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Hipoadrenocorticismo
(Síndrome de Addison)
Discussão de caso clínico
31/03

Vamos começar observando alguns detalhes deste relato:


- A frequência cardíaca da paciente está normal? Numa poodle desidrata e hipotensa, o
mecanismo fisiológico é que houvesse um aumento da FC compensatória. Esperávamos
uma FC acima de 120-140 numa tentativa de restabelecer o débito cardíaco. Essa
informação é importante para começarmos o raciocínio clínico!
- Mucosa estava levemente hipocorada e TPC aumentado.

Respostas: Palpação de linfonodos, avaliação de mucosas, palpação abdominal foi detectada


esplenomegalia, questionaria sobre presença de vômito/diarréia/apetite do animal, controle de
ectoparasitos.

Suspeitas clínicas até o momento: DRC, neoplasias, hemoparasitose.


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Quais exames você solicitaria?
● Hemograma
● Bioquímica: Uréia, creatinina, ALT, AST, FA, sódio, potássio, fósforo.
● USG abdominal
● Avaliação cardiológica (eco e eletrocardiograma)
● Exame coproparasitológico de fezes

Enquanto o resultado dos exames não sai, você medicaria a paciente?


Sim! Antiemético de ação central (Ondansetrona/Vonau ou Cerenia) e gastroprotetor (Omeprazol
por exemplo) para controle de náusea e vômito que ela apresentava.

No hemograma da paciente: Hemácias estavam abaixo do valor, hemoglobina também e


hematócrito normal. Esse HT está normal no exame devido à desidratação, se o paciente for
hidratado e repetirmos o exame, com certeza o valor do HT estará mais baixo!
Resumindo: O paciente tem ANEMIA NORMOCÍTICA NORMOCRÔMICA. Plaquetas normais.
VCM e CHCM normais. Se o VCM tivesse diminuído: microcítica; aumentado: macrocítica.
CHCM tivesse diminuído: hipocrômico; aumentado: hipercrômico.

Leucograma: O que nos chama atenção aqui é a leucometria e os segmentados NORMAIS num
processo patológico significativo, com desidratação e crônico (de 7 dias).
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Uréia e Creatinina: Estão aumentadas, o paciente está desidratado, azotêmico. É uma


azotemia PRÉ renal pois o animal está desidratado, o sangue está concentrado, débito urinário
diminuído e portanto o animal acaba não eliminando/metabolizando de forma adequada esses
elementos do sangue.

Muitas pessoas erram esse diagnóstico e acusam em DRC devido à azotemia e anemia. Só que
para determinar a azotemia renal, não se faz avaliação de ureia e creatinina com o animal
desidratado. Se hidrata o paciente primeiro e repete o exame! Se depois disso o paciente
continuar azotêmico, podemos considerar que a azotemia é renal!

Enzimas hepáticas: Estão aumentadas.

Glicose: Diminuída pois o animal não está se alimentando bem, nauseado e vomitando.

Sódio e Potássio: São eletrólitos importantíssimos nos pacientes que apresentam vômito,
diarreia e desidratação. Eles podem não dar o diagnóstico, mas sim mostrar alterações
importantes.
→ Na DRC o mais comum é o K+ estar baixo (entre os estágios 1-3). E o K+ baixo pode causar
fraqueza muscular, tremores e é necessário repor.
→ E nesse exame, o K+ está ALTO e o sódio BAIXO.
Sempre que houver essa relação do K+ estar no limite superior aumentado e o sódio normal ou
baixo, fazemos a RELAÇÃO SÓDIO/POTÁSSIO ⇒ Divide-se o valor do sódio pelo valor do potássio
(135 / 6,8). O resultado foi de 19,8 e isso é um sinal de hipoadrenocorticismo/síndrome de
addison.
⇒ SEMPRE QUE ESSA RELAÇÃO FOR ABAIXO DE 27, DEVE-SE SUSPEITAR DE
HIPERADRENOCORTICISMO!

E por que pode evoluir para uma DRC?


Pois a cada vez que o paciente fica desidratado, o rim recebe menos sangue, mais néfrons
morrem, então o tecido renal vai sendo substituído por fibrose. E com o passar do tempo, esse
animal pode ter uma lesão renal. Se a desidratação chegar a 8% - 10% por exemplo, pode evoluir
para uma injúria renal aguda!
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→ A adrenal normal na USG não exclui a


possibilidade de hipoadreno!

