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Direito da União Europeia

Prof. Doutora Maria Luísa Duarte

Aula de 24 de Março de 2020

Sumário: Pontos 8.1 e 8.2 do Programa

I. Tópicos de análise

8. Instituições, órgãos e organismos


8.1. Parlamento Europeu (PE)
- Bases jurídicas: artigo 14.º TUE; artigos 223.º e segs. TFUE
- Composição: desde 1979, composto por representantes dos cidadãos da
União, eleitos por sufrágio universal, directo e secreto, por um mandato de
cinco anos (v. artigo 14.º, n.ºs 2 e 3, TUE)
• A eleição decorre em cada Estado-membro de acordo com as leis
eleitorais aplicáveis na ordem jurídica interna, embora o artigo
223.º, n.º 1, TFUE, preveja um processo eleitoral uniforme ou
convergente que nunca foi aprovado
• O PE é composto, no máximo, por 751 deputados (v. artigo 14.º,
n.º 2, TUE). Após o Brexit, o PE ficou reduzido a 705 deputados;
o contigente britânico (73 deputados) foi repartido (27 lugares)
entre 14 EM e os restantes 46 lugares constituem uma reserva para
os futuros alargamentos
• A repartição dos lugares entre os EM segue um duplo critério:
equidade demográfica e, por outro lado, garantia de um desejável
equilíbrio entre Estados de pequena, média e grande dimensão, no
quadro do princípio da proporcionalidade degressiva (v. artigo
14.º, n.º 2, TUE). O EM mais populoso, a Alemanha, tem 96
deputados; os EM menos populosos, Chipre, Luxemburgo e Malta,
têm 6 deputados; Portugal conta com 21 deputados (v. artigo 14.º,
n.º 2, TUE sobre o procedimento de aprovação pelo Conselho
Europeu de determinação da exacta composição do PE)
- Organização e funcionamento: grupos políticos formados em função do
critério agregador, ideologia e afinidade política e não com base no critério
da nacionalidade; principais famílias políticas: Partido Popular Europeu,
Socialistas, Renovar a Europa, Verdes, Grupo Identidade e Democracia,
Conservadores e Reformistas Europeus, Esquerda Unitária Europeia
• PE divide o seu funcionamento por três locais diferentes:
Estrasburgo (12 sessões plenárias/ano), Bruxelas (sessões
suplementares / reuniões das comissões parlamentares),
Luxemburgo (secretariado-geral) – v. Protocolo n.º 6 e artigo 341.º
TFUE
• Quórum (v. artigo 155.º TFUE)
• Regras de deliberação [v. artigos 231.º TFUE; 294.º, n.º 7, al. b),
TFUE; 234.º TFUE]
- Competências: vocação expansiva e características típicas de um órgão
parlamentar que, na boa tradição ocidental, se arroga mais e mais poderes na
relação com os órgãos de perfil governativo, baseado numa aspiração de
mais e melhor democracia, dado tratar-se da única instituição integrante do
quarteto institucional de decisão política (PE / Comissão / Conselho Europeu
e Conselho da União, v. artigo 13.º, n.º 1, TUE) que tem legitimidade
democrática directa. Dois problemas se colocam e merecem reflexão: 1) o
clássico défice democrático, resultante de um certo desencontro entre esta
legitimidade democrática qualificada e o rol de poderes do PE que será
limitado, apesar da conquista de novas competências nas sucessivas revisões
dos Tratados, se comparado com os parlamentos nacionais das democracias
representativas; argumento a considerar: a UE não é um Estado, pelo que não
é adequado presumir ou desenhar um PE com poderes decalcados da matriz
estadual do órgão parlamentar; 2) o sucessivo e contínuo reforço dos poderes
do PE, maxime no domínio do processo de aprovação de actos legislativos,
tem como reverso da medalha o gradual esvaziamento das correspondentes
competências de nível estadual, implicando uma preocupante erosão do
papel dos parlamentos nacionais no funcionamento das democracias
representativas; argumento a considerar – no sentido de mitigar este efeito,
a participação dos parlamentos nacionais no processo legislativo (v.
Protocolos n.º 1 e n.º 2, anexos aos Tratados)
• Nos termos do artigo 14.º, n.º 1, TUE, o PE dispõe de:
- poderes de função legislativa (v. artigo 289.º TFUE)
- poderes de função orçamental (v. artigo 314.º TFUE)
- poderes de controlo político (v. artigo 234.º TFUE; v. artigos 226.º e
227.º TFUE)
- poderes de natureza consultiva [v.g. artigo 289.º, n.º 2; artigo 218.º,
n.º 6, al. b), TFUE]
• PE e iniciativa contenciosa: participa no processo de controlo
jurisdicional da legalidade eurocomunitária como recorrente (v.g.
artigos 263.º, 265.º TFUE) e como recorrido (v.g. artigos 263.º, 265.º,
268.º, TFUE). Ou seja, pode desencadear o controlo junto do TJUE,
mas é, em nome de um critério elementar de paralelismo e princípio
da legalidade, escrutinado no exercício das suas competências
decisórias que produzem efeitos jurídicos
• PE e Parlamentos nacionais (v. artigos 9.º e 10.º do Protocolo n.º 1,
anexo aos Tratados, sobre a cooperação interparlamentar)

