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TRATADO

DE
DIREITO COMEHCIAl BH4Sllf IHO
POR
,
JOSE XAVIER CARVALHO DE MENDONÇA
ADVOGADO

5.ª EDIÇÃO POSTA EM DIA

POR

ROBERTO CARVALHO DE MENDONÇA

*
VOLUME III

LIVRO II

Dos comerciantes e seus auxiliares

PARTE III

Das sociedades comerciais

.fünania 1'1eitas Bastas s/a.


RIO DE JANEIRO
• SÃO PAULO
·
e anoca R. 15 de Novembro, 62/6fJ
L argo d a l g B
5
Todos os exe1nplares são numerados e rubricados~

M 2577
LIVRO SEGUNDO

Dos comerciantes e seus auxiliares

(Continuação)
PARTE III

Das sociedades comerciais

Sumário: - 506. As sociedades comerciais são co1nerciante1.


- 507. Objeto desta parte terceira. - 508. As
fontes legislativas. - 509. As sociedades comerciais
regulam-se: pelas leis comerciais. - 510. Pela con·
venção das partes. - 51 t. Pelos usos comercials.
- 512. E pelo Direito Civil.

506. São comerciantes as sociedades comerciais, pes..


soas jurídicas constituídas especialmente para o exercício do
comércio, e, como tais, sujeitas às mesmas obrigações legais
e investidas de todos os direitos e prerrogativas dos comer..
ciantes em geral, já dissemos em os ns. 9 e 121, do 2.º vo-
lume dêste Tratado.
Acrescentamos em o n. 122 que a qualidade de comer-
ciante impressa nessas sociedades não dependia do concurso
dos elementos que caracterizam a das pessoas naturais ou fí-
sicas. Elas se fundam justamente para o exercício de atos de
comércio por natureza. A qualidade de comerciante lhes é
inata; manifesta-se e acentua-se desde o momento em que
são constituídas.
A sociedade comercial, que não reveste a forma anô-
nima, chama-se, algumas vêzes, firma, denominação que
convém afastar (1), e a sociedade anônima, ordinàriamente,
companhia (2).

(J) Vejam-se as considerações da nota ao n. 173, vol. 2. 0 , dêste Tratado.


Entre muitos, os acórdãos da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 30 de
julho e de 24 de agôsto de 1909, chamam a sociedade firma social (Revista de
Direito, vol. 15, págs. 172-173 e 174).
(2) As primeiras palavras do art. 1.º do Dec. 434, de 4 de julho de 1891,
estabelecem exnressamente a sinonímia. (*) A êsse assunto tornaremos oportn·
PARTE III

Das sociedades comerciais

Sumário: - 506. As sociedades comerciais são comcrclant1:1.


- 507. Objeto desta parte terceira. - 508. As
fontes legislativas. - 509. As sociedades comerciais
regulam-se: pelas leis comerciais. - 510. Pela con-
venção das partes. - 511. Pelo9 US09 comercials.
- 512. E pelo Direito Civil

506. São comerciantes as sociedades comerciais, pes-


soas jurídicas constituídas especialmente para o exercício do
comércio, e, como tais, sujeitas às mesmas obrigações legais
e investidas de todos os direitos e prerrogativas dos comer-
ciantes em geral, já dissemos em os ns. 9 e 121, do 2. 0 vo-
lume dêste Tratado.
Acrescentamos em o n. 122 que a qualidade de comer-
ciante impressa nessas sociedades não dependia do concurso
dos elementos que caracterizam a das pessoas naturais ou fí-
sicas. Elas se fundam justamente para o exercício de atos de
comércio por natureza. A qualidade de comerciante lhes é
inata; manifesta-se e acentua-se desde o momento em que
são constituídas.
A sociedade comercial, que não reveste a forma anô-
nima, chama-se, algumas vêzes, firma, denominação que
convém afastar (1), e a sociedade anônima, ordinàriamente,
companhia (2).

( 1) Vejam-se as considerações da nota ao n. 173, vol. 2. 0 , dêste Tratado.


Entre muitos, os acórdãos da 2.ª Câmara dá Côrte de Apelação, de 30 de
julho e de 24 de agôsto de 1909, chamam a sociedade firma social (Revista de
Direito, vol. 15, págs. 172-173 e 174).
(2) As primeiras palavras do art. t. 0 do Dec. 434, de 4 de julho de 1891,
estabelecem expressamente a sinonímia. ( •) A êsse assunto tornaremos oportn-
( •) Decreto n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. t.0 •
8 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

507. No presente volume, que forma a parte terceira


do livro segundo dêste Tratado, serão estudadas as sociedades
comerciais no duplo aspecto de pessoas jurídicas e de con-
trato.s. As sociedades anônimas, comercial ou civil o seu
objeto, aí se compreenderão, visto como tôdas se acham sujei-
tas à mesma disciplina legal (n. 509 infra).
Bastaria, talvez, neste livro segundo, destinado às pessoas
de Direito Comercial (n. 1 do 2. 0 volume), discorrer sôbre a
personalidade jurídica daquelas sociedades. Dá-se, porém, que
o contrato, mediante o qual elas se constituem, não é ato
de comércio por natureza, porém, pela fôrça ou autoridade
da lei (n. 379 do 1.0 vol., 2.ª ed.); não é ato praticado no
exercício de mercancia, e, em rigor, não se o pode contemplar
entre os contratos fundamentais comerciais, que, em ocasião
oportuna, serão estudados neste Tratado.
Sobreleva notar que, surgindo do contrato a personali-
dade jurídica das sociedades, mutilar-se-iam a unidade e a
harmonia das regras dominantes no instituto se não as apre-
ciássemos na sua complexidade.
508. Não se encontram enfeixadas em um só diploma
tôdas as disposições sôbre as sociedades comerciais.
Cumpre, primordialmente, conhecer as fontes legislativas
dessa matéria.

