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As entrevistas

iniciais na clínica
analítico-
comportamental
infantil
Entrevista inicial com o casal
Objetivos da entrevista inicial com os pais:
1. levantamento de dados com descrição dos comportamentos -queixa;
2. levantamento de hipóteses, das mais prováveis às menos prováveis, sobre as
variáveis que podem estar favorecendo a ocorrência dos comportamentos-alvo
– o levantamento de hipóteses dirige o comportamento do clínico na tomada de
decisão sobre as próximas questões a serem feitas;
3. levantamento das hipóteses mais prováveis sobre as variáveis que podem
estar dificultando a ocorrência dos comportamentos-queixa – as respostas
dadas pelos pais tornam algumas hipóteses mais prováveis e outras, menos
prováveis;
4. apresentação da proposta de trabalho, mostrando, através da análise do
comportamento, como os comportamentos podem ser aprendidos e como
ocorre a interação do organismo com o ambiente;
5. orientação inicial de situações simples selecionadas para agilizar o processo
de mudança e dar início a exercícios de observação do comportamento do filho
em casa –orientar a aplicação de procedimentos simples para testar a
habilidade dos pais nessa tarefa e dar início ao processo de mudança;
6. fechamento do contrato terapêutico.
A entrevista inicial com os pais pode ser dividida em oito fases, não
necessariamente nesta ordem:
a)Registro dos dados formais: nome completo dos pais e da criança (idade e data
do nascimento), primeiro nome dos irmãos e idade; nome da escola; endereço
da família; telefones; período da escola; nome da coordenadora.
b)Queixa livre: nos primeiros 20 minutos, ocorre um resumo do histórico dos
problemas da criança. Há pais com necessidade de prolongar esse período e
pais que resumem as informações.
c) Relato dos pais, dirigido: com perguntas direcionadas para obter dados
relevantes. Friedberg e McClure (2001/2004) mostram a importância de se
ajudar os pais a definirem problemas e a observarem e identificarem se suas
expectativas em relação aos objetivos terminais são realistas. Para isso, utilizam
-se do mapa de frequência de comportamentos, com o registro das situações
em que ocorre cada um dos comportamentos observados e os horários
correspondentes. Isso facilita ao clínico fazer a análise dos comportamentos
envolvidos e elaborar procedimentos para alterar os comportamentos-alvo.
Nessa investigação através de perguntas, o clínico é conduzido ao levantamento
das hipóteses mais prováveis.
d) Esclarecimentos da proposta de trabalho: explicar aos pais sobre o trabalho
desenvolvido pelo atendimento clínico analítico -comportamental, explicando
como um comportamento pode ser aprendido – que é possível usar estratégias
e procedimentos para que a criança “desaprenda” (emita o comportamento em
frequência muito baixa) os comportamentos que são prejudiciais ao seu
desenvolvimento e aprenda outros comportamentos funcionais que deveriam
ser emitidos em contextos semelhantes.
e) Análise dos dados iniciais: através das hipóteses mais prováveis às menos
prováveis, descrever como alguns dos comportamentos–alvo podem ter sido
aprendidos através da história de vida da criança. Descrever algumas possíveis
soluções que possam produzir um efeito tranquilizador e favorecer a adesão ao
tratamento.
f) Orientação inicial: pode ter a função de agilizar o processo terapêutico e de
um teste para o comportamento dos pais em relação ao seu repertório de
entrada para seguir a orientação proposta.
g) Identificar a expectativa dos pais frente ao trabalho.
h) Efetuar o contrato terapêutico. Ferreira (1997) analisa as contingências
específicas envolvidas nessa relação, em que o clínico deve descrever as regras
nas quais as relações terapêuticas serão baseadas. Deve especificar o número
de sessões por semana (em geral, uma sessão semanal com a criança), a
duração da sessão de 50 minutos, a inclusão de uma sessão mensal de
orientação de pais ou sessão familiar com todos os membros; especificar as
regras sobre faltas e férias, a possibilidade de ocorrer uma sessão fraterna ou de
se fazer sessão compartilhada mãe/criança ou pai/criança e, finalmente,
conversar sobre os valores, qual o custo mensal e a forma de pagamento. A
maneira como os pais se comportam frente às regras fornece amostras de seu
comportamento em cada uma das situações.
