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O Direito Penal é Capaz de Conter a Violência?

Marta Rodriguez de Assis Machado


Maira Rocha Machado

A pergunta proposta pelos organiza- menos assumir como ponto de partida o


dores deste manual, título deste capítulo, fato de que a humanidade, nos mais diver-
poderia nos remeter a discussões longas e sos períodos e das mais diversas formas,
talvez intermináveis que percorrem mui- vem desenvolvendo mecanismos com es-
tos campos do conhecimento. Dependen- ses fins e que esse é um dos fundamentos
do do caminho que seguirmos e da ideia que legitima o direito moderno. Mais espe-
de violência com a qual trabalhemos, po- cificamente, pode-se dizer que o monopó-
demos ser levados a questionar a possibili- lio da violência pelo Estado – que a exerce
dade mesma de se exercer qualquer tipo por meio ora da guerra, ora da pena – está
1
de controle sobre ela . Mas podemos ao nas origens do direito penal moderno e
isso pode ajudar a compreender por que
1.
Pensamos aqui numa concepção de violência que se opõe
à razão, que está, por exemplo, na base dos estudos de Geor-
ge Bataille sobre o erotismo. Aqui, qualquer tipo de proibi- excitação. ‘Não há nada’, escreve Sade, ‘que pode colocar
ção ou tabu é o que estimula o desejo de violência: “[…] limites à licenciosidade… A melhor maneira de ampliar e
tabus fundados no medo não existem apenas para serem multiplicar o desejo é tentar limitá-lo’. Nada pode conter a
obedecidos. Há sempre o outro lado da questão. Sempre há licenciosidade… ou melhor, falando de modo geral, não há
a tentação de quebrar uma barreira; a ação proibida assume nada que possa conter a violência” (tradução livre das au-
um significado que não tinha antes de o medo construir toras). BATAILLE, G. Eroticism. London: Penguin, 2012, p.
uma distância entre ela e nós e investir nela uma aura de 48 (originalmente publicado em francês em 1957).

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invariavelmente essa questão é levantada comportamentos indesejados ou conter a


quando se discute o papel do direito penal violência seriam os mais adequados?
na sociedade.
Este movimento amplia e modifica
Para levar adiante uma reflexão so- substancialmente o conjunto de problemas
bre o direito penal, entendemos ser preci- ao qual a pergunta-título deste capítulo nos
so nos reportar a pelo menos dois tipos de remete. Colocar a questão nesses outros
problemas e, portanto, de possíveis res- termos significa considerar as consequên-
postas à pergunta-título deste capítulo. cias que a centralidade do direito penal e da
O primeiro deles diz respeito aos ob- pena têm produzido na construção de polí-
jetivos que o próprio direito penal enuncia ticas públicas, bem como as implicações e
e atribui a si por meio das teorias da pena custos sociais do próprio funcionamento do
(retribuição, dissuasão, reabilitação e pre- sistema de justiça. É o que buscaremos
venção geral positiva). Essa perspectiva apresentar em seguida respondendo à per-
tem ocupado enorme espaço no debate gunta “o direito penal é capaz de conter sua
acadêmico, tanto no campo teórico- própria violência?” (item 18.3). Antes de
-dogmático quanto no empírico. A esta iniciarmos esse percurso, explicitaremos os
questão dedicaremos o item 18.2 deste principais conceitos que organizam e nor-
texto, organizado em função da pergunta teiam a reflexão proposta aqui (item 18.1).
“a pena é capaz de conter a violência?”.
Como veremos, tanto a produção de teor
18.1. A construção da categoria
normativo que elabora sobre as funções do
crime (ou o direito penal em ação)
direito penal quanto os estudos que bus-
cam testar a eficácia desse sistema dificil- O direito penal regula condutas por
mente abrem espaço para o questionamen- meio da categoria crime. É por meio da
to sobre a própria centralidade do direito definição de determinado fato como crime
– e mais especificamente do direito penal que os instrumentos que estão à disposi-
e da pena – como mecanismo de conten- ção dos atores do sistema de justiça po-
ção de condutas violentas e/ou indeseja- dem ser acionados. O funcionamento do
das. Em outras palavras, ao limitarmos o direito penal envolve, portanto, de um
debate aos objetivos declarados e à possi- lado, a construção da própria categoria
bilidade de alcançá-los, podemos perder crime – e, por consequência, de “autor de
de vista a questão que hoje nos parece fun- crime”, entre várias outras –; e, de outro, a
damental: os instrumentos que vêm sendo escolha de consequências jurídicas para
utilizados pelo direito penal para evitar essa definição.

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Ao pensarmos os conceitos jurídicos Por isso, para pensar a noção de cri-


como resultado de um longo processo de- me sociologicamente é preciso assumir
cisório que envolve vários atores sociais, que nem todo crime é violento e que nem
ampliamos nossa capacidade de observa- toda violência será considerada crime.
ção e análise dos fenômenos jurídicos. Para compreender como essa relação se
Nessa perspectiva, a definição de crime é estabelece, é preciso atentar para o pro-
percebida como resultado de um processo cesso de definição dessa categoria e com-
de atribuição e construção de sentido que preender sua dinâmica, seus elementos,
pode variar – e de fato varia – ao longo do bem como as instituições e os atores que

tempo, em diferentes sociedades, contex- participam de sua construção.

tos etc. Ao nos posicionarmos dessa forma


perante o crime, buscamos evitar todo ro de proteção a “bens jurídicos” coletivos ou difusos. Para
tanto, boa parte dos tipos penais contidos nessas novas
tipo de cristalização dessa categoria, isto legislações diferem da estrutura tradicional de crime, isto é,
não descrevem uma ação de um indivíduo que causa uma
é, de atribuição de características, formas lesão a algum bem ou valor de um outro indivíduo. Nessas
e conteúdos fixos, permanentes ou “essen- novas incriminações, há cada vez mais delitos omissivos
(ou seja, o direito penal pune aquele que não age para pro-
ciais”. Por exemplo, é muito forte no senso teger a esfera de valor/bens de outra pessoa ou da coletivi-
dade); há também uma intensa associação desses crimes à
comum a associação entre crime e violên-
modalidade negligente – então, o que se pune aqui não é a
cia. No entanto, quando olhamos para os conduta daquele que pratica uma “violência” em face de
outra pessoa, mas daquele que não foi diligente o suficien-
comportamentos problemáticos seleciona- te para agir a tempo de evitar que uma lesão ou um perigo
dos pelo legislador, muitos deles não des- se concretizasse. Klaus Günther identifica na proliferação
dos crimes omissivos negligentes uma verdadeira mudan-
crevem situações que envolvem uma ação ça paradigmática do direito penal liberal. Ver GÜNTHER,
Klaus. De la vulneración de un derecho a la infracción de un
humana capaz de causar a outra pessoa deber. ¿Un ‘cambio de paradigma’ en el derecho penal? In:
uma lesão física, psíquica, emocional ou INSTITUTO DE CIENCIAS CRIMINALES DE FRANKFURT
(Ed.). La insostenible situación del derecho penal. Granada:
moral, como imediatamente vem à cabeça Editorial Comares, 2000, p. 503. Além disso, o direito pe-
quando falamos de crime2. nal antecipa sua intervenção para criminalizar condutas
que antes eram consideradas apenas preparatórias para
uma conduta propriamente “criminosa”; ou condutas que
antecedem a eventual progressão que levaria a uma lesão;
2.
Aliás, o direito penal – muitas vezes e cada vez mais – des- ou simplesmente condutas que são individualmente ino-
creve condutas que não são propriamente ações, que não fensivas, mas que, se praticadas por um grande número de
são necessariamente intencionais, que não envolvem víti- pessoas, aí sim poderiam gerar efeitos lesivos ou perigo-
mas concretas, que não são lesivas e que muitas vezes se- sos. Na dogmática do direito penal, chamamos isso de cri-
quer são perigosas. Isso acontece notadamente em áreas mes de mera conduta, isto é, crimes que demandam, para
que tradicionalmente não eram foco de atuação do direito se consumarem, a simples execução de uma ação que é
penal, mas que vêm sendo cada vez mais intensamente re- pensada pelo legislador, por diferentes razões, como inde-
guladas por ele. São exemplos disso os crimes ambientais, sejada ou em tese perigosa, e que para caracterizarem o
os crimes financeiros e econômicos, os crimes contra a crime não precisam ter resultado concretamente em lesão
saúde pública, contra as relações de consumo etc. Nesses ou perigo. Para uma análise mais aprofundada dessas ten-
campos, na maior parte das vezes, está-se diante de proibi- dências, ver: MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Socie-
ções que não têm o escopo direto de conter condutas lesi- dade do risco e direito penal: uma avaliação de novas ten-
vas a vítimas concretas, mas visam gerir um standard segu- dências político -criminais. São Paulo: IBCCRIM, 2005.

