículo tudo isso é. Maldição… quem acredita em maldição?
Depois, penso no modo como me sinto quando estou perto de
Zachary. Neste momento, é como se uma luz se acendesse na
minha cabeça.
Não penso direito. Sempre fico hipnotizada. Parece que o
mundo deixa de existir e ele é a única coisa que me mantém presa
ao chão.
Se isso não fosse o suficiente, também tem o fato de que as
palavras “eu te amo” nunca saíram da boca de Zachary. Também
não saíram da minha, mas não por falta de vontade. Eu só… não
achei o momento certo para dizê-las, ou talvez tivesse medo de não
as ouvir de volta. Afinal, por que um homem como Zachary King se
apaixonaria por uma mulher como eu? Ele tem tudo, inclusive
opções melhores e mais adequadas.
Por que ele se contentaria com uma cozinheira do Queens, se
pode ficar com uma artista linda e rica?
“Por causa da maldição”, respondo mentalmente, sentindo meu
peito arder com a compreensão.
Não sou bonita o suficiente, não tenho dinheiro, não tenho nada
a oferecer… Zachary jamais olharia para mim duas vezes se não
fosse obrigado por uma força maior.
— Eu tenho que sair daqui… — falo para mim mesma, minha
voz sussurrada enquanto tento me manter de pé.
Apoio-me na cama e começo a tacar todas as roupas dentro da
mala, pouco me importando se tenho tudo o que preciso.
A verdade é que não preciso de mais nada. Nada além de
distância disso tudo.
Capítulo 44