Aspectos formais
da entrevista
a) Operacionalizando os termos – são feitas perguntas para se obter descrições
comportamentais de relatos obscuros. Exemplo: Mãe: Meu filho é muito
nervoso. Terapeuta: Como é esse nervoso? O que a senhora observa seu filho
fazendo quando acha que ele está nervoso? Dê um exemplo de uma situação
em que ele fica nervoso.
b) Tornando mais claros os termos ambíguos: “Dê um exemplo que descreva a
situação e o comportamento”.
c) Eliminando perguntas que sugiram respostas de escolha: Exemplo: “Seu filho
costuma desobedecer ou ele é obediente?” Um outro modo de perguntar: “O
que seu filho faz quando vocês lhe dizem que não pode fazer algo?”.
d) Eliminar perguntas que possam induzir as respostas: “A senhora se sente
culpada quando acontece isso?”. Um outro modo de perguntar: “Como a
senhora se sente nessa situação?”.
e) Durante a queixa livre, os pais são solicitados a informar sobre os motivos
que os trouxeram à consulta. Costumam fazer um relato livre. Durante este
relato, notam–se pontos a serem esclarecidos depois.
f) Questionamento para esclarecer e completar pontos que foram mencionados
no relato livre.
Aspectos
relacionados
ao conteúdo:
levantamento de
dados
a) Variáveis organísmicas: identificar as condições físicas do passado e atuais,
uso de medicamentos; doenças, idade em cada uma delas e graus de febre;
problemas neurológicos, endócrinos e outros;
b) Queixa atual: quando perceberam o aparecimento dos primeiros
“problemas”; oque os pais e as outras pessoas costumavam fazer; o que já
fizeram para resolver o “problema”; como a queixa afeta a vida da criança e de
cada membro da família; frequência de ocorrência em uma semana ou em um
mês. Durante a queixa livre, os pais são solicitados a informar sobre os motivos
que os trouxeram à consulta. Costumam fazer um relato livre. Histórico de
desenvolvimento da criança: como era o sono do bebê; por quem era cuidado;
se houve mudanças de cuidadores e em que época; como foi ensinado o treino
de toalete; como foi o primeiro dia na escola. Especificar a frequência de
ocorrência em um dia, em uma semana ou mês do comportamento -alvo; lista
de comportamentos “adequados” e “inadequados”. Durante o relato dos pais,
são levantadas hipóteses sobre as possíveis variáveis entrelaçadas que podem
estar controlando os comportamentos-alvo da criança. É importante levantar
muitas hipóteses, das mais prováveis às menos prováveis. São essas hipóteses
formuladas que norteiam o levantamento de dados.
c) Contexto atual: obter a descrição da rotina da família: o horário em que a
criança se levanta, como é acordada e por quem; como são os hábitos de
higiene após levantar se; se necessita de ajuda para isso ou é capaz de fazê-lo
sozinha; como é o café da manhã, quem está presente, como a criança come e
o que come; os comportamentos que se seguem ao café da manhã; descrição
do almoço; ida para a escola, volta da escola, com quem faz a lição e de que
forma, se é lenta ou rápida, se tem prazer pela aprendizagem ou se apresenta
recusas para fazer as tarefas acadêmicas; como é o jantar, o que ocorre após o
jantar; quando o pai e a mãe chegam, o que fazem juntos e como é o preparo
para ir dormir; horário em que deita e dorme. Em todas as situações, é
importante obter a informação sobre a interação entre os membros da família.
Solicitar exemplos de situações de interação entre os irmãos. Como é na escola,
o que a professora fala sobre a criança; habilidades sociais na escola e em casa.
Tipos de dificuldades e de habilidades.
d) Exemplos de comportamentos-alvo com descrição do antecedente (o que
acontece antes do comportamento), a descrição do comportamento e o
consequente (o que ocorre depois do comportamento, o que as pessoas fazem
e falam quando a criança se comporta desse modo).
e) Levantamento dos reforçadores.
f) Expectativa que os pais têm da terapia e dos comportamentos de seus filhos.
