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UNIVERSIDADE DE BRÁSILIA

FACULDADE DE AGRONOMIA E MEDICINA


VETERINÁRIA

DISTÚRBIOS METABÓLICOS DO CÁLCIO:


REVISÃO DE LITERATURA

Mariana Ribeiro Chaves


Trabalho de conclusão de curso
Orientador: Prof.ª Dr.ª Christine Souza Martins.

BRASÍLIA - DF
DEZEMBRO/2015
ii

MARIANA RIBEIRO CHAVES

DISTÚRBIOS METABÓLICOS DO CÁLCIO:


REVISÃO DE LITERATURA

Trabalho de conclusão de curso de


graduação em Medicina
Veterinária apresentado junto à
Faculdade de Agronomia e
Medicina Veterinária da
Universidade de Brasília.

Orientador: Prof.ª Dr.ª Christine Souza Martins.

BRASÍLIA - DF
DEZEMBRO/2015
iii

Brasília
2015

Chaves, Mariana Ribeiro

Distúrbios metabólicos do cálcio em pequenos animais/ Mariana Ribeiro


Chaves; Orientação de Christine Souza Martins – Brasília, 2015.

Monografia – Universidade de Brasília/ Faculdade de Agronomia e Medicina


Veterinária, 2015

1. Distúrbios metabólicos 2. Cálcio 3. PTH 4. Hipercalcemia 5.


Hipocalcemia

Cessão de direitos
Nome do Autor: Mariana Ribeiro Chaves
Título da Monografia de Conclusão de Curso: Distúrbios Metabólicos do Cálcio
em Pequenos Animais.
Ano: 2015.
É concedida a Universidade de Brasília permissão para reproduzir cópias desta
monografia e para emprestar ou vender tais cópias somente para propósitos
acadêmicos e científicos. O autor reserva-se a outros direitos de publicação e
nenhuma parte desta monografia pode ser reproduzida sem a autorização por
escrito do autor.

____________________________
Mariana Ribeiro Chaves
CPF: 000. 545.131-03
Quadra 06 conjunto D casa 07, Sobradinho - DF
CEP: 73025064– Brasília/DF – Brasil
(61) 35917481. mariribeiro.chaves@gmail.com
iv

SUMÁRIO
1. PARTE I - Relatório de estágio supervisionado. .......................................... 9

2. INTRODUÇÃO. ............................................................................................ 9

2.1. Hospital veterinário de Pequenos Animais. ........................................... 9

2.2. Atividades desenvolvidas. ..................................................................... 9

2.3. Casuística. .......................................................................................... 10

3. PARTE II .................................................................................................... 15

4. INTRODUÇÃO. .......................................................................................... 15

5. REVISÃO DE LITERATURA...................................................................... 17

5.1. Metabolismo do cálcio. .............................................................................. 17

5.2. Hormônio da paratireoide (PTH). ........................................................ 19

5.3. Vitamina D........................................................................................... 20

5.4. Calcitonina. ......................................................................................... 20

6. HIPERCALCEMIA. .................................................................................... 21

6.1. Etiologia. ............................................................................................. 21

6.2. Sinais clínicos. .................................................................................... 21

6.3. Diagnóstico. ........................................................................................ 22

6.4. Tratamento. ......................................................................................... 22

6.5. Afecções que geram hipercalcemia. ................................................... 25

6.5.1. Hiperparatireoidismo primário (HPP). ........................................... 25

6.4.2. Hipercalcemia nas malignidades. ................................................. 26

6.5.2. Hipervitaminose D. ....................................................................... 26

6.5.3. Doença renal crônica. ................................................................... 27

6.5.4. Hipoadrenocorticismo. .................................................................. 28

7. HIPOCALCEMIA. ....................................................................................... 28

7.1. Etiologia. ............................................................................................. 29

7.2. Sinais clínicos. .................................................................................... 29


v

7.3. Diagnóstico. ........................................................................................ 29

7.4. Tratamento. ......................................................................................... 29

7.5. Afecções que geram hipocalcemia. .................................................... 31

7.5.1. Deficiência nutricional de vitamina D. ........................................... 31

7.5.2. Hipoparatireoidismo primário. ....................................................... 31

7.5.3. Tetania puerperal.......................................................................... 32

7.5.4. Doença renal. ............................................................................... 33

7.5.5. Hipertireoidismo. ........................................................................... 33

7.5.6. Pancreatite aguda......................................................................... 34

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS. ...................................................................... 34

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. ......................................................... 36


vi

LISTA DE TABELAS

PARTE I

Hospital de pequenos animais – UnB Página


Tabela 1: Relação de suspeitas clinicas e diagnósticos nos 11
pacientes caninos atendidos no período de estágio.
Tabela 2: Relação de suspeitas clínicas e diagnósticos nos 14
pacientes felinos durante o período de estágio.

PARTE II
Distúrbios metabólicos do cálcio Página
Tabela 1: Valores de referenciado cálcio ionizado em cães e 17
gatos.
Tabela 2: Terapia não específica para controle da hipercalcemia 23
Tabela 3: Tratamento para hipocalcemia em cães e gatos 27
vii

RESUMO
CHAVES, M. R. Distúrbios metabólicos do cálcio em pequenos animais.
Metabolic Disorders of Calcium In Small Animals. 2015. Monografia de conclusão
de curso de Medicina Veterinária – Faculdade de agronomia e Medicina
Veterinária, Universidade de Brasília, Brasília, DF.

O cálcio tem papel fundamental na homeostase do organismo, Alterações no seu


metabolismo apresentam diversos níveis de gravidade, podendo em alguns,
colocar em risco a vida dos animais de companhia. O cálcio sérico total pode
ser encontrado de três formas: cálcio ionizado, ligado a proteína e complexos de
cálcio. A concentração sérica do cálcio ionizado é controlada pela
autorregulação gerada pela interação do cálcio ionizado com o fosfato, hormônio
da paratireoide, calcitriol e calcitonina. O cálcio é importante para inúmeras
reações, incluindo contração muscular, atividade da célula nervosa, liberação de
hormônios através do processo de exocitose e ativação de várias enzimas. O
cálcio também tem importante função para a coagulação sanguínea,
manutenção da estabilidade da membrana celular e ligações entre as células.
Em base menos crítica, o cálcio é importante para integridade estrutural dos
ossos e dos dentes. Alterações nas concentrações de cálcio podem servir de
grande ferramenta diagnóstica e prognóstica. Várias enfermidades podem
comprometer a homeostase do cálcio levando a hipercalcemia ou hipocalcemia.
Todavia alguns destes distúrbios são pouco observados na rotina em Medicina
Veterinária. Portanto a presente revisão bibliográfica tem por objetivo esclarecer
quando a hipercalcemia ou a hipocalcemia é uma emergência, quais as
etiologias, diagnósticos e tratamentos das principais doenças que levam ao
aumento ou diminuição na concentração de cálcio total e das suas frações.

Palavras-chave
Cálcio, Cálcio Ionizado, Distúrbios Metabólicos, Hipercalcemia, Hipocalcemia.
viii

ABSTRACT
CHAVES, M. R. Metabolic Disorders of Calcim In Small Animals.Distúrbios
metabólicos do cálcio em pequenos animais. 2015. Monografia de conclusão de
curso de Medicina Veterinária – Faculdade de agronomia e Medicina Veterinária,
Universidade de Brasília, Brasília, DF.

Calcium plays a fundamental key in the body homeostasis. Disorders of calcium


metabolismo show differents levels of severity, and in some cases, life-
threatening to companion animals. Total serum calcium can be found in three
forms: ionized calcium, protein bound calcium and calcium complexes. Serum
ionized calcium is controlled by the feedback between ionized calcium
phosphate, parathyroid hormone, calcitonin, and calcitriol. It is important for many
reactions, including muscle contraction, nerve cell activity, hormone release
through exocytosis process and activation of several enzymes. Calcium also
plays an important role in blood clotting, cell membrane maintenance and stability
of connections between cells. In less critical bases, calcium is important for the
structural integrity of bones and teeth. Changes in calcium concentrations can be
a great diagnostic and prognostic tool. Many diseases can compromise calcium
homeostasis leading to hypercalcemia and hypocalcemia. However some of
these disorders are uncommon in routine veterinary medicine. The present
literature review aims to clarify when hypercalcemia or hypocalcemia is an
emergency, what are the causes, diagnosis and treatment of major diseases that
lead to the increase or decrease total calcium concentration and its fractions.

