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QUESTÃO 01

Considerando os casos práticos abaixo, identifique as fases da relação obrigacional,


explicando de que maneira se aplica o conceito de “relação obrigacional como processo”.
(Valor: 5 pontos)
A) A Sra. Maria adquiriu um lote, em dezembro de 1989, através de contrato particular
de compra e venda, no qual o imóvel foi identificado como tendo 7,60 m de frente,
28,50 m de lateral direita, 28,50 m de lateral esquerda e 7,60 m na linha de travessão,
totalizando a área de 216,60 m². Em 1989, a sua neta, Sra. Roberta, tornou-se a única
possuidora do imóvel, contudo, não fez escritura pública, nem procedeu ao registro
na matrícula do imóvel.
Na obra de Judith Martins-Costa, "Comentários ao Novo Código Civil: do Direito das
Obrigações", ela aborda as fases da relação obrigacional. No caso apresentado, é possível
identificar as seguintes fases da relação obrigacional:

1. Fase pré-contratual: Nesta fase, ocorreu a negociação entre a Sra. Maria e a outra parte
envolvida no contrato de compra e venda do lote. Nessa etapa, houve a manifestação das
vontades, a apresentação das condições da negociação e eventualmente a aceitação das
condições.

2. Fase contratual: A fase contratual se configura com a celebração do contrato particular de


compra e venda, em dezembro de 1989. O contrato formalizou os direitos e obrigações das
partes envolvidas na negociação, estabeleceu as características do imóvel (área, medidas,
etc.) e definiu os termos do acordo, como preço, forma de pagamento e prazo.

3. Fase pós-contratual: Essa fase se inicia com a Sra. Roberta tornando-se a única
possuidora do imóvel, apesar de não ter realizado a escritura pública, nem efetuado o
registro na matrícula do imóvel. Nessa etapa, a posse do imóvel é transferida para a Sra.
Roberta, que assume as responsabilidades e obrigações atribuídas a ela pela relação
estabelecida no contrato de compra e venda.

O conceito de "relação obrigacional como processo" se aplica ao caso ao observar que a


relação obrigacional não se limita somente à celebração do contrato, mas envolve um
conjunto de etapas que ocorrem ao longo do tempo. Desde a fase pré-contratual, com as
negociações e a formação da vontade das partes, até a fase pós-contratual, com a
transferência da posse, a relação obrigacional é vista como um processo contínuo, em que
ocorrem a expressão e a execução das obrigações assumidas pelas partes envolvidas.

B) O sr. José dá ciência ao locador, sr. André, de não haver mais interesse em
prosseguir na locação que vige atualmente pelo prazo de 30 meses, tendo por objeto
um apartamento, tendo em vista o episódio ocorrido, quando o inquilino de uma dos
apartamentos (Sr. Fernando) teve uma discussão doméstica e deu tiros fora do seu
apartamento, sendo ouvido por todos. Nessa situação ficou constatada a falta de
segurança do local, razão pela qual informa-se que o notificante deixará o imóvel e
entregará suas chaves ao Locador. Dessa forma, fica resolvido o contrato com
isenção do pagamento de multa contratual correspondente ao valor de 03 meses de
Aluguel, já que houve inadimplemento por parte do locador, que não cuidou da
segurança do imóvel nem se pronunciou sobre o comportamento impróprio dos
demais vizinhos. Ainda, Sr. José solicita a devolução das cópias da sua Carteira de
Identidade e do CPF.

1. Fase pré-contratual: Nesta fase, o sr. José informa ao locador, sr. André, sobre sua
intenção de não prosseguir com o contrato de locação em vigor, devido a um episódio de
falta de segurança ocorrido no local. O sr. José manifesta sua vontade de encerrar o
contrato e solicita a devolução de suas cópias de identificação (Carteira de Identidade e
CPF).

2. Fase contratual: A fase contratual se refere ao contrato de locação que está em vigor,
com o objeto sendo um apartamento pelo prazo de 30 meses. Neste caso, o sr. José
informa que está resolvendo o contrato com isenção do pagamento da multa
correspondente a 03 meses de aluguel, alegando inadimplemento por parte do locador,
devido à falta de segurança do imóvel e falta de pronunciamento sobre o comportamento
inadequado dos vizinhos.