Que tipo de crenças eles aprenderam sobre ser uma “boa mãe” e sobre ser “um
bom pai”.
g) Compartilhar com os pais as hipóteses levantadas pelo clínico a partir dos
dados coletados, identificando aquelas que são mais prováveis e as menos
prováveis. Mostrar que as primeiras hipóteses norteiam a investigação através
de novos levantamentos de dados, os quais poderão conduzir a informações
que irão descartar algumas hipóteses e fortalecer outras.
h) Contrato terapêutico: discutido ao final da entrevista.
Entrevista inicial
com a criança
Objetivos:
1. formar vínculo com o clínico;
2. compreender o que é terapia;
3. compreender a importância de se trabalhar o grupo familiar e que cada um
pode mudar um pouco;
4. identificar alguns comportamentos que queira mudar;
5. compreender o sigilo;
6. fazer combinados através do contrato terapêutico.
É importante a criança ser informada pelos pais sobre os objetivos da terapia,
pois isso pode favorecer um maior envolvimento com o processo terapêutico e
a adesão ao trabalho.
Se uma criança apresenta comportamentos agressivos e bate no irmão,
pode ter uma expectativa de que os pais a levaram para a terapia para
ficar boazinha para seu irmão, do qual sente raiva e ciúmes. Pode
acreditar que está fazendo terapia para melhorar a vida do irmão e dos
pais. Nessa condição, não haverá envolvimento no processo
psicoterápico.
Fases da entrevista inicial com a criança:
a) Nos primeiros 15 minutos, falar com a criança sobre os objetivos da terapia.
Descrever a forma de trabalho, mostrando que a família deve participar porque
cada um pode mudar um pouco os seus comportamentos. É importante mostrar
para a criança que ela terá espaço para se colocar em relação aos
comportamentos dos irmãos que a desagradam e também dos pais. Isso dilui
sua queixa e também favorece o envolvimento com o trabalho.
b) Escolher uma atividade lúdica com a criança, como desenho livre ou em
quadrinhos. Promover uma interação muito agradável enquanto a criança
desenha. Observar os comportamentos da criança durante as atividades. A
formação de vínculo com o terapeuta é fundamental.
c) Conversar sobre o desenho e seus personagens.
d) Nos 10 minutos finais, fazer um jogo para observar “o ganhar e o perder” e
outros comportamentos da criança durante a atividade. O objetivo é criar
situações muito agradáveis na relação terapêutica.
Entrevista com
os pais de
uma menina de
4 anos – possível
diagnóstico de
transtorno
alimentar
Queixa livre: Os pais relatam que a criança sempre foi mandona, com gênio
muito forte e tinham que fazer tudo do jeito que ela queria, senão era muito
estressante e ocorriam muitas brigas. Mesmo fazendo tudo como a criança
queria, ainda assim ela achava formas de confrontar. Apresentava dificuldades
de relacionamento com outras crianças. Com adultos, relacionava-se melhor.
Procurava muitas vezes fazer o contrário do que lhe era solicitado, querendo
sempre dar a última palavra. Atualmente, na hora da refeição, diz que não quer
comer e fecha a boca. “Obrigamos que ela coma de várias formas: ora brigando,
ora conversando e fazendo brincadeiras, ora deixando sem comer” (sic). Ao
pedir leite, costuma se dá-lo, para que ela não fique com fome. Quando come,
seleciona os alimentos e não gosta de quase nada. Atualmente, só come
salsicha com arroz e batatas fritas. Para ampliar a variedade de alimentos, os
pais lhe perguntam se quer experimentar algo novo, e a criança diz que não
quer; então, servem-lhe salsicha com arroz e batatas porque, pelo menos isso,
ela come.
Após o levantamento dos dados referentes aos itens anteriores mencionados, é
feita, junto aos pais, a análise das possíveis variáveis que podem estar
controlando os comportamentos da criança, ou seja, quais os possíveis efeitos
da interação mãe-criança, pai-criança e cuidadores-criança. Perguntas que o
clínico deve fazer a si mesmo: de onde vem esta classe de comportamentos?
Quais hipóteses procuram explicar como esses comportamentos surgiram e
como eles se mantêm? Possíveis controles imediatos: atenção dada contingente
à recusa em comer, aumento da preocupação dos pais quando a criança não
come.
