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PLANEJAMENTO BASEADO EM CAPACIDADES

CMG (RM1) Luiz Carlos de Carvalho Roth*


CMG (Ref) Eduardo Hartz Oliveira*

1. INTRODUÇÃO acadêmica, gerando imenso volume de trabalhos e


estudos sobre o tema. Essa projeção adquiriu tal
Em 2008, a Estratégia Nacional de Defesa dimensão que o PBC começou a ser considerado,
(END), em sua Diretriz nº 181, prescrevia a adoção equivocadamente, como uma forma independente
da abordagem por capacidades no planejamento de planejamento estratégico. Na realidade, o PBC
da estrutura de defesa nacional. é tão-somente um dos diversos métodos existentes
Após algumas iniciativas sem sucesso, no âmbito da sistemática de Planejamento de
visando ao estabelecimento de metodologia para o Forças a qual, por sua vez, constitui, apenas, uma
Planejamento Baseado em Capacidades (PBC) no das etapas de um processo maior que vem a ser o
processo de planejamento estratégico brasileiro, o planejamento estratégico voltado ao preparo das
Ministério da Defesa (MD) iniciou, em março de Forças Armadas. Portanto, colocar o PBC em sua
2016, novo estudo para sua viabilidade, conduzido dimensão correta, constitui a primeira correção a
por um Grupo de Trabalho (GT-PBC) integrado ser adotada.
por representantes do MD e das três Forças Em segundo lugar, fruto das considerações
Singulares. Após nove reuniões (quatro em 2016 e que foram feitas quando da divulgação da Diretriz
cinco em 2017) chegou-se a uma proposta final nº 18 (END - 2008), a percepção que se tornou
dessa metodologia, a ser encaminhada às Forças corrente foi a de que o PBC substituíra o processo
para apreciação. de Planejamento Baseado em Ameaças, que havia
Os principais entendimentos alcançados no vigorado durante o período da Guerra Fria, em
âmbito das reuniões promovidas pelo MD, os face de novo contexto, ainda atual, de ausência de
quais deverão ser consolidados em um guia sobre ameaças definidas. Tal interpretação errônea não
PBC, são apresentados abaixo, sendo que o foco ocorreu apenas no Brasil, mas também em vários
do primeiro tópico é, justamente, o que não deve outros países, inclusive nos Estados Unidos da
ser considerado como PBC. América (EUA). Ainda que esta tenha sido a ideia
inicial, o entendimento resultante dos estudos
2. O QUE NÃO É PBC posteriores - e confirmado pelo GT-PBC - é o de
que não se pode considerar o planejamento de
A ausência de um conceito doutrinário uma estrutura de defesa sem levar em conta as
consagrado para o processo de PBC, além da ameaças e os desafios à segurança nacional.
ambiguidade semântica em torno do termo As diferenças existentes entre o PBC e o
“capability”, até mesmo no seu idioma de origem, Planejamento Baseado em Ameaças não dizem
deu margem a distorções e interpretações erradas, respeito à existência, ou não, de ameaças, as quais
que devem ser inicialmente esclarecidas. ambos modelos consideram, mas, sim, a outros
A primeira delas deve-se ao fato de o PBC aspectos e parâmetros. Em termos práticos, em
ter adquirido projeção incomum no âmbito das uma eventual necessidade de modernização de
forças armadas de diversos países. A falta de uma força naval, a pergunta não seria “que meios
consenso conceitual despertou o interesse de devem ser obtidos para substituir os atuais?”, mas
pesquisa, tanto na área militar, quanto na “que aptidões devem ser desenvolvidas para
garantir o cumprimento das respectivas
* Oficiais da EGN integrantes do GT-PBC do MD. atribuições?”. Trata-se de uma mudança de
1
“Estruturar o potencial estratégico em torno de filosofia quanto ao preparo das Forças, que a END
capacidades. Convém organizar as Forças Armadas em
torno de capacidades, não em torno de inimigos
específicos. O Brasil não tem inimigos no presente. Para
não tê-los no futuro, é preciso preservar a paz e preparar-
se para a guerra.” (BRASIL-END, 2008, p. 16).