Zachary

Assim que estaciono o carro na frente da casa, percebo que falta


pouco para as sete da noite. O dia passou voando, o trânsito para
chegar até aqui não ajudou muito, mas finalmente vou poder
conversar com a Gaia. Está na hora de colocar essa história toda a
limpo, porque não aguento mais ouvir de outras pessoas tudo o que
ela fez ou deixou de fazer.
Tive algumas horas para me acalmar — o que não fez muita
diferença — e tentei colocar meus pensamentos em ordem. A
primeira coisa que preciso é saber por que ela mentiu para mim. A
segunda é se ainda está envolvida com aquele cantorzinho de
merda.
Já aceitei que sou um golden retriever, só não quero ser corno ao
mesmo tempo. Aí já passa de todos os limites. Mas até Gaia olhar na
minha cara e se explicar, darei a ela o benefício da dúvida. Porque
não é possível que essa mulher tenha me enganado tanto assim.
Não depois do que passamos juntos…
Ao mesmo tempo, sei que ela está escondendo algumas coisas e
não sairei daqui até descobrir tudo.
Cruzo as portas de vidro e não sou recebido pelo silêncio, como
esperei, e sim por alguns gritos abafados que vêm da cozinha. A voz
feminina pode ser de Gaia. Meu corpo inteiro tensiona, já se
preparando para defendê-la.
Será que Oliver não ouviu meu alerta para ficar longe dela?
Sigo até lá com pressa, cruzando primeiro a sala de estar,
passando pela de jantar enquanto as vozes femininas e alteradas
ficam mais altas, discutindo com alguém. Porém, quando paro ao
lado da porta, a cena inesperada que me recebe faz com que eu
franza o cenho e estanque no lugar.
— Por que você deixou ela ir embora? — Valerie está aos berros,
apontando o dedo para Trenton como se ele não fosse um dos donos
da casa.
Fico quieto, sem ser notado, apenas observando o que acontece
ao meu redor.
— Foi muito errado da sua parte, menino. Muito errado — Martha
diz, parecendo uma mãe brigando com o filho.
— Ela estava arrumando as malas quando conversamos e…
— Para ir até Manhattan! — Valerie o interrompe, soltando em um
grito. — Ela queria conversar pessoalmente com Zachary! Mas, por
sua causa, não sabemos para onde ela foi.
É então que entendo do que estão falando e sinto meu corpo
gelar por dentro.
— Como assim, vocês não sabem onde Gaia está? O que
aconteceu? — Entro na conversa. — E o que você está fazendo
aqui, Trent? — Olho para o meu primo, que parece assustado ao me
ver chegar de repente.
Três pares de olhos me encaram, trazendo silêncio à cozinha.
Neste momento, seria possível ouvir um alfinete cair no chão, se não
fosse meu coração batendo acelerado nos ouvidos. Volto minha
atenção para Valerie, erguendo uma sobrancelha e pedindo que ela
explique o que diabos está acontecendo aqui.
Por alguns segundos, ela hesita, cutucando a unha como se não
soubesse o que dizer.
— Val… — incentivo-a, dando alguns passos para dentro da
cozinha.
— A culpa não é dela, Zach — Trenton garante.
— Eu sei que a culpa não é dela. Pelo que pude ouvir, a culpa é
sua. — Não viro o rosto para ele, mantendo meu foco na camareira,
que ainda não relaxou. — Me conte o que aconteceu, Valerie. Onde
está Gaia?
Ela olha para mim com uma expressão preocupada e solta o ar
com força.
— Mais cedo, vimos o artigo que saiu no The Post. Ela começou
a rir do que estavam falando, dizendo que era mentira e que os
últimos dias mais pareciam um pesadelo. Foi então que o vídeo e as
fotos apareceram no TMZ.
— Que vídeos? Que fotos? — quero saber, interrompendo-a.
— Você ainda não viu? — Val me encara com os olhos
arregalados.
— Eu estava dirigindo… — Viro-me para Trenton. — O que
aconteceu?
— Mais merda — ele diz, dando de ombros, e pega o celular do
bolso. Em seguida, procura alguma coisa no aparelho e o estende
para mim. Antes que eu o alcance, Trenton puxa o celular de volta e
me encara. — Só… se prepara, tá bom? Você não vai gostar nada
disso.
Arranco o telefone de sua mão, mas logo me arrependo. Porque,
na tela, as fotos que vejo me fazem querer tacar fogo no mundo. Na
primeira, Gaia está deitada no sofá, usando nada além de uma
lingerie preta enquanto dorme. Ou talvez esteja desmaiada, não sei.
A imagem é de péssima qualidade, embaçada e um pouco
desfocada, mas eu reconheceria a mulher por quem estou
apaixonado em qualquer lugar, apesar de seu cabelo cobrir a maior
parte do rosto. O que me assusta é que, na mesinha de centro, há
algumas fileiras de cocaína.
Engulo em seco e passo para a próxima. Nessa ela está de
costas, usando um vestido minúsculo enquanto dança abraçada a
um homem. As mãos dele estão em suas coxas, quase alcançando a
bunda.
Passo logo para a terceira, porque a consciência de que outro a
tocou desse jeito faz com que a raiva me consuma e eu comece a
ver tudo vermelho. Só que a próxima foto é ainda pior, e muito
parecida com a primeira: Gaia está deitada no sofá, virada para o
lado, o cabelo também cobrindo seu rosto, mas é a poça de vômito
no chão que me preocupa.
Quem é essa mulher?
O que aconteceu com ela para que ficasse desse jeito?
Só que tudo piora ainda mais quando aperto play no vídeo que
aparece em seguida. Gaia está quase irreconhecível, dançando
sobre uma mesa enquanto segura uma garrafa de bebida quase
vazia. O cigarro em sua mão é outro indicativo de que nada disso é
recente. Mas é o modo como se comporta que me irrita. Ela obedece
quando alguém pede para tirar a blusa. Depois, a saia. Sempre
dançando, bêbada, no meio de homens que estão claramente
drogados. Não consigo ver seus rostos, apenas ouço as vozes.
A filmagem é turva, e isso me diz que a sala onde tudo está
sendo gravado é uma nuvem de fumaça. Maconha, provavelmente.
Mesmo que a imagem dela não seja tão nítida assim, eu sei que é
mesmo a Gaia ali. Já decorei cada curva daquele corpo, cada
movimento.
Essa mulher tem sido minha obsessão desde o dia que a vi pela
primeira vez. Sei que é ela, e isso só me deixa ainda mais
consumido pelo ódio.
Por que não me contou de seu passado? Por que não falou nada
sobre o tipo de pessoa que era ou das amizades que tinha?
Cada segundo assistindo ao vídeo faz meu sangue ferver um
pouco mais, até que toda a pressão do dia explode, me fazendo
arremessar o aparelho contra a parede. Peças voam pela cozinha,
parando até na porta da despensa.
— Caralho! — solto em um grito, abaixando a cabeça sobre o
tampo de mármore do balcão.
Se eu pudesse, quebraria a porra da casa inteira agora, porque
eu acho que nunca me senti tão… impotente. Sei que não tenho
como protegê-la do passado, mas me destrói ver a prova do quanto
ela já sofreu. Uma avalanche de ódio toma conta do meu corpo, ao
mesmo tempo que a preocupação com ela me invade.
— Cara, eu disse que era ruim. — Sinto Trenton ao meu lado,
mas não quero falar com ele agora. Na verdade, só tem uma pessoa
com quem quero conversar. E ela não está aqui.
Puxo o ar com força, tentando manter o último pingo de sanidade
que me resta intacto, e ergo a cabeça.
— Resolva essa merda, Trenton — ordeno, usando um tom de
voz que não admite recusa. — Tire esses vídeos do ar, diga que não
é ela, compre os sites de domínio, processe o mundo — digo em um
rompante, encarando-o com seriedade. —  Não me importo. Muito
menos quero saber como você vai fazer isso. Só faça. Agora.
Trenton arregala os olhos, parecendo confuso.
— Vamos entrar em guerra com quem para…?
— Você é o segundo no comando da IK, certo? — pergunto e ele
apenas faz que sim com a cabeça. — Quando eu não estou, você
resolve, certo? — pergunto mais uma vez e, de novo, ele assente. —
Pois eu não estou disponível agora. Então, resolva essa merda.
Encaro meu primo, implorando em silêncio para que me ajude,
para que faça essa matéria desaparecer, porque não posso aceitar
que o amor da minha vida tenha esse tipo de vídeo vazado na
internet. Não sei quem foi o imbecil que fez a postagem, mas isso
não importa agora. Depois, lidarei com esse problema. Nesse
instante, só preciso que Trenton desapareça com tudo.
— Vou falar com o jurídico. Sebastian pode ajudar — ele diz. Dou
dois tapinhas em seu ombro e começo a me encaminhar para a porta
dos fundos.
— Você sabe para onde Gaia foi? — direciono o questionamento
à Valerie.
— Ela pegou o carro e saiu há uns vinte minutos. Aposto que foi
para casa — explica. — E que pegou a estrada de trás.
Agradeço com um aceno e, no instante que minha mão toca a
maçaneta, uma voz me interrompe.
— Zach, você precisa saber de mais uma coisa — Trenton diz, de
uma forma meio insegura. Viro-me para trás e encaro meu primo,
que agora parece ainda mais tenso do que antes.
— Fala logo, preciso encontrar a Gaia.
Ela deve estar surtando com tudo o que aconteceu nos últimos
dias.
— Eu… É… — hesita, como se não soubesse como continuar.
Ele encara o chão, as mãos, as panelas no fogão, mas em nenhum
momento seus olhos encontram os meus. E isso só me deixa ainda
mais preocupado.
— O que você fez, Trenton? — Mantenho o tom brando, sem
querer piorar seu estado de nervosismo.
Dá certo, porque ele finalmente me encara e diz:
— Contei a ela sobre a maldição.
Suas palavras me fazem cambalear, e ainda bem que estou
apoiado à maçaneta, porque correria o risco de cair quando o chão é
tirado de sob meus pés.
— Puta que o pariu, Trenton! Como assim, contou da maldição?
O que você disse? — Ignoro a porta e vou até ele, parando bem à
sua frente.
Ele se encolhe com o meu rompante, talvez por conta do olhar
assassino que lanço em sua direção, ou talvez por eu ter as mãos na
lapela de seu paletó. Mas já passei do meu limite de ser paciente. O
mundo todo parece estar contra mim hoje, e não aguento mais lidar
com tantas merdas ao mesmo tempo.
— Não sei, não lembro. Eu estava preocupado com você,
comigo, com tudo que vem acontecendo e…
— E? — Sacudo-o um pouco, tentando forçar as palavras a
saírem de sua boca.
— E acabei falando que você não estava apaixonado por ela.
Que tudo isso era por causa da maldição.
Puxo-o para mais perto, quase colando meu nariz ao dele.
— Você não tem ideia do que essa maldição significa, seu idiota.
— Minha voz não passa de um sussurro. — Mas um dia terá, e eu
serei o primeiro a rir na sua cara, primo.
Empurro-o, fazendo com que cambaleie alguns passos para trás.
Só que não tenho tempo para ver se ficou bem, apenas corro para
fora da cozinha, seguindo pela lateral da casa até o meu carro.
Minha preocupação está toda nela. Porque se ela ficou sabendo
da maldição…
Não. Não. Não.
Gaia vai entender tudo errado agora.
E depois de ter visto aqueles vídeos, de ter lido o artigo…
Mas que caralho!
Preciso falar com Gaia. Agora.
Não sei o que está passando em sua cabeça neste momento,
mas ela deve estar confusa, assustada e, se eu a conheço
minimamente bem, duvidando do que aconteceu entre nós. Tudo
porque meu primo querido não conseguiu ficar de boca fechada por
um maldito minuto.