3. Fase pós-contratual: Nesta fase, ocorre a resolução do contrato de locação com a


entrega das chaves ao locador e a solicitação de devolução das cópias dos documentos
pessoais. A relação obrigacional é encerrada, sendo necessário verificar as consequências
e eventuais obrigações decorrentes da resolução.

O conceito de "relação obrigacional como processo" se aplica ao caso ao observar que a


relação entre o locador (sr. André) e o locatário (sr. José) não se limita à celebração do
contrato de locação, mas continua evoluindo e passa por diferentes fases. Desde a fase
pré-contratual, com o aviso de não interesse em prosseguir com a locação, até a fase pós-
contratual, com a resolução do contrato e encerramento da relação, a relação obrigacional é
vista como um processo contínuo, em que ocorrem manifestações de vontade,
adimplementos das obrigações, resoluções contratuais e outras questões relacionadas aos
direitos e deveres das partes envolvidas, tal como visto no texto de Judith Martins-Costa,
"Comentários ao Novo Código Civil: do Direito das Obrigações".

QUESTÃO 02
Discorra sobre o princípio da função social do contrato e sua relevância sob a
perspectiva da relação obrigacional como processo. Cite exemplos práticos. (Valor:
2,5 pontos)

O princípio da função social do contrato é uma das ideias fundamentais do atual


Código Civil brasileiro, e sua relevância tem sido amplamente discutida por autores
como Gustavo Tepedino e Judith Martins-Costa, especialmente no contexto da
relação obrigacional como processo.
O artigo 422 do Código Civil de 2002 trata da boa-fé contratual. Essa alteração
extraordinária significa que os contratantes devem, durante toda a fase contratual,
pautar suas condutas com a verdadeira intenção de não prejudicar a ninguém;
exige-se uma conduta de acordo com o homem probo, honesto, ou seja, diversa da
mera exortação ética que reinava na teoria contratual oitocentista. Para Gustavo
Tepedino, a boa-fé objetiva justifica-se imediatamente na confiança despertada pela
declaração, encontrando sua fundamentação mediata na função social da liberdade
negocial, que rompe com a lógica individualista e voluntarista da teoria contratual
oitocentista, instrumentalizando a atividade econômica privada aos princípios
constitucionais que servem de fundamentos e objetivos da República.
A concepção moderna não aceita que um contratante se sinta confortável
eticamente se perceber que o contrato lhe promove um enriquecimento exagerado
em detrimento da outra parte levada à ruína e ao desespero. Esses deveres
jurídicos constituem poderosos instrumentos para se eliminar as desigualdades
sociais e atender em sua plenitude à dignidade do homem. A nova filosofia
contratual calcada na função social do contrato e na boa-fé objetiva significa o início
de um novo tempo.
De acordo com Tepedino, a função social do contrato implica a necessidade de se
levar em consideração não apenas os interesses das partes envolvidas, mas
também o impacto da relação jurídica nos valores e interesses da sociedade em
geral. Nesse sentido, a função social do contrato pode ser vista como um dos
principais pilares da concepção da relação obrigacional como processo, que busca
aproximar as partes e garantir a justiça e a equidade na sua relação.
Gustavo Tepedino afirma que “a função social do contrato deve ser entendida como
princípio que, informado pelos princípios constitucionais da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III), do valor social da livre iniciativa (art. 1º, IV) – fundamentos da
República – e da igualdade substancial (art. 3º, III) e da solidariedade social (art. 3º,
I) – objetivos da República – impõe às partes o dever de perseguir, ao lado de seus
interesses individuais, a interesses extracontratuais socialmente relevantes, dignos
de tutela jurídica, que se relacionam com o contrato ou são por ele atingidos”.
Em sentido contrário, afirma Judith Martins-Costa que a função social dos contratos
exerce uma função limitadora à liberdade de contratar, que passa a ser uma
liberdade situada, “a liberdade que se exerce na vida comunitária, isto é, o lugar
onde imperam as leis civis. Daí a imediata referência, logo após a liberdade de
contratar, à função social do contrato; daí a razão pela qual liberdade e função
social se acham entretecidos, gerando uma nova ideia, a de autonomia (privada)
solidária. É que, como ‘liberdade situada’, a liberdade de contratar a que alude o art.
421 é elemento componente e manifestação da autonomia privada, compreendida
como ‘o processo de ordenação que faculta a livre constituição e modelação das
relações jurídicas pelos sujeitos que nela participam’”.

