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NAVEGANDO PELO

ELETROCARDIOGRAMA

Temas:

1. Princípios Básicos de Eletrocardiografia


2. Enfartes
3. Arritmias
a. Extrassístoles
b. Taquiarritmias
c. Bradiarritmias

Referências:
- Aulas de ECG do estágio no HSM;
- Hampton, J. (2013). The ECG Made Easy (8th edition). Inês Cordeiro ♡

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PRINCÍPIOS DE ELETROCARDIOGRAFIA

SISTEMA DE CONDUÇÃO DO ♡

Nodo SA (na junção da VCS e átrio direito)  Átrios


 Nodo AV (no septo IA)  Feixe de His  Ramos
direito e esquerdo  Fibras de Purkinje

O ritmo normal, com inicio da atividade


elétrica no nodo SA, denomina-se “ritmo sinusal”.

PRINCÍPIOS BÁSICOS

O ECG avalia 4 grandes componentes:

o Polaridade: representa a onda em si. Pode ser:

- Positiva, quando se aproxima do EE;

- Negativa, quando se afasta do EE;

- Isoelétrica, quando passa num ângulo de 90º.

o Voltagem: avalia o vetor resultante, a massa de miocárdio que é despolarizada.


Quanto maior a quantidade massa, maior a voltagem e, consequentemente, maior a
amplitude.

NOTA: Os QRS podem estar diminuídos em caso de derrame pericárdico, pois existe
uma linha de interface de resistência (líquido).

o Duração: avalia o intervalo entre as diversas ondas. Permite-nos identificar as


diferentes arritmias (taquiarritmias e bradiarritmias).

o Morfologia: forma das ondas. Exemplos: Q patológica (> 0,04s), onda delta no WPW,
padrão das ondas nos bloqueios de ramo direito (rSR’) ou esquerdo (RR’).

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Cada □ pequeno corresponde a 1mm.

O ECG corre a 25mm/s, logo:

É importante verificar se está bem calibrado (1mV = 10 mm)!

DERIVAÇÕES ELETROCARDIOGRÁFICAS

Existem 2 grandes planos abordados no ECG:

 Plano frontal, que corresponde a:

o DI, DII, DIII (bipolares) – formam


o Triângulo de Einthoven:

o aVR, aVL e aVF (unipolares).

Com todas as derivações no plano frontal,


temos um plano hexacial, de 30 em 30º.

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 Plano horizontal, que corresponde a:

o V1, V2, V3, V4, V5 e V6 (pré-cordiais).

A evolução de V1 para V6 segue com um aumento progressivo da onda R até V5 (que


corresponde à porção mais apical do coração), diminuindo depois em V6.

V3 pode ser considerado o ponto mais isoelétrico e que de certa forma representa
meio caminho no plano pré-cordial.

3ºQ 4ºQ

2ºQ 1ºQ

- DII, DIII, aVF - parede inferior (artéria coronária direita)


- DI,
DI, DII,
aVL,aVLV5,V6Face
- parede lateral
lateral esquerda (artéria circunflexa esquerda)
esquerda
- V1, V2 - septais (artéria descendente anterior)
DIII, aVF  Face infeiror
- V3, V4 - anteriores (artéria descendente anterior)
aVR  Átrio direito
- aVR - átrio direito

V1, V2  Ventrículo esquerdo

V3, V4  Septo (entre os ventrículos e a parede anterior do VE)

V5, V6  Paredes anterior e lateral do VE

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COMPONENTES DO ECG

Geralmente, um intervalo define-se com início numa


onda até ao início de outra.

EXCEÇÃO: Intervalo QT, que vai desde o início do QRS


até ao fim da onda T.
Ponto J
Os segmentos vão do fim de uma onda ao início de
outra.

ONDA P

Corresponde à despolarização auricular.

A despolarização auricular tem o seguinte esquema vetorial:

1º Despolarização AD
2º Despolarização AE (muito
maior, mas mais tardio)
3º Depois, seguem juntas para
baixo

A onda P é tipicamente positiva (e.g. em aVR é negativa). Em V1, aVR -


como temos uma componente horizontal, a onda P pode ser bifásica, DI, DII, DIII +
positiva ou negativa.

V1 e DII são bons para avaliar a existência de ritmo sinusal!

Onda P:

Amplitude 2,5mm
(  dilatação AD)

Duração < 0,12s


(  dilatação AE)
Nas derivações inferiores
(DII, DIII, aVF)
A 2ª componente é maior
(corresponde ao 2º vetor, da AE),
sendo tipicamente negativa em V1.
É uma onda bosseada.
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INTERVALO PR/PQ

Corresponde ao tempo necessário para a excitação se deslocar desde o músculo


auricular e o nodo AV (+++) até ao feixe de His e músculo ventricular (contribuem -).

Mede-se desde o início da onda P ao início do complexo QRS.

Intervalo PR = 0,12-0,20s (3-5 □)

 < 0,12s  Pré-excitação, WPW (onda delta), alteração da repolarização ventricular

 > 0,20s   Tempo de condução ventricular, BAV 1º grau

COMPLEXO QRS

Corresponde à despolarização ventricular.

QRS 0,10s (2,5 □)

 0,11s  Bloqueio incompleto do ramo esquerdo

 0,12s (QRS largo)  Bloqueio completo (depois avaliamos o ramo direito e o


esquerdo), taquicardia

Considerando DII como elétrodo explorador (EE):

1. Despolarização do septo
(contrário ao EE), da esquerda
para a direita – onda Q;

2. Despolarização do corpo
miocárdico (na direção do EE),
com uma onda proeminente –
onda R;

3. Despolarização da vertente
súpero-lateral do VE, (contrário
ao EE) – onda S.

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Na descrição das ondas de despolarização ventricular, a 1ª onda negativa é sempre
denominada de Q, a 1ª onda positiva de R e a 2ª onda negativa de S. As ondas posteriores têm
o nome de R’ e S’.

Algumas derivações não têm todas as ondas (e.g. V1 – se tem Q, não tem R; se não
tem Q, tem R; normalmente, só tem onda R e S).

Consoante o tamanho, também se usa a definição em letra minúscula para ondas


pequenas e em letras maiúsculas para ondas grandes (e.g. V1 – rS*; V5 – qRs).

*R dominante nunca existe em V1! Se existir, pode ser uma das seguintes situações:

 Enfarte posterior (imagem em espelho!)


