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Programa Bolsa Família

http://www.programadogoverno.org/programa-bolsa-familia/

Programa Bolsa Família


Um dos programas do governo brasileiro mais famosos, é o programa bolsa
família como o conhecemos hoje foi criado pelo Governo Lula, em 2003, com
o objetivo de melhorar as condições econômica de famílias que vivem em
pobreza e extrema pobreza no Brasil. O programa é baseado em um sistema de
transferência direta de renda com condições.

História do Bolsa Família


A questão de como assistir às famílias brasileiras que vivem na pobreza é
disputada e discutida no Brasil desde a década de 80 quando os benefícios
eram feitos de forma indireta com a distribuição de cestas básicas, o que
causava vários desvios de verba e produtos. O sociólogo Herbert de Sousa,
mais conhecido como Betinho, foi o idealizador do projeto de assistência
direta com o objetivo de acabar com a fome no país.

No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, os programas de


distribuição direta de renda foram implantados sob a gerência da primeira-
dama Ruth Cardoso. Vários programas foram criados durante os dois governos
de FHC, incluindo o Bolsa Escola, que foi inspirado por proposta de Cristovão
Buarque enquanto reitor na Universidade de Brasília. Outros programas foram
o Auxílio Gás e Cartão Alimentação, todos geridos por um ministério diferente
do governo.

Em 2003, o governo Lula unificou e ampliou todos esses programas no Bolsa


Família, fazendo um cadastro unificado e também indicando uma
administração unificada: O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate
à Fome. Essa unificação melhorou a eficácia do programa e sua fiscalização,
desde a centralização e unificação administrativa dos benefícios, a fome e a
miséria no Brasil diminuiu drasticamente. Infelizmente, o Bolsa Família ainda
não unificou a infraestrutura e mecanismos de fiscalização das condições e
contrapartidas exigidas pelo programa, o que levanta várias críticas ao
programa.

Como Funciona o Bolsa Família

As famílias que têm direito aos benefícios do Bolsa Família são as com renda
mensal per capita de até cento e quarenta reais. Para se cadastrar, essas
famílias devem procurar a prefeitura de suas cidades e se cadastrarem no
CadÚnico, ou Cadastro Único dos Programas Sociais. O benefício é liberado
de acordo com a seleção impessoal da Caixa Econômica Federal que prioriza
as famílias com menor renda. Mulheres têm prioridade na hora do
cadastramento.

Os benefícios são retirados através de um cartão específico do programa, o


Cartão do Bolsa Família ou através de uma conta na Caixa. Os cartões
funcionam como um cartão de débito normal da Caixa Econômica. As famílias
que são beneficiadas são obrigados a ir à escola regularmente, o que é
controlado pelo MEC e pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate
à Fome.

A BOLSA FAMÍLIA MEXEU COM O CORONELISMO

16/06/2013 - Por Urariano Mota

http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-bolsa-familia-e-o-
coronelismohttp://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-bolsa-familia-e-o-
coronelismo

Recife (PE) - Esta semana, a socióloga Walquiria Leão Rego pôs uma luz
científica no programa Bolsa Família, desenvolvido pelo governo Lula. Por
ocasião do lançamento do seu livro e de Alessandro Pinzani, “Vozes do Bolsa
Família”, Walquiria foi entrevistada pela Folha de São Paulo. Ali, ela afirmou
que o Bolsa Família é uma ação de Estado que enfraquece o coronelismo.
Espanto geral. Como assim? O programa assistencialista, o Bolsa Esmola,
como o PSDB e assemelhados o chamam, que incentiva a vadiação, como
poderia diminuir o poder dos chefões no Brasil profundo?

Imaginem o assombro. Os de melhor renda no Brasil são useiros e vezeiros em


falar que as mulheres do povo agora querem ter mais filhos somente pra
mamar no dinheiro do governo. Perdoem a forma chula de expressão, mas é
assim que a nossa educada elite se expressa em público. Na intimidade, entre
os da sua marca, a coisa é mais feia. O “povo”, que são sempre os outros, aos
quais os ricos e meio ricos não se misturam, a gentinha de celular e com motos
atrapalhando o trânsito, são a própria afirmação de votos de cabresto, que
seriam mantidos pelo Bolsa Família, nos governos populistas de Lula e Dilma.
Imaginem na Copa. Que vergonha, os que não deveriam passar da copa, da
cozinha, a se exibir nas ruas com os filhos pagos pela Bolsa Esmola.
Pois a patadas do gênero respondeu a pesquisa de 5 anos do livro “Vozes do
Bolsa Família”, nas palavras de Walquiria Leão:

“O Bolsa Família mexeu com o coronelismo?

Sim, enfraqueceu o coronelismo. O dinheiro vem no nome da mulher, com


uma senha dela e é ela que vai ao banco; não tem que pedir para ninguém. É
muito diferente se o governo entregasse o dinheiro ao prefeito. Num programa
que envolve 54 milhões de pessoas, alguma coisa de vez em quando
[acontece]. Mas a fraude é quase zero. O cadastro único é muito bem feito. Foi
uma ação de Estado que enfraqueceu o coronelismo. Elas aprenderam a usar o
0800 e vão para o telefone público ligar para reclamar. Essa ideia de que é
uma massa passiva de imbecis que não reagem é preconceito puro”.

Ainda assim, há quem argumente que o programa Bolsa Família reforça o


coronelismo, de Lula e Dilma, que seria um governo – para a direita brasileira
é assim, Lula e Dilma são uma só pessoa - cujo objetivo é dominar o povo
brasileiro para entregá-lo aos corruptos, de Cuba e dos comunistas em geral.
Esse nível de argumento é de uma pobreza e estupidez tamanha que difícil é
respondê-lo. Entendem? Seria algo como provar a um homem que a terra é
redonda, apesar de ele só ver lugar plano. No cerne desse preconceito está a
ideologia de que o povo é imbecil, por um lado. Por outro, que ele não pode
receber políticas compensatórias que amenizem uma exclusão secular, porque
tais políticas seriam puramente eleitorais". Dizer o quê, amigos?

O senador Jarbas Vasconcelos certa vez declarou à Veja que “há um


restaurante que eu frequento há mais de trinta anos no bairro de Brasília
Teimosa, no Recife. Na semana passada cheguei lá e não encontrei o garçom
que sempre me atendeu. Perguntei ao gerente e descobri que ele conseguiu
uma bolsa para ele e outra para o filho e desistiu de trabalhar. Esse é um
retrato do Bolsa Família”. E sobre isso escrevi uma reportagem publicada na
Carta Capital, em que relatava a minha busca inútil, cômica, do garçom rico de
Bolsa, depois de horas a entrar em beco e sair em beco.

Naquela reportagem, que reduzida está no Direto da Redação, Clique aqui


pude observar que o valor máximo do Bolsa Família era então de 182 reais
por família. Isso significava que o garçom afortunado, se profundamente
carente, trocaria seus cerca de dois mil reais por mês pela fortuna de 182.
Porque a Bolsa é concedida por família, não seriam duas Bolsas, uma para o
garçom, outra para o seu filho, como declarou a nobre ética do ainda mais
nobre senador.
Para encerrar, nada melhor que as palavras da socióloga, quando contou uma
ternura testemunhada em um homem miserável no Vale do Jequitinhonha:

“Uma pesquisadora sobre o programa Luz para Todos, no Vale do


Jequitinhonha, perguntou para um senhor o que mais o tinha impactado com a
chegada da luz. A pesquisadora, com seu preconceito de classe média, já
estava pronta para escrever: fui comprar uma televisão. Mas o senhor disse:
`A coisa que mais me impactou foi ver pela primeira vez o rosto dos meus
filhos dormindo; eu nunca tinha visto`.
Essa delicadeza... a gente se surpreende muito”.

“Bolsa Família inicia reparação histórica”, diz Walquíria Leão Rego

terça-feira, 4 de junho de 2013

http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/06/bolsa-familia-inicia-
reparacao.html

Dos rincões miseráveis do Brasil emergiram as vozes de mais de uma centena


de mulheres que foram ouvidas por uma pesquisadora paulista preocupada em
compreender os impactos do programa Bolsa Família na vida dos 5,4 milhões
de beneficiários. Ainda alvo de críticas por vários setores, o programa de
transferência de renda é considerado pela socióloga Walquíria Leão Rego
como um começo de reparação social do estado brasileiro para com os mais
pobres. “Estas pessoas saíram da miséria absoluta, os índices de mortalidade
infantil ficaram mais baixos e isto tem impacto fundamental para um país que
se diz minimamente democrático. Conviver com a miséria como o Brasil
conviveu por tantos séculos, mesmo depois do fim do regime militar, deveria
ser um processo que mexe com todos os brasileiros”, falou em entrevista ao
Sul21.

Professora do programa de pós-graduação em Sociologia da Unicamp,


Walquíria Leão Rego fez a pesquisa por conta própria, sem apoio financeiro
da Unicamp ou do governo federal. Financiou as viagens do próprio bolso,
agendando as excursões em seus períodos de férias. A seu lado, em parte da
pesquisa, esteve o filósofo italiano Alessandro Pinzani, que leciona na
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “A qualidade de vida destas
pessoas melhorou e elas não estão mais adoecendo. Esta afirmação é algo
constatada não só na minha pesquisa, que não é quantitativa, mas pelo IPEA
(Instituto de Pequisa Econômica e Aplicada), IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística), ONU (Organização das Nações Unidas), PNUD
(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), todos constatam a
mesma coisa”, afirma.

Concebida com a finalidade de averiguar se, como e em que medida a nova


renda e sua regularidade afetam a vida cotidiana das famílias e, em particular,
das mulheres, a pesquisa completa estará disponível no livro Vozes do Bolsa
Família, a ser lançado pela Editora Unesp no dia 11 de junho. “A remuneração
proporciona uma liberdade pessoal. Esta é uma das importantes funções do
beneficio ser em dinheiro. É diferente se fosse uma cesta básica, onde já é
determinado o que a pessoa irá fazer com o recurso e o que ela irá comer”,
explica a socióloga.

Na visão da professora, os ataques ao programa federal criado pelo governo


Lula são feitas por setores específicos da sociedade e com base em conceitos
preconceituosos. Ela não acredita em uso político do seu livro. “Este recente
episódio do boato que o programa iria acabar e que levou centenas de pessoas
aos bancos em poucas horas, mostra bem para os críticos o tamanho da
necessidade do Bolsa Família. Por isso, acho pouco provável que alguém
queira brincar com isso”, fala.

Sul21 – O Bolsa Família completa 10 anos em 2013, alcançando perto de


5,4 milhões de pessoas e é reconhecido internacionalmente como o maior
programa de combate à pobreza. Qual é o impacto real deste programa
no desenvolvimento do país, porque ao mesmo tempo, ele segue sendo alvo
de críticas?
Walquíria Leão Rego – Criticado por quem? Temos que nos perguntar a quem
interessa falar mal deste programa. O principal impacto é perceptível. Uma
parte significativa da população da chamada ‘extrema pobreza’ deixou de estar
nesta condição. Isto não é pouco. É algo muito importante. Estas pessoas
saíram da miséria absoluta, os índices de mortalidade infantil ficaram mais
baixos e isto tem impacto fundamental para um país que se diz minimamente
democrático. Conviver com a miséria como o Brasil conviveu por tantos
séculos, mesmo depois do fim do regime militar isto fez parte do país por
muitos anos, deveria ser um processo que mexe com todos os brasileiros. A
imprensa, a academia e a sociedade em geral deveriam ser tocadas com isso. O
impacto é muito grande para as pessoas que passaram a ter um rendimento
regular, apesar de pequeno. É um dinheiro que eles podem contar todos os
meses. Eles aprendem a conviver com esse recurso e buscam querer viver
melhor. Este programa é o começo de uma reparação por parte do estado
brasileiro.
Sul21 – Os usuários conseguem administrar a liberdade de ter uma fonte
fixa de renda, o que para muitos deve ser algo inédito?
Walquíria Leão Rego - Administram muito bem. Este argumento de que eles
não saberiam administrar é preconceito com os pobres. Quem está endividada
é a classe média e os ricos, não os pobres. Quando falo em pobres, me refiro
aos cadastrados no Bolsa Família, porque existem pobres que estão na
categoria de pobres e não estão vivendo na extrema pobreza. Eles administram
muito bem os recursos e em dez anos aprenderam a gerir as finanças como
qualquer outra pessoa aprende. A qualidade de vida destas pessoas melhorou e
elas não estão mais adoecendo. Esta afirmação é algo constatado não só na
minha pesquisa, que não é quantitativa, mas pelo IPEA (Instituto de Pequisa
Econômica e Aplicada), IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística),
ONU (Organização das Nações Unidas), PNUD (Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento), todos constatam a mesma coisa. Isto deveria estar
nas manchetes dos jornais do país. Demonstrar que este programa, mesmo
oferecendo um auxílio pequeno, está tornando as pessoas cidadãos de fato.
Este programa garante o direito mais elementar: a vida.

Sul21 – Dados oficiais revelam que 70% dos beneficiários adultos são
trabalhadores e os estudantes que participam do programa possuem
média de aprovação quase 5% maior que a média nacional. Além de ter
um índice menor de abandono dos estudos.
Walquiria Leão Rego – Isto acontece pela exigência do vínculo das crianças na
escola para receber o benefício, o que é muito interessante, porque mostra o
quanto estas crianças estavam abandonadas pelo estado. Porém, também é
necessário discutir a qualidade da escola brasileira. A escola pública no Brasil
precisa de muito investimento ainda. As crianças que eu estudei vivem em
cidades do interior, algumas em zona rural e em periferias de grandes cidades.
(Recife, Vale do Jequitinhonha, etc ). O benefício também implica o controle
da saúde das crianças, mas ainda faltam médicos no Brasil nos postos de saúde
destas regiões. O governo federal estuda trazer para o Brasil os médicos
cubanos, espanhóis e portugueses, porque os nossos não costumam ir para
estes lugares. Isto acontece pela falta de compromisso de certas pessoas com o
seu país. Os paulistas, por exemplo, querem fazer medicina na melhor
universidade, que é USP (Universidade de São Paulo) ou a Unicamp, para se
formar em uma universidade pública. Estudam no ensino público, fazem
intercâmbio no exterior com auxílio público e voltam para abrir um
consultório na Avenida Paulista e cobrar até R$ 1,5 mil por uma consulta. Isto
é o horizonte típico da classe média brasileira que faz medicina. O
compromisso com o povo eles não querem saber. Não adianta oferecer o
salário e o benefício que for para estas pessoas porque elas não vão para as
regiões de periferia e interior. As crianças que são beneficiadas com o Bolsa
Família são abandonadas como cidadãos. O estado tenta resolver e a classe
média vai para as ruas fazer protesto contra os médicos estrangeiros.

Sul21 – Recentemente foi divulgado que 1,6 milhão de famílias


beneficiadas pelo Bolsa Família deixaram espontaneamente o programa.
Isto contraria a tese de que elas se tornam dependentes do programa?
Walquíria Leão Rego – Isto sempre foi uma tese preconceituosa. Toda tese
preconceituosa é desmentida em pouco tempo. O preconceito é algo estreito.
Isto foi desmentido porque este dado revela que as pessoas querem melhorar
de vida e, em algumas regiões não há emprego. Aliás, não há nem o que vestir
ou que comer. Quem irá oferecer emprego para alguém que vive no sertão?
Existe uma ignorância de algumas pessoas sobre a realidade do seu próprio
país. Não sabem a geografia do seu país, que dirá a geografia econômica ou
informações sociológicas. Então, há muito preconceito e estereótipo por trás
destas teses.
Sul21 – A senhora desenvolveu a pesquisa por conta própria, sem apoio
financeiro da Unicamp ou do governo federal. Financiou as viagens do
próprio bolso, agendando as excursões em seus períodos de férias. Como
alcançou a publicação do livro?
Walquíria Leão Rego – Consegui a publicação por meio da editora Unesp
(Universidade Estadual Paulista), que é uma editora universitária. As outras
editoras não se interessaram pelo meu material. Percebi que teria que ser pela
editora universitária e creio que este é o papel mesmo. As editoras comerciais
só estão interessadas em lucro. As publicações são aquelas que irão vender.
Mas, mesmo contando com editora universitária não é fácil publicar estudos
como este no Brasil.
A remuneração proporciona uma liberdade pessoal para as pessoas. Esta é uma
das importantes funções do beneficio ser em dinheiro.

Sul21 – Na sua pesquisa, que resultou no livro Vozes do Bolsa Família,


foram ouvidas 150 mulheres cadastradas no programa. O que é possível
dizer desta experiência de dar autonomia para as mulheres na gestão dos
recursos do Bolsa Família?
Walquiria Leão Rego – Nós ouvimos muito mais pessoas, mas selecionamos
uma amostragem de 150 mulheres para poder fazer um recorte. O livro é um
experimento interpretativo, sociológico e com contribuição para o meio
intelectual. Não terá grande reflexo na sociedade que, sinceramente, sei que
não irá se interessar em ler meu livro. O que é uma pena, porque pode ser uma
oportunidade de a sociedade experimentar conhecimento sobre seu próprio
país. O estudo desfaz uma série de estereótipos de que os pobres só querem
depender do estado e não querem trabalhar. Quem ler este livro conseguirá
aprender alguma coisa. É a minha esperança. Agora, o conceito de autonomia
é muito complexo. Tem implicações morais e políticas. O que podemos dizer é
que, o fato destas mulheres tão destituídas em suas vidas e em estado de
extrema pobreza, passarem a ser titulares de cartões de recursos transferidos
pelo estado traz certa autonomia. A remuneração proporciona uma liberdade
pessoal para as pessoas. Esta é uma das importantes funções do beneficio ser
em dinheiro. É diferente se fosse uma cesta básica, onde já é determinado o
que a pessoa irá fazer com o recurso e o que ela irá comer. Fica imposto a
quantidade de comida e o tipo de alimento que ela irá comer. O dinheiro dá
liberdade de escolha, com isso elas aprendem a administrar os recursos. É um
exercício de cidadania muito maior do que as classes mais abastadas pensam
sobre a capacidade dos pobres.

Sul21 – Os homens ficaram ou tendem a ficar para trás neste processo de


desenvolvimento que foca nas mulheres, a curto, médio ou longo prazo?
Walquíria Leão Rego – Homens também são pobres, analfabetos ou com
mínima escolaridade. O desemprego é geral, não está relacionado com o
gênero em determinadas regiões do país. Por séculos o estado abandonou parte
do país. É preciso ter esta consciência. Agora, com o Bolsa Família, é que se
começou a fazer alguma coisa pelo abandono desta parte da população. O
estado decretou há muitos anos a morte civil destas pessoas. Elas não têm voz,
a sociedade não as escuta. As pessoas não querem pensar sobre isso ou mesmo
esquecem de pensar porque isso as incomoda muito e passa a crescer o
preconceito. Os brasileiros conviveram por várias gerações sabendo da
existência da pobreza e defendem que a culpa é dos próprios pobres que “não
querem trabalhar” ou “são vagabundos”. Se não tivesse existido um programa
como o Bolsa Família, pessoas seguiriam morrendo no Brasil, África e em
tantas outras nações onde ele foi criado.
No que se refere ao programa Bolsa Família, por exemplo, creio que seja
necessário aumentar o valor do benefício. É preciso ter mais oportunidade de
acesso ao ensino. A imprensa precisa ser melhor. É uma imprensa muito
controlada pelos seus patrões.

Sul21 – Como garantir o desenvolvimento do país após o desligamento do


Bolsa Família?
Walquíria Leão Rego – Tem que se avançar muito mais no país em termos de
desenvolvimento. No que se refere ao programa Bolsa Família, por exemplo,
creio que seja necessário aumentar o valor do benefício. É preciso ter mais
oportunidade de acesso ao ensino. A imprensa precisa ser melhor. É necessário
que aconteça um conjunto de políticas públicas, inclusive específicas para a
realidade destas regiões mais pobres. A educação é feita na escola, com a
alfabetização, mas outras formas de formação para estes cidadãos são
necessárias. Uma pessoa do sertão aprende a ler, mas segue vendo apenas
televisão. Isto não resolve muito. Nós temos que discutir o que é educar. Não é
só escola. É ter uma mídia democrática que produza conteúdos que elevem as
pessoas. A televisão hoje indignifica as pessoas. Estamos ainda iniciando um
novo processo de formação e transformação no Brasil. Eu citei apenas alguns
exemplos aqui, mas temos muito que avançar.
O que foi feito no último ano do governo Fernando Henrique Cardoso não
tinha a mesma dimensão distributiva e a amplitude do Bolsa Família criado no
governo Lula.

Sul21 – Por ser um dos poucos estudos acadêmicos sobre um dos


programas mais importantes para a gestão do PT, e do próprio PSDB,
que alega a paternidade do embrião do programa, a senhora imagina que
seu livro terá uso político?
Walquíria Leão Rego – Não temo. Este recente episódio do boato que o
programa iria acabar e que levou centenas de pessoas aos bancos em poucas
horas, mostra bem para os críticos o tamanho da necessidade do Bolsa Família.
Eu creio que essa reação das pessoas mostrou a importância que o programa
tem na vida delas. Isso mostra o significado dessa bolsa para a população. Por
isso, acho pouco provável que alguém queira brincar com isso. Além do que, o
programa de fato tomou a dimensão que tomou e se tornou o maior programa
do mundo não foi com o PSDB. O programa deles (PSDB) era outra coisa. O
que foi feito no último ano do governo Fernando Henrique Cardoso não tinha
a mesma dimensão distributiva e a amplitude do Bolsa Família criado no
governo Lula. A transformação social do país por meio deste programa
começou, sem dúvida, no governo Lula e agora tem continuidade com o
governo Dilma, isso não tem como negar. Se um jornalista quiser fazer
investigação sobre isso, é só perguntar para as pessoas nas ruas do Brasil. Isso
é um dado de realidade, não tem como mentir ou falsificar a história.

Sul21 – A senhora acredita que a imprensa tem interesse em dar voz aos
críticos deste programa de forma sistemática?
Walquíria Leão Rego – De fato, isto é algo recorrente. A desqualificação do
governo, das pessoas, do programa, e ao mesmo tempo a não-informação
sobre o êxito desta iniciativa. Isso é o que mais me assusta, como eles (a
mídia) se sentem no direito de não informar o país sobre o que está
acontecendo no país? Você não vê isso em outros lugares do mundo. É uma
imprensa muito controlada pelos seus patrões, talvez uma das mais controladas
do mundo.

Sul21 – A senhora vê com esperança o avanço da democratização da


mídia no país?
Walquíria Leão Rego - A própria imprensa hegemônica não quer discutir a
democratização, e colocou na cabeça de seus jornalistas — e de alguns
intelectuais que ela já produziu — que eles devem escrever que discutir e
regulamentar a imprensa é abdicar da liberdade de expressão. Então eles usam
essa questão para não discutir que quem não pratica essa liberdade de
expressão são eles. Eles recusam o debate e usurpam o direito democrático à
informação. As pessoas, de modo geral, não sabem o que está acontecendo.
Alguma vez a grande imprensa fez alguma matéria séria sobre o Bolsa
Família? Nunca. Pelo contrário, ela difama, mente e distorce. Isso não é
jornalismo.