Keywords
Calcium, Ionizade Calcium, Metabolic Disorders, Hypercalcemia, Hypocalcemia
9

1. PARTE I - Relatório de estágio supervisionado.


2. INTRODUÇÃO.
O Estágio Supervisionado Obrigatório do Curso de Medicina Veterinária da
Universidade de Brasília – UnB é essencial para o aperfeiçoamento do aluno que
termina a graduação. O estágio supervisionado viabiliza que o aluno possa
assimilar a prática os conhecimentos teóricos obtidos ao longo de sua
graduação.
O estágio teve como finalidade introduzir o aluno na rotina médica, induzir
o pensamento crítico, raciocínio lógico e habilidade nas tarefas rotineiras.
Possibilitando que o aluno tenha um conhecimento real dos desafios da profissão
e aprenda como lidar e resolver as adversidades encontradas, como por
exemplo, a complexidade do caso clínico, divergência com o proprietário e
agressividade do animal.
A duração do estágio foi de 480 horas, iniciada no dia 03 de agosto de 2015
e terminada no dia 6 de novembro de 2015. Foi realizado no Hospital Veterinário
de Pequenos Animais da Universidade de Brasília (UnB), sob a supervisão da
professora Christine Souza Martins.
2.1. Hospital veterinário de Pequenos Animais.
O Hospital Escola de Pequenos Animais fica localizado na Via L4 norte (campus
Plano Piloto – UnB); possui atendimento nas áreas de clínica médica geral e
clínica cirúrgica geral, assim como nas especialidades de oftalmologia,
cardiologia, ortopedia, neurologia, hematologia, clínica de felinos, fisioterapia. A
clínica é composta por: seis consultórios, dois centros cirúrgicos, internação para
cães, internação para gatos, sala de exame radiográfico, sala de
ultrassonografia, sala para cardiologia, sala do Banco de Sangue, farmácia,
recepção, administração, sala de descanso dos residentes, cozinha e banheiros.

2.2. Atividades desenvolvidas.


Durante o período de estágio no Hospital de Pequenos Animais da UnB, os
estagiários eram escalados semanalmente em atendimento clínico,
internação/emergência, clínica e emergência de felinos e cardiologia. As
atividades realizadas durante o estágio incluem:
10

 Acompanhamento de consultas e realização da anamnese e exame


físico (Aferir frequência cardíaca e respiratória, tempo de
preenchimento capilar, estado de hidratação, coloração das
mucosas aparentes, linfonodos e estado geral do animal).
 Acompanhamento dos procedimentos realizados nos animais
internados (Realização de fluidoterapia, medicações, aferir
parâmetros vitais e reanimação cardiorrespiratória dentre outros
procedimentos).
 Acompanhamento na rotina da cardiologia (anamnese, exame físico,
eletrocardiograma, ecocardiograma e radiografia torácica).
 Participação nas reuniões e discussão de casos clínicos.

2.3. Casuística.

Durante o período de 03 de agosto de 2015 a 06 de novembro de 2015,


foram acompanhados 229 animais sendo 171 cães e 58 gatos na rotina do
Hospital de Pequenos Animais da UnB.
Tabela 1: Relação de suspeitas clínicas e diagnósticos nos Pacientes
Caninos atendidos durante o período de estágio.
SUSPEITA/DIAGNOSTICO – CÃES TOTAIS
Cardiorrespiratório
Doença cardíaca da válvula mitral e 11
tricúspide
Colapso de traqueia 1
Edema pulmonar agudo 1
Pneumonia aspirativa 1
Bronquite alérgica 1
Estenose da arteria pulmonar 1
Dermatologia
Otite 18
Atopia 9
Sarna demodécica 8
Piodermatite 3
11

Dermatite alérgica a picada de pulga e 2


ectoparasitas
Alopecia X 1
Otohematoma 1
Dermatite piotraumática 1
Lúpus eritematoso discoide 1
Dermatofitose 1
Endocrinologia
Obesidade 5
Diabetes mellitus 3
Hiperadrenocorticismo 2
Hipoadrenocorticismo 1
Gastrenterologia
Gastroenterite 5
Hepatopatia 2
Verminose 2
Giardíase 1
Enterite por Isospora canis 1
Enterite 1
Enterite por corpo estranho 1
Vólvulo gástrico 1
Intussuscepção 1
Lingangiectasia intestinal 1
Atresia anal 1
Hematologia
Trombocitopenia imunomediada 5
Hipoplasia de medula óssea 3
Anemia hemolítica imunomediada 3
Aplasia de medula óssea 1
Doenças Infecciosas
Erliquiose 22
Leishmaniose 16
Parvovirose 5
12

Anaplasmose 2
Neurologia
Síndrome da Cauda equina 1
Síndrome vestibular periférica 1
Epilepsia 1
Trauma crânio encefálico 1
Reprodutor
Piometra 8
Pseudociese 2
Metrite 1
Hiperplasia prostática 1
Gestação 1
Nefrologia
Doença renal crônica 20
Urolitíase 5
Cistite 4
Doença renal aguda 2
Pielonefrite 1
Hidronefrose 1
Síndrome nefrotica 1
Oncologia
Tumor venéreo transmissível 5
Neoplasia mamaria 5
Neoplasia a esclarecer 5
Linfoma 3
Carcinoma na cavidade nasal 1
Metástase pulmonar 1
Nódulos de pele 1
Ortopedia
Doença degenerativa do disco intervertebral 1
Politrauma 1
Trauma crânio-encefálico 1
Outros
13

Vacinação 3
Tríade do neonato 1
Atropelamento 1

Tabela 2: Relação de suspeitas clínicas e diagnósticos nos Pacientes Felinos


atendidos durante o período de estágio.
DIAGNOSTICO/SUSPEITA-GATOS TOTAIS
Cardiorrespiratório
Rinite crônica 1
Dermatologia
Dermatofitose 2
Granuloma eosinofílico 1
Ferida na cauda 1
Ferida de briga 1
Endocrinologia
Hipertireoidismo 2
Emergência
Ferida por mordedura 3
Sepse 2
Tríade do neonato 1
Gastrenterologia
Giardíase 5
Doença intestinal inflamatória 2
Colangite 3
Pancreatite 3
Gengivite 1
Lipidose hepática 1
Impactação fecal 1
Hematologia
Anemia aplásica 1
14

Doenças Infecciosas
Vírus da leucemia felina 3
Peritonite infecciosa felina 1
Nefrologia
Doença renal crônica 5
Cistite 3
Obstrução uretral 2
Insuficiência renal aguda 1
Urolitíase 1
Odontologia
Doença periodontal 2
Oncologia
Linfoma mediastínico 7
Neoplasia 4
Linfoma intestinal 1
Carcinoma de células escamosas 1
Ortopedia
Fratura do fêmur 2
Fratura de mandíbula 1
Fratura de cauda 1
Outros
Intoxicação 2
Vacinação 1
15