Primeiras hipóteses:
a) A criança pode receber atenção mínima quando come e apresenta outros
comportamentos “adequados”. Quando se recusa a comer, todos dão atenção
para o comportamento de recusa. Esse comportamento aumentará de
frequência.
b) A criança recebia atenção muito frequente tanto para os comportamentos
“adequados” como para os comportamentos “inadequados”. Aprendeu que os
pais, babá e avós cedem quando ela tem uma birra e, dessa forma, consegue as
poucas coisas que não lhe estavam disponíveis. Nesse contexto, nasce o irmão e
parte das atenções recebidas pela criança se volta para ele. Quando a criança se
recusa a comer, impede que a rotina da casa ocorra sem estresse, recebe muito
mais atenção e seu novo e bonzinho irmão pode ser deixado um pouco de lado.
Ao se solicitar um registro simples dos comportamentos ocorridos durante a
refeição e orientar os pais a dar atenção diferencial aos comportamentos, ou
seja, ignorar as recusas para o comer e ampliar as atenções quando a criança
coloca a comida na boca, mastiga e engole, ter-se -á um início do processo de
mudança no comportamento dos pais que produzirá efeitos sobre o
comportamento da criança.
Identificação de
déficit, excesso e/ou
variabilidade
comportamental e
controle de
estímulos
Uma fonte de dados acerca do problema é o relato verbal de pessoas
envolvidas. Em algumas ocasiões, a topografia das respostas, o contexto
onde estas ocorrem e as consequências que as seguem são facilmente
identificados: os próprios clientes, seus pais ou a escola são capazes de
nos trazer essas informações. Outras vezes, o relato é incompleto, com
foco apenas no que a criança faz ou deixa de fazer, sem apresentar
relação com eventos circunstanciais ou importantes na história de vida
do cliente, situação em que o clínico procurará modelar a descrição, a
fim de obter informações necessárias à caracterização e análise do caso.
Além das informações obtidas através de relato verbal da criança ou dos
pais, é necessário também que o clínico obtenha dados diretos do
comportamento, seja observando -o no ambiente natural (cotidiano),
seja criando situações no consultório que propiciem a ocorrência de
comportamentos relevantes, tais como atividades lúdicas.
Por exemplo, jogos e brincadeiras que envolvam competição,
cooperação ou organização permitem que o clínico analise se o cliente
tem repertório suficiente para participar desses momentos, como lida
com situações de frustração, se apresenta variação comportamental
para alcançar o objetivo proposto e se persiste na atividade quando não
é reforçado continuamente.
Outras queixas que chegam ao consultório do clínico infantil envolvem
respostas que só são classificadas como inadequadas em função do
contexto em que aparecem. Alguns exemplos disso são o cliente
conversando em sala de aula, uso de palavrões em ambientes
inoportunos, modulação inadequada do tom de voz.
A maioria das estratégias envolve simulações de situações cotidianas
em que esses comportamentos ocorrem, tais como: dramatização,
elaboração de histórias e fantasias, desenhos, etc.
Eventualmente, pode ser interessante a participação de outras crianças
em situações deste tipo, especialmente quando há inadequações na
convivência com colegas (agressividade, timidez, etc.).
Identificação de
sensibilidade a
diferentes
consequências
É fundamental dentro de um processo de intervenção comportamental
que o clínico, a família, a escola e outros familiares ou profissionais que
convivem com a criança estejam capacitados a:
1.consequenciar por reforço positivo determinados comportamentos
cuja frequência se deseja aumentar e não fazê-lo em relação aos
comportamentos que se pretende eliminar ou ter sua frequência
reduzida.
Para tal finalidade, não se deve supor que determinado elogio,
brincadeira, passeio, atividade, etc., seja um reforçador; é necessário
que investiguemos o valor funcional de diferentes consequências.
Muitas vezes, o próprio cliente será capaz de descrever o impacto
motivacional de tal evento; outras vezes, será preciso avaliar o valor
reforçador de determinado estímulo ou atividade.
Em geral, o clínico infantil tem um vasto “arsenal” de brinquedos, jogos,
materiais para atividades plásticas ou gráficas (desenho, pintura,
modelagem, recortes, dobraduras, etc.), propostas de fantasias,
histórias, dramatizações, bonecos, animais e personagens
especialmente selecionados para aumentar a responsividade do cliente
a atividades mais monótonas, formais ou aversivas, ou, ainda, para
evocar respostas importantes que não vinham aparecendo de outra
forma.