8.2. Conselho Europeu


- Bases jurídicas: artigo 15.º TUE; artigos 235.º-236.º TFUE
- Origem: das cimeiras intergovernamentais ao estatuto de superinstituição
no quadro do Tratado de Lisboa (marca indelével de uma opção dos EM pelo
modelo de pendor intergovernamentalista no sistema de governação da UE,
em detrimento, sobretudo, do estatuto da Comissão e da dimensão
integracionista ou supranacional do governo da União)
- Natureza jurídica: instituição da União (v. artigo 13.º, n.º 1, TUE) de
direcção política
- Composição: Chefes de Estado ou de Governo (no caso de Portugal, e com
base na CRP, é o PM enquanto responsável pela condução da política externa
do País – v. artigo 191.º, n.º 1, al. b) e artigo 201.º, n.º 1, al. c), CRP), o
Presidente do Conselho Europeu e o Presidente da Comissão (v. artigo 15.º,
n.º 2, TUE). O Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros
e a Política de Segurança (ARU) participa nos trabalhos. O Presidente do
Conselho Europeu e o Presidente da Comissão não têm direito de voto (v.
artigo 235.º, n.º 1, TFUE). A presença de ministros e de um membro da
Comissão depende de decisão dos membros do Conselho Europeu “quando
a ordem de trabalhos o exija”, ou seja, quando a discussão exige uma
assessoria técnica
- Presidência: o Conselho Europeu adquiriu com o Tratado de Lisboa uma
presidência permanente que substitui o anterior formato das presidências
semestrais e rotativas que apenas se mantém para o Conselho (de Ministros).
O Presidente é eleito pela instituição por maioria qualificada, por um
mandato de dois anos e meio, renovável uma vez (v. artigo 15.º, n.º 5, TUE).
Actualmente, exerce esta função o belga Charles Michel. Uma espécie de
Presidente da União, a sua relevância política e visibilidade no complicado
tabuleiro de xadrez que é a estrutura institucional de direcção política da
União depende de vários factores, uns objectivos outros subjectivos
- Organização e funcionamento: reúne duas vezes por semestre, salvo
situação que justifique uma reunião extraordinária do Conselho Europeu
(v.g. reunião de 20/21 de Fevereiro de 2020 sobre a discussão do quadro
orçamental de longo prazo de 2021/2027, convocada para desbloquear um
impasse que se manteve e cuja razão principal, a fractura entre Estados ditos
“frugais” e Estados sociais, se tornará, porventura, mais fácil de esbater no
contexto do resgate da economia europeia contaminada pela Covid-19)
- Regra de deliberação: consenso, diferente de unanimidade porque dispensa
a votação por parte dos altos representantes dos EM (v. artigo 15.º, n.º 4,
TUE), salvo previsão pelos Tratados em sentido contrário (v.g. artigo 235.º,
n.º 3, TFUE; artigo 17.º, n.º 7, TUE; artigo 50.º, n.º 3, TUE)
- Competências: o Conselho Europeu é responsável pelos impulsos
necessários ao desenvolvimento e à definição das orientações e prioridades
políticas gerais da União (v. artigo 15.º, n.º 1). Ou seja, esta instituição é o
motor da acção política da União, não podendo exercer a função legislativa
que, na relação com esta actividade específica de indirizzo político, surge
como uma função de concretização (v. artigo 15.º, n.º 1, in fine, TUE). Na
qualidade de instituição de missão exclusivamente política, o Conselho
Europeu exerce um vasto conjunto de poderes e prerrogativas que podemos
agrupar em torno de duas funções principais:
1) Estatutária: no sentido em que o Conselho Europeu pode decidir
sobre o estatuto jurídico da União, adoptando decisões que alteram