3. PARTE II

4. INTRODUÇÃO.
Os minerais são elementos inorgânicos amplamente distribuídos na
natureza e que, no organismo, desempenham uma variedade expressiva de
funções metabólicas que incluem ativação, regulação, transmissão e controle
celular (OLIVEIRA, 2007).
O controle do metabolismo do cálcio e fósforo é muito importante porque
esses íons desempenham papel relevante nos processos fisiológicos. A
concentração sérica do cálcio ionizado (Tabela 1) é controlada pela
autorregulação gerada pela interação do cálcio ionizado com o fosfato, hormônio
da paratireoide (PTH), calcitriol e calcitonina. (SCHENCK,2008a).
A homeostase do cálcio é feita através de um rígido controle, ajustes são
feitos dentro de uma faixa de 5% do normal. O cálcio é importante para inúmeras
reações, incluindo contração muscular, atividade da célula nervosa, liberação de
hormônios através do processo de exocitose e ativação de várias enzimas. O
cálcio também tem importante função para a coagulação sanguínea,
manutenção da estabilidade da membrana celular, ligações entre as células,
além de possuir papel fundamental na integridade estrutural dos ossos e dos
dentes (GRECO, 2004).
O cálcio contido nos líquidos orgânicos representa uma pequena
porcentagem do cálcio total, sendo que a maior parte dele se encontra nos ossos
e dentes. No cão, o cálcio sérico total pode ser encontrado de três formas: 55%
em forma de cálcio ionizado,35% ligado a proteína e 10% em complexos de
cálcio. No gato 52% está na forma de cálcio ionizado, 40% ligado a proteína e
8% em complexos de cálcio (Tabela 1). Entretanto, esta fração pode ser
aumentada na alcalose e diminuída na acidose. Fatores que diminuam a
albumina podem diminuir a concentração sérica de cálcio sem de fato estar
abaixando a concentração sérica de cálcio biologicamente ativa (NELSON,
2008).
A concentração do cálcio total determina a condição do cálcio no animal
embora somente a fração ionizada é fisiologicamente ativa. Para mensurar o
cálcio total a amostra deve ser obtida com o animal em jejum ou amostras de
plasma heparinizado, sendo estas adequadas para análise. Amostras
16

hemolizadas e com altas concentrações de bilirrubina levam à uma falsa


diminuição das concentrações do cálcio total, acredita-se que a hiperlipidemia
possa resultar em altas concentrações de cálcio total. As amostras não devem
ser diluídas para a mensuração do cálcio total, pois pode levar a um resultado
falsamente diminuído. A idade, dieta e se o animal se encontra em jejum pode
ter impacto na concentração de cálcio total (SCHENCK, 2008a).
De acordo com Schenck e Chew (2008a) a mensuração do cálcio ionizado
deve ser realizada para obter um amplo panorama do cálcio. O cálcio ionizado
deve ser mensurado diretamente pois pode encontrar-se em concentrações
maiores que o normal sem alterar o cálcio total. Por exemplo, em condições
como o hiperparatireoidismo, doença renal, hipoproteinemia, hiperproteinemia,
distúrbios ácidos básicos e em doenças graves. Para a determinação acurada
da concentração de cálcio ionizado requer que as amostras sejam coletadas e
processadas corretamente. O pH ácido favorece a dissociação do cálcio da
proteína e, portanto, aumenta a fração do cálcio ionizado. O pH alcalino que
ocorre quando a perda de dióxido de carbono, favorecendo a ligação da proteína
ao cálcio, diminuindo a fração ionizada do cálcio (SCHAER, 2008).
A confiança na mensuração do cálcio total baseado na suposição que este
é diretamente proporcional ao cálcio ionizado pode levar a interpretação errônea
dos dados laboratoriais em muitas condições clinicas. Tem-se sugerido que a
concentração de cálcio total deve ser “corrigida” ou “ajustada” com relação a
proteína sérica total ou concentração de albumina com o intuito de melhorar a
interpretação do diagnóstico, mas as fórmulas desenvolvidas para isso são
falhas pois não levam em consideração os complexos de cálcio. Os complexos
de cálcio não são uma fração constante e sua porcentagem pode estar
modificada em determinadas doenças, como por exemplo em cães com doença
renal (SCHENCK,2008a). Os gatos apresentam menor concentração de cálcio
total e ionizado com relação aos cães (Tabela 1).
O cálcio ionizado é a fração biologicamente ativa do cálcio, e a sua
homeostase é importante para muitas funções fisiológicas. Os íons de cálcio
regulam a homeostase ligando-se diretamente aos receptores específicos de
cálcio na membrana celular. A concentração sanguínea é controlada por
autorregulação que envolve o cálcio ionizado, fosfato, hormônio da paratireoide
(PTH), calcitriol e calcitonina. O nível do cálcio dos animais é normalmente
17

determinado pela concentração de cálcio total, apesar do fato que somente a


fração do cálcio ionizado é fisiologicamente ativa. Para a análise do cálcio
ionizado deve ser utilizado soro em jejum ou plasma heparinizado.
Anticoagulante como o oxalato, citrato e EDTA não devem ser usados porque o
cálcio se liga a esses componentes e torna-se inviável para análise (NELSON,
2008).
De acordo com Schenck, e Chew (2005), em 1633 amostras de sangue de
cães saudáveis a discordância do diagnostico entre o cálcio ionizado e o cálcio
total foi de 27% e em cães com insuficiência renal a discordância foi de 36%.
Schenck e Chew (2002) observaram em 434 gatos saudáveis, que a diferença
entre o cálcio ionizado e o cálcio total era de 40%, demonstrando que o cálcio
ionizado e o cálcio devem ser mensurados em conjunto, e que um não pode
substituir o outro.
Tabela 1: Valores de referência do cálcio total e ionizado em cães e gatos.

Cães Gatos
Cálcio total 9,0-11,5mg/dl 8.0-10.5mg/dl
(2.2-3.8mmol/l) (2.0-2.6 mmol/l)
Cálcio 5.0-6.0mg/dl 4.5-5.5mg/dl
ionizado (1.2-1.5mmol/l) (1.1-1.4 mmol/l)

(Fonte: SCHENCK, 2008b).


Os principais hormônios envolvidos no metabolismo do cálcio são: PTH,
calcitriol (1,25-dihidroxivitamina D) e calcitonina. Os principais órgãos envolvidos
no seu metabolismo estão o osso, rins e intestino delgado (SCHENCK,2008a).
5. REVISÃO DE LITERATURA.
5.1. Metabolismo do cálcio.
O cálcio existente no liquido extracelular é regulado pela ação dos
hormônios das paratireoides e tireoides. O hormônio da paratireoide regula o
equilíbrio entre o cálcio contido nos ossos, a absorção de cálcio pelo trato
gastrintestinal e a eliminação do cálcio pelos rins. A calcitonina, produzida pela
tireoide, também desempenha um certo papel na determinação dos níveis
séricos do cálcio, porque inibe a reabsorção do cálcio dos ossos (ÉVORA, 1999).
18

A grande maioria (99%) do cálcio no organismo está no osso na forma de


hidroxiapatita, que contém cálcio, fosfato e água. Em segundo lugar, o maior
depósito de cálcio é a célula. Nas células em estado inativo, as concentrações
de cálcio são relativamente mais baixas, o cálcio está ligado à proteína ou
contido dentro das mitocôndrias ou dos grânulos do retículo endoplasmático.
Concentrações intracelulares de cálcio aumentadas são indicativas de grande
atividade celular (GRECO,2004).
O fluido extracelular é o local onde abriga o menor depósito de cálcio, mas
é o mais importante para o controle fisiológico das concentrações de cálcio no
sangue. Este componente compreende o cálcio intersticial, o cálcio sanguíneo e
uma pequena (0,5%), mas importante parte do depósito de cálcio ósseo que
existe como cristais amorfos ou em solução. O deposito de cálcio ósseo solúvel
permite o acesso às grandes reservas de cálcio presente nos ossos (GRECO,
2004).
A regulação dos níveis de cálcio envolve o controle do movimento do cálcio
entre o fluxo extracelular e três órgãos do corpo: osso, trato gastrintestinal e rins.
A troca de íons cálcio entre os fluidos extracelular e intracelular ocorre em
conjunção com o controle do metabolismo intracelular, com pouco efeito sobre
as concentrações plasmáticas de cálcio (DICKSON,1996).
O trato gastrintestinal serve como fonte de cálcio para o organismo, pois
possui função a absorção do cálcio. A absorção de cálcio no trato gastrointestinal
é feita por difusão passiva e transporte ativo. A difusão passiva do cálcio por
meio da mucosa intestinal ocorre na presença de altas concentrações e, como
tal, não apresenta um aspecto importante da absorção do cálcio. O transporte
ativo envolve o movimento do cálcio para dentro da célula intestinal seguindo um
gradiente de concentração, que é facilitado por proteínas transportadoras
localizadas no lado luminal da mucosa intestinal. O cálcio é movido através do
lado seroso da mucosa para o líquido intersticial através de um sistema de
bomba de cálcio. O sistema de transporte ativo ajusta-se de acordo com a
quantidade de cálcio na dieta, tornando-se mais ativo quando as concentrações
de cálcio da dieta são mais baixas, e menos ativo quando as concentrações de
cálcio da dieta são mais altas. A excreção de cálcio para dentro do trato
gastrintestinal não é afetada pela captação de cálcio, e isso pode exacerbar
condições envolvendo hipocalcemia (GRECO, 2004).
19