509. As sociedades comerciais regulam-se (1):

namente. As sociedades comerciais em nome coletivo ou em comandita não


podem adotar em sua firma nem nos aditamentos a esta a expressão - Com-
panhia. Se assim fizerem não podem os contratos ser registados. (Decisões da
Junta Comercial de S. Paulo, de 2 de setembro e 18 de novembro de 1916,
no Relat. da Junta, 1916, págs. 64-65).
(!) O art. 191 do Cód. Com. é o assento fundamental desta matéria: "As
leis particulares do comércio, a convenção das partes sempre que lhes não fôr
contrária, e os usos comerciais regulam tôda sorte de associação mercantil;
não podendo recorrer-se ao Direito Civil para a decisão de qualquer dúvida, que
se ofereça, senão na falta de lei ou uso comercial".
~te artigo teve por fonte próxima o art. 537 do Cód. Com. português, de
1833.
Regul. n. 737, art. 2. 0 , alínea 2. 8 : "Os usos comerciais preferem às leis
civis somente nas questões sociais ( art. 291) •.• ".
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 9

1. o Pelas leis comerciais.


Essas leis constam:
A) do Cód. Com., no Tít. XV, da parte primeira (ar-
tigos 287 a 353), e
B) dos atos legislativos subseqüentes, que ampliaram,
modificaram e alteraram as normas contidas neste Tít. XV,
a saber:
a) a Lei n. 3.150, de 4 de novembro de 1882, o Decreto
n. 8.821, de 30 de dêZembro de 1882, e os Decretos do Go-
vêrno Provisório, n. 164, de 17 de janeiro, n. 850, de 13 de
outubro, n. 997, de 11 de novembro de 1890, n. 1.362, de 14
de fevereiro, n. 1.386, de 20 de fevereiro de 1891, sôbre as so-
ciedades anônimas e as em comandita por ações, todos êstes
atos consolidados no Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, qv.c
será especiallnente citado neste Tratado como fonte legal da
matéria (1) (*);
b) o Dec ...:Legisl. n. 177-A, de 15 de setembro de 1893,
dando instruções para a emissão de empréstimos em obri-
gações ao portador (debêntures) das sociedades anônimas
(2) (**);
e) o Dec. n. 5.072, de 12 de dezembro de 1903, regu-
lando o funcionamento das companhias de seguros de vida;
marítimos e terrestres, nacionais e estrangeiras (3) (***);

O Cód. Com. francês, no art. 18, dispõe de outro modo: "Le contrat de
société se regle par le droit civil, par les lois particulieres au commerce et par
les conventions des parties".
A lei belga de 1873, art. 1. 0 , mandava seguir a convenção das partes, as
leis particulares do comércio e o Direito Civil.
(1-2) Sôbre a legislação relativa às sociedades anônimas, veja-se a parte
especial em que a estudamos.
( 3) Publicado em virtude da autorização conferida ao Poder Executivo
pelo art. 2. 0 , n. XII, da Lei n. 953, de 29 de dezembro de 1902.
Vejam-se maiores explicações no Tít. IV, onde trataremos das sociedades
anônimas.
( *) O dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, e as leis que êle consolidou
foram revogados pelo dec.-lei n. 2.627, de 26 de setembro, que hoje rege a3
sociedades anônimas.
(**) V. também lei n. 5.465, de 9 de fevereiro de 1928; Decreto-lei
n. 781, de 12 de outubro de 1938 e Decretos-leis ns. 1.392 de 29 de junho
de 1939 e 7.390, de 16-3-1945.
(***) Regem-se hoje os seguros pelo Dec.-lei n. 2.063, de 7-3-1940.
10 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

d) o Dec. Legisl. n. 149-B, de 20 de julho de 1893,


sôbre títulos ao portador, aplicável às ações e obrigações ao
portador das sociedades anônimas (art. 16, letra b);
e) o Dec. n. 916, de 24 de outubro de 1890, na parte
relativa às firmas ou razões sociais (*);

f) a Lei n. 1.350, de 14 de setembro de 1866, derro-


gando o juízo arbitral necessário, estabelecido pelo art. 20 do
Título único do Cód. Com., Dec. n. 3.900, de 26 de junho de
1867, regulou o juízo arbitral facultativo do comércio. As
suas disposições estão adotadas com modificações pelas leis
ou Códigos processuais do Distrito Federal ou dos Estados
(1) (Veja-se n. 599 infra);

g) a Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, na parte


relativa à falência das sociedades comerciais e anônimas (**);
h) a Lei das cooperativas (***).

510. 2. 0 Pela convenção das partes, sempre que não


fôr contrária às leis comerciais (2). A convenção é a primeira
lei que os contratantes a si próprios impõem como norma a
observar.
Aos interessados não é permitido ajustar cláusulas que
se oponham às disposições proibitivas ou imperativas da lei.
Nas sociedades anônimas, numerosas são essas disposições,
que constituem a sua regulamentação. Nas outras formas de
sociedade é maior a liberdade dos contratantes.