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É comum pensarmos que definir algo que poderão ser submetidos ao processo
como crime é discutir uma lei que crimina- penal, também integram a disputa pela
lize ou descriminalize uma determinada atribuição de sentido. Pensemos, por exem-
conduta. De fato, essa disputa fica mais vi- plo, sobre o debate em torno do foro espe-
sível no âmbito do poder legislativo. É pos- cial (competência para julgar crimes co-
sível identificar movimentos na esfera pú- metidos por funcionários públicos), da
blica que discutem a possibilidade de deixar idade mínima para a imputabilidade pe-
de tratar determinadas questões com a ca- nal, entre vários outros.
tegoria crime e com o aparato conceitual e
Ao observarmos as disputas que
institucional do direito criminal – por
ocorrem na esfera pública ao redor de to-
exemplo, as discussões em torno do aborto
dos esses temas, percebemos que o pro-
e do uso de entorpecentes. Contudo, há de-
cesso legislativo constitui uma etapa de
mandas exatamente no sentido contrário –
formalização – fundamental no Estado de
no sentido da criminalização, como ocorre
Direito –, mas que não esgota, e sequer re-
no caso da homofobia3.
sume este processo de atribuição de senti-
No entanto, a criminalização ou não do. Ademais, mesmo após a conclusão do
de uma determinada conduta constitui tão processo legislativo, com a entrada em vi-
somente um dos componentes da engre- gor de uma determinada norma, é possível
nagem de categorias jurídicas que parti- dizer que as disputas pela atribuição de
cipam do que Álvaro Pires denominou sentido permanecem durante a atuação do
processo de transformação de um fato sistema de justiça – ou de “aplicação” da
qualquer em crime4. Além das normas de lei penal.
comportamento (que criminalizam ou não
Assim, a definição de crime é disputa-
condutas), as normas de sanção e de pro-
da também ao longo do processo penal, um
cesso, bem como uma série de outras nor-
procedimento regulado em lei que se inicia
mas que dizem respeito à seleção dos casos
assim que a notícia de ocorrência de um
fato – que a princípio pode se encaixar em
3.
Referimo -nos ao Projeto de Lei da Câmara dos Deputados
n. 122, de 2006, que criminaliza a homofobia. Foi proposto um tipo penal – é recebida por um dos ato-
e aprovado pela Câmara em 2006 e ainda aguarda votação
res do sistema de justiça criminal. Da lavra-
no Senado. Sobre a utilização do direito penal na luta por
reconhecimento, cite -se um texto de intervenção na esfera tura de um boletim de ocorrência até a sen-
pública, ainda atual: MACHADO, Marta; RODRIGUEZ, José
Rodrigo. Qual a língua da liberdade? Folha de S.Paulo, Ten- tença condenatória irrecorrível5, uma série
dências e Debates, 25 de agosto de 2007.
4.
Para uma descrição do processo de mise en forme penal,
ver PIRES, Álvaro P. Consideraciones preliminares para una 5.
É importante registrar que nem todos os casos que percor-
teoría del crimen como objeto paradojal. Revista Ultima Ra- rem o sistema de justiça criminal têm início com a atuação
tio, ano 1, n. 0, p. 213 -255, 2006. da autoridade policial. Especialmente nos setores em que

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de instituições e atores são postos em mo- sitos para que uma determinada conduta
vimento e desenvolvem estratégias de atua- seja considerada crime. Isso envolve re-
ção sob as regras do processo penal. É no construir esses critérios, que estão espa-
âmbito desse debate regulamentado que lhados pelo sistema de justiça – além do
são discutidas e concretizadas as regras de que está descrito na lei, há também a ela-
definição de determinado fato como crime, boração jurisprudencial e doutrinária (teo-
bem como as regras de imputação de res- ria do delito8) –, bem como articular tudo
ponsabilidade a uma pessoa . E, por fim, 6
isso aos elementos do caso concreto.
dá-se a determinação das consequências
Todos os casos envolvem um espaço
jurídicas que podem se seguir a esta opera-
para interpretação e para argumentação
ção de atribuição de responsabilidade, que
em muitos sentidos: se o fato ocorreu ou
denominamos imputação7.
não; se o fato tem todos os elementos e
O juiz – sempre ouvindo as partes e
pode se encaixar na descrição do tipo pe-
os experts, bem como considerando as
nal; se o eventual resultado lesivo decor-
provas – deverá interpretar a lei e os requi-
reu da conduta ou se relaciona causalmen-
te com outro evento; quem agiu e em que
há duplicidade de regulamentação jurídica (penal e admi-
nistrativa), a primeira fase de coletas de dados e informa-
medida; se os pretensos autores eram ca-
ções referentes à violação da norma (penal, inclusive) pode pazes segundo o direito; se agiram ou não
ocorrer em outros órgãos governamentais e ser encami-
nhada diretamente ao Ministério Público. É necessário re- em situação permitida pelo direito (por
gistrar também que nem toda sentença penal condenatória exemplo, em legítima defesa ou estado de
transitada em julgado é definitiva, pois o Código de Proces-
so Penal prevê a possibilidade de revisão dessas decisões necessidade); se nas condições em que
em casos muito específicos (arts. 621 a 631).
6.
No direito penal brasileiro, trata-se, na maior parte dos ca-
agiram poderiam ter feito diferente; e as-
sos, de uma pessoa física. As exceções ficam por conta da sim por diante. A discussão de todas essas
responsabilização penal da pessoa jurídica prevista para os
crimes ambientais. Esta questão foi analisada em profundi- questões está condicionada ao que se con-
dade por uma das autoras deste texto: MACHADO, Marta seguiu provar validamente durante o pro-
(Coord.). Responsabilidade penal das pessoas jurídicas.
Brasília: Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério cesso, ou seja, a um patamar razoável de
da Justiça do Brasil, 2009. v. 18.
7.
Na realidade, o processo de definição e atribuição das con-
certeza de acordo com as normas proces-
sequências jurídicas da imputação de responsabilidade al-
cança uma decisão na sentença. É possível dizer que a
sentença condenatória constitui uma decisão inicial sobre a 8.
No campo da teoria penal, a noção de crime é dada pelo que
sanção. Inicial, porque nosso sistema, norteado pela “pro- se costumou chamar de teoria do delito. A dogmática do
gressão de regime”, exige sucessivas revisões da decisão campo penal se constitui nos países de tradição romano-
sobre a sanção fixada na sentença condenatória. Sobre este -germânica (e especialmente por influência da teoria ale-
processo de gestão da sanção no sistema de justiça, ver: mã) sob a forma de um conjunto de conceitos que, articula-
FERREIRA, Carolina; MACHADO, Maira. Exclusão social dos, permitem que se descrevam as características da
como prestação do sistema de justiça: um retrato da produ- “conduta criminosa”. Diversos autores e escolas se suce-
ção legislativa atenta ao problema carcerário no Brasil. In: deram na definição das categorias do crime, e esse é, como
RODRIGUEZ, J. R. (Org.). Pensar o Brasil: problemas nacio- dissemos, um debate em aberto, sujeito a redefinições pela
nais à luz do direito. São Paulo: Saraiva, 2012. teoria e pelos próprios atores do sistema.

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suais estabelecidas – e, é claro, até os pa- puta no decorrer do processo. Nesse caso,
râmetros de razoabilidade podem ser obje- teria praticado um ato típico, antijurídico,
to de discussão9. porém não seria possível afirmar sua cul-