'Bolsa Família deve ser direito constitucionalizado'


http://www.cartacapital.com.br/politica/bolsa-familia-deveria-ser-direito-
constitucionalizado-defende-sociologa-755.html

Em livro, socióloga conta como o programa ajuda a reabilitar autoestima das


mulheres beneficiadas
por Marsílea Gombata — publicado 27/06/2013 08:55, última
modificação 27/06/2013 17:54 

de Alagoas, em 2007
Uma das maiores vitrines dos governos Lula e Dilma Rousseff, o Bolsa
Família deveria ser um direito constitucionalizado e não apenas um programa
social. Quem defende a ideia é a socióloga Walquiria Domingues Leão Rego,
professora da Unicamp e autora do livro Vozes do Bolsa Família (Editora
Unesp), escrito em parceria com o professor de filosofia da UFSC Alessandro
Pinzani.
“O Bolsa Família não deveria ser um programa de governo, mas uma política
de Estado, assim como o salário mínimo”, explica Walquiria. O livro tem
como foco a experiência das mulheres titulares do benefício.

Além de ter sido responsável pela retirada de mais de 36 milhões de brasileiros


da pobreza extrema, o programa completa dez anos com o mérito de ter dado
às suas beneficiárias um pouco mais de dignidade e autoestima.

“Essa pesquisa mostra que existe um grande sofrimento e uma parcela de


cidadãos que sofre toda a sorte de humilhações. O Bolsa Família ajuda nesse
sentidoe", explica a autora em entrevista a CartaCapital. “Imagine que elas
não precisam mais pedir comida, por exemplo, e hoje podem comprá-la. Isso
faz uma diferença muito grande.”
A pesquisa, que dialoga com teorias da filosofia e da sociologia – como a
sociologia do dinheiro –, esbarra em consequências da miséria no âmbito
moral e psicológico de seus atores. Como, à página 50, em que os autores
concluem que “...uma situação de pobreza material aguda resulta em
sentimentos de humilhação, em falta de autoestima e de autorrespeito e, mais
em geral, num sentimento de alienação perante o seu mundo que pode até
levar a perturbações psicológicas de vários tipos (não foi incomum em nossa
pesquisa encontrarmos mulheres que apresentavam claros sintomas de
depressão).”

Cientes de que, “no caso brasileiro, nossa pobreza, de modo geral, tem cor: é
mulata, negra; e isso remete imediatamente à experiência da escravidão”, a
análise se faz sobre mulheres muito pobres, que não tinham uma experiência
importante decorrente de uma renda regular prevista antes de receber o
benefício. “O que discutimos no livro é que o Bolsa Família, ao ser recebido
em dinheiro, libera as mulheres”, afirma Walquiria. “O dinheiro tem essa
função liberatória.”

Mas por que a escolha do Bolsa Família dentre as dezenas de programas


sociais brasileiros? Segundo a autora, a eleição deu-se pelo grau de
“autonomização” trazido pelo benefício em dinheiro. “Diferentemente de uma
cesta básica, por exemplo, o dinheiro permite algumas escolhas que as
mulheres não conheciam. Como comprar arroz em vez de macarrão”,
exemplifica.

Autonomia política. Além do aspecto econômico, o Bolsa Família trouxe


ainda independência política. Algumas mulheres, observa a autora, antes
dependiam mais de coronéis para comer e sustentar suas famílias Hoje, diz,
elas se libertaram dos chefes locais.
O estudo faz cair por terra quaisquer teses de que o benefício faria uma
população dependente do Estado sem estimular sua autonomia ou mesmo a de
que não se deve dar dinheiro aos pobres, uma vez que não saberiam como
empregá-lo. “Isso é preconceito puro”, rechaça a pesquisadora.

As mulheres ouvidas comprovam o contrário: entre as 150 entrevistadas,


somente duas afirmaram ter deixado de trabalhar para viver da bolsa. Elas
gastam a verba prioritariamente com alimentos, em especial para as crianças.

Os autores ouviram, entre 2006 e 2011, mais de 150 mulheres cadastradas no


Bolsa Família, nas regiões empobrecidas onde a circulação de dinheiro é
escassa. São algumas delas: sertão e litoral de Alagoas, interior do Piauí e do
Maranhão, periferias de São Luís e do Recife, e o mineiro Vale do
Jequitinhonha, “onde as ruas e as casas são povoadas por cachorros famintos,
galinhas com pescoços menores que um polegar, pintinhos do tamanho de
beija-flores, gatos esqueléticos.”

A escolha da amostra se deu em torno de “beneficiárias que moram em áreas


rurais ou em pequenas cidades do interior, por entender que sua situação se
diferencia muito da dos pobres urbanos, objeto já de inúmeros estudos”,
explicam os autores no livro.

“Essas regiões isoladas, onde não há nada, não têm fábricas ou trabalho. Ali
precisaria de muito investimento público para, primeiramente, qualificar as
pessoas que são analfabetas, observa Walquiria.

Ela avalia, no entanto, que o objetivo final do programa, de retirar as pessoas


da extrema pobreza, foi alcançando. “É um primeiro passo importante e que
significou muito. Basta lembrarmos de como o recente boato sobre o fim do
Bolsa Família levou 1 milhão de pessoas a sacar dinheiro”, lembrou. “Isso
mostra o significado decisivo e a importância da bolsa na vida dessas pessoas.
Imagino o desespero em que ficaram com esse maldoso boato.”

Um balanço dos dez anos do Bolsa Família


25/05/2013

Por Assis Ribeiro - Da Carta Maior


http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/um-balanco-dos-dez-anos-do-bolsa-
familia
Instalado formalmente em outubro de 2003, a dez meses da chegada de Lula
da Silva à presidência, o programa Bolsa Família, vítima de boatos nos últimos
dias, beneficiou até agora um pouco mais de 50 milhões de pessoas e ajudou a
mudar a cara do país.

O Bolsa Família, de longe o mais amplo programa de transferência de renda da


história brasileira, completa dez anos. Instalado formalmente em outubro de
2003, a dez meses da chegada de Lula da Silva à presidência, beneficiou até
agora um pouco mais de 50 milhões de pessoas e ajudou a mudar a cara do
país. São dois os requisitos básicos para aceder ao benefício: ter uma renda
familiar inferior a 35 dólares por integrante da família e que as crianças
frequentem uma escola pelo menos até completar o ensino fundamental.

Se no primeiro ano o programa chegou a três milhões e 600 mil domicílios


brasileiros, faltando pouco para completar uma década alcança 13 milhões e
novecentos mil em todo o território do país. Considerando-se a média de
quatro integrantes por família, se chega a 52 milhões de pessoas, uma
população superior a da Argentina. Quase meio México.

O orçamento destinado ao Bolsa Família em 2013 é de doze mil e 500 milhões


de dólares, com um valor médio de 35 dólares por membro da família
beneficiada. É pouco, certamente. Mas, para os que se beneficiam, é
muitíssimo. É a salvação.

Atualmente 45% dos inscritos originalmente em 2003 continuam se


beneficiando do Bolsa Família. São 522 mil famílias que jamais deixaram de
receber a ajuda do governo. Não existem dados oficiais sobre os demais 55%
que inauguraram o programa, mas considera-se que a maior parte deles
alcançou outras fontes de renda que, somadas, superam o mínimo determinado
para que recebessem o subsídio.

Há registros que mostram que, em dez anos, um milhão e 700 mil famílias –
12% do total que receberam benefícios nesse tempo – desistiram
voluntariamente do benefício, por haver obtido ingressos superiores aos 35
dólares por cada um de seus integrantes, o piso mínimo permitido para que se
solicite o Bolsa Família.

Vale reiterar: o valor destinado a cada família pode parecer pouco. Na


verdade, é pouco. Mas para os que viveriam eternamente condenados a um
estado de pobreza aguda e absoluta se não fosse pelo programa, é a salvação.

As conclusões de todos os estudos dedicados a analisar os efeitos do Bolsa


Família são unânimes em assegurar que contribuiu de maneira decisiva para
reduzir as imensas brechas e desigualdades sociais que sempre foram uma das
chagas mais visíveis do país.
Quando foi implantado, o programa foi alvo de críticas furibundas da oposição
e dos grandes conglomerados de meios de comunicação, que o reduziam a um
mero assistencialismo sem maiores efeitos. Hoje admitem, a contragosto, o
papel essencial do Bolsa Família, o mais visível de todos os programas sociais
dos governos de Lula da Silva e agora de Dilma Rousseff, para aliviar as
agruras de famílias vulneráveis assegurando que, pelo menos seus filhos,
tenham acesso mínimo a serviços de educação e saúde.

Contrariando a tese que dizia que a transferência de renda através de


programas do Estado iria perpetuar a miséria (a crítica mais ouvida há dez
anos era a seguinte: se recebem dinheiro do governo, para que trabalhar?), o
resultado obtido até agora indica o contrário.

Para receber o benefício, as crianças têm que frequentar a escola, onde


recebem atenção da saúde pública. Deficiente, insuficiente, é verdade. Mas
melhor que nada. Passados dez anos, muitos dos filhos das famílias amparadas
pelo programa agora vivem por sua própria conta, escolarizados e com
chances concretas no mercado de trabalho.

As estadísticas indicam que 70% dos beneficiados com mais de dezesseis anos
de idade conseguiram trabalho, contribuindo para aumentar a renda familiar.

As famílias mais numerosas e que vivem em condições de miséria, recebem


benefícios superiores à média, que é de uns 300 dólares mensais. A proposta é
complementar à renda familiar até alcançar níveis mínimos. Os que têm filhos
em idade escolar têm que comprovar que as crianças vão à escola. Algumas
famílias chegam a receber 650 dólares por mês, dependendo do número de
filhos menores. Costuma acontecer, em áreas de miséria extrema, que um casal
tenha oito, nove, dez filhos. Em tais casos, a sobrevivência de todos depende
diretamente do que recebem do Bolsa Família.

Passados esses dez anos não há lugar para nenhuma dúvida: o perfil da
pobreza mudou radicalmente no país. Muitas casas de pobres foram ampliadas,
receberam telhados novos, passaram a ter pisos de cimento ou cerâmica. São
casas muito humildes, mas que contam com refrigerador, lava roupa,
televisores e, em muitos casos, com um computador com conexão à Internet
popular (a preços muito baixos, subsidiados).

E saltam à vista, então, algumas das incongruências típicas, talvez inevitáveis,


desta etapa de transição entre miséria e pobreza, ou entre diferentes perfis de
pobreza. Há casas de barro, sem esgoto e em condições sanitárias muito
precárias, ostentando antenas parabólicas de televisão. Outras contam com luz
elétrica muito precária, mas têm telefone celular. Funciona mal, é verdade.
Mas à vezes funciona.

Há casas com piso de terra, sem água potável nem torneiras, com o banheiro
fora como há meio século, mas com televisão. Em alguns estados brasileiros, o
analfabetismo é de tal maneira crônico, que impede até a instalação de
indústrias que gerariam emprego e esperança de futuro.
Sim, é verdade, a miséria e a humilhação persistem, mas agora persistem de
maneira menos contundente, menos permanente. Já não é como uma sentença
eterna, um destino de vida.
Por muito tempo cientistas políticos, sociólogos, antropólogos e um montão
mais de ólogos continuarão discutindo as bondades e as falhas de um
programa destinado a redistribuir renda, através do Estado, aos desamparados
de sempre. Continuar-se-ão debatendo os prós e os contras do assistencialismo
de Estado. E, enquanto isso, 52 milhões de brasileiros terão ludibriado um
futuro cruel e passando da humilhação e da miséria à pobreza digna.

Estudo avalia impacto do Programa Bolsa Família na redução da


mortalidade infantil

22 de maio de 2013
http://www.onu.org.br/estudo-avalia-impacto-do-programa-bolsa-familia-
na-reducao-da-mortalidade-infantil/

Estudo inédito avalia a relação entre o Programa Bolsa Família (PBF) e


a redução da mortalidade entre crianças brasileiras menores de cinco anos. A
pesquisa, que se concentrou no estudo do período de 2004 a 2009, teve como
objetivo avaliar o efeito do PBF sob as taxas de mortalidade em crianças
menores de cinco anos nos municípios brasileiros, centrando-se em causas
associadas à pobreza, como a desnutrição, diarreia e infecções respiratórias,
além de alguns dos potenciais mecanismos intermediários, tais como
vacinação, assistência pré-natal e internamentos hospitalares. Dados de quase
três mil municípios brasileiros e avançados métodos analíticos foram
utilizados.
De acordo com os resultados da pesquisa publicada na revista The Lancet, o
Bolsa Família reduziu de 17% a mortalidade geral entre crianças nos
municípios onde tinha alta cobertura, sendo que esta redução foi ainda maior
quando considerou-se a mortalidade especifica por algumas causas como
desnutrição (65%) e diarreia (53%).
O Programa Saúde da Família (PSF) contribuiu também na redução da
mortalidade em menores de cinco anos em efeito sinérgico com o PBF. A
explicação do efeito do PBF é que o aumento da renda possibilitada pela
transferência de benefícios permite o acesso a alimentos e outros bens
relacionados com a saúde. Esses fatores ajudam na redução da pobreza das
famílias, melhora as condições de vida, elimina as dificuldades no acesso à
saúde e consequentemente, contribui para diminuição das mortes entre
crianças.
A pesquisa foi conduzida por Davide Rasella, mestre em saúde
comunitária e doutor em saúde pública pela UFBA como parte do seu
programa de doutorado, e contou com a colaboração de diversos
pesquisadores, entre os quais Romulo Paes-Sousa, PhD em epidemiologia
ambiental pela Universidade de Londres, coordenador do Centro Rio+ para o
Desenvolvimento Sustentável, uma parceria entre o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o governo brasileiro, e pesquisador
associado do Institute of Development Studies, University of Sussex,
Brighton, UK.

Bolsa Família é sucesso mundial e dados calam pessimistas de


plantão

27/05/13
http://contrapontopig.blogspot.com.br/2013/05/contraponto-11316-
bolsa-familia-e.html

Segundo o jornal Le Monde “o programa Bolsa Família amplia,


sobretudo, o acesso à educação, a qual representa a melhor arma, no Brasil ou
em qualquer lugar do mundo, contra a pobreza”.

Elogiado por órgãos como a ONU, Banco Mundial e Fundo Monetário


Internacional, o Bolsa Família é um sucesso internacional. Foi adotado no
México, Venezuela, Bolívia, Peru, Equador, dentre outros países da América
Latina. Recomendado pela ONU, foi levado para a África do Sul, Gana e
Egito, no continente africano; e para a Turquia, Paquistão, Bangladesh e
Indonésia, na Ásia.
Segundo o jornal Le Monde “o programa Bolsa Família amplia,
sobretudo, o acesso à educação, a qual representa a melhor arma, no Brasil ou
em qualquer lugar do mundo, contra a pobreza”.

Mesmo assim, não é difícil encontrar os “especialistas em pessimismo”


que insistem em reproduzir o falso argumento de que o programa é uma “bolsa
esmola”. Nada mais distante da realidade. Dados oficiais revelam que 70% dos
beneficiários adultos são trabalhadores e os estudantes que participam do
programa possuem média de aprovação quase 5% maior que a média nacional,
que é de 75%, além de ter um índice menor de abandono dos estudos: 7,2%
entre os alunos do Bolsa Família, contra 10,8% da média nacional.
Vale ressaltar também que 1,6 milhão de famílias beneficiadas pelo
Bolsa Família deixaram espontaneamente o programa. É o caso de Leila
Cardoso que abriu mão do Bolsa Família e está na faculdade e Jucelaine Lopes
que fez curso técnico e hoje é soldadora na P55, da Petrobras. Os exemplos
estão em vídeo produzido pelo ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome.
“Esses dados evidenciam que o Bolsa Família transformou-se em uma
política pública, não mais de governo, mas de Estado. É um programa
vitorioso que ninguém tira mais. Trata-se de uma renda complementar que faz
com que nossas crianças tenham acompanhamento em saúde, frequentem a
escola e tenham oportunidade de acesso aos institutos federais, ao Pronatec e
até mesmo às universidades”, afirmou o líder do PT na Câmara, deputado José
Guimarães (CE).
A avaliação do líder petista é reforçada pelo fato de 36 milhões de
pessoas terem superado a pobreza e 40 milhões ascenderem para classes
sociais mais elevadas. A taxa de analfabetismo e frequência na escola caiu
drasticamente, bem como a mortalidade infantil. Um estudo recém-publicado
pela revista The Lancet, no Reino Unido, diz que o programa ajudou a reduzir
em 17% a taxa de mortalidade entre crianças menores de cinco anos.
“O Bolsa Família tirou 36 milhões de brasileiros da extrema pobreza e
está salvando a vida de nossas crianças. Os critérios de condicionalidade
garantem que o programa não seja simplesmente assistencialista, mas que dê
suporte à execução de todos as outras metas da assistência social no Brasil”,
reforçou a deputada Margarida Salomão (PT-MG).
Entre as condições impostas pelo governo às famílias para inclusão no
Bolsa Família estão: o comparecimento às consultas de pré-natal para as
gestantes; manter em dia o cartão de vacinação das crianças de 0 a 6 anos e
garantir frequência mínima de 85% na escola, para crianças e adolescentes de
6 a 15 anos.

Bolsa Família. Ajudando o Brasil que você não conhece…


24/05/2013 - Por Samy Dana

http://carodinheiro.blogfolha.uol.com.br/2013/05/24/bolsa-familia-ajudando-o-
brasil-que-voce-nao-conhece/

Há mais bilionários no Brasil do que na França e Espanha juntas, alerta uma


pesquisa feita pela revista Forbes. Há quem veja esse tipo de notícia como uma
coisa boa…
E seria! Não fosse o fato de que o Brasil possui também mais miseráveis do
que a Europa inteira. Com esse fato vemos que uma economia que cresce
vigorosamente desde os anos 90, sofre de um problema muito maior: o de
desigualdade social e distribuição de renda.

Como diria o falecido presidente americano John Kennedy “Se uma sociedade
livre não pode ajudar os muitos que são pobres, não pode salvar os poucos que
são ricos”. E nesse sentido temos que assumir: o bolsa família apresenta um
lado brilhante.

Antes que se queira dar um tom político ao assunto queremos dizer que ela é
apartidária. Até porque o Programa Bolsa Família criado no governo Lula,
nada mais é do que a junção do “Bolsa Escola”, “Auxílio Gás” e “Cartão
Alimentação”;  criados no governo FHC, unificados e renomeados como Bolsa
Família.

Mas para que possamos emitir qualquer opinião, temos que conhecer o
programa em seus detalhes[1].

A quem se destina

 As famílias com renda de até R$ 70,00 por pessoa, por mês;


 As famílias com renda entre R$ 70,01 a R$ 140,00 por pessoa, por
mês, e que tenham crianças e adolescentes com idade entre zero e 15 anos ou
gestantes;

Tipos de Benefício

 Básico: Concedido às famílias em situação de extrema pobreza. O


valor desse benefício é de R$ 70,00 mensais, independentemente da
composição e do número de membros do grupo familiar.
 Variável: Destinado a famílias que se encontrem em situação de
pobreza ou extrema pobreza e que tenham em sua composição gestantes,
nutrizes, crianças e adolescentes até 15 anos. O valor mínimo é de R$ 32,00 e
cada família pode acumular até cinco benefícios, ou seja, R$ 160,00.

Condições

 Comparecimento às consultas de pré-natal para os gestantes


 Manter em dia o cartão de vacinação das crianças de 0 a 6 anos.
 Garantir frequência mínima de 85% na escola, para crianças e
adolescentes de 6 a 15 anos.
Com todas essas informações, superficial é dizer que a função do Bolsa
Família é ser um programa assistencialista que acomoda certa parte da
população. Pelo contrário, nas palavras do próprio jornal Le Monde “O
programa Bolsa Família amplia, sobretudo, o acesso à educação, a qual
representa a melhor arma, no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, contra a
pobreza”.

Para se ter uma idéia em 10 anos de Programa temos alguns números: O índice
da população vivendo em situação de pobreza extrema caiu de 12% (2003)
para 4,8% (2008). 27,9 milhões de pessoas superaram a pobreza e 35,7
milhões ascenderam para classes sociais mais elevadas. A taxa de
analfabetismo e frequência na escola caiu drasticamente, bem como a
mortalidade infantil.

Portanto muito mais do que uma simples quantia em dinheiro, é uma maneira
barata do governo de levar educação e saúde básica a grande parte da
população de baixa renda.

Sobre a falácia de que esse benefício acomoda as pessoas aqui vai um dado:
1,69 milhões de famílias beneficiadas pelo programa foram até às prefeituras
de suas respectivas cidades para abrir mão do mesmo pois não estavam mais
precisando do benefício.

Não é a toa que o Bolsa Família foi elogiado por órgãos como Banco Mundial,
ONU e FMI. Mais do que isso ele tem sido copiado ao redor do mundo por
diversos países, entre eles os Estados Unidos e tem disso destacado como um
exemplo de programa de distribuição de renda, combate a fome e acesso a
educação e saúde básica.

É redundante dizer que o programa não é a solução dos problemas do Brasil,


todos sabemos que temos que investir em educação e saúde além de
infraestrutura. Mas negar um programa como esses seria o mesmo que indicar
a alguém com uma febre de 40 graus apenas uma alimentação balanceada.

A nossa desigualdade é a doença e o remédio para abaixar essa febre são os


programas de distribuição de renda.

Le Monde elogia Bolsa Família

05 de julho de 2013
http://www.fetecsp.org.br/index.php?
option=com_content&task=view&id=39500&Itemid=181

Reportagem do Le Monde, enche de elogios a “mais bem-sucedida das


iniciativas sociais do governo Lula: o programa ‘Bolsa Família’”. De acordo
com o diário francês, “o Bolsa Família acabou juntando diversos mecanismos
de ajuda. Ele é atualmente o maior programa em todo o mundo, de
transferência de dinheiro em proveito de famílias pobres”.

Na opinião do Le Monde, “as quantias que são remetidas para cada família
(até R$ 182) podem parecer, à primeira vista, modestas, e até mesmo irrisórias.
Mas elas já contribuem efetivamente para combater a pobreza e reduzir as
desigualdades, de modo mais eficiente do que os aumentos periódicos do
salário mínimo”.
Ainda segundo o jornal, o Bolsa Família melhora “de imediato a vida
cotidiana de milhões de brasileiros” - e “sem dúvida” vai melhorar “mais
tarde, no longo prazo (...), o destino dos mais novos, proporcionando-lhes um
nível de educação mais elevado que ampliará seu horizonte profissional'.