É importante, também, relembrar que o valor reforçador de
determinados estímulos é afetado diretamente por operações
motivadoras, que alteram o valor reforçador de estímulos
consequentes. Um exemplo disso é a privação de determinado item
(jogo, brinquedo, livro infantil, etc.): se tal atividade for restrita ao
ambiente da terapia e for disponibilizada apenas em situações
específicas (por exemplo, após uma resposta de alto custo),
provavelmente, a motivação para conquistá-la será maior.
Muitas vezes, o contexto de interação verbal (conversar) é aversivo para
a criança, principalmente se o relato esperado envolver uma situação
muito desagradável ou se o relatar for passível de punição. Nessas
situações, o clínico pode usar estratégias, tais como fantasia, sonhos,
histórias e fantoches, para evocar situações reveladoras sobre a história
passada ou sobre o momento atual da criança.
São ocasiões em que respostas relevantes podem ser evocadas e
eliciadas, sem que o cliente se esquive de respondê-las. Provavelmente,
se tal levantamento fosse realizado através de questionamento, a
criança não responderia ou poderia vir a distorcer os fatos em função
da aversividade ou ameaça envolvida.
Por exemplo, se a criança foi punida por determinado comportamento
na escola ou em casa, dificilmente ela traria essa informação
espontaneamente na sessão, principalmente se o contato com o clínico
for recente ou se este houver punido alguma outra resposta sua em
outra ocasião.
Em todos os casos anteriormente listados, podemos avaliar o repertório
de seguir instruções destas crianças de duas formas distintas. A primeira
seria criar situações de interação com regras específicas bem definidas
e observar como a criança se comporta, como, por exemplo, em
situação de jogos ou atividades que exijam combinação prévia em
relação à sua dinâmica. Outra abordagem seria a partir da exposição a
diferentes histórias infantis, dramatizações ou desenhos, questionar a
criança sobre partes específicas dessas atividades, escolhidas
especialmente por apresentarem um conteúdo polêmico (p. ex., criança
desobedecendo à professora).
O brincar como
ferramenta
de avaliação e
intervenção
na clínica analítico-
comportamental
infantil
A importância dos jogos vem sendo enfatizada por pesquisadores e
teóricos como uma maneira pela qual a criança aprende a controlar o
ambiente e fortalecer suas habilidades sociais e de raciocínio.
O jogo, nesse sentido, intensifica os contatos da criança com o mundo,
fornece a oportunidade de fazer e manter amizades e ajuda a criança a
desenvolver uma autoimagem adequada. Para os autores, o faz-de-
conta da criança pequena a ajuda a desenvolver fundamentos básicos
de socialização.
De certa maneira, podemos dizer que, nas primeiras sessões de atendimento, o
clínico observa e manipula variáveis com o objetivo principal de avaliar a criança
em vários aspectos (além do objetivo já referido de promover uma boa relação
terapêutica). Aos poucos, quanto mais sólidas forem suas hipóteses, essa
manipulação de variáveis passa gradativamente a objetivar também
intervenções para modificar comportamentos, sem abandonar a avaliação
(inclusive sobre os efeitos da intervenção).
Ao brincar com a criança, o clínico pode manipular variáveis (de modo
assistemático, diferentemente do pesquisador) e avaliar como a criança reage.
Ele pode, por exemplo, ganhar propositalmente em um jogo e então observar
se acriança desiste, se reage de maneira agressiva, se solicita ajuda ou se tenta
jogar melhor. De todo modo, algumas reações, mais assertivas ou mais criativas,
podem ser tomadas como indicadores dos recursos comportamentais da
criança, ao passo que outras reações, passivas ou agressivas, indicariam
necessidade de intervenção sobre esses comportamentos.
Uma criança encaminhada à terapia devido a sua “timidez”, por exemplo, pode
esquivar -se de escolher a brincadeira, mesmo quando solicitada. Outra, com
problemas de “agressividade” e “comportamento opositor”, pode tentar burlar
as regras do jogo ou representar interações agressivas com bonecos.