Para que fique mais concreta a com- pabilidade. Enfim, há uma série de ques-

plexidade do processo de construção do tões a serem levantadas e cada uma dessas

crime, pensemos na seguinte situação: é circunstâncias está sujeita a várias inter-


possível afirmar, no dia seguinte ao fato, pretações, patamares probatórios e for-
diante da primeira manchete de jornal, mas de articulação no âmbito da argumen-
que o sujeito que acertou um tiro na cabe- tação jurídica. Por exemplo, há diferentes
ça de outro cometeu o crime de homicídio? formas de se definir e de se provar uma
Não! Esse fato pode, com certeza, vir a ser situação de legítima defesa. Há diferentes
declarado crime quando se obtiver uma formas de se definir e de se provar o que é
sentença penal condenatória transitada capacidade jurídica; nesse ponto, o pro-
em julgado, isto é, em relação à qual não cesso penal traz para dentro do debate ju-
caiba mais recurso10. Antes disso, não se rídico também o saber médico, o que am-
pode falar nem em crime, nem em autor de plia exponencialmente o conjunto de
crime. Se o autor do disparo for menor de soluções possíveis. O que queremos refor-
18 anos, por exemplo, não terá cometido çar aqui é a gama de questões que estão
um crime, mas um ato infracional, sujeito em jogo quando observamos o processo
a um programa normativo distinto do Có- em que se decide se um crime aconteceu
digo Penal (o Estatuto da Criança e do ou não. Há um espaço considerável de dis-
Adolescente). Se o sujeito tiver apenas rea- puta e de possibilidades de se alcançar so-
gido a uma agressão prévia e não tinha ou- luções distintas em um exemplo que, a
tro jeito de se defender naquele momento, princípio, poderíamos chamar de “fácil”.
terá agido em legítima defesa, uma conduta A discussão fica ainda mais interes-
lícita, aceita pelo direto, que não chegará a sante quando nos aproximamos de casos
ser declarada crime. O autor do disparo nos quais o rendimento das definições e a
pode, ainda, ser reconhecido como inim- relativa segurança que elas proporcionam
putável em função de motivos e diagnósti- tornam-se muito baixos. Por exemplo, o lu-
cos que também podem ser objeto de dis- tador de MMA (Mixed Marcial Arts) que
golpeia seu adversário poderia ser acusado
9.
Inclusive, como vimos, as próprias normas de processo de lesão corporal? E o médico que corta a
têm certa mobilidade e são elas próprias passíveis de se-
rem reinterpretadas, por exemplo, quando o Tribunal deci- barriga de sua paciente para executar uma
de redefinir os critérios de aceitação de uma prova. cirurgia? Argumentações jurídicas que
10.
Decisão que tampouco é definitiva em função da possibili-
dade de revisão criminal, como explicamos anteriormente. considerassem essas condutas como passí-

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veis de serem consideradas lesões corpo- Ou seja, embora esse processo seja
rais poderiam ser percebidas como em total formalizado, ele não cristaliza, a princípio,
desconexão com as práticas sociais e cultu- a resposta12. A possibilidade de reinterpre-
rais de uma determinada sociedade. E, em tar as normas aplicáveis e mudar a solução
função disso, poderíamos dizer que tanto o está sempre presente13. É por isso que
lutador de MMA como o médico podem apontar um fato como crime ou alguém
exercer suas profissões com alguma segu- como criminoso antes mesmo que este
rança de que não serão acusados de violar processo esteja terminado é um equívoco
uma norma penal. do ponto de vista do sistema jurídico. Além
disso, mesmo diante desse fato (jurídico)
O que fica claro nesses casos é que os
que faz nascer a declaração (jurídica) de
limites dos conceitos jurídicos não são ob-
que um crime aconteceu, não levar em
jetivos. Não são certos, são disputáveis,
consideração a complexidade e a contin-
ainda que dentro de certos limites. A rede
gência dessa declaração seria um sinal de
de conceitos dogmáticos funciona muito
inocência ou de má-fé. Neste ponto, é pre-
mais como o juiz que fixa as regras do jogo
ciso ficar atento a posições que naturali-
(argumentativo) do que como o oráculo
zam a categoria crime e criminoso, levan-
que nos dá respostas (ainda que em al-
do em conta o processo de definição – por
guns casos se queira fazê-la parecer com o
oráculo). Exemplos limítrofes como esses
integrá-la ao processo jurisdicional. Seu texto inaugural e
apenas tornam mais visível o fato de que a de ruptura dentro do campo da dogmática penal alemã é de
1970 e foi traduzido para o português: ROXIN, Claus. Polí-
classificação do problema em termos de
tica criminal e sistema jurídico-penal. Tradução de Luís
teoria do delito envolve uma disputa que Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
12.
Pelo menos a princípio, pois é evidente que determinado
se refere a um determinado acordo social sistema pode chegar a ser mais estático, mas isso é apenas
que foi (provisoriamente) alcançado sobre uma de suas condições contingentes.
13.
Exemplo disso é a recente e controvertida decisão do Tribu-
o que é lícito ou ilícito e sobre o que é cri- nal de Colônia, Alemanha, que ao julgar um processo con-
tra um médico muçulmano entendeu que a circuncisão de
me ou não. O que estamos aqui ressaltan- menores por razões religiosas – prática tradicional tanto
do é que essa disputa está presente não só entre muçulmanos como entre judeus – deve ser conside-
rada crime de lesão corporal, ainda que praticada propria-
no momento em que se discute no âmbito mente por médico e com o consentimento dos pais. Cf.
Beschneidung von Jungen aus religiösen Gründen ist straf-
do processo legislativo criminalizar ou não
bar, publicado no Süddeutsche Zeitung, disponível em:
criminalizar uma conduta, mas também < http://www.sueddeutsche.de /panorama /urteil -des-
landgerichts -koeln -beschneidung -von -jungen -aus-
no curso do processo penal11. religioesen-gruenden-ist-strafbar-1.1393536>. Acesso
em: 19 ago. 2012; e Circumcision ruling condemned by
Germany’s Muslim and Jewish leaders, no The Guardian,
11.
Essa discussão aparece no campo da teoria do direito penal disponível em: <http://www.guardian.co.uk/world/2012/
por intermédio de Claus Roxin, que defende a necessidade jun/27/circumcision -ruling -germany -muslim -jewish>.
de abrir o sistema da teoria do delito à política criminal e Acesso em: 19 ago. 2012.

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exemplo, discursos que se referem a “per- mente denominada produção da “verdade”


sonalidades criminosas” e estudos que (processual) –, que o processo penal ten-
buscam as raízes do crime no DNA. de a alcançar uma definição sobre a ocor-

Em suma, a exposição realizada até rência de um crime e sobre seu autor.

agora buscou demonstrar que o crime não A construção da categoria crime


é um fato da natureza, sobre o qual recai a constitui, portanto, o próprio mecanismo
norma penal que estava ali à espreita ape- do direito penal em ação. Quando esse
nas esperando que o fato acontecesse. É processo não é tematizado, ou seja, quan-
claro que a ocorrência do fato é o que dá do esse processo de definição não é obser-
início a toda essa engrenagem, mas, quan- vado como um processo que envolve dispu-
do falamos em crime, tratamos de uma ca- tas, atores e instituições que se articulam
tegoria construída por meio de um proces- de uma determinada forma e estão inscri-
so regulado no âmbito de uma série de tas em circunstâncias bastante concretas,
instituições, em que atores predefinidos então tendemos a achar que crime é um
manejam um conjunto de normas, princí- fato do mundo, que existe por si só na na-
pios, categorias teóricas, doutrina e, por tureza, como se fosse autoevidente e não
meio de raciocínios que seguem uma de- sujeito a disputas. Concebê-lo dessa forma
terminada lógica – que é a lógica da argu- é, de nosso ponto de vista, impor um obs-
mentação jurídica –, articulam tudo isso táculo à visualização – e, consequente-
com a discussão do caso e das suas cir- mente, à problematização – de todas as
cunstâncias concretas. Estas, por sua vez, questões que buscamos sistematizar no
entraram no processo por meio de um sis- decorrer deste item.
tema específico de produção de provas14. É, Mas há mecanismos para evitar as
enfim, por meio dessa dinâmica – comu- implicações epistemológicas, políticas e
sociais da permanência de categorias na-
14.
Em A verdade e as formas jurídicas, Foucault descreve algu- turalizadas na esfera pública, no debate
mas formas de descoberta judiciária da “verdade” que se
desenvolveram historicamente até que se consolidasse o acadêmico, bem como nos processos de
modelo do inquérito, paradigma que permanece até hoje. produção legislativa, imputação de res-
Este texto nos chama atenção para o fato de que nosso co-
nhecimento (judiciário) sobre os fatos dependerão sempre ponsabilidade e sanção. Um deles, que es-
do tipo de sistema de produção do conhecimento (judiciá-
colhemos explicitar aqui, consiste em de-
rio) que se adote. Dessa forma, qualquer abordagem que
naturalize o conhecimento produzido negligenciará aspec- monstrar que o termo “crime” descreve
tos sempre contingentes da produção do conhecimento (e
evidentemente também do conhecimento judiciário sobre muito mal as situações fáticas em relação
um fato) e suas relações com o poder. Ver: FOUCAULT, Mi- às quais podem (ou não) ser acionadas as
chel. A verdade e as formas jurídicas. 2. ed. Rio de Janeiro:
Nau Editora, 2003, p. 53 -67. normas e instituições que compõem o sis-