a Parte III do TFUE (v. artigo 48.º, n.º 6, TUE, o que aconteceu
com o aditamente do n.º 3 ao artigo 136.º TFUE, introduzido por
decisão de 25 de Março de 2011 no contexto da crise do euro
subsequente à crise financeira de 2008) ou que substituem a
exigência da unanimidade pela regra da maioria qualificada (v.
artigo 48.º, n.º 7, TFUE). Igualmente com impacto no estatuto
jurídico da União, relativamente à sua composição como
associação de Estados soberanos, v. poderes do Conselho Europeu
no âmbito do alargamento (v. artigo 49.º TUE) e do processo de
retirada (v. artigo 50.º TUE, activado uma única vez por ocasião da
saída do Reino Unido, o Brexit). Por outro lado, o Conselho
Europeu intervém, de modo directo e decisivo, na escolha das
lideranças europeias (v. o seu próprio Presidente, artigo 15.º, n.º 5,
TUE; o ARU, artigo 18.º, n.º 1, TUE; proposta para candidato a
presidente da Comissão e nomeação da Comissão, artigo 17.º, n.º
7, TUE; nomeação do presidente, vice-presidente e vogais da
Comissão Executiva do BCE (v. artigo 283.º TFUE); delibera ainda
sobre as formações do Conselho (v. artigo 236.º TFUE) e sobre a
eventual adopção no futuro do modelo de rotação na composição
da Comissão (v. artigo 17.º, n.º 5, TUE)
2) Impulsão política: manifesta-se, em especial, no domínio da
governação económica (v. artigo 121.º, n.º 2, TFUE) e das relações
externas da União (v. artigo 22.º, n.º 1, TUE). Mesmo que a
competência esteja atribuída pelos Tratados ao Conselho (de
Ministros) uma situação de bloqueio de nível ministerial terá de ser
ultrapassada por decisão política do Conselho Europeu (v. outro
exemplo recente, o da reunião extraordinária, e pela primeira vez
realizada por videoconferência, de 26 de Março de 2020 sobre a
procura das bases de um acordo para a criação de títulos de dívida
conjunta, Eurobonds, que não foi possível obter no nível
ministerial reunido no Eurogrupo e outros instrumentos de
sustentação das economias europeias, com oposição publicamente
assumida por parte dos “suspeitos do costume”, Alemanha e
Holanda). Fiel à tradição que ditou a sua criação e
institucionalização, o Conselho Europeu é a instância última de
negociação directa entre os Estados-membros, divididos pela
pulsão centrífuga dos respectivos interesses e diferenças; em
termos de igualdade entre Estados-membros e construção
democrática de estratégias de convergência, a negociação no seio
do Conselho Europeu é, decididamente, preferível a uma
negociação de directório em que alguns EM, por vezes apenas dois
(eixo franco-alemão), ou só um (o eixo “germânico-alemão”), à
margem das regras inscritas nos Tratados, preparam decisões para
mera ratificação pelos demais EM, reunidos no Conselho Europeu
- Tipologia dos actos do Conselho Europeu: declarações, resoluções,
orientações, decisões atípicas, porque distintas das decisões na acepção do
artigo 288.º TFUE (Conselho Europeu não adopta regulamentos nem
directivas)

II. Leituras
• Maria Luísa DUARTE, União Europeia..., cit., p. 156-187
• Luís SÁ, Espaços de Poder e Democracia, Caminho, 1999
• M. SHACKLETON, “Transforming Representative Democracy in the
EU? The role of the European Parliament”, in Journal of European
Integration, 2017, n.º 39, p. 191
• B. RITTBERGER, Building Europe’s Parliament: democratic
representation beyond the Nation State, Oxford Univ. Press, 2005
• U. PUETTER, The European Council and the Council: new
intergovernamentalism and institutional change, Oxford Univ. Press,
2014.
Aula de 26 de Março de 2020