O texto elogia o governo Lula por ter reparado defeitos do programa: “Citado
como exemplo no Exterior, o Bolsa Família peca por conta de alguns defeitos.
Destes, o mais grave foi corrigido no mês de março, quando o governo
redefiniu de 15 para 17 anos a idade dos adolescentes beneficiados”.

Sobre as críticas ao Bolsa Família, o jornal trata de refutar uma por uma. O
programa, diz o Le Monde, não é “paternalista”, nem mantém “seus
beneficiários alienados por uma mentalidade de assistido, vinculada à sua
dependência crônica em relação ao Estado”, tampouco provoca “um ‘efeito de
preguiça’, incitando-os a se contentarem com o mínimo e dissuadindo-os de
tentarem melhorar sua situação”.

Entre outros benefícios oferecidos pelo programa, o Le Monde destaca: 1) “O


cartão de débito fornecido pela Caixa constitui um precioso documento que
permite, por exemplo, obter um microcrédito”; e 2) “O programa Bolsa
Família amplia, sobretudo, o acesso à educação, a qual representa a melhor
arma, no Brasil ou em qualquer lugar do planeta, contra a pobreza”.

Bolsa Família deve ser política de estado, defende socióloga

28/06/2013
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/bolsa-familia-deve-ser-politica-de-
estado-defende-sociologa

'Bolsa Família deve ser direito constitucionalizado'

Em livro, socioóloga conta como o programa ajuda a reabilitar autoestima das


mulheres beneficiadas

por Marsílea Gombata

Uma das maiores vitrines dos governos Lula e Dilma Rousseff, o Bolsa
Família deveria ser um direito constitucionalizado e não apenas um programa
social. Quem defende a ideia é a socióloga Walquiria Domingues Leão Rego,
professora da Unicamp e autora do livro Vozes do Bolsa Família (Editora
Unesp), escrito em parceria com o professor de filosofia da UFSC Alessandro
Pinzani.

“O Bolsa Família não deveria ser um programa de governo, mas uma política
de Estado, assim como o salário mínimo”, explica Walquiria. O livro tem
como foco a experiência das mulheres titulares do benefício.

Além de ter sido responsável pela retirada de mais de 36 milhões de brasileiros


da pobreza extrema, o programa completa dez anos com o mérito de ter dado
às suas beneficiárias um pouco mais de dignidade e autoestima.

“Essa pesquisa mostra que existe um grande sofrimento e uma parcela de


cidadãos que sofre toda a sorte de humilhações. O Bolsa Família ajuda nesse
sentidoe", explica a autora em entrevista a CartaCapital. “Imagine que elas não
precisam mais pedir comida, por exemplo, e hoje podem comprá-la. Isso faz
uma diferença muito grande.”

A pesquisa, que dialoga com teorias da filosofia e da sociologia – como a


sociologia do dinheiro –, esbarra em consequências da miséria no âmbito
moral e psicológico de seus atores. Como, à página 50, em que os autores
concluem que “...uma situação de pobreza material aguda resulta em
sentimentos de humilhação, em falta de autoestima e de autorrespeito e, mais
em geral, num sentimento de alienação perante o seu mundo que pode até
levar a perturbações psicológicas de vários tipos (não foi incomum em nossa
pesquisa encontrarmos mulheres que apresentavam claros sintomas de
depressão).”
Cientes de que, “no caso brasileiro, nossa pobreza, de modo geral, tem cor: é
mulata, negra; e isso remete imediatamente à experiência da escravidão”, a
análise se faz sobre mulheres muito pobres, que não tinham uma experiência
importante decorrente de uma renda regular prevista antes de receber o
benefício. “O que discutimos no livro é que o Bolsa Família, ao ser recebido
em dinheiro, libera as mulheres”, afirma Walquiria. “O dinheiro tem essa
função liberatória.”

Mas por que a escolha do Bolsa Família dentre as dezenas de programas


sociais brasileiros? Segundo a autora, a eleição deu-se pelo grau de
“autonomização” trazido pelo benefício em dinheiro. “Diferentemente de uma
cesta básica, por exemplo, o dinheiro permite algumas escolhas que as
mulheres não conheciam. Como comprar arroz em vez de macarrão”,
exemplifica.

Autonomia política. Além do aspecto econômico, o Bolsa Família trouxe ainda


independência política. Algumas mulheres, observa a autora, antes dependiam
mais de coronéis para comer e sustentar suas famílias Hoje, diz, elas se
libertaram dos chefes locais.

O estudo faz cair por terra quaisquer teses de que o benefício faria uma
população dependente do Estado sem estimular sua autonomia ou mesmo a de
que não se deve dar dinheiro aos pobres, uma vez que não saberiam como
empregá-lo. “Isso é preconceito puro”, rechaça a pesquisadora.

As mulheres ouvidas comprovam o contrário: entre as 150 entrevistadas,


somente duas afirmaram ter deixado de trabalhar para viver da bolsa. Elas
gastam a verba prioritariamente com alimentos, em especial para as crianças.

Os autores ouviram, entre 2006 e 2011, mais de 150 mulheres cadastradas no


Bolsa Família, nas regiões empobrecidas onde a circulação de dinheiro é
escassa. São algumas delas: sertão e litoral de Alagoas, interior do Piauí e do
Maranhão, periferias de São Luís e do Recife, e o mineiro Vale do
Jequitinhonha, “onde as ruas e as casas são povoadas por cachorros famintos,
galinhas com pescoços menores que um polegar, pintinhos do tamanho de
beija-flores, gatos esqueléticos.”

A escolha da amostra se deu em torno de “beneficiárias que moram em áreas


rurais ou em pequenas cidades do interior, por entender que sua situação se
diferencia muito da dos pobres urbanos, objeto já de inúmeros estudos”,
explicam os autores no livro.
“Essas regiões isoladas, onde não há nada, não têm fábricas ou trabalho. Ali
precisaria de muito investimento público para, primeiramente, qualificar as
pessoas que são analfabetas, observa Walquiria.

Ela avalia, no entanto, que o objetivo final do programa, de retirar as pessoas


da extrema pobreza, foi alcançando. “É um primeiro passo importante e que
significou muito. Basta lembrarmos de como o recente boato sobre o fim do
Bolsa Família levou 1 milhão de pessoas a sacar dinheiro”, lembrou. “Isso
mostra o significado decisivo e a importância da bolsa na vida dessas pessoas.
Imagino o desespero em que ficaram com esse maldoso boato.”

Bolsa Família enfraquece o coronelismo e rompe cultura da resignação,


diz socióloga

12/06/2013

http://www.unicamp.br/unicamp/clipping/2013/06/12/bolsa-familia-
enfraquece-o-coronelismo-e-rompe-cultura-da-resignacao-diz

Dez anos após sua implantação, o Bolsa Família mudou a vida nos rincões
mais pobres do país: o tradicional coronelismo perde força e a arraigada
cultura da resignação está sendo abalada.
A conclusão é da socióloga Walquiria Leão Rego, 67, que escreveu, com o
filósofo italiano Alessandro Pinzani, "Vozes do Bolsa Família" (Editora
Unesp, 248 págs., R$ 36). O livro será lançado hoje, às 19h, na Livraria da
Vila do shopping Pátio Higienópolis. No local, haverá um debate mediado por
Jézio Gutierre com a participação do cientista político André Singer e da
socióloga Amélia Cohn.
Durante cinco anos, entre 2006 e 2011, a dupla realizou entrevistas com os
beneficiários do Bolsa Família e percorreu lugares como o Vale do
Jequitinhonha (MG), o sertão alagoano, o interior do Maranhão, Piauí e
Recife. Queriam investigar o "poder liberatório do dinheiro" provocado pelo
programa.

Aproveitando férias e folgas, eles pagaram do próprio bolso os custos das


viagens. Sem se preocupar com estatística, a pesquisa foi qualitativa e baseada
em entrevistas abertas.
Professora de teoria da cidadania na Unicamp, Rego defende que o Bolsa
Família "é o início de uma democratização real" do país. Nesta entrevista, ela
fala dos boatos que sacudiram o programa recentemente e dos preconceitos
que cercam a iniciativa: "Nossa elite é muito cruel", afirma.
Folha - Como explicar o pânico recente no Bolsa Família? Qual o impacto
do programa nas regiões onde a sra. pesquisou?
Walquiria Leão Rego - Enorme. Basta ver que um boato fez correr um milhão
de pessoas. Isso se espalha pelos radialistas de interior. Elas [as pessoas] são
muito frágeis. Certamente entraram em absoluto desespero. Poderia ter gerado
coisas até mais violentas. Foi de uma crueldade desmesurada. Foi espalhado o
pânico entre pessoas que não têm defesa. Uma coisa foi a medida
administrativa da CEF (Caixa Econômica Federal). Outra coisa é o que a
policia tem que descobrir: onde começou o boato. Fiquei estupefata. Quem fez
isso não tem nem compaixão. Nossa elite é muito cruel. Não estou dizendo
que foi a elite, porque seria uma leviandade.

Como assim?
Tem uma crueldade no modo como as pessoas falam dos pobres. Daí
aparecem os adolescentes que esfaqueiam mendigos e queimam índios. Há
uma crueldade social, uma sociedade com desigualdades tão profundas e tão
antigas. Não se olha o outro como um concidadão, mas como se fosse uma
espécie de sub-humanidade. Certamente essa crueldade vem da escravidão.
Nenhum país tem mais de três séculos de escravidão impunemente.

Qual o impacto do Bolsa Família nas relações familiares?


Ocorreram transformações nelas mesmas. De repente se ganha uma certa
dignidade na vida, algo que nunca se teve, que é a regularidade de uma renda.
Se ganha uma segurança maior e respeitabilidade. Houve também um impacto
econômico e comercial muito grande. Elas são boas pagadoras e aprenderam a
gerir o dinheiro após dez anos de experiência. Não acho que resolveu o
problema. Mas é o início de uma democratização real, da democratização da
democracia brasileira. É inaceitável uma pessoa se considerar um democrata e
achar que não tenha nada a ver com um concidadão que esteja ali caído na rua.
Essa é uma questão pública da maior importância.

O Bolsa Família deveria entrar na Constituição?


A constitucionalização do Bolsa Família precisava ser feita urgentemente. E a
renda tem que ser maior. Esse é um programa barato, 0,5% do PIB. Acho,
também, que as pessoas têm direito à renda básica. Tem que ser uma política
de Estado, que nenhum governo possa dizer que não tem mais recurso. Mas
qualquer política distributiva mexe com interesses poderosos.

A sra. poderia explicar melhor?


Isso é histórico. A elite brasileira acha que o Estado é para ela, que não pode
ter esse negócio de dar dinheiro para pobre. Além de o Bolsa Família entrar na
Constituição, é preciso ter outras políticas complementares, políticas culturais
específicas. É preciso ter uma escola pensada para aquela população. É preciso
ter outra televisão, pois essa é a pior possível, não ajuda a desfazer
preconceitos. É preciso organizar um conjunto de políticas articuladas para
formar cidadãos.

A sra. quer dizer que a ascensão é só de consumidores?


As pessoas quando saem desse nível de pobreza não se transformam só em
consumidores. A gente se engana. Uma pesquisadora sobre o programa Luz
para Todos, no Vale do Jequitinhonha, perguntou para um senhor o que mais o
tinha impactado com a chegada da luz. A pesquisadora, com seu preconceito
de classe média, já estava pronta para escrever: fui comprar uma televisão.
Mas o senhor disse: 'A coisa que mais me impactou foi ver pela primeira vez o
rosto dos meus filhos dormindo; eu nunca tinha visto'. Essa delicadeza... a
gente se surpreende muito.

O que a surpreendeu na sua pesquisa?


Quando vi a alegria que sentiam de poder partilhar uma comida que era deles,
que não tinha sido pedida. Não tinham passado pela humilhação de pedi-la;
foram lá e compraram. Crianças que comeram macarrão com salsicha pela
primeira vez. É muito preconceituoso dizer que só querem consumir. A
distância entre nós é tão grande que a gente não pode imaginar. A carência lá é
tão absurda. Aprendi que pode ser uma grande experiência tomar água gelada.

Li que a sra. teria apurado que o Bolsa Família, ao tornar as mulheres


mais independentes, estava provocando separações, uma revolução
feminina. Mas não encontrei isso no livro. O que é fato?
É só conhecer um pouco o país para saber que não poderia haver entre essas
mulheres uma revolução feminista. É difícil para elas mudar as relações
conjugais. Elas são mais autônomas com a Bolsa? São. Elas nunca tiveram
dinheiro e passaram a ter, são titulares do cartão, têm a senha. Elas têm uma
moralidade muito forte: compram primeiro a comida para as crianças. Depois,
se sobrar, compram colchão, televisão. É ainda muito difícil falar da vida
pessoal. Uma ou outra me disse que tinha vontade de se separar. Há o
problema de alcoolismo. Esses processos no Brasil são muito longos. Em São
Paulo é comum a separação; no sertão é incomum. A família em muitos
lugares é ampliada, com sogra, mãe, cunhado vivendo muito próximos. Essa
realidade não se desfaz.

Mas há indícios de mudança?


Indícios, sim. Certamente elas estão falando mais nesse assunto. Em 2006, não
queriam falar de sentimentos privados. Em 2011, num povoado no sertão de
Alagoas, me disseram que tinha havido cinco casos de separação. Perguntei as
razões. Uma me disse: 'Aquela se apaixonou pelo marido da vizinha'.
Perguntei para outra. Ela disse: 'Pensando bem, acho que a bolsa nos dá mais
coragem'. Disso daí deduzir que há um movimento feminista, meu deus do
céu, é quase cruel. Não sei se dá para fazer essa relação tão automática do
Bolsa com a transformação delas em mulheres mais independentes.
Certamente são mais independentes, como qualquer pessoa que não tinha nada
e passa a ter uma renda. Um homem também. Mas há censuras internas, tem a
religião. As coisas são muito mais espessas do que a gente imagina.

O machismo é muito forte?


Sim. E também dentro delas. Se o machismo é muito percebido em São Paulo,
imagina quando no chamado Brasil profundo. Lá, os padrões familiares são
muito rígidos. É comum se ouvir que a mulher saiu da escola porque o pai
disse que ela não precisava aprender. Elas se casam muito cedo. Agora, como
prevê a sociologia do dinheiro, elas estão muito contentes pela regularidade,
pela estabilidade, pelo fato de poderem planejar minimamente a vida. Mas eu
não avançaria numa hipótese de revolução sexual.

O Bolsa Família mexeu com o coronelismo?


Sim, enfraqueceu o coronelismo. O dinheiro vem no nome dela, com uma
senha dela e é ela que vai ao banco; não tem que pedir para ninguém. É muito
diferente se o governo entregasse o dinheiro ao prefeito. Num programa que
envolve 54 milhões de pessoas, alguma coisa de vez em quando [acontece].
Mas a fraude é quase zero. O cadastro único é muito bem feito. Foi uma ação
de Estado que enfraqueceu o coronelismo. Elas aprenderam a usar o 0800 e
vão para o telefone público ligar para reclamar. Essa ideia de que é uma massa
passiva de imbecis que não reagem é preconceito puro.

E a questão eleitoral?
O coronel perdeu peso porque ela adquiriu uma liberdade que não tinha. Não
precisa ir ao prefeito. Pode pedir uma rua melhor, mas não comida, que era por
ai que o coronelismo funcionava. Há resíduos culturais. Ela pode votar no
prefeito da família tal, mas para presidente da República, não.

Esses votos são do Lula?


São. Até 2011, quando terminei a pesquisa, eram. Quando me perguntam por
que Lula tem essa força, respondo: nunca paramos para estudar o peso da fala
testemunhal. Todos sabem que ele passou fome, que é um homem do povo e
que sabe o que é pobreza. A figura dele é muito forte. O lado ruim é que seja
muito personalizado. Mas, também, existe uma identidade partidária, uma
capilaridade do PT.
Há um argumento que diz que o Bolsa Família é como uma droga que torna o
lulismo imbatível nas urnas.

O que a sra. acha?


Isso é preconceito. A elite brasileira ignora o seu país e vai ficando dura,
insensível. Sente aquele povo como sendo uma sub-humanidade. Imaginam
que essas pessoas são idiotas. Por R$ 5 por mês eles compram uma parabólica
usada. Cheguei uma vez numa casa e eles estavam vendo TV Senado.
Perguntei o motivo. A resposta: 'A gente gosta porque tem alguma coisa para
aprender'.

No livro a sra. cita muitos casos de mulheres que fizeram laqueadura.


Como é isso?
O SUS (Sistema Único de Saúde) está fazendo a pedido delas. É o sonho
maior. Aliás, outro preconceito é dizer que elas vão se encher de filhos para
aumentar o Bolsa Família. É supor que sejam imbecis. O grande sonho é tomar
a pílula ou fazer laqueadura.
A sra. afirma que é preconceito dizer que as pessoas vão para o Bolsa
Família para não trabalhar. Por quê?
Nessas regiões não há emprego. Eles são chamados ocasionalmente para, por
exemplo, colher feijão. É um trabalho sem nenhum direito e ganham menos
que no Bolsa Família. Não há fábricas; só se vê terra cercada, com muitos
eucaliptos. Os homens do Vale do Jequitinhonha vêm trabalhar aqui por
salários aviltantes. Um fazendeiro disse para o meu marido que não conseguia
mais homens para trabalhar por causa do Bolsa Família. Mas ele pagava R$ 20
por semana! O cara quer escravo. Paga uma miséria por um trabalho duro de
12, 16 horas, não assina carteira, é autoritário, e acha que as pessoas têm que
se submeter a isso. E dizem que receber dinheiro do Estado é uma vergonha.

Há vontade de deixar o Bolsa Família?


Elas gostariam de ter emprego, salário, carteira assinada, férias, direitos. Há
também uma pressão social. Ouvem dizer que estão acomodadas. Uma
pesquisa feita em Itaboraí, no Rio de Janeiro, diz que lá elas têm vergonha de
ter o cartão. São vistas como pobres coitadas que dependem do governo para
viver, que são incapazes, vagabundas. Como em "Ralé", de Máximo Gorki, os
pobres repetem a ideologia da elite. A miséria é muito dura.

A sra. escreve que o Bolsa Família é o inicio da superação da cultura de


resignação? Será?
A cultura da resignação foi muito estudada e é tema da literatura: Graciliano
Ramos, João Cabral de Melo Neto, José Lins do Rego. Ela tem componente
religioso: 'Deus quis assim'. E mescla elementos culturais: a espera da chuva,
as promessas. Essa cultura da resignação foi rompida pelo Bolsa Família: a
vida pode ser diferente, não é uma repetição. É a hipótese que eu levanto.
Aparece uma coisa nova: é possível e é bom ter uma renda regular. É possível
ter outra vida, não preciso ver meus filhos morrerem de fome, como minha
mãe e minha vó viam. Esse sentimento de que o Brasil está vivendo uma coisa
nova é muito real. Hoje se encontram negras médicas, dentistas, por causa do
ProUni (Universidade para Todos). Depois de dez anos, o Bolsa Família tem
mostrado que é possível melhorar de vida, aprender coisas novas. Não tem
mais o 'Fabiano' [personagem de "Vidas Secas"], a vida não é tão seca mais.

Folha de São Paulo

ISSN 0104-8015 | ISSN 1517-5901 (online)


POLÍTICA & TRABALHO
Revista de Ciências Sociais, 38, Abril de 2013, pp. 21-42

LIBERDADE, DINHEIRO E AUTONOMIA


O caso da Bolsa Família

FREEDOM, MONEY AND AUTONOMY


The case of Bolsa Família

Walquiria Domingues Leão


Rego Universidade Estadual
de Campinas Alessandro
Pinzani
Universidade Federal de Santa
Catarina

Resu
mo
O presente artigo é parte de uma pesquisa mais ampla que teve como um
dos seus principais objetivos avaliar as possíveis mudanças morais e
políticas ocorridas nas mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família. A
pesquisa se realizou durante cinco anos desde 2006 a 2011. Para fazê-la
recorremos às entrevistas abertas a fim de ouvi-las mais demoradamente e,
preferencialmente, mais de uma vez. Tínhamos um roteiro de questões que
encaminhavam a entrevista para o sentido geral da pesquisa. Tentamos
captar mudanças em suas vidas nos sentidos mencionados acima.
Escolhemos certos espaços geográficos do país, aqueles tradicionalmente
mais abandonados pelo Estado Nacional, portanto carentes de serviços
púbicos como: escolas, hospitais, estradas, centros de reunião. Desta forma,
a escolha se deu por certas regiões do sertão de Alagoas, e certas partes de
seu litoral. Estivemos em varias cidades do Vale do Jequitinhonha, interior
do Piauí, e do Maranhão, bem como certos bairros periféricos de São
Luís e Recife. As vozes e os sentimentos destas mulheres devem ser
ouvidos atentamente. Esse modo de captar seus sentimentos e opiniões não
é tangível em pesquisas quantitativas. Razão maior da escolha da entrevista
aberta para apreendermos melhor alguns elementos das subjetividades das
entrevistadas e, assim, tentar avaliar a magnitude das mudanças ocorridas
em suas vidas.
Palavras-chave: Bolsa Família, processos de
autonomização, cidadania, democracia

Abstr
act
This text is part of a broader research project that is scoped to the seizure
of certain senses of moral and political changes in poor women resulting of
the receiving from family grant. The research carried out for 5 years from
2006 to 2011 took place through interviews with some women and
followed some script issues. At this hearing, which as is well known has
some dynamism characteristic of human speech. We tried to collect
changes in their lives in the sense mentioned above. We chose of search
some spaces. It meant basically hear people who live in some of the worst
situations of poverty and more inhabit the regions traditionally
underserved of minimum public services,
REGO, W.D.L.; PINZANI, 22
A.

already lacking schools, roads, hospitals, cultural centers, meeting spaces.