( 1) No Distrito Federal, o processo do juízo arbitral regula-se peto-


Dec. n. 3.900, de 1867, e pelas disposições dos arts. 194 a 196, do Dec. n.
9.263, de 28 de dezembro de 1911. Em S. Paulo, rege-se pelo Dec. estadual
n. 123, de 10 de novembro de 1892, arts. 62-67.
(2) Cód. Com., art. 291. Da impressão oficial do Código não constava
a partícula não. O Dec. n. 3.257, de 10 de abril de 1899, retificou o text<>
legislativo. Na verdade, o projeto original do Código.
( *) No que se refere à proteção do nome comercial v. Cód. de Pro-
priedade Industrial (Dec.-lei 7.903, de 27-8-45). .
(º) Substituída pelo Decreto-lei n. 7.661, de 21 de _Junho de 1946.
(º*) Regem-se hoje as cooperativas pelo Decreto-lei n. 5:893, de 19-
de outubro de 1943, alterado pelo Dec.-lei n. 6.274, de 14 de fevereiro de 1944.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 11

511. 3. 0 Pelos usos comerciais (1). Sôbre êste assunto


vejam-se os ns. 120 a 137 do 1.0 vol., 2.ª ed. dêste Tratado.
Não temos usos sôbre o assunto que estudamos; pelo menos
não os conhecemos (2).
512. 4. 0 Pelo Direito Civil, na falta de lei ou uso
comercial (3) .
Na parte relativa às sociedades refletem-se intensamente
as transformações do Direito Comercial, provenientes do de~
senvolvimento da indústria e do comércio (4). O rigor imu-
tável e tranqüilo dos preceitos do Direito Civil ser-lhes-ia tro-
pêço. Eis porque a lei civil, no sistema do Código, é a última
fonte a ser consultada; sàmente na falta de convenção de
lei comercial e de uso mercantil, invocam-se as suas
regras (5).
O nosso Direito Civil sôbre as sociedades acha-se con-
substanciado na Ord. do Liv. 4, Tít. 44 (6) (*), cujas dispo-
sições não estão na altura do progresso científico (7). Prefe-
re-se, por isso, ao próprio Direito Civil, nesse assunto, o que
as nações de cultura jurídica adiantada adotaram em suas
leis e Códigos comerciais.. (Veja-se n. 121, l.º vol., 2.ª ed.
dêste Tratado).

(1 ) Cód. Com., art. 291.


(2) Os escritores franceses costumam dizer que os usos presidiram o
nascimento e o desenvolvimento das sociedades de pessoas (DELOISON, Des
sociétés commerciales, Préface, pág. XVI) . Não podemos afirmar outrotanto,
porque já encontramos os Códigos francês, português e espanhol, que serviram
de fonte ao nosso.
(3) Cód. Com., art. 291.
( 4) Observa-se em tôdas as nações o trabalho constante da perfeição
das leis sôbre as sociedades comerciais. Na França, Inglaterra, Bélgica, Alema-
nha, notam-se, desde a segunda metade do século XIX, grandes reformas, e
logo depois de a lei publicada, a ciência e a jurisprudência apontam a nece.>-
sidade da sua melhora, tais as múltiplas e variadas reações que surgem dia
a dia. Quanto às reformas das leis sôbre sociedades anônimas, diremos espt:-
cialmente em outro lugar.
(5) FERREIRA BORGES, Dicionário jurídico comercial, verb. Socie-
dade: "Não percam isso de vista os jurisconsultos, os magistrados, aliás, farão-
ao comércio males maiores que a guerra".
(6) Consultem-se: TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação das leis civis,
arts. 742 a 766; CARLOS DE CARVALHO, Nova consolidação, arts. 1.277
a 1.287.
(7) CLóVIS, Em defesa do projeto do C6d. Civil brasileiro, pág. 13S.
(*) Hoje rege as sociedades civis o Código Civil, no Tít. V, Cap. XI.
12 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Aqui não se pode dispensar a comparação das legislações,


para assentar princípios gerais sôbre o instituto das socie-
dades, e suprir, por meio do paralelismo, as lacunas da legis-
lação pátria, já antiquada e defeituosa. Conseguiremos, dêsse
modo, a melhor interpretação, acomodada às exigências do
tempo e ao desenvolvimento das instituições. Há, ainda, a
observar que as leis sôbre sociedades, publicadas subseqüen-
temente ao Código, se inspiram em leis estrangeiras e é
sempre útil consultar a jurisprudência formada em tôrno
destas fontes. (Veja-se n. 179, 1.0 vol., 2.ª ed. dêste Tra-
tado) (1).

( I ) Promulgado que seja o Código Civil, e porque não temos usos co-
.merciais, constituirá êste Código a fonte mais direta e imediata, especialmento;:
para regular as relações dos sócios entre si, salvo nas sociedades anônima~.
O Cód. Com. referiu-se de preferência às relações das sociedades e dos sóci<Js
.para com terceiros. ( •)
( •) O Código Civil entrou em vigor no dia 1.0 de janeiro de 1917 •
TfTULO I

Dos princípios preliminares e básicos sôbre as sociedades


comerciais

Sumário: - 513. Falta de unidade da legislação sôbrc êsses


princípios.