 Hipertrofia ventricular direita (+ ondas S dominantes em V5/V6)
 Pré-excitação ventricular

Tipicamente, o QRS é positivo em DI, DII, V4, V5 e V6 e negativo em V1, V2 e aVR.

ONDA Q

Q patológica > 0,04s (1 □)


(só surge quando associada a um enfarte com supra-ST)

SEGMENTO ST

Corresponde à contração ventricular.

O ponto J permite-nos perceber se existe um supra ou infradesnivelamento do ST.

SUPRA-ST: INFRA-ST:
 Enfarte transmural  Lesão subendocárdica
 Pericardite  Imagem espelho!
 Hipercaliemia
 Intoxicação digitálica
 Hipotermia (onda de Osborn/J)

≠ Enfarte transmural e Pericardite:


Enfarte - supra-ST em apenas algumas
derivações (correspondentes ao local afetado)
Pericardite - supra-ST em TODAS as derivações
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INTERVALO QT

Varia com a FC  Calcular com a versão corrigida: QTc =

QTc = 0,43-0,44s
0,34 (2 □ grandes + 1 pequeno)

 QT curto – Pode ser pró-arritmogénico, sobretudo se < 0,34s. Pode dever-se a:


– Fármacos: Digoxina
 QT longo (> 0,45s) – Tem potencial pró-arrítmico e pode levar a taquicardia
ventricular. Deve-se a:
– Isquémia
– Fármacos: Macrólidos, anti-histamínicos, anti-fúngicos, Amiodarona, Sotalol 1
(β-bloqueante)

ONDA T

Corresponde à repolarização ventricular.

A repolarização faz-se também na direção endocárdio  epicárdio e,


consequentemente, obtemos uma curva tipicamente positiva.

Se o QRS é positivo, a onda T também tem de ser positiva. Se o QRS é negativo, a onda
T será negativa. Tipicamente, o QRS é positivo em DI, DII, V4, V5 e V6.

A onda T pode ficar invertida numa situação de:

- Enfarte (pode ficar muito pontiaguda numa fase inicial)


- Hipercaliemia

Aceita-se como normal uma onda T até 0,12mm!

INTERVALO RR = FC

RR = 0,6 – 1,0s

 < 60 bpm  Bradicardia


 > 100 bpm  Taquicardia

1
O Sotalol afeta muito mais o QT do que a Amiodarona.

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LEITURA DO ECG

1º PRÉ-LEITURA/ NAVEGAÇÃO

CALIBRAGEM – NÃO ESQUECER!


“Navegando
no ECG…”

I. Leitura inicial rápida das seguintes derivações:


1º V1  Dá-nos noção de diversas patologias, do ritmo e da FC. Verificar se a
relação P:QRS (relação A-V) é de 1:1 e se o QRS é estreito ou largo.
2º DII, DIII, aVF  Território da coronária direita
DI, aVL,
3º DI, aVL V5 Território
e V6 -> Território da circunflexa
da circunflexa
V1-V4  Território da LAD (descendente anterior esquerda)
4º V1-V6
5º aVR

II. Verificar se todos os QRS positivos estão associados a ondas T positivas:


 QRS SEMPRE +: DI, DII, V4, V5, V6
 QRS SEMPRE -: V1, V2, aVR
 QRS variáveis: DIII, aVL, aVF, V3

2º RITMO

 Sinusal (onda P + em DI, DII e aVF; +/-/bifásica em V1; relação P:QRS de 1:1)
o Ritmo sinusal lento – Atletas, hipotermia, mixedema, após um EM.
o Ritmo sinusal rápido – Exercício, medo, dor, hemorragia, toxicidade.
 Não sinusal:
o Extrassístoles – dizer se têm origem auricular ou ventricular
o Bradicardia ou taquicardia – perceber se tem QRS estreito ou largo; seguir
para o algoritmo de diagnóstico diferencial
o Fibrilhação

NOTA: Perante um enfarte, não se diz o ritmo. Só se estiver associado a um ritmo juncional,
que é por vezes uma complicação do enfarte.

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3º FREQUÊNCIA Tira de ritmo 10s - FC = número de QRS x 6
Tira de ritmo de 6s - FC = número de QRS x 10

Devemos referir a FC média.


Em caso de FA, referimos a FC mínima e
a máxima.

4º EIXO

O eixo cardíaco está compreendido


entre -30º e 90º.

O eixo cardíaco avalia-se então com


o plano frontal e não com o plano
horizontal, sendo a utilização deste último
meramente académica (relaciona-se com a
deslocação do ponto isoelétrico em direção
horária ou anti-horária) e muito mais falível
do que uma alteração no plano frontal.

Numa leitura inicial, para avaliar possíveis alterações de eixo, verificamos DI, aVF e, em
último lugar, DII:

• Se DI positivo (QRS positivo) e aVF positivo, o eixo está no 1º quadrante, entre 0-90º;

• Se DI positivo e aVF negativo, já pode estar entre 0º e -90º, ultrapassando o eixo e


conferindo um desvio. Assim, deve-se verificar DII: se DII positivo, o eixo está entre 0º
e -30º; se DII negativo, existe desvio esquerdo do eixo.

 Eixo normal (-30º a 90º): DI +, aVF +/-, DII +


 Desvio direito do eixo (90º a 180º): DI -, aVF +, DII +/-
 Desvio esquerdo do eixo (-30º a -90º): DI +, aVF -, DII –
 Eixo borderline (-30º)
 Desvio do eixo entre -90º e -180º: DI -, aVF -, DII -

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 Hipertrofia direita  Hipertrofia esquerda
 Embolia pulmonar  Defeito de condução
 Hemibloqueio esquerdo posterior  Hemibloqueio esquerdo anterior

5º CRITÉRIOS DE HIPERTROFIA

DIREITA: ESQUERDA:
 R dominante em V1 e S dominante  S em V1 + R em V5/V6 > 35mm
em V5/V6 (critério de Sokolow-Lyon)
 R dominante em aVR (+)  R em aVL > 11mm (1,1mV)
 Desvio direito do eixo no plano  Desvio esquerdo do eixo no plano
frontal frontal

 Obrigatório para diagnóstico


 Critérios que aumentam a acuidade diagnóstica

NOTA: Não se avaliam estes critérios perante uma situação de enfarte ou de QRS largos
(condução aberrante, perturbações da condução interventricular).

