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Química Inorgânica Farmacêutica

Química Inorgânica Medicinal


Qualquer agente terapêutico deve exibir um benefício médico com o mínimo de efeitos
secundários adversos. Um fármaco deve ter uma biodisponibilidade e biodistribuição que lhe
permita passar barreiras até ao local de atuação (ex: resistir à acidez do estômago, permitir a
absorção no intestino, etc).

Imagiologia anatómica – Ressonância Magnética Nuclear (RMN)


A RMN de laboratório pode funcionar com o protão (H+) ou outros átomos, desde que o
núcleo tenha um momento magnético de spin, como o N, O, Al, Si, P, V, etc, sendo que a
imagiologia médica apenas analisa o protão das moléculas de H2O (têm mais mobilidade do que
protões de outras moléculas).

O núcleo de H+ tem um movimento de rotação (spin nuclear) que cria um momento


magnético (grandeza vetorial).

• Se não existir um campo magnético aplicado, os spins individuais estão aleatorizados,


considerando-se que o vetor magnetização M (soma de todos os momentos magnéticos) é 0.
• Se for aplicado um campo magnético fixo, os momentos magnéticos dos núcleos
tendem a alinhar-se em dois níveis energéticos: a favor do campo (m=+1/2) ou contra o campo
(m=-1/2), sendo que o alinhamento nunca é paralelo – tem um ângulo (movimento de perceção:
roda obliquamente à volta das linhas do campo).

O valor da energia do campo magnético (𝐸∓1/2 = ±𝛾ℏ𝐵0 /2) influencia a população em


cada um dos níveis (±1/2). Quanto maior for a diferença entre os níveis energéticos, maior a
diferença de população.

É possível excitar alguns núcleos e consequentemente inverter o seu spin nuclear com
frequência eletromagnética (ondas de rádio – energia muito baixa) – frequência de Larmor (𝜔 =
𝐵0 × 𝛾). É neste processo que se deteta sinal.

O sinal em RMN depende dos tempos de relaxação do protão, T1 (tempo de relaxação


longitudinal, associado à transferência de energia dos protões excitados para a vizinhança) e T2
(tempo de relaxação transversal, associado à transferência de energia entre protões no estado
excitado e protões no estado fundamental), sendo que + 1/T1 --> + sinal, e - 1/T2 --> + sinal.

Procedimento:

1. A energia, sob a forma de ondas de rádio, é transmitida aos protões.


2. Os protões absorvem esta energia pois estão em “ressonância” (mesma frequência).
3. Após um tempo característico, t, esta energia é reemitida.
4. Antenas especiais captam esses sinais e convertem-nos em sinais eletrónicos.
5. Esses sinais são processados e dão origem a imagens.

Maria Mouta, nº 64602


❖ Agentes de contraste T1

Agentes que possam alterar T1 ou T2 podem ser úteis como agentes de contraste em
RMN. Entre estes estão os elementos paramagnéticos (têm eletrões desemparelhados).
• Radicais: geralmente só têm 1 eletrão desemparelhado e são muito reativos.
Têm tempos de vida curtos, pelo que se torna complicado serem utilizados.
• Metais de transição: possuem mais eletrões desemparelhados e são mais
estáveis.

Os metais a utilizar devem ser lábeis, de modo a que as moléculas de água ligadas ao
centro metálico possam ser trocadas mais rapidamente com moléculas de água do exterior (2ª
esfera de coordenação ou ainda mais externo), para que o efeito magnético se transmita ao
maior número de protões possível.

Assim, quanto menor for a distância média metal-protão (rH), quanto maior for a
velocidade de permuta das moléculas de água e quanto maior for o momento magnético (µ ef),
maior vai ser o efeito nos tempos de relaxação, e consequentemente no sinal de RMN.

Cr(edta)- é um complexo inerte, por isso não é um bom agente de contraste.


Gd(dtpa)2- tem mais eletrões desemparelhados (maior µef) que Mn(edta)2- mas ambos são
bons agentes de contraste, pois têm valores elevados de velocidade de permuta (avalia a
labilidade) e valores baixos de distância metal-protão. No entanto o complexo Gd(dtpa)2-
será um melhor agente de contraste pois tem uma maior relaxividade.

Relaxividade (r1 – associado a T1): o agente de contraste com uma elevada relaxividade
pode ser detetado em baixas concentrações, o que permite avaliar alterações subtis ao nível
molecular. Ou seja, quanto maior for o valor de relaxividade, menor é a concentração do
complexo que tem de ser utilizada para se observar uma alteração considerável na velocidade
de relaxação efetiva (o que é vantajoso para não se administrarem grandes concentrações de
complexos metálicos ao paciente).

Na escolha do complexo a utilizar:


• Baixa toxicidade
• Adequada biodistribuição (se o agente de contraste for levado para várias zonas,
não se observa nenhum contraste pois afeta de igual forma os protões em todo o lado. Deve
estar apenas na zona pretendida)
• Adequada farmacocinética
o Estável (não pode reagir com outras moléculas pois perder-se-á a sua
biodistribuição e aumentará a sua toxicidade pois ficará retido junto a essas moléculas)
o Completamente e rapidamente excretado (mas deve permanecer tempo
suficiente para a análise)

Maria Mouta, nº 64602


• Terá de ser lábil para ter permutas rápidas entre as moléculas de água da 1ª e
2ª esferas de coordenação, mas também deve ser inerte para não reagir com outras moléculas
– tem de haver um equilíbrio.
• Certos ligandos podem contribuir para o aumento da estabilidade do complexo
sem prejudicar a sua labilidade. Estes são os “ligandos pré-organizados” (os átomos doadores
ocupam posições perto das quais irão ocupar quando se formar o complexo), que possuem uma
estrutura rígida que necessitará de poucas alterações para formar o complexo, o que reduz o
gasto de energia necessária.

Os ligandos mais utilizados são polidentados, com


pelo menos 6 posições de coordenação.
Ex: complexos com 67Gd3+ podem adquirir geometria
prisma triangular com 3 faces centradas (TTP) ou antiprisma
quadrangular com 1 face centrada (CSAP) Ao ligar-se a
ligandos polidentados, as posições de coordenação ficam
todas ocupadas (--> seguro pois não se pode ligar a mais nada
--> evita a toxicidade), permitindo que fique livre apenas uma
posição para a molécula de H2O.