Sumário: Ponto 8.3 do Programa

I. Tópicos de análise

8.3. O Conselho (de Ministros) da União Europeia (doravante, singelamente


o Conselho)
- Bases jurídicas: artigo 16.º Tue e artigos 237.º-243.º TFUE
- Composição: um representante por cada EM de nível ministerial (ou sub-
ministerial desde que dotado de poderes para vincular o Governo do
respectivo EM e exercer o direito de voto – v. artigo 16.º, n.º 2, TUE);
possibilidade de delegação da representação noutro EM (v. artigo 239.º
TFUE)
- Organização e funcionamento
• Formação: Conselho dos Assuntos Gerais e Conselho dos Negócios
Estrangeiros (v. artigo 16.º, n.º 6, TUE); outras formações podem ser
criadas por decisão do CE [v. artigo 236.º, alínea a), TFUE e que,
dependendo da lista aprovada, constituem formações especializadas
do Conselho: Conselho ECOFIN, Conselho Ambiente, Conselho
Agricultura e Pescas; actualmente, no total, 10 formações]
• Presidência: à excepção do Conselho dos Negócios Estrangeiros,
presidido pelo ARU (v. artigo 18.º, n.º 3, TUE), a presidência do
Conselho é assegurada pelos representantes dos EM no Conselho, com
base no sistema de rotação igualitária. Cabe ao CE definir as regras
aplicáveis ao exercício da Presidência do Conselho [v. artigo 236.º, al.
b), TFUE]. Assim, o Conselho é presidido por grupos pré-definidos
de 3 EM para um período de 18 meses: uma troika, ou um trio, no
glossário eurocomunitário, que associa a presidência em exercício a
presidência pretérita e a presidência seguinte com o objectivo de
garantir uma estratégia de maior continuidade do que o modelo
anterior de presidências semestrais. A composição da troika obedece
a um duplo critério: 1) rotação igualitária (todos os EM exercerão as
funções de presidência); 2) consideração dos factores relativos à
diversidade e equilíbrios geográficos da União [por exemplo, Portugal
assumirá a presidência no 1.º Semestre de 2021 e terá por parceiros a
Alemanha (Julho/Dez. 2020) e a Eslovénia (Julho/Dez. 2021) – v.
Decisão 2016/1316, de 26.07.2016
• COREPER: previsto pelo artigo 16.º, n.º 7, TUE, o COREPER
(acrónimo de Comité de Representantes Permanentes) é composto por
representantes permanentes dos EM em Bruxelas que integram a
chamada REPER (embaixadores); constitui um órgão de preparação
dos trabalhos do Conselho, desprovido de poderes de decisão, salvo
sobre matéria procedimental e de organização interna nos casos
previstos no Regulamento Interno do Conselho (v. artigo 240.º, n.º 1,
TFUE). Trata-se, pois, de um órgão auxiliar, de competência
burocrática e técnica, fundamental, contudo, na condução eficiente
dos trabalhos do Conselho sobretudo no quadro do processo de
adopção de actos normativos; note-se que os representantes
permanentes (embaixadores ou outros elementos da REPER, a título
de adjuntos) podem ser assessorados por funcionários e peritos
enviados pelo Governo de cada EM em função da especificidade
técnica das matérias sob negociação
- Regras de deliberação: a maioria qualificada é a regra supletiva de votação
no seio do Conselho (v. artigo 16.º, n.º 3), podendo ainda, por força de
disposição expressa dos Tratados, votar por maioria simples (v.g. artigo
240.º. n.ºs 2 e 3, TFUE) ou por unanimidade, aplicável esta a um número
cada vez mais restrito de bases jurídicas mas que, pela sua ligação especial
com áreas consideradas sensíveis da soberania e dos interesses vitais dos
EM, pressupõem a aprovação de todos os EM (v., por exemplo, artigo 113.º
e 115.º TFUE sobre fiscalidade, artigo 42.º, n.º 4, TUE, sobre matéria de
Política Comum de Segurança e Defesa ou artigo 86.º TFUE sobre a criação
de uma estrutura permanente de Procuradoria Europeia no domínio da
cooperação judiciária em matéria penal). As abstenções dos EM, bem como
a sua eventual ausência, não são impeditivas da deliberação por unanimidade
(v. artigo 238.º, n.º 4, TFUE); relativamente às decisões por maioria simples,