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6º ALTERAÇÕES DA REPOLARIZAÇÃO VENTRICULAR

Existem pelo menos 67 alterações da repolarização, por exemplo:

 QRS+ e T-
 Infra ou supra ST

Podem surgir em caso de hipertrofia ou de BCRE. Bloqueio completo de ramo esquerdo

7º MEDIÇÕES E MORFOLOGIA DAS ONDAS E SEGMENTOS

 Onda P avalia-se em V1. Mede-se bem em DII, assim como PQ.


 QRS avalia-se e mede-se em V1 (ver se é estreito ou largo).

8º CONCLUSÃO COM PROPOSTA DE DIAGNÓSTICO

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EXEMPLOS:

Tira de ritmo!

 ECG compatível com traçado normal/ sem alterações eletrocardiográficas.

 ECG com ritmo sinusal associado a desvio direito no eixo elétrico frontal, sem
alterações da repolarização ventricular.

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 Desvio esquerdo do eixo elétrico no plano frontal.

 Hipertrofia ventricular esquerda.

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 Ritmo sinusal com FC de 110bpm.
 Desvio direito do eixo elétrico no plano frontal.
 Critérios de hipertrofia: R dominante em V12, S dominante em V5, V6. aVR com
polaridade positiva.
 Alterações da repolarização ventricular: Infra-ST em V1, V2, V3.
 Conclusão: ECG compatível com taquicardia sinusal associada a hipertrofia ventricular
direita.

2
Diagnóstico diferencial com enfarte posterior.

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ENFARTES

ARTÉRIAS CORONÁRIAS

ARTÉRIAS CORONÁRIAS:

 Esquerda – Origina duas artérias:

o Descendente anterior  Face anterior do ♡.

o Circunflexa – caminha no sulco auriculoventricular esquerdo  Face lateral


alta do VE.

 Direita – caminha no sulco auriculoventricular direito até alcançar o sulco


interventricular posterior  Face inferior/diafragmática do ♡. Às vezes, dá a volta ao
ápex  Face lateral baixa do VE.

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ALTERAÇÕES NO ECG

Num enfarte transmural:

 EAM em evolução  Supradesnivelamento do segmento ST

 Cicatriz de enfarte  Onda Q patológica3 (> 0,04s = 1mm = 1 □) = Onda R dominante


– imagem em espelho! – ondas Q invertidas

 EXCEÇÃO: Posterior transmural em evolução  Infra ST em V1, V2, V3  evolui para


ondas R dominantes (diagnóstico diferencial com EAM subendocárdico ântero-septal
em evolução  volta ao normal)

Num enfarte subendocárdico:

 EAM em evolução  Infra-ST (atividade elétrica com direção epicárdio  endocárdio,


sendo o normal o contrário) ou sem expressão elétrica

 Evolui para um traçado normal

3
Podem surgir às 12h!

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Artérias Coronárias

Esquerda Direita

Descendente Anterior (DA) Circunflexa (Cx) Inferior

Enfarte lateral alto


Ântero-septal DII, DIII, aVF
(face lat. alta do VE)

Ínfero-lateral
V1, V2, V3, (V4) DI, aVL
(+ face lat. baixa do VE)

Anterior estrito Enfarte lateral DII, DIII, aVF, V5,


(zonas + intermédias (+ extenso) V6
do septo IV; porção
sup. poupada --> V1 é
poupado)
Posterior isolado
DI, aVL, V5, V6
(segmento post. do VE)

V2, V3, (V4)


R dominantes em
V1, V2, V3
Ântero-lateral
Ínfero-póstero-lateral

V3-V6
Q patológicas em
DII, DIII, aVF, V5, V6
Anterior extenso R dominantes em
V1, V2, V3
(tudo necrosado
desde a porção alta
do septo IV até à face
lat. baixa do VE)
Póstero-lateral
(pode ser território da Cx!)

V1-V6 R em V1, V2, V3


Q em V5, V6
Se Cx: DI, aVL

Póstero-inferior

R em V1, V2, V3
Q em DII, DIII, aVF

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EXEMPLOS:

 Ritmo de fibrilhação auricular com FC mínima de 38bpm e máxima de 75bpm,


aproximadamente.
 Desvio direito do eixo elétrico no plano frontal.
 Existem alterações da repolarização ventricular (QRS positivo com inversão da onda T).
 Presença de ondas Q patológicas em V1, V2, V3, V4, DI, aVL.
 Portanto, este doente já fez 2 enfartes (tem uma cicatriz de enfarte ântero-septal e
lateral alta, territórios das artérias descendente anterior e circunflexa,
respetivamente). A artéria circunflexa irriga muitas vezes o nodo AV, o que pode levar
a perturbações do mesmo, com FC lentas.
 Conclusão: ECG compatível com fibrilhação auricular, com frequência auricular
predominantemente lenta, associada a cicatrizes de enfarte ântero-septal e lateral
alta, com alterações da repolarização ventricular.

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 Supra-ST em todas as derivações pré-cordiais.
 Conclusão: Enfarte agudo do miocárdio transmural anterior extenso em evolução.

 Desvio esquerdo do eixo elétrico no plano frontal.


 Supra-ST e ondas Q patológicas.  Pode ser uma de 3 hipóteses:
1. Novo enfarte já com necrose;
2. Reenfarte com cicatriz de enfarte antigo;
3. Enfarte antigo, com discinesia, em que o septo fica aneurismático, o que leva a
um supra-ST permanente (é uma das 67 causas de repolarização ventricular).

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 Alterações do ST em V5, V6, DI, aVL.
 S em V1 + R em V5 > 35mm.
 Pode ser uma cardiopatia hipertensiva, uma estenose valvular aórtica, miocardiopatia
dilatada…

 Cardiopatia Hipertensiva.

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ARRITMIAS

Os batimentos cardíacos são regulares e coordenados porque são gerados impulsos


elétricos que alcançam aos miócitos, levando a uma sequência organizada de contrações
miocárdicas. As arritmias e as disfunções da condução são causadas por anormalidades na
geração e/ou condução destes impulsos elétricos.

Qualquer desordem cardíaca, incluindo anormalidades congénitas da estrutura (e.g.


conexão AV acessória) ou da função (e.g. canalopatias iónicas hereditárias), pode provocar
distúrbios no ritmo. Fatores sistémicos que podem causar estas alterações incluem
anormalidades eletrolíticas (particularmente K+ ou Mg2+), hipoxia, desregulações hormonais
(hipotiroidismo, hipertiroidismo), drogas e toxinas (e.g. álcool, cafeína).