Martins-Costa, salienta que a função social do contrato implica uma mudança de


paradigma na forma como se encara a obrigação, na medida em que a relação
entre as partes deve ser vista como uma relação social, que envolve normas,
valores e expectativas. Ao levar em consideração a função social do contrato, é
possível avaliar a adequação das cláusulas contratuais aos interesses da
sociedade, bem como a necessidade de buscar formas de resolver os conflitos
decorrentes da inadimplência de forma justa e equitativa.
O contrato cumpre sua função social quando há paridade entre as partes e
harmonia com a sociedade, ou seja, estabelece uma relação harmoniosa entre os
interesses dos contratantes e os interesses da sociedade.
Um exemplo prático da aplicação do princípio da função social do contrato acontece
em um acidente de veículo cuja causa tenha sido um defeito mecânico que provoca
prejuízo também a terceiro. Esse prejuízo é de consumo e não de trânsito e aplica-
se o Código de Defesa do Consumidor, arts. 12 e 17. O acidente de veículo "A"
prejudica "B". E este, por sua vez, pode exigir diretamente da seguradora de "A" a
reparação.
Pelo princípio da função social, a seguradora tem que proteger o segurado e todas
as pessoas por ele prejudicadas. Sendo assim, o prejudicado executa a seguradora.
Outro exemplo pode ser visto nos contratos de trabalho, em que o princípio da
função social do contrato implica a necessidade de se garantir a proteção dos
trabalhadores em relação aos seus direitos e remuneração, bem como a sua
dignidade e segurança no ambiente de trabalho.
Em ambos os casos, a função social do contrato é vista como um elemento
fundamental para a garantia da justiça e da equidade na relação entre as partes,
indicando a necessidade de se buscar soluções que levem em consideração não
apenas os interesses imediatos das partes, mas também os interesses da
sociedade em geral.
QUESTÃO 03
Faça uma comparação entre as concepções tradicionais de obrigação e a concepção
da relação obrigacional como processo, identificando as principais diferenças. (Valor:
2.5 pontos)
Gustavo Tepedino e Judith Martins-Costa são autores que abordam a distinção entre as
concepções tradicionais de obrigação e a concepção da relação obrigacional como
processo. Eles apresentam algumas diferenças fundamentais entre essas concepções.
Para Tepedino, a concepção tradicional de obrigação é limitada, uma vez que a relação
entre devedor e credor é vista como estática, determinada e imutável, com o objetivo do
direito de garantir o cumprimento rigoroso do que foi pactuado. Já a concepção da relação
obrigacional como processo é mais dinâmica, evolutiva e mutável, em que a relação entre
as partes se estende ao longo do tempo e evolui de forma a aproximar as partes e garantir
a justiça e a equidade na sua relação.

Por sua vez, Martins-Costa destaca que, na concepção tradicional, a obrigação é vista
como um vínculo entre credor e devedor, com a prestação como objeto da relação,
enquanto na concepção da relação obrigacional como processo, a obrigação é vista como
um fenômeno social, que envolve normas, valores e expectativas das partes. Além disso,
para ela, a relação obrigacional como processo leva em consideração não apenas o fato em
si da inadimplência, mas também as causas da inadimplência, as expectativas das partes,
as mudanças na sociedade e nas relações jurídicas, para buscar a resolução equitativa do
conflito.

Em resumo, tanto Tepedino quanto Martins-Costa destacam a necessidade de uma


concepção mais dinâmica e evolutiva da obrigação, capaz de aproximar as partes e garantir
a justiça e a equidade na sua relação. Enquanto Tepedino enfatiza a evolução constante da
relação entre as partes e a busca pela justiça, Martins-Costa destaca que a relação
obrigacional como processo deve levar em consideração normas, valores e expectativas
das partes, a fim de buscar a resolução equitativa do conflito.

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