❖ Aplicações diferentes requerem ligandos diferentes

Sistema vascular: ao ligar o complexo a uma macromolécula permite-se a existência de


uma maior seletividade para os grandes vasos sanguíneos (angiologia), já que as
macromoléculas não conseguem entrar nos pequenos vasos. A concentração das
macromoléculas no sangue varia com o tempo, sendo que depende das suas propriedades. À
medida que as macromoléculas aumentam de tamanho, a retenção dos complexos de Gd no
sangue aumenta e mantêm-se estáveis durante mais tempo.
A ligação do complexo à macromolécula altera a sua relaxividade e a forma como o
complexo é excretado. Se a macromolécula puder ser quebrada em fragmentos mais pequenos,
a excreção é facilitada, o que representa também uma desvantagem pois perde-se a seletividade
(fragmentos pequenos já conseguem entrar em vasos pequenos). Ex: ligações S-S (ponte
dissulfito) quebram com alguma facilidade, sendo o polímero mais facilmente excretado.
• Blocos: o ligando faz parte da cadeia polimérica
• Ligandos ancorados à cadeia polimérica
• Dendrímeros:
o Conseguem suportar vários complexos
o Apresentam maior rigidez do que os seus análogos lineares
o Elevados pesos moleculares, o que dificulta a excreção --> toxicidade
• Micelas:
o Podem alojar complexos na parte interior e na parte exterior --> são
bifuncionais (podem ter, ao mesmo tempo um agente de contraste no exterior e outros
fármacos no interior)
o As micelas podem desintegrar-se a pH baixo ou por ação de uma fonte
externa de radiação

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• Grafting: métodos de ancoragem de um complexo de Gd à albumina sérica
humana (HSA)

1. Por ligação covalente: os grupos amina da


albumina vão reagir com os grupos anidrido do
ligando, formando uma ligação amida (amina +
grupo carboxilo). Isso faz com que o ligando do
complexo de Gd se possa ligar covalentemente à
HSA. Como a estrutura formada é rígida, sendo as
ligações mais fortes e consequentemente mais
difíceis de quebrar e de metabolizar, a sua excreção
é mais difícil, ficando acumulada no organismo com
possíveis problemas de toxicidade.

2. Por ligação hidrofóbica: o complexo liga-se


à HSA através de uma ligação por forças de Van de
Waals (ligação hidrofóbica ou lipofílica). Esta é mais
fraca, sendo mais fácil de quebrar e metabolizar,
facilitando a sua excreção. Isto verifica-se devido ao
equilíbrio que se estabelece entre o complexo
ligado à HSA e o complexo livre, sendo que este
último vai para os fluidos intercelulares, sendo
facilmente excretado, deslocando o equilíbrio no
sentido do complexo livre. A sua relaxividade é
inferior à do complexo + HSA (apresentando uma
fraca capacidade de contraste e de gerar grandes
alterações de sinal), mostrando que quando a HSA
está ligada ao complexo é necessária uma menor
quantidade para se verificar um sinal.

Cérebro: a barreira hematoencefálica impede a passagem de muitas moléculas para o


interior do cérebro. Apenas os complexos solúveis conseguem atravessar esta barreira na
presença de tumores e outras lesões.
Sistema gastrointestinal: a toma é por via oral e, por isso, os complexos têm de passar
as condições drásticas do estômago. Para isso, têm de ter um pH bastante baixo (< 2) e ser
resistentes à hidrólise.
Sistema hepatobiliar: os complexos têm de ter algum caráter lipofílico para serem
excretados e retidos no fígado. Se forem muito hidrofílicos, são excretados via sistema renal,
mas se forem muito lipofílicos ficam demasiado retidos no sistema hepático --> toxicidade.

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O ligando boptaH5 tem um grupo X com uma
cadeia longa, contendo um éter e um C6H5,
que conferem um certo caráter lipofílico à
molécula, sendo então preferencialmente
excretado via sistema hepático.

O Mn está envolvido na função das mitocôndrias.


Os hepatócitos são ricos em mitocôndrias, sendo
o Mn um ótimo agente de contraste para o fígado,
pâncreas e rins. Este complexo sofre
transmetalação (substituição, porque é lábil) por
Zn e o Mn liga-se a proteínas intracelulares,
aumentando bastante a relaxividade. Quando
existem metástases, os hepatócitos deixam de
reter os complexos de Mn, surge uma mancha
escura no RMN.

❖ Agentes de contraste T2

São nanopartículas de óxido de ferro que exibem paramagnetismo. Podem ser:


• Ultrasmall superparamagnetic iron oxide particles – USPIOs (diâmetro: 5-50 nm)
• Superparamagnetic iron oxide particles – SPIOs (diâmetro 50-150 nm)
• Micron-sized iron oxide particles – MSPIOs (≈1 µm)
Estas partículas não são administradas livres, necessitam de uma funcionalização
(cobertura de dextrano – inerte e não tóxica), que evita a agregação e a toxicidade destas
partículas.

Farmacocinética: são removidos da corrente sanguínea por endocitose, na qual os


macrófagos e outras células fagocitárias fagocitam as partículas e enviam-nas para os tecidos de
interesse. Deste modo, normalmente acumulam-se onde existe um grande número de células
fagocitárias – fígado, medula óssea e baço, e por isso, a maior parte é aplicada para imagiologia
destes órgãos. Os tempos de meia-vida dependem do tamanho, do agente de funcionalização e
da dose, podendo manter-se até 6 horas. A maior parte não é excretada, é metabolizada e passa
a fazer parte das reservas de ferro do organismo.
Aplicações: imagiologia do fígado (estes fármacos são retidos nos macrófagos dos
hepatócitos saudáveis, mas os macrófagos não existem (ou a sua função está diminuída) em
tecidos tumorais) e em locais com reações inflamatórias (há acumulação de células fagocitárias
nesses locais).