FISIOPATOLOGIA

A maioria das taquiarritmias são causadas por fenómenos de reentrada. Algumas


resultam de automaticidade normal aumentada e outras de mecanismos anormais de
automaticidade.

As bradiarritmias resultam de função de pacemaker intrínseca diminuída ou de


bloqueios na condução, principalmente no nodo AV e no sistema de fibras His-Purkinje.

LOCALIZAÇÃO

Os ritmos cardíacos anormais podem começar em 1 de 3 locais:

 Músculo atrial
 Região do nodo AV (nodal/juncional)
 Músculo ventricular

Supraventricular

Ventricular

O ritmo sinusal, atrial e juncional constituem os ritmos supraventriculares.

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EXTRASSÍSTOLES

As extrassístoles são as arritmias mais frequentes!

Extrassístole, por definição, é um batimento precoce. Existe um conjunto P+QRS


precoce, a seguir vem uma pausa e depois volta ao normal.

Pausa + prolongada   Enchimento ventricular   Força de contração, pela Lei de


Frank-Starling  Palpitação. Extrassístole - pausa prolongada - aumento da força de
contração no batimento seguinte - sentimento de palpitação

As extrassístoles tendem a agravar durante a noite (por vezes, o doente acorda mesmo
devido a palpitações enormes).

Estudar com Holter, prova de esforço e eco. Só a partir das 8000 num Holter é que se
deve começar a valorizar.

Raramente necessitam de terapêutica. Os β-bloqueantes ajudam a bradicadizar.

Consoante a morfologia, as extrassístoles podem ser:

 Supraventriculares (normalmente, são idiopáticas):

o Se extrassístole atrial, P morfologicamente diferente do P sinusal. Se


extrassístole juncional, não existe onda P ou surge imediatamente antes ou
depois do QRS;

o QRS da extrassístole é exatamente igual aos prévios! O QRS é o produto final


de um equilíbrio eletrofisiológico entre o ramo esquerdo e o ramo direito do
feixe de His. Ora, numa extrassístole supraventricular vai percorrer o tecido
elétrico normalmente, levando a um QRS normal;

 EXCEÇÕES: Ritmo supraventricular com bloqueio do ramo direito ou


esquerdo ou WPW, em que o complexo QRS é largo.

o PQ pode aumentar! Como é um batimento precoce, vai chegar ao nodo AV4


precocemente e este, sendo “o guardião dos ventrículos”, resiste à passagem,
levando ao aumento do PQ;

o Por vezes, não vemos a P porque esta é precoce e funde-se com a T;

o Geralmente, não surge uma pausa compensadora nas extrassístoles atriais,


mas nas que afetam o nodo SA, a onda P vem atrasada.

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O nodo AV é a estrutura do tecido elétrico especializado que mais contribui para o intervalo PQ, ou
seja, que mais contribui para a condução (e para o atraso da condução) AV.

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 Ventriculares (são comuns e normalmente sem importância, exceto quando surgem
na onda T do batimento anterior, podendo induzir fibrilhação ventricular):

o QRS da extrassístole é anormal e largo pois a onda propaga-se desde os


ventrículos por vias anormais e lentas, via fibras de Purkinje;

o Não há onda P a preceder o QRS. A onda P pode aparecer a seguir, mas não
passa para o ventrículo (não conduz), pois os ventrículos estão refratários e o
nodo AV não a deixa passar;

o A onda T fica invertida, pois a repolarização também é anormal;

o O intervalo RR é o dobro do ciclo basal – Pausa compensadora.

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TAQUIARRITMIAS

Enquanto as extrassístoles consistem em despolarizações ocasionais, os focos atriais,


juncionais ou ventriculares também podem despolarizar repetidamente, levando a taquicardia
mantida. Quando a taquicardia é intermitente, denomina-se de paroxística.

Taquiarritmias

Com QRS estreito Com QRS largo


(<0,12s) (≥0,12s)

Fibrilhação auricular Taquicardia ventricular


Taquiarritmias auriculares:
 Nascem nas aurículas
 São independentes do Flutter auricular Taquicardia
nodo AV supraventricular com
 São de base irregular (RR condução aberrante IV
irregular) ao longo do dia
Taquicardia auricular

TRNAV (Taquicardia com


reentrada nodal AV)

TRAV (Taquicardia com


reentrada AV mediada por
via acessória)

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TAQUIARRITMIAS COM QRS ESTREITO (TAQUICARDIA SUPRAVENTRICULAR)

Expressam-se predominantemente com QRS estreitos.

FIBRILHAÇÃO AURICULAR

A fibrilhação surge quando as fibras musculares contraem


independentemente, quando não existe sincronia entre a contração das fibras
atriais e das ventriculares.

O nodo AV é constantemente bombardeado com ondas de despolarização de


diferentes intensidades e, consequentemente, os ventrículos contraem irregularmente.

Pode dever-se à existência de microcircuitos com origem na área das veias


pulmonares. Pode ter fibrose associada.

Caracteriza-se por:

 Ausência de ondas P

 Não há atividade elétrica organizada – Os impulsos elétricos que chegam ao nodo AV


são completamente irregulares  R-R irregulares

 Ondulação da linha de base

 Complexos QRS de morfologia normal, mas irregulares

Infra-ST em V5 e
V6 como efeito
de Digoxina

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FLUTTER AURICULAR

A frequência auricular P-P é 250/min (faz o diagnóstico!),conferindo um padrão em


“dentes de serra” em DII, DIII e aVF (se estiver presente com P-P <250/min, pode ser um
flutter medicado!!!). Existem mais ondas P do que QRS – é importante perceber a relação
(2:1*, 3:1, 4:1,etc.). É raro ser 1:1 porque o nodo AV faz o seu papel de guardião.

O estímulo elétrico sobe pelo septo IA e depois desce pela parede livre da aurícula
direita até atingir uma zona de macroreentrada situada na aurícula direita, denominada de
istmo (localizado entre o ostium do seio coronário, a VCI e o anel da válvula tricúspide), que
determina uma condução mais lenta. Esse circuito, depois de atravessar a região lenta, vê a
oportunidade de dar reentrada novamente no septo.