513. As normas legislativos sôbre as sociedades comer-


ciais não obedecem a idéias fundamentais dominantes do
instituto.

O Cód. Com. havia contemplado, no Cap. I, Tít. XV,


oito artigos (287 a 294) com as disposições gerais sôbre as
companhias e sociedades comerciais. Decretada a Lei das so-
ciedades anônimas e em comandita por ações e estabelecidast
por outros atos subseqüentes ao Código, novas regras sôbre
as sociedades que não revestem qualquer dessas formas, as
disposições daqueles artigos perderam o caráter de unidade
ou de conjunto (Veja-se n. 509 supra). Surgem, por isso, em·
baraços à exposição dos princípios preliminares aplicáveis a
tôdas as formas de sociedades comerciais.

Complicam o assunto textos mal redigidos, especialmente


os da Lei sôbre as sociedades anônimas (1), e a falta de leis
civis, na altura do nosso progresso jurídico (n. 512 supra).

( 1) "Reproduzem-se as irregularidades da execução da Lei das socie-


dades anônimas, umas oriundas em disposições antinômicas da lei, outras pro-
venientes da falta de clareza de certas prescrições ... " (Relatório do Presidente
da Câmara Sindical dos Corretores de Fundos Públicos do Distrito Federal,
1907, pág. 7).
14 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

CAPfTULO I

Das noções gerais sôbre o contrato de sociedade comercial

Sumário: - 514. Define-se o contrato de sociedade comer-


cial. - 515. A definição da Ord. 4.44. - 516. De-
nominações do contrato social. - 517. Contratos
mo<1ificativos. - 518. Número de sócios. - 519. O
contrato de sociedade é bilateral. - 520. E a título
oneroso. - 521. O contrato preliminar de sociedade
comercial.

514. A sociedade comercial surge do contrato mediante


o qual duas ou mais pessoas se obrigam a prestar certa con-
tribuição para um fundo, o capital social, destinado ao exer-
cício do comércio, com a intenção de partilhar os lucros entre
si (1).

O comércio é exercido sob o nome e a responsabilidade


direta da sociedade, administradora do seu patrimônio.

Se a intenção dos sócios é frustrada, se ao invés de lucros


há prejuízos, dêstes participam os contratantes (2).

Da noção que aí fica, apura-se desde logo, esta singula-


ridade: os sócios cooperam para o escopo comum, e, em
lugar dos interêsses antagônicos ou opostos, que se observam
nos outros contratos, na de sociedade, todos os sócios se es-
forçam para o mesmo resultado, no qual estão empenhados.

( 1) As sociedades comerciais, propondo-se ao exerc1c10 de determinada


indústria, são sociedades particulares (contrapostas às universais); basta aten-
der ao art. 302, n. 4, do Cód. Com., que exige se especifique o objeto da
sociedade e se declare no contrato a quota com que cada um dos sócios entra
para o capital social; são, na linguagem jurídica romana, societates quaestuarive
societates lucri, quaetus, compendii, por visarem o ganho, ou, na linguagem
atual, societates negotiationes alicujus, sociedades de indústrias, por fües ser
da essência o exercício de certa indústria.
(2) Muitos entendem que não há necessidade de se declarar na defi-
nição a participação dos sócios nas perdas por ser êste o resultado e não o
intuito dos que se associam.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 15

Cada um dêles tem um fim, se nao idêntico, ao menos


semelhante ao dos outros ( 1) .
Sôbre essa cooperação dos sócios, diremos em os nú-
meros 529 e seguintes infra.

515. A Ord. do Liv. 4, Tít. 44, in princ., define o con-


trato de sociedade, que ela denomina de companhia, "o que
duas ou mais pessoas fazem entre si, ajuntando todos os
seus bens ou parte dêles para melhor negócio e maior
ganho" (2).

( 1 ) Daí a referência de THALLER ao laço simpático, formado pelo


contrato da sociedade: "C'est un caractere qu'on releve, en disant que la société
crée aux parties qui la forment un intérêt commum et non pas un intérêt
contraire" (Traité élémentaire de droit commercial, 4.ª ed., n. 220).
VIVANTE também observa que "il contratto di società opera la trasfor-
mazione dei loro interessi individuali e divisi (dos sócios) in un solo interesse
collettivo" (Trattato di diritto commerciale, 3.ª ed., 2. 0 , número 303).
Os sócios têm interêsses convergentes, achando-se um ao lado do outro na
cooperação social, o que traz vantagens comuns a todos. Por isso, a expressão
contrato, supondo a idéia de duas ou mais pessoas com interêsses antagônicos
umas em face das outras, não passa sem crítica para traduzir o ato institu-
cional da sociedade. Os alemães preferem a palavra V ereinbarung a Vertrag.
No Direito Romano, o sócio tinha contra outro a actio pro socio, que
era ab utraque parte directa. Não existia actio pro socio contraria, exatamente
porque não há entre os sócios interêsses antagônicos quanto ao objeto do
contrato.
É possível a divergência entre os sócios quanto à distribuição dos lucroi,
à gestão social, às obrigações de cada um, aparecendo entre êles choque de
interêsses. Aqui tratamos, porém, dos interêsses fundamentais dos sócios tendo-
se em vista o fim social.
(2) O projeto do Código Civil, aprovado pela Câmara, no art. 1.363,
define assim: "Pelo contrato de sociedade duas ou mais pessoas se obrigam
a combinar seus esforcas ou recursos da maneira convencionada a fim de
obterem a realização dê um fim comum", ( *) definição inspirada no Código
Federal suíço das obrigações, art. 530. Desta definição se excluiu a preo-
cupação interesseira, voltando-se à noção romana, que, nas relações dos sócios
entre si, reconhecia a fraternidade. "Cum societas jus quoda modo f raternitatis
in se babet" (PAPINIANO, na lei 63, princ., Dig., pro socio). Nas sociedades
comerciais e especialmente nas sociedades anônimas, tal conceito é inadmissível,
porque é da essência destas sociedades a contribuição de alguma quota por
parte dos sócios (Cód. Com., art. 287; Dec. n. 434, art. 19). (**). Serve êle,
entretanto, para acentuar a perfeita harmonia que deve reinar entre os sócios,
a fim de ser conseguido o escopo social e mantida a boa-fé na interpretação
do contrato.
( *) Disposição atual do art. 1.363 do Código Civil: "Celebram con-
trato de sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar seus
esforços, ou recursos, para lograr fins comt·ns".
( **) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 4. 0 •
16 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Essa noção é inaplicável às sociedades civis (1) e às so-