❖ Agentes de contraste para raios-X

Atualmente, em raio X de baixa energia, usa-se o BaSO4 para radiografias ao trato


intestinal. Apesar de o Ba ser tóxico, BaSO4 é muito insolúvel e por isso o Ba não está livre, logo

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não é absorvido. No passado, utilizou-se ThO2, mas deixou de ser utilizado devido à sua elevada
retenção e toxicidade a longo prazo.
A radiação de alta energia interfere muito pouco com as células, sendo pouco absorvido.
Se não há absorção, não se observa contraste (menor definição), logo tem pouco interesse para
radiografias. Para aumentar o interesse, já que provoca poucos danos ao organismo, podem-se
utilizar complexos de Gd ou complexos polimetálicos com tungsténio.

Imagiologia funcional – SPECT (single photon emission computed tomography) e PET


(positron emission tomography)

Explora as propriedades de elementos radiativos (radionuclídeos – emitem radiação


ionizante com energia suficiente para causar alterações químicas no tecido que atravessa) no
diagnóstico não invasivo ou tratamento de doenças.
A radiação emitida pelos radionuclídeos (decaimento radioativo) pode ser α (emissão
de núcleos de He – alcance muito pequeno, mas perigosa), β (eletrões - atinge uma maior
distância, mas perigosa) e γ (radiação eletromagnética – menos prejudicial). O ideal é escolher
radionuclídeos que apenas emitam radiação γ.

❖ Agentes SPECT
99m
Tc (metaestável) é muito utilizado pois emite radiação γ. A produção deste composto
pode ser realizada por um reator nuclear, ciclotrão ou gerador, sendo este último o mais
utilizado pois pode estar no local da análise.
A produção é feita através de
[99MoO]2- que decai naturalmente (com
emissão de radiação γ e β) para o 99mTc (decai
a 100% por radiação γ a um comprimento de
onda muito específico), devendo esta ser uma
reação simples, rápida e eficiente (sem criação
de outros produtos). O 99mTc tem um tempo
de meia-vida de 6 horas, de 99mTc para 99Tc,
sendo que este decai por emissão β, o que é
péssimo, mas o seu tempo de meia-vida é de
2,12 x 105 anos, sendo mínimo o risco para o
paciente (é quase estável).
A química do Tc é muito diversa, pois pode adotar estados de oxidação de -1 a +7, sendo
que pode formar uma variedade de complexos muito elevada. Então, é possível ajustar os
ligandos de modo a ter as características pretendidas.

NOTA: O 67Ga também decai 100% por radiação γ, mas isto ocorre a 3 comprimentos de onda
(correspondentes a 3 valores de energia diferentes), o que torna complicada a análise pois as
câmaras não apanham todos os comprimentos de onda --> menos intensidade de sinal. A sua
química é bastante simples, podendo substituir o Fe (III) por terem tamanhos e cargas iguais, e
acumula-se em zonas de inflamação e rápida divisão celular. Como é um elemento lábil, deve-
se saturar a sua coordenação, usando ligandos polidentados (para “ocuparem espaço” e

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dificultarem possíveis reações de substituição com ligandos competidores), de modo a garantir
a sua estabilidade.

Critérios para utilizar um radionuclídeo em imagiologia de diagnóstico:


• Deve ter baixa toxicidade química e radioativa
• Deve ser facilmente preparado em ambiente clínico – gerador
• Deve ser suficientemente estável para ter impacto apenas no local pretendido,
e consequentemente, ser seletivo
• Deve permanecer no local pretendido tempo suficiente para a obtenção da
imagem
• A biodistribuição deve refletir o estado da doença
• Os produtos do decaimento e da degradação não devem ser perigosos para o
paciente

❖ Aplicações:

Sangue e função cardíaca (angiografia): os radionuclídeos podem ser utilizados para a


marcação dos glóbulos vermelhos ou da albumina (HSA), permitindo a sua preparação in vitro
(retirar células, marcar e voltar a introduzir) ou in vivo (diretamente).
• In vitro: pode-se utilizar o 68Ga ou o 111In (têm um comportamento parecido com
o Fe (III), podendo substituí-lo na transferrina ou outras proteínas produtoras de ferro). No caso
do 99mTc, as células são tratadas com SnCl2.2H2O para reduzir o Tc que sai do gerador (sai Tc (VII)
e o pretendido é Tc (V)), sendo que o Sn extracelular é oxidado por hipoclorito e o Sn que está
no interior das células é que vai reduzir o Tc, que já se poderá ligar à hemoglobina.
• In vivo: deve-se administrar um composto de Sn (neste caso, pirofosfato), sendo
que após 30 minutos, o espaço extracelular está livre de Sn2+ (é metabolizado e eliminado) e já
se pode administrar o Tc (que irá ser reduzido no interior das células pois no exterior o Sn já foi
eliminado). Há kits comerciais com HSA que pode ser marcada com Tc, usando um agente
redutor.
Ossos: o fosfato é um componente importante da estrutura óssea, portanto os ligandos
a utilizar são fosfonatos ou difosfonatos – direcionam para o tecido ósseo (já que o centro
metálico é sempre o mesmo, os ligandos é que vão decidir o destino dos radionuclídeos). Estes
complexos são facilmente excretados pelo sistema renal, pelo que o que não for absorvido pelos
ossos, é rapidamente excretado (fazendo desaparecer a radiação de fundo). A forma como o
99m
Tc se acumula no tecido danificado não é completamente clara – pode ser por aderência a
proteínas desnaturadas, ligação a depósitos de Fe em tecidos moles ou por ligação ao Ca2+ em
lesões metásticas e em tecido morto.
Rins: os complexos utilizados devem ser bastante hidrofílicos para serem excretados
pelo sistema renal (se forem lipofílicos seguem a via hepática). De acordo com as propriedades
hidrofílicas/lipofílicas dos ligandos, consegue-se controlar a quantidade que vai para o sistema
renal. Normalmente os complexos têm grupos OH, tornando-os polares e hidrofílicos.
Fígado e sistema hepatobiliar: os complexos devem ser lipofílicos. Os complexos podem
ser parecidos aos utilizados para imagiologia renal, fazendo variar alguns grupos de modo a
tornar o complexo mais lipofílico. Também se podem utilizar complexos com 103Ru (em vez de
99m
Tc) pois este tem um tempo de meia vida superior.
Coração: inicialmente usava-se 201Tl, mas concluiu-se que este podia ser expulso das
células do miocárdio durante a contração e deixou de ser utilizado. Verificou-se que complexos

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catiónicos com caráter lipofílico (mas que seja mais retido no coração do que no fígado) e com
o 99mTc em baixo estado de oxidação (+1 até +3) eram adequados para esta imagiologia. O
ligando que melhor estabilizaria estes estados de oxidação seria o CO (o Tc com baixos estados
de oxidação tem bastante densidade eletrónica, sendo que um ligando aceitador π retira-lhe
alguma densidade eletrónica) mas não confere características lipofílicas ao complexo e não
permite modificações. O melhor ligando é então o CNR (continua a ser aceitador π e pode-se
alterar o grupo R, de forma a alterar as propriedades de lipofilicidade/hidrofilicidade de acordo
com as características pretendidas. A alteração do grupo R permite também que a quantidade
que não ficar retida no coração seja rapidamente excretada (diminuindo a radiação de fundo).
Alguns complexos podem também ter fosfinatos.