* Especial atenção à relação 2:1, em que é necessário reconhecer as ondas P extra, que podem
ser confundidas com ondas T do batimento anterior:

NOTA: Uma taquicardia pode manifestar-se por bradicardia (e.g. flutter auricular 6:1).

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TAQUICARDIA AURICULAR

Esta arritmia envolve a contração síncrona de todas as fibras


musculares dos átrios e dos ventrículos, contudo, a ritmos anormais.

Na taquicardia auricular, os átrios despolarizam (frequência P-P) a < 250/min (é mais


lenta que o flutter). O nodo AV não consegue conduzir frequências auriculares
aproximadamente > 200/min. Se a frequência for superior, ocorre um bloqueio AV, com
algumas ondas P não seguidas de QRS – passam a existir mais ondas P do que QRS. Aqui, o
nodo AV está a funcionar normalmente e é isto que distingue estes bloqueios associados a
taquicardia dos bloqueios de 2º grau.

Ver se é uma condução fixa de 1:1 (RP longo, 200ms), 2:1, 3:1, etc. ou se é variável.

A onda P pode ter polaridade + (foco situado nas porção superiores) ou - (nasce na
porção inferior do septo IA) nas derivações inferiores.

O modelo a seguir é:

1º Ratio A:V > 1 (mais ondas P do que QRS)?


2º Mede-se o P-P:
a. 250/min  Flutter auricular;
b. < 250/min  Taquicardia auricular.

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TRNAV (TAQUICARDIA POR REENTRADA NODAL ATRIOVENTRICULAR)

MECANISMO TÍPICO DE REENTRADA

Two pathways connect the same points. Pathway A has slower conduction and a shorter
refractory period. Pathway B conducts normally and has a longer refractory period.

I. A normal impulse arriving at 1 goes down both A and B pathways. Conduction through
pathway A is slower and finds tissue at 2 already depolarized and thus refractory. A normal
sinus beat results.
II. A premature impulse finds pathway B refractory and is blocked, but it can be conducted on
pathway A because its refractory period is shorter. On arriving at 2, the impulse continues
forward and retrograde up pathway B, where it is blocked by refractory tissue at 3. A
premature supraventricular beat with an increased PR interval results.
III. If conduction over pathway A is sufficiently slow, a premature impulse may continue
retrograde all the way up pathway B, which is now past its refractory period. If pathway A
is also past its refractory period, the impulse may reenter pathway A and continue to circle,
sending an impulse each cycle to the ventricle (4) and retrograde to the atrium (5),
producing a sustained reentrant tachycardia.

O nodo AV faz parte da condução extra. Incidem mais na juventude (15-30 anos).

Normalmente, são episódios de palpitações rápidos, que duram poucos minutos e


acabam espontaneamente (é autolimitada). Raramente dão síncopes.

 Relação A/V 1:1.


 RP < 100ms ou 0,1s (2,5 □), pois logo após a um QRS, surge uma onda P retrógrada.
 P pode fazer parte do QRS – P’
o Pseudo R’ em V1;
o Pseudo S em DII, DIII, aVF (onda P despolariza para cima  negativa).

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TRAV (TAQUICARDIA POR REENTRADA AV COM VIA ACESSÓRIA 5)

Via acessória (via oculta normalmente esquerda)


com condução retrógrada com união do VE à AE, sendo
então um macrocircuito e, portanto, demora mais.

 RP 100ms e < 200ms

 RP < PR

 A onda P fica entalhada na onda T (não ultrapassa


a onda T nem está colada ao QRS!) – P retrógrada

SITUAÇÕES RARAS

 FORMA RARA DE TRNAV

99% das reentradas nodais são formas comuns. 1 em 100 são a forma rara.

Segue até ao nodo, desce pela via rápida, mas vê a via lenta aberta em sentido
retrógrado e ativa retrogradamente as aurículas. Vai ser ainda mais lenta, com RP 200 ms (1
□ grande) – RP longo. A relação AV é de 1:1.

Tem ondas P - nas derivações inferiores (DII, DIII, aVF), pois ativa as aurículas de baixo
para cima.

5
Podem ser esquerdas, direitas ou septais.

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 TAQUICARDIA DE COUMEL (TRAV ATÍPICA)

Tem uma via acessória de reentrada que une o septo IV ao septo IA, conduzindo
lentamente, com RP 200ms.

Também tem ondas P - nas derivações inferiores (DII, DIII, aVF).

Diagnóstico diferencial consoante a duração de PR e RP:

RP > PR RP < PR

Taquicardia auricular TRAV

TRNAV atípica TRNAV

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ALGORITMO PARA TAQUICARDIAS DE QRS ESTREITO

Flutter
P-P ≥ 250/min
auricular
Relação AV ≥ 2:1
Taquicardia
P-P < 250/min Não esquecer o flutter auricular medicado!!
auricular

Com Ondas P RP < 100ms TRNAV

RP = [100, 200[ ms TRAV


Relação AV 1:1
Taquicardia auricular de
Polaridade +
Polaridade da relação 1:1
QRS estreito onda P nas
RP ≥ 200ms
(<0,12s)
(RP longo) derivações - Taquicardia auricular de
inferiores relação 1:1
Polaridade -
Fibrilhação - Taquicardia de Coumel
Ritmo irregular - Forma rara de TRNAV
auricular

Onda P escondida
TRNAV
no QRS
Sem Ondas P P parcialmente
escondida
Onda P escondida Só o estudo
TRAV
Ritmo regular na onda T
(existe AV 1:1, eletrofisiológico
mas onda P está QRS com permite distinguir
escondida) alternância de TRAV entre estas 3
amplitude
P totalmente
escondida
QRS sem
- TRNAV
alternância de
- TRAV
amplitude

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TAQUIARRITMIAS COM QRS LARGO

Perante uma taquicardia com complexos QRS largos (>0,12s), o mais importante é
excluir taquicardia ventricular*, que é o mais frequente.

TAQUICARDIA VENTRICULAR

A despolarização caminha por


um percurso anormal no músculo
ventricular, sendo o complexo QRS
largo e anormal (lembrar que estes
complexos também podem ser
encontrados nos bloqueios de ramos!).

Numa taquicardia ventricular, há uma anarquia completa, com o circuito a disparar


para todos os lados, daí que a evolução da onda R ao longo do eixo pré-cordial deixe de existir.