Às vezes, os clínicos se deparam com crianças excessivamente caladas, que
emitem apenas respostas monossilábicas quando algo lhes é perguntado
diretamente. Em geral, isso ocorre porque a criança não possui suficiente
repertório verbal para esse tipo de interação ou também porque, em sua
história de vida, diálogos com adultos podem ter se tornado uma interação
aversiva (como quando pais conversam para fazer cobranças ou repreensões).
Como classificar o
brincar
em terapia analítico
comportamental
infantil
OLHAR LIVRO
a) Brincar (BRC): Episódios verbais de interação lúdica, com conteúdo restrito às
falas próprias do brinquedo, brincadeira ou jogo. As falas incluídas nessa
categoria podem se referir à leitura do jogo, à execução da atividade definida
pelo jogo, aos comentários sobre o andamento da brincadeira, à preparação dos
objetos e às peças da brincadeira.
b) Fantasiar (FNT): Episódios verbais de interação lúdica, com conteúdo de
fantasia. Entende -se por fantasia as ações ou verbalizações que extrapolam os
limites físicos do brinquedo, brincadeira ou jogo por meio de representação de
papéis, imaginação, simulação, faz -de -conta, etc. As falas incluídas nessa
categoria podem se referir a: animismo a objetos, elaboração de histórias,
incorporação de personagens, desempenho de papéis, etc.
c) Fazer Exercícios (FEX): Episódios verbais de interação em que a
criança realiza exercícios em sessão junto com o terapeuta ou sob a
supervisão deste. A diferença entre o “exercício” e o “brincar” consiste
no primeiro se referir a atividades, normalmente programadas pelo
terapeuta, para serem feitas durante a sessão, como, por exemplo,
caligrafia, escrever uma história, desenhar de acordo com um tema
proposto pelo terapeuta, fazer as tarefas da escola em sessão. A própria
criança diferencia o exercício do brincar, exemplificado quando, não
raro, ela questiona com frases como “depois que terminarmos aqui,
podemos ir brincar?”.
d) Conversar Decorrente (CDE): Episódios verbais (sobre eventos dentro ou fora
da sessão, ou abstratos/conceituais) com tema associado a alguma variável do
brinquedo, brincadeira, jogo ou atividade em curso. Nesse caso, é possível que
o terapeuta e a criança continuem brincando enquanto conversam, ou que o
brincar/fazer atividade seja interrompido por alguns instantes. Quando o
brincar/fazer atividade é interrompido, pode-se retornar a este depois da
conversa, ou não. As falas incluídas nessa categoria referem-se a associações
entre, por exemplo, brincar de escolinha e conversar sobre a professora ou o
desempenho escolar da criança; brincar com “família de bonecos” e
comportamentos dos familiares em relação à criança; brincar com um jogo
qualquer e questionar com qual coleguinha a criança joga esse jogo.
e) Conversar Paralelo (CPA): Episódios de interação em que o
brincar/fazer atividades está apenas temporalmente relacionado ao
conversar, mas os temas são diferentes e, portanto, independentes. O
brincar/fazer atividades é ação (geralmente motora) que ocorre
paralelamente a uma interação verbal sobre diferentes temas não
pertinentes a tais ações. As falas incluídas nessa categoria se referem,
por exemplo, a conversar sobre a escola enquanto se brinca de modelar
argila; conversar sobre a família enquanto se colore um desenho não
associado à família; conversar sobre atividades da semana durante o
jogo de damas.
f) Conversar sobre Brincar (CBR): Episódios verbais de interação não lúdica com
conteúdo referente a brinquedo, brincadeira ou jogo. As falas incluídas nessa
categoria podem se referir a: comentários sobre brincadeira já encerrada;
planejamento de brincadeiras posteriores; comentários sobre os brinquedos da
sala; relatos sobre brincadeiras do cotidiano da criança.
g) Conversar Outros (COU): Episódios verbais de interação não lúdica com ações
ou verbalizações referentes a quaisquer temas, exceto brinquedo, brincadeira
ou jogo. As falas incluídas nessa categoria se referem, por exemplo, a:
apresentar -se, fornecer informações sobre a terapia, dialogar sobre o que a
criança está aprendendo na escola ou sobre a rotina da semana, etc.