A conversa que tive com meu pai no escritório sobre a maldição
me vem à mente, só que não vou pensar nisso agora. Também não
me dou ao trabalho de explicar a Trenton o verdadeiro significado do
destino dos King. Vou deixar que ele descubra — e se foda —
sozinho. Assim como aconteceu, e vai acontecer, com todos os
homens da minha família.
Entro no carro às pressas e começo a dirigir na direção que
Valerie indicou. Ela disse que Gaia não saiu há muito tempo, então
talvez consiga alcançá-la. Dirijo feito um maluco, ignorando a estrada
esburacada.
Não sei o que vai acontecer quando eu finalmente encontrar com
ela, mas muitas coisas precisam ser explicadas. Tanto da minha
parte quanto de Gaia. Os últimos dias separados foram uma tortura,
e tenho plena consciência de que não posso continuar assim. Já me
livrei do maior problema hoje — Oliver e o contrato com a Red Law
—, e continuarei me livrando de todos eles até que Gaia e eu
tenhamos um pouco de paz.
Talvez ela tivesse razão quando preferiu não assumir nosso
relacionamento. Por outro lado, eu não posso mais esconder o fato
de que estou apaixonado. Mesmo com fofocas, com a mídia caindo
em cima da gente, não importa. O que eu sinto por ela não vai mudar
— e isso não tem nada a ver com a maldição.
Agora, só preciso ter a chance de explicar isso a Gaia.
Sinto como se eu fosse uma contradição ambulante: puto com as
mentiras e, ao mesmo tempo, preocupado com o que ela está
passando. Mas alinhar meus sentimentos é quase impossível. Até
porque eles não são lineares, assim como não somos uma
constante. Estou com raiva dela por ter escondido tanta coisa de
mim, ao mesmo tempo que quero matar o desgraçado que liberou
aquele vídeo e as fotos. Também gostaria de quebrar um dente de
Trenton — só um, porque ele ainda é o irmão que nunca tive — por
ter aberto a boca para falar do que não sabe. No fim das contas, virei
um poço de confusão, porque esta é a primeira vez na minha vida
que me sinto inclinado a mover céus e terra por uma mulher.
Só que, por Gaia, todo esforço é pouco.
A estrada afina um pouco mais, as árvores se juntando ao meu
redor. Atrás de mim, sobe uma nuvem de poeira, que esconde os
malditos buracos nessa estrada. O caminho da frente é pavimentado,
por isso é mais fácil e o preferido por todos que vêm de carro. Este
aqui, que sai alguns quilômetros à frente na rodovia, é privado e
malcuidado, já que quase nunca o usamos.
Claro que tudo isso é uma vantagem. As más-condições me dão
esperança de que o fato de Gaia ter optado por esta via tenha
atrasado um pouco sua viagem. Talvez eu ainda a alcance antes de
chegar à estrada principal. Ou talvez meu azar tenha triplicado nas
últimas horas, o que não duvido muito, e o carro dela seja mais
rápido do que o meu, algo bem impossível.
Pressiono o acelerador, passando por cima de um buraco maior,
e ouço algumas peças quicarem com força, o fundo do carro
raspando no chão de terra. Foda-se. Se quebrar, compro outro. Ser
rico tem que ter alguma vantagem nessa merda.
Então, duzentos metros à frente, logo depois de uma curva, eu
vejo a minha garota. E se a cena não fosse tão trágica, eu com
certeza começaria a rir. Porque Gaia está do lado de fora do que
parece ser o carro mais velho do estado, chutando uma das rodas
enquanto esbraveja o que imagino serem os piores palavrões que
aquela boquinha linda consegue soltar.
Estaciono antes de chegar até ela, para que não possa fugir.
Assim que desligo o motor e abro a porta, confirmo aquilo que já
sabia.
— Eu. Não. Aguento. Mais. Essa. Porra — ela diz, descontando a
raiva na lata velha. — Puta que pariu. Por que não posso ter um
minuto de paz nesse caralho de vida?
Fico me perguntando se ela ainda não me viu ou se está me
ignorando propositalmente, já que toda a sua atenção está em chutar
o pneu — que agora vejo estar furado. Devagar, sigo até ela,
observando cada um de seus movimentos. Quando estou perto o
suficiente, percebo que algumas lágrimas escorrem por seu rosto, já
vermelho de tanto chorar.
— Precisa de ajuda? — pergunto, enfiando as mãos no bolso da
calça para controlar minha vontade de ir até Gaia e envolvê-la em
um abraço. — Também não me incomodaria em dar uns chutes para
extravasar. — Dou de ombros.
— Zachary? O que você está fazendo aqui? — Ela finalmente
olha para mim, depois para os lados, como se esperasse mais
pessoas.
Só que ninguém vai aparecer. Talvez ela não saiba, mas essa
estrada ainda está dentro da nossa propriedade.
— O que você acha? — devolvo a pergunta, decidindo se devo
ou não dar alguns passos à frente.
— Depois de tudo o que aconteceu nos últimos dias, pensei que
você nunca mais fosse querer olhar na minha cara — Gaia comenta,
dando uma trégua à roda e se apoiando na lataria.
— Não sei de onde você tirou essa ideia — rebato. — Tudo o que
eu queria fazer nos últimos dias era justamente conversar com você,
mas não consegui. Por que fugiu tanto de mim? — Vou direto ao
ponto, cansado de fugir dos assuntos importantes.
Só que Gaia não responde. Ela apenas me encara por alguns
segundos, respirando fundo várias vezes antes de olhar para cima,
na direção do céu.
— Oliver…
Uma palavra. Uma maldita palavra e já sinto a raiva, que eu achei
estar sob controle, voltar ao meu corpo. Vou matar o desgraçado!
— O Oliver, Gaia, jura? O que tem aquele filho da puta? —
pergunto, meu tom deixando claro o quanto odeio falar sobre ele.
— Ele estava me ameaçando na festa. Ele me encurralou para
avisar que, se eu contasse sobre o meu relacionamento com Jamie,
iria vazar coisas minhas na internet. — Quando diz isso, Gaia não
olha para mim. Ela apenas encara o chão, como se não conseguisse
aguentar o peso da culpa.
— E você não pensou, por um momento sequer, que eu podia te
ajudar a resolver o problema? — solto a pergunta, sem conseguir
controlar meu temperamento.
— Falou o homem que sempre me disse a verdade, não é? —
Ela desencosta do carro, assumindo uma postura ereta e me
encarando.
— Nem comece a inverter essa discussão — interrompo-a. —
Precisamos falar sobre o que aconteceu com você. Depois, a gente
fala sobre outros assuntos menos importantes.
— Menos importantes?! — questiona em um tom agudo,
cruzando os braços na frente do corpo, parada no meio da estrada.
— Desde quando o fato de você estar comigo por causa de uma
maldição é menos importante do que eu não ter conversado sobre
um relacionamento merda que tive há quatro anos, Zachary? Eu
posso ter omitido algumas coisas que me envergonham sobre o meu
passado, mas você me deixou no escuro quanto ao nosso presente
— ela me acusa, seu peito subindo e descendo com a respiração
acelerada.
Não consigo mais manter a distância e dou três passos em sua
direção. Porém, na mesma hora, Gaia recua outros três.
Ah, então vamos brincar de gato e rato agora? Ótimo.
— Quando foi que eu te deixei no escuro? Sempre fui muito claro
em relação ao que eu queria, nunca menti ou omiti porcaria
nenhuma. Fiz questão de te mostrar o que estava sentindo a porra
do tempo todo! — jogo algumas verdades na mesa.
— Mas nunca falou, não é? Em todo esse tempo, nunca ouvi
você dizer o que sente por mim. E isso só me faz ter certeza de uma
coisa: você também não sabe o que sente. Tem dúvidas, porque
essa tal de maldição estava confundindo a sua cabeça!
É impossível não rir do absurdo que estou ouvindo.
— Nunca estive confuso, Gaia — falo a verdade. — Sempre
soube o que sentia por você, mesmo que não soubesse explicar.
Tá, é uma meia-mentira. No início, não conseguia entender muito
bem essa fixação. Mas as coisas foram ganhando clareza. Quanto
mais tempo passava ao lado dela, mais fácil era perceber que o que
eu sentia ia além da atração. Era algo que me consumia de dentro
para fora, e que não iria embora depois de uma noite de sexo.
— Então, por que nunca me disse nada? Por que não falou da
maldição? Por que não…?
— O que você queria que eu dissesse? — pergunto em um tom
acalorado, removendo as mãos do bolso. — Que me apaixonei à
primeira vista? Que fiquei obcecado por uma mulher que nunca vi
antes? Que não conseguia te tirar da minha cabeça por um maldito
minuto? É isso?! Você iria fugir de mim, Gaia! E com razão. Porque
não existe nenhuma racionalidade no modo como eu me sinto
quando você está por perto. Parece que…
— Que o mundo deixa de existir — ela completa a minha frase
com um tom de assombro.
Chego mais uns passos para a frente e vejo-a se afastar de novo.
— Não. Por favor, não fuja de mim — peço, deixando a
vulnerabilidade atingir a minha voz.
Gaia trava por um segundo, me dando tempo para alcançá-la.
Assim que estou próximo o suficiente, seguro-a pelos braços e a
trago para perto, deixando nossos corpos quase colados. Na mesma
hora, sinto mãos hesitantes tocarem o meu peito. Ela encara o local
onde nos encostamos, os olhos sem alcançar os meus. Ao mesmo
tempo que quero sacudi-la e pedir que me encare, sinto sua tensão.
— Nada disso faz sentido, Zachary. O fato de você gostar de
mim…
— De amar você, Gaia — corrijo-a, cansado de fingir que sinto
qualquer outra coisa por esta mulher. — Eu te amo.
Assim que as três palavras escapam da minha boca, ela
estremece e fecha os olhos, puxando o ar com força. Então, balança
o rosto de um lado para o outro, como se não conseguisse acreditar
que tudo isso é real.
Daria qualquer coisa para saber o que se passa na cabeça de
Gaia agora. Ou talvez para que ela pudesse ver o que se passa na
minha.
— Eu te amo tanto que fiquei desesperado quando vi aquele
artigo hoje — volto a falar baixinho, minha mão subindo e descendo
por seu braço. Agora que a tenho tão perto de novo, não consigo
parar de tocá-la. — Mesmo antes de ouvir o que você tinha a dizer,
precisei tomar providências. Porque não importa se aquele jornal
publicou a verdade, nada era mais importante do que impedir você
de sair da minha vida. É esse tipo de idiota que me tornei.
— Mas você sabe que aquilo tudo era mentira, né? Eu jamais te
usaria daquele jeito, Zachary. Como pôde duvidar disso por um
minuto sequer? — ela pergunta, magoada com a minha
desconfiança. Os olhos azuis se erguem para encontrar os meus,
implorando para que eu acredite no que me diz.
Não consigo conter o suspiro de alívio e acabo deixando minha
testa tombar sobre a dela.
— Você estava escondendo algo de mim. Eu tinha certeza disso,
só não sabia o que era. Na hora, pensei que…
— Que pudesse ser verdade. Que eu ainda estava com Jamie —
Gaia sussurra, fechando os olhos como se dizer a frase lhe causasse
dor.
— Preciso que você me conte essa história, amor. O que
aconteceu entre vocês dois? Que vídeo era aquele? E por que você
disse que Oliver estava te ameaçando? — quero saber, cansado de
segredos.
De agora em diante, não vou aceitar que mais nada fique entre a
gente.
Capítulo 45