Critérios para definir taquicardia ventricular:

1º *Ausência de padrão RS nas derivações pré-cordiais (por vezes, é difícil de ver; pode
ter uma bossinha). Se o circuito dispara todo nas direções pré-cordiais, só temos ondas
positivas (R); se dispara para trás, só temos ondas negativas (QS). Se encontramos um
RS nalguma das derivações, pode ser uma taquicardia ventricular ou supraventricular e
passamos para a avaliação do próximo critério;

2º *Distância entre R e nadir de S (vértice onda S) (R:S) >100ms (2,5 □).


Pode variar consoante o elétrodo – o que está a olhar mais
diretamente para o circuito é o que sente mais a dificuldade na saída
de atividade ventricular e esta distância aumenta;

3º Dissociação AV, com mais QRS do que ondas P. Este critério é quase 100% específico
para taquicardia ventricular e permite-nos excluir a hipótese de WPW (aumenta a
parte inicial e não final do QRS)! Só não é o 1º critério porque normalmente não
conseguimos ver as ondas P;

4º Com polaridade + em V1 e - em V6 (critério de literatura, argumento muito mais


fraco). Temos de fazer diagnóstico diferencial com taquicardia supraventricular por
reentrada antidrómica relacionada com o WPW – sem dissociação AV.

*Os 2 primeiros critérios procuram-se nas derivações pré-cordiais. Os outros 2 são para todas.

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No 1º, 2º e 4º critério, temos de fazer diagnóstico diferencial com o síndrome de
Wolff-Parkinson-White. O WPW não tem QRS negativos de V4 a V6!!
Com o 3º critério, conseguimos fazer o diagnóstico definitivo de taquicardia
ventricular.
Pode surgir desvio esquerdo do eixo.

TAQUICARDIA SUPRAVENTRICULAR COM CONDUÇÃO ABERRANTE IV

Só chegamos ao diagnóstico de taquicardia supraventricular com condução aberrante


IV quando excluímos taquicardia ventricular.

Existem muitas causas de aberrância, essencialmente 7. A maior parte está associada a


perturbações da condução intraventricular (bloqueios de ramo, WPW, efeitos
farmacológicos…).

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EXEMPLOS:

 Parece que há onda P, mas é apenas uma ondulação grosseira! Os RR são irregulares.
 Conclusão: ECG compatível com fibrilhação auricular com frequência ventricular
predominantemente rápida/lenta/controlada.

 Ritmo de flutter auricular (“dentes de serra”) com condução AV fixa de 4:1 (há uma P
em cima do QRS), com frequência auricular (PP) de 300/min e ventricular de 75/min.
 Bloqueio completo de ramo direito (QRS largos, rSR’ em V1).
 Conclusão: Flutter auricular com condução AV fixa/variável + BCRD.

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 Taquicardia com QRS estreitos e relação AV 1:1.
 RP longo (> 200ms).
 Onda P nas derivações inferiores com polaridade -. Após ablação

 Conclusão: Taquicardia auricular VS. Coumel VS. Forma rara TRNAV.

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 Sem ondas P, ritmo regular
 QRS sem alternância de amplitude
 Pseudo R’ em V1 e/ou pseudo S em DII, DIII, aVF  Ondas P escondidas!
 Conclusão: Taquicardia por reentrada nodal (TRNAV)

 Presença de uma extrassístole.


 Taquicardia.
 Onda P retrógrada em V1, na 1ª metade do intervalo RR, sendo RP > 100ms e RP<PR.
 Conclusão: ECG compatível com taquicardia por reentrada AV (TRAV).

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 Taquicardia com complexos QRS largos.
 Taquicardia ventricular.
 Não poderia ser WPW porque existem QRS negativos em V4 e V6.

 Taquicardia ventricular.

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BRADIARRITMIAS

Perturbações da condução intraventricular, ao nível AV ou a jusante destes.

Podemos considerar 6 grandes causas das alterações do tecido elétrico:

 Iatrogénica: é sem dúvida a mais comum, na medida em que imensos fármacos


interferem com a condução a este nível;
 Funcional (e.g. vagotomia);
 Degenerativo (e.g. fibrose);
 Isquemia (e.g. enfarte) – É importante ter em mente a vascularização do tecido
elétrico:
o Nodo SA – Coronária direita (vs. Cx)
o Nodo AV – Coronária direita (vs. Cx)
o Ramo direito – 1ª Septal
(descendente anterior proximal)
o Ramo esquerdo:
– Fascículo anterior –
Descendente anterior (o
fascículo anterior é afetado
mais vezes porque está menos
protegido, só é vascularizado
por uma artéria!)
– Fascículo posterior –
Descendente anterior + Coronária direita/ Circunflexa (é vascularizado
por 2 artérias diferentes, logo, está mais protegido da isquemia)
 Infecciosa (e.g. miocardite, associada a Ricketsia, doença de Chagas);
 Infiltrativo (e.g. amiloidose (uma causa sem dúvida muito importante!), sarcoidose,
tumores, leiomiomas cardíacos, mixomas na aurícula).

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Pausa sinusal
Disfunção do
nodo SA
Doença do nodo sinusal/
Taqui-Bradi

1º Grau

Mobitz I
2º Grau
Bloqueios de condução Mobitz II
AV
BAV de alto grau
BRADIARRITMIAS
Do nodo AV

3º Grau
Abaixo do nodo AV

Ramo direito
(BCRD)
Completos
Ramo esquerdo
Bloqueios de ramo (BCRE)
(bloqueios de condução
IV)
Esquerdo anterior
Hemibloqueios
Esquerdo posterior

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1. DISFUNÇÃO DO NODO SA

PAUSA SINUSAL

O nodo SA (70/min) deixa de gerar impulsos elétricos transitoriamente. No ECG,


deixamos de ver complexos PQRST (período sem atividade elétrica), até que o nodo SA retoma
a sua função normal ou até outro pacemaker iniciar funções – ritmo de escape:

1º Atrial (50/min) – origem no músculo atrial; no ECG, surge uma onda P anormal seguida
por um QRS normal;

2º Juncional (50/min) – origem na região do nodo AV; no ECG, ausência de ondas P ou


escondida no QRS (onda P retrógrada), com QRS normais;

3º Ventricular (30/min) – origem no sistema de condução ventricular; mais comum


quando existe um bloqueio AV completo (vemos ondas P que não são seguidas de
QRS!); no ECG, ausência de ondas P e QRS largos e anormais.