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tema de justiça criminal. Este problema cutidos anteriormente. É interessante no-


foi percebido no início dos anos 1970 pelas tar que as duas primeiras dizem respeito
ciências sociais, que propuseram novas ao processo de definição de crime e de
expressões para designar nosso “ponto de imputação de responsabilidade. Já a ter-
partida”. Um dos objetivos centrais dos au- ceira questão remete -nos às possíveis
tores que integraram esse debate era evi- consequências jurídicas que essa declara-
tar “a redução de relações sociais comple- ção de responsabilidade acarreta. Nesta
xas à sua possível designação jurídica” . É 15
etapa, abre -se um outro campo para dis-
no âmbito dos debates entre sociólogos, putas – teóricas e práticas, na esfera pú-
psicólogos, criminólogos e juristas que a blica, no legislativo e no judiciário. Trata-
expressão “situação-problema” passou a -se do debate sobre a pena.
ser frequentemente utilizada para indicar
A pena aflitiva – e, mais comumente, a
um conjunto específico e relações percebi-
prisão – é a forma como a maior parte dos
das como problemáticas ou indesejáveis
sistemas penais ocidentais definiram como
por alguém. Como nos sugere Hulsman, o
seria a consequência jurídica da declaração
uso dessa expressão é uma estratégia para
de que um crime aconteceu e determinada
impor três questões ao debate: Quem con-
pessoa foi seu autor. Há todo um campo de
sidera essa situação problemática? O que
conhecimento que se dedica a justificar (e
aconteceu? O que os envolvidos querem
defender) essa escolha: as teorias da pena.
fazer em face disso?16.
Os dois próximos itens serão dedicados a
Essas três questões acessam de ma- elas. Nosso fio condutor, como indicado na
neira muito diferente as situações fáticas introdução, é a pergunta-título deste texto.
– pensemos novamente nos exemplos dis- Iniciamos com a exposição sobre o signifi-
cado e as implicações de atribuirmos à pe-
15.
ROBERT, Philippe et al. Organiser un dialogue autour de et na a função de conter a violência nas socie-
avec Lode Van Outrive. In: CARTUYVELS, Y.; DIGNEFFE, F.;
PIRES, A.; ROBERT, P. (Org.). Politique, police et justice au dades contemporâneas (item 18.2). Este
bord du futur. Paris: L’Harmattan, 1998, p. 15.
16.
percurso nos permitirá afirmar que a im-
HULSMAN, Louk. Struggles about terminology: “problema-
tic-situation” vs “crime”. In: CARTUYVELS, Y.; DIGNEFFE, posição de uma pena é somente um dos
F.; PIRES, A.; ROBERT, P. (Org.). Politique, police et justice au
bord du futur. Paris: L’Harmattan, 1998, p. 54-55. Sobre os resultados possíveis da operação do direi-
benefícios da utilização dessa expressão, Claude Faugeron to penal, e que essa pena pode ser o encar-
chama atenção para o fato de que esta “noção nos reenvia em
primeiro lugar à vítima” – ou aos laços sociais concretos – “e ceramento do indivíduo declarado autor,
não a um conceito abstrato de sociedade” (FAUGERON,
Claude. Les situations-problèmes: théorie sociologique ou mas não necessariamente. Embora a ope-
pratique criminologique? In: CARTUYVELS, Y.; DIGNEFFE, ração do sistema de justiça criminal este-
F.; PIRES, A.; ROBERT, P. (Org.). Politique, police et justice au
bord du futur. Paris: L’Harmattan, 1998, p. 84-85). ja atualmente tão apegada à noção de pri-

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são, ela não é a única forma de regular – e muitos elementos, o que torna o processo
tampouco a melhor – as situações conside- decisório bastante complexo.
radas problemáticas em uma determinada Internamente, o direito penal cir-
sociedade. E, para concluir este texto, tra- cunscreveu e organizou esse debate no
taremos dos efeitos contraproducentes – que chamamos de teoria do delito. Aqui,
para dizer assim eufemisticamente – da são dados os elementos e as definições do
centralidade da pena de prisão na atualida-
que seja crime, o que simultaneamente
de (item 18.3).
subsidia e justifica o processo de imputa-
ção. A ideia de uma dogmática penal cir-
18.2. A pena previne a violência? cunscrita a um sistema em que se articu-
lam os elementos de definição do delito
Desde sua formação no final do sécu-
surgiu com Liszt no final do século XVIII e
lo XVIII, o direito criminal construiu uma
permanece até hoje na maior parte dos
forma estável e monótona de responder a
países de tradição romano-germânica co-
problemas sociais, por meio da imposição
mo o princípio que organiza o debate teó-
de penas aflitivas (que causam sofrimen-
rico no campo da dogmática penal17.
to). Isso pode ser considerado hoje uma
dessas ideias que se sedimentaram de tal É claro que, a partir desse momento,
maneira ao longo dos séculos até produzir este campo foi movido por um intenso de-
um efeito de naturalização: se chegarmos bate em que distintas teorias e escolas de
à conclusão de que um crime aconteceu, pensamento se sucederam ao longo dos
segue-se naturalmente daí que uma pena séculos. É interessante notar que, por
que consiste em inflição de sofrimento mais acirrado que tenha sido esse debate
será aplicada ao autor dessa conduta. – que envolveu intensos confrontos sobre
os pressupostos filosóficos adotados para
Falamos até agora do processo de
construir o sistema de categorias –, duas
definição de uma conduta como crime.
características permaneceram estáveis.
Isso se dá, como vimos, pela ação de mui-
Primeiro, a sua organização na forma de
tas e sucessivas instituições e pela intera-
um sistema de categorias fixas que com-
ção de diversos atores do sistema políti-
co, do sistema de justiça, eventualmente
do sistema médico, dos cidadãos etc. Vi- 17.
A reconstrução do campo teórico da teoria do delito nesses
termos foi objeto da tese de doutorado MACHADO, Marta
mos também que o debate sobre a ocor- Rodriguez de Assis. Do delito à imputação: a teoria da im-
rência ou não de um crime (e sobre sua putação de Günther Jakobs na dogmática penal contempo-
rânea. Tese de doutorado defendida na Universidade de
autoria) sempre exige a articulação entre São Paulo em julho de 2007.

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O Direito Penal é Capaz de Conter a Violência? 337

põem a chamada teoria do delito18, como feitas todas as ressalvas que acabamos de
mencionamos acima. E, em segundo lugar, expor sobre a noção de crime, teremos que
a residual tematização da pena aflitiva. olhar para o que dizem as teorias da pena.
Notamos que as diferentes teorias e esco- Em outras palavras, dado que estamos tra-
las têm em comum o fato de aceitarem tando de um universo limitado de fatos
que, uma vez chegada à conclusão de que sociais – isto é, aqueles cuja definição legal
um dado comportamento apresenta todas envolve algum tipo de lesão a uma vítima,
as características – de acordo com as cate- que foram selecionados pelas instituições
gorias da teoria adotada – do que se pode penais e que no curso do processo de defi-
chamar de crime, seguir-se-á naturalmen- nição alcançaram o estágio final que seria
te uma pena no sentido da inflição de um a sentença penal condenatória transitada
sofrimento. Na realidade, a pena será te- em julgado. Para esses casos, o que dizem
matizada por outro campo dos estudos so-
as justificativas da pena sobre a sua capa-
bre o sistema penal: as teorias da pena19.
cidade de contenção da violência?
Então, se quisermos responder à per-
Essa pergunta nos remete ao conjun-
gunta que está no título deste capítulo a
to de argumentos que nos últimos dois sé-
partir do campo das “ciências penais” 20,
culos foram oferecidos pelas teorias (mo-
dernas) da pena – retribuição, dissuasão,
18.
Os elementos que compõem a definição de crime, seguindo reabilitação e prevenção geral positiva (ou
o sistema da teoria do delito, são os seguintes: ação, tipici-
dade, antijuridicidade e culpabilidade. denunciação). Essas quatro teorias, com
19.
Vemos que dogmática penal (ou as teorias do delito) e teo-
rias da pena tiveram por muito tempo desenvolvimentos que
algumas variações internas, contribuíram
podemos chamar de relativamente independentes. Discutir a e ainda contribuem para justificar a atua-
função da pena não esteve entre as preocupações centrais
dos autores que escreveram sobre teorias dogmáticas do ção do direito penal como mecanismo pre-
delito. Pode-se dizer que esse padrão foi quebrado apenas
recentemente por Roxin (em 1970) e por autores chamados
cípuo de controle e contenção da violência
de funcionalistas, como Günther Jakobs, que introduzem a
pena no sistema de categorias, para guiar sua interpretação.
As consequências dessa separação e os limites da discussão
nos termos dos funcionalistas foi desenvolvida em MACHA- senschaft), composta por três eixos: (i) as ciências dedica-
DO, Marta. Punishment, Guilt and Communication: the pos- das ao estudo causal-empírico do delito e da pena (crimi-
sibility of overcoming the idea of infliction of suffering in the nologia e penologia); (ii) a política criminal no exercício da
theoretical debate. In: DUBÉ, R.; GARCIA, Margarida; MA- tarefa política que se concretiza nas propostas de revisão e
CHADO, Maira. La rationalité pénale moderne: réflexions reforma da legislação penal; (iii) a dogmática como “ciên-
conceptuelles et explorations empiriques. Ottawa: Les Pres- cia sistemática” e “ciência prática”. É interessante notar
ses de l’Université d’Ottawa, 2012. como a organização do campo é ainda hoje persistente. Ver
20.
Referimo -nos aqui à expressão de Liszt. Em 1882, este au- LISZT, F. von. Der Zweckgedanke im Strafrecht. In: Strafre-
tor propôs uma organização do campo teórico da produção chtliche Aufsätze und Vorträge. Utilizaremos a tradução para
do conhecimento sobre direito penal e alocou as dimen- o espanhol de Carlos Pérez del Valle: LISZT, Franz von. La
sões política e empírica do sistema penal no que chamou de idea del fin en el derecho penal. Programa de la Universidad
“ciência global do direito penal” (gesamte Strafrechtswis- de Marburgo, 1882. Granada: Editorial Comares, 1995.