Oncologia: nenhum agente de diagnóstico tem uma aplicação universal pois cada tecido
tumoral tem as suas características, o que dificulta a análise e o tratamento. Os ligandos do
agente têm de ser bifuncionais – o radionuclídeo funciona como a fonte de radiação para a
imagiologia e o ligando mimetiza uma molécula que se liga a um recetor específico nos tecidos
tumorais. Não é garantido que, ao ligar o ligando ao Tc (ou outro metal), ele continue a ter a
molécula na conformação correta para ser reconhecido pelos recetores. Uso de anticorpos ou
fragmentos de anticorpos: não se costumam utilizar anticorpos intactos, pois eles são
lentamente eliminados dos tecidos não-alvo (muita radiação de fundo) e podem ficar demasiado
tempo retidos no fígado. O anticorpo reage com o ligando.
Cérebro: os complexos têm de ser neutros, com massa molecular baixa, e devem ter um
balanço adequado entre as propriedades hidrofílicas e lipofílicas (se forem muito hidrofílicos
não atravessam a barreira; se forem muito lipofílicos há competição com outras estruturas
celulares, sendo baixa a quantidade de complexos que atravessa a barreira (alguns vão para o
fígado e são rapidamente excretados)). Se a barreira hematoencefálica estiver danificada, os
agentes de diagnóstico atravessam facilmente nesses locais onde há lesão. Se a barreira não
estiver danificada, os complexos devem ser capazes de a atravessar e de se acumularem dentro
dela (conseguem atravessar a barreira, mas não podem sair imediatamente). Então, eles devem
ter características que lhes permitam ser alterados (ex: hidrólise) no interior do cérebro para
ficarem mais hidrofílicos, dificultando a sua passagem no sentido contrário (para fora do
cérebro).
SNC: Verifica-se o mesmo problema da bifuncionalidade. Utilizar um ligando grande não
resolveria este problema pois, apesar de a ligação do Tc pouco influenciar a molécula (porque
está longe), o complexo deixaria de conseguir atravessar a barreira hematoencefálica e poderia
ser metabolizado antes.

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❖ Agentes PET

A decomposição por emissão de positrões é detetada quando o positrão colide com um


eletrão, aniquilando-se mutuamente e emitindo dois raios γ a 180º. Não há muitos
radionuclídeos a decomporem-se por emissão de positrões, sendo alguns exemplos o 82Rb+,
64
Cu, 66Ga, 68Ga e 86Y.
• 82Rb+: tempo de meia vida=75 s. Como é um elemento do bloco s, é
extremamente lábil e não é possível controlar a sua biodistribuição através da química de
coordenação, pois não forma muitos complexos.
• O 64Cu (t1/2=10 minutos) decai por 2 formas: emissão de positrões (radiação β+)
e emissão de eletrões (radiação β-). Pode ser interessante para fazer diagnóstico e tratamento
ao mesmo tempo. O Cu tem uma vasta química de coordenação, permitindo variar os ligandos
e controlar a biodistribuição. Além disso, há uma classe de compostos que tem despertado
interesse: Cu-PTSM e Cu-ATSM. Estes complexos são lipofílicos e conseguem atravessar
facilmente as membranas celulares. Há uma acumulação significativa do Cu (especialmente do
62/64
Cu-ATSM) em tecidos onde a quantidade de oxigénio é baixa (hipoxia), como é o caso de
tecidos tumorais. Estes complexos entram nas células, onde são reduzidos de Cu2+ a Cu+ (daí a
importância de não haver oxigénio - se houvesse havia uma reoxidação a Cu2+), tornando o
complexo instável e deixando o Cu livre. É favorecida a ligação do Cu+ a proteínas intercelulares,
ficando retido, o que pode ser interessante para tratamento (eliminação) dos tumores.
• O 67Ga (bloco p) tem uma química de coordenação pouco variada, por isso não
forma muitos complexos. Além disso, o hidróxido de gálio (Ga(OH)3) forma-se com alguma
facilidade a pH fisiológico, e como é insolúvel pode representar um problema. O Ga3+ tem
algumas características semelhantes ao Fe3+, podendo ocorrer transmetalação na transferrina,
e acumulação em zonas onde há esse e outros transportadores de ferro. O 67Ga não é emissor
de positrões (não é agente PET), mas o modo de atuação é semelhante ao 66Ga e 68Ga (podem
ser produzidos por ciclotrão). Tanto o 66Ga como o 68Ga podem ligar-se a moléculas com alguma
função no organismo ou a moléculas que mimetizam alguma molécula.
A maioria dos fármacos para PET não são de radionuclídeos metálicos, mas sim de 15O,
13
N, 11C e 18F. Alguns radionuclídeos metálicos são igualmente utilizados, se tiver uma boa
química de coordenação.

