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SEMANA: Aspectos históricos e epistemológicos: Psicologia das massas e da


cultura.
Leitura obrigatória: a. BERNARDES, Jefferson de Souza. História. In STREY, M.
Psicologia Social Contemporânea. p. 19-35.

Um passeio pela psicologia social no Ocidente

Três pontos importantes para a história da psicologia social: primeiro, (a) resgataremos alguns
pontos fundamentais da história que foram, senão deliberadamente, ao menos ingenuamente
“esquecidos” da história da psicologia social. Dentre outros, destacaremos, o que foi chamado
de o “repúdio positivista de Wundt”. Em segundo lugar, (b) tentaremos mostrar que a história
da psicologia social narrada até o momento, excessivamente trabalhada nos cursos de
graduação em Psicologia no país e no mundo, são permeadas por uma filosofia da ciência
claramente vinculada ao positivismo. Decorre daí que a própria perspectiva histórica dos
acontecimentos levam de forma indelével a marca do positivismo. Finalizamos este tópico (c)
com a perspectiva de narrativa histórica da psicologia social apresentada por Farr (1996),
apontando para a importância e influência de determinadas instituições e fatos históricos no
desenvolvimento da psicologia social. Com isto, enfocamos a história da psicologia social
através de um olhar crítico sobre o desenvolvimento da própria psicologia social.

a) O “Repúdio positivista de Wundt”

Wilhelm Wundt (1832-1920), que é por muitos considerado o pai da psicologia, era um filósofo
e estudioso extremamente metódico. Por volta de 1860, estabeleceu três objetivos para sua
carreira profissional:

Seu primeiro objetivo era a construção de uma psicologia experimental ou também conhecido
como o projeto wundtiano de estabelecer um projeto de psicologia como ciência
independente. Objetivo este alcançado pela criação do Laboratório em Psicologia em 1879 em
Leipzig, através da criação de uma psicologia experimental da mente, com seu objeto de
estudo definido: a experiência imediata à consciência; assim como seu método: experimental-
introspectivo.

Seu segundo objetivo, elaborado entre 1880 até 1900, era a criação de uma metafísica
científica ou uma filosofia científica. Aqui Wundt elabora três obras que compõem sua
metafísica científica: uma de Lógica (conjunto de estudos que visam determinar quais são os
processos intelectuais ou as categorias racionais para a apreensão do conhecimento), uma de
Ética (conjunto de estudos dos juízos de apreciação da conduta humana) e uma de Sistemas
Filosóficos (conjunto de estudos das principais concepções filosóficas para Wundt).

O terceiro objetivo wundtiano era a criação de uma psicologia social. Entre 1900 e 1920,
Wundt elabora sua Volkerpsychologie (Psicologia do povo ou Psicologia das massas). Uma obra
de 10 volumes, onde Wundt elabora sua psicologia social, tendo como objeto de estudo,
principalmente, temas como a Linguagem, Pensamento, Cultura, Mitos, Religião, Costumes e
fenômenos correlatos. Para Wundt, tais temas são fenômenos coletivos que não podem ser
explicados nem reduzidos à consciência individual. Não somente seu objeto de estudo
primeiro (consciência) era incapaz de fornecer subsídios para suas explicações, como seu
método (experimental-introspectivo) também era limitado a pequenos experimentos de
laboratório.

b) “O longo passado e o curto presente da psicologia”

Propomos agora um pequeno esforço de memória: lembrarmos como estudamos, em geral, a


história da psicologia. A psicologia tinha um pai (Wilhelm Wundt), uma mãe (a filosofia), uma
maternidade (Laboratório de Psicologia Experimental), toda uma certidão de nascimento
(1879, Leipzig – Alemanha, Objeto de Estudo e Método próprios, uma revista de psicologia –
Philosophische Studien), e um rompimento de seu cordão umbilical (o projeto da psicologia
como ciência independente) claramente colocados.

