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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 3
2 CONCEITUANDO A LUDICIDADE E O BRINCAR .............................................. 4
2.1 O que é ludicidade? ........................................................................................... 4
2.2 O que é o brincar? ............................................................................................. 7
2.3 Relações entre o brincar e jogar ........................................................................ 9
3 DIMENSÃO LÚDICA .......................................................................................... 12
3.1 A dimensão lúdica ........................................................................................... 13
3.2 Prazer funcional ............................................................................................... 15
3.3 Desafio e surpresa........................................................................................... 18
3.4 Possibilidades .................................................................................................. 19
3.5 Dimensão simbólica......................................................................................... 20
3.6 Expressão construtiva ..................................................................................... 22
4 A IMPORTÂNCIA DO LÚDICO NA ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO ..... 24
4.1 A dimensão lúdica dos jogos associada à dimensão educativa ...................... 27
4.2 A ludicidade na escola: contribuições para a qualificação do processo de
alfabetização e letramento .................................................................................... 28
5 PSICOMOTRICIDADE APLICADA À EDUCAÇÃO INFANTIL ........................... 30
5.1 O papel da psicomotricidade e seu campo de prática profissional .................. 31
5.2 A psicomotricidade em diferentes estágios de desenvolvimento infantil ......... 36
5.3 A importância da psicomotricidade na educação infantil ................................. 39
6 O IMAGINÁRIO INFANTIL ................................................................................. 42
6.1 A relação da arte com o simbólico infantil ....................................................... 48
6.2 Materiais que promovem o simbólico infantil ................................................... 50
7 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ........................................................................ 54

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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante
ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável -
um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum
é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão
a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as
perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão
respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da
nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à
execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da
semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 CONCEITUANDO A LUDICIDADE E O BRINCAR

A ludicidade está presente no cotidiano escolar e é uma ferramenta


importante no processo de desenvolvimento do sujeito, em seus aspectos físico,
cognitivo e social. Além de estimular a imaginação e a criatividade, a ludicidade é
prazerosa no processo de ensino e aprendizagem. Neste capítulo, você vai
identificar os conceitos de ludicidade e do brincar, reconhecendo como ambos estão
interligados no ambiente escolar.

Fonte: https://marcelolopes10.com.br

2.1 O que é ludicidade?

De modo geral, em relação ao lúdico, estamos habituados a ouvir frases


como: “Ensine de uma maneira lúdica!” ou “Trabalhe com a ludicidade”, e tal
pensamento está correto, pois existe familiaridade entre ambas as frases. De

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acordo com Luckesi (2000), ludicidade foca a experiência lúdica como uma
experiência interna do sujeito que a vivencia. No entanto, as buscas sobre um
conceito definitivo não são encontradas nos dicionários. Alguns autores descrevem
a ludicidade como (BROUGÈRE, 2003) a atividade lúdica; o sistema de regras bem
definidas (que existem independentemente dos jogadores) e o objeto (instrumento
ou brinquedo) que os indivíduos usam para jogar. Já a palavra jogo, relacionada à
ludicidade, é de origem latina e significa “gracejo”. Desse modo, além das
características que favorecem o desenvolvimento no processo de aprendizagem, os
jogos proporcionam prazer e diversão. Sendo assim, podemos dizer que as
atividades lúdicas promovem a imaginação, a integração desde a educação infantil,
sendo de grande importância na transformação do sujeito.
Quando tratamos do lúdico e do brincar, é importante que saibamos que há
legislação e diretrizes educacionais que contemplam essas ações. Veja algumas
observações importantes sobre quem proporciona a brincadeira e o espaço de
brincar.

Os agentes do brincar são as pessoas que, com conhecimento e


competência, criam as oportunidades para que as crianças brinquem
livremente. Podem ser: jovens, pais, educadores, profissionais,
estudantes, voluntários de organizações da sociedade civil, pessoas na
terceira idade, etc. Em um ambiente adequado para brincar, as crianças
farão escolhas acerca do que elas brincam e com quem brincam. Nesses
momentos poderão ser apoiadas e estimuladas pelo Agente do Brincar –
um animador e facilitador das oportunidades lúdicas. [...] Espaços para
brincar e aprender são aqueles que oferecem oportunidades e atividades
lúdicas em um ambiente saudável e amoroso para as crianças interagirem
com adultos e outras crianças, desenvolvendo um relacionamento de
confiança com eles. Os espaços comunitários oferecem oportunidades
lúdicas e apoiam as crianças no desenvolvimento das habilidades sociais.
As crianças aprendem umas com as outras, sem se preocuparem com
autoridade (pais/adultos). São ambientes informais onde as brincadeiras
devem ser livres (IPA, 2013, p. 13).

As crianças precisam ter a oportunidade de brincar em pátios, praças e


espaços abertos, além de viver diferentes experiências que as aproximem da
natureza, como semear, plantar e colher os frutos da terra. Desse modo, a criança
poderá construir uma relação de identidade e respeito com a natureza. Além disso,

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o acesso a espaços culturais também é um direito da criança – práticas culturais da
comunidade, participação em apresentações musicais e teatrais, visitas a
bibliotecas, museus e outros espaços públicos (BRASIL, 2013, documento on-line).
Essas colocações ilustram o quanto o lúdico e o brincar são importantes ao
longo do desenvolvimento humano, evidenciado não só pelo prazer que
proporciona, mas também por sua intencionalidade. Para Vygotsky (apud
FERNANDES, 2010, p. 26), a criança: “[...] é introduzida no mundo adulto pelo jogo
e a sua imaginação (estimulada por meio dos jogos) pode contribuir para expansão
de suas habilidades conceituais”. Confira, no Quadro 1, alguns objetivos
relacionados ao jogo.

Conforme Braga; Araújo e Haas (2015, p. 2), o:

[…] jogo, por ocorrer em situações sem pressão, em atmosfera de


familiaridade, segurança emocional e ausência de tensão ou perigo,
proporciona condições para aprendizagem das normas sociais em

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situações de menor risco. O comportamento lúdico oferece oportunidades
para experimentar vivências que, em situações normais, jamais seriam
tentadas pelo medo do erro ou da punição.

Sendo assim, o jogo constitui uma expressão em sua maioria espontânea


que agrega situações de experimentação de descoberta.

2.2 O que é o brincar?

O brincar está presente em nossas vidas desde tenra idade.

Uma atividade muito importante para a criança pequena é a brincadeira.


Brincar dá à criança oportunidade para imitar o conhecido e para construir
o novo, conforme ela reconstrói o cenário necessário para que sua fantasia
se aproxime ou se distancie da realidade vivida, assumindo personagens
e transformando objetos pelo uso que deles faz (BRASIL, 2013, p. 87).

Quando tratamos do brincar, em um primeiro momento nos vêm à mente a


infância, porém o brincar está presente ao longo da vida em situações e níveis
diferentes. Vários adultos já se viram brincando de casinha com um filho, sobrinho
ou outra criança, e até mesmo o professor, em sua atuação, passa a ser agente

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participativo desses momentos, o que facilita a observação do desenvolvimento dos
alunos, pois, assim como o lúdico, o brincar está atrelado ao desenvolvimento em
vários aspectos. Quem nunca ouviu a frase: “Aprender brincando”? Conforme
WINNICOTT (1975, p. 80), “[...] é no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo,
criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral, e é somente
sendo criativo que o indivíduo descobre o seu eu”.
Você já parou para pensar como eram as brincadeiras há 20 anos? E como
são elas na contemporaneidade? Além das novas tecnologias, o cotidiano corrido
dos pais proporciona brincadeiras tecnológicas, pois os jogos eletrônicos e a
internet são emergentes. Desse modo, brincadeiras mais antigas, como pega-pega,
esconde-esconde, entre outras, apresentam-se desconhecidas para as novas
gerações. Não se pode negar que os jogos eletrônicos atuem também como
ferramentas no campo de ensino e aprendizagem, mas há questões, como a
socialização entre os pares, que alguns desses jogos on-line não proporcionam
(FERREIRA, 2018).
É impossível falar sobre o brincar sem falar sobre brinquedos. Uma das
diretrizes do Ministério da Educação é: “[...] prever a oferta de brinquedos e
equipamentos que respeitem as características ambientais e socioculturais da
comunidade” (BRASIL, 2010, p. 24).

Cabe à creche e à pré-escola, espaços institucionais diferentes do lar,


educar a criança de 0 a 5 anos e 11 meses com brinquedos de qualidade,
substituindo-os, quando quebram ou já não despertam mais interesse.
Para adquirir brinquedos, é fundamental selecionar aqueles com o selo do
INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia), que já foram testados em sua
qualidade com critérios apropriados às crianças. A seleção de brinquedos
envolve diversos aspectos: ser durável, atraente, adequado e apropriado
a diversos usos; garantir a segurança e ampliar oportunidades para o
brincar; atender à diversidade racial, não induzir a preconceitos de gênero,
classe social e etnia; não estimular a violência; incluir diversidade de
materiais e tipos ― brinquedos tecnológicos, industrializados, artesanais e
produzidos pelas crianças, professoras e pais (KISHIMOTO, 2010, p. 2).

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2.3 Relações entre o brincar e jogar

Até o momento, vimos os conceitos de ludicidade, brincar, jogar, entre


outras ações que os envolvem. Mas você já pensou como o brincar e jogar se
relacionam? O brincar relaciona-se ao objeto e ao imaginário, no entanto, o jogo
pode se tornar uma atividade mais complexa que envolve regras. Essas relações
tornam-se mais evidentes em circunstâncias de competições e gincanas, nas quais
existe a brincadeira, mas também a necessidade de obedecer a regras para que se
chegue a um objetivo, seja para um grupo ou individualmente (FERREIRA, 2018).
Desse modo, podemos notar que, de acordo com a idade e a maturidade das
crianças, é possível avançarmos com atividades de jogar e brincar, a fim de ampliar
seu desenvolvimento.