Gaia

— Tem certeza de que você quer ouvir? Meu passado é algo que
eu preferia deixar para lá, Zachary. Não é uma história bonita —
aviso, antes que ele se arrependa.
Ou talvez eu me arrependa, porque ainda não sei se tenho
coragem de ver a cara de decepção dele quando souber tudo o que
fui capaz de fazer.
— Quero saber. Você deveria ter me contado antes, Gaia.
— Assim como você deveria ter me contado da maldição? —
devolvo, cansada de ser posta contra a parede. Os últimos dias
foram difíceis demais.
Tudo o que ouvi, tudo o que foi dito…
— Não comece com esse jogo de rebater minhas perguntas com
outras, por favor. Se quiser descontar suas frustrações, volte a chutar
o carro — ele fala com um sorriso debochado. Vendo que não
amoleço, Zachary suspira e passa a mão no cabelo. — Tudo bem,
nós dois estamos irritados com o mundo. Só que agora preciso
entender tudo o que aconteceu desde aquela festa.
Puxo o ar com força, debatendo internamente o que fazer agora.
Por um lado, Zach está certo: ele merece saber cada detalhe da
verdade. Por outro, eu também mereço um pouco mais de
explicações.
O problema é que meu coração amoleceu depois que ele se
declarou, deixando bem claro que me ama.
Ele disse as palavras que esperei ouvir durante as últimas
semanas e, mesmo assim, continuo duvidando de tudo. Claro que,
estar com ele aqui, de novo ao meu alcance, faz com que muitas das
dúvidas desapareçam.
Eu amo e odeio esse efeito que Zachary causa em mim: quando
estamos juntos, nada mais importa. Quando estamos longe, todas as
minhas inquietações aparecem. Porém, se quero uma chance real de
estar com ele, preciso tomar a iniciativa e revelar aquilo que mantive
preso dentro de mim por tanto tempo. Mais do que isso, preciso
mostrar um lado meu que preferia deixar escondido: a minha
vulnerabilidade.
— Eu tinha dezoito, quase dezenove anos quando me mudei para
Nova York — começo a contar, tentando manter um pouco de
firmeza na voz. Mesmo que tenha decidido falar, não consigo encará-
lo enquanto faço isso. — Tinha acabado a escola e fui morar com a
Pamela. Ela é a filha de uma amiga da minha mãe, e já estava na
cidade há um tempo.
Afasto-me de Zachary e volto a me recostar no carro. Preciso
manter um pouco de distância entre nós se quiser ter lucidez
suficiente neste momento. Assim que me apoio na lataria, ele vem
para o meu lado, enlaçando a sua mão junto à minha, como se
quisesse demonstrar apoio.
Maldito homem maravilhoso.
— Foi através da Pamela que conheci Jamie. Eles não eram
próximos, mas tinham alguns amigos em comum. Um dia, ela me
levou a um barzinho, onde a banda estava tocando. Vou pular os
detalhes sórdidos, mas posso dizer que fiquei… deslumbrada —
confesso, os olhos ainda grudados nas pedrinhas espalhadas pelo
chão. — Jamie era lindo, popular e estava interessado em mim, que
nunca fui mais do que uma garota comum do interior. Enquanto isso,
todas as meninas se jogavam em cima dele. O vocalista da Red Law,
com uma voz perfeita, jaqueta de couro e muitas tatuagens. —
Balanço a cabeça, me sentindo uma idiota. — Não demorou muito
para começarmos a namorar.
Conto que, durante alguns meses, Jamie fez questão de me
buscar em casa todos os dias antes dos shows. Ele me tratava como
uma princesa, nunca ficava com outra menina, me dava flores e fazia
de tudo para conseguir a minha atenção. No fim, acabei cedendo e
concordei em ir a um encontro com ele.
— Eu estava cursando gastronomia na época — explico —, por
isso ele fez questão de me buscar depois da aula e me levou para
jantar em um restaurante bem legal. Aos poucos, as coisas foram
evoluindo… e mudando.
Sinto a mão de Zachary apertar a minha. Ele já sabe que a
história não tem um final feliz. Preciso respirar fundo algumas vezes
para não deixar as lembranças me sobrecarregarem.
— Ele foi abusivo com você, Gaia? — Incentivado pelo meu
silêncio, Zachary solta a mesma pergunta que já me fiz duzentas
vezes. Nunca consegui encontrar uma resposta certa para isso.
— Não sei — limito-me a dizer, mesmo que pareça um tanto
louca. — Hoje em dia consigo enxergar Jamie como um narcisista.
Claro que não sou psiquiatra para confirmar o diagnóstico, mas
talvez não seja exatamente isso o que ele é. Só que tinham mais
coisas de errado com ele. No início, fez de tudo para me conquistar
e, no momento que conseguiu e o desafio acabou, o foco do seu
interesse também mudou. Jamie começou a ter prazer em me
manipular. O mundo começava e terminava nos desejos dele. Era
tudo sobre ele. Os sonhos dele. O que ele queria fazer. E eu era uma
menina cega, apaixonada, que se deixou levar. Aquele vídeo que
você viu… — hesito, sentindo um bolo de humilhação se formar em
minha garganta.
— Ei, está tudo bem. — Zachary me sente tensionar e passa o
braço em torno do meu ombro, me puxando para perto. Não resisto e
vou na mesma hora, aninhando-me em seu peito, simplesmente
porque preciso do seu calor agora. Lembrar-me daquele tempo, e de
como tudo mexeu comigo, faz com que eu me sinta nua, sendo
julgada por uma multidão. Por isso, tê-lo aqui é como se houvesse
uma âncora garantindo minha permanência na realidade.
— Jamie sempre foi muito carismático. Era fácil demais ficar
envolvida por ele e por aquele mundo de fantasia que criou. Cada
vez mais, eu queria fazer parte daquilo. E ele me mostrava, todos os
dias, como eu era sortuda por ser sua escolhida. Afinal, tinham
tantas outras esperando a oportunidade.
A ironia do comentário não me passa despercebido. Zachary
tinha tudo para ser igualzinho a Jamie. Só que isso não pode estar
mais longe da verdade. Acho que nunca conheci duas pessoas tão
diferentes, mesmo que as circunstâncias sejam parecidas. Enquanto
Jamie sempre quis ser alguma coisa — e usava do seu carisma para
se consolidar —, Zachary não precisa fazer nada para que as
pessoas queiram estar perto dele.
— Foi por isso que você resistiu a nós dois por tanto tempo, não
é? — ele pergunta, lendo meus pensamentos, enquanto acaricia as
minhas costas. Apenas assinto com a cabeça e repouso o rosto em
seu peito.
— Naquele tempo, eu larguei tudo para ficar com Jamie, inclusive
meu curso de gastronomia. Deixei de lado meus sonhos, minha vida
e a mim mesma. Estava tão envolvida que acabei ignorando o resto
do mundo. Na verdade, tornei ele o meu mundo… e só ele. Depois
que consegui me libertar de tudo isso, jurei para mim mesma que
nunca mais faria esse tipo de sacrifício por homem nenhum —
confesso. — Acho que, de certa forma, o Universo decidiu me punir.
Ou talvez tenha sido carma, mas, depois que terminamos, eu não
consegui mais juntar dinheiro para voltar ao curso. Precisei trabalhar
e acabei deixando os estudos de lado. Até voltei por um tempo, mas
tive que parar de novo. Sempre aparecia algo que me impedia de
alcançar meu sonho, sabe?
— O vídeo que vazou foi daquela época? — Zach pergunta.
— Hu-hum. Eu não sabia que ele existia, nem as fotos. Mas não
duvido que tenha feito algo assim. Eu queria fazer parte do mundo
dele. Se Jamie me pedisse para beber, eu bebia. Se me pedisse
para dançar, eu dançava. Tinha medo de que, se não fizesse isso,
ele me deixaria.
As palavras trazem um gosto ruim à minha boca. É difícil aceitar
quão burra fui durante todo esse tempo. Tem uma parte dessa
história toda que ainda não conseguirei contar a Zachary: Jamie foi
meu primeiro amor… e meu primeiro homem.
Dentro de mim, após a separação, a ideia de que eu jamais seria
amada de novo criou raízes, afinal, Jamie era tudo o que sempre
precisaria para ser feliz. Não consigo descrever o ódio que senti de
mim mesma quando tudo acabou. Na verdade, me senti um lixo.
Insignificante. Não digna de receber qualquer tipo de afeto, porque
eu não era boa o suficiente. Nem para mim mesma. Afinal, que tipo
de mulher se anula tanto por causa de um homem? Que tipo de
mulher abandona tudo para seguir os sonhos dos outros?
E até agora carrego um pouco desse trauma comigo.
— Quando foi que vocês terminaram? — Zachary questiona de
forma tranquila.
— Um pouco antes de fazermos dois anos. Quando eu descobri
que Jamie dormia com todas as suas fãs. A verdade jogada na
minha cara de que nunca fui especial, que ele não me amava,
acabou me destruindo. Tudo era um jogo — solto a verdade que
mais dói. Também aquela que me libertou.
— Ele era um idiota, Gaia. Um imbecil por ter te usado e não ter
percebido a mulher incrível que tinha ao lado. — Pressiono meu
corpo ao de Zachary, abraçando-o com força. Posso ouvir seu
coração batendo acelerado, e não sei se ele consegue sentir a
mesma raiva que eu neste momento.
Talvez ninguém consiga. Porque só vivendo aquela situação para
saber o quão horrível ela é. Se foi ou não um relacionamento
abusivo, não sei. Afinal, eu queria fazer as coisas para agradar, foi
minha decisão satisfazer os desejos do meu namorado. Jamie nunca
me ameaçou, me bateu, ou disse que eu era isso ou aquilo. Mas a
ideia de que ele me largasse me causava tanto medo, tanto pavor,
que eu estava disposta a qualquer coisa para não arriscar perdê-lo.
Só que, quando perdi, me libertei.
— No dia da festa, muitas coisas aconteceram — volto à história,
dando um passo para trás a fim de encarar Zachary. Paro bem à sua
frente, passando um dedo embaixo dos olhos e secando as lágrimas
que começaram a escorrer. — Primeiro, sua mãe me fez ouvir
comentários muito maldosos de algumas mulheres que não
conseguiam compreender como foi que você me escolheu. — Engulo
em seco, lembrando-me daquele momento que me fez ficar em
pânico. Mas como estamos na hora da verdade, resolvo colocar tudo
para fora. — Uma delas, inclusive, era Chloe Lowell.
— Eu sei — Zach diz, me surpreendendo. Quando ele vê minha
expressão espantada, completa: — Foi ela uma das fontes do artigo
do The Post.
— Mas como ela sabia sobre mim e Jamie?
— Não sei se sabia. Acho que só falou uma parte para a Página
Seis. O resto, eles buscaram sozinhos. — Faço que sim com a
cabeça. — Christine está furiosa. Minha mãe também. Você não tem
ideia do caos que foi esta tarde. — Ele coça a nuca e, pela primeira
vez, noto como seu rosto está cansado.
Os olhos verdes não carregam o mesmo brilho de sempre, talvez
por conta dos círculos escuros que começam a se formar sob eles.
Há também um vinco permanente entre as sobrancelhas. Até a
postura altiva não está tão ereta quanto normalmente.
Saber que sou a causadora disso tudo só me deixa ainda mais
culpada.
— Depois dos comentários humilhantes, voltei para a festa e dei
de cara com a banda no palco. E eu juro, Zach, juro que não sabia
que eles tinham sido contratados pela King Records. Desde o dia
que terminamos, nunca mais falei com Jamie. Por favor, acredite em
mim. Eu jamais teria ajudado qualquer um deles a…
— Eu sei, Gaia — Zachary me interrompe. — Depois de tudo o
que você me contou, não faria sentido você ajudar aqueles
desgraçados. Mas por que escondeu isso de mim?
— Não ia esconder. Só espero que entenda que, assim que vi a
banda tocando, fiquei em choque — confesso, lembrando-me do
susto que levei. — Jackson apareceu naquele momento e viu o meu
estado.
— E você conversou com ele em vez de ir atrás de mim? — Zach
solta uma risada sem qualquer humor, balançando a cabeça.
— Não foi bem assim — começo a me explicar. — Eu não
conseguia pensar direito. Foi um choque. Uma hora tinham mulheres
falando um mundo de coisas horríveis a meu respeito; em seguida,
sua mãe fez um puta discurso sobre ser cordial com quem só quer
nos ferrar, antes de me perguntar se eu guardava algum segredo
obscuro. Então, quando parecia que as humilhações tinham acabado
e eu estava disposta a correr para os seus braços, dei de cara com
meu passado. Eu fiquei paralisada! — desabafo, soltando tudo em
uma torrente sem qualquer contenção. — Jackson me achou e me
levou para um lugar onde ninguém mais me veria dar um vexame,
porque a sua mãe deixou claro que isso não é comportamento de um
King. Mas seu primo me incentivou a contar a verdade para você, e
eu concordei, mesmo relutante.
Zachary arregala os olhos, incrédulo, e começa a andar de um
lado para o outro.
— E você não pensou em me contar a verdade. Por quê?
— Eu só não queria contar no meio da festa! — falo em um tom
elevado. — Até expliquei isso para o Jackson: que iria falar quando
todos fossem embora. Já tinha gente demais ali, esperando que eu
fracassasse, que cometesse uma gafe. Minha ideia era esperar que
o circo acabasse para que a gente pudesse conversar. Mas Jackson
me convenceu de que era uma péssima ideia. Então, pedi a ele que
te chamasse para um lugar mais calmo. Foi nesse meio tempo que
Oliver apareceu.
— Isso. Me explique o que ele tem a ver com essa história toda.
— Zach para a centímetros de mim. Sua altura imponente fazendo
com que eu me sinta ainda mais insignificante. É por isso mesmo
que eu o empurro, até que esteja novamente encostado no carro.
Não quero me sentir inferior, especialmente agora. Não mais do
que já me sinto por todos os erros que cometi ao longo da minha
vida.
— Oliver me chamou de puta e vagabunda, para começo de
conversa — revelo, envolvendo-me com meus próprios braços. É
uma tentativa inútil de me proteger. — Falou sobre como eu
atrapalhei a conexão dele com vocês, de que foi por minha causa
que os King cortaram relações com ele. Então, contou que era o
empresário da banda, e que eu não iria atrapalhar esse negócio. Ele
percebeu que eu podia contar a você sobre o meu passado e que, se
você soubesse do meu envolvimento com Jamie, iria quebrar o
contrato.
— E qual foi a ameaça? — Zachary quer saber, apoiando uma
mão em cada lado do corpo na lataria do carro.
— Se eu abrisse a boca ou se você interrompesse os planos
dele, Oliver soltaria alguns vídeos meus na internet. Vídeos e fotos
que eu não sabia que Jamie tinha feito. Na hora em que Oliver me
chantageou, não soube o que fazer.
Antes que eu perceba o que está acontecendo, Zachary se vira e
começa a agredir meu pobre carro, revezando murros no capô e
chutes no pneu já rasgado.
— Filho da puta, desgraçado! — ele grita sem parar, descontando
todas as suas frustrações na única lembrança física que tenho do
meu avô.
— Pare com isso! — peço, puxando-o pelo braço. — Não destrua
meu carro.
— Foda-se o carro. Eu compro outro — Zachary diz.
— Não quero outro. — A declaração faz com que ele me encare,
uma sobrancelha erguida em descrença. Mas logo começa a rir.
— Você quer essa lata velha? — Assinto. — E o que aconteceu
com aquela ideia de torrar todo o meu dinheiro? Podemos começar
comprando um carro decente para você.
— Meu carro é decente. Só… furou o pneu. — Aponto para a
roda, ignorando o resto. — E agora tem uns amassados, mas a culpa
não foi minha. Ele é a última lembrança que tenho do meu avô.
Então, pode deixá-lo em paz?
— Ah, Gaia, o que eu faço com você? — Assim que as palavras
saem de sua boca, sou puxada para um abraço apertado. Zachary
me envolve, apoiando o queixo sobre minha cabeça, e na mesma
hora passo os braços em torno de sua cintura. Inalo seu perfume e
me permito relaxar por alguns segundos. — Você consegue perceber
que a culpa foi minha por seus vídeos terem vazado na internet?
A pergunta me faz dar um passo para trás e encará-lo.
— Como assim?
— Quando vi o artigo do The Post, fiquei tão puto que a primeira
coisa que fiz foi cancelar o contrato com a Red Law. Não por causa
do seu passado, mas pela ligação que eles têm com Oliver. —
Observo a cara de pau de Zachary com uma sobrancelha erguida. —