o Conselho delibera com o acordo favorável da maioria dos seus membros,
ou seja 15 em 27.
• Em especial, sobre a regra da maioria qualificada (m.q.): a partir de
Novembro de 2014, o apuramento da m.q. implica a confluência de
dois vectores de representação (v. artigos 16.º, n.º 4, TUE; artigo 238.º,
n.º 2, TFUE), a chamada dupla maioria:
- 55% do membros do Conselho (a 27, são 15 EM)
- que representem, no mínimo, 65% da população total da União (o
Conselho aprova todos os anos os totais da população de cada EM com
base nos dados anuais fornecidos pelos EM
Importa ainda considerar:
- a minoria de bloqueio são, pelo menos, 4 EM que representem 35%
da população da União (a preocupação foi impedir que a Alemanha
em aliança com outro grande EM pudesse vetar a aprovação do acto
em causa)
- se a deliberação não resulta de proposta da Comissão ou do ARU, a
m.q. exige 72% dos membros do Conselho (a 27, são 19 EM) que
reúnam, no mínimo, 65% da população dos membros do Conselho
- se nem todos os membros do Conselho participarem na votação, a
m.q. é apurada nos termos previstos pelo artigo 238.º, n.º 3, TFUE que
torna mais difícil o bloqueio de uma decisão
- caducaram as regras especiais previstas no Protocolo n.º 36 (relativo
a disposições transitórias)
- por insistência da Polónia, foi aprovada uma declaração relativa ao
artigo 16.º, n.º 4, TUE e artigo 238.º, n.º 2, TFUE (dita Declaração
Ioanina II) que, aplicável a partir de 1 de Abril de 2017, ainda permite
uma modalidade alternativa de funcionamento da minoria de bloqueio
cujo intuito é, basicamente, apesar de atingido o limiar da dupla
maioria, prolongar a negociação para viabilizar uma “solução
satisfatória que vá ao encontro das preocupações manifestadas” pelos
EM que formam a “minoria perdedora” (v. Declaração n.º 7, p. 456 da
nossa Colectânea); o Protocolo n.º 9 “petrificou” o conteúdo desta
Declaração ao remeter a sua alteração ou revogação para uma
deliberação do Conselho Europeu por consenso (v. p. 381 da nossa
Colectânea)
- na prática, os actos jurídicos do Conselho (por exemplo, os actos
legislativos, como regulamentos e directivas) cuja regra de
deliberação é a m.q. são aprovados, na larga maioria das situações,
através de consenso, o que denota a vontade política de promover
soluções equilibradas, negociadas e aceitáveis para todos os EM. No
período entre 2009 e 2015, só 11% das propostas receberam o voto
contrário ou a abstenção por parte de um EM, percentagem que sobe
no caso da Alemanha (15,5%), Polónia (19,2%) e Reino Unido
(17,8%)
- o chamado Acordo do Luxemburgo, obtido já no longínquo ano de
1966, como marca do factor soberanista, na altura protagonizado pela
França sob a liderança do General De Gaulle, “converte” a regra da
maioria (simples ou qualificada) numa exigência de unanimidade
quando um ou vários EM invoque “interesses muito importantes” que
seriam postos em causa. Decorridos mais de 50 anos sobre este acordo,
podemos suscitar a questão da sua operatividade jurídica. Nos
sucessivos tratados de revisão, não existe qualquer referência ao
Acordo do Luxemburgo, o que se compreende porque nunca foi
positivado no texto dos tratados. Como expressão de
intergovernamentalismo, especialmente aplicável na sua lógica de
válvula de escape ou solução derrogatória, no contexto de um processo
deliberativo no seio do Conselho baseado na regra da maioria, parece-
-nos que subsiste a possibilidade jurídica de uma invocação do Acordo
do Luxemburgo, embora a sua eficácia de veto fique dependente da
disponibilidade dos demais EM para prorrogar a negociação e atingir
o consenso; por outro lado, o espírito do Acordo do Luxemburgo
inspirou disposições expressas que foram introduzidas pelo Tratado de
Lisboa, sempre em nome da demanda pelo consenso (v. artigo 31.º, n.º
2, § 2.º, TUE; artigo 48.º, § 2.º, TFUE; artigo 86.º, n.º 1, § 2.º, TFUE;
artigo 87.º, n.º 3, § 2.º, TFUE)