A utilização do jogo potencializa a exploração e a construção do


conhecimento, por contar com a motivação interna, típica do lúdico, mas o
trabalho pedagógico requer a oferta de estímulos externos e a influência
de parceiros bem como a sistematização de conceitos em outras situações
que não jogos. Ao utilizar de modo metafórico a forma lúdica (objeto
suporte de brincadeira) para estimular a construção do conhecimento, o
brinquedo educativo conquistou espaço definitivo na educação infantil
(KISHIMOTO, 1996, p. 37-38).

Kishimoto (1996) nos apresenta três tipos de brincadeiras: brincadeiras


tradicionais, brincadeiras de faz de conta e jogos de construção. O Quadro 2 traz a
descrição de cada um deles.

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Assim, podemos observar como é possível explorar aspectos diversos de
nossas crianças utilizando o brincar e o jogar de maneira associada.
Em se tratando de brincar e de brinquedos, é importante que o educador ou
recreacionista saibam quais os brinquedos adequados por idade, garantindo assim
a segurança da criança, principalmente dos bebês, que levam objetos até a boca e
batem-nos nas mãos ou em outras partes do corpo ao explorá-los. Nas embalagens
dos brinquedos, embora haja a indicação de idade, nem sempre o objetivo do
brinquedo fica evidente (FERREIRA, 2018). O Quadro 3 mostra os brinquedos por
idade e traz os objetivos e cuidados que se deve ter com alguns brinquedos,
conforme a faixa etária.

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3 DIMENSÃO LÚDICA

A educação básica realiza-se, ou deveria realizar-se, na perspectiva legal


para todas as crianças e todos os adolescentes, por intermédio de três processos
de escolarização sucessivos e interdependentes. O primeiro abrange a escola de
educação infantil, para crianças até 6 anos, o segundo abrange a escola
fundamental, para crianças e jovens entre 7 e 14 anos, e o terceiro abrange a escola
de ensino médio, para adolescentes entre 15 e 17 anos. Considerando essa
exigência de uma escola para todos (Macedo, 2004), o objetivo do presente capítulo
é analisar a importância da dimensão lúdica nos processos de aprendizagem
escolar como uma das condições para o desenvolvimento das crianças e dos
adolescentes e, quem sabe, para uma recuperação do sentido original da escola.

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Fonte: https://www.jornaldocomercio.com

3.1 A dimensão lúdica

Temos o hábito de classificar os jogos e as brincadeiras, seja por seus


conteúdos, materiais, preferências ou estrutura. Neste capítulo, a ideia é sugerir
indicadores para inferir a dimensão lúdica. Antes disso, talvez seja interessante
lembrar a diferença entre julgamentos com base em conceitos (que nos possibilitam
fazer classificações) e julgamentos com base em inferências (que nos permitem
fazer observações, regulações ou avaliações não conceituais). Quando se trabalha
com indicadores, o desafio é aprender a observar partes, elementos, detalhes que
nos permitem supor um todo que só pode ser apresentado de modo incompleto,
que não pode ser percebido totalmente. Possibilita, também, antecipar ou corrigir
algo que ainda não é, que ainda não se realizou completamente (MACEDO, 2007).
O objetivo é apresentar cinco indicadores que permitam inferir a presença
do lúdico nos processos de aprendizagem ou desenvolvimento (Macedo, 2003),
favorecendo a observação da dimensão lúdica nas atividades escolares. Para isso,
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defendemos que, na perspectiva das crianças, elas apresentem as seguintes
qualidades:
1. terem prazer funcional;
2. serem desafiadoras;
3. criarem possibilidades ou disporem delas;
4. possuírem dimensão simbólica e;
5. expressarem-se de modo construtivo ou relacional.

A hipótese é que, se soubermos observar a presença – maior ou menor –


do lúdico, poderemos compreender resistências, desinteresses e toda a sorte de
limitações que tornam, muitas vezes, a escola sem sentido para as crianças. Além
disso, nosso objetivo é desfazer certos mal-entendidos de que lúdico significa
necessariamente algo agradável na perspectiva daquele que realiza a atividade. Se
fosse só assim, poderíamos, por exemplo, vir a ser reféns das crianças ou
condenados a praticar coisas engraçadas, mesmo que sem sentido.
Os adultos sabem cada vez mais o quão fundamental é a educação básica
para todas as crianças. Dispomos de leis que exigem do poder público, em todos
os níveis, uma aplicação mínima de seus recursos orçamentários em favor da
educação de crianças e jovens. Os pais são obrigados, correndo o risco de serem
condenados por negligência, a manter seus filhos na escola e a zelar por sua
educação formal. Em outras palavras, no mundo de hoje, ainda que não
suficientemente, considera-se que a escola é necessária em todos os sentidos
(MACEDO, 2007).
O problema é que não basta que esse direito seja valorizado pelos adultos.
Dizer que a escola é fundamental para o bem das crianças é um discurso e uma
exigência dos mais velhos. Ao mesmo tempo, pode ser algo muito abstrato e
distante da realidade delas. Por mais que os adultos tenham razão, isso não basta
para convencer as crianças. O que elas sentem a respeito da escola que a
sociedade lhes oferece? O que pensam de seus professores e das tarefas que lhes

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propõem? Como julgam os livros, os espaços e os tempos pedagógicos, assim
como o cotidiano da sala de aula?
Valorizar o lúdico nos processos de aprendizagem significa, entre outras
coisas, considerá-lo na perspectiva das crianças. Para elas, apenas o que é lúdico
faz sentido. Em atividades necessárias (dormir, comer, beber, tomar banho, fazer
xixi), por exemplo, é comum as crianças introduzirem um elemento lúdico e as
realizarem agregando elementos como os que serão analisados a seguir. Como
avaliar as atividades escolares em sua perspectiva lúdica? Como modificar ou
acrescentar, se possível, a dimensão lúdica nas atividades escolares? Como tornar
os processos de aprendizagem das crianças algo que lhes faça sentido? Em outras
palavras, uma escola para todos pode ser ao mesmo tempo lúdica para as crianças
agora obrigadas, ainda que “para seu bem”, a frequentarem-na até os 15 ou 18
anos. Para que isso ocorra, certos aspectos relacionados ao lúdico devem ser
levados em conta, tais como os cinco indicadores já mencionados e analisados a
seguir (MACEDO, 2007).

3.2 Prazer funcional

Qualquer jogo supõe uma pergunta inicial: vamos jogar? A pessoa


convidada é livre para dizer sim ou não. Se disser sim, estará doravante
comprometida com a trama do jogo. Se desistir no meio, poderá ser considerada
desmancha-prazeres, com todas as consequências para as próximas jogadas ou
convites. No tabuleiro chamado escola, as crianças só podem ser peças do nosso
jogo, ainda que justificado para o bem delas, ou também podem ser jogadores que
decidem se querem ou não jogar e, mais que isso, como querem jogar?
Como envolver as crianças nas tarefas escolares? Como ensinar crianças
que não desejam aprender? Como ensinar as crianças que não encontram sentido
nas tarefas escolares? Por que aprender se os professores não desejam ensinar?

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Por que aprender se os professores não demonstram saber o sentido das atividades
escolares?
Como já lembramos, hoje a educação básica é valorizada para todas as
crianças. Na escola seletiva de ontem não era assim. Nela somente ingressavam
crianças que preenchiam certos requisitos e somente permaneciam as que
atendiam minimamente aos critérios de aprendizagem e de bom comportamento
exigidos pela escola. O desejo de aprender e o prazer de realizar atividades
escolares não era um problema, e sim um pressuposto nos esforços das crianças e
de seus pais para que elas permanecessem e aprendessem na escola. Em uma
escola seletiva, o lúdico não é um problema no processo de ensino e de
aprendizagem, pois a motivação é externa e condicional (MACEDO, 2007).
Em uma escola para todos, há seleção dos alunos, mas esta é ditada mais
por limites físicos (incapacidade de a escola atender a todos os que a procuram,
tendo em vista limitações de espaço, número de professores, disponibilidade de
materiais, etc.) ou por critérios como a questão de ser vizinho da escola. É claro que
também há – ou pelo menos deveria haver – uma criteriosa seleção de textos,
tarefas, jogos e outros recursos de ensino.
O fato é que, na escola para todos, todas as crianças devem frequentá-la.
É obrigação dos pais levarem seus filhos à escola e cuidarem para que percorram
o ciclo da escolarização básica. O que essa questão tem a ver com o nosso tema?
Na verdade, a obrigatoriedade escolar levanta o problema do desejo de aprender.
Não perguntamos às crianças se elas queriam ser obrigadas a estudar na escola,
nem se elas queriam estudar nessa escola, com esses professores, com os
recursos e as condições que eles têm para ensinar. E se as crianças não quiserem
aprender, nem aceitarem o modo de que a escola dispõe para lhes ensinar?
Escola obrigatória que não é lúdica não segura os alunos, pois eles não
sabem nem têm recursos cognitivos para, em sua perspectiva, pensar na escola
como algo que lhes será bom em um futuro remoto, aplicada a profissões que eles
nem sabem o que significam. As crianças vivem seu momento. Daí o interesse