A organização dos diferentes usos do brincar, nas categorias apresentadas,
demonstra ao clínico a possibilidade de realizar diversas escolhas baseadas não
apenas em quais brinquedos encontram -se disponíveis na sala, mas no que ele
pode fazer com cada um. Alguns brinquedos, com regras menos estruturadas
(como bonecos, massinha e desenhos) favorecem o uso da imaginação, em
interações do tipo Fantasia. Outros são mais estruturados (como jogos de
tabuleiro e de cartas), em que vários comportamentos podem ser observados e
manejados, e favorecem interações do tipo Brincar.
Tanto em jogos estruturados quanto em atividades mais livres, o clínico pode
estabelecer relações entre o brincar e o cotidiano da criança (ou ensinar a
criança a fazê-lo), em interações do tipo Conversar Decorrente. Além disso,
pode conversar sobre o cotidiano enquanto brinca (Conversar Paralelo) ou
conversar com a criança sem brincar (Conversar sobre Brincar, ou Conversar
Outros).
Conforme a classificação apresentada, o Fantasiar é uma das
possibilidades do brincar e seu uso na avaliação é útil para identificar
comportamentos encobertos e manifestos da criança (por exemplo,
Regra, 1997; Penteado, 2001). A inclusão de estratégias lúdicas e de
fantasia na avaliação (e também na intervenção direta com a criança)
propicia a ampliação das relações, que passam a se dar não apenas
entre a criança e o clínico como também entre eles e os personagens
das brincadeiras (Conte e Regra, 2002).
Na fantasia, a criança atribui funções e características a objetos e
personagens para além daquelas que poderiam ser observadas na
realidade. Por exemplo, um pino de madeira se torna o “irmãozinho”;
um boneco de massinha pode “falar e andar”; o desenho de um patinho
evoca uma longa história sobre esse personagem.
A maior riqueza do uso do brincar em sessão é que, embora muitas
vezes o clínico não consiga fazer com que a criança relate, isso não
necessariamente seria um pré‐requisito para a terapia acontecer. Em
outras palavras, ao mesmo tempo em que o clínico observa e avalia os
comportamentos da criança na brincadeira, ele já intervém diretamente
sobre eles.
Quatro procedimentos de
intervenção: modelação,
esvanecimento (fading),
modelagem e bloqueio de
esquiva.
Modelação
Uma vez que a criança esteja exposta à presença do clínico, isso significa
que, a todo momento, suas respostas podem funcionar como
antecedentes para a criança imitá-las, mesmo que ele não tenha
planejado isso. Tendo este ponto em vista, o clínico precisa atentar para
como deve se portar diante da criança, pois pode modificar
contingências via modelação.
Sua postura, longe de ser estanque, varia em função de características
de cada criança que está sendo atendida. Ao brincar com uma criança
com dificuldades para perder no jogo, por exemplo, o clínico, ao perder,
pode dar um modelo do tipo: “Que raiva! Eu odeio perder! Vamos jogar
de novo? Quero uma revanche...”. Assim, valida os sentimentos
correlatos dessa contingência (a raiva), mas demonstra uma reação
diferente da agressividade ou da birra (o tentar novamente). Em outro
caso, ao atender uma criança com TOC, excessivamente organizada e
limpa, ele pode, propositalmente, sujar -se com tintas, esquecer os
brinquedos jogados “para juntar depois”, e assim por diante.
Esvanecimento (fading)
O princípio do esvanecimento é o acréscimo e/ou a retirada gradual de
estímulos antecedentes em uma contingência, com vistas a transferir o
controle de uma resposta de um estímulo para outro. Esse princípio
deve ser lembrado constantemente pelo clínico infantil, porque
minimiza a probabilidade de esquiva da criança frente a temas ou
interações mais aversivos, quando colocados gradualmente.
Uma criança com dificuldades de aprendizagem, por exemplo, pode
recusar-se a fazer tarefas escolares em sessão, mas pode aceitar mais
facilmente jogos que contenham algumas letras, que, aos poucos,
podem ser substituídos por desenhos com frases explicativas, e estes
pelo uso de uma lousinha para brincar, até o ponto em que se engaje
nestas tarefas em seu caderno, com o clínico. A resposta de engaja -se
em atividades escolares passa do controle do estímulo “brinquedo”
para o estímulo “caderno”.