Química de coordenação em terapêutica – Terapêutica antitumoral

Qualquer tratamento para o cancro tem efeitos secundários muito severos (rins, bexiga,
etc) porque a maior parte dos fármacos não são seletivos – afetam maioritariamente células
com divisão celular descontrolada, mas acabam por afetar outras células.
Vários complexos de diversos metais têm apresentado atividade antitumoral em ensaios
laboratoriais, sendo o complexo por excelência a cisplatina (cis-[Pt(NH3)2(Cl)2]), muito utilizado
para o tratamento de cancro nos testículos e nos ovários.
Devido à toxicidade da cisplatina para os rins e à resistência que em determinados casos
os tumores desenvolvem a este fármaco, outros complexos de platina estão aprovados para uso
clínico ou em fase final de aprovação. Alguns complexos de platina de 2ª geração estão
aprovados e permitem ultrapassar a resistência do organismo à cisplatina e outros têm
aplicações para outros tipos de tumores (ex: carboplatina, nedaplatina, oxaliplatina, lobaplatina,
etc). Todos eles têm um grupo carboxilato bidentado, que altera a velocidade de substituição

Maria Mouta, nº 64602


do complexo e a sua labilidade, e, ao alterar a estrutura dos ligandos, podem-se alterar as
propriedades de lipofilicidade/hidrofilicidade, solubilidade, direcionalidade, etc, resultando em
atividades e especificidades diferentes.

❖ Estrutura e atividade

O complexo cisplatina possui 2 ligandos lábeis (Cl-) e 2 ligandos neutros (NH3) que são
inertes em condições biológicas. Verificou-se que complexos neutros com 2 ligandos lábeis em
posição cis e 2 ligandos com fraco efeito trans são os que apresentam melhores resultados. Além
disso, ligandos volumosos podem exercer efeitos estereoquímicos que alteram a sua labilidade.
O complexo trans é inativo, assim como complexos com piridina em vez da amina e
complexos análogos de 46Pd (Pd(NH3)2(Cl)2]). Como o Pd é da 2ª série de transição, é mais lábil
do que a Pt (3ª série de transição), sendo as reações de substituição mais rápidas, podendo
mesmo ocorrer antes de atingir as células-alvo – são inativos. No entanto, há alguns complexos
de Pd que têm atividade antitumoral, quando estão associados a ligandos quelantes que
diminuem a labilidade e a velocidade das reações de substituição (efeito quelante), conseguindo
levar os complexos para o interior das células, já apresentando atividade citotóxica.

Os ligandos amina afetam a atividade do complexo de 3 maneiras diferentes:


1. Solubilidade: podem-se aumentar as propriedades lipofílicas ao adicionar substituintes
de hidrocarbonetos de azoto, aumentando a solubilidade e a atividade citotóxica, mas também
a toxicidade.
2. Propriedades doadoras da amina: através do efeito trans pode-se modificar a
labilidade e velocidade de substituição dos ligandos em posição trans.
3. Tamanho e forma dos ligandos: como são complexos de geometria quadrangular
plana, as reações de substituição são ativação associativa. Deste modo, a velocidade da hidrólise
dos ligandos Cl- está relacionada com as capacidades doadoras e com os efeitos estereoquímicos
que afetam o intermediário

A reatividade dos ligandos aniónicos é um parâmetro importante a considerar, sendo


que a sua labilidade pode ser alterada com a escolha dos ligandos neutros. Por exemplo,
complexos com ligandos carboxilato apresentam atividade, sendo possível variar a sua estrutura
(ao contrário do que acontece com o Cl-).

O complexo JM216 (Pt4+) tem um ligando hexilamina


que confere propriedades lipofílicas, que lhe permite
ser absorvido pelo intestino. Além disso, o complexo é
menos reativo do que complexos com Pt2+, fazendo
com que aguente condições drásticas da acidez do
estômago, que lhe permitiria ser administrado por via
oral, em vez de intravenosa, e depois ser absorvido no
intestino. Na corrente sanguínea, ocorre a redução de
Pt4 a Pt2+, por perda dos dois ligandos axiais. A forma
ativa é o complexo de Pt2+, parecido à cisplatina

Os fármacos de platina são muitas vezes erradamente chamados de agentes


alquilantes (transfere para a cadeia de ADN um alquilo). O princípio de funcionamento é

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idêntico: o agente alquilante “pendura” uma parte da molécula no ADN; os complexos de
platina fazem mais ou menos o mesmo, mas com uma Pt – porque não têm grupos alquilo!

❖ Modo de atuação da cisplatina A cisplatina encontra-se na corrente


sanguínea, na qual a [Cl-]=100mM, o
que evita as reações de hidrólise. É
capaz de atravessar as membranas
celulares (difusão passiva ou transporte
ativo), sendo que, no interior das
células, [Cl-]=3-20mM, sendo que a
substituição de Cl- por H2O é mais
favorável. Uma parte da cisplatina vai
ligar-se ao ADN, outra parte às
mitocôndrias, e outra parte é retirada
da célula por moléculas que contêm S –
ganho de resistência (quanto +
cisplatina é introduzida na célula, +
cisplatina é retirada, deixando de fazer
efeito).

Verifica-se que cineticamente é mais favorável a ligação da Pt a átomos de S (+ rápida),


mas termodinamicamente é mais favorável a ligação a
átomos de N (+ estável). Por isso, os ligandos
intracelulares com S podem ser preferidos inicialmente,
podendo funcionar como depósitos de platina, mas
depois ocorre migração para átomos de N (DNA). Então,
as ligações iniciais são ao S da cisteína, mas depois há
uma migração para o N (7) do grupo guanosil.

Para minimizar os efeitos secundários da cisplatina (ganho de resistência), costumam-


se administrar certos compostos de enxofre que funcionam como “agentes protetores” (ex:
Amifostina). Por ação da fosfatase alcalina, o grupo S-
fica livre para se ligar à Pt. Sendo que esta reação
ocorre mais facilmente em tecidos com pH básico, não
se verifica em
tecidos tumorais
(cujo pH é ácido), mas sim noutros órgãos, funcionando
como proteção e minimizando efeitos secundários.

Verifica-se que a cisplatina suprime a mitose, então


o DNA é a molécula alvo deste agente. Liga-se
preferencialmente à guanosina, mas também se pode ligar,
em menor extensão, à adenosina. São vários os tipos de
ligação que se podem verificar: ao esqueleto da hélice, a
uma base (por 1 ou 2 posições), a duas bases de cadeias

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diferentes ou da mesma cadeia (crosslink 1,2 – bases consecutivas, ou crosslink 1,3), a uma base
e uma proteína, entre outros.
Quando ocorre crosslink, a cisplatina faz distorcer a própria geometria em torno do
centro metálico assim como torcer uma das cadeias de DNA, podendo causar problemas em
várias funções:
• Inibição da síntese de novas cópias de DNA
• Bloqueio da transcrição do DNA para a síntese de proteínas
• Inibição ou promoção da ligação de diversas proteínas ao DNA
• Degradação das regiões teloméricas (ricas em guanina) ou inibição da atividade
da telomerase, podendo levar a apoptose em caso de degradação extrema.