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despertado por certas atividades, como jogos e brincadeiras. Nessas atividades, o
que vale é o prazer, é o desafio do momento. Depois, serão outros jogos e outras
brincadeiras, mas isso não interessa no momento. O que vale é o prazer funcional,
a alegria, que muitas vezes também é sofrimento, de exercitar um certo domínio, de
testar uma certa habilidade, de transpor um obstáculo ou de vencer um desafio. Em
jogos e brincadeiras, as tarefas ou atividades não são meios para outros fins, são
fins em si mesmos. Na perspectiva das crianças, não se joga ou brinca para ficar
mais inteligente, para ser bem-sucedido quando adulto ou para aprender uma
matéria escolar. Joga-se e brinca-se porque isso é divertido, desafiador, promove
disputas com os colegas, possibilita estar juntos em um contexto que faz sentido,
mesmo que às vezes frustrante e sofrido, por exemplo, quando se perde uma
partida ou não se consegue uma certa realização. Em jogos e brincadeiras, as
crianças são sérias, concentradas e atentas. Elas não se perdem em conversas
paralelas permanecendo interessadas e envolvidas nas atividades. Se não agirem
assim, certamente seus colegas irão cobrar-lhes isso, sob pena de serem excluídas
ou escarnecidas. Por que uma criança realiza tarefas e faz atividades? Se
pensarmos a pergunta do ponto de vista delas, sobretudo pelo prazer lúdico ou
funcional. Ou seja, as crianças mal aprendem alguma coisa e já se dedicam a
exercitar ou repetir tal domínio ou habilidade muitas e muitas vezes. Isso se aplica
tanto a atividades sensório-motoras (olhar, pegar, balançar, etc.) quanto a
atividades simbólicas (ouvir histórias, ler, jogar, brincar) (MACEDO, 2007).
O espírito lúdico refere-se a uma relação da criança ou do adulto com uma
tarefa, atividade ou pessoa pelo prazer funcional que despertam. A motivação é
intrínseca; é desafiador fazer ou estar. Vale a pena repetir. O prazer funcional
explica por que as atividades são realizadas não apenas como meios para outros
fins (ler para obter informações, por exemplo), mas por si mesmas (ler pelo prazer
ou desafio de ler). O interesse que sustenta a relação é repetir algo pelo prazer da
repetição. Uma tarefa interessante para a criança é clara, simples e direta (precisa).
É realizável nos seus tempos (interno, externo), desafiadora (envolvente), constante

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(regular) na forma e variável no conteúdo, além de ser surpreendente e lúdica. O
fato é que muitas tarefas escolares, do modo como são propostas, são
desagradáveis para as crianças. Algumas razões para isso é que o tempo de sua
realização é excessivo ou insuficiente. As instruções ou orientações para seu fazer
são pouco claras, as tarefas são complicadas, formuladas de forma indireta e
confusa. Além disso, os conteúdos são repetitivos e a formulação é irregular e sem
sentido para a criança. Sua realização ou demanda é demasiadamente previsível,
dependendo de recursos (procedimentos, materiais, etc.) não disponíveis. São
fáceis ou difíceis demais, ou seja, não condizem com o nível e o interesse das
crianças. Finalmente, e mais do que tudo, são claramente justificadas por um
interesse educacional, que só faz sentido para os adultos, ainda que realizado para
o “bem” das crianças (MACEDO, 2007).

3.3 Desafio e surpresa

Em princípio, qualquer atividade pode ser interessante. Isso depende do


modo como é proposta, do contexto, das pessoas, do seu sentido para nós. Quem
nunca viu uma criança ou um adulto entretidos em uma atividade que outros
consideram maçante e desagradável? Hoje, existem atividades que são mais
interessantes do que outras, como, por exemplo, atividades realizadas no
computador, realizadas em grupo, em contextos de projetos ou oficinas.
Uma das formas interessantes de promover a aprendizagem ou avaliar é a
situação-problema (Macedo, Petty e Passos, 2000; Macedo, 2002). Contextos de
projetos ou jogos são prenhes de situações-problema, as quais consistem em
colocar um obstáculo ou enfrentar um obstáculo (como no contexto de jogos ou
projetos) cuja superação exige do sujeito alguma aprendizagem ou esforço. Algo só
é obstáculo para alguém se implicar alguma dificuldade, maior ou menor, que
requeira superação. Para isso, é necessário: prestar mais atenção, repetir,
considerar algo com mais força, pensar mais vezes ou mais profundamente,

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encontrar ou criar alternativas. Lúdico, nesse sentido, é equivalente a desafiador, a
algo que nos pega por sua surpresa, pelo gosto de repetir em outro contexto.
Surpreendente significa que não se controla todo o resultado, que algo tem sentido
de investigação, de curiosidade, de permissão para a pessoa dizer o que pensa ou
sente, de expressar suas hipóteses.

3.4 Possibilidades

Há uma regra de ouro na prática da vida. Na perspectiva do sujeito (criança


ou adulto), não se realizam tarefas ou atividades impossíveis. Como tornar possível
o impossível? Como realizar os sonhos ou fazê-los compartilháveis por outros? Este
talvez seja o maior encanto ou o maior desafio do impossível: criar circunstâncias
para sua realização e promover as transformações em si mesmo ou nos outros, ou
seja, torná-los necessários e possíveis (Piaget et al., 1985, 1986).
Na perspectiva do sujeito, as atividades devem ser necessárias e possíveis.
Necessárias porque, do ponto de vista afetivo, não fazê-las produz algum
desconforto, um sentimento de perda, um desejo ou demanda não-satisfeitos. Do
ponto de vista cognitivo, se uma atividade é necessária, ela tem de ser minimamente
pensável ou realizável, já que ao menos o problema que ela coloca é compreensível
para o sujeito. Ele pode não ter as respostas suficientes. Ele pode errar ou se
atrapalhar. Os resultados podem não ser os mais satisfatórios frente à demanda
para a tarefa, mas algo faz sentido e cria uma demanda. Necessário é o que integra,
recupera um “buraco” aberto por uma pergunta, uma demanda. Necessário é o que,
em dado momento, não pode não ser feito. Desse modo, assume o caráter de
inevitável, de algo que se não for feito gera um sentimento de mal-estar, contradição
ou incoerência (MACEDO, 2007). Será que alunos e professores sentem que as
tarefas escolares são necessárias?
Não basta, por mais importante que isso seja, que uma tarefa ou atividade
seja necessária: ela tem de ser minimamente possível. As crianças precisam dispor

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de recursos internos ou externos suficientes para a realização de toda essa tarefa
ou, ao menos, de parte dela. Entende-se por recursos internos as habilidades ou
competências para a realização de uma atividade. Se essas habilidades faltarem
como requisito mínimo, a atividade ficará prejudicada. Os recursos externos
referem-se aos objetos (com o quê?), ao espaço (onde fazer?), ao tempo (quando?)
e às pessoas (com quem?). Tarefas impossíveis geram respostas evasivas,
desculpas, desinteresse, adiamentos, sentimentos de culpa ou impotência,
sonegação de informações, etc. O impossível é lindo como pergunta, como questão
que nos acompanha pela vida afora; as respostas devem ser, ainda que provisórias
e precárias, necessárias e possíveis. E, mais que isso, devem fazer algum sentido
para quem as expressa, principalmente se for uma criança (MACEDO, 2007).
O espírito lúdico expressa uma qualidade de transitar ou percorrer os modos
– impossível, circunstancial, necessário e possível – do ser das coisas. Se falta o
lúdico, pode ser que a ironia, o desinteresse, o ceticismo ou a violência ocupem seu
lugar.

3.5 Dimensão simbólica

O lúdico, em sua perspectiva simbólica, significa que as atividades são


motivadas e históricas. Há uma relação entre a pessoa que faz e aquilo que é feito
ou pensado. Quando brinca de casinha, por exemplo, a criança atribui sentido aos
objetos que utiliza para montar os cenários, simular pessoas e acontecimentos.
Essas narrativas fazem sentido para ela, pois são uma projeção de seus desejos,
sentimentos e valores, expressando suas possibilidades cognitivas, seus modos de
assimilar ou incorporar o mundo, a cultura em que vive. Dessa maneira, as crianças
expressam suas intuições. Nos primeiros anos de vida, até por volta de sete anos,
segundo Piaget, a inteligência é sensório-motora e depois simbólica. No primeiro
caso, o prazer funcional expressa-se pela incontável repetição ou infinita exploração
dos esquemas de ação, como que para dominá-los pelo uso. A criança não cansa

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de olhar, tocar, jogar, andar, etc. Pouco a pouco, esses esquemas vão sendo
falados, cantados, imaginados e então se tornam mais sofisticados (saltar, correr,
realizar movimentos detalhados e complexos) e enriquecidos de histórias, músicas,
imagens, imitações que as crianças vão agregando. O lúdico torna-se simbólico e
amplifica as possibilidades de assimilação do mundo. Dessa maneira, a criança
pode pensar, imaginar ou questionar. Aparecem todos os porquês, as incansáveis
perguntas das crianças sobre tantas coisas para as quais nosso conhecimento de
adultos nem sempre dá conta de responder. O interessante é que nem mesmo é o
caso de responder, porque para a criança trata-se de viver uma problemática, fazer-
se questões e dar-se ou ouvir respostas que logo serão esquecidas ou substituídas
por tantas outras. Essa dimensão lúdica é fundamental, pois marca uma nova forma
de se relacionar com o mundo: pela via do conceito, da imaginação, do sonho, da
representação, do jogo simbólico (MACEDO, 2007).
É pena que na escola fundamental e, às vezes, até na escola de educação
infantil não demos tanto valor para os esquemas lúdicos das crianças. Rapidamente
lhes impomos aquilo que constitui nossa principal ferramenta de conhecimento e
domínio do mundo: os conceitos científicos, a linguagem das convenções e os
signos arbitrários, com seus poderes de generalidade e abstração.
Como resgatar o sentido lúdico nas atividades escolares para as crianças?
Propostas, por mais importantes que sejam, que não têm história, ou seja, que não
têm um correspondente pessoal ou grupal, não fazem sentido para as crianças. Por
isso, geram desatenção, desinteresse ou são motivos para chacotas e piadas. O
simbolismo lúdico significa que aquilo que se faz tem um correspondente, qualquer
que seja ele, para a criança. São como metáforas ou metonímias para ela.
Metáforas no sentido de que o A que vivenciam ocupam o lugar de B. Em outras
palavras, as atividades que realizam são interpretáveis porque correspondem
minimamente a algo que faz sentido, que corresponde a algo da experiência das
crianças, que pode ser intuído por sua importância ou valor. Metonímia no sentido

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de que uma parte remete-nos ao todo. Uma parte ocupa o lugar do todo (MACEDO,
2007).
A escola trabalha muito com conceitos e classificações. Sabemos que
conceitos e classificações são muito poderosos no mundo do conhecimento, pois
são ferramentas gerais que nos possibilitam encaixar os particulares como coisas
conhecidas. Quando dizemos casa, por exemplo, podemos estar classificando uma
casa particular a algo geral, uma casa qualquer. Assim, o desconhecido, o singular,
o único (a nossa casa, a casa onde moramos).

