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Elton Jackson Venâncio Brandão N° USP: 7665314

Atendendo à proposta de avaliação da disciplina Autoritarismo e Democracia no


Brasil atual e no Mundo, ministrada pelo professor Hugo Fanton Ribeiro da Silva,
decidi por discorrer sobre o conteúdo da aula 8, que trata do “Autoritarismo social e a
questão democrática” à luz dos textos de Vera Lúcia da Silva Telles, Sociedade Civil e
a construção de espaços públicos, e de Evelina Dagnino, Os movimentos sociais e a
emergência de uma nova noção de cidadania.

Começo essa dissertação sobre “Autoritarismo social e a questão democrática”,


tomando como ponto de partida, que creio ser determinante uma breve contextualização
histórica para elucidar o processo de construção das estruturas democráticas latino-
americanas, para que assim possamos compreender melhor a conjuntura atual, a saber:
as lutas sociais e todo o debate que há na sociedade atual acerca dos direitos a serem
assegurados aos cidadãos que aqui vivem deve ser analisado a partir do entendimento
do modus operandi da sociedade latino-americana, sobretudo a brasileira, levando-se
em conta como a herança sociocultural, política e econômica deixada pelos
colonizadores portugueses e espanhóis selou a forma como se estruturam as relações
sociais e a sociedade.

A despeito dos ideias democráticos, liberais e republicanos de liberdade,


igualdade, isonomia, entre outros, que davam substância à construção das democracias e
do exercício da cidadania que pairavam a tempos na atmosfera política do mundo pós as
Revoluções Burguesas dos séculos XVII e XVIII (Revolução Gloriosa, a Independência
dos EUA e a Revolução Francesa), a construção das democracias latino-americanas
durante o século XIX, foram marcadas pela concentração do poder político e econômico
nas mãos de poucas pessoas/famílias, elites agrárias, que se apossaram do poder
mantendo sua posição social privilegiada até os dias atuais, em detrimento da maioria
esmagadora da população que ainda luta - se é que se pode assim generalizar, pois me
faz lembrar a frase de Aristides Lobo no final do XIX: “o povo assiste a tudo
bestializado”, sem saber de fato o que está acontecendo, a maioria mal tem acesso à
informação ou condições de discernimento para saber como e a quem reivindicar seus
direitos básicos – por participação política, por ter seus direitos assegurados e, ou,
reconhecidos. Longe de chegar ao fundo, esse imenso abismo social que tem sido
cavado desde a independência foi e ainda é ampliado por governos que, atendendo aos
anseios neoliberais de uma elite econômica conservadora, parasita e traidora da pátria,
abraçam um modelo de desenvolvimento econômico predatório, entreguista e privatista
do bem público, abraçando políticas de exclusão, deterioração e flexibilização de leis e
direitos trabalhistas (também ambientais), ao invés de ampliá-los. Nesse sentido,
podemos dizer que a imensa desigualdade econômica, a miséria, a fome e a falta de
investimentos sociais que imperam na sociedade latino-americana engessa e cria uma
série de obstáculos ao exercício pleno da cidadania, pois no palco das lutas, dos
conflitos sociais, os excluídos dessa terra, frente àqueles que detém maior poder
aquisitivo e, consequentemente, acesso a bens e serviços, encontram uma série de
obstáculos que os impedem de fazerem valer seus interesses, terem acesso a direitos e
muito menos lutarem por sua ampliação e extensão.

Esse ponto da dissertação encontra eco na obra de Vera da Silva Telles, que já
em seu primeiro parágrafo aponta como uma grande questão de análise as
possibilidades, os impasses e os dilemas da construção da cidadania e propõe como
mote para compreendermos a pedras no caminho do erigir da cidadania o entendimento
da dinâmica de funcionamento da sociedade, no modo com as relações sociais se
estruturam. Para ela, tratar da sociedade é tratar de direitos, definidos por um conjunto
de práticas, de valores, de crenças, de formas de ver o mundo que determinam como se
dão as relações, o que é e o que não é pauta a ser debatida, ou seja, o que é ou não
prioridade, o que é legítimo ou ilegítimo, legal ou ilegal, em suma, determinam o como
e a forma como se dão os conflitos, como as desigualdades e diferenças são
configuradas na sociedade, são os princípios que normatizam a vida social. Nesse
sentido, os direitos determinam as formas de sociabilidade e as regras de reciprocidade
entre os grupos em disputa. Dessa forma, os indivíduos, grupos sociais, agentes
econômicos, as elites, grupos religiosos, classes sociais etc., que compartilham os
mesmos interesses, valores, opiniões, estabelecem formas sociais de relação e esperam
reciprocidade e reconhecimento de seus pares para manutenção de seus direitos e
privilégios em detrimento dos interesses, ou direitos, de outrem – em certo ponto de seu
texto Telles discorre sobre as ambivalências presentes na sociedade brasileira, dentre
elas o que ela chama de “espantosa confusão entre direitos e privilégios”. Diante dessa
definição de Telles, pode-se considerar o quão difícil é para os mais pobres, para os
grupos minoritários, como as comunidades tradicionais (quilombolas, indígenas,
ribeirinhos), a comunidade LGBTQIAPN+, ou qualquer outro grupo que sofra algum
tipo de preconceito ou que seja marginalizados por sua cor, classe, gênero, entre outros,
terem assegurados as condições de igualdade, bem como seu direito à diferença, de
terem plena liberdade de exercerem e professarem seu modo de vida, suas crenças e
orientação sexual, frente a grupos conservadores que têm ampla divulgação e aceitação
de seus ideias de vida.