Tá bom, também foi por causa do babaca ser seu ex. Mas aposto
que isso levou Oliver a cumprir com a ameaça. — O modo como ele
me encara não esconde a raiva nem o arrependimento que sente. E
isso só me faz ter vontade de sentar no chão e chorar. Talvez rir um
pouco, porque nunca pensei que estaria em uma situação parecida
com essa. — Ele foi até o escritório hoje à tarde. Falei todas as
verdades que estavam entaladas na minha garganta e prometi que
ele jamais teria outro contrato com a IK, seja com a King Records,
com a King Videos ou qualquer outra plataforma nossa. Um soco ou
dois podem ter acontecido no processo.
— Ele mereceu — falo com sinceridade. — Mas e agora, o que
eu faço?
— O que nós fazemos, você quer dizer — Zach me corrige,
fazendo com que eu o encare. — Você deveria ter me contado tudo
desde o início, Gaia. Se tivesse, nada disso estaria acontecendo. Eu
teria…
— Pode parar! — interrompo-o, colocando as mãos na cintura. —
É muito fácil para você me julgar assim, mas lembre-se que nunca
precisei me preocupar com esse tipo de coisa até você aparecer na
minha vida. Não conheço os protocolos, não sei do que a imprensa é
capaz… Caramba, eu nunca fui ameaçada! De repente, todos os
olhares estão sobre mim, e você espera que eu aja racionalmente?
— solto as acusações sem medir meu tom de voz. — Sua mãe me
mandou uma mensagem amedrontadora. Até seu primo veio me
intimidar, Zachary.
— Isso não importa, Gaia — ele diz, como se fosse a coisa mais
simples do mundo.
— Claro que importa! — Jogo as mãos para o alto, querendo
argumentar. — Eu não pertenço a esse mundo. Não sei o que fazer
direito, não tenho dinheiro, não sou o tipo de mulher com quem você
deveria estar e…
— E é a mulher que eu amo — Zachary me interrompe, puxando-
me pela cintura. Paro entre suas pernas, enjaulada em seu abraço e
presa em seus olhos. — Se você quiser, lidaremos com tudo isso.
Mas só se você quiser e achar que vale a pena. Não posso te obrigar
a ficar, muito menos a aceitar essa loucura que é o meu mundo. A
única coisa que posso fazer é te proteger de tudo o que estiver ao
meu alcance, enquanto tento te mostrar todos os dias o quanto te
amo.
Não há qualquer hesitação em sua voz. Porém a vulnerabilidade
no modo como me encara faz com que eu estremeça por dentro.
Zachary está me entregando seu coração, me oferecendo o que tem
— o que é. Há também uma apreensão em seu rosto, como se
estivesse por um fio.
Ele não é o único a se sentir assim. Estou prestes a cair de um
precipício escuro, sem saber a altura da queda. Mas é impossível
olhar para esse homem maravilhoso e não querer arriscar. Não
querer enfrentar todos os meus medos e me deixar levar pelo que
sinto. Porque, no fundo, sei que Zachary King é alguém por quem
vale a pena lutar.
— Eu vou ser a pior namorada de todas — digo com convicção.
— Ah, é? Por quê?
— Porque sou insegura e tóxica. Sou um perigo ambulante, que
usa facas diariamente. Sem falar que não sei se vou conseguir lidar
com a imprensa noticiando coisas a meu respeito o tempo todo —
solto a verdade e recebo um sorriso em resposta.
— Isso quer dizer que, pelo menos, você não vai fugir? —
Zachary pergunta, me puxando mais um pouco e deixando nossos
corpos colados um ao outro.
Balanço a cabeça em negativa, sem conseguir desviar o olhar do
dele.
— Só para constar, eu também te amo, Zachary. Prometo não
esconder mais nada de você. — Fico na ponta dos pés e encerro o
resto da distância que nos separa.
Ele me encontra no meio do caminho, seus lábios tocando os
meus enquanto solta um suspiro de alívio.
— Pensei que nunca ouviria essas palavras de você — sussurra
contra a minha boca, os olhos abertos enquanto me beija devagar.
— E eu pensei que não seria capaz de dizê-las novamente. —
Enfio os dedos em seu cabelo e aprofundo o beijo, cansada de me
manter longe do homem que amo.
Quando Zach se entrega ao momento, a impressão que tenho é
de que ele nunca mais vai me soltar. Uma mão emoldura meu rosto
enquanto a outra aperta a minha cintura com força. Eu também me
deixo levar, nossas línguas se entrelaçando, e permito que ele tome
tudo o que quer. Porque tudo é dele.
Zachary me tem desde o primeiro olhar. Cansei de lutar e de fingir
o contrário.
Depois do que passamos, a última coisa que quero é impor mais
barreiras entre nós. O muro que ergui para proteger meu coração foi
derrubado. Agora, só nos resta este sentimento louco — talvez
mágico —, que me faz querer mais e mais dele.
Deixo minha mão acariciar seu peitoral, descendo para o
abdômen definido, até alcançar o cós da calça. Sinto-o rosnar
baixinho contra a minha boca, a vibração reverberando dentro de
mim, antes que ele inverta nossas posições e me impressione contra
o carro.
Só que em vez de continuar me beijando, Zachary dá um passo
para trás e apenas me analisa de cima a baixo, esfregando o polegar
no lábio enquanto balança a cabeça.
— Você me deixa louco, sabia? — Ele fixa os olhos nos meus,
como se quisesse ter certeza de que estou prestando atenção.
Apenas ofego, sentindo meu corpo queimar com o efeito do beijo. —
Não sei quanto do mundo eu teria queimado se você tivesse ido
embora.
— Não quero ir, nunca quis — sussurro, esticando a mão para
puxá-lo de volta enquanto mantenho o contato visual. — Descobri
que é impossível ficar longe de você.
Assim que a verdade escapa, ele esmaga nossas bocas de novo,
retomando o beijo, agora com mais urgência. Zachary me ergue pela
bunda, colocando-me sentada sobre o capô do carro. Para não
deixar espaço entre nossos corpos, envolvo-o com as pernas,
trazendo-o para perto. Ele enfia a mão no meu cabelo, puxando-me
pela nuca enquanto me devora — e só consigo me render.
O desespero de sentir sua pele quente junto à minha fala mais
alto, tanto que ignoro o fato de estarmos no meio de uma estrada e
começo a tirar seu terno. Primeiro, vai o paletó para o chão. Foda-se
se for caro, ele pode comprar outro. Depois, desabotoo a camisa
com pressa, deixando meus dedos acariciarem os músculos quando
finalmente estão ao meu alcance.
Zachary solta um murmúrio baixo no instante que passo as unhas
pelos desenhos de sua barriga, a boca consumindo a minha
enquanto ele mexe o quadril. Posso sentir sua ereção cutucar onde
mais preciso dele. Mais ainda, posso sentir a mudança entre nós.
Porque agora que as verdades foram libertadas — não aquelas
sobre o meu passado, e sim as sobre o nosso presente —, há uma
intensidade nova no modo como nos beijamos. É a primeira vez de
novo. A primeira de todas, porque nunca mais vou deixar que
mentiras e intrigas fiquem entre nós.
Durante todo esse tempo, Zachary fez questão de mostrar que
me aceita do jeito que sou. Agora, está na minha vez de fazer o
mesmo. É por isso que o empurro.
— O que…? — Zachary começa a perguntar, mas logo para
quando nota o que estou prestes a fazer.
Há duas semanas, ele se colocou de joelhos à minha frente e me
ofereceu seu mundo. Disse que não queria que fôssemos um
segredo. Está na hora de provar que aceito, de fato
e sem reservas,
os novos termos. É por isso que repito seu gesto de antes,
abaixando-me no chão da estrada.
Se ele sempre me mostrou o que sentia através de atitudes, nada
mais justo do que eu fazer o mesmo agora. Porque é isso o que eu
quero: ser dele. Quero me entregar ao que sinto, me permitir ser
amada e não ter essa insegurança o tempo todo — mesmo que eu
saiba que não será fácil superar todas as dúvidas constantes que
ficam rondando a minha mente.
Por Zachary, eu vou tentar.
Para ele. Com ele.
Já de joelhos, minhas mãos procuram o botão da calça social,
sem desviar o olhar por um segundo sequer dos verdes que sempre
me cativam. Assim que meus dedos invadem a cueca, abaixo o
tecido até o meio de suas coxas, permitindo que sua ereção pule
para fora.
Não consigo conter o sorriso no instante em que ele grunhe, e
logo passo a língua pelos lábios, desejando sentir seu gosto. Zach
toma o próprio pau com a mão, segurando-o pela base e
bombeando-o algumas vezes. Sinto minha boca aguar com a
vontade de prová-lo, de fazer com que ele se derrame em mim.
Com a mão livre, ele move meu cabelo para o lado, com tanta
gentileza que mal sinto seu toque. Mas são suas palavras que me
destroem, enquanto mantém os olhos presos em mim:
— Acho que nunca quis tanto algo nesta vida quanto sentir você
me chupando agora. — Ele contorna minha boca com a cabeça
rosada, e preciso apertar as pernas com a dor que começo a sentir,
causada pelo vazio de não o ter dentro de mim. — Abra a boca,
Gaia.
Faço o que ele pede e seu pau desliza entre meus lábios, ao
mesmo tempo que o aperto em meu cabelo se intensifica. Eu o
encaro enquanto sugo a ponta com força, para relaxar um pouco e
deixar que ele entre mais fundo. Passeio com a língua devagar,
seguindo a veia protuberante, até minha boca encontrar com sua
mão, que agarra a base. Substituo a dele pela minha, masturbando-o
devagar enquanto o chupo ao mesmo tempo.
Os cascalhos no chão machucam meus joelhos, mas eles não
importam. Nada importa a não ser o homem à minha frente, que
agora fecha os olhos e mexe o quadril para frente e para trás,
entrando no mesmo ritmo que eu. Sinto suas pernas tremerem um
pouco e sei que ele também está se deixando levar.
Subo e desço mais rápido com a boca, revezando sugadas leves
e gentis. Mas Zachary não quer gentileza agora, porque logo está
fodendo minha boca com força, a cabeça jogada para trás e uma
expressão de puro êxtase no rosto.
Então, antes que eu possa pensar mais, uso a outra mão para
envolver suas bolas com cuidado. E o grunhido grave que ele solta
indica que estou fazendo o certo.
— Caralho, que boca gostosa da porra — Zach diz, olhando para
mim. Rolo a língua ao redor da cabeça e ele aperta ainda mais o
meu cabelo. — Se você fizer isso de novo, vou gozar em dez
segundos — avisa, mas não para de se mexer, indo até o fundo da
minha garganta duas vezes, até que eu engasgo com o reflexo.
Quando isso acontece, ele sai da minha boca e me puxa para
cima, me devorando em um beijo rápido e forte. Sou empurrada de
volta para o carro, sentindo minha bunda bater na lataria com mais
violência do que esperava.
Zachary não para de me beijar, suas mãos passeando por meu
corpo sem qualquer pudor. Dane-se que estamos no meio da
estrada, que podemos ser vistos. Nada nesse momento importa mais
do que nós dois. Ele precisa disso tanto quanto eu. Então, para
deixar claro a minha necessidade, alcanço sua mão e levo-a até o
meio das minhas pernas, fazendo-a escorregar para dentro da minha
calcinha.
— Preciso de você aqui — sussurro contra seus lábios —, agora.
Ele puxa o ar com força ao ver como estou molhada. Pronta.
Precisando de mais. No instante que a boca de Zachary volta a
tomar a minha, seus dedos afastam meus lábios inferiores e
começam a brincar com o ponto mais sensível. O tremor que toma
meu corpo faz com que eu precise segurá-lo com força, senão corro
o risco de ir ao chão. Minhas pernas ficam bambas quando ele me
estimula rápido, oscilando meu clitóris de um lado para o outro
enquanto eu solto gemido atrás de gemido.
Minhas unhas cravam com força em seus braços, ainda cobertos
pela camisa semiaberta. Preciso apoiar a cabeça em seu peito e
fechar os olhos. As sensações são fortes demais, principalmente
quando Zachary enfia dois dedos em mim, impedindo-me de manter
o foco em qualquer coisa que não seja ele e o som molhado dos
efeitos que causa em meu corpo.
— Por favor… — começo a implorar, sentindo aquele
formigamento gostoso começar a percorrer minha coluna. — Eu
vou…
Mas antes que possa dizer que estou prestes a gozar, Zachary
tira os dedos de dentro de mim de forma rápida. Em um movimento
brusco, sou virada de costas para ele e forçada a me inclinar contra
o carro. Com a cabeça descansando na lataria do capô, sinto quando
Zach puxa a minha legging até embaixo, antes de estalar um tapa na
minha bunda. A ardência de sua palma queima minha pele.
— Gostosa pra caralho — ele diz, com uma mão de cada lado do
meu quadril, enquanto afasta uma nádega e passa a língua por meu
ânus. Solto um gritinho com o susto, mas logo relaxo e me deixo
aproveitar da sensação nova que o estímulo causa. — Ainda vou te
comer aqui, Gaia. Mas não agora. Talvez quando a gente chegar em
casa.
A língua aveludada desce mais, me lambendo com pressa.
Zachary enfia o rosto na minha boceta, chupando, devorando,
sugando, me fazendo gritar de prazer no meio da estrada deserta.
Apoio as mãos no carro e rebolo em sua cara, louca para senti-lo
por inteiro dentro de mim.
— Zach, por favor… — é tudo o que consigo dizer, e sei que ele
me entende, porque logo se coloca de pé novamente e pressiona as
minhas costas para baixo.
— Fique assim — ele ordena e, neste momento, é impossível não
obedecer. — Linda demais.
A mão que me pressionava agora acaricia minha bunda,
descendo para minha coxa, deixando uma trilha de arrepios por onde
passa. O caminho de volta é ainda mais torturante, já que ele o traça
pelo interior da perna, molhando o dedo com a minha excitação e
circulando meu ânus devagar.
— Zach — peço de novo, desesperada para que ele acabe logo
com isso e me foda do jeito que preciso. Do jeito que só ele sabe.
— O que você quer, Gaia? — pergunta, como se já não soubesse
a resposta.
— Você. Dentro de mim. Agora. — É uma súplica e uma ordem.
Mas não preciso pedir duas vezes, porque logo sinto seu pau
brincar na minha entrada, acariciando o clitóris bem devagar.
Atiçando. Indo e voltando. Me enlouquecendo.
— É isso o que você quer? — o desgraçado pergunta.
Chego o corpo para trás, apenas para receber um tapa na bunda
como punição. Olho para ele, sem conseguir esconder minha raiva
— e talvez meu tesão.
— Agora!
— Sim, futura senhora King. — Não tenho tempo de reagir ao
comentário, porque com uma única estocada, Zachary me preenche
por completo. A invasão deliciosa me faz soltar um grito, que ecoa
pela estrada, enquanto tento me manter com os pés firmes no chão.
— Apertada pra caralho. Tão quente e… Puta que pariu!
Com um grunhido mais alto, Zachary parece gostar quando
contraio meu interior. Assim que se recupera da surpresa, começa a
acelerar o ritmo, entrando e saindo de mim com força.
Perdemos o controle juntos, enquanto tento acompanhar seus
movimentos. Não consigo parar de gemer, ouvindo o som de nossas
peles se chocando.
É por isso que empino a bunda, sentindo seu aperto ficar ainda
mais intenso em meu quadril. Ele vai cada vez mais rápido, mais
forte, mais fundo… saindo quase todo e me invadindo de novo com
força.
Meu nome é como um mantra em sua boca, enquanto eu só
consigo soltar gritos incoerentes, sentindo o prazer escalar a cada
estocada.
— Porra, Gaia, isso é bom demais — ele diz, se deitando sobre
mim, a mão serpenteando até alcançar meu clitóris. E assim que
começa a massageá-lo, sei que é uma questão de segundos até eu
gozar.
— Diz que é meu, Zach. Que você é meu. Que me ama — peço,
deixando a minha vulnerabilidade escapar.
Mas preciso disso agora. Preciso dele por completo.
— Eu te amo, Gaia — sussurra no meu ouvido, o rosto molhado
de suor colado ao meu. — E sou seu, só seu. Assim como você é
minha, só minha.
Ele mete com mais força, me estimula mais rápido, até que eu
esteja gritando e me desfazendo em um orgasmo incontrolável.
Minhas pernas perdem as forças, meu corpo fica jogado sobre o
carro. Perdida em meio aos tremores, sinto o pau de Zach inchar
quando ele solta um grunhido rouco, latejando dentro de mim.