ciedades comerciais. Quanto a estas, porque, como diremos
adiante, têm um capital autônomo seu, formado pelas quotas
dos sócios (2), e a definição, nos têrmos da condenação, dá
a entender que os bens conferidos na sociedade continuam
na propriedade dos sócios (ajuntando todos os seus bens ou
partes dêles) .
516. O contrato, que organiza a sociedade, dando-lha
a forma, disciplinando-lhe a vida, entregando-lhe um negó-
cio ou estabelecimento mercantil e regulando-lhe a extinção,
chama-se instrumento ou ato da instituição da sociedade (3),
contrato primordial (4), contrato social (5), ato socZal (6).
Nos sociedades anônimas o complexo das bases, cláusulas
ou condições dêste contrato denomina-se estatutos (7).
Ao contrato orgânico da. sociedade dá-se quase sempre o
nome de sociedade, de modo que, na linguagem mercantil,
esta palavra vem a ter dois sentidos: o contrato e a pessoa
jurídica, dêle resultante.
517. Sendo livre aos .contratantes alterar os seus pactos,
podem, na vigência do contrato primordial, celebrar outros
contratos, tendo por objeto o aumento do capital ou do nú-·
mero dos sócios ou quaisquer cláusulas reguladoras dos seus
direitos e interêsses. tstes contratos dizem-se modificativos.
Muitas têm sido as definições de sociedade. Nenhuma delas ficou isenta
da crítica. Ainda hoje se festeja a de POTHIER: "Le contrat de société est
un contrat par lequel deux ou plusieurs personnes mettent ou s'obligent de
mettre en commun quelque chose, pour faire en commun un profit honnête,
dont elles s'obligent réciproquement de se rendre compte".
(1) Veja-se a crítica de CLóVIS, no Direito das obrigações, § 160,
idêntica à de TEIXEIRA DE FREITAS, na Consolidação, nota 1 ao art. 742.
(2) Cód. Com., arts. 287, 289 et passim.
( 3) Cód. Com., art. 307.
(4) Cód. Com., art. 307, 2.ª alínea.
(5) Cód. Com., arts. 300, 332 et pasl·im; Dec. n. 916, de 24 de outubro
de 1890, art. 11, g; Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 9, n. 2
et pas.rim: Dt>c. n. 434, de 4 de julho de 1891, arts. 14, § 1. 0 , 17, § 2. 0 , 19, 84,
l 00 e/ passim. .
(6) SILVA LISBOA, Princípios de Direito Mercantil, ed. CANDIDO
MENDES, vol. 2. 0 , pág. 499.
(7) Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, arts. 17, § 2.0 , 72, 75, 80, 84,
89, 100, 102, 105 et passim. (*)
( •) Decn:to-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 40, 11.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO L1

518. No contrato institucional da sociedade concorrem


no mínimo duas pessoas (1). Nas sociedades anônimas e nas
em comandíta por ações, exige a lei pelo menos sete sócios
(2). E' ilimitado o número máximo.
519. O contrato de sociedade é bilateral, porque, desde
o momento da sua formação, obriga reciprocamente os
contratantes, uns para co:n os outros e a todos para com a
sociedade. Se um dos sócios não cumpre as obrigações con-
traídas, é permitido a qualc:~-i:~r outro sócio requerer a disso-
lução judicial (3).
Na sociedade que reveste a forma anônima, consis-
tindo a principal ou única obrigação do sócio na entrada do
valor declarado na ação, o acionista pode ser judicialmente
forçado a cumprir esta obrigação, sem que a sociedade se
dissolva (4).
520. O contrato de sociedade é, também, a título one-
roso, porque nêle se cogita da vantagem recíproca dos con-
tratantes: "donationis causâ, societas recte non contrahitur"
(ULPIANO, na Lei 5. a, § 2. o, Dig. pro socio) . Para êsse fim,
cada sócio se obriga a dar ou fazer alguma coisa (5) no in-
tuito ou esperança de obter lucro, proveniente das operações
mercantis da sociedade. Se êste lucro se malogra e o sócio
responde pelas obrigações sociais, nem por isso, perde a so-
ciedade o cunho oneroso, pois o caráter jurídico do contrato
provém da sua natureza e do escopo que visam os contratan-
tes e não dos resultados efetivamente conseguidos (6).