3.6 Expressão construtiva

Propomos como último indicador a dimensão construtiva da atividade


lúdica. Um dos aspectos que caracterizam essa dimensão é o desafio de considerar
algo segundo diversos pontos de vista, dada sua natureza relacional e dialética.
Assim, faz parte do lúdico um olhar atento, aberto, disponível para as muitas
possibilidades de expressão. Lúdico combina com a ideia de errância, uma
disponibilidade tão importante nos dias de hoje. Errante refere-se, por exemplo,
diante de um livro, ao olharmos para a capa, para o título, para o nome dos autores,
para o sumário, depois pularmos para a bibliografia, darmos uma olhada em um ou
outro capítulo. Tudo isso sem uma ordem predefinida. Apenas para ver, para se
deixar entregar à lógica do texto, às suas características. É como se fosse um
passeio desejado, mas não premeditado nem submisso a um roteiro rígido. É lúdico
porque entregue ao prazer funcional de uma leitura que, nesse momento, basta-se
a si mesma, que apenas quer entrar em contato com uma obra, disponível para as
muitas possibilidades de suas formas de ser.
A errância é uma forma curiosa, atenta, porém aberta, de fazer alguma
exploração. Refere-se a uma dimensão construtiva, a qual implica uma relação
múltipla, que ora considera um aspecto, ora considera outro, ora observa a forma,
ora o conteúdo, ora o tema, ora as imagens, sabendo que tudo isso faz parte de um

22
mesmo todo. É possível que depois o mesmo livro tenha de ser estudado, tenha de
ser aprofundado em muitos aspectos de seu conteúdo, tenha de ser resumido ou
criticado. Contudo, essa segunda forma de relação não impede nem desmerece a
primeira. Na segunda forma, a leitura é um meio para outro fim; na primeira, a leitura
é um fim em si mesmo. São duas práticas interdependentes, pois a leitura lúdica –
antes, depois e mesmo durante uma leitura instrumental – resgata e sustenta o
prazer funcional da leitura (MACEDO, 2007).
É o caso, por exemplo, da construção de uma casa. Uma primeira forma de
relação a ser considerada é entre os diversos componentes que permitem a
construção das paredes ou do telhado. Água, tijolo, cal, cimento, ferro e outros
materiais precisam ser reunidos de uma certa forma e em uma certa proporção. No
entanto, uma casa é mais do que sua constituição física. Devemos pensar também
nas pessoas que vão morar nela, em seus costumes, em suas necessidades, nos
espaços que podem ocupar. Há igualmente um terceiro ponto, solidário com os
outros dois: uma casa está construída sobre um terreno que pode ser plano ou
inclinado, pantanoso ou cheio de pedras, voltado para a direção do sol, da chuva,
dos ventos. Há ainda um quarto ponto: uma casa deve considerar as casas vizinhas,
a rua ou parte da cidade ou do campo onde será construída. São, portanto, vários
aspectos a serem levados em conta ao mesmo tempo. A dimensão lúdica desse
processo refere-se ao modo leve, curioso, investigativo, atento, planejado, que
estuda possibilidades, revê posições, imagina estratégias, pensa alternativas antes,
durante e depois do processo construtivo propriamente dito da casa (MACEDO,
2007).
O segundo aspecto que caracteriza a dimensão construtiva do lúdico é o fato
de que uma construção, qualquer que seja ela, tem uma direção, um sentido, um
foco, um destino. A errância não se faz de qualquer jeito, mas tem um objetivo, uma
meta, que se cumpre, ainda que de forma errante. Uma casa, além de todas as
relações que mencionamos, precisa ficar pronta. Por isso, entende-se a alegria que
sentimos quando o terreno fica limpo, quando as fundações estão completas,

23
quando as paredes são erguidas, quando são fixadas as lajes, etc. Todos esses
passos são indicadores de que a casa está ficando pronta e de que aquilo que se
queria construir está sendo realizado. O mesmo vale para a exploração de um livro:
pouco a pouco ela se esgota, ou nos desinteressamos dele, ou um outro tipo de
relação é solicitada (MACEDO, 2007).
Em síntese, uma construção supõe ao mesmo tempo a consideração do
conjunto de relações ou pontos de vista que a constituem, mesmo que
minimamente, e uma referência ou direção. O lúdico refere-se a uma atitude que
possibilita diferenciar e integrar esses dois aspectos. Dessa maneira, a construção
supõe prazer funcional, enfrentar e superar desafios, tornar possível e jogar com
significações. Se a dimensão lúdica pode estar presente e animar nossas formas
de fazer isso, então podemos ser criativos e fazer as coisas de modo melhor, mais
saudável e com mais sentido.

4 A IMPORTÂNCIA DO LÚDICO NA ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

Neste capítulo, você vai reconhecer a importância do lúdico no processo de


alfabetização e letramento. Você vai identificar a dimensão lúdica dos jogos
associada à educação, além de identificar situações lúdicas no cotidiano escolar.

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Fonte: https://g1.globo.com

Pensar em alfabetização, letramento e ludicidade é, de fato, pensar que


essas três ações estão diretamente relacionadas e são inseparáveis. Certamente,
o ambiente lúdico é o mais apropriado para a aprendizagem da alfabetização e do
letramento. O brincar pedagógico deve estar incluído no cotidiano das crianças e,
portanto, na sala de aula. Desse modo, vai ocorrer o desenvolvimento das
capacidades cognitivas, motoras, afetivas, éticas, estéticas, de relação interpessoal
e de inserção social, além da aprendizagem específica da alfabetização. A
brincadeira leva a criança à possibilidade de conhecer seu próprio corpo, bem como
o espaço físico e social.
Duarte et al. (2013) apontam que a brincadeira, a imaginação e a cultura
sempre serão, quando combinadas, transformadas pela criança que brinca. Sob
essa perspectiva, a criança se organiza e organiza a atividade lúdica por meio de
sua relação com o mundo circundante, dos seus movimentos, dos seus contatos,
da sua interação.

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Assim, é fundamental que o educador reconheça a importância da ludicidade
para a alfabetização e para o letramento. Ele também precisa conhecer os
elementos que formam a cultura lúdica do aluno, inclusive para adaptar materiais,
brinquedos e brincadeiras, quando necessário. Por meio desses elementos
constituidores do brincar, o educador poderá interagir com a realidade histórico-
cultural, elencando os principais objetos como fatores auxiliares no processo de
alfabetização e letramento.
Nesse reconhecimento da importância da ludicidade no processo
alfabetizador, cabe ao educador não instituir conceitos prontos com relação às
brincadeiras, seus gêneros, seus comportamentos ou dimensões. É preciso ter
cautela ao procurar explicações psicológicas nas brincadeiras das crianças, pois
isso é algo que implica dizer que a criança está dissimulando comportamentos e,
muitas vezes, ela está apenas brincando. É importante não tender ou forçar uma
impressão (NUNES, 2017).
De acordo com Soares (2004), as crianças levam as brincadeiras muito a
sério, são seus momentos, seus acordos, seus encontros, suas descobertas, suas
conquistas. Talvez o mundo adulto ainda não entenda esse momento da
brincadeira, pois cultiva uma visão autocêntrica, baseada apenas em si mesmo e
em suas características.
A criança cria seus mecanismos para compreender o seu entorno e, nessa
perspectiva, a criatividade alimenta a vida. Os recursos, por vezes, podem ser
simples: histórias, contos, parlendas, brinquedos adaptados, jogos, brincadeiras,
rimas, ou seja, um universo de possibilidades e um caminho de infinitas
aprendizagens. E tudo isso deverá ser reconhecido e utilizado nos processos
educativos de alfabetização e letramento (NUNES, 2017).

26
4.1 A dimensão lúdica dos jogos associada à dimensão educativa

Quando uma criança se expressa, inclusive por meio dos jogos


pedagógicos, ela está exteriorizando seu pensamento. Vygotsky (1989), nas suas
análises sobre o jogo, estabeleceu uma relação entre este e a aprendizagem, uma
vez que o jogo contribui para o desenvolvimento intelectual, social e moral, isto é,
para o desenvolvimento integral da criança.
Você deve notar que a mente humana é criadora das estruturas cognitivas
necessárias à compreensão de um conceito à medida que ele vai sendo ensinado
e aprendido. Esse processo é chamado de interação social. Vygotsky (1989) afirma
que, por meio do jogo, a criança consegue definir conceitos e criar situações que
desenvolvem a sua atuação em situações reais. É possível dizer, então, que para
esse autor o jogo aparece no mundo imaginário e contribui para o desenvolvimento
do sujeito, de modo que as interações sociais levam a uma aprendizagem.
Nesse sentido, o professor precisa considerar as vivências e as experiências
juntamente aos alunos e alunas que, ao serem estimulados por algo inusitado, se
mobilizam, se empolgam, se interessam, tornando a sala de aula um espaço
significativo, rico e produtivo, que impulsiona e favorece a alfabetização e o
letramento. Portanto, o professor precisa promover atividades e jogos que levem os
alunos à redescoberta, à fantasia e à criação. A criatividade se torna algo primordial
para a significância desse processo e, consequentemente, para a alfabetização e o
letramento (NUNES, 2017).
A educação escolar deve reafirmar, enquanto proposta educacional,
projetos que tenham a ludicidade, os jogos e o brincar como peças fundamentais
em seu meio. Além disso, precisa desenvolver diferentes linguagens para diferentes
sujeitos. Educadores e educadoras devem ter consciência de que o objetivo da
educação é a formação de sujeitos livres, autônomos, felizes e participantes da vida
social; logo, cidadãos responsáveis. A criança deve ser estimulada, deve brincar e
ao mesmo tempo aprender.