Tipicamente associada a bradicardia sinusal. Mantém um ritmo funcional.

As frequências lentas fazem despoletar substratos arritmogénicos nas aurículas.


Portanto, perante uma bradicardia, podem surgir outras arritmias auriculares: FA
(principalmente!), flutter auricular, taquicardia auricular. Nestes doentes, surge uma situação
denominada de Síndrome de Taqui-Bradi (Doença do Nodo Sinusal), ou seja, com oscilações
entre bradicardia sinusal, pausas e ritmos juncionais e taquicardias auriculares ao longo do dia.

Atenção: estas pausas podem surgir fisiologicamente em desportistas!

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A pausa corresponde
à distância entre x
intervalos PP.

A pausa é indeterminada,
não correspondendo à
distância entre x
intervalos PP.

A estratégia terapêutica nestes doentes é a supressão de fármacos que suprimem o


nodo SA (β-bloqueantes, bloqueadores dos canais de cálcio, digitálicos) e, eventualmente, a
colocação de um pacemaker:

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2. BLOQUEIOS AV

O nodo AV é o “guardião dos ventrículos”, tendo características decrementais 


Quantos mais inputs chegam ao nodo AV, mais ele os trava e isto acontece progressivamente.

O nodo AV é o que contribui mais para o tempo de condução AV.

A sua manifestação no ECG é o aumento do intervalo PQ. Pode dever-se a


perturbações no nodo AV assim como na rede de Purkinje, mas em 99% dos casos associa-se
ao nodo AV.

BLOQUEIO AV DE 1º GRAU (BAV 1º GRAU)

O bloqueio situa-se num ponto desde o nodo AV até à rede de Purkinje, localizando-se
na maior parte dos casos no nodo AV. É tipicamente iatrogénico (β-bloqueantes, bloqueadores
de canais de cálcio, antiarrítmicos) e não significa uma doença propriamente dita.

Há um aumento do PQ > 0.20s.

Situação relativamente benigna. Não tem nenhum tratamento específico para além do
cuidado com os fármacos.

BAV 2º GRAU

 MOBITZ I/ WENCKEBACH

Consiste na presença de uma onda P bloqueada precedida do aumento progressivo


do intervalo PQ. A seguir, volta tudo ao normal. Portanto, só conseguimos diagnosticar Mobitz
I a partir de uma relação 3:1 porque se for inferior, não é possível ver a tal progressão.

É uma situação benigna que surge devido a uma influência vagal superior ou a
iatrogenia  Exacerbação das características decrementais do nodo AV. Pode ser um evento
único diário.

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 MOBITZ II

Onda P bloqueada sem aumento progressivo do intervalo PQ.

Nesta situação, a zona afetada está normalmente abaixo do nodo AV, não tendo
associada vagotomia.

NOTA: O nodo AV pode dar Mobitz I ou II, enquanto abaixo do nodo AV só dá Mobitz II.

A relação 2:1 (PQRS, P bloqueado, PQRS, P bloqueado…) pode surgir na sequência de


um Mobitz I ou Mobitz II, não sendo possível distinguir no ECG porque não conseguimos ver
um aumento progressivo do PQ. Assim, na descrição de um ECG com bloqueio de 2:1,
devemos referir, por exemplo: “ritmo sinusal associado a um bloqueio AV de 2º grau 2:1”.

Se no ECG encontrarmos, por exemplo, um período em Mobitz I no lado esquerdo, que


depois volta ao normal, e mais à frente começa uma relação de 2:1, devemos referir: “ritmo
sinusal associado a um período de bloqueio AV de 2º grau Mobitz I e 2:1”. Isto porque não
podemos concluir que a relação 2:1 surge no mesmo patamar anatómico  o doente pode ter
um bloqueio associado ao nodo AV e mais tarde um 2:1 associado a zonas mais inferiores ao
nodo!

Portanto, o doente pode apresentar Mobitz I, Mobitz II e 2:1 no mesmo ECG!

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BAV DE ALTO GRAU

Surge quando existem pelo menos 3 ondas P para 1 QRS (pode ser mais), ou seja, a
partir de uma relação 3:1.

A onda P que precede o QRS é sempre igual, assim como o intervalo PQ, isto é, não há
dissociação AV (é o que o distingue do bloqueio completo).

Normalmente, estes doentes têm indicação para pacemaker.

BAV 3º GRAU OU COMPLETOS (BAVC)

Podem ser de 2 tipos, dependendo da anatomia onde existe a lesão:

 Nodo AV, onde o ritmo de escape é tipicamente juncional ou ídio-nodal (tem origem
supraventricular, subnodal, supra Hisiana, acima da junção AV), portanto, o QRS é
normal e estreito, com frequências a rondar os 40/min. Existe dissociação AV, pois o
nodo sinusal continua a enviar ondas P, que não têm relação com os QRS, o que
resulta em intervalos PQ irregulares; existe um ritmo de ondas P a funcionar por um
lado e um ritmo de QRS a funcionar por outro.

 Feixe de His (abaixo do nodo AV), onde o ritmo de escape é ventricular ou ídio-
ventricular, o que resulta em QRS alargados e com uma frequência menor, na ordem
dos 25-30. Quanto mais distal for o bloqueio completo, mais largo é o QRS e mais lenta
é a frequência de escape.

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3. BLOQUEIOS DE RAMO

São perturbações da condução intraventricular com duas características importantes:

 Não interferem com a FC;


 Alteram a configuração e duração do QRS.

Para perceber os mecanismos associados às seguintes alterações no ECG, não nos


podemos esquecer que o septo despolariza da esquerda para a direita e que o ventrículo
esquerdo, tendo maior massa, tem maior influência no ECG do que o ventrículo direito.

BLOQUEIOS COMPLETOS

 BLOQUEIO COMPLETO DE RAMO DIREITO (BCRD)

Em V1, o 1º vetor não fica alterado porque o septo é


despolarizado da esquerda para a direita (onda R mantém-se
em V1; pequena onda Q em V6). Depois, a atividade elétrica
vai toda para o lado esquerdo, sendo que V1 vê-la a fugir
(onda S) e V6 a aproximar (onda R). O ventrículo direito
demora mais tempo a receber excitação elétrica, despolarizando de forma compensadora só
depois do ventrículo esquerdo (onda R’ em V1 e onda profunda e larga em V6). Surge então
um padrão rSR’ em V1 e qRs em V6.

rSR' ou rR’ em V1 e/ou V2 é importante para fazer o diagnóstico  Se tiver:

o 0,10  É normal!
o 0,11s  Bloqueio incompleto do ramo direito
o 0,12s  Bloqueio completo do ramo direito

Não há desvio do eixo, pois a massa do ventrículo esquerdo é muito superior, e não
surgem alterações de repolarização, exceto em V1 e V2.