( 1) Cód. Comm., arts. 311, 315, 325 et passim.


Conforme um texto do Direito Romano, tres faciunt collegium (L 85,
Dig., verb. signif). Era regra arbitrária.
(2) Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, arts. 1, 148, n. 6.151 e 229 (*).
(3) Cód. Com., art. 336, n. 3.
(4) Dec. n. 434, de 1891, arts. 33 e 148 (**).
( 5) Cód. Com., art. 287; Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, artigo
15 ("'**).
(6) VIDARI, Corso di dirillo commerciale, vol. l, 5.ª ed., n. 712;
PATERI, La società a11011ima, n. 15.
( *) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 38, 1. 0 o
art. 137, d.
(*"') Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, arts. 76 e 137.
( .,,u) Cit. Decreto-lei n. 2.627, art. 74. in principio, e art. 76, b.
18 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

521. Os escritores admitem a validade do contrato


preliminar da sociedade, isto é, o contrato pelo qual as partes
prometem constituí-la, desde que êste indique o objeto espe-
cífico da projetada sociedade, a duração e as quotas, ao me-
nos aproximadas, que deve realizar cada contratante (1).
~te contrato preliminar não basta para provar, por si só, a
existência da sociedade, obrigando os contratantes para o
futuro; produz a obrigação de fazer, resolvendo-se esta, no
caso de não execução, em perdas e danos (2).

CAPÍTULO II
Das condições fundamentais do contrato de sociedade
comercial
Sumário: - 522. Duas ordens de condições.

522. O contrato institucional da sociedade deve reunir


duas ordens de condições: umas comuns aos contratos em
geral e outras que lhe são específicas.

SEÇÃO I
Das condições com.uns a todos os contratos

Sumário: - 523. Uma explicação. - 524. Condições comuns:


a capacidade dos contratantes. - 525. Sociedades
comerciais sócias de outras. - 526. A livre mani-
festação da vontade. - 527. O objeto lícito.

523. Tudo que respeita às condições comuns dos con-


tratos será apreciado neste Tratado na parte destinada às
obrigações e contratos comerciais. Para não mutilar o ins-

(1) ARTHUYS, Traité des sociétés commerciales, vol. 1. 0 , n. 9; PIC,


Des sociétés commerciales, vol. 1. 0 , n. 442.
(2) HEMARD, DPJ" nullités de sociétés et des sociétés de fait, nota 2,
pág. 165.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 19

tituto, objeto de nosso atual estudo, teremos de adiantar. al-


guma coisa, ainda que resumidamente.

524. Entre as condições comuns a todos os contratos,


devemos especializar as seguintes:
l.ª A capacidade dos contratantes (1). Aplicam-se aqui
as regras do Direito Civil.
Quanto aos menores, vejam-se os ns. 53 e 54 supra, e
quanto às mulheres casadas habilitadas para comerciar, o
n. 73 supra.
Os menores e interditos podem, entretanto, ser acionistas
das sociedades anônimas e em comandita por ações.

525. As sociedades comerciais podem tomar parte em


outras sociedades. Freqüentemente vemos sociedades anôni-
mas subscreverem ou adquirirem ações de outras (2).

526. 2.ª A livre manifestação da vontade. Como con-


seqüência, são anuláveis os contratos de sociedade onde

(1) Cód. Com., art. 129, n. 1.


(2) ROUSSEAU, Des sociétés commerciales, 4.ª ed., vol. 1. 0 , n. 246;
LYON-CAEN et RENAULT, Traité de droit commercial, 4.ª ed., vol. 2, P. I.,
n. 114; SIVILLE, Traité des sociétés anonymes belges, vol. 1.0 , n. 234.
VIVANTE, na 1.ª edição do seu notável Trattato, vol. 1, n. 290, f, opi-
nava que as sociedades anônimas e em comandita não podiam ser sócias nas
sociedades de responsabilidade ilimitada. Na 2.ª edição, n. 288, e na 3.ª ed.,
vol. 2. 0 , n. 298, e, admite que as sociedades de responsabilidade limitada
possam entrar como sócias nas sociedades em nome coletivo.
A restrição primeiramente feita por VIVANTE era difícil de ser su~­
tentada, desde que se considerasse a sociedade como pessoa jurídica. Todo o
patrimônio da sociedade responde solidàriamente pelas obrigações da outra
sociedade de que aquela fôr sócia; essa é a responsabilidade ilimitada.
A jurisprudência italiana parece que se vai formando nesse sentido. Na
Rivista di diritto commerciale, vol. 4. 0 , 1905, P. II, pág. 304, encontra-se uma
decisão da Cassação de Turim, julgando que a sociedade anônima podia ser
sócia da sociedade em nome coletivo". (Vejam-se também ARCANGELl,
La .wcietà in accomandita semplice, n. 79). Contra: MANARA, Delle societci,
vol. 2, n. 409.
Na Alemanha: BEHREND, Lehrbuch des Ha11delsrechts, nota 8 à página
463, pensa que as sociedades anônimas não podem fazer parte de sociedade
de responsabilidade ilimitada, mas COSACK (Lehrbuch des Handelsrecht~.
§ 106) opi1;1a de modo contrário.
20 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

houver fraude, dolo ou simulação, aplicando-se-lhes todos os


princípios de Direito Civil que disciplinam a formação dos
contratos em geral (1). O vício do consentimento importa
nulidade relativa, dependente da rescisão (2).