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Na dimensão escolar, ao criar e recriar uma atividade lúdica, a criança
desempenha papéis e comportamentos dos adultos, experimenta valores, hábitos,
atitudes e situações para as quais não está preparada na vida real, dando-lhes
significados imaginários. Dessa forma, a partir da percepção que a criança tem do
objeto, atribui-lhe um significado. A ação imaginária criada pelo jogo na dimensão
lúdica favorece o desenvolvimento do pensamento abstrato e o amadurecimento
das regras sociais; portanto, favorece a dimensão educativa (NUNES, 2017).
Em muitos momentos, o maior problema da instituição escolar é dar
prioridade para a cognição, esquecendo-se das outras dimensões e possibilidades
do universo infanto-juvenil e esquecendo-se, ainda, de que a ludicidade por meio
dos jogos leva à construção das aprendizagens escolares. No viver da criança, não
se pode separar cognição, ação, emoção, aprendizagem e afeto. A separação entre
esses comportamentos inerentes ao ser humano não é identificada nas ações
lúdicas. A relação entre o cérebro, o corpo e a emoção da criança é única e
necessita ser considerada de forma totalitária. É um processo altamente complexo,
que não pode ser dissociado.

4.2 A ludicidade na escola: contribuições para a qualificação do processo de


alfabetização e letramento

A questão do caráter lúdico para a formação de professores e,


consequentemente, para o cotidiano da escola, é de extrema importância. Por isso,
é urgente inserir nos currículos de formação educacional ações que enfatizem
jogos, brincadeiras e brinquedos como potentes ferramentas que auxiliam e
favorecem a alfabetização e o letramento.
As situações lúdicas devem ser uma constante no cotidiano escolar, devem
perpassar todos os espaços e, ainda, fazer parte de todas as disciplinas. Como você
viu, brincar leva ao desenvolvimento social, cognitivo, motor, emocional e afetivo.
Desse modo, é preciso que o educador/professor tenha uma formação adequada

28
para a sua prática ser de qualidade, formação essa que dê ênfase à dimensão
lúdica. A ideia é que o brincar seja inserido no contexto da sala de aula e que a
brincadeira seja reconhecida como um dos canais que conduzem o processo
alfabetizador e possibilitam diferentes aprendizagens (NUNES, 2017).
Por meio das manifestações lúdicas, o corpo se movimenta, transita, age,
reage, sente, emociona-se, e tudo isso se reflete nos processos de alfabetização e
letramento. Damásio (2000) afirma que a consciência depende do corpo, do corpo
que interage e se transforma com o mundo. A maneira como a criança interage com
o mundo ao seu redor acontece mediante os movimentos e estes, por sua vez, se
dão por causa das brincadeiras, dos jogos, dos esportes e das atividades lúdicas.
Portanto, à criança deve ser dada a oportunidade de movimentar-se e, nesse
percurso, construir suas aprendizagens.
Cotidianamente, é jogando, brincando e praticando atividades lúdicas que
as crianças se comportam em várias dimensões. Essa sua conduta certamente
contribui para a qualificação dos processos alfabetizadores e de letramento, além
de favorecer aspectos culturais e sociais. As sensações que emergem na atividade
lúdica podem desenvolver as percepções que, ao serem organizadas em estruturas
cognitivas, tornam-se a base de todo o processo de aprendizagem.
Nas brincadeiras, a criança vivencia diversas atividades lúdicas. Ela passa
a se conhecer melhor, a conhecer suas dimensões, seu corpo, seus limites. Além
disso, passa a dominar suas angústias e a representar o mundo exterior, usando
para isso o brinquedo, os jogos e suas construções. Assim, a criança se desenvolve.
Os jogos, os brinquedos ou as brincadeiras são atividades voluntárias e têm como
característica fundamental a liberdade: há no faz de conta uma forma de
representação de um desejo ou de uma realidade. Junto às escolas, é preciso
pensar em propostas que envolvam brinquedos, jogos e brincadeiras. As ações
lúdicas devem ser um compromisso ético e político na busca por assegurar o
desenvolvimento integral das crianças, bem como na busca por tornar os alunos
agentes da construção de suas aprendizagens (NUNES, 2017).

29
5 PSICOMOTRICIDADE APLICADA À EDUCAÇÃO INFANTIL

A psicomotricidade é uma ciência holística que busca conectar os aspectos


emocionais, cognitivos e motores nas diversas etapas da vida do ser humano. Para
memorizar o conceito, pode-se separar a palavra da seguinte forma: “psi” (aspectos
emocionais) + “co” (aspectos cognitivos) + “motric” (aspectos motores) + “idade”
(etapas da vida do ser humano). Assim, será mais fácil você se recordar de que a
área de trabalho e intervenção do psicomotricista não se restringe somente a um
único público-alvo. Tão importante quanto o trabalho pedagógico na primeira
infância é o trabalho multiprofissional da psicomotricidade na terceira idade.
Neste capítulo, você conhecerá o papel do psicomotricista, bem com a sua
área de trabalho e intervenção. Além disso, conhecerá a importância da
psicomotricidade aplicada à educação infantil. Por fim, você verá como a
psicomotricidade atua no desenvolvimento integral do indivíduo em diferentes faixas
etárias da vida.

Fonte: https://www.cpp.org.br

30
5.1 O papel da psicomotricidade e seu campo de prática profissional

Quem é o psicomotricista? E qual é o seu papel na educação infantil? Esse,


de fato, é um cenário de prática profissional que ainda passa por transformações
estruturais. A psicomotricidade foi reconhecida como campo profissional somente
em 2019 (BRASIL, 2019), comportando psicomotricistas de formação inicial (p. ex.,
graduação em psicomotricidade) ou continuada (p. ex., pós-graduação lato sensu).
Desse modo, a psicomotricidade é uma área de intervenção que abarca diferentes
perfis de profissionais com um amplo leque de intervenção, como médicos
psiquiatras, pedagogos, profissionais de educação física, psicopedagogos,
fonoaudiólogos, entre outros.
Todavia, o foco da psicomotricidade no trabalho pedagógico na educação
infantil é abordar a criança integralmente, não se restringindo apenas a aspectos
emocionais, cognitivos ou motores. A aposta está na sinergia entre esses
elementos, de modo que a prática docente — principalmente do profissional de
educação física no ensino infantil — poderá valer-se da sistematização do ensino
tanto dos elementos psicomotores quanto da cultura corporal de movimento,
manifestada pela criança desde a mais tenra idade (SANTOS, 2020).
De acordo com Cipriano e Moreira (2016), os precursores da
psicomotricidade foram o neuropsiquiatra Dupré, em 1909, o médico e psicólogo
Henry Wallon, em 1925, e o neurologista Edouard Guilmain, em 1935. Portanto, na
década de 70, vários autores definiram a psicomotricidade como uma “motricidade
de relação”. Atualmente, o psicomotricista pode atuar com bebês, crianças, adultos
e idosos, porém sempre tendo em mente que, para cada público, há um alvo de
desenvolvimento a ser acertado. Desse modo, o psicomotricista aposta em um
trabalho pedagógico que englobe os aspectos emocionais, cognitivos e motores, a
fim de identificar e/ou minimizar as suas deficiências e dificuldades, de modo a
estimular o desenvolvimento integral do sujeito. Nessa empreitada, o
psicomotricista deverá identificar as limitações e potencialidades do indivíduo que

31
está sendo atendido no que tange aos elementos psicomotores. O Quadro 1, a
seguir, apresenta os elementos psicomotores aos quais o psicomotricista deverá
estar atento e seus conceitos.

continua

32
Mas, afinal, você já parou para pensar em quem é o psicomotricista? Qual é
o seu campo profissional? E a sua área de intervenção? Qual é a importância de
sua prática pedagógica na educação infantil? Pois bem, é preciso reconhecer,
primeiramente, que a psicomotricidade, como campo profissional e área de
intervenção, tem passado por estruturais transformações nos últimos anos. Há
vários anos, essa área de intervenção tem sido cooptada por diferentes perfis de
profissionais da saúde, educação e até mesmo do lazer. Muito disso está centrado
no fato de que somente recentemente a psicomotricidade foi reconhecida como
campo profissional, o que exigiu do sujeito que usa de suas teorias e técnicas uma
formação inicial na área ou, ao menos, uma especialização comprovada (BRASIL,
2019).
Atualmente, o psicomotricista precisa ter em mãos o título de Graduação em
Psicomotricidade ou, de acordo com a Lei nº 13.794, de 3 de janeiro de 2019, ter
concluído especialização na área (BRASIL, 2019). Desse modo, a psicomotricidade
abarca diferentes perfis de profissionais, e, por conseguinte, um amplo leque de

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intervenção profissional. É possível encontrar psicomotricistas que são médicos,
professores, gestores, fonoaudiólogos ou até mesmo psicopedagogos de formação
inicial. Na prática, a teoria e as técnicas psicomotoras podem marcar presença em
diferentes setores da sociedade, da saúde (p. ex., Unidades Básicas de Saúde,
hospitais, clínicas, etc.) à educação (p. ex., escolas, creches, etc.), porém sempre
direcionadas ao desenvolvimento integral do aluno e/ou paciente (SANTOS, 2020).
Em geral, de acordo com a atual regulamentação da área (BRASIL, 2019),
compete ao psicomotricista as seguintes incumbências:
 atuar nas áreas de educação, reeducação e terapia psicomotora,
utilizando recursos para a prevenção e o desenvolvimento psicomotor;
 ministrar disciplinas específicas dos cursos de Graduação e Pós-
Graduação em Psicomotricidade;
 atuar em treinamento institucional e em atividades de ensino e
pesquisa;
 participar de planejamento, elaboração, programação,
implementação, direção, coordenação, análise, organização,
avaliação de atividades clínicas e parecer psicomotor em clínicas de
reabilitação ou em serviços de assistência escolar;
 prestar auditoria, consultoria e assessoria no campo da
psicomotricidade;
 gerenciar projetos de desenvolvimento de produtos e serviços
relacionados com a psicomotricidade;
 elaborar informes e pareceres técnico-científicos, estudos, trabalhos e
pesquisas mercadológicas ou experimentais relativos à
psicomotricidade.

Uma vez ciente desse cenário, qual é a importância da prática pedagógica


do psicomotricista na educação infantil? Confira a seguir.