A maior parte do cálcio que passa pelos rins é reabsorvida com perda de
apenas 2%. Essa perda é compensada pela absorção intestinal. A maior parte
da absorção do cálcio filtrado é realizada pelos túbulos proximais, túbulos distais
e uma pequena quantidade pela porção ascendente da alça de Henle. Os túbulos
distais estão sob controle hormonal e, portanto, são locais de regulação do cálcio
nos rins (DICKSON, 1996).
Nos ossos, os cristais amorfos e cálcio solúvel formam a fonte de pronta-
troca de íons com o sangue, localizados entre os osteoblastos, que margeiam
os canais vasculares sanguíneos, e os osteócitos, que estão localizados
profundamente no osso. Para que o cálcio ósseo lábil atinja o sangue, o cálcio
deve cruzar a barreira membranosa criada pelos osteoblastos e osteócitos.
(GRECO,2004)
5.2. Hormônio da paratireoide (PTH).
A glândula paratireoide é o órgão de maior importância para o controle do
metabolismo do cálcio e fósforo. Os cães e gatos apresentam dois pares da
glândula paratireoide localizados nos polos dos dois lobos da glândula tireoide.
A paratireoide é responsável pela produção e liberação do PTH, que é
metabolizado pelo fígado e rins e tem meia-vida relativamente curta (5 a 10
minutos) no sangue. O PTH é responsável pelo aumento da concentração de
cálcio e uma diminuição na concentração de fosfato nos fluidos extracelulares.
O PTH tem efeitos diretos sobre o metabolismo do cálcio do osso e do rim e
efeitos indiretos sobre o metabolismo do cálcio gastrintestinal (DICKSON, 1996).
O efeito inicial do PTH sobre o osso é promover a transferência de cálcio
através da membrana osteoblasto-osteócito. Este nível de ação ocorre sem o
movimento do fosfato e, portanto, não tem efeito sobre as concentrações de
fosfato no sangue, mas como um efeito adicional sobre o osso. O PTH age na
reabsorção óssea, este efeito envolve atividade osteoclástica aumentada e
inibição da atividade osteoblástica. Sendo assim o efeito do PTH sobre o osso
estável resulta na liberação de cálcio e também fosfato (DICKSON,1996).
O PTH age aumentando a excreção de fosfato, e uma vez que, o cálcio e
o fosfato comportam-se de maneira recíproca, um aumento na diurese de fosfato
diminui sua concentração plasmática, permitindo um aumento na concentração
plasmática de cálcio. Nos rins o PTH age nos túbulos contorcidos distais para
aumentar a absorção de cálcio e, nos túbulos proximais para diminuir a
20

reabsorção de fosfato renal. O PTH também está envolvido na ativação da


vitamina D nos rins. O PTH interfere na absorção de cálcio do intestino
indiretamente através do seu efeito sobre a vitamina D (FELDMAN, 2005).
5.3. Vitamina D.
A vitamina D é importante para absorção de cálcio no intestino. As células
epiteliais da pele sintetizam o precursor imediato da vitamina D, o 7-
desidrocolesterol, a partir do acetato. A exposição da pele à luz solar resulta na
quebra das ligações C-9 e C-10 do 7-desidrocolesterol, resultando na formação
da vitamina D que ainda se encontra na sua forma inativa, devendo ser
transformada tanto pelo fígado como pelos rins antes de se tornar
biologicamente ativa. No fígado vai ocorrer a hidroxilação da molécula na
posição C-25, e no rim ocorrerá a hidroxilação da molécula na posição do C-1
para produzir o composto ativo 1,25(OH)2 D3, (calcitriol). No epitélio intestinal o
calcitriol leva a formação de uma proteína carreadora para o cálcio que funciona
na borda em escova como transportadora do cálcio para o interior da célula. A
proteína carreadora de cálcio permanece na célula por várias semanas,
favorecendo um efeito prolongado na absorção de cálcio (DICKSON,1996).
5.4. Calcitonina.
A calcitonina é um hormônio produzido pelas células da glândula tireoide,
que diferem das células que produzem os hormônios tireóideanos. A calcitonina
é produzida nas células parafoliculares ou células C. A calcitonina tem a sua
liberação estimulada pela hipercalcemia, e em menor extensão, pelos níveis
aumentados de magnésio, e funciona para contrabalancear a ação do PTH,
gerando hipocalcemia e hipofosfatemia. A calcitonina age principalmente nos
ossos por meio da diminuição do movimento de cálcio do depósito ósseo lábil
para o fluido extracelular, na diminuição da reabsorção óssea inibindo os
osteoclastos e no aumento do movimento de fosfato do fluido extracelular para
o osso, além de aumentar a excreção renal de cálcio e fosforo (DICKSON, 1996).
O controle da secreção de calcitonina é feito pelo cálcio. Concentrações
aumentadas provocam secreção aumentada de calcitonina. O controle
fisiológico do metabolismo do cálcio pela calcitonina opera em situações de
hipercalcemia com secreção aumentada de calcitonina e inibição concomitante
da secreção de PTH. Hormônios gastrintestinais, incluindo gastrina,
colescistocinina, secretina e glucagon, estimulam a secreção de calcitonina,
21

sendo a gastrina o mais potente. Estes hormônios limitam a hipercalcemia pós-


prandial (GRECO,2012).
6. HIPERCALCEMIA.
A hipercalcemia estará presente se a concentração de cálcio total estiver
acima de 12mg/dl ou quando a concentração de cálcio ionizado for acima de
1.45 mmol/L (Tabela 1). Estas concentrações são normalmente aumentadas em
filhotes de cães. A concentração sérica total de cálcio, em gatos, não modifica
com o avanço da idade, mas a concentração sérica de cálcio ionizado pode ser
maior em gatos com menos de 2 anos. Hipercalcemia é incomum em cães e
gatos. Hipercalcemia persistente normalmente ocorre por aumento da
reabsorção de cálcio pelos ossos ou rins ou por meio do aumento da absorção
pelo trato gastrointestinal (FELDMAN, 2005).
6.1. Etiologia.
Em cães, as causas mais frequentes de hipercalcemia incluem
hiperparatireoidismo primário e a hipercalcemia nas malignidades, sendo esta a
mais comum. Metástases ósseas de neoplasias malignas, hiperparatireoidismo
secundário a doença renal e doenças granulomatosas também são causas de
hipercalcemia. Outras causas de hipercalcemia incluem hipervitaminose D e
intoxicação por jasmin-do-dia (Cestrum diurnum). Em paciente com a síndrome
de Addison, existe o aumento mediano do cálcio. No gato os diagnósticos mais
comuns são a hipercalcemia nas malignidades, hiperparatireoidismo primário,
doença renal e hipercalcemia idiopática (SCHENCK, 2008b).
Urolitíase por oxalato de cálcio e consumo de dietas acidificantes são
comumente identificados em gatos com hipercalcemia, mas o papel da
hipercalcemia nestas desordens não está esclarecido (NELSON, 2008).
6.2. Sinais clínicos.
Os sinais dependem da severidade, taxa de início e duração da
hipercalcemia, normalmente estão ausentes quando o aumento da concentração
de cálcio é brando (menos que 14mg/dl), os sinais aparecem quando a
concentração de cálcio está acima de 15mg/dl, ou por um longo período de
tempo. Os sinais incluem, fraqueza, letargia, poliúria, polidpsia, inapetência e
vomito. Diarreia, constipação, arritmias, convulsões e tremores musculares são
menos comuns. A hipercalcemia pode estar presente em cães jovens e em raças
22