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338 Manual de Sociologia Jurídica

nas sociedades contemporâneas21. Para os do que a parcela dos problemas violentos.


propósitos deste texto, a teoria da retri- Ao lado desse primeiro movimento de es-
buição não nos interessa diretamente, garçamento da “ideia de violência” para
uma vez que ela não coloca o problema da abarcar “todos os crimes”, a grande difusão
obtenção de efeitos futuros (como conter a do termo “prevenção” provocou uma segun-
violência e prevenir comportamentos). A da ampliação no rol de finalidades atri-
teoria da retribuição se satisfaz, por assim buídas à imposição de pena. Não se trata
dizer, “em pagar o mal com o mal”, isto é, apenas de conter ou evitar determinadas
em causar sofrimento ao indivíduo que condutas, mas, como nos mostra Tonry, a
violou a lei penal. noção de prevenção “facilmente engloba fi-
É a partir de Beccaria que se inicia nalidades tradicionais como a dissuasão, a
um longo debate sobre os efeitos futuros incapacitação e a reabilitação”22. O termo
– para o condenado e a sociedade como “prevenção” é também utilizado na expres-
um todo – atribuídos à imposição da pena. são “prevenção geral positiva” que, diferen-
É interessante notar que, no âmbito das temente das anteriores, atribui à pena o pa-
teorias da pena, a ideia de “contenção da pel de reforçar as normas jurídicas (ou,
violência” foi substancialmente ampliada conforme a formulação, os valores protegi-
de modo a alcançar a expectativa de não dos pelas normas, as instituições do Estado
ocorrência de todos os problemas previs- de Direito, a confiança na justiça etc.). Des-
tos na legislação penal – isto é, prevenir ou sa forma, é muito comum que a noção de
conter inclusive aqueles que não envolvem prevenção seja utilizada para veicular di-
a violência física ou psíquica entre indiví- ferentes teorias – e, portanto, finalidades
duos. Cabe ressaltar que, no direito brasilei- atribuídas à pena: dissuadir a sociedade
ro (e em vários outros sistemas jurídicos), o (prevenção geral negativa), incapacitar o ci-
número dos problemas que não envolvem dadão apenado mantendo-o na instituição
violência física ou psíquica é muito maior prisional ou reabilitá-lo no interior da ins-
tituição (prevenção especial negativa) ou
21.
Para uma análise crítica das teorias da pena, vistas como
ainda punir um cidadão determinado para
discursos racionais de sua justificação, ver GÜNTHER, comunicar à sociedade que valores, institui-
Klaus. Kritik der Strafe I. WestEnd (2004). p. 117-131 [Tradu-
ção para o português: GÜNTHER, Klaus. Crítica da pena I. In: ções e normas continuam válidos (preven-
PÜSCHEL, Flavia; MACHADO, Marta R. A. Teoria da respon- ção geral positiva)23.
sabilidade no estado democrático de direito. Textos de Klaus
Günther. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 53-75. O mais comple-
to estudo sobre as teorias da pena encontra-se em: PIRES,
Álvaro et al. Histoire des savoirs sur le crime et la peine. Bru- 22.
TONRY, Michael. Has the prison a future? In: TONRY, Mi-
xelles: Larcier, 2008. v. I, II e III. O volume II, dedicado à ra- chael (Ed.). The future of imprisonment. Oxford: Oxford
cionalidade penal moderna, apresenta a contribuição do University Press, 2004, p. 10.
pensamento kantiano para a atualização e a compatibilização 23.
Há diferentes vertentes dessa formulação que vê a pena
da teoria da retribuição ao pensamento do século XVIII. como a oportunidade de produzir uma comunicação positi-

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O Direito Penal é Capaz de Conter a Violência? 339

Ainda que tais teorias da pena pare- E “reabilitação não prisional” para aque-
çam se diferenciar bastante entre si – es- las que, reconhecendo os custos e os efei-
pecialmente quanto aos objetivos que se tos contraproducentes que a exclusão do
colocam –, todas elas compartilham uma cidadão do convívio social impõem ao seu
única definição de punição: a pena deve- retorno, ampliaram substancialmente o
rá sempre significar um mal para o impu- rol de sanções disponíveis no direito pe-
tado. A imposição de sofrimento por in- nal para incluir formas de suspensão con-
termédio de uma privação do patrimônio dicional do processo e da pena, prestação
(pena de multa), da liberdade (pena de de serviços à comunidade, advertências,
prisão) ou da vida (pena de morte) cons- mecanismos de mediação, entre outros24.
titui, assim, o elemento central do concei- Mas é interessante observar que a diver-
to de punição. Até mesmo no âmbito das sificação de penas não elimina necessa-
teorias da reabilitação essa concepção de riamente o forte apego à ideia de pena
pena como um mal pode ser encontrada. como um mal. Não é incomum encontrar-
Utilizamos o plural para fazer referência à mos no debate público brasileiro propos-
teoria da reabilitação porque não é possí- tas voltadas a desenhar penas alternati-
vel identificar uma única matriz teórica vas à prisão que maximizem o sofrimento
relevante a este conjunto de ideias. Entre do cidadão que receberá a pena 25.
as várias organizações possíveis, parece-
Ainda que formem o núcleo duro de
-nos mais interessante distingui-las em
um modo muito difundido de pensar a puni-
função do papel que atribuem à institui-
ção em todo o ocidente, essas teorias vêm
ção prisional para a ressocialização do in-
sofrendo uma série de críticas por autores
divíduo. Dessa forma, falamos em “reabili-
tação prisional” para descrever as teorias
que apostaram nos programas e tratamen- 24.
Para um panorama sobre as teorias da reabilitação, espe-
cialmente no que diz respeito às diferenças no tocante à
tos no interior das instituições prisionais. determinação da pena, ver: MACHADO, Maira; PIRES,
Álvaro; FERREIRA, Carolina; SCHAFFA, Pedro. A comple-
xidade do problema e a simplicidade da solução : a questão
va na coletividade. Para citar dois autores importantes nes- das penas mínimas. Brasília: Secretaria de Assuntos Legis-
se debate, ver: HASSEMER, Winfried. Einführung in die lativos do Ministério da Justiça do Brasil, 2009. v. 17.
Grundlagen des Strafrechts. 2. ed. Munique: C.H. Beck, 25.
Um dos exemplos discutidos no Congresso Nacional de
1990 (Tradução para o português: HASSEMER, Winfried. Alternativas Penais (CONEPA), realizado em Campo Gran-
Introdução aos fundamentos do direito penal. Porto Alegre: de em 2011, foi a especificação do tipo de serviço à comu-
Sergio Antonio Fabris, 2005); e JAKOBS, Günther. Strafre- nidade que deveria ser imposto a determinados tipos de
cht, Allgemeiner Teil: die Grundlagen und die Zurechnungs- infração. Para crimes decorrentes de condução perigosa ou
lehre. 2. ed. Berlin: de Gruyter, 1991 (Tradução para o es- sob efeito de álcool, a prestação de serviço à comunidade
panhol: JAKOBS, Günther. Derecho penal parte general: deveria ser realizada nas ambulâncias que socorrem víti-
fundamentos y teoría de la imputación. Tradução de Joa- mas de acidente de trânsito, por exemplo. O fundamento
quin C. Contreras; Jose Luis S. G. De Murillo. 2. ed. cor. desse tipo de proposta é tornar a experiência da sanção a
Madrid: Marcial Pons, 1997). mais negativa possível.