∞∞∞
 
Nunca pensei que veria Zachary King deitado no banco traseiro
do meu carro velho. É uma cena ridícula, para dizer o mínimo. Mas
aqui estamos, comigo sobre ele, em uma posição muito
desconfortável, enquanto aproveitamos os últimos minutos de
calmaria antes da tempestade.
Mesmo assim, eu não mudaria nada desse momento. Nem um
único segundo do que aconteceu na última hora.
— Você já sabe o que vai fazer? — pergunto, lutando para
manter os olhos abertos enquanto ele afaga meu cabelo.
— Claro que sim. Primeiro, vou levar você de volta para casa,
onde posso ficar de olho. Em seguida, chamar um guindaste pra
rebocar essa lataria. Depois, vou me livrar deste carro. Quem sabe
tacar fogo, porque…
— Não se atreva a destruir o carro do meu avô. — Dou um tapa
em seu peito, mas ele logo pega minha mão, deixando um beijo na
palma antes de devolvê-la para onde estava.
— Então vamos dar o uso que ele merece, de relíquia da família.
Coloco esse calhambeque na garagem e a gente finge que coleciona
antiguidades, pode ser? Compro até outro para este aqui não se
sentir sozinho — Zach sugere, e o fato de ele estar fazendo planos
para nós faz um quentinho tomar conta de mim.
— Não quero torrar seu dinheiro com carros que nunca vou dirigir.
Acho um desperdício — comento, controlando o sorriso. — Ainda
prefiro o chihuahua. Talvez se pegarmos um filhotinho, o Konig possa
se acostumar com a companhia.
Zachary não perde o intuito do meu comentário, tanto que ergue
um pouco as costas e olha para mim. Por vários segundos, apenas
me encara. Uma expressão surpresa toma conta de seu rosto, como
se não acreditasse no que estou dizendo. Eu também não acredito.
— Pode ser providenciado — ele diz, receoso, porém logo um
sorriso começa a se formar nos lábios avermelhados.
— Que bom. — Acaricio seu queixo devagar, sentindo os pelos
da barba começarem a crescer de novo. — Mas minha pergunta
inicial era em relação a todo o caos que se formou hoje.
Volto ao assunto chato.
— As providências já foram tomadas antes de eu chegar aqui.
Como falei, quebrei o contrato com a Red Law e, consequentemente,
com Oliver. Não quero fazer negócios com aquele pote de merda,
muito menos depois de tudo o que você me contou. — Assinto com a
cabeça. — Só espero que isso não prejudique os negócios com
Damon Cooper. Porém, só terei certeza quando isso acontecer.
Então, nada a fazer agora. Quanto ao vídeo e às fotos, mandei que
Trenton resolvesse o vazamento. Assim que voltarmos, vou avisá-lo
de que a fonte é o Oliver, para que meu primo decida como agir. É o
mínimo que ele deve depois de falar tantas merdas pra você. Pelo
que vi do vídeo e das fotos, não dá para garantir que é você. Então,
temos duas opções: negar até a morte ou processar Oliver por vazar
conteúdo íntimo sem o seu consentimento. De qualquer forma, não
ficaremos quietos.
— E se tudo isso prejudicar a reputação dos King? — quero
saber.
Zachary não responde de imediato, apenas se senta no banco,
mantendo-me no seu colo. Agora, com uma perna de cada lado de
seu corpo, encaro-o com interesse.
— Gaia, nós vamos resolver tudo. A influência da família não vai
ser arruinada por algo assim. A questão é que segredos trazem
aborrecimentos, e preferimos evitar isso. Agora, você tem mais
algum segredo problemático que eu precise saber? Um filho perdido,
uma postagem de cunho político questionável? — ele pergunta com
uma sobrancelha erguida.
— Não. Sem filhos… ainda. E nunca fui muito ativa nas redes.
Ah, tem meus pais. — Zachary me olha de forma preocupada, já
esperando alguma bomba. — Apenas a nível de esclarecimento,
preciso avisar que eles eram professores de escola pública, de anos
iniciais, antes de se aposentarem. Como se não fosse loucura o
bastante pegarem todas as economias e se mudarem para o
Tennessee, também resolveram abrir um bar country — revelo. —
Não que isso seja problemático o suficiente. Só que, como eles não
sabem dançar direito, sempre estão passando vergonha. Sem falar
que forçam sotaque para fingirem que são locais, o que eu acho um
tanto complicado.
— Seus pais são cowboys falsos? — Assinto de leve, vendo um
sorriso se abrir na boca que amo. — Já sei que vou adorá-los, Gaia
— ele fala com os olhos presos aos meus. — Mas nem se eles
fossem toureiros isso iria importar. Nada vai mudar o que sinto por
você, nem o que estamos construindo.
A frase faz meu coração flutuar dentro do peito. Sem conseguir
resistir, me aproximo ainda mais de seu rosto, encostando meus
lábios aos dele.
— E o que estamos construindo, senhor King? — pergunto
baixinho.
— Uma vida.
Vida em Nova York
A sua fonte de informações sobre a cidade que
nunca dorme

Isso não é um treinamento. Repito, isso não é um treinamento!