Resumo do hipoadrenocorticismo:

Vamos lembrar que o córtex da adrenal produz mineralocorticóides, glicocorticóides e os


hormônios sexuais. No hipoadreno, ocorre uma insuficiência do córtex da adrenal em produzir
glicocorticóide e mineralocorticóide, ou somente glicocorticóide. ⇒ Seria o hipoadreno PRIMÁRIO
onde o córtex da adrenal não produz esses hormônios de forma adequada. Cortisol é o principal
glicocorticóide e aldosterona é o principal mineralocorticóide.
Também pode ocorrer o hipoadreno secundário por redução da secreção de ACTH ⇒ pode
ocorrer um tumor de hipófise, um TCE, uma hemorragia, uma doença autoimune, enfim -
impedindo a hipófise de produzir ACTH ou deficiência no hipotálamo.
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O que pode destruir o córtex da adrenal?
Doença autoimune é mais provável, neoplasias (que costumam cursar mais com hiperadreno do
que hipo), processos granulomatosos, traumas, hemorragias e até mesmo iatrogenia por uso de
medicamentos como Mitotano e Trilostano.

O que acontece no hipoadreno:


Se a adrenal está produzindo menos hormônio, não ocorre o feedback. Então o que acontece
com o ACTH e CRH? Aumentam e estimulam ainda mais a adrenal. Mas ela está danificada,
então o cortisol não aumenta. O resultado é esses hormônios aumentados e o cortisol BAIXO.

Agora, se tem um problema no ACTH, não será suficiente para estimular a adrenal a produzir
cortisol. A adrenal então vai acabar atrofiando e o cortisol acaba não sendo produzido, causando
os sintomas.

Os sinais clínicos são inespecíficos, porém alguns ficam como alerta, como: tremores musculares,
quadro recidivante que melhora com a fluido e depois volta pior e bradicardia.
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Quando a relação Na/K é MENOR do que 27, devemos lembrar do hipoadreno.


Quando ela é menor que 23, grandes chances de hipoadreno.
E quando é menor do que 15, é quase certo o paciente ter hipoadreno!
QUANTO MENOR A RELAÇÃO, MAIOR É A CHANCE DE SER HIPOADRENOCORTICISMO!

O desequilíbrio eletrolítico ocorre apenas no hipoadrenocorticismo primário com deficiência de


mineralocorticóide. Se não tiver essa deficiência de mineralocorticóide, for apenas
glicocorticóide, o Na e K estarão normais!
A maioria tem a deficiência de mineralocorticóide. Mas pode acontecer de ter um paciente com
hipoadreno e o Na e K estarem NORMAIS (porém raro de acontecer!).

Qual é a função fisiológica da aldosterona? Uma das suas funções é estimular a reabsorção de
Na nos túbulos contorcidos distais do néfron. Então se eu tenho uma menor reabsorção de Na,
pq tem menos aldosterona para estimular essa reabsorção, esse Na será eliminado pela urina
(causando hiponatremia). E quando ele sai pela urina, carrega consigo água ⇒ então tem
POLIÚRIA e vem a POLIDIPSIA compensatória.

Se esse Na está sendo eliminado e não tem aldosterona para estimular a reabsorção de Na, o K
não irá sair do sangue para ir para a urina. Ele permanece na corrente sanguínea ⇒ K
aumentado, causando a hipercalemia!
E como o animal vai perdendo água na urina, vai ficando desidratado e isso leva à azotemia, à
acidose metabólica, vômitos, diarréia.
Então vemos como a FALTA DO MINERALOCORTICÓIDE influencia drasticamente no paciente.
E o K alto irá suprimir a transmissão do impulso cardíaco, gerando bradicardia e alterações no
eletrocardiograma.
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Antigamente suspeitava-se de hipoadreno quando víamos microcardia no RX:

*PS: Qualquer coisa que cause choque hipovolêmico, desidratação grave ou hemorragia aguda
causa a microcardia!

A onda T deve ser menor que 25% da onda R. Quando está maior que isso, é um sinal de
desequilíbrio eletrolítico ou estresse.
Agora, se houver a onda T mais pontiaguda (para cima ou para baixo, tanto faz) e com
prolongamento do intervalo PR ⇒ isso mostra uma FC baixa e diminuição da passagem do
impulso.