Processo de reparação do DNA (ganho de resistência)


A ligação da cisplatina ao DNA (por reações de substituição) estimula diversos processos
de reparação das cadeias.
Quando as proteínas se ligam à platina, há enzimas que as reconhecem e cortam a
cadeia de DNA nessa zona, substituindo por uma parte nova. O isómero trans forma
maioritariamente crosslinks 1:3, que são mais facilmente removidos do que os 1,2, o que pode
ser uma justificação para ele ser inativo.
Se o processo de reparação do DNA for mais rápido e eficiente do que a ligação da
cisplatina, a cisplatina será removida e não terá o efeito terapêutico desejado.

Há outras formulações para os fármacos de platina – lipossomas sintéticos que no


interior alojam complexos de cisplatina (Lipoplatina e SPI-77) ou oxaliplatina (Lipoxal). Devido
ao crescimento anormal, os tecidos tumorais precisam de uma grande e rápida vascularização,
o que não permite que as paredes dos vasos fiquem completamente bem formadas. Nessas
zonas mal formadas, é relativamente mais fácil que estes lipossomas se fundam com as paredes
dos vasos e que os complexos fiquem logo nos tecidos tumorais, garantindo uma maior
seletividade para tecidos tumorais e menos efeitos secundários noutros órgãos, porque nos
tecidos saudáveis o atravessamento é mais difícil e há menos Pt a passar para os tecidos.

❖ Complexos de Pt4+

Os complexos de Pt4+ são octaédricos e muito mais inertes do que os complexos com
2+
Pt , tendo potencial para evitar a inativação antes de atingirem as células-alvo e ultrapassar
algumas das limitações da Pt (II). Pt (IV) é facilmente reduzida a Pt (II) no interior das células,
libertando os ligandos axiais e o fármaco ativo de Pt (II), mas com um maior potencial
terapêutico.
A fácil modificação dos ligandos axiais permite uma via efetiva e conveniente para a
construção de novos complexos com propriedades específicas. Os ligandos axiais podem ter
algumas potencialidades como a direcionamento para estruturas específicas (DNA,
mitocôndrias, enzimas, etc), ligação a certos recetores, terem atividade, etc.

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❖ Complexos com outros metais

A bleomicina é administrada como fármaco por si só, mas atua na forma de complexo:
a bleomicina será um ligando que se liga a um metal, formando um complexo. O metal pode ser
Fe2+, Co2+, Cu+, que será oxidado pelo O2 (formando um peróxido que irá provocar a cisão das
cadeias de DNA). No entanto, se o complexo for com Zn2+, o mesmo não se verifica.
O mecanismo de atuação da bleomicina é um processo de oxidação-redução, iniciado
no metal. A bleomicina tem uma zona planar que lhe permite ser intercalada entre 2 bases do
DNA, fixando o complexo e ficando o metal junto à desoxirribose, iniciando o ataque redox,
levando à fragmentação da cadeia do DNA.
Em complexos simples de Fe2+ e Co2+, a reação com oxigénio molecular leva à oxidação
irreversível do complexo e eventualmente à decomposição. No entanto, quando os ligandos
protegem estruturalmente o Fe2+ (hemoglobina, citocromo P450, etc), isto já não acontece, pois
já não ocorre formação de um complexo binuclear (não é possível ligarem-se 2 moléculas de
hemoglobina).

❖ Intercaladores de DNA

São complexos que têm uma ou mais zonas planares que se conseguem encaixar (pontes
de H ou forças de Van der Waals) entre as bases das hélices, o que pode provocar reação redox
ou distorção.
Estes complexos têm interesse para terapia fotodinâmica (reação radicalar iniciada por
luz – fotocatálise). Os metais utilizados são fotoativos e provocam a cisão do DNA por
mecanismos radicalares na ausência de oxigénio (porque os tecidos tumorais estão em hipoxia).
A seletividade de intercalação é condicionada pelos ligandos e tem sido mostrado que é
possível a interação com bases específicas dependendo do ligando (que é capaz de fazer certas
ligações com certas bases), podendo causar perturbações a vários níveis sem cisão das cadeias.

❖ Metais do meio e final do bloco d

Os complexos de Ru têm tido algum interesse para fármacos para oncologia, já que, em
termos químicos, pode ser esperado que Ru3+ se comporte de forma similar ao Fe3+.
O Ru forma complexos octaédricos e ligações fortes com diferentes elementos,
indicando que se podem variar os ligandos e a química de coordenação. Em condições
fisiológicas, pode apresentar estados de oxidação +2, +3 e +4, o que comprova a possibilidade
de realizar reações de oxidação-redução, além das reações de substituição (Pt só efetua reações
de substituição). Além disso, a velocidade de troca de ligandos é da ordem de grandeza da
velocidade da divisão celular (troca relativamente lenta – se se liga a alguma estrutura, fica lá
ligado enquanto a células existir (quase), podendo exercer o seu efeito).

Existe a teoria de que o Ru seja menos tóxico que a Pt:


• 1ª hipótese: ativação por redução (só em alguns complexos), ou seja, o Ru3+ seria
administrado e em tecidos tumorais a redução a Ru2+ seria facilitada, sendo esta a espécie ativa.
As zonas com bons níveis de oxigénio estão “protegidas”, não tendo tantos efeitos secundários
como no caso da Pt.

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• 2ª hipótese: o transporte para o interior das células é mediado pela transferrina,
em substituição ou em conjunto com o Fe. Logo, o Ru não estaria livre, dificultando a dispersão
para outros sítios.

O Ruthenium red ([(Ru(NH3)5(μ-O)(Ru(NH3)4(μ-O)(Ru(NH3)5)]6+) é um corante utilizado


para preparações biológicas, que se liga a polianiões e verifica-se a sua acumulação em tumores,
interferindo no seu crescimento.
Os cloroaminocomplexos apresentam problemas de solubilidade, que podem ser
resolvidos com os contraiões indicados. Os clorocomplexos de Ru3+ são transportados no sangue
através da HSA e da transferrina. Há formação de ligações com o DNA (embora os mecanismos
sejam pouco claros) e a atividade citotóxica é aumentada em regiões deficientes em oxigénio, o
que pode indicar que a redução de Ru3+ a Ru2+ (complexo ativo) é um passo importante.