Zachary e Gaia estão noivos!
Um ano depois de terem assumido publicamente o
relacionamento, meu casal preferido confirmou os rumores de que há
um casamento em vista. Após ser fotografada com um anel de
diamante azul — enorme, por sinal —, todos os veículos de imprensa
se perguntaram se Gaia havia dito “sim”. Os dois mantiveram silêncio
durante algumas semanas, mas ontem finalmente confirmaram
nossas suspeitas.
Só que, para a tristeza geral da nação, o casamento se limitará a
uma cerimônia íntima, reservada apenas à família. A data e o local
também não foram revelados, muito menos os planos para a lua de
mel.
Vale relembrar que Zach e Gaia sofreram bastante com a pressão
da mídia no início do namoro. Acusada de estar com nosso
queridinho apenas para beneficiar seu ex-namorado, a atual
funcionária do Le Bernadin foi vítima de vários ataques on-line, que a
chamaram de interesseira, caça-dotes, aproveitadora e outros
sinônimos.
Durante todo o tempo, Zachary defendeu sua amada e rebateu os
comentários, alegando que tudo não passou de uma grande
armação de Oliver Cooper. O filho do executivo do ramo de cinema
tinha uma vendeta com o herdeiro dos King. Por isso, fez o que pôde
para manchar o nome de Gaia e, assim, prejudicar o relacionamento
dos dois.
E depois dizem que nós somos as barraqueiras…
De qualquer forma, sempre estive do lado de Gaia! Afinal, se ela
conseguiu agarrar um King, por que nós, mulheres comuns, não
podemos ficar com os outros primos ainda disponíveis?
Então, vamos manter aquele velho ditado em mente: a esperança
é a última que morre.
Epílogo

Zachary

Um ano e meio depois…


— Eu não vou me casar com você, Zachary! — Gaia diz pela
terceira vez, andando de um lado para o outro do bar country.
Olho para o meu pai, que parece tão bem-humorado quanto eu,
enquanto bebe um gole do seu whisky. Ao lado dele, Gavin, o pai de
Gaia, faz a mesma coisa, tão relaxado quanto nós dois.
— Meu amor — falo com a voz mansa, recostado no bar e
apoiando a cabeça na mão —, se não tiver casamento, o que você
pretende dizer aos quarenta convidados que virão amanhã? Que
desistiu?
— Claro que não — ela rebate, parando de andar e colocando as
mãos na cintura. Mas é o modo como me encara que me faz ter
vontade de rir. — Vou falar a verdade: que me recuso a casar com
um louco. Não quero que meus futuros filhos herdem esse gene
problemático. Sem ofensa, Harvey.
— Não fiquei ofendido, querida. Mas não vejo loucura na
proposta do Zachary. — Meu velho dá seu apoio, pelo que me sinto
muito grato.
— Monica, pelo amor de Deus, me ajuda! — Gaia apela para a
minha mãe, mas ela também não parece inclinada a ceder. Apenas
dá de ombros.
— Ah, querida… — Mamãe se levanta da cadeira do bar, se
aproximando de Gaia, segurando-a pelos braços de forma carinhosa.
— Você e Zachary estão juntos há um ano e meio. Até parece que
não conhece o homem com quem vai se casar.
— Com quem eu ia me casar — Gaia frisa o verbo, olhando para
mim de cara feia. — Já disse que não vou dizer “sim” para um
homem mentalmente instável. Mãe? — Ela olha para Doris, que
também parece mais interessada em dobrar os guardanapos de
pano em formato de cisne do que contribuir com o rompante da filha.
— Acho que você está fazendo tempestade em um copo d’água,
meu bem. Nunca ouvi ninguém reclamar por não assinar um pré-
nupcial antes.
Gaia abre e fecha a boca algumas vezes, como se não tivesse
uma resposta na ponta da língua.
— Mas a imprensa… — ela começa a falar, querendo nos
convencer do que pensa. Está na hora de encerrar a discussão
boba, por isso me levanto e me aproximo da minha noiva.
Minha mãe se afasta, deixando um tapinha leve no meu rosto
antes de voltar para junto de Doris e para a tarefa de dobrar
guardanapos.
— A imprensa vai continuar falando, amor. Por que está tão
preocupada? — pergunto, envolvendo-a pela cintura.
— Porque não quero que todos pensem que estou com você por
conta dos seus milhões — ela declara, franzindo o cenho.
— Bilhões. — Deixo um beijo rápido em sua boca. — E não faz
diferença. Você nunca vai me deixar mesmo… — Dou de ombros.
— Além de louco, é convencido. Onde fui me meter? — Gaia
apoia a testa em meu peito, soltando o ar em resignação.
— Isso significa que você vai se casar comigo amanhã?
— Claro que não! — Ela se afasta, colocando as mãos no quadril
de novo. — Já disse que só me caso com você se tiver um contrato
pré-nupcial assinado, garantindo que não vou roubar todo o seu
dinheiro.
Escuto meu pai gargalhar atrás de nós e preciso me controlar
para não fazer o mesmo. Porque, se eu fizer, corro o risco de parar
na ponta de uma faca.
Não vou negar e dizer que o último ano foi fácil. Na verdade, foi
uma montanha-russa de altos e baixos, lidando com a imprensa e
com as loucuras da minha família. Mesmo assim, Gaia e eu
permanecemos juntos durante todo o processo, enfrentando os
problemas e fazendo aquilo que prometemos: construindo uma vida
juntos.
Assim que o verão acabou, ela se mudou para o meu — agora
nosso — apartamento. E, como prometido, comprei um chihuahua
filhote, o Prinz. Konig levou algumas semanas para se acostumar
com o invasor, mas acabou relaxando quando percebeu que não
precisava mais ser o cão de guarda da casa.
Enquanto minhas funções na IK aumentavam, Gaia também foi
crescendo profissionalmente. Ela conseguiu terminar o curso de
gastronomia que tanto sonhou — usando o dinheiro que conseguiu
por ter trabalhado nos Hamptons. Depois, garantiu um estágio em
um restaurante famoso, onde tem se saído muito bem. Inclusive,
minha noiva foi efetivada na semana passada, como sous   chef do
lugar. Gaia deveria voltar a trabalhar lá assim que voltássemos da
nossa lua de mel.
Mas eu mudei os planos. Ela ainda não sabe, porém, meu
presente de casamento será um restaurante só dela. Tenho certeza
de que enfrentarei uma briga enorme pela frente para que Gaia
aceite, então, resolvo ceder às maluquices dela por enquanto.
— Tudo bem, meu amor, você tem razão — digo, fingindo estar
convencido.
— Sério? — Gaia me encara, sem acreditar que venceu a briga
tão fácil.
— Só tenho uma exigência. Duas, na verdade — acrescento. —
Pai, pode anotar para passar aos nossos advogados? — Recebo um
aceno de cabeça antes de continuar. — A primeira é que, se nós
tivermos filhos, o contrato será anulado na hora.
— Justo. Se for pelas nossas futuras crianças, aceito ser
bilionária — ela diz, revirando os olhos.
— E a segunda é que, se você passar os primeiros cinco anos de
casamento sem usar uma faca contra mim, também anularemos o
contrato.
Desta vez, Gaia solta uma gargalhada sonora. Então, passa os
braços em volta do meu pescoço e fica na ponta dos pés,
aproximando nossas bocas.
— Não posso prometer nada, cowboy. — Ela dá um peteleco no
meu chapéu, fazendo a aba se afastar um pouco do meu rosto.
— Eu posso prometer muitas coisas — digo baixinho, para que
apenas ela ouça. — Uma delas é que vou te fazer muito feliz daqui
para frente.
Desde que a conheci, Gaia me deu tudo o que eu sempre quis.
Por isso, quando a pedi em casamento, ela só teve uma exigência:
que nos casássemos aqui, no bar de seus pais. Dessa forma, eu
poderia realizar meu sonho de infância. Nem que fosse por um dia.
— Você já me faz a mulher mais feliz do mundo, senhor King.
— Ainda não é o suficiente, futura senhora King — garanto. —
Quero te dar tudo, Gaia. Colocar o mundo a seus pés.
— Já tenho tudo o que quero bem aqui.
Ela cola a boca na minha pela milionésima vez desde que nos
conhecemos. Mas ainda não é o suficiente. Nunca será. Porque Gaia
é muito mais do que o amor da minha vida. Ela é a minha obsessão.
Agradecimentos

Senta que lá vem agradecimento pra caramba.


A você, que acabou de ler este livro, muito obrigada por chegar
até o fim. Espero que tenha se apaixonado por Zach e Gaia.
Às minhas betas — Jess, Andressa, Mel e Dany —, que
aturaram meus surtos de ansiedade, vocês são maravilhosas. Não
sei o que seria de mim sem vocês, meninas. Obrigada por tudo! Amo
muito vocês.
Tábata, minha vinhadinha, te encontrar foi um dos maiores
presentes que esta vida me deu. Obrigada por estar sempre ao meu
lado, me segurando quando as coisas estão difíceis e fazendo piada
quando tudo está tranquilo. Mais do que uma sócia, você é uma das
minhas amigas mais queridas. Ainda bem por você estar no meu
time.
João, obrigada pelo vibecheck quase que diário e por sempre se
despedir dizendo que me ama. Não tenho palavras para explicar a
importância que você tem na minha vida. Mas quero seus abs em
uma capa futura!
Sajica, obrigada por sempre fazer as melhores capas. Ninguém
me entende como você! E a melhor parte das nossas reuniões
criativas é quando não falamos de trabalho e só fazemos fofoca.
Obrigada por não deixar o Hitchcock aparecer no vídeo!
Bah, só você pra revisar um livro com mais de 120 mil palavras
em tempo recorde. E obrigada por ser tão chata quanto eu. É tão
bom ter alguém com quem desabafar, né?
Às minhas parceiras, muito, muito, muito obrigada! Vocês são
maravilhosas demais! Obrigada por cada postagem, cada resenha,
cada story… Vocês fazem toda a diferença.
Ao meu grupo de leitores, amo muito vocês! Obrigada pelo
carinho e pelo apoio de sempre. Vocês são incríveis!
Esta parte aqui não é um agradecimento, e sim uma reclamação
— como eu havia prometido. Marcela, minha querida psicóloga, você
está dificultando a minha vida. Meus personagens estão
emocionalmente estáveis, e a culpa disso é sua! Escrever clímax é
difícil quando todos querem sentar, conversar e expor os sentimentos
de forma madura! Assim não dá, querida. Assim. Não. Dá. Daqui a
pouco todos os meus livros vão ter que acabar em acidentes
trágicos, porque tá difícil.
Às minhas amigas — Cássia, Crys, Lucy, Gisa e Vall —,
obrigada por ouvirem meus surtos, por compartilharem o peso da
minha ansiedade, por me ajudarem quando tudo parece prestes a
desmoronar e por não desistirem de mim quando eu passo semanas
em isolamento. Obrigada por me ouvirem sempre. Amo vocês,
meninas.

Agora, espero vocês no próximo lançamento.


Ainda não tenho certeza de qual será. Veremos…
Sobre o autor
Mari Monni
 

é escritora de romances, colecionadora de canecas e amante de


batata frita. Em 2018, abandonou sua vida de professora para se
dedicar às palavras escritas em vez das faladas. Nascida no Rio,
mas apaixonada pela vida no interior, é mãe solo de uma filha
princesa e de um filho canino.

Desde que criou coragem e lançou sua primeira obra, não para de
escrever histórias com humor, que fazem com que os leitores sintam
coisinhas gostosas lá embaixo e sempre encontrem um final feliz.
Hoje, tem mais de vinte romances publicados.

Aprendeu que os livros podem ser bons companheiros em tempos


difíceis e brinca que seu Kindle é seu melhor amigo. Leitora de
carteirinha, está sempre em busca de um novo crush literário –
enquanto lê, também quando escreve.

Viciada em café, Coca Cola, livros e sorrisos, Mari é uma


capricorniana workaholic, que não para de ter ideias para as
próximas histórias.