Modelagem
O esvanecimento dos estímulos antecedentes é uma estratégia que
não deve ser desvinculada da modelagem. O principal requisito para um
bom processo de modelagem é a habilidade do clínico para atentar para
respostas adequadas da criança. Parece fácil, mas, não raro, essas
respostas ocorrem em baixa frequência, ou, ainda, pertencem à classe
de comportamentos que se pretende instalar, mas não correspondem
exatamente ao comportamento final esperado.
Vamos supor uma criança opositora que quase não relata eventos do
cotidiano – isso costuma ser um desafio para o clínico. Mas,
eventualmente, ela emitirá pequenos e breves relatos. Ainda que não
relate sobre seus problemas, seus sentimentos e seus relacionamentos
(resposta final esperada), ela poderá falar algo bastante simples, como
“eu tinha um carrinho como esse, mas quebrou”, durante uma
brincadeira. Essa pequena fala pertence à classe geral de “relatos”, e, se
o clínico estiver atento e ficar sob controle desta análise, poderá reagir
à tal fala de modo diferente.
Outra questão que se coloca na modelagem diz respeito a qual
consequência o clínico apresenta na tentativa de reforçar respostas da
criança. Elogios devem ser emitidos com muita ressalva, pois não
necessariamente são reforçadores, além de serem excessivamente
artificiais. O clínico pode testar a eficácia (pela reação da criança) de
diversas consequências, como, por exemplo: um olhar mais atento, uma
simples interjeição exclamativa, rir com a criança, fazer uma
autorrevelação concordando com ela, descrever de forma autêntica
seus sentimentos ou simplesmente deixar as consequências intrínsecas
agirem.
Sobre este último item, por exemplo, se uma criança ajuda a guardar os
brinquedos, a consequência intrínseca é ter a sala arrumada; se uma
criança conversa, a consequência intrínseca é o interlocutor manter -se
interessado e ouvindo.
Bloqueio de esquiva
O bloqueio de esquiva, ao mesmo tempo em que se constitui em uma
consequência para as esquivas da criança, é estímulo discriminativo
para a emissão de respostas alternativas que seriam, então, reforçadas
na modelagem. Na brincadeira, o clínico pode bloquear as esquivas da
criança de forma direta e clara, ou por meios mais criativos e/ou sutis.
No primeiro caso, quando uma criança desiste de uma brincadeira
difícil, ele pode dizer: “Não vale desistir. Eu te ajudo, você vai
conseguir”. Ou pode reexplicitar certas regras, como: “Nós só podemos
jogar o próximo jogo se terminarmos esse, lembra?”.
No segundo caso, ele pode desafiar a criança (“Duvido que você jogue
de novo!”), utilizar fantasia (“O meu bonequinho não desistiu... vou
perguntar se o seu quer jogar mais... ‘você quer jogar mais?’... olha,
acho que ele quer...”), e assim por diante. No bloqueio de esquiva, o
clínico não pode deixar de atentar para o nível de dificuldade da
atividade.
Ora, se a criança está se esquivando, é porque:
a) está na presença de um estímulo que é, de alguma forma, aversivo (e
esquivar -se é reforçado negativamente) e/ou
b) no dia a dia, ela é reforçada positivamente pelas suas tentativas de
livrar -se de atividades (caso receba, por isso, mais atenção), e está
repetindo esta resposta.

Em ambos os casos, a princípio, o clínico pode diminuir o nível de


exigência da atividade, ajudando a criança a completá-la, o que já seria
uma resposta alternativa a ser reforçada.
Importante destacar que o clínico infantil não deve minimizar a
importância de interações sem brincar com a criança. As- sim como
ensinar a brincar (em geral, é importante para a criança interagir dessa
forma com colegas e amigos), ensinar a conversar também é
importante, por se constituir em um repertório indispensável para a
interlocução especialmente com adultos (pais, professores e outros),
que têm grande poder de reforçar ou punir suas respostas. É provável
que muitas crianças apresentem diversos problemas de
comportamento, em parte porque não estão sendo capazes de dialogar
– seja porque não aprenderam esse repertório, seja porque esse
repertório não é suficientemente reforçado no contexto em que elas
vivem.

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