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340 Manual de Sociologia Jurídica

de diferentes países e tradições jurídicas. Assim, como vemos, se permanecer-


Algumas delas tocam diretamente nossa mos no campo das teorias (modernas) da
questão-título, pois colocam em evidência pena, teremos não só poucas ideias para
(i) que algumas teorias estão formuladas lidar com a prevenção de comportamentos
de uma dada maneira que escapam a qual- indesejados, como também ideias incapa-
quer teste empírico (podemos dizer isso da zes de demonstrar que alcançam os objeti-
retribuição e da prevenção geral positiva), vos a que se propõem. E isso porque o de-
(ii) enquanto outras, como a dissuasão, bate sobre as consequências jurídicas da
que, sim, permitiriam algum tipo de verifi- definição de um crime está, há séculos,
cação empírica, vêm sendo sistematica- enclausurado no debate sobre as possíveis
mente descreditadas por pesquisas desen- dinâmicas de prevenção – i.e., dissuasão,
volvidas no campo das ciências sociais. reabilitação ou afirmação de valores ou
Autores que se dedicaram a organi- normas – que podem ser extraídas ou es-
zar e rever sistematicamente os estudos peradas da segregação de um indivíduo e
produzidos sobre a teoria da dissuasão de sua manutenção fora do convívio social.
apontam para a inexistência de relação en- No entanto, a exclusão social do cida-
tre a intensidade da punição e as taxas de dão que violou a lei penal é apenas uma
crimes. No início da década de 1990, Brai- entre várias formas de regular determina-
thwaite, por exemplo, chamou atenção do conflito e atribuir consequências a ele.
para o fato de que “a literatura produzida Ao colocarmos em questão a centralidade
sobre a dissuasão fracassou em produzir da sanção prisional no sistema de justiça
as tão esperadas evidências de que mais criminal, surge um novo espaço para deci-
polícia, mais prisões e mais punições cer- dir as possíveis respostas estatais e, con-
tas e severas fazem uma diferença signifi- sequentemente, um novo campo de dispu-
cativa nas taxas de crime” 26. Vários anos ta para os atores que participam do sistema
depois, Doob e Webster produzem uma de justiça criminal.
ampla revisão da literatura sobre o tema e
Para explorar esse campo de possibi-
concluem, de modo semelhante, que varia-
lidades, parece-nos necessário tratar se-
ções na severidade das sanções não guar-
paradamente a decisão sobre a imputa-
dam relação com os níveis de crime27.
ção (condenação ou absolvição de uma

26.
BRAITHWAITE, John; PETIT, Philip. Not just deserts: a re-
publican theory of criminal justice. Oxford: Oxford Univer- gere que “o sistema jurídico como um todo tenha um efeito
sity Press, 1990. p. 3. dissuasório”. DOOB, Anthony; WEBSTER, Cheryl. Senten-
27.
Esses autores enfatizam também que a ausência de correla- ce severity and crime: accepting the null hypothesis. Crime
ção entre severidade da punição e taxas de crimes não su- and Justice 30: 143 -95, 2003, p. 143.

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O Direito Penal é Capaz de Conter a Violência? 341

determinada pessoa pela violação de uma Klaus Günther aponta isso justamen-
certa norma penal) da decisão sobre a te chamando atenção para a importância
sanção (definição do tipo e da quantidade sociológica do conceito de responsabilida-
de pena, se for o caso). de, que acaba passando desapercebido
nesse arranjo do sistema jurídico. Aquilo
Para compreender como essa segun-
que fundamenta a culpabilidade – ou seja,
da decisão é tomada, temos novamente
os elementos que permitem dizer que um
que observar a existência de diferentes
crime aconteceu e que determinada pes-
etapas no decorrer de um procedimento
soa é seu autor – justifica a imputação de
do qual participam distintas instituições e
responsabilidade (penal) que se dá na de-
atores. Ao discutir a criação de um crime,
claração da sentença condenatória. É essa
o legislador define também a qual sanção
comunicação da responsabilidade que or-
estará sujeito aquele que for declarado seu ganiza a teia de elementos e interações so-
autor. No Brasil e em vários outros países, ciais e lhe dá um sentido29.
acopla-se à descrição da conduta proibida
Abre-se a partir daí um novo campo
uma pena de prisão – expressa com um
de decisão sobre a resposta estatal que se
mínimo e um máximo de tempo de pri-
segue a essa declaração. Não há nada que
são28. Este esquema sancionatório altamen-
nos obrigue a ligar essa declaração a uma
te naturalizado impõe ao menos dois obs- sanção e muito menos a uma pena aflitiva.
táculos a ampliar e sofisticar o campo de Se isso vem acontecendo há muito tempo,
possibilidades em matéria de penas. trata-se de uma decisão, que pode ser co-
O primeiro deles diz respeito ao vín- locada em questão a qualquer momento.
culo entre a decisão de condenação e a im- Ou seja, é possível discutir e decidir –
posição de uma pena. dando-se novos fundamentos, que não
aqueles que justificaram a responsabiliza-
ção –, conforme o caso que se tem em
28.
A exceção mais radical e recente encontra-se na nova lei de
drogas, que previu pena de advertência para o usuário de mãos, se após a comunicação da imputa-
substância entorpecente (art. 28 da Lei n. 11.340/2006).
ção haverá mais algum tipo de resposta do
Estamos tão acostumados com o fato de que o legislador
define para todo crime uma pena de prisão que a discussão
que se seguiu à promulgação dessa lei foi a de que haveria
ocorrido a descriminalização do uso de entorpecentes – o 29.
GÜNTHER, Klaus. Responsabilidade na sociedade civil. In:
que não é correto afirmar, já que essa conduta continua Novos Estudos 63, 2002, p. 105 -118. Originalmente publi-
sendo crime, continua sujeita ao processo penal, e o que cado em MÜLLER-DOOHM, Stefan (Org.). Das Interesse
mudou foi somente a sanção prevista em lei. Ver, nesse der Vernunft, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2000, p. 465-
sentido, PIRES, Álvaro; CAUCHIE, Jean François. Um caso 485. Publicado em português também em: PÜSCHEL, Fla-
de inovação “acidental” em matéria de penas: a lei brasilei- via; MACHADO, Marta R. A. Teoria da responsabilidade no
ra de drogas. Revista Direito GV 13, v. 7, n. 1, p. 299 -329, Estado Democrático de Direito. Textos de Klaus Günther.
jan./jun. 2011. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1-26.

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342 Manual de Sociologia Jurídica

sistema jurídico e qual será ela – indeniza- nutenção da sanção prisional na esmaga-
ção, advertência, reparação à vítima, acor- dora maioria dos crimes em vigor na nossa
dos restaurativos, multa, serviço comuni- legislação reforça a ideia de que somente a
tário, prisão etc.30. pena de prisão é capaz de gerir e prevenir

O segundo obstáculo diz respeito à problemas sociais considerados graves.

utilização quase exclusiva da sanção pri- Em um cenário como esse, não surpreen-

sional na redação dos tipos penais. O legis- de que os debates públicos sobre todo tipo

lador poderia indicar, conforme a situação de problema social acabem sempre em


problemática que procura regular, o con- propostas de criação de um crime ao qual,
junto de sanções possíveis às quais o infra- invariavelmente, está acoplada a pena mí-

tor daquela norma poderia estar sujeito. A nima e máxima de prisão32.

retumbante monotonia na definição das Uma característica importante do pro-


sanções pelo legislador soa certamente es- cesso de decisão sobre a sanção é a forma
tranha para qualquer formulador de políti- como está distribuído entre as instituições
cas públicas: não importa qual o problema do Estado de Direito. No caso do Brasil, o
que se tenha diante dos olhos – o corte não legislador estabelece os limites mínimos e
autorizado de uma árvore, a sonegação de
impostos, um xingamento racista ou um autor e promotor de justiça como causas de extinção da
homicídio cometido com requintes de punibilidade, aplicável a contravenções penais e crimes de
menor potencial ofensivo, isto é, aqueles a que a lei comine
crueldade –, a resposta estatal definida no pena máxima não superior a 2 (dois) anos (arts. 72 a 76 da
Lei n. 9.099/95); a possibilidade de suspensão condicional
tipo penal será sempre a mesma: prisão.
do processo, com potencial extinção da ação penal caso
Varia apenas a quantidade de tempo míni- haja o cumprimento de determinadas condições, aplicável
aos crimes com pena mínima não superior a um ano (art. 89
mo e máximo que se entende necessária da Lei n. 9.099/95); a possibilidade de substituição da
para “prevenir” a repetição dessas condu- pena privativa de liberdade por restritivas de direito, aplicá-
vel a condenações não superiores a 4 anos, em crime não
tas indesejadas. Por mais que outras nor- cometido com violência ou grave ameaça à pessoa e a réu
não reincidente em crime doloso (art. 44 do Código Penal);
mas estabeleçam possibilidades de parali- e, por fim, a suspensão condicional da execução da pena
sação do processo, de substituição de uma privativa de liberdade (sursis), aplicável em casos de con-
denações não superiores a 2 (dois) anos, desde que o con-
pena de prisão por uma pena de outro tipo denado não seja reincidente em crime doloso (art. 77 do
Código Penal).
em limitadíssimas circunstâncias31, a ma- 32.
Um terceiro obstáculo que não poderá ser discutido neste
texto diz respeito às penas mínimas. Estas penas, definidas
pelo legislador para um conjunto abstrato e desconhecido de
30.
É claro que como e por quem essa decisão seria tomada em situações, impedem que o juiz, diante do caso concreto, pos-
um modelo que reconhecesse esse espaço é algo a ser sa decidir a pena mais justa, mais adequada, àquele cidadão.
construído e regulado. Ver, nesse sentido: MACHADO, Maira; PIRES, Álvaro. Inter-
31.
Entre os institutos “despenalizadores” previstos em nossa venção política na sentença de direito. In: MACHADO, Marta;
legislação, estão: o reconhecimento da composição civil PÜSCHEL, Flavia (Org.). Responsabilidade e pena no Estado
dos danos entre autor e vítima e da transação penal entre Democrático de Direito. São Paulo: Saraiva, 2013 (no prelo).