-1-
de 2016, em sua nova redação, passou a Definido o conceito de “capacidade”, o GT-
expressar2. PBC apresentou seu entendimento de PBC:
Por fim, o PBC, apesar de buscar aderência conjunto de procedimentos voltados ao preparo
às realidades orçamentárias e tecnológicas, não das Forças Armadas, mediante a aquisição de
resolve, como qualquer outro método, os capacidades adequadas ao atendimento dos
problemas de se ter e manter uma Força Armada, interesses e necessidades militares de defesa do
sem contar com a “vontade política”. Entretanto, Estado, em um horizonte temporal definido,
ele auxilia na sistematização dos esforços para a observados cenários prospectivos e limites
obtenção de meios e na argumentação para o orçamentários e tecnológicos.
diálogo político a ser travado, ao explicar os A abordagem do PBC caracteriza-se por
“porquês” de sua necessidade e os “riscos” de sua uma visão holística do processo de estruturação
não obtenção. das forças de defesa, deslocando o enfoque de
uma antiga concepção em que uma Força era o
3. O QUE É PBC? resultado do somatório de seus meios e recursos
humanos, para considerar uma Força como a
Para compreender o que é PBC, é preciso resultante de um conjunto de efeitos desejados
entender o que vem a ser “capacidade”. que ela deve atender em decorrência de seu
Após alguns anos de controvérsias em vários emprego. A visão voltada para os efeitos desejados
foros internacionais, (EUA, OTAN, Austrália, a serem atendidos possibilita a existência de
etc.) chegou-se a um consenso de que o termo opções e alternativas para a consecução de metas
“capability” – capacidade - expressa uma “aptidão ou objetivos de defesa nacional.
para a realização de uma tarefa ou consecução de De acordo com o consenso estabelecido
uma meta ou objetivo”. Assim, é importante frisar, pelo MD, as capacidades de defesa3 são
“capacidade” não se refere a um meio ou recurso desdobradas nos níveis político, setorial e
material específico. Ou seja, navios, aeronaves, subsetorial. De modo que as capacidades
unidades de tropa não constituem “capacidades”. estabelecidas em determinado nível são
Eles contribuem para a materialização de expandidas e explicitadas no nível seguinte, de
“capacidades”. acordo com a seguinte taxonomia:
Capacidade é, portanto, uma aptidão obtida - nível político: capacidades nacionais de
da sinergia de um conjunto de fatores que defesa, normalmente, estabelecidas na END;
compreende: Doutrina, Organização, Pessoal, - nível setorial: capacidades militares de
Educação, Material, Adestramento e Infraestrutura defesa - aptidões para emprego conjunto das
(DOPEMAI). Forças – normalmente, estabelecidas na Estratégia
Esse entendimento de “capacidade” adere Militar de Defesa (EMiD);
ao conceito de “aprestamento”, conforme definido - nível subsetorial: capacidades militares de
no Glossário das Forças Armadas: conjunto de Forças Singulares e capacidades operativas –
medidas de prontificação ou preparo de uma força emprego das Forças Singulares na condição de
ou parte dela, especialmente as relativas à Força isolada e como constituinte das capacidades
instrução, ao adestramento, ao pessoal, ao material militares de defesa - no caso da MB, estabelecidas
ou à logística, destinado a colocá-la em condições no Plano Estratégico da Marinha (PEM).
de ser empregada a qualquer momento. (BRASIL- Da análise decorrente dessas capacidades é
MD35-G-01, 2015, p. 30) que serão identificados os meios necessários a
Neste contexto, pode-se afirmar que atendê-las. No caso da MB, estes virão, ao término
“capacidade é a aptidão proporcionada pelo do processo, a constituir o Plano de Articulação e
aprestamento para atingir um efeito desejado, sob Equipamento da Marinha (PAEMB), que irá
condições específicas, por meio de um conjunto subsidiar o da Defesa (PAED).
de tarefas”.