Tomando uma passagem do trabalho de Evelina Dagnino, acerca da diferenciação que


se propõe a fazer entre seu texto entre as distintas concepções que abundam o debate
político sobre cidadania, sobretudo a Visão Liberal e a Nova Visão de Cidadania,
podemos dizer aqui que as relações sociais no Brasil são marcadas, do ponto de vista
sociológico e histórico, por uma forte hierarquização social baseada em classes, gênero
e raças, uma imensa desigualdade que se mantém de forma crônica por uma cultura
autoritária de exclusão, que impõem o lugar de cada um (que a autora chama de noção
de lugar), o que é ou não legítimo, o que é ou não pauta de debate, que marca as
diferenças e que promove a segregação social, a que ela definiu como autoritarismo
social ou apartheid social.

Isto posto, diante dos inúmeros obstáculos que o nosso processo de


desenvolvimento histórico, econômico e social impuseram e impõem ao
desenvolvimento da democracia e do pleno exercício da cidadania, seja no alcance nos
direitos normativos prescritos ou não nas cartas constitucionais, tanto Telles quanto
Dagnino apontam caminhos semelhantes para que as sociedades compreendam o
processo de transformação da cidadania que está em curso. Comecemos com o que diz
Dagnino em seu texto Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de
cidadania: a autora explica em seu texto que a tradicional noção de cidadania, que
remonta ao século XVIII em meio às revoluções liberais, construída de cima para baixo,
num contexto de busca de consolidação da burguesia como detentora do poder político
em prejuízo dos monarcas absolutos, começa a ruir a partir dos anos 1990 - não sem a
resistência dos grupos sociais que têm feito todo o que podem para garantir a sua
manutenção – por meio das inúmeras lutas por direitos, por igualdade, pelo direito à
diferença, encabeçadas pelos movimentos sociais (sindicais, estudantis, ambientalistas,
do movimento negro, do feminismo, entre outro) e também por todo um debate por eles
feito na defesa da ampliação, extensão e aprofundamento na construção de espaços de
participação popular nas decisões políticas, em outras palavras, estamos falando aqui da
reconstrução do funcionamento da democracia e, por conseguinte, da sociedade, não
mais de cima para baixo, mas de baixo para cima: dessas lutas sociais veremos emergir
a redefinição da ideia de direitos, agora entendida como a concepção de “direito a ter
direitos” de onde surgirão novas leis a partir das lutas e debates específicos, a partir dos
aspectos consuetudinários e subjetivos da vida social. Dessas lutas emergirá o que
Telles chama de nova contratualidade que construirá novas formas de sociabilidade, de
negociação, de interlocução entre os indivíduos, que surgirão os novos espaços em que
será permitida a livre expressão e a promoção de debates de ideias e de opiniões no e
sobre espaço público em que se construirá uma “noção plural de bem público” (que
discutirei à frente). Essas transformações têm consolidado o que Dagnino chama de
nova noção de cidadania que além da proposta de reconstrução do funcionamento da
democracia com vistas a transformação social destaca a importância de se analisar
relação intrínseca da dimensão da cultura e da política: a primeira marcada
historicamente pelo autoritarismo social, já discutido aqui, e que precisa ser
desconstruído para a real edificação de uma sociedade de fato democrática; já a
segunda, destaca o aspecto estratégico da cidadania como instrumento político, pois a
cidadania, ao contrário da conotação que lhe foi dada em princípio na noção liberal, não
deve ter entendida como universal e imutável, muito pelo contrário, a perpétua
transformação do que a fundamenta é a sua essência, em outras palavras, a noção de
cidadania muda “ao sabor do vento” ou para onde levarem as lutas no palco das relações
sociais entre os atores.

Nessa mesma seara de concepções apontadas por Dagnino, Telles aponta como caminho
para sairmos do impasse ao qual se encontra o debate sobre a cidadania a “construção
de uma noção de bem público e de responsabilidade pública que tenham como
parâmetro a garantia dos direitos básicos de toda uma população”. Aqui me parece
interessante observar que, talvez, a falta de noção de bem público seja consequência
direta da própria formação nacional do Brasil, melhor dizendo da formação da
identidade nacional do povo brasileiro, do que fundamenta o que as nossas elites
econômicas e políticas entendem por nação brasileira, pois me parece que
inconscientemente, a relação que guardamos e estabelecemos com o nosso território é a
mesma que que tinha Portugal sobre nós: o Brasil como um negócio a ser explorado,
não como pátria, não como nação, não como casa. Entendimento esse que se relaciona
diretamente, talvez como consequência, com a corrupção, a impunidade e violência,
sobretudo com os pobres que a ausência da responsabilidade pública enseja.

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