The regions were: parts of the hinterland of Alagoas and the Coastal Zone
of the state, Vale do Jequitinhonha (MG), some localities of the inner of
Piauí and Maranhão and still some peripheries of the São Luis (MA) and
Recife (PE). We use the technique of open interviews. Similar technique
requires that listen carefully to the voices of women and to the extent
possible feel their opinions and feelings about the magnitude of the
changes of its lives. Their voices must be heard, preferably more than once,
as well as their feelings and opinions. This dimension is not tangible to other
forms of research. Keywords: Bolsa Família, processes of autonomization,
citizenship, democracy

O presente artigo é parte de uma pesquisa mais ampla que tem


como escopo a apreensão de certos sentidos de mudanças morais e
políticas nas mulheres pobres, resultantes do recebimento da bolsa
Família. A investigação, efetuada durante cinco anos, de
2006 a 2011, se realizou através de entrevistas abertas com algumas
mulheres e seguiu certo roteiro de questões. Nesta escuta, que como se sabe
está em relação com certo dinamismo próprio da fala humana, tentou-se
captar alterações ocorridas em suas vidas no sentido já mencionado acima.
Outro critério eleito diz respeito à escolha dos espaços de pesquisa. No
caso, significou, fundamentalmente, ouvir as pessoas que vivem em
algumas das situações de vida mais desfavoráveis e mais precárias. Neste
sentido, a pesquisa se inspirou muito livremente e, claro, de modo
analógico, no “princípio da diferença” de John Rawls, presente em seu
livro Teoria da Justiça. Ou seja, tratava-se de ouvir pessoas que, de certa
forma, estão nas piores situações sociais, porque vivem em pobreza
extrema e habitam as regiões mais tradicionalmente desassistidas pelo
Estado Nacional em todos os sentidos. Ou seja, são moradores
destituídos, muitas vezes, dos serviços públicos mínimos. Faltam escolas,
REGO, W.D.L.; PINZANI, 23
estradas,
A. hospitais, centros de cultura, espaços de encontro, facilitando com
isso seu atomismo social e sua desagregação política; são, portanto,
pessoas excluídas de ambiente estimulante ao desenvolvimento humano.
As regiões selecionadas foram: partes do alto sertão de Alagoas, bem
como a Zona Litorânea deste estado, Vale do Jequitinhonha (MG),
algumas localidades do interior do Piauí e interior do Maranhão, bairros
muito pobres da periferia de São Luis (MA).
As entrevistas, tal como apontamos acima, eram abertas. Semelhante
técnica investigativa requer que se ouçam atentamente as vozes das
mulheres e, dentro do possível, sintam-se suas opiniões e sentimentos a
respeito da magnitude das mudanças que a percepção da renda monetária
provinda do recebimento da Bolsa Família traz para suas vidas. Suas
vozes devem ser ouvidas de preferência mais de uma vez, para que se
possa capturar uma dimensão não tangível às outras modalidades de
pesquisa sobre o tema. Neste sentido, seu horizonte é amplo, pois
pretende avaliar o impacto da bolsa sobre a subjetividade das pessoas,
para tentar apreender os graus de autonomização alcançados e aqueles
potencializados pela percepção de renda monetária, por menor que esta seja
– como é o caso do BF.
REGO, W.D.L.; PINZANI, 24
A.
É sempre importante lembrar que se trata, como foi apontado, de
pessoas muito pobres; mas não é apenas esta faceta que se expõe, desde
logo, quando se adentra o universo dos pobres. Importa registrar sempre,
para compreender a sua subjetividade, que se trata de pessoas cuja
existência inteira foi tecida por carecimentos básicos. O Estado sequer lhes
garantiu o direito a vida e a segurança, descumprindo assim suas funções
precípuas. Foram, assim, desprovidas do acesso aos gêneros indispensáveis
à reprodução da vida. Muitas delas passaram pela experiência humilhante
de serem obrigadas a “caçar comida”, como fazem os animais,
constituindo o que Hannah Arendt chamou de “povos sem Estado”
(Arendt,
1989)1. Isto posto, pode-se afirmar que o Estado brasileiro, por muitos
anos, decretou, ainda parafraseando Arendt, sua expulsão da humanidade.
A ausência de Estado na concessão e garantia de direitos conforma a
situação de pessoas sem direito a terem direitos. Com isto, o Estado
brasileiro decretou sua morte civil. Estas pessoas, portanto, foram
emudecidas porque seu direito a voz pública não existe, uma vez que são
desprovidas também de seus direitos civis básicos, e, por esta razão, não
possuem condições e nem canais institucionais de expressão. São milhões
de brasileiros com escolaridade praticamente ausente, destituídos de
qualificações e habilitações para qualquer tipo de emprego que exija, por
exemplo, escrita e leitura bem como capacidade de obedecer a certos
comandos mais qualificados. Isto, de per si, coloca em questão a natureza
do crescimento econômico desprovido de projeto democrático substantivo.
Neste caso, a permanência da pobreza em níveis tão altos evidencia, ou
melhor, aponta sua insuficiência profunda como modo de inclusão dos
habitantes de um país no mundo dos direitos e da herança civilizatória da
humanidade. Com intenção polêmica, gostaria de dizer que esta
problemática inevitavelmente repõe o tema iniludível da necessidade e
objetividade da política, como único modo de transformar o sentido dos
processos econômicos e não deixá- los capturados pelas forças cegas dos
interesses privados.

Políticas públicas de cidadania e constituição de sujeitos políticos


REGO, W.D.L.; PINZANI, 25
A.
A referência jurídica moderna sobre sujeitos titulares de direitos
indica uma grande novidade: fruto de grande conquista civilizatória, os
direitos modernos são subjetivos, ou seja, são direitos do sujeito. Para ser
titular dos direitos, o sujeito precisa, como condição imprescindível a sua
fruição, ser capaz de agir. Contudo, para agir no mundo em sentido amplo,
os indivíduos necessitam exercitar certas funções humanas, ser
capacitados para
1 A expressão “povos sem Estado”, de Hannah Arendt, é utilizada pela
autora para se referir à experiência de povos que permaneceram e
permanecem à margem das sociedades, isto é, não eram e não são
incluídos no corpo das diversas nações por razões religiosas, étnicas e
sobretudo por serem vitimas de inúmeros preconceitos e estereótipos. Em
especial, sua referencia é endereçada aos judeus. A autora afirma então que
muitos destes povos se constituem no que denominou de “refugos da terra”
ou apátridas, uma vez que se veem abandonados por tudo e todos, mas
principalmente pelos Estados Nacionais, que não lhes garantem direitos,
não desenvolvem políticas de inclusão política e social. Segundo a autora,
tais populações acabam por se constituir em “povos sem Estado”, que seria
o sinônimo de povos sem direitos.
REGO, W.D.L.; PINZANI, 26
A.

realizá-las (Arendt, 1989, p. 128-129)2. Agir como titulares de direitos


pressupõe que obtenham certos saberes para fruírem as liberdades
fundamentais, como serem capazes de responder como cidadãos pelas
consequências de suas ações. No entanto, o princípio da reciprocidade, que
funda a ideia mesmo de direitos subjetivos, pressupõe deveres para com a
comunidade política de pertinência, ou seja, presume a existência de certa
consciência de que a fruição e a demanda por direitos exigem obrigações,
tanto para consigo mesmo como para com a comunidade política maior, no
caso, a nação. Ao menos, desde a Revolução Francesa, nação significa
pertinência a um ente coletivo, que, antes das divisões de classes e outras
partições existentes em seu interior, remete à existência de forças
políticas e simbólicas unificadoras, às forças centrípetas que vinculam as
pessoas e àquele sentimento que existe em cada membro particular da
comunidade política. Trata-se do pertencimento a um nós: nós os
brasileiros, nós os argentinos etc.
A existência deste ente coletivo completamente partido entre, por
um lado, pobres e muito pobres e, por outro, ricos com forte cultura
do privilégio, dificilmente cria e fortalece laços de solidariedade e de
pertinência comum. Ao contrário, a distância social que as assimetrias
situacionais produzem em um povo desenvolve nele forças centrífugas, as
que criam separações e divisões ainda mais profundas no seu seio.
Fazendo, assim, dos habitantes de seu território estranhos que não se
reconhecem em nível nenhum como iguais, a não ser no assimétrico
dever de obedecer às leis comuns. É importante não esquecer, como
pontua Habermas, que “[...] toda ordem jurídica é também expressão
de uma forma de vida em particular, e não apenas o espelhamento do teor
universal dos direitos fundamentais” (Habermas, 2002, p. 245).

Capability approach

As rápidas considerações têm por objetivo apenas trazer para o


debate o campo problemático e de tensões que se patenteiam na questão da
capacidade e das habilidades humanas necessárias, tanto para viver em
comum como a de agir como autores e destinatários de prerrogativas
REGO, W.D.L.; PINZANI, 27
cidadãs.
A.
A pesquisa, que se propõe a investigar os efeitos políticos e morais
nada secundários do Programa Bolsa Família sobre as mulheres que a
recebem, pretende ainda fazê-lo à luz da concepção de autonomia
individual baseada no capability approach, desenvolvido por Amartya Sen
(1987, 1997, 2000, 2008) e por Martha Nussbaum (1990, 2000, 2004),
assim como a conexão entre renda monetária e autonomia individual
teorizada em particular por Georg Simmel (1900, 1939).
Neste campo é que entram as preocupações, na verdade muito antigas
na história do

2 Sobre isto ver ainda as observações de Hannah Arendt (1989, p. 89, grifo
nosso): “É com palavras e atos que nos inserimos no mundo humano; e esta
inserção é como um segundo nascimento, no qual confirmamos e
assumimos o fato original e singular do nosso aparecimento físico original”.
REGO, W.D.L.; PINZANI, 28
A.
pensamento político, tornadas evidentes na compreensão de que a
capacidade das pessoas de fruir direitos constitucionalmente garantidos se
liga as capacitações das suas funções humanas para o gozo das conquistas
libertárias. Marx gostava de lembrar que a liberdade de imprensa,
fundamental conquista civilizatória para a emancipação humana, não
fazia sentido para os analfabetos, pois estes estavam desprovidos da
capacidade de ler, debater, e, portanto, de fruí-la. De certa forma, esta
espécie de incapacitação discursiva tornava vazia, para o analfabeto, a
conquista da liberdade de imprensa. A vida dos direitos, nas palavras de
Habermas (2002, p. 136), seu valor de uso. depende da vitalidade cívica e
participativa da comunidade política. Desde os gregos, sabe-se que a
educação para a liberdade, assim como para as virtudes cívicas em geral,
depende da satisfação mínima de bens materiais. A miséria e a fome são
em si mesmas graves privações da liberdade humana, no seu sentido mais
profundo.
O quadro exposto traz à tona o que Amartya Sen, juntamente com a
filósofa Martha Nussbaum, formulou ao desenvolver o conceito de
capability3 (Nussbaum e Sen, 1996; Nussbaum, 2004; Nussbaum e
Glover, 1995, p. 61-104). Ambos os autores retiraram esta questão de
Aristóteles e Marx, qual seja, a preocupação com o desenvolvimento das
funções humanas, e, neste caso, com a capacitação e habilitação para viver
os vários sentidos da vida e, particularmente, sua humanização. Dito de
outro modo, a humanidade das pessoas não é um simples dado biológico,
mas sim uma construção social e política.
Marx mostra como as funções humanas materializadas no
funcionamento dos sentidos humanos são na sua inteireza produtos da
vida social, melhor dizendo, da qualidade dos seus processos de
socialização coletiva. Nesta perspectiva, a educação dos sentidos é, em
significado muito claro, a humanização das pessoas. É esta dimensão que
se quer destacar quando discutimos a ideia de capability, porque sua
implementação prática torna-se condição indispensável ao exercício dos
direitos, à sua fruição e expansão pela conquista de novas liberdades,
ampliando assim o próprio sentido de desenvolvimento humano.
REGO, W.D.L.; PINZANI, 29
A. A este respeito vejamos as palavras de Marx (2004, p. 110-11)4:

A formação dos cinco sentidos é um trabalho de toda a história


do mundo até aqui. O sentido constrangido à carência prática
rude também tem apenas um sentido tacanho. Para o homem
faminto não existe a forma humana da comida, mas somente a
sua existência abstrata como ali- mento; poderia ela justamente
existir muito bem na forma mais rudimentar, e não há como
dizer em que esta atividade de se alimentar se distingue da
atividade animal de alimentar-se. O ho- mem carente, cheio de
preocupações, não tem nenhum sentido para o mais belo
espetáculo; o comerciante de minerais vê apenas o valor
mercantil, mas não a beleza e a natureza peculiar do

3 Palavra composta, resultante da junção de capacity com ability.


4 O trecho citado encontra-se, na edição da Boitempo, nas p. 110-11, no
capítulo denominado, pelo editor alemão, “Propriedade privada e
comunismo”.
REGO, W.D.L.; PINZANI, 30
A.

mineral; ele não tem sentido mineralógico algum; portanto, a


objetivação da essência humana, tanto do ponto de vista teórico
quanto prático, é necessária tanto para fazer humanos os
sentidos do homem quanto para criar sentido humano
correspondente à riqueza inteira do ser humano e natural.

Desta feita, a vivência de carências rudes e tacanhas impede as


pessoas de desenvolver suas funções humanas, tolhendo suas capacidades
de demandar e fruir direitos e, não apenas isto, o que não é pouco, reduz
suas capacidades de humanização. A expansão dos direitos e a experiência
deles na constituição da personalidade e da vida em geral fazem das
pessoas seres humanos mais capacitados para se expressar e agir no
mundo. A pobreza não é somente privação de dinheiro e recursos materiais,
é também privação de capacidades, de desenvolvimento de funções
humanas importantes, o que torna os pobres ainda mais pobres (Dieterlen,
2006).

Cidadania: uma construção política

O programa de transferência estatal de renda para mulheres


pobres, o Programa Bolsa Família, se insere em uma ainda incipiente
política pública de cidadania. O fato de ser ainda muito insuficiente como
tal não nos permite ignorar suas possibilidades de se tornar uma
consistente política de formação de cidadãos se complementadas por um
conjunto mais amplo de políticas publicas que visem este alvo – a formação
da cidadania democrática no Brasil. Neste sentido, comecemos pela
prerrogativa preliminar da cidadania, porque diz respeito ao direito
preliminar, o direito à vida. Direito este elementar para qualquer esboço de
vida democrática. O atual Programa Bolsa Família o garante.
Após cinco anos de entrevistas e andanças por algumas das regiões
mais pobres do Brasil, e, tradicionalmente, mais desassistidas pelo Estado
brasileiro, pode-se afirmar que o programa produz mudanças
significativas na vida das pessoas destinatárias da Bolsa Família. Uma
REGO, W.D.L.; PINZANI, 31
dessas
A. mudanças é o início da superação da cultura da resignação, ou
seja, a espera resignada da morte por fome e por doenças ligadas a ela,
drama este constante neste universo geográfico. Suas cantigas e poesias
populares sempre o cantaram em tristes lamentos. Os grandes romancistas
brasileiros escreveram suas obras primas tendo como componentes de seu
tecido dramático a miséria e a fome de nossos concidadãos.
As entrevistas e conversas realizadas até então com mulheres
beneficiadas pelo programa governamental5 mostraram que é possível
entrever outras potencialidades liberatórias, outras dimensões presentes na
dotação de recursos monetários, sem perder de vista que este nível é o
chão concreto de qualquer outra consideração. Para explicar
melhor o que se quer dizer, destacamos uma entrevista entre as várias
realizadas na região

5 Até o presente momento possuo mais ou menos trinta horas de gravação


com as mulheres.
REGO, W.D.L.; PINZANI, 32
A.
do Sertão de Alagoas. Referimo-nos ao caso de uma mulher que
conseguiu se separar do marido que a maltratava; livrando-se dos maus
tratos graças em grande parte a este início de independência econômica.
Na primeira entrevista, realizada em abril de 2006, com Dona
Quitéria Ferreira da Silva, de 34 anos, casada e mãe de três filhos
pequenos, moradores na zona rural do alto sertão de Alagoas, nas
redondezas da cidade de Inhapi, perguntei-lhe sobre a questão dos maus
tratos; chorou, e me disse que não gostaria de falar sobre isto. A pergunta
havia tocado em sua ferida. No ano seguinte, quando retornei, encontrei-a
separada do marido, ostentando uma aparência muito mais tranquila.
Recebeu-me sorridente e confessou-me que no ano anterior estava muito
triste e deprimida, pois enfrentava uma situação bastante difícil. À pergunta
sobre o que havia mudado na sua vida após seu ingresso no Programa
Bolsa Família, que lhe proporciona um rendimento monetário regular,
dona Quitéria respondeu-me: “Adoro, porque eu não sei o que seria da
minha vida sem ele. Ia ficar meio difícil, com três filhos. Acho ótimo,
ótimo, porque se não fosse o Bolsa Família, eu não sei o que seria da família
pobre.”
Na mesma região, os aspectos mais ressaltados, e que contam com
consenso generalizado entre as mulheres, são a avaliação positiva do
programa de renda familiar e a consciência da superioridade feminina no
quesito da responsabilidade maior na gestão da economia doméstica. Isto
pode ser abundantemente aferido através de suas respostas. Um exemplo
visível na resposta fornecida por Maria Lucia Matias da Silva, casada e
mãe de sete filhos e com marido desempregado. Ao ouvir minha pergunta
sobre o que achava do benefício estatal, respondeu enfaticamente: “Acho
ótimo. Ave Maria, eu acho muito bom. Porque é uma ajuda pra gente. E
para muitos que necessitam. Para mim foi muito bom ter esse dinheiro. Se
acabar isso, não tem mais jeito da gente viver nesse mundo. É uma ajuda
grande”.
Pergunto-lhe qual a sua opinião quanto ao fato do Cartão Bolsa
Família vir em seu nome e não no de seu marido:

E: Eu acho muito bom.


REGO, W.D.L.;
A.
P:PINZANI,
Porque a senhora achou bom? 33

E: Porque as mulheres sempre sabem fazer as coisas


direitinho, viu? Os homens são mais... P: Mais o que?
E: Mais danados para às vezes comprar uma coisa mais cara.

De um modo geral, a aprovação do Programa por parte das


beneficiadas é bastante grande, contudo, não deixam de ressaltar a
insuficiência da renda recebida para a obtenção de mais melhorias na
vida, ganhar mais liberdade na escolha dos bens de consumo.
Reivindicam mais renda, diante da ausência quase absoluta de perspectiva
de empregos regulares. Seu horizonte de expectativas é reduzido, simples.
Apenas querem ter acesso a
REGO, W.D.L.; PINZANI, 34
A.
uma vida mais digna, habitações melhores do que seus miseráveis
casebres, normalmente mal iluminados, mal ventilados e exíguos para
abrigar toda a família.

Dominação e pobreza

Deve-se ressaltar que as possibilidades morais de liberação da


opressão conjugal ainda são muito raras nas regiões pobres e atrasadas do
Brasil, devido aos rígidos controles familiares que atuam sobre as
mulheres. Os controles provêm de várias figuras familiares, uma vez que a
família e seus controles se ampliam no casamento, originando a família
ampliada e, com isto, a extensão da dominação, isto é, muitas delas estão
submetidas ao sogro, à sogra, além de ao marido e ao pai.
Devido a esta complexa configuração, a escolha de uma das regiões
mais tradicionalmente miseráveis do país para fundamentar a análise sobre
questões de justiça distributiva mínima e início de processos incipientes
de autonomização, teve a intenção explícita de entrever, nos programas
estatais, por mais limitados que sejam em seu alcance emancipatório, as
suas potencialidades nesta direção. Em destaque, aquelas referentes às
questões morais que envolvem a vida das mulheres da região.
Em outras palavras, considera-se que políticas públicas, mesmo
compensatórias, portam consigo algum poder germinativo de formação de
cidadãos em sentido substantivo, devido às dimensões morais e éticas,
inerentes às dotações monetárias feitas pelo Estado. O fato, de per si,
importa para a redefinição dos padrões da vida política democrática de
uma sociedade. Pode-se ver isto concretamente. Segundo depoimentos
colhidos de algumas pessoas da região envolvidas em movimentos sociais,
a reeleição do presidente Lula em
2006, depois de intensa campanha midiática de desmoralização de seu
governo e de seu partido, mostrou o início da alteração dos mapas
eleitorais tradicionais no Brasil. Vários políticos clientelistas e partidos
fundados na clientela, que tinham nestas regiões sua base eleitoral mais
sólida, começam a sofrer perdas importantes nas ultimas eleições locais,
regionais e nacionais. Portanto, com ritmos regionais diversos,
REGO, W.D.L.; PINZANI, 35
alteram-se
A. referências e padrões políticos profundamente enraizados nas
estruturas de sentimentos e hábitos mentais de muitas pessoas.

Hipótese fundamental

Nossa hipótese fundamental repousa no fato de que a renda


monetária, recebida através da bolsa família, pode criar e ampliar espaços
pessoais de liberdade dos sujeitos, trazendo-lhes, consequentemente, mais
possibilidades de autonomização da vida em geral.
Para tanto, deve ser lembrado que, na grande maioria das famílias
pesquisadas, já se pode aferir empiricamente que a Bolsa Família
representa o único rendimento monetário percebido, e, em vários casos,
constitui a primeira experiência regular de obtenção de
REGO, W.D.L.; PINZANI, 36
A.
rendimento, na vida. Antes disto, ela se resumia à luta diária, como fazem
os animais, para “caçar comida”. Isto às vezes, comparecia em uma das
meditações de Fabiano, personagem do romance Vidas Secas, de
Graciliano Ramos (1986, p. 14), “a caça era bem mesquinha, mas adiaria a
morte (por fome) do grupo”. A renda em forma de dinheiro historicamente
constituiu e constitui condição real de início de processos de liberação,
sobretudo das subjetividades das pessoas, tornando-as, na linguagem de
Simmel, pessoas determinadas. Neste sentido, pode-se verificar esta
possibilidade através das contundentes palavras de Dona Ednaide Soarez
dos Santos, 41 anos, casada, 10 filhos, moradores em Pasmadinho, Vale do
Jequitinhonha, Minas Gerais, em entrevista realizada em julho de 2008:
“Porque a gente tem mais liberdade no dinheiro.”
Veja-se a entrevista:

P: O que você acha de ser no seu nome


e não do teu marido? E: O que?
P: Porque o cartão bolsa família é no seu nome, no nome da
mulher. O que você acha disso? E: Eu acho bom, né.
P: Por quê?
E: Porque a gente tem mais
liberdade no dinheiro. P: Por que
tem mais liberdade?
E: Porque a gente pode comprar mais o que a gente quer né.
Porque o marido também tem liber- dade, mas se ele vai
comprar, ele compra o que ele quer e se for eu, eu compro o que
eu quero.