Expectativas com complexos de Ru:


• NAMI-A: mostrou potencialidade na inibição da formação de novas metástases,
o que seria algo inédito, já que é difícil de resolver (já que os fármacos costumam atuar nos
tumores principais).
• KP1019: parece perturbar o equilíbrio redox em meios redutivos (não atua por
ligação ao DNA). Inibe um importante regulador celular, ativo nas células tumorais, facilitando
a atuação de outros fármacos.

Terapêutica da artrite reumatoide

O tratamento da artrite reumatoide pode ser bastante variado, consoante a evolução


da doença e da resposta do doente aos vários tratamentos.

❖ Crisoterapia

Utiliza Au com estados de oxidação (+1) e (+3), com geometrias e afinidades diferentes.
É um metal completamente inerte, mas na forma de complexo pode ter alguns efeitos
secundários.
• Au(+1): geometria linear, trigonal e tetraédrica. Tem grande afinidade para
ligandos “macios” com átomos S ou P, e também CN- devido à sua carga negativa e propriedades
de aceitador π
• Au(+3): geometria quadrangular plana

Há vários complexos de Au (pró-fármacos – administrados na forma inativa, sendo


ativados junto ao local de ação – neste caso, a ligação à HSA)) que têm sido usados para o
tratamento da artrite reumatoide, maioritariamente de injeção intravenosa, mas há também o
Auranofin®. É de toma oral, mas o seu uso tem decaído devido aos efeitos adversos. No entanto,
o seu modo de inibição de enzimas redox como a TrxR (altera o controlo das espécies de oxigénio
reativas no interior das células) tem levado a diversos estudos envolvendo outras aplicações
terapêuticas).
Na corrente sanguínea, os complexos de Au sofrem uma reação de substituição, ligando-
se a HSA que irá transportar o complexo até às células alvo (a forma ativa será, no caso do

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Auranofin®, S-Au-PEt3). Os ligandos servem para tornar o complexo estável, que permita a sua
correta administração e transporte.

O mecanismo de atuação é complexo, mas envolve principalmente:


• Inibição de alguns fatores de transcrição relacionados com proteínas envolvidas
nos efeitos inflamatórios
• Formação de complexos com cianetos que facilitam o transporte e acumulação
no interior da célula
• Formação de complexos de Au(+3) através de um ciclo redox, que podem ligar-
se a proteínas e provocar alterações em alguns ciclos redox celulares e alterações estruturais
que diminuam o seu reconhecimento pelo sistema imunitário como “estranhos” e assim
diminuir a resposta inflamatória.

Terapêutica por quelação

Por vezes, por causas genéticas ou por intoxicações pontuais, ficamos com um
desequilíbrio de determinado metal, o que é bastante prejudicial. A remoção do metal pode ser
feita através de um quelante muito seletivo, que não seja tóxico e que seja excretado com
facilidade para que não se acumule, o que não é nada fácil.

❖ Antibióticos macrocíclicos

Estes fármacos são capazes de sequestrar metais ao interromper um processo


bioquímico indesejado, nomeadamente o metabolismo do sódio (Na+) e potássio (K+). O objetivo
não é a remoção destes iões, mas sim interferir com o seu uso pelas bactérias e assim produzir
um efeito antibacteriano.
Ex: nonactina e valinomicina (fazem uso do caráter duro destes iões)

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O K+ não estabelece ligações covalentes (pois não
forma complexos), sendo as suas ligações as
eletrostáticas. Como o fármaco pode estabelecer
várias ligações com este ião, o K+ é mantido naquele
sítio e então é possível interferir nos processos
biológicos onde ele intervém.

(O mesmo acontece com Na+)

❖ Intoxicação por metais

A terapia por quelação surgiu no século XX para moderar os efeitos tóxicos dos
compostos de arsénio (As) no tratamento da sífilis.
Os ligandos EDTA e DTPA foram usados para tratar a intoxicação por chumbo (Pb) e por
radionuclídeos. Apesar de se distribuírem no espaço extracelular e de serem rapidamente
excretados, são pouco seletivos e podem complexar com vários metais. Por exemplo, têm um
efeito tóxico porque também sequestram e removem muito bem o Ca2+ e o Zn2+, que são
importantes para diversos processos celulares. Estes efeitos podem ser moderados usando
EDTA na forma de sal de cálcio ou zinco, em vez de EDTA na forma sódica/protónica.
Nos anos 50, foram desenvolvidos diversos antídotos (agentes complexantes) para o gás
Lewisite (é um composto de As).

❖ Aplicações

• Alumínio (Al): tratado usualmente com dfoH3


• Antimónio (Sb): é um componente do tratamento da esquistossomose ou
bilharzíase (parasita). Os casos humanos de intoxicação têm sido tratados com dmpaH2, dmsaH4
ou dmpsH3
• Arsénio (As): têm sido usados dmpaH2 e dpaH2
• Bismuto (Bi): é usado para o tratamento de desordens gástricas. Intoxicações
têm sido tratadas com dmpaH2 ou dmpsH3
• Cobre (Cu): intoxicações por este metal têm sido tratadas com dmpaH2, dpaH2
ou dmsaH4

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• Ferro (Fe): intoxicação devido a vitaminas e suplementos minerais. Dependendo
da gravidade dos casos, o uso de dfoH3 tem mostrado ser efetivo
• Chumbo (Pb): os melhores resultados têm sido obtidos com dmsaH4
• Plutónio (Pu): este elemento apresenta um caráter duro, mas o grande raio
iónico do ião Pu4+ permite um número de coordenação 8. O agente sequestrante devem ter
números de coordenação elevado (o edta nunca poderia ser), como o dtpa5-ou ainda o lihopoH4
ou dfohopoH4

❖ Talassémia

Este tipo de anemia é tratado com frequentes transfusões de sangue, o que leva a uma
acumulação de ferro. A remoção desse ferro excessivo por quelação prolonga a esperança de
vida destes doentes.
O EDTA não é um bom agente sequestrante neste caso, devido à falta de seletividade.
O primeiro agente a ser utilizado foi o dfoH3, mas que não pode ser tomado por via oral, é caro
e tem efeitos secundários significativos.
Têm sido considerados outros agentes sequestrantes mais pequenos, que conseguem
resistir melhor a ambientes ácidos e não removem o ferro da hemoglobina e citocromos. Além
disso, podem entrar na estrutura da ferritina e mobilizar o ferro armazenado. Os ligandos
polidentados são vantajosos porque diminuem a possibilidade de reações redox Fe3+/Fe2+.