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Contudo, reconhecer a importância da psicomotricidade nesse setor
educacional perpassa identificar quem é o profissional que fará uso de suas teorias
e técnicas. Na educação infantil, tem-se majoritariamente a atuação de pedagogos
(COSTA et al., 2019). Em menor proporção, as instituições de ensino infantil
contratam professores especialistas para determinadas disciplinas, como, por
exemplo, educação física escolar (COSTA et al., 2019). Contudo, a figura do
psicomotricista nem sempre tem seu espaço reservado nas escolas de ensino
infantil. Em tese, o ideal seria que houvesse espaço e tempo nas escolas
especificamente para o atendimento das necessidades das crianças por intermédio
da psicomotricidade. Se, por vezes, o ideal parece utopia, em algumas instituições
de ensino, a abordagem psicomotora é tratada em outras disciplinas, caso da
educação física escolar (AQUINO et al., 2012).
Não há dúvidas de que ainda existe um abismo no setor educacional
brasileiro com relação à importância de determinadas práticas pedagógicas e sua
valorização no espaço escolar. A importância da psicomotricidade, nesta que é a
primeira etapa da Educação Básica (BRASIL, 2017), centra-se na possibilidade de
identificar precocemente as deficiências e limitações das crianças desde a mais
tenra idade, tendo pela frente tempo hábil para amenizá-las ou até mesmo revertê-
las. Soma-se a isso o fato de que o psicomotricista não enfatizará apenas um
recorte da realidade, mas sim optará por um trabalho dinâmico que englobe os
aspectos emocionais, cognitivos e motores das crianças (SANTOS, 2020).

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Em geral, todas as crianças podem se beneficiar da prática profissional ou,
ao menos, das teorias e técnicas da psicomotricidade no ensino infantil. O
psicomotricista não precisa sempre estar voltado a um trabalho pedagógico
individualizado, pois é na dinâmica da sala de aula que o educador poderá exercer
a beleza de sua profissão, ao integrar os deficientes, identificar as limitações e
potencialidades da turma, bem como oportunizar a todos, sem exceção, o acesso a
um ensino sistematizado de qualidade direcionado ao seu desenvolvimento integral.

5.2 A psicomotricidade em diferentes estágios de desenvolvimento infantil

O trabalho psicomotor vem ganhando cada vez mais destaque no ensino


infantil. Via de regra, tal relevância está centrada no fato de que o trabalho
pedagógico pode prevenir ou até mesmo amenizar problemas atrelados à
aprendizagem. Tendo-se em vista que o desenvolvimento da criança ocorre de
maneira gradativa ao longo de seu crescimento, concomitantemente à sua
capacidade de se adaptar diante das suas necessidades básicas (AQUINO et al.,
2012), cabe ao psicomotricista observar justamente os estágios de desenvolvimento
infantil e adequar a tal demanda o trabalho pedagógico, tendo como base a
psicomotricidade (SANTOS, 2020).
Diante desse cenário, neste capítulo, serão apresentados os estágios de
desenvolvimento infantil de acordo com a teoria de Henri Wallon, a qual o
psicomotricista poderá levar em consideração ao sistematizar o ensino, a fim de
otimizar a sua intervenção. Diferentemente de outros pensadores da educação, em
suas proposições, Wallon questionou a visão linear do desenvolvimento infantil,
bem como a abordagem psicométrica adotada. Para ele, o educador, ao mensurar,
quantificar e avaliar a inteligência infantil por meio de testes, nem sempre alcançará
um resultado fidedigno à realidade, pois esses instrumentos são limitados
(FREITAS; ALMEIDA; TALAMONI, 2020). Nesse sentido, Wallon acredita que o

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desenvolvimento humano é um processo marcado por avanços, recuos e
contradições (FREITAS; ALMEIDA; TALAMONI, 2020).
Em linhas gerais, para Wallon, o desenvolvimento infantil está centrado na
afetividade, isto é, a capacidade que os seres humanos têm de ser afetados pelo
mundo externo e interno. É justamente a partir desse pressuposto que o autor
estruturou a teoria acerca dos estágios de desenvolvimento da criança. O Quadro
2, a seguir, apresenta alguns aspectos da epistemologia de Wallon no que tange
aos estágios de desenvolvimento infantil.

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Um aspecto importante a ser destacado no que tange aos estágios de
desenvolvimento infantil propostos por Wallon é que a idade não é o indicador
principal (FREITAS; ALMEIDA; TALAMONI, 2020). Adentrar uma nova faixa etária
não necessariamente implicaria afirmar que a criança aprendeu todos os
pressupostos da fase anterior, ou até mesmo que não sabe nada acerca dos novos
elementos a serem incorporados na fase seguinte. Portanto, deve-se ter essas
categorias apenas como um norte, prestando-se especial atenção às características
dos campos funcionais. Afinal, o objetivo não é meramente passar de fase, mas sim
oportunizar, por intermédio de um ensino diretivo e sistematizado, a aprendizagem
das crianças desde a mais tenra idade (SANTOS, 2020).
Agora que você já identificou quais são os estágios de desenvolvimento de
acordo com a teoria de Henri Wallon, é preciso ter em mente que:

[...] para Wallon o desenvolvimento não se encerra no estágio da


adolescência, mas permanece em processo ao longo de toda a vida do
indivíduo. Afetividade e cognição estarão, dialeticamente, sempre em
movimento, alternando-se nas diferentes aprendizagens que o indivíduo
incorporará ao longo de sua vida (FREITAS; ALMEIDA; TALAMONI, 2020,
p. 272).

Desse modo, no ensino infantil, o educador tem pela frente uma salutar
missão. Por um lado, ele tem de orquestrar a sua prática docente de modo a

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corresponder ao que dispõem os documentos norteadores da educação nacional,
como, por exemplo, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017).
Por outro lado, ciente dos estágios de desenvolvimento infantil, o educador precisa
atrelar a problematização dos objetivos de aprendizagem dispostos nos diferentes
Campos de Experiências da BNCC para a educação infantil às técnicas
psicomotoras, a fim de não enfatizar apenas um aspecto do desenvolvimento, seja
ele afetivo, cognitivo ou motor. Assim, ele deve aliar a sinergia entre esses aspectos
do desenvolvimento à prática pedagógica, de modo a oportunizar o aprendizado
das crianças (SANTOS, 2020).

5.3 A importância da psicomotricidade na educação infantil

Atualmente, a educação infantil tem sido moldada para tratar a criança como
o centro do processo de ensino-aprendizagem. Mediante essa moderna
empreitada, é preciso reconhecer que nem sempre a infância foi tratada sob esse
prisma. Por vezes, as crianças foram tidas como adultos em miniatura, ou até
mesmo foram desvalorizadas em suas expressões próprias do mundo infantil,
quando, na verdade, esses pequenos ávidos por aprender estão em contínua
descoberta de si e do entorno que os cerca (SANTOS, 2020).
Em contrapartida, hoje, o professor que está alocado no ensino infantil é
tido apenas como um facilitador da aprendizagem. Não seria essa uma visão
reducionista demais do seu valoroso papel de cuidar e educar as crianças? Diante
desse contexto de prática profissional, nesta seção, será apresentada a importância
da psicomotricidade para o desenvolvimento integral das crianças, bem como a
preciosa oportunidade que o profissional de educação física tem em mãos para
sistematizar o ensino por intermédio da teoria e das técnicas psicomotoras.
Inicialmente, faz-se necessário refletir acerca do papel da psicomotricidade
no desenvolvimento integral das crianças desde a mais tenra idade. Uma vez ciente
de que diferentes grupamentos etários estão presentes na educação infantil (Figura

39
1), o educador precisa direcionar a sua prática pedagógica às necessidades e
etapas do desenvolvimento do aluno. O tão falado desenvolvimento integral da
criança seria, portanto, a demonstração da difícil equação entre propostas de ensino
e realidade escolar entre teorias e técnicas pedagógicas. Na prática, trata-se de
trabalhar a criança como um todo, sem privilegiar as partes, na busca pela sinergia
no aprendizado (SANTOS, 2020).

Eis aí o papel singular da psicomotricidade, ciência aplicada que aglutina


não somente os aspectos emocionais e cognitivos, mas também leva em
consideração a contribuição dos aspectos motores na dinâmica do processo de
ensino-aprendizagem (AQUINO et al., 2012). Nesse sentido, para o educador no
ensino infantil, a atividade psicomotora é uma ferramenta que pode ser acoplada à
engrenagem de ensino, a fim de polir a pedra preciosa da aprendizagem. Contudo,
para que a boa semente das técnicas psicomotoras possa crescer e dar frutos, é
preciso que o psicomotricista cerque a sua área de intervenção de criatividade e
ludicidade. Nesse sentido, o lúdico é a chave entre o mundo real e o imaginário para
a criança, e essa abordagem não somente desperta a criança para a aula, como
também favorece a sua espontaneidade e participação (CIPRIANO; MOREIRA,
2016).
Assim, é no mínimo questionável quando nos deparamos com práticas
educativas no ensino infantil que impõem a restrição do movimento humano sob a
prerrogativa de facilitar o aprendizado (AQUINO et al., 2012). Práticas de outrora

40
sublinhavam a necessidade de se manter imóvel e em silêncio por um longo
período, mas será, de fato, que esse é o caminho para o sucesso da aprendizagem
escolar? Há quem diga que: “A exigência de contenção motora está baseada na
ideia de que o movimento impede a concentração e a atenção da criança,
prejudicando a aprendizagem [...]” (AQUINO et al., 2012, p. 247).
É claro que uma total algazarra em sala de aula denota, no mínimo, a
ausência do docente; se porventura este estiver presente, possui nota zero de
intencionalidade pedagógica, não é mesmo? Nesse sentido, se o movimento é um
aliado do desenvolvimento dos aspectos emocionais e cognitivos, por que não o
ordenar de modo a alcançar tal êxito? É por isso que o papel do educador no ensino
infantil vai muito além de vigiar as crianças enquanto elas brincam (BORRE;
REVERDITO, 2019). O trabalho pedagógico precisa ter bem claro o seu alvo a
longo, médio e curto prazo para que seja bem-sucedido, de forma que a educação
infantil não seja apenas um mero passatempo para as crianças, mas sim um
investimento, cujo aprendizado poderá contribuir sobremaneira para as demais
etapas da escolarização que estão por vir.
Nessa perspectiva, destaca-se a relevância de os educadores que atuam
no ensino infantil buscarem aprofundar os seus conhecimentos acerca da teoria e
das técnicas psicomotoras por meio da formação continuada. De acordo com
Aquino et al. (2012), a psicomotricidade é uma valiosa ferramenta que poderá
auxiliar no desenvolvimento das potencialidades e/ou diminuir as defasagens das
crianças, de modo a estimular o desenvolvimento integral dos alunos.
Nesse sentido, pode-se concluir que a psicomotricidade é uma ferramenta
que poderá ser aplicada no ensino infantil, a fim de contribuir para o
desenvolvimento integral das crianças. O educador que atua com esse público
poderá oportunizar o desenvolvimento dos elementos psicomotores, de modo a
estimular o aprendizado não somente dos aspectos emocionais e cognitivos, mas
também dos motores.