A renda monetária na forma de Bolsa Família provoca alterações


e impacta as vidas das pessoas, especialmente das mulheres. Contudo, o
fato de serem destinatárias de semelhante rendimento não as retirou da
condição de pessoas pobres, claro que não, mas elas percebem a diferença
de serem reconhecidas pelo Estado das mais diferentes formas. Primeiro, a
REGO, W.D.L.;
aprovação
A.
doPINZANI,
cartão em seu nome dota-as de responsabilidade perante 37
sua família e o Estado. Segundo, sentem que a vida se torna diversa com o
recebimento de uma renda regular – de modo geral, elas desconheciam a
experiência da regularidade. Isto traz para suas vidas várias modificações,
inclusive aquela de aprender a lidar com o dinheiro para programar o
sustento da família durante o mês inteiro. Outro fato que as leva a
considerar positivamente a bolsa é ter conseguido conquistar a confiança
dos comerciantes e das pessoas da localidade. Ser uma pessoa confiável
é um valor importante, nestas paragens. Por outro lado, ser objeto de
desconfiança, sobretudo para as mulheres, implica sentimentos muito
negativos, além de grande sofrimento pessoal, pois impõem muita
vergonha e humilhação. Sobre este aspecto vale a pena lembrar as agudas
observações de Avishai Margalit (1998, p. 9)6 em seu livro The Decent
Society. Nesta obra de filosofia moral,

6 Quanto a este aspecto, as instituições que geram o programa têm muito a


aprender e a melhorar.
REGO, W.D.L.; PINZANI, 38
A.
Margalit estuda os efeitos destrutivos da humilhação e da vergonha nas
pessoas, pois podem incapacitá-las para a luta por direitos e assim
dificultar ainda mais o estabelecimento de uma cidadania ativa. A
propósito disto, ouçamos as palavras de Waldeni Frasão Abreu, 30 anos,
dois filhos de 12 e 8 anos, moradora da cidade de Demerval Lobão, no
interior do Piauí. Indagada sobre o sentimento que teve ao receber o
cartão Bolsa Família nos disse, em primeiro lugar, ressaltando o valor do
dinheiro para qualquer coisa que precise ou deseje fazer: “Tudo que quer
fazer na vida é com dinheiro, é pagando”. O dinheiro da bolsa, segundo ela,

não cala a boca de quem está passando necessidade.


Necessidade não é só não ter o que comer, não. É querer comer
uma coisa melhor e não ter, não poder. É querer vestir melhor e
não poder, ir pra sorveteria com seu filho e não poder, ver um
brinquedo da padaria e não poder comprar para seu filho.

Neste momento começa a chorar, e agradece a Deus pelo


beneficio que Ele lhe deu. “É um dinheiro abençoado por Deus”.
Perguntada se não foi o governo que criou o programa, ela responde: “É,
foi o presidente, mas foi Deus que o colocou lá”. À pergunta se é católica
responde: “Não, eu sou crente”, isto é, evangélica. Durante a entrevista,
um dos filhos assiste comendo uma goiaba e limpando a boca na tenda
que separa a “sala” da cozinha, enquanto o outro brinca com um
cachorrinho na varanda, na frente da casa (uma casa bem pobre, com o
reboco das paredes caindo aos pedaços).
Em sua opinião, a pessoa pobre tem que ter alguém do seu lado para
ajudá-la, pois “o mundo é feito assim, tem que ter o apoio de quem tem
condição. É assim. É assim na sociedade, na nossa casa, na escola, na
igreja...”. Acha que, com o Bolsa Família, o governo está retribuindo o que
“pagamos com os impostos”, mas reconhece que este é o primeiro governo
que faz isto, porque, nas palavras dela,

o nosso presidente, ele é pobre, não é? Quantas vezes ele não


REGO, W.D.L.; PINZANI, 39
A. lutou para ser presidente, ele sabe o que estou passando, sabe o
que estou sentindo. Ele já soube. Se ele se candidatar mil vezes,
mil vezes eu voto nele. Sabe por quê? Ele foi a única pessoa que
enxergou a minha pessoa, quem eu sou. O único político de que
sabe o que é pobreza ainda, que está sentindo o que estou
sentindo.

“Meu cartão dona, foi a única coisa que me deu crédito na vida.
Antes eu não tinha nada. É pouco sim, porque queria ter uma vida
melhor”. Seus desejos, sua indignação, se expressaram, e, mais importante
que isto, compareceram no seu discurso. Sua voz é forte e carregada de
emoção. Demanda uma vida mais digna; pode-se dizer que Waldeni
demanda paridade dignitária o tempo todo.
Deve-se dizer que, por razões variadas, interessa realçar a função
social da Bolsa
Família sob a forma de dinheiro, a fim de que possamos percebê-la
principalmente como
REGO, W.D.L.; PINZANI, 40
A.
incrementadora de mais liberdade pessoal, de mais liberdade interior para
os indivíduos que chegam a obter a renda monetária. Aliás, é preciso
recordar que este constitui um tema clássico da sociologia, sobretudo da
sociologia do dinheiro que, entre nós, infelizmente, não fez estrada.

Funções específicas do dinheiro na liberação das pessoas

Nesta direção, efetuando uma análise em que se possam captar outras


determinações do dinheiro como forma vazia, na medida em que se
reveste de várias capacidades e funções, pode-se fixar em uma delas,
àquela de simbolizar relações entre objetos e entre os estes e o mundo. O
dinheiro ainda se constitui em padrão simbólico e, nesta função, pode
servir de orientação e de medida às pessoas. Por que isto é possível?
A resposta, mesmo que provisória, em pesquisa desta natureza, mas
bastante confirmada pela experiência histórica mais geral, está ligada ao
fato de que as necessidades sociais não são fixas, ao contrário, são
mutantes. Sobre este aspecto, lembra-nos Marx que as necessidades são
históricas, portanto mudam constantemente devido ao desenvolvimento
geral da sociedade, uma vez que se transformam os padrões monetários de
aquisição dos bens essenciais à vida, e também a relação dos homens com
estes bens em razão de novas aquisições culturais e simbólicas da sociedade
(Marx, 1971, p. 190)7.
Marx adverte ainda que os compradores de alguma coisa,

[...] um trabalhador que compra uma cesta de pães e um


milionário que faz a mesma coisa, se equivalem como sujeitos
no ato da compra dos respectivos produtos. Ali, naquele
momento, são seres livres e iguais. O conteúdo de suas compras
como os volumes das mesmas, resulta indiferen- te a esta
determinação formal [contida no dinheiro] (Marx, 1971, p. 190).

O dinheiro, aqui, está cumprindo, ainda nas suas palavras, a função


de “nivelador radical”.
REGO,Em
W.D.L.; PINZANI, 41
A.
suma, o dinheiro como relação social e como fator de agregação
perfaz ainda outras funções sociais. Uma delas e das mais importantes é a
que contém o que tanto Marx como Simmel chamaram de: poder
dissolvente, tanto de laços tradicionais no tempo e no espaço, como a
possibilidade de juntar as pessoas em novas determinações sociais, por
exemplo, como sujeitos de vontade própria que podem juntos superar
certas situações históricas.
Marx diz:
A mera relação pecuniária vincula o indivíduo estreitamente
com o grupo em sua qualidade de abstração. [...] O dinheiro é o
representante das forças abstratas do grupo, com o que nas
relações
7 Ver com mais detalhes o brilhante ensaio de Friedrich Pollock (1973, p. 69
e ss.). Sobre o conceito de necessidade social, na mesma obra, ver página 76.
REGO, W.D.L.; PINZANI, 42
A.

do ser humano com outros homens este somente repete aquelas


que graças ao dinheiro tem com as coisas (Marx, 1971, p. 191).

Nesta medida, o dinheiro auxilia no processo de individuação dos


sujeitos, imprimindo mais mobilidade e labilidade nas suas vidas, e
isto toca e impacta a subjetividade das pessoas. O dinheiro não é
culturalmente neutro e muito menos moralmente invulnerável. Seu
significado simbólico sobre as emoções e sentimentos dos envolvidos – no
caso aqui está em discussão, das mulheres pobres – se reveste de modos
alocativos muito inesperados. Neste sentido, pode-se já vislumbrar algo
semelhante nas falas de várias das mulheres pobres que tradicionalmente
encontravam e ainda encontram muitos obstáculos para a liberação de sua
personalidade e dos seus sentimentos e suas emoções mais íntimas.
Ouvimos, neste sentido, no paupérrimo bairro Anjo da Guarda, na
periferia de São Luis do Maranhão, a voz de Dona Maria das Mercês
Pinheiro Dias, 60 anos. Teve seis filhos e, em 2009, tinha um filho de 14
anos e dois netos de cinco e sete anos. Analfabeta, exibia, contudo, uma
personalidade forte e muito vivaz. Perguntada sobre o que achava da
bolsa ser em dinheiro e como lidava com isto, respondeu-nos de modo
muito enfático: “Olha este dinheiro é meu, o Lula deu para mim cuidar
dos meus filhos e netos, pra que eu vou dar pra marido agora, dou não!”.
Sua vizinha, Dona Maria Madalena Leite, de 54 anos, viúva e mãe de um
casal de filhos, falou-nos assim: “A Bolsa mudou muito minha vida. Olha,
foi ótimo!”. Perguntei-lhe o que achava de ter agora algum dinheiro regular.
Disse-me: “Ah! Foi a primeira vez que isto aconteceu comigo! E tá certo
assim, pois a mulher é mais econômica que o homem.”
Como já advertiu Georg Simmel, no clássico O pobre, publicado
em 1906: “a esmola medieval deixava, por assim dizer, o pobre intacto
interiormente” (Simmel, 1939, p. 67) e não mudava basicamente sua
situação. Neste sentido, o Bolsa Família não é uma esmola governamental,
antes acaba criando as condições para uma mudança profunda na
subjetividade dos beneficiários. Ao seu modo, as mulheres dizem isto nas
entrevistas, como vimos acima claramente na fala de Dona Ednaide Soarez
REGO, W.D.L.; PINZANI, 43
dos
A. Santos, de Pasmadinho, Vale do Jequitinhonha.
É imperioso, por inúmeras razões, investigar as expectativas das
pessoas que entrevistamos. Por exemplo, foi possível perceber que, longe
da acomodação proclamada pelo preconceito elitista, com os níveis de
renda percebidos, através do Programa Bolsa Família, as mulheres e
homens pobres querem muito mais da vida. Têm em alta conta o
trabalho que gera renda, mas sabem que não foram capacitados para tal,
ou seja, para o trabalho mais qualificado. É comum a fala triste. “Não pude
ir à escola, era muito longe de casa.” Ou “o pai tirou nóis da escola porque
precisava de nóis pro serviço”. Ao fim e ao cabo, a cultura da sociedade
salarial age e agiu nas profundezas de suas subjetividades. Trabalho bom e
regular não é pra qualquer um! Em Delmiro Gouveia, cidade alagoana do
Sertão,
REGO, W.D.L.; PINZANI, 44
A.
existe uma fábrica de roupas de cama e mesa. Ela emprega apenas 800
pessoas. As mulheres pobres e seus maridos, que moram nas
redondezas, sabem que ali jamais conseguirão trabalhar. Não têm
capacitação e habilidades para as tarefas ali exigidas. No fundo, sabem que
estão excluídos dos empregos melhores. Seu destino foi traçado há muito
tempo pela produção incessante das iniquidades distributivas da sociedade
brasileira. Como foi dito anteriormente, a escolaridade nestas regiões é
privilégio de poucos. Contudo, não é verdade que não queiram trabalhar,
mas sabem como é difícil e penoso, sobretudo para as mulheres, tanto sua
busca de trabalho como dedicar-se a ele. Os filhos sofrem e elas sabem na
carne muito bem disto. Sabem igualmente que só podem fazer as tarefas
mais brutas, seus maridos também. Isto se encontrarem oportunidades de
desempenhá-las, pois seu recrutamento é episódico e irregular. No
entanto, a produção de preconceitos e estereótipos contra os pobres, e em
especial contra a mulher pobre, não cessa. Aliás, são partes constitutivas
das estratégias de dominação política, cultural e social bastante conhecida
da sociologia e das teorias feministas. Adverte Martha Nusbaum (2004, p.
56): “A desigualdade de condições sociais e políticas se traduz para as
mulheres em desigualdade de capacidades humanas.”

Funções sociais e socializadoras do dinheiro. Experiências


preliminares de autonomização da vida

Tudo somado, o dinheiro, como fartamente demonstrado pela


sociologia do dinheiro, cumpre inúmeras funções sociais, além daquelas
funções práticas de medida e de reserva. Requer atores humanos atrás dele
para manipulá-lo, e, além do mais, permite ainda que se possam
desenvolver capacidades de programação mínima da vida, assim como
complexas estratégias de cálculo. As mulheres do Programa Bolsa Família
estão aprendendo a lidar com isto, com a sua escassez mesmo. Às vezes, ao
falar sobre isso, dão risadas, ou, ao contrário, seus semblantes se anuviam
quando relatam como foi difícil e ainda o é fazer o dinheiro recebido
chegar até o final do mês.
REGO,Espaços
W.D.L.; PINZANI, 45
A.
comunicativos

Ademais, é bom lembrar que o dinheiro cumpre funções


comunicativas (questão debatida na sociologia do dinheiro), pois exige
circulação das pessoas de fato e em potência, isto é, traz consigo contato
maior com o mundo, sobretudo no caso das mulheres que estamos
analisando, que o sentem e dizem claramente. Seu isolamento foi rompido,
até certo ponto. Não devem ser negligenciados os fatores culturais que
pesam sobre elas impedindo sua livre circulação. Martha Nussbaum,
relatando sua experiência de pesquisa com mulheres na Índia, afirma o
quanto as tradições e a cultura podem ser fatores de opressão e de injustiça
e, por isso, podem constranger os movimentos das mulheres8.
8 A este respeito cf. Nussbaum; Glover, 2007, p. 1-34.
REGO, W.D.L.; PINZANI, 46
A.
“Ah! O dinheiro da Bolsa me tirou de casa!”, diz Dona
Claudineide Nunes dos Santos, 24 anos e mãe de cinco filhos. “Agora tenho
de sair da toca mesmo. Vou às compras, experimento alguma coisa que não
conhecia.”
Perguntamos a ela:

P: Por exemplo?
E: Outro dia comprei pros meninos
yogurte e macarrão. P: A senhora
gosta do programa?
E: Acho muito bom.

As pequenas aberturas para a autonomização das mulheres


merecem registro. Registro devedor das intuições pioneiras para a
compreensão destas questões a partir das descobertas, no caso das
mulheres, de John Stuart Mill, no livro The Subjection of Women,
infelizmente quase desconhecido entre nós. Nesta obra penetrante, o
autor deslindava certos enigmas referentes à dominação sofrida pelas
mulheres. A principal delas diz respeito à soberania sobre sua própria vida,
bem como sobre a tomada de algumas decisões que lhe dizem respeito.
Estas são questões, de per si, bastante complexas e difíceis de serem
captadas pela investigação sociológica. Sobretudo quando se trata, como é o
caso brasileiro e das regiões da pesquisa, de mulheres muito pobres e
submetidas a várias modalidades de dominação. Atua sobre elas a
apropriação de sua subjetividade, tal como percebida por J. Stuart Mill
(1911)9, quando se refere ao fato de que a dominação masculina e seus
desdobramentos políticos, em sentido amplo, supõem instituições sociais e
culturais que a apoiam e a reproduzem, operando fundamentalmente
sobre suas emoções e sentimentos e não apenas através de ações. Mill
demonstra que as mulheres não são treinadas apenas para servirem aos
homens, maridos, pais, irmãos mais velhos, mas, muito mais do que isto,
são treinadas para “desejar servi-los”. Nesta medida, o autor nos ajuda a
compreender que a sujeição feminina é diferente da sujeição de outros
indivíduos e classes. Procede destas constatações a percepção que a
liberdade pessoal é pensada como autonomia subjetiva dos indivíduos e,
ainda, como posse de algumas capacidades para se tornarem um agente
autônomo, inclusive para se efetivarem como consumidores capazes de ir
REGO, W.D.L.; PINZANI, 47
ao
A. mercado e decidir minimamente quais as compras a serem feitas. O
despotismo, tal como denominado por Mill, aniquila toda a liberdade,
inclusive aquela preliminar ligada à independência financeira, o primeiro
passo potencializado da chegada ao autogoverno da pessoa. A ausência
deste mínimo atuando nos níveis mais profundos de sua subjetividade
impede que os indivíduos adquiram condições para se converterem em
sujeito de direitos, e, como foi afirmado anteriormente na expressão
simmeliana, em pessoa determinada, portanto, demandante de direitos e de
justiça.

9 Sobre este tema ver também Urbinati, 2002, p. 172 e ss.


REGO, W.D.L.; PINZANI, 48
A.
A consequência disso é também que tais pessoas tenham muita
dificuldade, ou melhor, não sejam capacitadas para respeitar pactos
coletivos de convívio cívico porque impossibilitadas de desenvolver o que
John Stuart Mil chamou de “capacidade de cooperar”, comprometendo
assim o nível civilizatório de qualquer desenvolvimento econômico de uma
nação.
Estas considerações foram feitas com a finalidade de demonstrar que,
no desenvolvimento da investigação, foi possível constatar que, mesmo no
seu minimalismo, o programa federal Bolsa Família pode ser visto como
política de urgência moral, para utilizar a expressão de Nancy Fraser (1998,
p. 22).
Mesmo assim, possui em germe condições de se transformar em
política pública de cidadania para efetivar no Brasil um desenvolvimento
econômico comprometido com a radicalização substantiva da nossa
democracia.

Passos importante para a democratização da Democracia

Em graus diversos e iniciais pode-se dizer que o Brasil dá os primeiros


passos rumo à construção da cidadania democrática, que é, como se sabe,
fator decisivo de democratização da democracia. Entre nós, certamente, será
um processo muito longo e penoso, pois ainda estamos carentes de políticas
culturais específicas voltadas à liberação das mulheres e dos homens
pobres, negros, dos estereótipos e preconceitos seculares que pesam sobre
suas vidas. No caso das mulheres, sua libertação da ditadura da miséria e do
controle masculino familiar amplo sobre seus destinos permite-lhes um
mínimo de programação da própria vida, e, nesta medida, possibilita-
lhes o começo da autonomização de sua vida moral. Longe de pensar
que este esboço de autonomia se aproxima das exigências normativas
contidas no conceito kantiano de autonomia moral. Sabe-se, todavia, que
sem algum nível de autonomização moral e política não é possível falar de
cidadania. No entanto, cidadãos ativos e autônomos são fruto de longa e
obstinada política democrática voltada a sua construção.
Em poucas palavras, pode-se reafirmar que à democracia brasileira,
REGO, W.D.L.; PINZANI, 49
jovem
A.
e absolutamente deficitária de cidadania, se impõe, além dos
programas socais em vigência, a necessidade de implementar,
urgentemente, muitas outras políticas de cidadania, em especial as
condizentes com o que hoje se convencionou chamar de cidadania
cultural, porque dependente de políticas culturais voltadas a liberação da
vergonha e da humilhação de amplas maiorias de sujeitos pobres e
expropriados de seus direitos de inúmeras maneiras
– processos estes seculares e profundamente enraizados em nosso solo
histórico. É claro que este complexo de políticas se refere à educação
compreendida em sentido amplo e não exclusivamente formal.
REGO, W.D.L.; PINZANI, 50
A.
Hipótese de proposição - Renda Básica Universal: uma breve alusão

Por tudo isto, a implementação da renda básica universal como


direito fundamental permanente traria de modo mais generalizado a
potencialidade de iniciar a reprodução digna da vida, configurando um
amplo processo social de alteração moral e política dos sujeitos nela
envolvidos. A construção democrática exige, para se fortalecer como modo
de vida, a fertilização permanente conferida pela cidadania democrática
universal, que tem na renda monetária universal um de seus pilares
fundamentais. Sua percepção aumentaria os graus de liberdade e autonomia
de todos, sobretudo dos pobres, porque traria para a esfera dos direitos os
homens, maridos das mulheres beneficiárias da Bolsa Família, que, hoje,
em sua grande maioria, estão desempregados ou trabalhando
esporadicamente. Em razão desta situação, eles comparecem na cena das
entrevistas com suas mulheres sempre ostentando rostos tensos e
envergonhados. Devido à ausência de empregos estáveis, não mantém
nenhum vínculo de pertinência com seu trabalho e, em muitas regiões
do Brasil, em especial aquelas onde a pesquisa foi feita até o presente
momento, não existem empregos, e os trabalhos ocasionais são pagos com
valores menores que os obtidos pelas mulheres com a Bolsa Família.
Com a renda básica universal se dará um passo decisivo no
reconhecimento da condição de cidadãos da nação brasileira às grandes
maiorias até hoje excluídas da fruição de direitos civis, sociais e políticos
fundamentais, modeladores da dignidade humana. Desta feita, o direito à
dotação de recursos monetários materializados em programa estatal como o
Programa Bolsa Família e uma renda básica universal, pode ser inscrito na
noção de direitos fundamentais primários (Ferrajoli, 2002)10, semelhantes
aos direitos de cidadania definidos, por exemplo, por Bertram Pickard
(apud Pateman, 2004), que os considera equivalentes aos direitos à terra e à
vida.
Deve-se sempre insistir, no entanto, que no conjunto de direitos
que conforma a cidadania democrática, o direito à vida configura sua
situação limite, pois se consubstancia no direito da pessoa a ter direitos
(Arendt, 1989, p. 330-331). Pensamos ser esta a perspectiva na qual se pode
REGO, W.D.L.; PINZANI, 51
enquadrar
A. o atual programa brasileiro que estamos discutindo, pois sem
que haja a concessão pelo Estado de condições materiais mínimas,
expressas em dotação de recursos efetivos para garanti-lo, joga-se o
grande contingente de pobres brasileiros na condição dramaticamente
referida por Hannah Arendt: aquela da sua expulsão da humanidade
(Arendt, 1989)11.
Deste modo, a política de transferência estatal de renda, no Brasil
atual, a política
de urgência moral que garante o direito à vida foi e ainda é o primeiro
passo para a

10 Não entraremos no mérito teórico e jurídico do debate constitucional


contemporâneo. Como se sabe, há uma imensa controvérsia a este respeito
entre as várias correntes constitucionalistas, sobretudo no tocante a uma
tipologia dos direitos primários e secundários que requerem do Estado
garantias também primárias ou secundárias.
11 Ver ainda
Gourevitch, 1993.
REGO, W.D.L.; PINZANI, 52
A.
substantivação da nossa democracia. Foram, assim, na história e em
diversas situações nacionais, as urgências morais, quando reconhecidas
como tais pelo Estado, que deram início a processos democráticos mais
profundos. A experiência de uma melhoria na vida, por mínima que seja,
grava-se fundamente na alma das pessoas e abrem seus mundos para o
surgimento de exigências libertárias maiores. Dão início ao que Marshall
(1967) chamou de “círculo virtuoso dos direitos”: um direito se expande e
dá origem a novas reivindicações por outros direitos e assim
indefinidamente.
As entrevistadas não deixam de reclamar da insuficiência da bolsa e
querem mais renda. Talvez o nó gordio da cultura da resignação tenha
começado a se desatar. Quanto ao resto da história, como diria Gramsci,
falando do que se pode saber a priori sobre a história dos homens, a única
certeza que se tem é da sua luta árdua e permanente, ou seja, é no plano
político, compreendido em sentido largo, que se definirá o destino comum
de um povo.