❖ Doença de Wilson

Resulta de uma desordem genética que leva à acumulação de cobre no fígado e que,
devido à deficiente excreção biliar, resulta na libertação de um excesso de cobre na corrente
sanguínea, o que vai afetar vários órgãos. O tratamento de excesso de cobre por quelação tem
que ter em conta que será um tratamento durante toda a vida, logo a toxicidade do agente
sequestrante é um fator muito importante.

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O cobre é absorvido como Cu2+ (mais duro, prefere ligandos com N e O, formando
complexos octaédricos ou quadrangulares planos) mas sofre redução a Cu+ (prefere ligandos
com S e P, formando complexos com geometrias aproximadamente tetraédricas).
Um dos agentes usados é a d-penicilamina, que atua sobre o Cu+. No entanto, apresenta
toxicidade a longo prazo, muitos pacientes apresentam hipersensibilidade e também agrava
problemas de hipersensibilidade. Outro sequestrante que tem sido testado é o tetaH2 que atua
sobre o Cu2+, mas não parece atuar sobre o cobre existente no fígado. Outros fármacos atuam
nas células do intestino, evitando a absorção, como o acetato de zinco e o [MoS4]2- (apresenta
toxicidade).

Radioterapia

• Tratamento externo: tudo o que está entre a fonte de radiação e o tecido alvo é
afetado pela radiação
• Tratamento interno: administra-se um radionuclídeo e, com os ligandos adequados,
ele é direcionado para o tecido alvo - os tecidos que estão saudáveis são poupados à radiação.

A radioterapia convencional é de difícil aplicação quando existem metástases. Um


radiofármaco deve acumular-se no tecido alvo com elevada seletividade (para não afetar os
restantes tecidos com radiação indesejada).
• Emissores α: o núcleo do radionuclídeo decompõe-se por emissão de partículas
α (de curto alcance, < 0,1 mm). Existem poucos radionuclídeos que cumpram estes critérios:
211
At (t1/2=7,2 h) e 212Bi (t1/2=1 h).
• Emissores β: decompõem-se emitindo eletrões (radiação β). Tem um maior raio
de ação (até mais de 1 cm) e uma maior variedade em termos de energia e de química.

NOTA: A radiação por si só não causa grandes danos, mas cria radicais livres (ex: OH.) que depois
vão participar em reações radicalares que levam à destruição das estruturas celulares. Ex: reação
da bleomicina que quebra as cadeias de DNA.

O primeiro fármaco a ser aprovado foi o 89Sr (estrôncio), na forma de SrCl2, utilizado para
paliação da dor em metástases ósseas. É incorporado na matriz da hidroxiapatite do osso por
troca com iões Ca2+, já que são parecidos. É bastante lábil e acumula-se preferencialmente nos
ossos, mais concretamente nas lesões.
Além deste, também o complexo de 153Sm (samário) com edtmpH8 foi aprovado. Tem
uma energia inferior e consequentemente um menor alcance. O ligando utilizado permite a
coordenação 8 e a transmetalação com a hidroxiapatite dos ossos.
Também o 186Re (rénio), na forma de Re-HEDP, foi aprovado na Europa. Tem um tempo
de resposta menor (menor tempo de meia vida) mas também atua durante um menor período
(exerce a sua função, mas não afeta negativamente outros tecidos). O 188Re pode ser obtido por
um gerador, mas a sua energia e distância de penetração são elevadas e, como é utilizado para
os ossos, pode afetar a medula óssea, causando problemas de mielossupressão (diminuição da
atividade da medula óssea).
Outros radionuclídeos têm sido investigados para este efeito, como os complexos de
117m
Sn (estanho) e 166Ho (hólmio). Como os complexos de Sm3+ e Ho3+ são muito lábeis, usa-se
normalmente um excesso de ligandos (razão ligando:metal muito elevada (300:1)) ou ligandos

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macrocíclicos, de modo a diminuir a labilidade e reações de substituição desses complexos, ao
deslocar o equilíbrio no sentido do complexo, garantindo que o ligando está sempre ligado ao
metal.

❖ Radioimunoterapia

O desenvolvimento de anticorpos monoclonais e fragmentos de anticorpos específicos


para determinadas células tumorais tem permitido avançar na investigação relativa ao
transporte de radionuclídeos seletivamente até às células alvo.
Utilizam-se anticorpos monoclonais, que são reconhecidos por determinados antigénios
(recetores) presentes em células tumorais, aos quais se liga um radionuclídeo que se decompõe
preferencialmente no sítio onde o anticorpo se for ligar.
Tradicionalmente era usado o 131I (iodo) mas mais recentemente tem crescido o
interesse no 90Y (t1/2=2,7 dias), obtido a partir do decaimento do 90Zr (zircónio) e são conhecidos
métodos de ligação do 90Y3+ (ítrio) a anticorpos.
O Zevallin® foi o primeiro radiofármaco de 90Y bifuncional a ser aprovado.

❖ Radiossensibilizadores

A maior parte dos danos causados nas moléculas biológicas pela radiação ionizante
resulta da formação de espécies reativas (radicais) na presença de oxigénio.
Os radiossensibilizadores aumentam a sensibilidade dos tecidos à radiação: com a
mesma quantidade de radiação conseguem-se danos maiores nas estruturas celulares, com o
aumento do número de radicais.
Como muitos dos tecidos tumorais são deficientes em oxigénio, usam-se estes
radiossensibilizadores para aumentar a quantidade de radicais (e não a quantidade de O2!!!)
quando sujeitos a radiação. Ex: diversos complexos de Pt, Co, Ni e Ru, assim como quinonas e
grupos nitro.

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