de grande porte como um reflexo da grande movimentação de cálcio associada


ao rápido crescimento ósseo (NELSON, 2008).
6.3. Diagnóstico.
A abordagem inicial deve ser extensiva se o histórico não proporcionar uma
causa óbvia de hipercalcemia, como por exemplo, intoxicação por vitamina D ou
se o animal já possui doença renal diagnosticada. Na avaliação médica deve se
incluir a mensuração das concentrações séricas de cálcio, fosfato, sódio,
potássio, cloreto, creatinina, ureia, fosfatase alcalina e proteínas. O hemograma
completo e urinálise, além de radiografia torácica e abdominal podem ser feitos
em suspeita de hipercalcemia nas malignidades (SCHAER, 2008).
A hipercalcemia deve ser sempre reconfirmada, preferencialmente de uma
amostra de sangue não lipêmico, obtida há no máximo 12 horas, antes de
proceder com uma avaliação diagnóstica extensa. Resultados do hemograma,
perfil bioquímico, e urinálise em conjunto com histórico e achados no exame
físico direcionam o diagnóstico. Atenção especial deve ser dada aos eletrólitos
séricos e aos parâmetros renais. Hipercalcemia induzida pelo
hipoadrenocorticismo ocorre em conjunto com a deficiência de
mineralocorticoides, hiponatremia, hipercalemia e azotemia pré-renal. A
concentração sérica de fosfato apresenta-se abaixo da metade da taxa normal
no caso da hipercalcemia da malignidade e do hiperparatireoidismo primário.
Caso a concentração de fosfato se encontre aumentada e a função renal estiver
normal, a hipervitaminose D e osteólise por metástase ou neoplasia óssea
primaria são os principais diagnósticos diferenciais (NELSON, 2008).
O objetivo inicial é estabilizar o paciente enquanto a causa da
hipercalcemia é esclarecida. Quando todas as causas não relacionadas à
paratireoide forem eliminadas, o foco primário deve ser a glândula da
paratireoide. O ponto principal para o diagnóstico de hiperparatireoidismo
primário é o aumento inapropriado na concentração de PTH diante da
hipercalcemia. Na hipercalcemia nas malignidades a concentração de PTH deve
ser baixa e a proteína relacionada ao hormônio da paratireoide (PTHrp) se
encontra em níveis elevados (MARTIN, 1999).
6.4. Tratamento.
A terapia possui quatro objetivos principais: corrigir a desidratação,
promover a excreção de cálcio pela urina, inibir a reabsorção óssea e tratar a
23

causa de base (Tabela 2). Mesmo quando a causa de base ainda é


desconhecida a concentração de cálcio deve ser normalizada o mais rápido
possível (GROMAN,2012).
A parte mais importante da terapêutica da hipercalcemia é reidratar o
paciente, porque a excreção renal do cálcio é aumentada pela administração de
solução fisiológica a 0,9%. A solução isotônica de cloreto de sódio, administrada
por via endovenosa é o fluido de escolha, porque o sódio inibe competitivamente
a reabsorção tubular de cálcio (SCHAER, 2008).
A taxa de infusão deve ser rápida o suficiente para provocar a diurese mas
deve-se tomar cuidado para evitar sobrecarga plasmática. Se possível, a
mensuração da pressão venosa central dever ser realizada intermitentemente e
a infusão deve ser mais lenta ou descontinuada quando a pressão venosa central
for maior que 10cmH20. Uma vez que o animal estiver reidratado, pode ser
administrada furosemida para aumentar a diurese. Os eletrólitos devem ser
monitorados e suplementados, especialmente o potássio. Caso ocorra
hipernatremia progressiva deve-se descontinuar a solução fisiológica
(GROMAN, 2012).
Glicocorticoides são usados para tratamento da hipercalcemia associada
ao linfoma ou por síndrome paraneoplásica associada a outras neoplasias
malignas. Quando a suspeita é o linfoma deve-se realizar a biopsia para
confirmação antes de administrar o corticosteroide. Por causa da grande
incidência de linfoma em animais com hipercalcemia, glicocorticoides não devem
ser administrados em que a causa da hipercalcemia não é identificada. A terapia
de suporte não deve interferir no diagnóstico. Em regra geral, a terapia diurética
pode ser iniciada pois não interfere nos testes diagnósticos. Os glicocorticoides
ajudam também a abaixar a concentração de cálcio através da diminuição da
reabsorção óssea, diminuição a absorção intestinal e aumento da excreção renal
(GROMAN, 2012).
A calcitonina pode ser usada para tratamento de animais com severa
hipercalcemia no lugar dos glicocorticoides para tratamento da hipercalcemia
quando ainda não há um diagnóstico definitivo. Os níveis de cálcio diminuem
rapidamente depois da administração da calcitonina, geralmente de 2 a 4 horas,
entretanto esse efeito é variável. A meia vida da calcitonina é curta e múltiplas
24

injeções diárias são necessárias para manter os níveis séricos de cálcio dentro
do limite fisiológico (GROMAN, 2012).
Outras medidas terapêuticas para hipercalcemia incluem mitramicina, e
biofosfatos (etidronato dissódico, pamidronato) (Tabela 2). O uso destes agentes
deve ser realizado junto a monitoração do paciente. Os biofosfatos se ligam a
hidroxiapatita no osso e inibem a dissolução do cristal ósseo. Estes agem
inibindo a função e viabilidade dos osteoclastos. A experiência com estes
fármacos é limitada em pacientes veterinários, e efeitos adversos
gastrintestinais, especialmente esofagite, são relatados em pacientes humanos.
Estes medicamentos têm sido usados com sucesso em tratamento para
hipervitaminose D. A mitramicina, é um inibidor da RNA sintetase em
osteoclastos, é eficiente no tratamento da hipercalcemia na dose de 25μg/kg. A
concentração de cálcio começa a diminuir até 12 horas depois da administração
este fármaco, e os seus efeitos podem durar de alguns dias a várias semanas.
Efeitos adversos, como por exemplo, hepatotoxidade, nefrotoxidade e
trombocitopenia, são incomuns quando aplicado em dose única, mas esse
fármaco deve ser sempre usado com extremo cuidado (SCHAER,2008).
O bicarbonato de sódio é usado nas crises de hipercalcemia. Teoricamente
é melhor usado em pacientes que possuem acidose metabólica concomitante,
porque a acidose aumenta a concentração de cálcio ionizado e o bicarbonato
tem função de abaixa-la (SCHAER,2008).
Tabela 2: Terapia não especifica para controle da hipercalcemia.

Terapia em casos agudos

 Corrigir desidratação
 Solução fisiologia 0,9% para diurese 60-180mg/kg/dia – IV
 Furosemida, 2-4mg/kg, IV, IM, PO TID
 Prednisona, caso diagnóstico confirmado 1-2mg/kg BID

Terapia adicional caso tratamento acima não for responsivo

 Bicarbonato de sódio, 1-4mEq/kg, em bolus lento


 Calcitonina, 4-8 IU/kg, SC; TID ou BID
25

Terapia a longo prazo

 Furosemida
 Prednisona
 Dieta com baixo cálcio
 Quelantes de fosforo caso hiperfosfatemia estiver presente
 Bisfofanatos (pamidronato, etidronato, 10-40mg/kg PO; BID ou TID