Siga a Mari nas redes sociais:

Instagram: @marianamonni

TikTok: @marimonni

Twitter: @marimonni

Livros deste autor


Com amor, Cat
 
Querida leitora,

Preciso de ajuda, porque não aguento mais resistir. Estou


completamente apaixonada por um homem que nunca vi na vida. Há
meses nós trocamos e-mails e mensagens. Sério, o Senhor Sem
Nome domina meus pensamentos. Acordo pensando nele, durmo
pensando nele e suas mensagens são a melhor parte do meu dia.
Mas agora ele quer me conhecer pessoalmente. É claro que eu
também quero saber quem ele é, só que não posso arriscar perder a
única coisa boa que tenho na vida. Nós últimos meses, Senhor Sem
Nome se tornou essencial. Como é possível que apenas algumas
palavras sejam capazes de fazer com que você fique apaixonada por
alguém? Acho que estou enlouquecendo… O que eu faço?

Com amor, Cat.

Uma Chance Para Amar


 
Foi em uma festa que a vida de Laura mudou. Em meio a comidas
gostosas, risadas e taças de champagne, ela o viu do outro lado do
salão. Seus olhos não se desgrudavam, a tensão estava no ar… e,
então, se encontraram no banheiro.

Uma loucura, daquelas que nunca havia se permitido fazer. Sem oi,
sem trocar nomes, sem nada. Apenas o desejo incontrolável.

Ela só não esperava que ele fosse Eduardo Müller, o chefe de sua
melhor amiga.

Mas agora aquele homem maravilhoso está decidido a conquistá-la


de qualquer jeito, mesmo que Laura seja mãe-solo de gêmeos,
esteja desempregada e tenha mais traumas do que a maioria das
mulheres de vinte e seis anos.

Seu passado não foi gentil, mas Eduardo veio para provar que seu
futuro pode ser tudo aquilo que ela sonhou. Basta apenas que Laura
se permita uma chance para amar.

Aquele Beijo
 
Quando se tem uma vida inteira planejada à sua frente, nada pode
interromper o que está por vir.

Certo?

Lola estava realizando seu sonho de conhecer a Irlanda, tinha


acabado de completar dezoito anos e estava começando a
faculdade.

Mas então veio aquele beijo...

Um beijo capaz de fazer com que ela perdesse o chão e sentisse,


pela primeira vez, a sensação gostosa de finalmente estar completa.

Só que sua família já tinha decidido o que seria melhor para ela.

Carrick Griffin sabia como seria sua vida e não estava nada feliz com
o que havia sido posto em seu caminho. Porém, já estava
conformado. Afinal, ele era o herdeiro de um império.

Mas então veio aquele beijo...

Um beijo capaz de fazer com que ele se sentisse diferente. Todas as


suas convicções e responsabilidades perderam foco e ele só
conseguia pensar naquela brasileira.

Um momento.

Um desencontro.

Um destino já traçado.

E nenhum dos dois consegue esquecer aquele beijo...

Nunca Vou Me Apaixonar


 
Todo mundo já sofreu por amor. Comigo não foi diferente. Só que,
em vez de ficar sofrendo, resolvi fazer um pacto com meus dois
melhores amigos:

Nunca vou me apaixonar.

Desde então, levo minha vida de forma descomplicada: muitas


mulheres, zero envolvimento.

Prazer, me chamo clichê ambulante.

Mas não desista de mim ainda. Não sou tão superficial assim… As
coisas começam a mudar radicalmente quando conheço minha nova
vizinha. Ela é linda, inteligente e sexy até o último fio de cabelo ruivo.
O único problema é que Clara é virgem. Ou seja, minhas táticas de
sempre não funcionarão com ela.

Agora, só me resta sofrer, porque esta será a história de um


cafajeste apaixonado sendo obrigado a levar uma vida celibatária.
Não sei quanto tempo vou aguentar.

ATENÇÃO:

Não leia este livro em público se você não quer passar vergonha. Ele
vai te fazer gargalhar alto e sentir as famosas borboletas no
estômago. A autora não se responsabiliza caso você fique
completamente apaixonada por Dante e Clara.

Aquiles
 
“Parabéns, você é papai.”

Em poucas palavras, o mundo de Aquiles virou de cabeça para


baixo.

Até agora, seu único objetivo era deixar de ser apenas um Herói e se
tornar um Deus do Olimpo. Os treinos eram exaustivos e as horas,
longas: não é fácil ser um lutador profissional de Jiu-Jitsu.

Se ele achou que essa seria a maior dificuldade de sua vida, então
terá uma surpresa.

Para Ana Júlia, aquele era apenas mais um dia de trabalho. Porém,
quando seu consultório foi invadido pelo homem mais lindo que já viu
na vida, tudo mudou. Não só por conta dele, mas pelo fato de que
trazia um recém-nascido no colo.

“Ele foi abandonado”, era tudo que aquele “deus grego” conseguia
dizer.

Como médica, ela não pode se apegar. Mas quando a sua vida e a
de Aquiles se entrelaçam, nada mais é garantido.

Dionísio
 
Eles se odeiam, mas é impossível controlar a atração.

Foi em um casamento que se conheceram. Flora era a madrinha.


Dionísio, o segurança.

Se o primeiro encontro já não foi amigável, tudo piora quando ele é


contratado para ser o guarda-costas dela. Agora, Dionísio vai aonde
ela for. De terno bem-alinhado e sempre com um sorriso safado no
rosto, Flora tem vontade de enforcá-lo com a própria gravata, ou
então de arrastar aquele maldito para o quarto e obrigá-lo a fazer
melhor uso da boca. Ela ainda não se decidiu.

Por outro lado, Dio sabe muito bem o que quer: irritar a princesinha a
todo custo. Ela é mimada, chata e possivelmente a mulher mais linda
que já conheceu. Só que isso não importa.

Nenhum dos dois quer se envolver, mesmo que resistir esteja cada
vez mais difícil. E quando a vida de Flora fica em perigo, Dionísio
será o único capaz de mantê-la em segurança.
Casada Por Acidente
 
É possível ser casada e não saber?

Se tem uma coisa que Alice Warrington vai descobrir é que esse tal
de Inferno Astral realmente existe. Ela nunca foi uma mulher
supersticiosa. Seu trabalho exige muita lógica e atenção para perder
tempo com coisas tão banais quanto o destino.

Até que tudo em sua vida parece desmoronar no espaço de uma


semana e ela se vê frente a frente com uma situação que nunca
pensou que aconteceria: ela é uma mulher casada.

Como assim, casada? Ela não entrou na igreja e disse "aceito" para
ninguém, nunca esteve em um relacionamento por mais de duas
semanas, nem mesmo foi a Las Vegas. Como ela pode estar casada
e sequer saber quem é seu marido?!

Com sua vida em ruínas, ela vai atrás do homem que pode ter as
respostas para suas perguntas. O que não esperava era encontrar
aquele espécime de um metro e noventa, tatuagens pelo corpo todo
e um sorriso de derreter calcinhas.

De repente, estar casada pode não ser tão ruim assim...

Alerta: fique longe desse livro se você não gosta de personagens


femininas fortes nem de homens lindos, tatuados e cheios de amor
pra dar.

Para Sempre Vinte e Nove


 
Ah, a crise dos trinta... Quem nunca?

Se você ainda não chegou lá, prepare-se: vai acontecer.

Antes de completar trinta anos, todo mundo surta. No meu caso, foi
muito mais do que isso. Fui tomada por uma crise existencial que
mudou minha vida. Por isso, faltando alguns meses para o tão
temido dia, resolvi fazer uma lista de trinta coisas a fazer antes dos
trinta.

Com a ajuda de Nicholas, meu melhor — e único — amigo, irei riscar


cada um desses itens. Só que a minha história não para por aí.
Esses meses são intensos, cheios de descobertas e altas
revelações.

Afinal, não é todo dia que você percebe que está completamente
apaixonada pela única pessoa que não deveria.

Minha Ruína
 
Nada na minha vida é simples. Nunca foi. Só que agora o destino
parece estar de sacanagem com a minha cara.

Eu passei anos confinado, sem saber quem eu era, apenas para ver
minha mãe ser assassinada na porta de casa e descobrir da forma
mais inesperada possível que o meu pai é um Don da máfia italiana.
Não só isso: ele quer que eu e meus dois irmãos entremos para a
família.

Mas, como eu disse, nada na minha vida é simples, e uma de suas


exigências é que eu me case com uma mulher que mais parece uma
freira.

A Família Rossi é cheia de segredos e tradições, mas eu sou Sage


Wilder, e nunca soube muito bem como seguir regras...

Meu
 
Cinco livros.

Cinco casais.

Cinco romances quentíssimos e de tirar o fôlego.

A série Meus Amores traz as histórias das meninas da Banda


Estrogenium. Cinco mulheres determinadas e muito bem resolvidas,
que vão se permitir viver algo intenso e inesperado.

Mika e Henrique se conhecem da forma mais estranha possível:


através de uma janela. Sem conseguir desgrudar os olhos do vizinho
da frente, eles começam um relacionamento diferente e voyeurístico,
mas tudo começa a ficar ainda mais intenso quando se veem pela
primeira vez.

Quando Sissi se vê no meio de uma estrada deserta e com o ônibus


da turnê quebrado, a solução é chamar um mecânico. Mas o que
aparece na sua frente é o homem mais irresistivelmente safado que
ela já conheceu na vida. Por uma semana, eles vão ter que conviver,
e não há nada que irá conseguir controlar a paixão avassaladora
entre a patricinha da cidade grande e o homem mais indecente da
cidadezinha do interior.

Baby tem tudo planejado. Perder o controle nunca esteve nos seus
planos. O problema é quando ela conhece Alexandre e todas as
suas “faces”. Porque ele não é apenas um professor, ele é insaciável
e tem fetiches que farão com que ela descubra um lado novo, que
nunca imaginou ter.

Malala sempre quis ser passista de uma grande escola de samba,


mas quando se vê forçada a passar o carnaval em família, seus
sonhos parecem ir por água abaixo. O que ela não esperava era que
seu “priminho” pudesse despertar nela vontades nunca antes
sentidas. Só tem dois problemas: ele é o melhor amigo de sua
irmã… e virgem!

Quando Bertha e Cauê anunciam para a família Estrogenium que


irão se casar em três dias, todo mundo surta! Principalmente porque
acreditam que ela está grávida. Porém, há muita coisa no
relacionamento dos dois que ninguém nem imagina. E eles estão
prontos para conquistarem o sonhado “felizes para sempre”.

Venha conhecer essa série engraçada, romântica e quente. Cuidado


com as calcinhas, meninas, porque elas vão pegar fogo!

Você também pode gostar