- Competências: o Conselho exerce poderes muito amplos e diferentes no


seu registo funcional, o que faz desta instituição uma instância, ao mesmo
tempo, de decisão política stricto sensu (a), legislativa (b) e executiva (c). É
a instituição da União que mais se identifica, no que respeita ao corpo dos
seus poderes, com o estatuto competencial típico dos Governos nas
democracias representativas:
a) Poderes de decisão política stricto sensu: O Conselho exerce uma
função de definição das políticas da União e da sua coordenação,
incluindo a coordenação de políticas que ainda permanecem, pelo
menos em parte, na esfera estadual de decisão (v. artigo 16.º, n.º 1,
TUE); em especial, sobre o papel primordial do Conselho no que se
refere à coordenação das políticas económicas dos EM, v. artigos 119.º
e segs. TFUE; de sublinhar a importância do ECOFIN (formação do
Conselho ao nível de Ministros das Finanças e Economia, responsável
pela política da União e dos EM nas áreas da política económica,
fiscalidade e regulação dos serviços financeiros), em articulação com
o chamado EUROGRUPO (v. infra), na definição de um modelo de
governo económico da zona euro, no rescaldo da crise financeira de
2008, e agora em torno da discussão sobre a viabilidade política e
técnica de um ambicioso plano de resgate das economias dos EM,
mormente sob a forma, o que seria a primeira vez, de verdadeiros
títulos europeus de dívida pública, de responsabilidade mutualizada
ou conjunta, os chamados eurobonds ou coronabonds; o viés político
desta decisão e, sobretudo, o impasse que se verifica no nível
ministerial há-de remeter a solução para o patamar superior de decisão
que é o Conselho Europeu. Directamente relacionada com esta função
de coordenação e decisão em matéria económica-financeira, está a
competência do Conselho sobre a aprovação do orçamento da União
(v. artigo 314.º e segs., TFUE)
Uma outra dimensão muito relevante da natureza política da
decisão que os Tratados reconhecem ao Conselho no concerto
institucional é a relativa aos poderes de vinculação internacional da
União Europeia, com intervenção nas várias fases de celebração de
acordos internacionais entre a UE e organizações internacionais ou
Estados terceiros (v. artigo 218.º, n.ºs 2, 3, 4, 6 e 9, TFUE)
b) Poderes de natureza legislativa: o processo legislativo ordinário
confia ao Conselho e ao PE, em formato de co-decisão, o poder
fundamental de aprovação de actos legislativos (v. artigo 289.º, n.º 1,
TFUE), cabendo ainda ao Conselho em vários domínios o exercício
solitário do poder de legislar, sob a modalidade do chamado processo
legislativo especial (v.g. artigo 81.º, n.º 3, TFUE)
c) Poderes de execução: o Tratado de Lisboa retirou ao Conselho a
competência de princípio em matéria executiva ao optar, e bem, por
um modelo de execução descentralizada. Nos termos do artigo 291.º,
n.º 1, TFUE, são os EM que devem tomar as medidas de direito interno
necessárias à execução dos actos juridicamente vinculativos da União;
no entanto, em “casos específicos devidamente especificados” (v.
artigo 291.º, n.º 2, TFUE), no âmbito da PESC (v. artigos 24.º e 26.º
TUE) e noutros domínios expressamente previstos pelos Tratados
(v.g. artigo 103.º TFUE; artigo 125.º TFUE), o Conselho assume
poderes de execução, para além das suas prerrogativas de decisão no
quadro da chamada comitologia (v. artigo 291.º, n.º 3, TFUE) e do
procedimento de acto delegado (v. artigo 290.º TFUE), em especial o
poder de, em parceria com o PE, revogar a delegação e fazer baquear
a Comissão como órgão preferencial ou natural de execução (v. n.º 3
do artigo 290.º TFUE)

II. Leituras

• Maria Luísa DUARTE, União..., cit., p. 187 a 211.


• Damian CHALMERS / G. DAVIES / G. MONTI, European Union
Law, 4.ª ed., Cambridge Univ. Press, 2019, p. 63-88.
• Joser de Miguel BÁRCENA, El Consejo de la Unión Europea. Poder
normativo y dimensión organizativa, Pamplona, Aranzadi, 2009.

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