527. 3.ª O objeto lícito (3). A sociedade mercantil


pode ter por objeto tôdas as operações. da atividade humana
dentro da esfera do Direito Comercial. Não obstante, o ar-
tigo 129, n. 2, do Código declarar que o contrato não pode
recair sôbre objeto proibido por lei ou ter uso ou fim mani-
festamente ofensivo da sã moral e dos bons costumes, o ar-
tigo 287 insiste, visando as sociedades comerciais, e a lei sôbre
as sociedades anônimas entendeu acertado lembrar o pre-
ceito (4).

Seriam nulas de pleno direito as sociedades que tivessem


por objeto o entrave à liberdade de comércio (5), as ope-
rações de corretagem de fundos públicos (6), (*) o monopólio
de gêneros de primeira necessidade ou de qualquer ramos de

(1) Cód. Com., art. 129, n. 4.


(2) Regul. n. 737, de 1850, arts. 685 e 687.
A nulidade, neste caso e no da falta de capacidade dos contratantes (n.
524 supra), uma vez decretada, torna sem eficácia o contrato, subsistinc!o
entre os sócios um estado de fato que precisa ser liquidado. Os credores da
sociedade anulada têm de ser pagos.
(3) Cód. Com., arts. 129, n. 2, e 287. O Dec. n. 434, de 4 de julho
de 1891, art. 2. 0 , exige que o objeto comercial ou civil da sociedac!e anônima
não seja contrário à lei, à moral e aos bons costumes. Confira-se a Ord. Liv. 4,
TÍL 44, § 3 ( *"').
Falaremos em lugar oportuno do objeto das sociedades anônimas e das
outras.
( 4) No Direito Romano dizia a Lei 57, Dig., pro socio: "nec prreter-
mittendum esse, Pomponius ait, ita demum boc esse verum, si honestre et
licita: rei societas coi1a siL Ceterum si maleficii societas coi:ta sit, constat
nullam esse societatem; generaliter enim traditur, rernm inh.onestarum nullum
esse societatem". E a Lei 70, § ult., Dig., de fideiussor: ·'Flagitiosae rei societa
coita nullam vim habet".
(5) A Constituição Federal garante esta liberdade. É a questão dos
trustes e sindicatos de açambarcamento.
(6) Dec. n. 2.475, de 13 de março de 1897, art. 49a.
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de março de 1940, art. 2. 0 , in principio.
(**) Hoje o corretor pode fazer sociedade com os seus auxiliares, mas
apenas sôbre a gestão do capital invertido e não sôbre o cargo. - Decreto-
lei n. J.344, de 13 de junho de 1939, art. 32, in principio e § 1. 0 •
TRAT!~Do DE DIREITO COMEIWIAL BRASILEIRO 21

comércio (1), a pirataria, a fabricação de moeda falsa (2), a


exploração de jogos não autorizados, a prostituição, a pu-
blicação de livros obscenos, o contrabando (3) e muitas outras
coisas impossíveis de serem explicadas, pois, na frase de
NYSSENS et CORBIAU, teríamos de "embrasser le champ,
1llimité, de la perversité humaine" (4).

A nulidade, fundada no caráter ilícito do objeto da so-


ciedade, é de pleno direito e absoluta (5).

Os contratos ou estatutos sociais que encerram cláusulas


ofensivas à ordem pública, à sã moral e aos bons costumes
não se admitem ao Registo do Comércio (Veja-se n. 214-b,
vol. 1.º, 2.ª ed. dêste Tratado) (6).

(1) Dec. n. 2.711, de 19 de dezembro de 1860, art. 9, n. 1, art. 27,


regra 2.ª, e arts. 33 e 34. Consulte-se a Resolução Imperial, de 18 de abril
de 1874, com o parecer da seção de justiça do Conselho de Estado em
O Direito, vol. 5, págs. 353-366, e o Aviso do Ministério da Justiça, de 11
de julho de 1874, em O Direito, vol. 5. 0 , pág. 375.
(2) Nacional ou estrangeira. Lei n. 2.110, de 30 de setembro de 1909,
arts. 7, 12 e 15.
(3) Não somente o contrabando definido no art. 265 do Cód. Penal,
como o contrabando em fraude das alfândegas estrangeiras. A nulidade destas
sociedades é hoje geralmente admitida, já em virtude da idéia da solidariedade
internacional, já pelo atentado à moral pública, que resultaria da fraude à
lei estrangeira. A sociedade que viola os princípios do Direito das Gentes, é
reprovada pela consciência pública e pelos bons costumes.
( 4) Traité des sociétés commerciales, vol. 1. 0 , n. 46.
(5) Regul. n. 737, de 1850, arts. 684, § 1. 0 , e 687.
Trata-se aqui de nulidade de ordem pública. O contrato social é de
nenhum efeito; o sócio, portanto, não tem direito de exigir a partilha dos
lucros, que outro sócio detenha ou recuse distribuir. Cada sócio tem Eômente
o direito de reaver as entradas que fêz a título de cota, pois estas não se tram-
feriram à sociedade, pelo simples fato de a lei não admiti-la, ou melhor, de
a lei proibir a sua organização.
Outro critério adotou a Lei n. 173, úe 10 de setembro de 1893, quanto
às associações civis que promoverem fins ilícitos ou se servirem de meios
ilícitos ou imorais. O art. 13 mandou dissolvê-las e proceder à sua liquidação
na forma comum, isto é, partilhando-se o saldo entre os associados ao tempo
da dissolução, salvo cláusula estatutária dando outro destino a êsse saldo.
Veja-se em ORLANDO, Código comercia/, 6.ª ed., nota 345 do 1. 0 vol.,
as questões aí examinadas.
( 6) Pode a polícia proibir o funcionamento de sociedades que reputa
perigosas para o público e que não são mais do que armadilhas para lhe
extorquir dinheiro. (Ac. do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 18 de novem-
bro de 1914. (Revista dos Tribunais, vol. 12, págs. 95-96).
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