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 BLOQUEIO COMPLETO DE RAMO ESQUERDO (BCRE)

O ramo esquerdo divide-se em 2 ramos (anterior e posterior), mas o bloqueio


completo surge antes dessa bifurcação, isto é, no tronco do ramo esquerdo.

Existem 2 critérios necessários para o diagnóstico:

 Padrão rS (com R embrionário) ou QS (não se vê R)


em V1 (parece Q patológica!);
 Padrão dorso de camelo com R em crescendo
(podendo ser RR’) em V6, V5, DI e/ou aVL.

Num bloqueio de ramo esquerdo, o septo passa a despolarizar da direita para a


esquerda, o que leva ao aparecimento de uma onda Q em V1 e de uma onda R em V6. O
ventrículo direito despolariza antes do esquerdo, surgindo uma onda R em V1 e uma S
pequena em V6. A despolarização do ventrículo esquerdo subsequente causa uma onda S em
V1 e outra onda R em V6, conferindo um padrão W e um padrão M nas respetivas derivações.
O padrão W não é muito comum, mas o padrão M (dorso de camelo) surge frequentemente.

Mais uma vez, para ser bloqueio completo tem de ter 0,12s.

Surgem alterações da repolarização ventricular nas derivações laterais (DI, aVL, V5-V6),
nomeadamente inversão da onda T (não é necessário surgir em todas).

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HEMIBLOQUEIOS

São bloqueios seletivos dos ramos anterior e posterior do ramo esquerdo do feixe de
His. Os hemibloqueios isolados não contribuem de forma suficiente para que o QRS alargue,
portanto, o QRS tem sempre duração normal.

O diagnóstico dos hemibloqueios faz-se pelo desvio do eixo elétrico no plano frontal:

 HEMIBLOQUEIO ESQUERDO ANTERIOR

Num bloqueio do fascículo anterior do ramo esquerdo, o ventrículo esquerdo tem de


ser despolarizado através do fascículo posterior, o que leva a uma rotação do eixo para cima,
ou seja, a um desvio esquerdo.

Assim, surge um QRS normal com um desvio esquerdo do eixo elétrico.

 HEMIBLOQUEIO ESQUERDO POSTERIOR

É mais raro. Associa-se a um QRS normal com desvio direito do eixo elétrico.

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Os bloqueios de ramo direito podem ser acompanhados de hemibloqueios, sendo
assim denominado de BLOQUEIO BIFASCICULAR:

 Bloqueio ramo direito + hemibloqueio esquerdo posterior  Desvio direito do eixo


(são menos frequentes);
 Bloqueio ramo direito + hemibloqueio esquerdo anterior  Desvio esquerdo do eixo:

Se existir um bloqueio do ramo direito associado a hemibloqueio esquerdo tanto


anterior como posterior, surge um bloqueio cardíaco completo, tal como se o tronco principal
do feixe de His tivesse sido bloqueado.

Na presença de um bloqueio completo de ramo direito, de um hemibloqueio esquerdo


de ramo anterior e PQ prolongado, na maior parte das vezes, é o nodo AV que está a contribuir
para o PQ prolongado. Neste caso, dizemos “ritmo sinusal associado a bloqueio bifascicular +
BAV 1º grau” (evitar a expressão “bloqueio trifascicular” porque dá a ideia de que os 3 ramos
estão doentes e não é bem assim).

Casos Especiais:

! FA com BAVC, o ritmo é regularizado pelo ritmo de escape (tem RR regular);

! TA/Flutter auricular com BAVC, o ritmo auricular é um múltiplo do ritmo de escape


ventricular;

! Cuidado a assumir que um ritmo de escape com QRS alargado é ídio-ventricular!


Podem existir alterações prévias da condução IV, por exemplo, um bloqueio completo
pode associar-se a um bloqueio do ramo direito prévio (ritmo juncional)!

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ALGORITMO PARA BRADIARRITMIAS

Ritmo de escape
QRS estreito
ídio-nodal
Dissociação AV BAVC
Ritmo de escape
QRS largo
ídio-ventricular

Relação 1:1
FC < 40/min BRADIARRITMIA BAV 1º grau
+ PQ longo

PQ aumenta
Mobitz I
progressivamente
SEM dissociação AV Onda P bloqueada

PQ fixo Mobitz II

Relação 3:1 BAV de alto grau

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EXEMPLOS:

 Doença do nodo sinusal/ Taqui-Bradi.

 BAV 1º Grau.

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 Atenção: Este ECG está expandido, a 50mm/s, ou seja, o doente tem o dobro da
frequência que está aqui exposta. Não podemos dizer que o QRS está largo!
 A P que precede o QRS é sempre igual.
 Bloqueio de 4:1.
 BAV de alto grau.

 Dissociação AV.
 Ritmo sinusal associado a BAV completo com ritmo de escape juncional (QRS é
estreito) que neste caso é acelerado.

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 rSR’ em V1  Bloqueio de ramo direito.
 Desvio esquerdo do eixo  Hemibloqueio esquerdo anterior.
 Bloqueio bifascicular: Bloqueio completo do ramo direito + Hemibloqueio esquerdo
anterior.

 Desvio direito do eixo (DI - e aVF +).


 Bloqueio bifascicular: Bloqueio completo do ramo direito + Hemibloqueio esquerdo
posterior.

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 Padrão rS.
 Dorso de camelo em V6, DI.
 Eixo borderline.
 Alterações generalizadas da repolarização ventricular (supradesnivelamentos) – não é
preciso descrever.
 Onda P bifásica em V1 com a 2ª componente >1mm  Dilatação da aurícula esquerda
 Miocardiopatia dilatada com insuficiência mitral? Miocardiopatia hipertensiva?
Etiologia isquémica?
 Medir PQ (para ver se tem associada BAV 1º grau) e QRS (para saber se é um bloqueio
completo e incompleto).
 Conclusão: Ritmo sinusal associado a bloqueio completo de ramo esquerdo e a
dilatação da aurícula esquerda.

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