IV: Intravenoso; IM: Intramuscular; PO: Via oral; SC: Subcutâneo; BID: a
cada 12 horas; TID: a cada 8 horas. (Fonte: NELSON, 2008)
6.5. Afecções que geram hipercalcemia.
6.5.1. Hiperparatireoidismo primário (HPP).
O hiperparatireoidismo primário (HPP) é uma doença metabólica
decorrente da hiperfunção autônoma de uma ou mais das glândulas
paratireoideas, resultando em um aumento progressivo do nível sérico do
hormônio paratireoideo (PTH) e do cálcio. O HPP é uma condição bastante rara
em medicina veterinária, sendo mais rara em gatos do que em cães. O HPP
normalmente é observado em animais de meia idade a idosos. O adenoma
funcional da glândula paratireoide é a causa mais comum de
hiperparatireoidismo primário. O adenocarcinoma e hiperplasia da glândula
paratireoide também foram documentados, mas são raros. A idade em que os
sinais clínicos de HPP aparecem nos cães é de 4 a 16 anos, e de 8 a 20 anos
nos gatos. Não tem predileção por gênero e qualquer raça pode ser afetada,
entretanto o HPP é mais diagnosticado em cães da raça Keeshond, sendo
autossômica dominante e geneticamente transmitida nesta raça. Os sinais
clínicos do HPP são resultantes da ação fisiológica do aumento da secreção de
PTH, e pela presença de cristais de cálcio e infecções do trato urinário inferior,
os quais são consequências da hipercalcemia. Os sinais clínicos são ausentes
na maioria dos cães e gatos com aumento relativo do PTH (BONCZYNKI, 2007).
A maioria dos pacientes apresenta um aumento discreto do nível de PTH e
do cálcio sérico, e são assintomáticos, consequentemente o histórico clínico e o
exame físico raramente fornecem indícios de HPP. Em menos da metade dos
26

casos, o HPP pode apresentar-se em diversas manifestações clínicas


decorrentes da hipercalcemia sérica (SHINJO, 2009).
A retirada cirúrgica do tecido anormal da paratireoide é o tratamento de
escolha. Ablação química ou pelo calor da paratireoide guiado por ultrassom
também é um tratamento efetivo para HPP. Deve se garantir que pelo menos
uma glândula da paratireoide permaneça para manter a homeostase do cálcio e
evitar hipocalcemia permanente (FELDMAN, 2005).
6.4.2. Hipercalcemia nas malignidades.
As neoplasias são diagnosticadas em aproximadamente em 2/3 dos cães
com hipercalcemia, e aproximadamente em 1/3 dos gatos. Linfoma é a causa
mais comum de hipercalcemia nas malignidades (HM) e o local anatomicamente
mais comum é o mediastino cranial. Outros tumores associados com HM em
cães e gatos incluem adenocarcinoma da glândula adanal, carcinoma de
tireoide, mieloma múltiplo, tumores ósseos, timoma, carcinoma da glândula
mamaria, melanoma, tumor pulmonar primário, leucemia linfocitica crônica,
mixoma, e tumor da glândula paratireoide. Infelizmente, a incidência de HM na
oncologia veterinária é desconhecida, entretanto, HM é observada em 10%-35%
dos cães com linfoma, 25% com adenocarcinoma da glândula adanal, e
aproximadamente 20% dos cães com mieloma. A HM ocorre quando o tumor
produz substâncias que promovem a atividade osteoclastica e reabsorção renal
do cálcio. A etiopatogenia da HM é variada e inclui a produção ectópica do PTH
ou do PTH-rp pelo tumor, atividade osteolítica local devido a metástase óssea,
hiperparatireoidismo primário, tumor associado a prostaglandinas (PGE2),
interleucina 1β (previamente conhecido como fator ativador da atividade
osteoclástica). Terapias sintomáticas que promovem perda externa de cálcio,
aumentam a excreção renal e inibem a reabsorção óssea podem ser usadas em
pacientes com HM (Tabela 2) exceto o uso de glicocorticoides, pois estes podem
dificultar a confirmação do diagnóstico de linfoma além de induzirem resistência
a quimioterapia comprometendo a remissão da neoplasia e reduzindo a chance
de sobrevivência (BERGMAN,2012).
6.5.2. Hipervitaminose D.
Intoxicação por vitamina D resulta na excessiva calcificação de tecidos
moles no corpo, e em longo prazo leva a malformações ósseas. A intoxicação
normalmente ocorre devido ao tratamento de hipoparatireoidismo em filhotes de
27

cães e é de difícil diagnostico por causa da demora do aparecimento dos sinais


clínicos. Há intoxicação por vitamina D ou por análogos da vitamina D, como por
exemplo: raticidas ou pomadas anti-psoríase resulta em severa calcificação
metastática do trato gastrointestinal, rins e outros tecidos, esta condição
normalmente é fatal (CLINE,2012).
As calcinoses, enfermidades caracterizadas por extensa mineralização de
tecidos moles, representam a principal manifestação clínico-patológica do
envenenamento direto ou indireto por vitamina D. Classicamente, as
mineralizações patológicas vêm sendo divididas em distrófica e metastática. A
do tipo distrófica ocorre quando há deposição de minerais em tecidos submetidos
a qualquer tipo de lesão necrótica, degenerativa ou inflamatória. No caso de
mineralização metastática haveria precipitação de sais de cálcio em decorrência
da concentração persistentemente elevada deste mineral no sangue, sem que
os tecidos afetados tenham sofrido qualquer lesão prévia (PEIXOTO, 2012). As
intoxicações por plantas que contêm substâncias calcinogênicas são bem
conhecidas em todo o mundo e ocorrem em diversas espécies animais (MELLO,
1995). Uma das alterações patológicas mais importantes que se observam nos
animais com hipervitaminose D é o comprometimento do sistema cardiovascular,
sobretudo pela mineralização das artérias. O diagnóstico definitivo por meio da
identificação química do produto é difícil porque não existe ensaios de rotina para
os análogos sintéticos como por exemplo o calcipotriol. O tratamento é similar
ao tratamento da hipercalcemia (Tabela 2) (PEIXOTO, 2012).
6.5.3. Doença renal crônica.
A hipercalcemia pode desenvolver-se em cães e gatos com doença renal
crônica. A patogênese da hipercalcemia associada com a doença renal é
complicada. As causas da hipercalcemia na doença renal cônica se deve ao
desenvolvimento da função autônoma da glândula paratireoide ou alteração do
limiar para secreção do PTH depois de uma estimulação prolongada do
hiperparatireoidismo secundário renal, diminuição da degradação do PTH pelos
túbulos renais, aumentando a absorção de cálcio intestinal mediada por PTH,
aumentando a reabsorção óssea, diminuindo a excreção renal de cálcio e
aumento do cálcio ligado a proteínas ou ligado a complexos. Hipercalcemia
prolongada especialmente em conjunto com aumento da concentração de
fosfato pode também causar doença renal (KOGILA, 2006).
28

A hipercalcemia prejudica a função renal diminuindo a sensibilidade renal


ao hormônio antidiurético (ADH). A redução do líquido extracelular diminui a taxa
da filtração glomerular, que é exacerbada pelo efeito vasoconstritor do cálcio na
arteríola aferente glomerular. Além disso a diminuição da entrega de sódio aos
rins aumenta a reabsorção tubular de cálcio e agrava a hipercalcemia.
Normalmente a hipercalcemia gera uma lesão reversível dos néfrons, mas
quando há a deposição de fosfato de cálcio tubular ocasiona a destruição dos
néfrons e o dano renal se torna irreversível (FELDMAN, 2005).
A mensuração da concentração sérica do cálcio ionizado pode ajudar a
identificar cães e gatos com doença renal induzida pela hipercalcemia.
Concentrações de cálcio ionizado estão tipicamente normais ou diminuídas na
doença renal e aumentadas na hipercalcemia causada por outras desordens. É
necessário determinar quando a doença renal é a causa ou a consequência da
hipercalcemia. A mensuração da concentração de cálcio ionizado pode ajudar a
identificar falha renal induzida pela hipercalcemia em cães e gatos. A
concentração de cálcio ionizado encontra-se normal ou diminuída na doença
renal e aumentada quando a hipercalcemia é causada por outras desordens
(NELSON, 2008).
6.5.4. Hipoadrenocorticismo.
A hipercalcemia é observada em aproximadamente 30% dos cães com
hipoadrenocorticismo. Apesar da causa não ser clara, acredita-se que a
hipercalcemia é causada pela hemoconcentração, diminuição da excreção renal
de cálcio devido a deficiência de glicocorticoide, excessiva absorção de cálcio
intestinal e reabsorção óssea devido a inibição do glicocorticoide da vitamina D,
hipoproteinemia ou acidose. A hipercalcemia é resolvida uma vez que a
suplementação de corticoide é estabelecida (LANEN, 2004).
7. HIPOCALCEMIA.
A hipocalcemia ocorre quando existe uma perda do cálcio ou deficiência na
absorção do cálcio. A hipocalcemia é caracterizada quando a concentração de
cálcio total é menor do que 8mg/dl em cães e menor que 7,0mg/dl em gatos. Os
sinais clínicos normalmente aparecem quando a concentração de cálcio é menor
do que 6,5mg/dl. Com relação ao cálcio ionizado, a hipocalcemia ocorre quando
a concentração é menor que 1,25mmol/L em cães e menor que 1,1mmol/L em
gatos (SCHENCK, 2008C).
29