O diagnóstico é clínico + exames complementares:


- A relação Na/K pode ajudar a diagnosticar o hipoadreno primário. Mas o secundário,
onde a deficiência é só de glicocorticóide (o problema está na hipófise ou hipotálamo), o
Na/K não irá ajudar muito.
- Dependendo se o ACTH for muito baixo, pode ter menos mineralocorticóide no hipoadreno
secundário. Mas isso é pouco frequente.
- Fazemos o teste de estimulação por ACTH (como no hiperadreno): A dosagem é basal e
pós ACTH em seguida (para NÃO PERDER TEMPO). ⇒ Se o cortisol basal estiver NORMAL,
já se exclui a possibilidade de hipoadreno. Se o cortisol pós ACTH estiver ALTO, é o
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hipoadreno primário (problema na adrenal) pois o cortisol não estará realizando
feedback.
- Agora, se o problema for na hipófise (hipo secundário), o ACTH estará baixo ou
indetectável.

Contras de dosar o ACTH:


● Exame caro;
● Não pode ocorrer hemólise;

Paciente que estava tomando corticoide para pele por 30 dias: ocorreu um feedback negativo
e a adrenal parou de produzir cortisol. E quando se tira o corticóide exógeno, o animal fica SEM
CORTICOIDE ALGUM! Em poucas horas, ele começa a vomitar e a ter uma síndrome de
privação esteroidal ou uma síndrome de addison aguda. POR ISSO É MUITO IMPORTANTE O
DESMAME DO CORTICÓIDE.

⇒ OBJETIVO PRINCIPAL DA AULA!


→ Primeiro passo do tratamento agudo: FLUIDOTERAPIA para hidratar o paciente! Também
aumenta a diurese e corrige os níveis de Na.
→ Tratar os distúrbios eletrolíticos: Se o K estiver muito alto se faz: glicose IV seguida de insulina
R via SC, pois a insulina tira a glicose do sangue e leva o K junto. Isso ajuda a diminuir a
concentração de K no sangue.
→ Se o animal está muito bradicárdico e com alterações no eletrocardiograma, se faz o
Gluconato de Cálcio IV lento (junto com a glicose e a insulina R). Ele irá competir com o K+ na
célula cardíaca retardando os efeitos deletérios do K no coração, porém ele não abaixa a
concentração de K.
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→ Então se tem um K alto mas sem alteração em eletro: apenas insulina R e glicose. Se houver
alteração grave no eletro (que seria o prolongamento do PR): usar o gluconato de cálcio.
→ TRATAR OS SINTOMAS PRESENTES COMO DIARREIA, VÔMITO, DOR.
→ Casos graves: Dexametasona 0,2-2mg/kg IV SID (para estabilizar o paciente). É um corticóide
sintético. Portanto o teste de estimulação não irá interpretar como glicocorticóide/cortisol. E aí se
faz o teste quando o paciente estabilizar.

⇒ Prescrição PARA CASA (uso contínuo):

● Se for um HIPOADRENO PRIMÁRIO por deficiência de mineralocorticóide: Fludrocortisona


é a melhor opção - 0,01mg/kg/dia BID. Ela faz reposição de mineralocorticóide e
glicocorticóide. Porém ela é difícil de achar e é cara
● Como outra opção temos a Prednisona ou Prednisolona 0,1-0,22mg/kg BID, que também
terão um efeito glicocorticóide, porém não tão bom mineralocorticóide. O problema deste
fármaco é que ao longo da vida, o animal poderá apresentar hiperadreno iatrogênico. Por
isso é importante manter na MENOR DOSE possível e monitorar os exames.

⇒ E se for um hipoadreno secundário?

● Suplementação APENAS de GLICOCORTICÓIDE: Prednisona 0,25mg/kg, PO, BID


inicialmente e depois diminui.
● Ou pode fazer a Dexametasona, que pode ser injetável se o paciente estiver com o Na
muito baixo (hiponatremia) pois terá um efeito mais rápido, ajudando na estabilização do
paciente. E depois passa para a Prednisona oral.

*Na muito baixo pode alterar o limiar de convulsão e o paciente pode convulsionar. Por isso os
pacientes com addison podem apresentar convulsões!

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