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Esse ponto da dissertação encontra eco na obra de Vera da Silva Telles, que já
em seu primeiro parágrafo aponta como uma grande questão de análise as
possibilidades, os impasses e os dilemas da construção da cidadania e propõe como
mote para compreendermos a pedras no caminho do erigir da cidadania o entendimento
da dinâmica de funcionamento da sociedade, no modo com as relações sociais se
estruturam. Para ela, tratar da sociedade é tratar de direitos, definidos por um conjunto
de práticas, de valores, de crenças, de formas de ver o mundo que determinam como se
dão as relações, o que é e o que não é pauta a ser debatida, ou seja, o que é ou não
prioridade, o que é legítimo ou ilegítimo, legal ou ilegal, em suma, determinam o como
e a forma como se dão os conflitos, como as desigualdades e diferenças são
configuradas na sociedade, são os princípios que normatizam a vida social. Nesse
sentido, os direitos determinam as formas de sociabilidade e as regras de reciprocidade
entre os grupos em disputa. Dessa forma, os indivíduos, grupos sociais, agentes
econômicos, as elites, grupos religiosos, classes sociais etc., que compartilham os
mesmos interesses, valores, opiniões, estabelecem formas sociais de relação e esperam
reciprocidade e reconhecimento de seus pares para manutenção de seus direitos e
privilégios em detrimento dos interesses, ou direitos, de outrem – em certo ponto de seu
texto Telles discorre sobre as ambivalências presentes na sociedade brasileira, dentre
elas o que ela chama de “espantosa confusão entre direitos e privilégios”. Diante dessa
definição de Telles, pode-se considerar o quão difícil é para os mais pobres, para os
grupos minoritários, como as comunidades tradicionais (quilombolas, indígenas,
ribeirinhos), a comunidade LGBTQIAPN+, ou qualquer outro grupo que sofra algum
tipo de preconceito ou que seja marginalizados por sua cor, classe, gênero, entre outros,
terem assegurados as condições de igualdade, bem como seu direito à diferença, de
terem plena liberdade de exercerem e professarem seu modo de vida, suas crenças e
orientação sexual, frente a grupos conservadores que têm ampla divulgação e aceitação
de seus ideias de vida.
Nessa mesma seara de concepções apontadas por Dagnino, Telles aponta como caminho
para sairmos do impasse ao qual se encontra o debate sobre a cidadania a “construção
de uma noção de bem público e de responsabilidade pública que tenham como
parâmetro a garantia dos direitos básicos de toda uma população”. Aqui me parece
interessante observar que, talvez, a falta de noção de bem público seja consequência
direta da própria formação nacional do Brasil, melhor dizendo da formação da
identidade nacional do povo brasileiro, do que fundamenta o que as nossas elites
econômicas e políticas entendem por nação brasileira, pois me parece que
inconscientemente, a relação que guardamos e estabelecemos com o nosso território é a
mesma que que tinha Portugal sobre nós: o Brasil como um negócio a ser explorado,
não como pátria, não como nação, não como casa. Entendimento esse que se relaciona
diretamente, talvez como consequência, com a corrupção, a impunidade e violência,
sobretudo com os pobres que a ausência da responsabilidade pública enseja.