7.1. Etiologia.
A hipocalcemia em cães e gatos é atribuída a hipoparatireoidismo,
hipoproteinemia, deficiência de vitamina D, hiperfosfatemia, má absorção
intestinal, pancreatite aguda ou doença renal crônica. Tetania por hipocalcemia
pós-parto comumente ocorre em raças pequenas, mas também pode ocorrer em
raças de grande porte. Em cães e gatos os efeitos fisiológicos graves
normalmente não ocorrem até que a concentração de cálcio ionizado seja menor
que 1 a 2mmol/L. A severidade dos sinais depende da quantidade e da
velocidade em que a concentração de cálcio diminui. De acordo com a queda na
concentração de cálcio, as membranas neuronais se tornam mais permeáveis
ao sódio aumentando o limiar para excitação. A diminuição na concentração de
cálcio ionizado, reduz a força de contração do miocárdio (GROMAN, 2012).
7.2. Sinais clínicos.
Os sinais clínicos podem variar da forma assintomática até uma severa
disfunção neuromuscular. A tetania é o principal sinal clinico, outros sinais
possíveis incluem convulsões, fraqueza muscular, andar rígido, depressão
mental, mudança de comportamento e espasmos musculares focais,
principalmente nos músculos faciais. No eletrocardiograma normalmente não
aparecem alterações, mas pode haver aumento do intervalo QT. A hipercalemia
e a hipomagnesemia potencializam a sensibilidade cardíaca e neuromuscular da
hipocalcemia (NELSON, 2008; GROMAN, 2012).
7.3. Diagnóstico.
Em condições de hipocalcemia aguda, tal como eclampsia ou
hiperfosfatemia aguda, a causa normalmente é óbvia e raramente requer um
exame médico completo. O hiperparatireoidismo primário pode ser
diagnosticado por radioimunoensaio para determinar a concentração plasmática
no PTH (SCHENCK, 2008c). O cálcio ionizado deve ser sempre mensurado, pois
animais com diminuição do cálcio total, mas com as concentrações de cálcio
ionizado normal não requer tratamento (GROMAN, 2012).
7.4. Tratamento.
De acordo com Schaer (2008), a hipocalcemia aguda e sintomática é uma
emergência médica que requer administração imediata de solução de gluconato
de cálcio a 10%. A dose segura para cães e gatos é de 1.0-1.5ml/kg administrado
por via intravenosa lentamente em 20-30 minutos. A frequência cardíaca deve
30

ser monitorada periodicamente. Se bradicardia ocorrer, a infusão de cálcio deve


ser descontinuada até a frequência e ritmo cardíaco voltarem ao normal. O
gluconato de cálcio não deve ser administrado por via subcutânea pois pode
causar severa calcinose cutânea inflamatória. Deve ser realizado mensurações
periódicas da concentração de cálcio para evitar hipercalcemia iatrogênica. A
solução de sais de cálcio não deve ser adicionada a soluções de bicarbonato
para evitar a precipitação de carboneto de cálcio. Em casos de tratamento de
emergência para a tetania puerperal em animais com menos de 10kg quando
não existe fácil acesso rápido ao laboratório, o gluconato de cálcio a 10% pode
ser administrado por via intravenosa, na dose de 1ml/kg com um adicional de
0,5ml/kg a cada 30 segundos. Este tratamento deve ser descontinuado quando
os espasmos musculares ou os vômitos cessarem. A vitamina D é usada em
caso de hipocalcemia crônica. O tratamento imediato, preventivo e a longo prazo
da hipercalcemia está descrito na tabela abaixo (Tabela 3).

Tabela 3: Tratamento para hipocalcemia em cães e gatos.

Tratamento imediato para sintomas de hipocalcemia


 Gluconato de cálcio (preferencialmente) ou cloreto de cálcio.
o Solução a 10%
o Dose: 0.5-1.5 ml/kg, IV, lentamente, observar monitor para
arritimias ou bradicardia
O objetivo é reverter os sinais clínicos

Tratamento parenteral para prevenir hipocalcemia


 Infusão continua de gluconato de cálcio a 10%, IV,
o Dose inicial de 60 a 90 mg cálcio elementar/ kg/ dia.
o 10 ml de gluconato de cálcio a 10% prove 93 mg de cálcio
elementar.
o Administrar usando bomba de seringa em acesso venoso
separado, não adicionar fluidos contendo lactato, acetato,
bicarbonato ou fosfato
o Monitorar cálcio ionizado ou cálcio total a cada 8 ou 12 horas e
ajustar a taxa de infusão de acordo com os resultados
31

O objetivo é evitar sinais clínicos de hipocalcemia enquanto a etiologia é


corrigida ou aguardar enquanto a terapia com cálcio oral ou vitamina D faz
efeito.
Tratamento com vitamina D e cálcio oral para hipocalcemia
 1,25-Dihidroxi vitamina D3 (calcitriol)
o Dose inicial: 0.02-0.03 μ g / k g / dia
o Monitorara cálcio ionizado ou cálcio total, a cada 12 ou 24
horas e ajustar a dosagem ou frequência da administração.
o O objetivo é estabelecer a concentração de cálcio total entre 9
e 10 mg/dl
 Gluconato de cálcio, lactato de cálcio ou carbonato de cálcio oral
o Dose inicial: 25mg de cálcio/kg a cada 8 ou 12 horas
IV: Intravenoso, SC: subcutâneo. (Modificada de: NELSON, 2008)

7.5. Afecções que geram hipocalcemia.


7.5.1. Deficiência nutricional de vitamina D.
Devido à grande interatividade da vitamina D, cálcio e fosfato, é raro ver
uma deficiência destes elementos isoladamente, mas um desequilíbrio complexo
em dois ou três destes componentes. O raquitismo é uma doença de animais
jovens em fase de crescimento. A causa mais comum de raquitismo é a
deficiência nutricional de vitamina D ou excesso de fosfato. A deficiência de
cálcio também pode levar ao raquitismo, mesmo que raro isto pode ocorrer
devido a dietas desbalanceadas pobres em cálcio. A lesão característica do
raquitismo é tanto da falha na vascularização como da mineralização da área de
calcificação provisória. Esta patologia é mais evidente nas metáfises de ossos
longos. Existe uma grande variedade de sinais clínicos incluindo dor óssea,
andar rígido, edema na área da metáfise, dificuldade de se levantar, membros
arqueados e fraturas patológicas. A osteomalacia tem a patogênese similar ao
raquitismo, mas é observado em animais adultos. É caracterizada pelo acumulo
de osteóide não mineralizado na superfície das trabéculas ósseas (CLINE,2012).
7.5.2. Hipoparatireoidismo primário.
O hipoparatireoidismo em cães aparenta ser uma desordem imuno-
mediada. Em gatos, é normalmente iatrogênico e secundário ao dano na
32