Diante da tentativa de transformar a psicologia em uma ciência independente surgem algumas


indagações e dúvidas, compartilhadas por autores como Farr (1996), Koch e Leary (1985),
dentre outros: por que a psicologia se preocupa com esta “data de nascimento”? Quer dizer
que a partir daí é ciência e o que temos para trás não mais interessa? Que outro campo amplo
do conhecimento possui este tipo de preocupação? A filosofia ou os campos da área das
Ciências Humanas também possuem data de nascimento? Encontramos alguma data de
fundação da filosofia? Da física, da história, da pintura, da literatura? A história e pré-história
das grandes áreas de investigação ou de produção do conhecimento se mesclam, não
possuindo limites e fronteiras claras para delimitá-las. No caso da psicologia, as questões
lançadas do que venha a significar o ser humano ou seu psiquismo têm sido perseguidas na
história da humanidade há muito tempo.

c) Formas e formas de contar histórias da psicologia social

Ao invés de tratarmos da história da psicologia social através das teorias e autores da Era
Moderna, preferimos lidar com a perspectiva adotada, principalmente, por Robert Farr (1996),
quando releva a importância de fatos, instituições e pesquisas publicadas para o surgimento e
desenvolvimento de um determinado conhecimento. Neste sentido, procuraremos destacar a
influência do positivismo, provocando distorções na historiografia da psicologia social no
mundo ocidental. Assim, o próprio Farr (1996), de imediato, destaca a importância, por
exemplo, das guerras para a psicologia social, ao afirmar que a psicologia social está para a
Segunda Guerra Mundial assim como os testes psicométricos estão para a Primeira Guerra
Mundial.

Farr (1996) acredita que a psicologia social na Era Moderna é um fenômeno tipicamente
americano, embora suas raízes sejam europeias.

“O surgimento do nazismo na Alemanha, com o intelectualismo e o antissemitismo pernicioso


que o acompanharam, resultou, como todos sabemos muito bem, na migração para a América
de muitos líderes acadêmicos, cientistas, artistas da Europa...”

O florescimento da psicologia social em solo americano se deve em grande parte à migração


de grandes pesquisadores para os Estados Unidos na era entre guerras.

Finalizamos este terceiro tópico resgatando seu objetivo: o de mostrar ao menos duas formas
diferentes de história da psicologia social: uma primeira com forte influência positivista,
centrada em ideias e determinados autores, e uma segunda, apresentada por Farr (1996),
centrada em instituições e fatos históricos.

Psicologia social no Brasil

No Brasil assim como em quase toda a América Latina, nas décadas de 1960 e 1970, a
psicologia social seguia um rumo muito próximo à forma de psicologia social importada dos
Estados Unidos.

Tal posicionamento colonialista, onde a importação desenfreada e acrílica de posturas teóricas


estava muito presente, levou alguns psicólogos sociais latinoamericanos, no final da década de
1970, a constatar o período que se chamou de “a crise da psicologia social”. Ou a “crise de
referência”. Vale retomar que esta crise era europeia já na década de 1960. No Brasil e na
América Latina, a crise começa a tomar corpo nos Congressos da Sociedade Interamericana de
Psicologia, principalmente em Miami – EUA (1976) e em Lima – Peru (1979). Como pontos
principais da crise da psicologia social, estavam a dependência teórico-metodológica,
principalmente dos Estados Unidos, a descontextualização dos temas abordados, a
simplificação e superficialidade das análises destes temas, a individualização do social na
psicologia social, assim como a não preocupação política com as relações sociais no país e na
América Latina em decorrência das teorias importadas. A palavra de ordem era a
transformação social.

A Abrapso surge em 1980 no Brasil através da mão de alguns pesquisadores, dentre tantos
outros, Silvia Lane. Lane e Codo organizam em 1984 a obra marco da ruptura da psicologia
social brasileira: “Psicologia social: o homem em movimento”. Aqui o rompimento com a
psicologia social norte-americana está claramente colocado. A discussão de fundo é como
extrair entidades psicológicas de fenômenos sociais.

O contexto da época do surgimento da Abrapso: o país mergulhado na ditadura militar. Hoje a


realidade parece ser outra. Os países latino-americanos conseguem construir uma produção
em psicologia social que não deixa nada a desejar à produção do restante do Ocidente.
Contextualizada, histórica, preocupada com a cultura, valores, mitos e rituais, brasileiros e
latinoamericanos em geral, já não veem mais necessidade de importação desenfreada de
teorias e métodos cientificistas.

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