41
Quanto à linguagem corporal, cabe destacar o papel do profissional de
educação física no ensino infantil, uma vez que tanto a psicomotricidade quanto a
educação física escolar convergem para o mesmo objeto de trabalho: o corpo em
movimento. Sendo assim, o educador poderá valer-se da teoria e das técnicas
psicomotoras nos diferentes estágios de desenvolvimento das crianças, a fim de
adequar as propostas pedagógicas à realidade escolar, bem como às limitações e
potencialidades dos alunos (SANTOS, 2020).

6 O IMAGINÁRIO INFANTIL

O jogo simbólico infantil é, assim, a representação corporal do imaginário, e


apesar de nele predominar a fantasia, a atividade psicomotora exercida acaba por
prender a criança à realidade. Na sua imaginação, ela pode modificar a sua vontade,
usando o “faz de conta”, mas, quando expressa corporalmente as atividades, ela
precisa respeitar a realidade concreta e as relações do mundo real (ESCOSTEGUY;
CORRÊA, 2017).
Pelo jogo simbólico, a criança exercita não só a sua capacidade de pensar,
ou seja, de representar simbolicamente as suas ações, mas, também, as suas
habilidades motoras, já que, ao brincar, ela salta, corre, etc.
A adaptação das condições concretas existentes na educação infantil e o
aproveitamento dos materiais disponíveis, bem como as disponibilidades
emocionais da criança, permitem conjunturalmente a materialização e evolução do
jogo simbólico.
Partindo da ideia de Piaget (1975) de que existe ligação entre as funções
cognitivo-afetiva, a metodologia propõe atividades de cooperação, motivação e
ações que favoreçam as modificações intelectuais, sociais e afetivas.
Favorecer o desenvolvimento global da criança implica também dar-lhe
oportunidade de representar, pois, pelo jogo simbólico, a criança reforça as
categorias de espaço, tempo, causalidade e constância de objetos. Esse tipo de

42
atividade ajuda a criança a se livrar do egocentrismo característico desse estágio e
a se tornar menos dispersa.
A importância da expressão artística no processo de desenvolvimento da
criança é essencial. Pelo desenho, o teatro e a literatura, as crianças passam a
participar do jogo simbólico, no qual começam a exprimir os seus próprios
pensamentos e a criar as suas próprias histórias.
Para Piaget (1975), a capacidade de criação e inovação supõe construções
efetivas e não simples representações fiéis da realidade, ou seja, a criança desenha
menos o que vê e mais o que sabe. Ao desenhar, ela elabora conceitualmente
objetos e eventos. Dessa forma, o autor classifica as etapas do desenho referentes
ao período de 02 a 07 anos como:
Garatuja: Pertence à fase sensório-motora (0 a 2 anos) e à parte da fase pré-
operatória (02 a 07 anos). A criança apresenta extremo prazer nesta fase; a figura
humana ainda não existe concretamente, mas pode aparecer da maneira
imaginária; e a cor tem um papel secundário, sendo mais interessante o contraste.
A garatuja pode ser do tipo desordenada quando se apresentam movimentos
amplos e desordenados. Simples riscos ainda sem muito controle motor, a criança
ignora os limites do papel e se movimenta o tempo todo para desenhar. No final
dessa fase, é possível que surjam os primeiros indícios de figuras humanas, como
cabeças e olhos. Pode ser também do tipo ordenada, quando apresenta
movimentos longitudinais e circulares; a figura humana pode surgir de maneira
imaginária, pois já existe a exploração do traçado e interesse pelas formas. Nessa
fase, inicia-se o jogo simbólico: “eu represento sozinho”. A criança atribui nomes a
seus desenhos, conta histórias. Dentro da fase pré-operatória, aparece a
descoberta da relação entre desenho, pensamento e realidade. Quanto ao espaço,
os desenhos são aleatórios, inicialmente não relacionados entre si. Então aparecem
as primeiras relações espaciais, surgindo devido a vínculos emocionais. A figura
humana se torna uma procura de um conceito que depende do seu conhecimento
ativo, inicia a mudança de símbolos. Quanto à utilização das cores, pode-se usá-

43
las, mas não há relação ainda com a realidade, dependendo do interesse
emocional. A criança também começa a respeitar melhor os limites do papel. O
grande salto, porém, é ser capaz de desenhar um ser humano reconhecível, com
pernas, braços, pescoço e tronco (ESCOSTEGUY; CORRÊA, 2017).

Pré-Esquematismo: Está relacionada especificamente à fase pré-


operatória. Nela ocorre a descoberta da relação entre desenho, pensamento e
realidade. Os elementos são dispersos e não relacionados entre si. O uso das cores
não tem relação com a realidade; depende do interesse emocional (ESCOSTEGUY;
CORRÊA, 2017).

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O ato de desenhar é atividade lúdica, reunindo, como em todo o jogo, o
aspecto operacional e o imaginário. Todo o ato de brincar reúne esses dois aspectos
que sadiamente se correspondem e envolvem o funcionamento físico, temporal,
espacial, as regras; o imaginário envolve o projetar, o pensar, o idealizar, o imaginar
situações. Derdyk (1989) enfatiza um entendimento do ato de desenhar como
atividade inteligente, sensível, que reclama a sua autonomia e sua capacidade de
abrangência como meio de comunicação, expressão e conhecimento, que possui
natureza aberta e processual. Por isso, no desenho, é possível observar fatores
como a fase do desenvolvimento cognitivo, psicomotor e afetivo da criança, sua
percepção visual, a noção de esquema corporal e a criatividade (ESCOSTEGUY;
CORRÊA, 2017).
Piaget (1975) nos traz a idade de 4 a 6 anos, que se caracteriza pela
passagem do pensamento imaginativo para o simbólico. A criança, nessa fase, é
consciente da forma e cria modelos que têm alguma relação com o mundo à sua
volta. É o início da compreensão gráfica.
Os traços e as garatujas perdem, continuamente, suas relações com os
movimentos do corpo e passam a ser controlados, relacionando-se com objetos

45
visuais. Esses novos desenhos são importantes não só para a criança, mas para o
professor ou os pais, que já dispõem de um registro tangível do processo intelectual
infantil.
As cores são usadas e podem ser associadas ao lado emocional. As
percepções da criança em compreender que, quanto mais o desenho se assemelha
à realidade, mais os adultos irão aprovar.
Veja abaixo as características dessa fase segundo Piaget (1975):
 Respeito dos limites do papel;
 Começam a serem construídos os símbolos;
 Traços fortes e marcantes são percebidos;
 Desenha o que sabe, e não o que vê;
 Os desenhos geralmente estão na parte de cima da folha;
 Existe a representação vinculada ao real.

A formação do simbolismo na criança é algo de profunda importância para a


aprendizagem, visto que é a função simbólica que dá conta de todo o processo de
pensamento.
Jung (1964, 1998) partilhava da ideia de que o inconsciente possuía outro
aspecto além do pessoal, que seria sua parte coletiva, na qual estariam presentes
os arquétipos, que são imagens primordiais herdadas por todos devido ao fato de
tais situações terem se repetido tantas vezes nas psiques na história da
humanidade. Para Jung (1964, 1998), as imagens dos sonhos e das fantasias não
vêm daquela forma difícil de ser entendida, pois a censura atua para que o sujeito
não se depare com o material recalcado, mas sim porque é próprio do inconsciente
se comunicar de forma simbólica, e o próprio conceito de símbolo diz que nunca
poderemos esgotá-lo totalmente, ficando um aspecto seu sempre inconsciente, ou
seja, não porque vem disfarçado, mas sim porque o inconsciente só sabe se
manifestar dessa maneira, não possuindo uma linguagem mais semelhante à que
temos na consciência (ESCOSTEGUY; CORRÊA, 2017).

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Portanto, existe uma interioridade na criança que se apresenta como um
espaço misterioso, imaginário, invisível, escondido, no qual moram segredos,
lembranças ou até infortúnios. É desde a interioridade que os impulsos, desejos,
tensões, necessidades e planos podem surgir de forma espontânea na criança:
anunciam-se desde uma obscura profundidade. Tais experiências parecem, por
vezes, ocultas e, em outros momentos, perceptíveis. O espaço interno da criança,
capaz de habitar seu corpo e guardar alguma coisa, nem sempre é acessível ao
adulto e na maioria das vezes se mostra pela arte e sua simbologia.
Para Wallon (1995), a criança é essencialmente emocional e gradualmente
vai se constituindo em um ser sociocognitivo. O autor estudou a criança
contextualizada como uma realidade viva e total no conjunto de seus
comportamentos, suas condições de existência.
Wallon (1995) propõe estágios de desenvolvimento, assim como Piaget
(1975), porém ele não é adepto da ideia de que a criança cresce de maneira linear.
O desenvolvimento humano tem momentos de crise, isto é, uma criança não é
capaz de se desenvolver sem conflitos. A criança se desenvolve com seus conflitos
internos, e, para ele, cada estágio estabelece uma forma específica de interação
com o outro; é, portanto, um desenvolvimento conflituoso. É pelas manifestações
artísticas e de seus símbolos que a criança demonstra e consegue expressar suas
aflições, medos e inseguranças, cabendo ao educador oportunizar materiais e
munir-se de teorias para o entendimento do fazer artístico infantil (ESCOSTEGUY;
CORRÊA, 2017).