Pacto de destino

Como se viu na narração feita, o espectro de escolhas se


ampliou. Em teoria democrática é fundamental exercitar o direito de
escolha, desde a compra de um tipo de alimento em detrimento de outro,
uma roupa, um creme para o cabelo, e, junto disto, desenvolver alguma
possibilidade de programação da vida, pode ser a via de passagem à
esfera de maior liberdade pessoal. Situação esta muito diversa daquela na
qual a mulher encontrava-se excluída objetiva e subjetivamente desta
esfera. Seu destino, do nascimento à morte, estava gravado profundamente
nas suas subjetividades: seriam pobres, casadas muito jovens com homens
também pobres, morariam em casebres e sequer escolheriam o número de
filhos que gostariam de ter.
Deve ser assinalado que as mulheres, a partir da renda monetária,
se apoderam (empowerment) de alguma forma da capacidade humana
de escolher certas coisas, inclusive, como já dito anteriormente, as de
ordem moral. Nossa humanidade repousa fundamentalmente no exercício
REGO, W.D.L.; de
PINZANI, 53
permanente
A.
escolhas. Contudo, em situações de miséria e privação
absoluta dos bens mais elementares da vida, este direito é nulo; não se
escolhe, vive-se o movimento perpétuo do “círculo vicioso da pobreza”, que
se caracteriza pela quase impossibilidade da escolha pessoal da vida que se
quer viver.
Por todas estas razões, a política de combate à fome e o Programa
Bolsa Família podem ser vistos como reconhecimento pelo Estado da
urgência política e moral, sem as quais sequer se pode falar em
democracia seriamente. Os recursos empenhados ainda são muito
pequenos, mas é o início de um processo social novo para os brasileiros,
cuja magnitude e destino ainda são de difícil avaliação. Não construímos
um espaço avaliativo amplo que compreenda as diversas disciplinas que
constituem as ciências sociais.
Várias vezes, durante as entrevistas, perguntei a algumas das mulheres
se viam diante de si o futuro como um mundo mais justo. Quase sempre
respondiam nesta perspectiva:
REGO, W.D.L.; PINZANI, 54
A.
se ele existe, chegaram tarde a ele; agora, suas esperanças residiam em
garanti-lo aos seus filhos. Quem sabe não serão tão destituídos como elas.
Como meditara Fabiano, em Vidas Secas:

Podia mudar de sorte? Se lhe dissessem que era possível


melhorar de situação, espantar-se-ia. Ti- nha vindo ao mundo
para amassar brabo, curar feridas com rezas, consertar cercas de
inverno a verão. Era sina. O pai vivera assim, o avô também.
Nascera com este destino, ninguém tinha cul- pa de ele haver
nascido com um destino ruim. Que fazer? (Ramos, 1986, p. 96).

Como se pode perceber, nossa história de justiça social e de


democratização de nossa democracia política apenas se iniciou. No
entanto, se sua narrativa ainda é inconclusa e inacabada, essencialmente
pode ser esperançosa.

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Recebido em 25/11/2012
Aprovado em 11/01/2013
03/12/2013 · 23:47

Ataques ao Bolsa-Família resultam do preconceito e cultura de desprezo pelos mais pobres

https://umhistoriador.wordpress.com/tag/bolsa-familia/
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Walquíria Leão Rego, socióloga e professora de Teoria da Cidadania na Unicamp, acaba de lançar o livro
Vozes do Bolsa-Família, juntamente com o filósofo italiano Alessandro Pinzani, no qual afirmam
categoricamente que “o incômodo e as manifestações contrárias que o programa desperta em alguns
setores não têm razões objetivas. Seria resultado do preconceito e de uma cultura de desprezo pelos mais
pobres”.
Para a socióloga, embora o programa Bolsa-Família seja barato, incomoda profundamente a classe-média
por puro preconceito. Segundo Walquíria Rego, o Bolsa-Família foi “uma das coisas mais importantes
que aconteceram no Brasil nos últimos anos”. Sua maior conquista foi tornar “visíveis cerca de 50
milhões de pessoas, tornou-os mais cidadãos”.
Abaixo, entrevista na íntegra que a socióloga concedeu a Isadora Peron e que foi veiculada no Blog do
Roldão Arruda, do Estadão, em outubro deste ano.

“PRECONCEITO CONTRA BOLSA-FAMÍLIA É FRUTO DA IMENSA CULTURA DO


DESPREZO”, DIZ PESQUISADORA.
do Blog do Roldão Arruda com Isadora Peron | publicado originalmente em 22.out.2013
O Programa Bolsa Família fez 10 anos no domingo, dia 20. Quando foi lançado, no primeiro mandato de
Luiz Inácio Lula da Silva, atendia 3,6 milhões de famílias, com cerca de R$ 74 mensais, em média. Hoje se
estende a 13,8 milhões de famílias e o valor médio do benefício é de R$ 152. No conjunto, beneficia cerca
de 50 milhões de brasileiros e é considerado barato por especialistas: custa menos de 0,5% do PIB.
Para avaliar os impactos desse programa a socióloga Walquiria Leão Rego e o filósofo italiano Alessandro
Pinzani realizaram um exaustivo trabalho de pesquisa, que se estendeu de 2006 a 2011. Ouviram mais de
150 mulheres beneficiadas pelo programa, localizadas em lugares remotos e frequentemente esquecidos,
como o Vale do Jequitinhonha, no interior de Minas.
O resultado da pesquisa está no livro Vozes do Bolsa Família, lançado há pouco. Segundo as conclusões de
seus autores, o incômodo e as manifestações contrárias que o programa desperta em alguns setores não têm
razões objetivas. Seria resultado do preconceito e de uma cultura de desprezo pelos mais pobres.
Os pesquisadores também rebatem a ideia de que o benefício acomoda as pessoas. “O ser humano é
desejante. Eles querem mais da vida como qualquer pessoa”, diz Walquiria, que é professora de Teoria
da Cidadania na Unicamp.
Na entrevista abaixo – concedida à repórter Isadora Peron – ela fala desta e de outras conclusões do
trabalho.
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Como surgiu a ideia da pesquisa?
Quando vimos a dimensão que o programa estava tomando, atendendo milhões de famílias, percebemos
que teria impacto na sociedade. Nosso objetivo foi avaliar esse impacto. Uma vez que o programa
determina que a titularidade do benefício cabe às mulheres, era preciso conhecê-las. Então resolvemos
ouvir mulheres muito pobres, que continuam muito pobres, em regiões tradicionalmente desassistidas pelo
Estado, como o Vale do Jequitinhonha, o interior do Maranhão, do Piauí…

E quais foram os impactos que perceberam?


Toda a sociologia do dinheiro mostra que sempre houve muita resistência, inclusive das associações de
caridade, em dar dinheiro aos pobres. É mais ou menos aquele discurso: “Eles não sabem gastar, vão
comprar bobagem.”Então é melhor que nós, os esclarecidos, façamos uma cesta básica, onde vamos
colocar a quantidade certa de proteínas, de carboidratos… Essa resistência em dar dinheiro ao pobres
acontecia porque as autoridades intuíam que o dinheiro proporcionaria uma experiência de maior liberdade
pessoal. Nós pudemos constatar na prática, a partir das falas das mulheres. Uma ou duas delas até usaram a
palavra liberdade. “Eu acho que o Bolsa Família me deu mais liberdade”, disseram. E isso é tão óbvio.
Quando você dá uma cesta básica, ou um vale, como gostavam de fazer as instituições de caridade do
século 19, você está determinando o que as pessoas vão comer. Não dá chance de pessoas experimentarem
coisas. Nenhuma autonomia.
Está dizendo que essas pessoas ganharam liberdade?
Estamos tratando de pessoas muito pobres, muito destituídas, secularmente abandonadas pelo Estado.
Quando falamos em mais autonomia, liberdade, independência, estamos nos referindo à situação anterior
65
delas, que era de passar fome. O que significa dizer de uma pessoa que está na linha extrema de pobreza e
que continua pobre ganhou mais liberdade? Significa que ganhou espaços maiores de liberdade ao receber
o benefício em dinheiro. É muito forte dizer que ganhou independência financeira. Independência
financeira temos nós – e olhe lá.
O que essa liberdade significou na prática, no cotidiano das pessoas?
Proporcionou a possibilidade de escolher. Essa gente não conhecia essa experiência. Escolher é um dos
fundamentos de qualquer sociedade democrática. Que escolhas elas fazem? Elas descobriram, por
exemplo, que podem substituir arroz por macarrão. No Nordeste, em 2006 e 2007, estava na moda o
macarrão de pacote. Antes, havia macarrão vendido avulso. O empacotamento dava um outro caráter para
o macarrão. Mais valor. Elas puderam experimentar outros sabores, descobriram a salsicha, o iogurte. E
aprenderam a fazer cálculos. Uma delas me disse: “Ixe, no começo, gastei tudo na primeira semana”.
Depois aprendeu que não podia gastar tudo de uma vez.
A que atribui a resistência de determinados setores da sociedade ao pagamento do benefício?
O Bolsa Família é um programa barato, mas como incomoda a classe média (ela ri). Esse incômodo vem
do preconceito.
Fala-se que acomoda os pobres.
Como acomoda? O ser humano é desejante. Eles querem mais da vida, como qualquer pessoa. Quem diz
isso falsifica a história. Não há acomodação alguma. Os maridos dessas mulheres normalmente estavam
desempregados. Ao perguntar a um deles quando tinha sido a última vez que tinha trabalhado, ele
respondeu: “Faz uns dois meses, eu colhi feijão”. Perguntei quanto ele ganhava colhendo feijão. Disse que
dependia, que às vezes ganhava 20, 15, 10 reais. Fizemos as contas e vimos que ganhava menos num mês
do que o Bolsa Família pagava. Por que ele tem que se sujeitar a isso, praticamente à semiescravidão?
Esses estereótipos tem que ser desfeitos no Brasil, para que se tenha uma sociedade mais solidária, mais
democrática. É preciso desfazer essa imensa cultura do desprezo.
No livro a senhora diz que essas mulheres veem o benefício como um favor do governo.
Sim, de 70% a 80% ainda veem o Bolsa Família como um favor. Encontramos poucas mulheres que
achavam que é um direito. Isso se explica porque temos uma jovem democracia. A cultura dos direitos
chegou muito tarde ao Brasil. Imagino que daqui para a frente a ideia de que elas têm direito vai ser mais
reforçada. Para isso precisamos, porém, de políticas públicas específicas. Seriam um segundo, um terceiro
passo… Os desafios a partir de agora são muito grandes.
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Qual é a sua avaliação geral do programa?


Acho que o Bolsa Família foi uma das coisas mais importantes que aconteceram no Brasil nos últimos
anos. Tornou visíveis cerca de 50 milhões de pessoas, tornou-os mais cidadãos. Essa talvez seja a maior
conquista.
Entre as mulheres que ouviu, alguma foi mais marcante para a senhora?
Uma das mais marcantes foi uma jovem no sertão do Piauí. Ela me disse:“Essa foi a primeira vez que a
minha pessoa foi enxergada”. Tinha uma outra, do Vale do Jequitinhonha, que morava num casebre,
sozinha com três filhos. Quando começou a contar a história dela, perguntei qual era a sua idade, porque
parecia que já tinha vivido muita coisa. Ela respondeu: “29 anos”. E eu: “Mas só 29?” Ela: “Mas, dona, a
minha vida é comprida, muito comprida.” Percebi que falar que “a minha vida é muito comprida” é quase
sinônimo de “é muito sofrida”.
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Pobreza nos Estados Unidos atinge 80% da população


Enquanto isso, notícia publicada em um site de notícias especializado em destacar as reportagens que não
aparecem na grande mídia estadunidense, oPolitical Blindspot, dá conta de que na maior nação liberal do
planeta, a terra das oportunidades, onde qualquer um pode construir sua riqueza, 80% de sua população
viveram próximos a pobreza ou abaixo da linha da miséria (só nessa última condição, são 49,7 milhões de
pessoas).
A reportagem fala ainda do aumento cada vez maior do abismo que separe ricos e pobres daquela nação e
de como o governo estadunidense, em vez de aumentar a rede de proteção social dos 80% da população
que sofre com os efeitos da pobreza, está discutindo os cortes dos poucos programas assistenciais que estão
ajudando alguns estadunidenses a se manterem pouco acima da linha da pobreza.
67
Parece que o paraíso dos liberais não é tão maravilhoso assim. Enquanto isso, no Brasil “assistencialista”
pós-FHC, mais de 40 milhões de pessoas deixaram a condição de miséria, fizeram girar a economia do país
e, ainda por cima, chegaram até mesmo a empreender novos negócios. Será que os Estados Unidos estão
precisando de um Bolsa Família, ou melhor, um Purse Family por lá? Será que seus políticos, ou melhor,
os Democratas teriam a coragem política necessária para enfrentar essa dura realidade?

Abaixo, uma tradução livre que fiz da reportagem de Simeon Ari para o Political Blindspot.

NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 49,7 MILHÕES DE PESSOAS AGORA SÃO POBRES,
E 80% DE TODA A POPULAÇÃO DAQUELE PAÍS ESTÁ BEM PRÓXIMO A ELA
por Simeon Ari | para o Political Blindspot

Foto: Associated Press


Se você vive nos Estados Unidos, há uma boa chance que você esteja agora vivendo na pobreza ou muito
próximo a ela. Aproximadamente 50 milhões de estadunidenses, (49,7 milhões), estão vivendo abaixo da
linha da pobreza com 80% de todos os habitantes dos Estados Unidos vivendo próximo a linha da pobreza
ou abaixo dela.
Essa estatística da “quase pobreza” é mais surpreendente do que os 50 milhões de estadunidenses vivendo
abaixo da linha da pobreza, pois ela remete a um total de 80% da população lutando contra a falta de
emprego, a quase pobreza ou a dependência de programas assistenciais do governo para ajudar a fazer face
às despesas.
Em setembro, a Associated Press apontou para o levantamento de dados que falavam de uma lacuna cada
vez mais crescente entre ricos e pobres, bem como a perda de empregos bem remunerados na área de
manufatura que costumavam fornecer as oportunidades para a “classe trabalhadora” para explicar a
crescente tendência em direção à pobreza nos EUA.
Mas os números daqueles que vivem abaixo da linha da pobreza não refletem apenas o número de
estadunidenses desempregados. Ao contrário, de acordo com os números de um censo revisado lançado na
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última quarta-feira, o número – 3 milhões acima daquele imaginado pelas estatísticas oficiais do governo –
também são devidos a despesas médicas imprevistas e gastos relacionados com o trabalho.
O novo número é geralmente “considerado mais confiável por cientistas sociais por que ele se baseia no
custo de vida, bem como nos efeitos dos auxílios do governo, tais como selos de comida e créditos
fiscais,” segundo o relatório da Hope Yen para a Associated Press.
Alguns outros resultados revelaram que os selos de comida (distribuídos pelo governo a pessoas em
situação de pobreza) auxiliaram 5 milhões de pessoas para que essas mal pudessem atinger a linha da
pobreza. Isso significa que a taxa atual de pobreza é ainda maior do que a anunciada, já que sem tal
auxílio, a taxa de pobreza aumentaria de 16 a 17,6 porcento.
Estadunidenses de origens asiática e latina viram um aumento no índice de pobreza, subindo para 27,8
porcento e 16,7 porcento respectivamente, superior aos 25,8 porcento e 11,8 porcento dos números oficiais
do governo. Afro-americanos, contudo, viram um decréscimo bem pequeno, de 27,3 porcento para 25,8
porcento que, como documentado pelo estudo, deve-se aos programas assistenciais do governo. O índice
de pobreza também aumentou entre os brancos não-hispânicos, de 9,8 porcento para 10,7 porcento.
“A principal razão para a pobreza permanecer tão alta,” disse Sheldon Danziger, um economista da
Universidade do Michigan, “é que os benefícios de uma economia crescente não estão mais sendo
compartilhada por todos os trabalhadores como eram nos vinte e cinco anos que se seguiram o final da
Segunda Guerra Mundial.
“Dado as condições econômicas atuais,” continua, “a pobreza não será substancialmente reduzida a menos
que o governo faça mais para auxiliar os trabalhadores pobres.”
Enquanto isso, o governo dos Estados Unidos parece pensar que a resposta é cortar mais daqueles serviços
que estão ajudando a manter 80% da população minimamente acima da linha da pobreza, cortaram os selos
de comida desde o começo do mês. Democratas e Republicanos estão negociando apenas quanto mais
desses programas devem ser cortados, mas nenhum dos partidos estão discutindo que eles sequer deveriam
ser tocados.
(Artigo por Simeon Ari; Foto via AP Photo)
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[LIVRO] O Bolsa Família e a Social Democracia


Recebi uma dica de Jorge Silva, avisando que o Blog do Mário Magalhães havia noticiado o lançamento,
nessa terça-feira passada (29/out), do livro O Bolsa Família e a social democracia, de Débora Thomé. Fui
conferir e o blog e vi que trata-se de um ótimo livro, baseado na dissertação de mestrado da autora, dando
uma ideia sobre o programa de transferência de renda e dos mitos que o circundam.
Abaixo, o post de Mário Magalhães comunicando o lançamento do livro de Débora Thomé.

LANÇAMENTO: LIVRO DISSECA O BOLSA FAMÍLIA E DERRUBA MITOS SOBRE O


PROGRAMA
por Mário Magalhães | 28/10/2013
69
Sim, eu já sabia que o Bolsa Família nem cosquinha faz nos interesses essenciais dos poucos que muito
têm no Brasil, um dos países com desigualdade mais depravada no planeta.
Assim como tinha consciência de que só a combinação indecorosa de estupidez com egoísmo é capaz de se
opor a um programa que permite a milhões de brasileiros não padecerem de desnutrição ou mesmo
morrerem de fome.
Aprendi muito mais, ao ler as 157 páginas de “O Bolsa Família e a social-democracia”, livro da jornalista
Débora Thomé que a Editora FGV apresenta pelo selo FGV de Bolso, na Série Sociedade e Cultura.
O lançamento no Rio será nesta terça-feira, 29 de outubro, a partir das 19h, na Livraria Prefácio
(rua Voluntários da Pátria, 39, bairro de Botafogo).
A obra se beneficia da tabelinha entre o rigor acadêmico e a prosa escorreita da jornalista versada em
assuntos econômicos. Fundamenta-se na dissertação de mestrado da autora no Instituto de Estudos Sociais
e Políticos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Ajuda a compreender por que a presidente Dilma Rousseff se reelegeria hoje em primeiro turno, em um
confronto com Aécio Neves e Eduardo Campos. Radiografa o impacto social do Bolsa Família, cujo êxito
alimenta estômagos e colhe votos.
Débora Thomé conta que, de 2001 a 2009, a taxa de pobreza no país despencou de 35,2% para 21,4%. A
da extrema pobreza, para menos da metade, de 15,3% para 7,3%. O programa de transferência de renda
contribuiu para a queda, bem como o aumento real do salário mínimo em 53%, nos oito anos de Lula no
Planalto (2003-2010).
O fenômeno ultrapassa fronteiras. Citando outros pesquisadores, o livro informa que no período 2003-
2006, em nações sul-americanas, “os índices de pobreza e extrema pobreza e de desigualdade caíram três
vezes mais rápido nos países governados pela esquerda do que nos países governados por partidos de
outras correntes políticas”.
Cá comigo, contemplo o Brasil: se um naco substancial dos lucros recordes dos bancos, auferidos com
benesses e patrimônio do Estado, tivesse sido empregado em programas sociais, nosso progresso teria sido
muito maior. As estimativas sobre o custo/investimento do Bolsa Família, em relação ao produto interno
bruto, variam de 0,37% em 2009 a 0,41% em 2012.
Em 2004, as famílias atendidas eram 6,6 milhões. Em 2013, somam 13,8 milhões, aproximadamente 27%
da população ou ao menos 50 milhões de bocas. Em Estados como o Maranhão de José Sarney e as
Alagoas de Fernando Collor, o programa ampara mais da metade dos habitantes.
Um dos mitos triturados por Débora Thomé costuma ser alardeado por quem, ao contrário dos inscritos no
Bolsa Família, tem como comer até se empanturrar: o programa que paga no máximo R$ 306 mensais a
uma família incentivaria o ócio e a vagabundagem _ou o “efeito preguiça”, na expressão elegante da
autora. Nenhum indicador sugere que o preconceito pantagruélico encontre lastro na realidade.
A União não entrega o dinheiro às mães e sai de cena. O Bolsa Família é classificado como programa de
transferência condicionada. Ou seja, impõe condições aos favorecidos. Exige frequência escolar de no
mínimo 85% para jovens de seis a 15 anos. E de 75%, para a faixa de 16 e 17. Dá o que comer agora, mas
mira o futuro, buscando incrementar a escolaridade. As crianças têm de ser vacinadas, e as mulheres
precisam se submeter ao acompanhamento pré-natal.
70
Para sorte dos leitores, “O Bolsa Família e a social-democracia” não oferece um painel unilateral simpático
ao programa. Identifica limitações e compartilha as críticas mais consistentes ao projeto.
Assinala que, nascido em 2003, no governo Luiz Inácio Lula da Silva, o Bolsa Família unificou programas
anteriores, a maioria desenvolvida ainda na gestão Fernando Henrique Cardoso. Curiosidade: a jornalista-
cientista política exumou a plataforma do candidato FHC em 1994 e descobriu que “as questões de pobreza
e fome apareciam no programa como um subitem no capítulo que abordava a relação entre Estado e
sociedade”. Trocando em miúdos, o futuro presidente se preocupava com outras prioridades. Na campanha
da reeleição, o combate à miséria, antes coadjuvante, virou protagonista.
Outro mérito do ótimo livro é contextualizar o Bolsa Família em um cenário sul-americano de rejeição
popular a políticas neoliberais mais acintosas e de eleição de governantes de centro-esquerda ou esquerda.
Débora Thomé classifica o Bolsa Família como “uma política pública da social-democracia”. E aponta
semelhanças com os valores do Estado de bem-estar europeu erguido no século XX, hoje ameaçado _a
observação é minha_ também por governos comandados por agremiações social-democratas cansadas de
guerra.
É impossível entender o Brasil de hoje ignorando o Bolsa Família, para o bem (melhorar a vida dos mais
pobres) e para o mal (país ainda campeão em desigualdade). O novo livro deixa isso claro.
* Deixo o agradecimento ao colega e antigo leitor do blog, Jorge Silva, pela dica do livro e do post do
Mário Magalhães.
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Marcado como Bolsa Família, Débora Thomé,FGV, Mário Magalhães, Programas Sociais, Social
Democracia
17/10/2013 · 23:45

Revista VALOR informa que para cada real gasto com o Bolsa Família, R$1,78 é adicionado ao PIB

A revista Valor publicou na última terça (15), notícia que joga


água no chopp dos críticos do programa Bolsa Família. Segundo a reportagem, além do programa Bolsa
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Família ter um dos menores custos entre os programas de transferências sociais, ele é aquele que tem o
maior efeito multiplicador sobre a economia segundo a pesquisa recentemente divulgada pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
A reportagem destaca como um dos principais atributos do programa é sua relação custo benefício, na
medida que os gastos com o programa representam um custo de apenas 0,4% do PIB, enquanto que
para cada R$ 1 gasto com o programa “gira” R$ 2,4 no consumo das famílias e adiciona R$ 1,78 no PIB.