glândula paratireoide durante a tireoidectomia para tratamento do


hipertireoidismo. Em cães as raças predispostas são: Poddle toy, Pastor
alemão, Labrador retriever, Terriers, São Bernardo e Schnauzer miniatura. Em
cães as fêmeas são mais acometidas e nos gatos os machos são os mais
acometidos. O hipoparatireoidismo primário é diagnosticado através da
mensuração do PTH e cálcio ionizado. As concentrações de cálcio ionizado e
PTH diminuídas são diagnósticos para hipoparatireoidismo (GRECO, 2012).
7.5.3. Tetania puerperal.
A tetania puerperal é uma consequência da hipocalcemia aguda, com risco
de vida e que ocorre no período pós-parto. É a causa mais comum de
hipocalcemia em cães e gatos. Os sinais clínicos em pequenos animais incluem
fasciculação muscular e tetania, não sendo comum ocorrer convulsões e a
consciência é preservada. A hipernatremia e hipoglicemia podem ocorrer em
consequência. Hipomagnesemia e hipofosfatemia pode ocorrer
simultaneamente. A tetania puerperal acontece comumente nas primeiras 4
semanas pós-parto, mas pode ocorrer nas semanas finais da gestação. Esta
condição acomete mais cadelas do que gatas, pode ocorrer em qualquer raça,
mas é mais comum nas raças pequenas. A tetania é causada pela depleção do
cálcio ionizado no compartimento extracelular e ineficiência dos mecanismos de
homeostase do cálcio em compensar a perda de cálcio para a produção de leite.
Fatores predisponentes incluem falha nutricional no período pré-natal,
suplementação inapropriada de cálcio e alta demanda lactacional.
Suplementação pré-natal excessiva pode levar ao desenvolvimento da tetania
puerperal provocando a atrofia da glândula paratireoide e inabilidade de
liberação do PTH, assim interferindo no mecanismo fisiológico normal para
mobilizar e conservar os níveis adequados de cálcio. Condições metabólicas que
favorecem a ligação do cálcio a proteína podem exacerbar a hipocalcemia, como
por exemplo, a alcalose resultante de hiperpneia prolongada durante o trabalho
de parto ou distorcia. O equilíbrio entre o cálcio ionizado e o cálcio ligado a
proteína é afetado pelo pH. Os sinais clínicos incluem prurido fácil, dor nos
membros, fasciculação muscular, fraqueza e ataxia. Estes sinais clínicos
rapidamente evoluem em algumas horas para rigidez, espasmos tônico-clônicos
e opistotomo. Frequência cardíaca e respiratória e temperatura estarão
aumentadas especialmente durante a tetania. Sinais clínicos progridem
33

rapidamente e podem ser fatais. Deve ser instituído imediatamente a intervenção


terapêutica com infusão intravenosa de glucanato de cálcio a 10% dose-efeito
(DAVIDSON, 2012).
7.5.4. Doença renal.
A doença renal aguda ou crônica, podem levar a hipocalcemia. As
concentrações de cálcio total podem estar diminuídas devido a hipoproteinemia
ocasionada pela proteinúria que é comumente observada na doença renal. O
aumento de fosfato pode estar presente na doença renal e pode contribuir para
a diminuição do cálcio ionizado, pois o cálcio vai se apresentar, na sua maioria,
em complexos de cálcio (fosfato de cálcio). Na doença renal também ocorre a
diminuição dos néfrons funcionais, o que leva a diminuição na produção do
calcitriol que, consequentemente, diminui a reabsorção intestinal de cálcio,
contribuindo para um hiperparatireoidismo secundário. O hiperparatireoidismo
leva a osteodistrofia na tentativa de manter a concentração plasmática de cálcio
e fosfato. O tratamento para a doença renal deve ser implementado de acordo
com o estágio da doença onde o animal se encontra (SCHAER,2008).
7.5.5. Hipertireoidismo.
Anormalidades na homeostase do cálcio e fosfato são comuns em gatos
com hipertireoidismo. Gatos com hipertireoidismo tem concentração plasmática
de fosfato e PTH aumentada, e concentração plasmática de cálcio ionizado e
fator de crescimento de fibroblasto - 23 diminuída. O mecanismo patofisiológico
da hipocalcemia em hipertireoidismo é atualmente desconhecido. A
concentração de cálcio ionizado pode estar diminuída por causa da presença de
hiperfosfatemia em gatos com hipertireoidismo, o fosfato vai formar um complexo
com o cálcio e assim diminuir a fração ionizada. A hipocalcemia também pode
ocorrer como resultado da diminuição da absorção intestinal (WILLIAMS, 2013).
Willians, et al (2013) observaram em seu estudo que gatos com
hipertireoidismo tem menor concentração de cálcio ionizado do que gatos
geriátricos saudáveis, entretanto a grande maioria dos animais tinham a
concentração de cálcio ionizado dentro dos valores normais. A concentração de
cálcio ionizado foi maior em gatos com hipertireoidismo com doença renal
simultânea ou mascarada, do que com relação aos gatos com
hiperparatireoidismo sem azotemia. Estes dados sugerem que a presença de
34

doença renal crônica não é a causa da hipocalcemia em gatos com


hiperparatireoidismo.
7.5.6. Pancreatite aguda.
A pancreatite pode gerar várias alterações do cálcio, sendo observado
aumento em 9% e diminuição em 3% dos casos de pancreatite em cães. Em
gatos se observa diminuição da concentração total de cálcio em 40% a 45% dos
casos, e diminuição do cálcio ionizado em 60% dos casos, e em 5% dos casos
de pancreatite em gatos se observa aumento da concentração total de cálcio. A
diminuição na concentração de cálcio possui pouco valor prognóstico em gatos
e nenhum valor prognóstico em cães. Em gatos acredita-se que a diminuição na
concentração de cálcio seja consequência da saponificação da gordura
peripancreática que leva a liberação de glucagon e, por sua vez, pode estimular
a secreção de calcitonina em alguns animais (WATSON, 2008). Nos casos onde
observa-se o aumento da concentração de cálcio, provavelmente está
relacionado a causa da pancreatite, os fatores de risco como a hipotensão,
hipóxia e infeções virais sob a interação dos hormônios e dos
neurotransmissores (colecistocinina e acetilcolina) induzem o aumento anormal
da concentração de cálcio ionizado no citoplasma das células acinares (DIAS,
2013).
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
O cálcio possui papel fundamental na homeostase do organismo, possui
funções diversas que variam da formação dos ossos até as funções
intracelulares. A chave para o controle do metabolismo do cálcio encontra-se no
rígido ajuste realizado pelos hormônios, PTH, calcitonina e calcitriol, que agem
principalmente nos ossos, rins e trato gastrintestinal. O cálcio também se
relaciona intimamente com outros íons, sendo o fósforo o principal destes.
Portanto se faz necessário compreender todos os fatores que estão relacionados
ao metabolismo do cálcio para entender suas alterações em cada enfermidade.
O diagnóstico da doença de base que está levando o animal à
hipercalcemia ou hipocalcemia pode ser complexo de acordo com o caso.
Portanto é necessário realizar a mensuração das concentrações do cálcio total
e do cálcio ionizado juntamente com o perfil eletrolítico, hemograma e demais
exames complementares de acordo com a suspeita do diagnóstico. O cálcio
ionizado é a fração de maior relevância e deve ser mensurada diretamente.
35

Fórmulas que visam o ajuste do cálcio total em caso de hipoproteinemia ou


hipoalbunemia não devem ser utilizadas, pois não representam a realidade do
estado do cálcio no paciente.
A dosagem da concentração de cálcio ionizado ainda não é muito
empregada na rotina das clínicas veterinárias devido ao custo elevado e a
necessidade de uma manipulação criteriosa para obter a amostra de forma
adequada. Entretanto, a mensuração do cálcio ionizado é fundamental e deve
ser realizada sempre que houver a suspeita de alteração das concentrações de
cálcio.
A hipocalcemia é a alteração do cálcio mais comumente encontrada na
medicina veterinária e que mais apresenta casos graves, colocando a vida do
paciente em risco. As alterações mais observadas, que levam a hipocalcemia
são: Tetania puerperal, deficiência de vitamina D, doença renal crônica e
pancreatite aguda. A hipercalcemia é raramente observada na medicina
veterinária, principalmente por se apresentar de forma assintomática na maioria
dos casos. As causas mais frequentes de hipercalcemia são: a hipercalcemia
nas malignidades, hiperparatireoidismo primário, intoxicação por vitamina D,
doença renal e hipoadrenocorticismo. A hipocalcemia e hipercalcemia, além de
provocar alterações fisiológicas e participarem ativamente do curso da
enfermidade, também apresentam o papel no auxílio ao diagnóstico e
prognóstico para a doença que estão relacionadas.
É de grande importância saber identificar os possíveis cenários onde os
distúrbios do cálcio podem ocorrer e quando estes se tornam uma emergência
que colocam em risco a vida dos nossos pacientes.
36

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

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