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O Direito Penal é Capaz de Conter a Violência? 343

máximos aos quais deve se ater a sentença vimento de judicialização da gestão da pena
do juiz, os critérios que deve levar em conta que ocorreu no Brasil, sobretudo a partir da
na definição da sanção e também as circuns- década de 1980. Da mesma maneira, a redu-
tâncias em que pode determinar que a pena ção da margem de decisão do juiz em face
de prisão seja substituída por uma pena al- dos períodos mínimos obrigatórios de per-
ternativa33. Além disso, depois de fixada ini- manência em regime fechado tem limitado o
cialmente a pena, entra em jogo um outro espaço do juiz para individualizar a pena36.
juiz que acompanha o caso durante o cum- Em suma, importa-nos chamar aten-
primento da pena e que também pode tomar ção aqui para a necessidade de refletirmos
uma série de decisões que envolvem a sua e problematizarmos sobre a forma como
gestão34 – por exemplo, progressão de regi- em cada sociedade se decide responder às
me, comutação de tempo de prisão por tra- situações problemáticas sobre as quais se
35
balho, indulto, liberdade condicional etc. . decidiu definir como crime.
Esse arranjo constitui uma das possi- Embora a esmagadora maioria dos
bilidades de construção do processo decisó- sistemas penais esteja ainda girando em
rio sobre a sanção. Ele nem sempre foi assim torno da prisão e da inflição de sofrimento
e não necessariamente chegou a sua melhor – e não vamos por ora nos perguntar por
forma. A divisão de tarefas entre o juiz e o que –, essa é apenas uma, dentre muitas,
administrador público, por exemplo, vem das possíveis estratégias de lidar com o
sendo objeto de intenso debate desde o mo- crime. Essa discussão só vai começar
quando assumirmos a contingência dessa
33.
Enquanto os mínimos e máximos estão previstos nos tipos decisão – isto é, um crime ao qual não está
penais, logo abaixo das normas de comportamento, as de-
associada uma pena de prisão não consti-
mais regras estão previstas na parte geral do código penal,
respectivamente arts. 59 e 44. tui uma anomalia, tampouco pode ser en-
34.
A expressão “gestão da sanção” busca captar a participa-
ção de diferentes atores (defensores, promotores, diretores tendido como impunidade. A partir daí,
de instituições prisionais, grupos técnicos etc.) nas suces- abre-se um leque de soluções – que podem
sivas etapas do processo decisório que se desenvolve a
partir do momento em que uma pena é definida em senten- ser mais criativas e menos deletérias que a
ça judicial. Para um panorama sobre a complexidade desse pena de prisão – para se pensar qual a me-
processo decisório a partir das proposições legislativas
apresentadas entre 1984 e 2011, ver: FERREIRA, Carolina; lhor política pública para lidar com deter-
MACHADO, Maira. Exclusão social como prestação do sis-
tema de justiça: um retrato da produção legislativa atenta
minado problema social.
ao problema carcerário no Brasil. In: RODRIGUEZ, J. R.
(Org.). Pensar o Brasil: problemas nacionais à luz do direi-
to. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 77-105. 36.
Sobre estes dois últimos pontos, ver: FERREIRA, Carolina.
35.
É importante lembrar que a menção às figuras do legislador Legislar sobre a exclusão social: um estudo sobre a ativida-
e do juiz acumula os vários atores que participam da dinâ- de legislativa sobre cumprimento da pena privativa de li-
mica do processo legislativo e do processo jurisdicional, berdade de 1984 a 2011. Dissertação de mestrado em Di-
tal como discutimos no item anterior. reito e Desenvolvimento (Direito GV, 2011).

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344 Manual de Sociologia Jurídica

Trata-se de refletir a sério sobre quais referir-se à inércia total do Estado ou ao


sanções estão à disposição para serem apli- mau funcionamento de suas instituições,
cadas, quais respostas jurídicas são as mas não é assim que o vemos em ação em
mais adequadas para lidar com o problema muitos casos. Muito comumente, fala-se
social e como esse processo decisório está hoje em dia de impunidade na esfera públi-
estruturado. Neste último ponto, referimo- ca para se referir à ausência da pena de
-nos ao modo como as instituições e atores prisão ou a punições tidas como brandas
interagem, aos pressupostos aos quais es- demais, ainda que não necessariamente se
tão vinculados, ao que podem utilizar para esteja diante de ausência de responsabili-
embasar suas decisões, aos atores que po- zação ou ausência de resposta estatal. O
dem ser ouvidos e opinar no curso desse termo “impunidade” é também mobilizado
procedimento, a quais interesses estão em quando se aplica uma pena alternativa,
causa, entre outros. Enquanto essa decisão quando o caso se resolve em indenização,
não for objeto de pesquisa e problematiza- e não em privação de liberdade, ou quando
ção, no campo jurídico e na esfera pública, o condenado sai da prisão porque faz jus à
não seremos capazes de enfrentar os obs- liberdade condicional37.
táculos à construção de políticas públicas
O uso do termo “impunidade”, nessa
mais eficientes para tratar dos nossos con-
linha, é perigoso, porque nos leva a dois
flitos sociais.
tipos de redução: fecha a atuação do siste-
Uma das maiores dificuldades de ma de justiça na responsabilização indivi-
avançarmos nesse debate hoje em dia é a dual com atribuição de pena e faz coincidir
força que o discurso da impunidade tem a ideia de pena com privação de liberdade
na esfera pública. O termo “impunidade” por longos períodos. Esses diagnósticos
se transformou em um conceito que colap- partem de uma percepção de que algo está
sa uma série de coisas distintas em uma faltando para que possamos melhor lidar
única demanda, a de mais prisão. Pode- com um determinado problema social. E
mos a princípio pensar que falar em impu- esse algo é sempre a prisão. Ainda que
nidade seria falar da inércia estatal diante muitas vezes se esteja diante de problemas
de problemas nos quais instituições do Es- sérios na atuação do sistema de justiça, o
tado deveriam de alguma maneira intervir
e não o fazem, deixando assim desprotegi- 37.
Para uma discussão sobre os diferentes usos do termo “im-
da uma série de interesses que, em nosso punidade” a partir de material colhido em estudo de caso
sobre os processos legislativos da nova lei de drogas e da
acordo social, entendemos que deveriam Lei Maria da Penha, ver: MACHADO, Maira et al. Atividade
ser tutelados pelo Estado. Mas não. O legislativa e obstáculos à inovação em matéria penal no Bra-
sil. Brasília: Secretaria de Assuntos Legislativos do Minis-
diagnóstico da impunidade pode, claro, tério da Justiça do Brasil, 2010. v. 32.