Para maiores detalhes, abaixo repercutimos a reportagem de Camila Veras tal como publicada no site do
VALOR.
IPEA: cada R$ 1 gasto com Bolsa Família adiciona R$ 1,78 ao PIB
por Camila Veras Mota | para o Valor
SÃO PAULO  –  O Bolsa Família tem um dos menores custos entre os chamados programas de
transferências sociais, mas é o que tem o maior efeito multiplicador sobre a economia, de acordo com
dados apresentados nesta terça-feira, 15, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), durante
balanço dos dez anos da iniciativa.
Para o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) e presidente do Ipea, Marcelo Neri, um dos
principais atributos do programa é seu bom custo-benefício. Os gastos com o Bolsa Família representam
apenas 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB), mas cada R$ 1 gasto com o programa “gira” R$ 2,4 no
consumo das famílias e adiciona R$ 1,78 no PIB.
Para efeito de comparação, em outro programa de transferência, o Benefício de Prestação Continuada
(BPC) é gasto 0,6% do PIB, com geração de R$ 1,54 em consumo e R$ 1,19 no PIB. O seguro-
desemprego, cujos gastos alcançam também 0,6% do PIB, rende R$ 1,34 em consumo e R$ 1,09 no PIB.
Pró-pobre
“Isso ocorre porque o programa é pró-pobre, e os pobres costumam gastar maior percentual da renda
familiar mensal do que outras faixas da população”, afirmou Neri.
De acordo com os dados do Ipea, o Bolsa Família reduziu a extrema pobreza em 28% entre 2002 e 2012.
Caso o programa não existisse, o percentual da população vivendo com renda mensal inferior a R$ 70 seria
de 4,9%, ante atuais 3,6%, dado calculado com base nos dados da última Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (Pnad).
Entre 2002 e 2012, o Bolsa Família respondeu, de forma relativa, por 12,2% da queda na concentração de
renda medida pelo índice de Gini. Nesse período, a renda real média entre os 10% mais pobres no país
avançou 120%, contra 26% entre os 10% mais ricos.
Ainda segundo os dados mostrados pelo Ipea, cada real fiscal gasto pelo programa gera um benefício
social 5,2 vezes maior.
O impacto do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que foca idosos e pessoas com deficiência, é de
2,7, e, da Previdência, 1,07. “Para quem, como eu, tem preocupações com o lado fiscal, o Bolsa Família é
um bom programa, porque faz muito gastando pouco”, disse Neri.
O efeito macroeconômico, segundo o ministro, é o maior entre todos os meios de transferência social
praticados, hoje, no Brasil, como seguro-desemprego e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS),
entre outros.
72
Neri frisou, ainda, que o valor gasto em percentual do PIB com o programa é bastante inferior ao
despendido por países da Europa e pelos Estados Unidos — este último, de acordo com o Ipea, transferiu
2% do PIB no ano passado (US$ 315 bilhões) para programas chamados “focalizados”.
A ministra Tereza Campello, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), completou dizendo
que ainda há espaço para ampliar o programa e deu como exemplo de inciativas recentes nesse sentido o
Brasil Carinhoso, que beneficia crianças de zero a seis anos e cujos efeitos não foram aferidos pela
pesquisa, que se deteve em dados colhidos até setembro do ano passado.
(Camilla Veras Mota | Valor)
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21/07/2013 · 15:18

[BOLSA FAMÍLIA] Distribuição de renda e segurança social ou esmola e assistencialismo?


Em junho deste ano, André Forastieri chamava atenção em seu blog para as pessoas que são contra o
programa bolsa-família, do governo federal. Para Forastieri, quem se diz contra o programa ou é mal-
intencionado, ou está mal-informado. Ainda sobre estas pessoas, o autor lembra que o objetivo delas não é
acabar com o programa, uma vez que seria uma tarefa quase impossível, mas que suas metas seriam
tentar “manter o Bolsa Família com o menor valor possível, enxovalhar a reputação de quem o recebe,
influenciar a opinião pública para que se torne politicamente difícil a criação de outros benefícios
semelhantes, e bater no governo”. Ora, a quem interessaria tais objetivos? A todos aqueles que tem uma
ideia diferente de como o dinheiro de nossos impostos devem ser investidos e a quem este dinheiro deve
beneficiar.
73

As questões são, invariavelmente, as mesmas de sempre: “o Bolsa Família é bom? É justo? Não é um
estímulo oficial à vagabundagem e à procriação destrambelhada? Não seria melhor deixar de lado essa
política assistencialista, e focar na geração de empregos, verdadeira porta de saída dessa esmola?” e, com
elas, vê-se o tamanho da desinformação (ou má-intenção) e preconceito.

É importante, sempre que temos oportunidade, lembrar que o programa Bolsa Família é voltado para
atender pessoas que vivem com baixíssimos recursos, ou posto de outra forma, na MISÉRIA. Muitas das
famílias beneficiadas pelo programa, caso não recebessem esse dinheiro, teriam alguns de seus integrantes
sob risco iminente de morte, especialmente, os mais vulneráveis: crianças e idosos. Portanto, não restam
dúvidas de que este é um programa emergencial cujo principal objetivo é evitar que pessoas morram
vítimas das doenças provocadas pela fome.
Como bem lembrou Forastieri, “a revista britânica Lancet publicou recentemente estudo que relaciona de
forma conclusiva o Bolsa Família com a queda da mortalidade infantil. Dados de quase 3000 municípios
brasileiros foram utilizados, no período entre 2004 e 2009. A Lancet é a mais tradicional publicação
científica na área de saúde do planeta – existe desde 1823. Nas cidades em que o programa tem alta
cobertura, a queda geral na mortalidade infantil foi de 19,4%. Cruzando o Bolsa Família com causas
específicas de morte, o impacto é ainda maior: queda de 65% nas mortes por desnutrição e 53% nas
mortes por diarreia”. Segue a íntegra do estudo publicado pela revista Lancet.
Diante desses dados, é comum que alguns recalcitrantes ainda tentem jogar a culpa da pobreza extrema que
vivem os beneficiários do programa nos próprios pobres. Vociferam, em geral, contra as mulheres a quem
acusam de terem filhos descontroladamente com o objetivo de garantirem uma renda fixa. Ora, como se
sabe, a coisa não é bem assim. Embora a taxa de fertilidade nas regiões onde se concentra a maior parte
dos benificiários do programa, de modo geral, a taxa de fertilidade do Brasil vem caindo rápido.
Atualmente é de 1,8 filhos por mulher, a mesma que o Chile, menos que os Estados Unidos (1,9). Está
abaixo do nível mínimo de reposição da população (que é 2,1%), como destacou Forastieri em
seu post com dados a partir de um artigo da The Economist.
74
É neste momento que o texto de Forastieri menciona um texto preparado pelo sociólogo Alberto Carlos de
Almeida para o jornal Valor, em maio deste ano. No texto, Almeida compara os benefícios sociais
recebidos por pobres no Brasil, com a gama de benefícios recebidos pelos pobres britânicos dentre os quais
destacam-se:

 Bolsa funeral (R$ 2100 para ajudar no enterro de seu familiar, incluindo pagar flores, caixão, uma
viagem de algum parente para o velório etc.)
 Bolsa aquecimento no inverno (média de R$ 2400 por mês para ajudar você a se aquecer no
inverno)
 Bolsa necessidades especiais (para deficientes ou idosos, até R$ 1500 por mês)
 Bolsa cuidador de quem tem necessidades especiais (R$ 720 por mês)
 Bolsa aquecimento por painéis solares (até R$ 3600 por mês)
 Seguro desemprego (R$ 720 por mês)
O texto é bastante revelador e creio valer a pena a reprodução na íntegra do mesmo tal como foi
republicado no portal do Senado Federal em 31 de maio de 2013.

O BOLSA FAMÍLIA E OUTRAS BOLSAS


por Alberto Carlos de Almeida | para o Valor de São Paulo

O recente episódio dos boatos de extinção do Bolsa Família e o impacto coletivo que isso causou, quando
milhares de pessoas em vários Estados correram para as agências da Caixa a fim de sacar o benefício,
motivou falas de políticos e formadores de opinião, uns defendendo e outros criticando essa política social.
A presidente Dilma veio a público em defesa do benefício e disse que não se tratava de pura e simples
distribuição de recursos, como se fosse uma “bolsa esmola”, mas, sim, de uma política social muito bem
pensada. Aécio Neves, futuro candidato do PSDB a presidente, disse que o Bolsa Família foi criado pelo
seu partido. As palavras de Aécio foram muito claras: “Se tivéssemos um jeito de tirar o Bolsa Família,
pegar no berço e fazer o exame de DNA, veríamos que o pai dele é o PSDB”.
Nas duas últimas campanhas eleitorais presidenciais, em 2006 e 2010, o Bolsa Família foi um tema
importante do PT e do PSDB. Não há no Brasil, hoje, uma força política relevante que proponha acabar
com o benefício. O máximo que se propõe é a criação de uma suposta “porta de saída”, isto é, algum tipo
de política social paralela ao Bolsa Família, como medidas para gerar empregos para os beneficiários do
programa, de tal maneira que as famílias, com o passar dos anos, deixem de precisar do benefício. A busca
de uma porta de saída tem a ver com a crítica de que o Bolsa Família não passa de um programa
assistencialista.
Recordar é viver. Em 2006, ninguém menos do que o presidente da Confederação Nacional dos Bispos do
Brasil, d. Geraldo Magela, criticou o caráter assistencialista do programa. O líder religioso afirmou que “o
Bolsa Família é assistencialismo, não é promoção humana. Em alguns casos, o programa estimula as
pessoas a não fazerem nada, em troca de R$ 60, R$ 90 por mês. O que nós [a CNBB] queremos é trabalho
e educação para todos”. Será fácil encontrar os inúmeros críticos do Bolsa Família com base no argumento
geral de que causaria acomodação nas famílias pobres; basta fazer uma pesquisa rápida na internet.
Há no Brasil a concepção predominante de que tudo que vem de fora é melhor do que o que é criado ou
executado aqui. Trata-se do que Nelson Rodrigues batizou de “complexo de vira-latas”, que o dramaturgo
75
definiu assim: “Por “complexo de vira-lata” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca,
voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um Narciso às avessas, que cospe na própria
imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima”. Para muitos,
o Bolsa Família entra no leque de provas de que somos inferiores. O argumento, nesse caso, é simples: só
mesmo no Brasil se adotaria uma política social que resultaria na acomodação dos pobres face ao trabalho
e à educação.
O Brasil adotaria políticas sociais que resultariam na dependência, ao passo que, por exemplo, o Reino
Unido pós-Thatcher seria o exemplo de dinamismo e de alocação eficiente de recursos. A maioria dos
críticos do Bolsa Família também idealiza o que acontece em outros países. Nada mais distante da
realidade do que achar que somente no Brasil os mais pobres recebem algum tio de auxilio do governo
para sobreviver. Na verdade, o Brasil é um dos países que menos auxílio presta aos mais pobres. Mais uma
vez, o exemplo do Reino Unido é paradigmático: lá existe até mesmo o bolsa funeral.
Isso mesmo. Chama-se, em inglês, “funeral payments”. O bolsa funeral britânico pode ser utilizado para
cobrir despesas com velório, cremação, atestado de óbito, compra do caixão, flores e até mesmo viagem de
parente para organizar o enterro. A quantia por funeral é de até 700 libras. Informações detalhadas sobre o
benefício podem ser encontradas emFuneral Payments. O morto, um dos beneficiários do bolsa funeral,
terá direito a um enterro digno e jamais poderá ser acusado de acomodação causada por uma política
social.
No Reino Unido existe também o bolsa aquecimento no inverno. É como se no Brasil existisse um
benefício do governo para que as pessoas pagassem o ar-condicionado no verão. Para que um britânico
seja beneficiário do bolsa aquecimento no inverno (“winter fuel payment”) não é preciso ser pobre; basta
ser idoso. Ou seja, todos os que têm mais de 80 anos, independentemente da renda, podem receber de 100
a 300 libras no inverno, mesmo se não morarem no Reino Unido. Há também o bolsa clima frio (Cold
Weather Payment), que cada britânico pode solicitar caso a temperatura da região onde mora fique igual
ou menor que zero grau Celsius. Vale também a previsão do tempo. Se, por sete dias, a previsão for essa, a
pessoa pode requisitar o bolsa clima frio. Parece piada que benefícios desse tipo existam no Reino Unido,
mas quem quiser confirmar os encontrará na internet, na página que apresenta todos os benefícios sociais
do governo.
O Reino Unido também tem bolsa família, lá denominado “child benefit”. Trata-se de um benefício para
famílias na qual a renda individual do chefe seja menor do que 50 mil libras por ano. Para cada criança ou
jovem abaixo de 20 anos de idade, desde que matriculado na escola ou em algum tipo de treinamento, o
governo paga 20 libras por semana. Isso é pago para a primeira criança. Para quem tem mais filhos são
adicionadas 13 libras por semana, por criança.
O Reino Unido gasta muito mais do que nós, brasileiros, com numerosos benefícios sociais. Não há a
menor dúvida de que a rede de proteção social deles é bem mais ampla do que a nossa. Sabe-se também
que há correlação entre bem-estar social e, por exemplo, violência. As sociedades menos desiguais e com
as mais amplas redes de proteção social tendem a ter índices menores de criminalidade. Não é possível ter
tudo. Não dá para abolir o Bolsa Família e, ao mesmo tempo, não ter criminalidade elevada. As políticas
repressivas são importantes, mas não resolvem sozinhas a criminalidade, em particular no longo prazo.
Alguns poderão afirmar: no Brasil nada funciona; temos Bolsa Família e a criminalidade ainda assim é
alta. Cabem aqui duas ponderações. A primeira é mais do que óbvia: não fosse o Bolsa Família, a
76
criminalidade provavelmente seria muito mais elevada. A outra ponderação tem a ver com a abrangência
da rede de proteção social. Talvez fosse preciso, para diminuir a violência, adotar também o bolsa funeral,
o bolsa ar-condicionado no verão e outros benefícios equivalentes aos britânicos.
Novamente, cumpre sublinhar que é impossível ter tudo. No Brasil de hoje, o combate à inflação por meio
do aumento de juros pode resultar em desemprego mais elevado. Desemprego crescente ou alto resulta em
mais violência. Blindar os automóveis, andar com seguranças e controlar horários e locais frequentados
não resolve tudo ? sem falar que não é uma forma agradável de viver.
É fato que as duas principais forças políticas do Brasil, PT e PSDB, convergiram acerca de várias políticas,
tanto econômicas quanto sociais. Há consenso acerca de que a inflação precisa ser combatida, de que não
se pode dar trégua a ela. Há consenso de que são necessárias políticas sociais como o Bolsa Família. Aliás,
o PSDB criou a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), que assegura uma renda mínima para os
aposentados pobres. É também consenso que o seguro-desemprego deve ser mantido.
O Brasil, porém, é bem diferente da Europa. Nossa rede de proteção social jamais se assemelhará à
existente nos países europeus. Duvido também que nossa criminalidade se torne um dia tão baixa quanto a
deles. Nosso consenso é diferente do europeu. Em termos de políticas sociais, tudo indica que o Brasil já
está e ficará entre Estados Unidos e Europa. Teremos mais benefícios do que nos Estados Unidos e menos
do que na Europa. Essa é uma escolha social, resultado da interação entre a sociedade e seus
representantes. É isso que faz do Brasil o Brasil.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de “A Cabeça do
Brasileiro”.
Gostaria de finalizar lembrando que, no fundo, o que está em questão é a escolha de como destinar parte do
dinheiro arrecadado com os impostos. Há quem acredite que distribuir o dinheiro diretamente para as
famílias necessitadas através de programas sociais seja um desperdício do dinheiro público, uma vez que
não esta não é a melhor forma de tirar a pessoa da miséria. Para estes, o governo deveria investir o dinheiro
público em outras áreas, beneficiando outros setores da sociedade. Com relação o fim da pobreza e da
miséria, a solução viria através do investimento maciço em políticas públicas cujos efeitos se dão a longo
prazo, como é o caso da educação. Um dos problemas desta argumentação é que, mesmo considerando que
tudo vai dar certo, enquanto os resultados não se efetivam milhares de pessoas deverão morrer por falta de
uma ação mais efetiva do Estado. Este, manietado pelo liberalismo, deve apenas contabilizar seus mortos e
esperar até que os investimentos realizados surtam algum efeito, gerando lucro para outros setores. Eis
uma das faces cruentas que se escondem por trás do discurso daqueles que se levantam contra os
programas de distribuição de renda.

Para quem não viu, recomendo que assistam o filme Garapa, de José Padilha, o qual deixo o trailler logo
abaixo. Olhem bem para algumas das pessoas que aparecem no filme e reflitam: os programas sociais de
distribuição de renda devem ou não atender a essa população? Você acha que o dinheiro dos impostos não
devem atender a essas pessoas?

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payment, Funeral payment,Great Britain, Inglaterra, PSDB, PT, Social Benefits, UK
03/02/2013 · 16:48

A Folha de S. Paulo e os gastos de Dilma com os programas sociais


Neste domingo, dia 03 de fevereiro, a Folha de S. Paulo publicou reportagem no caderno PODER com a
seguinte manchete:

Charge de Latuff sobre as relações da Folha de S. Paulo com o PSDB


METADE DOS GASTOS DE DILMA VAI PARA PROGRAMAS SOCIAIS
Recursos pagos diretamente a famílias representaram 50,4% das despesas do governo federal no ano
passado.
Previdência, amparo ao trabalhador e assistência levam 9,2% do PIB; maior expansão é do Bolsa
Família.
Realmente, não dava para esperar coisa diferente desse veículo de comunicação. Apenas pelo cabeçalho da
reportagem, já é possível perceber a Folha oferecendo matérias para municiar a opinião pública do seu
leitor médio. Ao olharmos ocorpo da reportagem, vemos que além de falar que o Brasil gasta maior parte
de sua arrecadação com programas assistenciais, tal como prenunciava a manchete, há também um
destaque para o que a Folha chamou de “anômala taxa de impostos brasileira”, comparando a economia
do Brasil com a de outros países latino-americanos e asiáticos em clara crítica à maneira como o o atual
governo brasileiro destina os recursos arrecadados com os impostos.
“São proporções sem paralelo entre países emergentes, o que ajuda a explicar a também anômala carga
de impostos brasileira, na casa de 35% da renda nacional. Na maior parte das economias latino-
americanas e asiáticas, a arrecadação dos governos varia entre 20% e 25% do PIB -apenas recentemente,
a Argentina chegou aos patamares do Brasil.”
Ainda segundo a reportagem, o maior vilão que fez com que as despesas com gastos sociais atingissem
níveis recordes no ano passado, foi o AUMENTO DO SALÁRIO MÍNIMO de 7,5% acima da inflação,
aumento o qual a Folha destaca ter sido o maior desde o ano eleitoral de 2006, fazendo clara associação
entre o aumento do salário mínimo e o fato de 2012 ter sido ano eleitoral nos municípios brasileiros.
78
“As despesas recordes do ano passado foram alimentadas pelo aumento do salário mínimo de 7,5%
acima da inflação, o maior desde o ano eleitoral de 2006.”
Não foi apenas o aumento do salário mínimo o culpado de elevar os gastos federais com programas
assistenciais a níveis recordes. Segundo a Folha, outro vilão dessa história foi a diminuição na taxa de
desemprego e a consequente formalização da mão de obra. Segundo a reportagem de Gustavo
Patu eGitânio Fortes:
“O abono salarial cresce ainda com a formalização da mão de obra, uma vez que trabalhadores sem
carteira não têm direito ao benefício. Na quinta-feira, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
divulgou taxa de desemprego de 5,5% em 2012, a menor da série histórica anual iniciada em 2003.”
Aquilo que boa parte da população brasileira e a comunidade internacional entende como um programa
exemplar e uma maneira de aliviar os efeitos da pobreza no Brasil, a Folha de S. Paulo trata como algo
prejudicial para a economia do país e exemplo de mau governo.

Rema Nagarajan, jornalista do Times India enviada ao Brasil para estudar programas como o SUS e o
Bolsa Família.
Na contramão do que afirma a reportagem da Folha, Rema Nagarajan, jornalista do Times India enviada
para estudar o SUS e o programa Bolsa Família,  questiona se um único programa assistencial pode ser
considerado a solução mágica para alívio da pobreza em matéria publicada no Dowser em dezembro de
2012. Para Nagarajan a resposta é NÃO. Segundo a jornalista indiana, atualmente ainda são necessários
outros programas de assistência social para complementar o Bolsa Família e fazer com que ele funcione de
modo eficiente da maneira como está implementado. Segundo ela:
“For Bolsa Familia to work as it is meant to, it is important that government programs such as SUS and
other social assistance programs that provide subsidized electricity, transport and housing also work
efficiently. Otherwise, it would be a typical case of giving money with one hand and taking it away with
another.”
Em tradução literal, Nagarajan disse:

“Para que o Bolsa Família funcione como foi planejado, é importante que programas governamentais
como SUS e outros programas de assistência social que provém eletricidade subsidiada, transporte e
79
moradia também funcionem de modo efetivo. Caso contrário, seria um típico caso de dar dinheiro com
uma mão e tirar com a outra.”
Voltando à reportagem da Folha, se não quiser ficar na simples má intenção dos jornalistas que escreveram
a reportagem e do veículo que a publicou, considero, no mínimo, curioso ver a maneira como a reportagem
faz questão de usar a palavra “clientela” para designar os beneficiários dos programas sociais. Ao falar do
Bolsa Família, por exemplo, a reportagem diz:
“A expansão mais aguda de despesas se dá no Bolsa Família, que paga benefícios não vinculados ao
salário mínimo a uma clientela cadastrada pelo governo entre famílias pobres e miseráveis. (…) Em
consequência, a despesa com a clientela de 13,9 milhões de famílias saltou de R$ 13,6 bilhões, no fim do
governo Lula, para R$ 20,5 bilhões no ano passado.”
Não precisa ser muito esperto para perceber a evidente a intenção por trás de afirmações como estas. Ao
identificar os beneficiários de programas sociais com a palavra “clientela”, os autores da reportagem
pretendem associar os programas de Dilma com a prática política do clientelismo, isto é, a troca de favores
na qual os eleitores são encarados como “clientes”.
Como bem disse o amigo historiador José Miguel Marcarian Júnior:

“(…) clientela, anômalo, e o gráfico, como disse um amigo, transformando dois pontos percentuais em um
abismo gráfico. Agora, se o desemprego diminui, mais gente deixa de ser informal, mais gente contribui e
mistura no mesmo saco direitos [conquistados após] décadas [de lutas] com conquistas desse governo.
A matéria tenta dar a entender que por apenas dois reais, tecnicamente, o miserável não deixa de sê-lo. O
jornalista seria (…) um tolo burguesinho burro que não sabe que com dois reais se compra um quilo de
farinha e um quilo de farinha é mais que nenhum quilo de farinha.” 
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Nagarajan, Times India
20/10/2012 · 08:00
80

Alguns números do programa Bolsa Família ou Da Pobreza a Universidade

A revista Carta Capital publicou em seu portal uma reportagem da autoria de


Gabriel Bonis trazendo exemplos e números reveladores sobre o programa Bolsa Família. Não se trata de
fazer da regra exceção, mas apresenta números consistentes do programa que indicam que o mesmo está
cumprindo com alguns dos objetivos para o qual foi criado.