3
Capacidades que o País dispõe para gerar efeito
2
“Em face da análise dos atuais cenários, nacional e dissuasório e respaldar a preservação dos interesses
internacional, torna-se essencial adaptar a configuração nacionais, compatíveis com sua estatura político-estratégica
das expressões do Poder Nacional às novas circunstâncias e com as atribuições de defesa do território, das águas
e, por conseguinte, buscar estruturar os meios de defesa em jurisdicionais, da plataforma continental e do espaço aéreo
torno de capacidades”. (BRASIL-END, 2016, p. 18) brasileiros.
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4. O PBC NO ÂMBITO DO PROCESSO Com base no Conceito Estratégico e nos
DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO Eventos que constituem o Cenário de
Planejamento, são elaborados os Conceitos
O diagrama em blocos, a seguir apresentado, Estratégicos Operacionais (CEO) para cada
procura sintetizar como se processa um Evento.
planejamento estratégico, seja no âmbito da Estes CEO serão utilizados nas duas
Defesa ou de uma Força Singular. vertentes do planejamento estratégico. No campo
do “emprego” da Força, possibilitarão o
desenvolvimento dos planos estratégicos de
emprego, que procurarão responder ao seguinte
questionamento: como resolver determinado
problema militar empregando os meios
disponíveis? A metodologia a ser empregada é a
do Processo de Planejamento Conjunto (PPC) /
Processo de Planejamento Militar (PPM). Os
resultados das simulações (jogos de guerra e
exercícios) servirão de realimentação para a
identificação de capacidades necessárias.
Já no campo do “preparo” da Força, os
CEO auxiliarão a responder: que capacidades será
preciso ter no futuro, de modo a orientar o
preparo da Força para enfrentar determinados
Como pode ser observado no diagrama, não desafios? Na impossibilidade de se obter as
existe nada muito diferente do processo com que a capacidades almejadas no espaço temporal
MB, desde os anos 1970, trata o planejamento estabelecido, soluções no ambiente político-
estratégico: elaborar conjunturas e promover suas estratégico, tais como alianças militares, acordos
análises (Inteligência Estratégica), a partir de dados econômicos, etc., poderão ser adotadas.
disponíveis e dos Documentos Condicionantes4. É neste aspecto que a “ferramenta” PBC se
Decorrentes desses estudos, e fazendo uso torna mais útil. Diferentemente dos processos
de metodologias específicas5, são elaborados anteriormente empregados, o PBC foca,
cenários, dentre os quais um é selecionado para prioritariamente, nas capacidades necessárias para,
ser empregado como Cenário de Planejamento depois, selecionar a melhor plataforma para
(seleção feita por um Conselho Diretor – atendê-las (operacional, tecnológica e
Conselho Militar de Defesa ou Almirantado, economicamente). 6

conforme o caso). Pretende-se que o documento final do PBC


Desse cenário é extraída uma Concepção seja um plano de capacidades (de Força ou da
Estratégica que procura apresentar, dentro de uma Defesa) que orientará a elaboração do PAEMB /
visão mais ampla, como a Instituição (Defesa ou PAED7.
MB) pretende enfrentar as ameaças vislumbradas
e explorar as oportunidades detectadas, 5. CONCLUSÃO
empregando suas Forças de modo a explorar os
respectivos “fatores de força” e resguardar os de O PBC, em essência, não modifica o
“fraquezas”. Tal concepção é consolidada em um Processo de Planejamento Estratégico da MB
documento denominado Conceito Estratégico. praticado ao longo dos anos. Entretanto, apresenta

6
Toda a sequência apresentada na área delimitada pela
4
Nas décadas de 1970/80 existia o Conceito Estratégico linha tracejada do diagrama foi fruto do estudo realizado,
Nacional, que apresentava as Hipóteses de Guerra. Na em 2015, pelos oficiais alunos do C-PEM, sendo sua
ocasião, a grande dificuldade residia na classificação desses implementação no processo de planejamento estratégico da
documentos condicionantes (normalmente MB determinada pelo Comandante da Marinha, em 2015
ULTRASSECRETOS). Hoje encontram-se em vigência as (Mensagem R-181853Z/NOV/2015 (RES) DE COMMAR).
Políticas e Estratégias Nacional de Defesa, Setorial de O conhecimento produzido foi a base do posicionamento da
Defesa e Militar de Defesa MB no GT-PBC.
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Prospectiva (décadas de 1970 a 1990); Cenários Já existe, no âmbito do MD, outro GT que busca conciliar
Prospectivos (1990 até hoje). os projetos do PAED com os do Plano Plurianual (PPA).
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importante mudança de filosofia: a de não mais se
raciocinar com meios que devem ser repostos,
hoje ou em curto prazo, mas com a definição das
capacidades que será preciso possuir para
enfrentar problemas futuros.
Tal filosofia também é aplicável à obtenção
de meios de oportunidade para solucionar
problemas de curto prazo. Exemplificando: o
HMS “Ocean” não pode ser visto como a mera
substituição do NAe “São Paulo”; a despeito de
contribuirem para a materialização de algumas
capacidades militares semelhantes, elas não são
necessariamente iguais. Entretanto, conceitos
como ciclo de vida, “DOPEMAI”, capacitação
tecnológica incorporada, risco de não se possuir
determinada capacidade, entre outros, podem e
devem ser considerados na obtenção por
oportunidade.
Por fim, ao se discutir de forma integrada as
capacidades operacionais, analisando-as à luz da
DOPEMAI e condicionando-as à tecnologia,
orçamento e risco, ações que abrangem atividades
dos ODS, possibilitar-se-á a elaboração de Planos
Setoriais da Marinha decorrentes, coadunados aos
objetivos estratégicos estabelecidos no PEM.

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