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discurso da impunidade nunca coloca em Depois de mais dois séculos de repeti-


causa a resposta prisional e fecha o espaço ção de um modelo determinado de funcio-
para pensarmos sobre a melhor forma de namento do direito penal moderno, fica di-
resolver o problema. fícil afirmar qualquer coisa sobre o que

Não é por acaso que a ideia de impu- aconteceria caso o direito penal deixasse

nidade é sempre retomada quando o que de funcionar por meio da atribuição de uma

se pretende é transformar as estruturas pena aflitiva. Porém, podemos afirmar que

internas do direito penal e, com mais ênfa- as experiências em que conflitos – inclusive

se, quando se discute a ampliação e a com- violentos – foram resolvidos sem o direito

plexificação das sanções previstas. Tudo penal não tiveram esse resultado.

se passa como se a regulação jurídica de Isso tudo evidencia que a limitação do


situações problemáticas pudesse operar debate a esses termos – crime e pena afliti-
apenas com as ideias e estruturas concebi- va, de preferência prisão – exclui de saída
das quando da formação do direito penal uma série de mecanismos de prevenção po-
moderno no final do século XVIII. Qual- tencialmente mais interessantes e eficazes
quer coisa que difira disto significa o re- e impede que avancemos na construção de
torno às formas de regulação de conflitos políticas públicas. E o que é pior: se avan-
anteriores ao advento do Estado Moderno. çarmos o nosso olhar sociológico para levar
em consideração os efeitos concretos da
Este tipo de argumentação associa a
centralidade da prisão no debate sobre pre-
resposta do direito penal sempre com a
venção, veremos que seus resultados são
punição como um mal – já que apenas a
ainda mais catastróficos, especialmente se
violência estatal satisfaria os desejos de
vingança da vítima e da comunidade. Além o que se quer é diminuir a violência.

disso, associa o não estatal com o pré-


-moderno, isto é, sem o mal praticado pelo tes países à margem das estruturas estatais tradicionais do
sistema de justiça. Nos esforços de sistematização e refle-
Estado, estaria recolocado o risco de ano- xão sobre essas experiências, a expressão “justiça restau-
rativa” vem sendo cada vez mais utilizada, ainda que, em
mia – caos, linchamentos, guerra de todos
alguns casos, possa se referir a alterações profundas dos
contra todos. Esse argumento é frágil, pois mecanismos de resolução de conflitos que ocorrem no in-
terior das estruturas estatais. Tendo em vista ser muito co-
ignora a existência de um amplo repertó- mum que essas experiências sejam associadas a proble-
rio de mecanismos e estratégias de resolu- mas sociais cotidianos e considerados menos graves, é
importante ter em mente a ênfase recente em mecanismos
ção de conflitos que se desenvolveram em voltados a garantir a reparação do dano e a favorecer a re-
paralelo ao aparato estatal38. conciliação em casos de sistemáticas violações de direitos
humanos. Nesse sentido, JAUDEL, É. Justice sans châti-
ment. Les commissions Vérité -Réconciliation. Paris: Odile
Jacob, 2009; VILMER, J. Réparer l’irréparable. Les répara-
38.
Referimo -nos aqui às inúmeras experiências de resolução tions aux victimes devant la Cour Pénale Internationale.
de conflitos que se desenvolvem atualmente e em diferen- Paris: Presses Universitaires de France, 2009.

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18.3. Para concluir: o direito penal é vilegiado: somos o quarto país que mais
capaz de conter sua própria encarcera no mundo, perdendo apenas
violência? para EUA, China e Rússia. Nossa popula-
ção carcerária já ultrapassa meio milhão
Em várias sociedades contemporâ-
de pessoas, na razão de 270 presos a cada
neas, inclusive no Brasil, uma das formas
100 mil habitantes40.
de violência mais aguda a ser contida pelo
direito é aquela produzida pelo próprio di- Mas, para discutirmos a fundo a
reito penal. Essa constatação, a nosso ver, questão carcerária aqui no Brasil, não po-
exige que este texto abarque um conjunto demos deixar de considerar as condições
de problemas que muitas vezes escapa à de vida nas instituições prisionais brasilei-
discussão sobre criminalidade e violência. ras. Isto quer dizer que nossa tarefa envol-
Por violência produzida pelo próprio direi- ve não somente questionar a limitação da
to penal, referimo-nos às implicações so- solução prisional em si mesma, isto é, per-
ciais da centralidade da prisão no sistema guntarmo-nos a respeito dos ganhos so-
39
de justiça . Esta problemática tem recebi- ciais em se sequestrar pessoas e excluí-las
do, nas últimas décadas, enorme atenção do convívio social por longos períodos,
por parte das ciências sociais. Contudo, o mas também as circunstâncias concretas
conhecimento ali produzido tem sido pouco das condições de vida nas instituições pri-
ou nada aproveitado para a reflexão sobre sionais brasileiras. Celas superlotadas, au-
a reforma do sistema de justiça criminal sência de condições mínimas de higiene,
contemporâneo. alimentação inadequada e insuficiente, in-
Considerar essa questão nos parece salubridade do ambiente são algumas das
fundamental em um momento em que a características que aparecem comumente
ênfase a políticas encarceradoras convive em inspeções e pesquisas voltadas a cole-
com o problema, cada vez mais contun- tar informações sobre a situação carcerá-
dente, da superpopulação prisional. Esse
paradoxo pode ser observado em diversos 40.
As informações sobre a população carcerária no Brasil são
países, mas no Brasil ocupa um lugar pri- compiladas e disponibilizadas pelo Infopen – uma base
de dados gerenciada pelo Ministério da Justiça, mas ali-
mentada por cada um dos Estados. O relatório referente a
dezembro de 2011 encontra-se disponível em: <http://por-
39.
Neste texto, associamos “violência produzida pelo direito tal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE-
penal” com o problema prisional por considerarmos ser 94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.htm> (Acesso em:
este, de longe, o mais urgente no contexto brasileiro. É cla- 6 ago. 2012). Para informações sobre a população prisional
ro que o direito penal produz outras formas de violência, nos demais países, ver: WALMSLEY, R. World prison popula-
como a estigmatização das pessoas submetidas à investi- tion list. 8. ed. King’s College London International Centre for
gação ou à persecução penal, a abertura à exploração mi- Prison Studies, 2009. Disponível em: <http://www.prisonstu-
diática de determinados casos etc. dies.org/info/downloads/wppl8th_41.pdf>.

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ria no país41. Essas limitações estruturais e aos seus aplicadores, que continuam se
somam-se ainda à precariedade dos pro- utilizando cada vez mais da prisão como so-
gramas de saúde, trabalho e educação no lução, como se essa questão não existisse
interior das instituições prisionais. ou não fosse de sua alçada.
Esta forma sistemática de violência Em poucas palavras, o direito repro-
produzida pelo sistema penal vem sendo in- duz suas estruturas – várias delas concebi-
tensamente pesquisada e discutida pelas das para lidar com a conflituosidade social
ciências sociais, mas parece não integrar o e as instituições jurídicas do século XVIII
quadro de preocupações dos juristas com- – sem atentar para as descobertas das ciên-
prometidos com a reforma do direito penal. cias sociais e essas, por sua vez, dificil-
Para utilizar os termos de Margarida Garcia mente arriscam-se a entender e integrar,
(2011), ciências sociais e direito encontram- em suas análises, a contribuição do pró-
-se aqui em um “diálogo sem troca”. De um prio direito para esse estado de coisas. Por
lado, não encontramos com frequência pes- via de consequência, também não são ca-
quisas desenvolvidas no campo da sociolo-
pazes de apontar possíveis intervenções
gia do direito que levem em conta as estru-
dentro do campo do direito que poderiam
turas internas do direito penal – tanto no
impactar neste diagnóstico.
plano normativo quanto no dogmático –
Diante desse conjunto de questões –
para compreender e explicar o problema
prisional. De outro lado, no campo jurídico, que são apenas algumas da gama de outras

é possível dizer que este problema é ampla- questões que envolvem o funcionamento do

mente ignorado – quando é reconhecido, sistema penal e que tiveram que ficar fora
costuma ser mais atribuído à política que deste texto –, é que nos parece importante,
ao próprio direito; e frequentemente ao po- em um texto escrito para um manual de so-
der executivo, que não resolve o problema ciologia jurídica, chamar atenção para o
do déficit de vagas nas prisões, e não à lei fato de não ser possível discutir direito pe-
nal e pena hoje em dia sem olhar para as
41.
Sobre as violações de direitos humanos em ambiente pri-
implicações concretas do funcionamento
sional, ver Relatório dos Direitos Humanos das Pessoas Pri- do sistema de justiça criminal – quem está
vadas de Liberdade nas Américas, publicado em dezembro
de 2011 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos preso e sob quais condições – sob pena de
da OEA. As decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo nas
aumentar a violência e agudizar processos
ações civis públicas versando sobre superpopulação carce-
rária corroboram este quadro. Resultados parciais de pes- de exclusão social. E, de outro lado, parece-
quisa neste sentido estão descritos em: MACHADO, Maira.
Superpopulação prisional e desenvolvimento sustentável. -nos inócuo observar esta realidade sem
In: OLIVEIRA, Carina; SAMPAIO, Romulo (Org.). Instru- olhar para a operação do sistema do direito
mentos jurídicos para a implementação do desenvolvimento
sustentável. Rio de Janeiro: FGV, 2012, p. 135 -154. e desvendar seus mecanismos internos,

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