Números como os famosos e impactantes 30 milhões de brasileiros que foram retirados da pobreza
absoluta, ou então, as menos conhecidas, mas não menos importantes, 11.433 famílias que, embora
recebam o benefício, seguem trabalhando e não se acomodaram com o valor recebido pelo programa,
como gostam de acusar os detratores do Bolsa Família.

Abaixo segue a íntegra da reportagem para que possam ler, mas recomendo que visitem o site e leiam as
matérias dos links adicionais para terem uma visão completa do assunto. Aos que criticam o programa
Bolsa Família sob o argumento de que ele estimula o beneficiário à indolência ou que ele não ajuda a
mudar a condição de pobreza de quem o recebe, parece que terão que rever sua argumentação.

DA POBREZA PARA A UNIVERSIDADE


de Gabriel Bonis para a Carta Capital / publicado originalmente em 19/10/2012
Da infância no interior de Alagoas, Cleiton Pereira da Silva, de 27 anos, ainda carrega recordações de uma
vida difícil. Após a escola, as diversas viagens ao açude sob o sol escaldante do sertão eram rotina. Para
encher o reservatório da casa de água, trazia consigo um carrinho de mão repleto de baldes. A seca tornava
a realidade ainda mais dura, assim como alimentar as seis pessoas da família com apenas um salário
mínimo e a plantação de milho e feijão em uma região árida.

As cenas gravadas na memória de Cleiton representam a vida de milhares de outros brasileiros pobres e
famintos, principalmente, no nordeste do Brasil. A morte do pai quando ainda criança completou o cenário
de adversidades e forçou a mãe a buscar o sustento da família em São Paulo. Mesmo assim, as dificuldades
não diminuíram para ele, a irmã, a tia e os avós.
81
A perspectiva de uma vida melhor surgiu apenas quando a família se tornou beneficiária do programa
Bolsa Família, em 2003. À época recebiam 68 reais. “Para muitas famílias que não possuem nada, esse
dinheiro é uma fortuna. Não dá para viver apenas disso, mas te ajuda a procurar outros rumos, como pagar
a condução para procurar um trabalho”, conta o jovem, que há dois anos deixou voluntariamente de
receber o auxílio quando sua renda aumentou.

Desde que foi lançado, há cerca de oito anos, o Bolsa Família ajudou a retirar cerca de 30 milhões de
brasileiros da pobreza absoluta. E jovens como Cleiton fizeram com que o programa superasse uma série
de previsões simplificadores, como a de que estimularia seus beneficiários a manterem-se desempregados
para receber ajuda estatal. Conforme mostra a segunda rodada de Avaliação de Impacto do programa,
realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) com 11.433 famílias, beneficiárias ou não,
em 2009, isso não ocorreu.

Ao considerar uma faixa de 18 a 55 anos de idade, a parcela de pessoas ocupadas ou procurando trabalho
em 2009 era de 65,3% entre os beneficiários e 70,7% para os indivíduos fora do programa. Analisando
pessoas entre 30 e 55 anos, a porcentagem é de cerca de 70% para ambos os grupos. O índice de
desemprego também é semelhante nos dois grupos.

Cleiton superou a pobreza para fazer o caminho inverso: passou de beneficiário a gestor do programa em
Minador do Negrão, em Alagoas. Hoje, a família vive com uma receita de dois salários mínimos. Parte
dela investida na educação do jovem, estudante do segundo ano de História na Universidade Estadual de
Alagoas. “Pretendo me formar, ascender na vida e ter uma profissão. O meu sonho é poder continuar a
fazer algo por quem precisa.” Mas para chegar a esse quadro, o auxílio de 68 reais foi fundamental para
permitir que a família se alimentasse melhor e que as crianças continuassem na escola.

Os dados mais recentes, de setembro de 2011, indicam que cerca de cinco milhões de famílias deixaram de
receber o benefício desde sua criação. Os principais motivos para esses desligamentos foram a falta de
atualização cadastral e a renda informada pelo beneficiário acima do permitido, o que ocorre em 1/3 dos
casos. Mas, segundo o MDS, desde 2010 a família pode registrar uma alteração de rendimentos desde que
dentro do padrão de até ½ salário mínimo para continuar no programa por mais dois anos.

Uma medida adotada porque essa população trabalha com um rendimento instável no mercado informal.
“As famílias precisam saber que podem contar com o programa, pois, segundo estudos, o seu rendimento
em um mês pode variar de um salário mínimo para 100 reais” explica Leticia Bartholo, secretária nacional
adjunta de Renda e Cidadania do MDS.

No segundo semestre de 2011, também foi criado o mecanismo do desligamento voluntário com retorno
garantido. A ação visa impulsionar as famílias que acreditam possuir condições de deixar o programa a
comunicarem as autoridades que não precisam mais do benefício. Elas podem, porém, voltar a receber caso
sua situação piore. “Essa regra permite que se arrisquem no seu engajamento produtivo com um colchão de
segurança de renda.”
82

O recebimento dos repasses do Bolsa Família varia de 32 a 306 reais mensais, segundo critérios como a
renda mensal per capita da família e o número de crianças e adolescentes de até 17 anos. O programa, que
tem orçamento de 20 bilhões de reais para 2012 – cerca de 0,5% do PIB – e atende mais de 13 milhões de
famílias no País-, está condicionado ao cumprimento de diversos fatores pelos beneficiários. Entre eles, a
frequência mínima de 85% às aulas para crianças de 6 a 15 anos e 75% para jovens de 16 e 17 anos. Em
2011, 95,52% dos beneficiários cumpriram a cota mínima de presença exigida.
E foram além. No ensino médio público, alcançaram em 2010 o nível de aprovação de 80,8% contra 75,1%
da média. A evasão escolar também foi baxia: 7,2% para os beneficiários e 11,5% na média.

O caminho da educação foi trilhado por Cleiton e faz parte dos planos do MDS para os demais auxiliados
pelo programa. Em parceria com outra ações do governo, o ministério tem programas para qualificar
beneficiários maiores de 18 anos para trabalhar em obras do PAC, por exemplo, por meio de vagas do
Sistema Nacional de Emprego (SINE). O PlanSeQ Bolsa Família é uma tentativa de traçar uma ligação
entre o auxílio social e o mercado de trabalho, tentando atender à demanda de mão-de-obra qualificada
para as vagas criadas pelo crescimento econômico e para as necessidades regionais. Entre os cursos
oferecidos estão os de azulejista, pintor e carpinteiro.
Cleiton pulou essa etapa, mas ainda não superou todas as barreiras para vencer a pobreza: a faculdade fica
a 40 minutos da cidade onde mora. “Chego tarde e trabalho cedo, mas nada substitui a vontade de vencer.”

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Marcado como Bolsa Família, Carta Capital, Pobreza, Política Pública,Programas Sociais, Transferência
de Renda
23/03/2012 · 00:36
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A disseminação do ódio contra os pobres nas redes sociais


Recentemente, através das redes sociais, alguns amigos compartilharam comigo uma imagem com
mensagem extremamente preconceituosa e, para ser bem honesto, bastante estúpida. Confesso que tenho
dificuldade de entender como pessoas que passaram por vários anos de educação formal tiveram a coragem
de se expor publicamente ao ridículo compartilhando uma imagem como esta que publico abaixo.

Mensagem contra benefícios e programas sociais do governo que está sendo amplamente divulgada pelas
redes sociais.
Em um esforço para tentar compreender como, em sã consciência, estes amigos puderam levar adiante essa
vergonhosa crítica aos programas sociais mencionados na imagem, cheguei a algumas reflexões que
entendo valer à pena compartilhar com os leitores do meu blog. Espero que possam perdoar-me pela
extensão do post, que acabou ficando um pouco maior do que eu esperava.

CAMISINHA E PÍLULA DO DIA SEGUINTE


A distribuição de camisinhas e pílulas do dia seguinte é uma questão de saúde pública. Mesmo se
pensarmos economicamente, se o governo não distribuir camisinhas e pílulas do dia seguinte, é certo que o
gasto público anual com saúde vai aumentar. Como alguém pode criticar que o governo distribua
camisinha e pílulas do dia seguinte?

A explicação que acredito ser a mais plausível para que esta crítica encontre apoio de boa parte da
população, está ligada ao poder de influência de grupos religiosos, em especial católicos e protestantes, no
pensamento crítico de seus fiéis e familiares.  Influência que também pode atingir os não fiéis, já que as
ideias de tais grupos são amplamente repercutidas em função do grande poder político e econômico que
detém. Estou falando aqui das “bancadas evangélicas” na Câmara dos Deputados e no Senado, dificultando
a aprovação de leis que fariam do Brasil um Estado laico de fato; estou falando dos inúmeros veículos de
comunicação (Rede Record, Rede Globo, Rede Vida, Bandeirantes, etc. etc.), estou falando de redes de
universidades (PUC, Mackenzie, Metodistas, Anhanguera, UniSA, etc) e escolas (católicas, adventistas ou
evangélicas) que garantem desde o ensino fundamental a educação de valores religiosos nas crianças que,
na vida adulta, serão difíceis de abandonar. São dessas influências que estou falando.
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Nem mesmo propostas como a do planejamento familiar, adotada há décadas pela classe média
conservadora, preocupada apenas com suas economias e posição social, conseguiram quebrar alguns
valores religiosos bastante retrógrados incutidos na cabeça do cidadão brasileiro. Sendo mais explícito,
para quem faz parte da classe média o planejamento familiar não é mais uma questão a ser discutida, mas
para os pobres que não tem recursos para comprar métodos contraceptivos, o uso da camisinha e da pílula
do dia seguinte não deve ser estimulado por programas governamentais. Já me acusam por aqui de
promover o debate da luta de classes em pleno século XXI, mas digam-me como não encarar a situação
que acabei de colocar como um instrumento de exploração de uma classe por outra?

BOLSA FAMÍLIA
Aqui a conversa já é outra. O ódio dos criadores da mensagem é voltado contra os pobres, tanto como as
outras, mas nesse caso a um pobre em específico, que teve a audácia de se tornar presidente da República
Federativa do Brasil (e não Estados Unidos do Brasil, viu Serra?). Estamos falando de Luís Inácio Lula da
Silva que ampliou o acesso do Bolsa Família, transformando-o no maior programa de distribuição de renda
da história, tirando milhões de brasileiros da miséria absoluta.

Segundo o site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, responsável pelo programa:
“O Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficia
famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza. O Programa integra o Fome Zero que tem como
objetivo assegurar o direito humano à alimentação adequada, promovendo a segurança alimentar e
nutricional e contribuindo para a conquista da cidadania pela população mais vulnerável à fome.
O Bolsa Família atende mais de 13 milhões de famílias em todo território nacional. A depender da renda
familiar por pessoa (limitada a R$ 140), do número e da idade dos filhos, o valor do benefício recebido
pela família pode variar entre R$ 32 a R$ 306″.
Portanto, conforme descrito pelas regras do Bolsa Família, um grupo famíliar pode receber NO MÁXIMO
R$ 306,00. Como sabemos, valor insuficiente até mesmo para garantir o proposto pelo próprio programa
que, não custa relembrar, é a segurança alimentar e nutricional para a conquista da cidadania pela
população mais vulnerável à fome. Tal informação revela o quãomentirosa e maldosa é a frase: “Teve
filho? O governo dá o bolsa família”.
Quanto ao valor máximo de R$ 306,00 do bolsa família, apenas para podermos ter uma ideia do poder de
compra deste benefício, há três dias foi anunciado que o valor da cesta básica em São Paulo passou a R$
334,11 e, portanto, maior do que o valor máximo que uma família pode receber pelo tão falado programa
de transferência de renda. A pesquisa da Cesta Básica Nacional, também conhecida como Ração
Essencial Mínima, é realizada pelo Dieese, de onde retirei a tabela abaixo com as provisões mínimas para
o cálculo do valor da Cesta Básica.  
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O curioso é que, de maneira geral, todas as pessoas se dizem favoráveis ao direito humano à alimentação
adequada e, portanto, à vida. Contudo, como diz o George Carlin aí abaixo, o direito à vida parece mesmo
ser defendido apenas enquanto você ainda está na “barriga” da mamãe, pois depois que você nasce, as
mesmas pessoas que fazem esse discurso hipócrita pró-vida se recusam a distribuir renda para quem não
tem o suficiente para garantir sua própria subsistência. Estes são os primeiros a te acusarem de vagabundo
e, aos que criaram o programa, de populistas.

AUXÍLIO RECLUSÃO
Aqui a questão é de pura má fé dos criadores da mensagem e de ignorância de quem a compartilha. O
auxílio reclusão é um benefício previdenciário concedidoaos dependentes do segurado de baixa renda
que tenha sido preso e não receba nem auxílio-doença, nem outra aposentadoria, nem alguma remuneração
da empresa na qual trabalhava. Para quem quiser discutir o assunto, por favor, não deixem de ler as
informações prestadas no site do Ministério da Previdência Social (isso é o mínimo).
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A Previdência Social é um SEGURO pago por cada TRABALHADOR DE CARTEIRA
ASSINADA para o caso de ocorrer algum dos FATOS PREVISTOS NA LEI (alcançar idade avançada,
restar incapaz para o trabalho, falecer ou mesmo, ser condenado e preso). Ou seja, trabalhadores que
contribuem com a Previdência Social, tem o direito de receber o benefício quando um dos fatores previstos
na lei ocorrer. Assim, o dependente do preso que recebe o “auxílio-reclusão” está  recebendo, na verdade,
valor referente ao que já foi contribuído pelo beneficiário enquanto trabalhador. Não se trata de
generosidade do governo, mas sim o pagamento de um contrato previamente estabelecido entre as partes e
devidamente previsto na legislação.
Além da má fé ao ocultar a questão do seguro a que nos referimos acima, a mensagem contém uma mentira
nojenta que é a de que o valor que o segurado recebe varia de acordo com o número de filhos que ele
possui. O valor a ser pago obedece às regras da previdência social e, assim como no caso das
aposentadorias por tempo de serviço, viuvez ou invalidez, NÃO VARIA DE ACORDO COM A
QUANTIDADE DE FILHOS DO SEGURADO!!!!

Por fim, ainda que fosse um programa de distribuição de renda concedido pelo governo, e não um seguro,
entendo que seria legítimo a concessão de um salário a cônjuge/filhos menores de presidiários que, sem a
presença do pai/mãe, tem o sustento e garantia de sua vida bastante comprometidos. Basta olhar o que
apontam as estatísticas de crianças que crescem em lares desestruturados pela prisão do pai/mãe e pela
falta de recursos. De uma perspectiva puramente econômica pergunto: será que o dinheiro gasto pelo
governo com os problemas decorrentes da desestruturação de famílias pela prisão de um de seus
provedores não é maior do que o que seria gasto em um auxílio-reclusão? Se colocarmos esta mesma
questão sob uma perspectiva um pouco mais humanista, será que se o governo fosse eficaz em garantir
condições de qualidade de educação, saúde e subsistência digna das famílias dos encarcerados isso não
traria resultados positivos para a sociedade como um todo? A resposta parece bastante óbvia!!!

LÓGICA PRECONCEITUOSA POR TRÁS DA MENSAGEM


Percebam que há uma sequência lógica bastante preconceituosa por trás dessa mensagem. Não sei se quem
a compartilha chegou a perceber, mas a intenção dos criadores era associar a ideia de que, para pessoas
pobres atendidas por programas sociais do governo:

Sexo = Filho = Vadiagem = Prisão


Querem incutir na cabeça da população a ideia de que todos os que se beneficiam de programas sociais são
vagabundos, oportunistas e vivem da exploração daqueles que seguem as leis e trabalham honestamente
pagando seus impostos. Pior! Para as crianças que nascem nas famílias dos beneficiários de programas
sociais, quase não há escapatória: serão presos e, ainda assim, vão explorar a sociedade recebendo o
benefício do auxílio reclusão. Quanta mentira e quanta perversidade!!!!

O que parece incomodar as pessoas que compartilham nas redes sociais este tipo de mensagem  [e é
justamente o que explora quem criou a mesma] é a possibilidade de que pobres possam viver de benefícios
sociais enquanto eles tem que trabalhar e pagar os impostos que sustentariam estes indivíduos. Oras, tal
pensamento revela um desconhecimento enorme de como os impostos são arrecadados no Brasil. O ICMS,
para ficarmos em apenas um exemplo, é um imposto do qual não há como escapar por taxar justamente o
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consumo e seus efeitos são muito mais perversos para os pobres que, com poucos recursos, acabam tendo
uma porcentagem muito maior de seu dinheiro consumida por este imposto.

Além disso, acreditar que alguém opte voluntariamente por viver na linha da miséria apenas para explorar
os benefícios sociais concedidos pelo governo é algo tão fora da realidade que chega a ser doentio. Pessoas
que acreditam nisso verdadeiramente, sequer podem imaginar como é viver com baixíssimos recursos, sem
nenhum conforto e com muitos filhos para alimentar. NÃO! A MAIORIA DAS PESSOAS que vivem com
benefícios sociais, como o Bolsa Família, não são bandidos. São aposentados, inválidos ou pessoas cuja
atividade profissional não chegam a um salário mínimo. Trabalhadores rurais, empregadas domésticas e
uma série de outras profissões desvalorizadas e tão necessárias no nosso dia-a-dia (os professores no RS
estão quase lá). Ao contrário do que pensam os que divulgam essas mensagens, boa parte dos beneficiários
passam a maior parte do dia trabalhando e, ainda assim, para o seu desespero, não conseguem recursos
para garantir a subsistência de suas famílias. Sem o auxílio dos benefícios sociais, a vida de muitos
integrantes dessas famílias estaria totalmente comprometida.

SOBRE TRABALHO E VADIAGEM: TRÊS RECOMENDAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS


Como o post já está enorme, não vou escrever muito mais por aqui. Queria apenas lembrar que há alguns
trabalhos importantes para quem possa se interessar pelo tema, como os livros Bandidos, de Eric J.
Hobsbawm, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, de Max Weber  e O Direito à Preguiça, de
Paul Lafargue.

Deste último livro que mencionei, gostaria de destacar como foi marcante
para mim quando li as primeiras páginas daIntrodução, escrita por Marilena Chaui. Aqui, transcrevo
apenas as três primeiras páginas (9-11) para despertar o interesse da leitura:
“A preguiça, todos sabem, é um dos sete pecados capitais.
Ao perder o Paraíso Terrestre, Eva e Adão ouvem do Senhor as terríveis palavras que selarão seus
destinos. À primeira mulher, Deus disse: ‘Multiplicarei as dores de tua gravidez, na dor darás à luz filhos.
Teu desejo te leverá ao homem e ele te dominará’ (Gn, 3:16). Ao primeiro homem, disse Jeová: ‘Maldito é
o solo por causa de ti! Com sofrimentos dele te nutrirás todos os dias de tua vida [...]. Com o suor de teu
rosto comerás teu pão, até que retornes ao solo, pois dele foste tirado. Pois tu és pó e ao pó retornarás’
(Gn,3:17-19).
Ao ócio feliz do Paraíso segue-se o sofrimento do trabalho como pena imposta pela justiça divina e por
isso os filhos de Adão e Eva, isto é, a humanidade inteira, pecarão novamente se não se submeterem à
obrigação de trabalhar. Porque a pena foi imposta diretamente pela vontade de Deus, não cumpri-la é
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crime de lesa-divindade e por essa razão a preguiça é pecado capital, um gozo cujo direito os humanos
perderam para sempre.
O laço que ata preguiça e pecado é um nó invisível que prende imagens sociais de escárnio, condenação e
medo. É assim que aparecem para os brasileiros brancos as figuras do índio preguiçoso e do negro
indolente, construídas no final do século XIX, quando o capitalismo exigiu a abolição da escravatura e
substituiu a mão-de-obra escrava pela do imigrante europeu, chamado trabalhador livre (curiosa
expressão numa sociedade cristã que não desconhece a Bíblia nem ignora que o trabalho foi imposto aos
humanos como servidão!). É ainda a mesma imagem que apare na construção, feita por Monteiro Lobato
no início deste século, do Jeca Tatu, o caipira ocioso devorado pelos vermes enquanto a plantação é
devorada pelas saúvas. Nesse imaginário, ‘a preguiça é a mãe de todos os vícios’ e nele vêm inscrever-se,
hoje, o nordestino preguiçoso, a criança de rua vadia (vadiagem sendo, aliás, o termo empregado para
referir-se às prostitutas), o mendigo – ‘jovem, forte, saudável, que devia estar trabalhando em vez de
vadiar’. É ela, enfim, que força o trabalhador desempregado a sentir-se humilhado, culpado e um pária
social.
Não é curioso, porém, que o desprezo pela preguiça e a EXTREMA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO
possam existir numa sociedade que não desconhece a maldição que recai sobre o trabalho, visto que
TRABALHAR É CASTIGO DIVINO E NÃO VIRTUDE DO LIVRE-ARBÍTRIO HUMANO? Aliás, a ideia
do trabalho como desonra e degradação não é exclusiva da tradição judaico-cristã. Essa ideia aparece em
quase todos os mitos que narram a origem das sociedades humanas como efeito de um crime cuja punição
será a necessidade de trabalhar para viver. Ela também aparece nas sociedades escravistas antigas, como
a grega e a romana. [...], vendo o trabalho como pena que cabe aos escravos e desonra que cai sobre
homens livres pobres: [os humiliores (humildes)]“.
A partir da página 12, Marilena Chaui dedica-se a responder as questões propostas por suas reflexões, isto
é, como e quando o horror pelo trabalho transformou-se no seu contrário? Quando e por que se passou ao
elogio do trabalho como virtude e se viu no elogio do ócio o convite ao vício, impondo-se negá-lo pelo
neg-ócio?

Para responder as questões acima, Marilena Chaui parte de uma breve análise da obra mais
conhecida do sociólogo Max Weber, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, que trata da relação
entre o capitalismo e a posição do trabalho como virtude, para concluir com a contribuição que Paul
Lafargue deu, com seu Direito à Preguiça, para complementar a lacuna da obra de Weber, que “por
ignorar deliberadamente a formação histórica do capitalismo e a luta de classes, não indaga se a ética
burguesa é racional para os produtores de capital, isto é, a classe trabalhadora, tampouco indaga como
essa ética conseguiu tornar-se ética proletária. É disso que trata O Direito à Preguiça”, conclui Chaui.

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