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6.1 A relação da arte com o simbólico infantil

Cada vez mais a arte tem se inserido nos currículos das escolas e salas de
aula e vem conquistando seu merecido lugar por ser mais uma das linguagens
expressivas fundamentais do universo infantil e, sem dúvida alguma, cheia de
simbolismos. O que se observa na maior parte das iniciativas nessa área é um
percurso pelas diversas técnicas e materiais. É grande o desafio ainda, no sentido
de desvendar o simbolismo dos desenhos, pinturas, esculturas, criações musicais,
expressões corporais, representações teatrais e outras obras de arte desenvolvidas
pelas crianças (ESCOSTEGUY; CORRÊA, 2017).
Não se pode deixar de lado um material extremamente significativo, que é
o que a criança “diz”, não literalmente, mas pela sua obra de arte – não somente
com seu produto final, isto é, o desenho ou pintura propriamente dita, mas também
no decorrer do processo criativo. Existem alguns estudos muito sérios a respeito do
significado e evolução do desenho da criança, a utilização de cores e uma inserção,
tímida, ainda, da importância de olhar o simbolismo da obra de arte infantil.
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Muitas vezes, porém, deixamos passar muita coisa ou fazemos uma
“leitura” ainda bastante superficial desse universo rico de possibilidades e
significações. Aprender a exercer a pluralidade dos sentidos e a descobrir diferentes
caminhos de observar o mundo é um dos maiores desafios dos educadores.
Na visão de Loris Malaguzzi – criador de jardins de infância na cidade de Réggio
Emília, na Itália, verdadeiras ilhas em um mundo onde domina o “imperialismo do
olho” –, é na contínua interação entre o pensamento e o meio ambiente que nascem
as linguagens das crianças, sejam expressivas, simbólicas, cognitivas, imaginativas
ou metafóricas (ESCOSTEGUY; CORRÊA, 2017).
Se dermos à criança os instrumentos de exploração, percepção e
intercâmbio, ela irá se comportar frente ao mundo como um detetive ou um
semiologista: ela possui a arte de levantar hipóteses para reconstruir e explicar as
coisas. As crianças têm o dom de uma multiplicidade de potencialidades que
precisam ser estimuladas para se manifestarem.
A criança tem a oportunidade, pela linguagem da arte, de se expressar e de
construir. A arte se torna símbolo de uma relação privilegiada que se estabelece
entre a criança e o mundo que ela percebe.
Por trás das sensações, percepções e lembranças despertadas por uma
imagem, há uma história pessoal, experiências e conhecimentos anteriores. Ela
entende a arte como a criação de algo novo, “[...] a representação simbólica de
objetos e ideias visuais, plásticos, sonoros, gestuais, corporais [...]” (FRIEDMANN,
2013), sob diversas realidades. As produções artísticas são ficções reveladoras
criadas pelos sentidos, imaginação, percepção, sentimento, pensamento e a
memória simbólica da criança.
O grande desafio é o de estabelecer uma relação entre as imagens que vêm
de fora com seu simbolismo externo, com as imagens que vêm de dentro com seu
simbolismo interno; um diálogo entre as imagens que vêm de cima com as imagens
que vêm de baixo; entre o significado superficial, concreto, cartesiano e o significado

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profundo, abstrato, transcendente. Só assim será possível se ter um olhar integrado
e significativo do universo da criança.
Portanto, é necessário que a educação seja simbólica, isto é, centrada em
levar o educando a ter prazer e contentamento nas suas ações.
Vejamos:
 O aluno deveria ser orientado a desenvolver sua intuição, ou seja,
aprender a se deixar pensar mais do que a fazer um esforço de
pensamento.
 O aluno deveria se envolver pessoalmente e intensamente no
processo de conhecimento, pois ele perceberá que seu grau de
percepção das ideias depende estritamente do seu estado de
consciência.
 Para aplicar o pensamento simbólico, é importante integrar
informações adquiridas nos dois quadrantes precedentes.
 Os objetos e os contextos devem ser vistos como portadores de um
significado que o olhar intuitivo do aluno será capaz de decodificar.
 O trabalho em grupo e a cooperação são indispensáveis.

6.2 Materiais que promovem o simbólico infantil

Existe uma articulação entre os atos de criação artística da criança e as


fontes de alimentação da sua arte que suplanta o que ela pode buscar em si e por
si. No ler e fazer arte, são necessárias propostas que instiguem a criança a
compreender o que ela ainda não alcançou e fazer o que ainda não ousou para
aprender o conhecimento novo (ESCOSTEGUY; CORRÊA, 2017).
Na educação infantil, o âmbito de interlocução com a arte é basicamente
procedimental, ou seja, quase tudo o que a criança de 3 a 6 anos aprende está
ligado ao fazer e ver imagens suas, dos pares e dos artistas. Nas situações de
aprendizagem, as imagens, os materiais e instrumentos são muito importantes.

50
Os materiais e instrumentos oferecidos podem ser muito diversificados,
sendo ideal que as crianças os experimentem bastante. A questão não é o educador
oferecer um grande número de materiais, mas diversificá-los e garantir que os
alunos possam escolher.
Aprender arte na educação infantil requer que o educador faça repetições
com os materiais. Por exemplo, se for trabalhar com argila, é necessário que
oferecer várias vezes e alternar com outros materiais. Sobretudo, fazer e
reconhecer arte estabelece uma base de relacionamento com o mundo da
imaginação por intermédio do pensamento simbólico e das trocas simbólicas
intersubjetivas. A criança é autora. Essa é a riqueza que a arte oferece para as
crianças: cada indivíduo opera fazendo escolhas com liberdade, seguindo a própria
trilha criativa, por isso a importância do fazer artístico na educação infantil
(ESCOSTEGUY; CORRÊA, 2017).
Para promover a expressão artística, o educador precisa, além de
apresentar novos materiais, experienciar com os educandos e “colocar a mão na
massa”, pois essa ação encorajará a criança a também tocar e construir seu
trabalho.
Construir junto com as crianças múltiplas graduações da mesma cor e
romper com o domínio das cores primárias é uma atividade que provocará o aluno
a usar e evoluir na sua obra, sendo que as cores novas lhe darão mais
oportunidades de expressão. Desenhar é uma linguagem universal inerente a todos
os seres humanos. O desenho é uma maneira de interpretar a experiência e contá-
la a si mesmo e aos outros: ajuda a compreender o real e está cheio de simbolismos.
Em todas as escolas se desenha, mas quase nunca se dão conta do fato de
que essa linguagem oferece às crianças uma infinita possibilidade de expressão. O
desenho como forma de expressão não requer materiais caros. Pode-se desenhar
com muitos tipos de lápis em muitos tipos de papel. Pode-se usar carvão de
desenho, caneta esferográfica, galho de árvore na areia, tinta guache, corantes,

51
legumes – como beterraba e cenoura –, café e tantos outros recursos
(ESCOSTEGUY; CORRÊA, 2017).
O papel é usado em várias técnicas expressivas, oferecendo várias
possibilidades nas atividades, pois possibilita o envolvimento com o imaginário e o
simbólico, sendo um dos meios em que a criança utiliza para se expressar. Ele é
usado no desenho, pintura, recorte e colagem, modelagem e outros. O papel cria
experiências com o mundo interior, e, pelo uso desse material, a criança é capaz de
expressar emoções, criando imagens do inconsciente. O papel é receptor das
tensões, ideias, emoções e sentimentos mais profundos, proporcionando calma,
tranquilidade, autoestima, autonomia e criatividade (ESCOSTEGUY; CORRÊA,
2017).
O giz de cera é de fácil utilização, é resistente e precisa de maior controle
e atenção no seu manuseio; com isso, traz benefício para a coordenação motora e
eleva o nível de energia para que seja realizado o trabalho, exigindo da criança
maior concentração e esforço.
A tinta guache, por sua vez, uma das tintas mais usadas, é de fácil utilização
e requer um domínio maior nos movimentos, pois quanto mais grossa, mais espessa
ela ficará. A criança deverá ter mais controle no uso desse material. No deslizar do
seu uso, ela libera emoções e trabalha a imaginação, possibilitando sua mistura
para obtenção de outras cores.
O uso da tinta aquarela, que deve ser obrigatoriamente com água, é uma
tinta bastante leve. Como se espalha na folha, deve ser usado com cautela, pois a
criança pode se frustrar com o trabalho, mas é um material bastante fomentador de
emoções.
O carvão também se apresenta como um material motivador, pois é
diferente e as crianças se mostram interessadas com o efeito. O carvão no lugar do
lápis oferece possibilidades de tonalidades para o trabalho.
Além dos materiais, o ambiente deve constituir uma força geradora de
situações emocionais e cognitivas de bem-estar e confiança; deve deixar a criança

52
desenvolver sensações físicas, psicológicas, olfativas, imaginativas, auditivas,
táteis. A criatividade enquanto sabedoria tem suas raízes naquilo que é próprio da
criança no seu patrimônio cultural, seus gostos e sua intuição. O trabalho com
material de sucata, com luzes e sombras, com cores e com elementos da natureza
leva a criança, se prontamente estimulada, a descobrir a musicalidade, a dança, a
imaginação e a palavra nas cores, texturas, materiais. Em propostas desse porte, o
papel do educador é o de permitir às crianças se expressarem por diversas
linguagens artísticas e ajudá-las a definir aquilo de que elas precisam para levar
uma ideia a termo.
A criança tem a oportunidade, pela linguagem da arte, de se expressar e de
construir. A arte torna-se símbolo de uma relação privilegiada que se estabelece
entre a criança e o mundo que ela percebe (ESCOSTEGUY; CORRÊA, 2017).

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