SEÇÃO II
Das condições específicas do contrato de sociedade
Sum:irlo: - 528. As três condições específicas. Ra1.ão de
ordem.

528. As condições específicas do contra.to de sociedade


comercial são:
1. A cooperação ativa dos sócios para conseguirem o
fim comum.
2. Formação do capital social (1).
3. A participação de cada sócio nos lucros e a contri-
buição nas perdas pelo menos até o valor conferido na socie-
dade (2).
Cada um dos caracteres expostos será estudado nos ar-
tigos desta seção.

ARTIGO I
Da cooperação ativa dos sócios
Sumário: - 529. A cooperação ativa dos sócios. - 530. A
comunhão e a sociedade. - 531. A participação e :i
sociedade. - 532. O empréstimo e a sociedade.
- 533. A venda com cláusula de participação e
a sociedade. - 534. A compra em comum da mas-
sa falida. - 534-A. A abertura de crédito e a
sociedade.

529. Dizem comum.ente os tratadistas que os contra-


tantes da sociedade devem ter a vontade de formá-la (3).
ULPIANO denominou-a aftectio societatis (4), exprimindo a
intenção de reunir esforços para a realização do fim comum.
Não há, porém, precisão nesta fórmula.
O elemento intencional, o consentimento dos contratan-
tes sôbre certo objeto é condição da essência de todos os con-

(1) Cód. Com., arts. 287 e 289.


(2) Cód. Com., arts. 302, n. 4, 330 et passim.
(3) O Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, estabelecendo os requisitos
da escritura pública de organização das sociedades anônimas exigiu, no art. 72,
a declaração da vontade de formar a sociedade ( *).
( 4) L. 31, Dig. pro socio.
( •) Sem correspondente no Dec.-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BR.ru5ILEIRO 23

tratos. Certo é que se o especializa aqui, exigindo que os con-


tratantes manifestem claramente a intenção de formar a
sociedade.
Melhor e mais exato será dizer que os sócios devem ma-
nifestar a vontade de cooperar ativamente para o resultado
que procuram obter, reunindo capitais e colocando-se na mes-
ma situação de igualdade. E' indispensável à sociedade a iden-
tidade de interêsses, a cooperação econômica, na frase de
RIPPERT (1), ou a vontade da colaboração ativa dos sócios,
na expressão de THALLER (2), tendo êstes sempre em vista
o fim comum, a realização de um enriquecimento pelo con-
curso dos seus capitais e da sua atividade (3). Muito bem ex
plicava o nosso JOÃO MONTEIRO que "na colaboração está
a idéia visceral de tôda a sociedade" (4).
Se esta cooperação é evidente nas sociedades em nome
coletivo, encontra-se, também, nas sociedades em comandita
e nas anônimas, manifestando-se pela fiscalização dos coman-
ditários, dos acionistas e do conselho fiscal (5).
O critério a seguir para reconhecer a sociedade e dedu·
zir os seus jurídicos efeitos é essencialmente econômico, e,
com felicidade, PIC adota a fórmula seguinte para exprimir
êsse caráter especüico da sociedade em geral: a colaboraçãú
ativa, consciente e igualitária dos contratantes para a rea-
lização de um lucro a partilhar (6).

(1) Prêt avec participation aux bénéfices et société en participation, n. 16,


in Annales de droit commercial, 1905, págs. 53-68: "La collaboration, c'e~t
Ia jonction des forces de toute nature, travail, capital-chose, capital-especes,
en vue d'acquérir par cette jonction des bénéfices plus forts que n'en aurait
produit Ja somme des actions isolées de ces différents facteurs. But commun
par des moyens communs, c'est ce qui se rencontre dans la société et ne se
rencontre que Jà".
Em tôda sociedade existe a cooperação econômica dos sócios e, por isso,
tem-se criticado a expressão sociedade cooperativa.
(2) No Traité élémentaire de droit commercial, 4.ª ed., n. 238. Em o
n. 232, o tratadista francês refere-se a "un lien de collaboration active entre les
assoei és".
(3) PIC, Des sociétés commerciales, vol. n. 65
( 4) Da sociedade em conta de participação, estudo em O Direito, vol.
30, pág. 482.
(5) PIC, Des sociétés commerciales, vol. 1, n. 65.
(6) Des sociétés commerciales, vol. 1, n. 65.
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

530. Daí as diferenças:


a. Entre a comunhão e a sociedade. A comunhão pode
ser o ponto da vontade dos contratantes, a dizer do contrato,
como, por exemplo, "si a duobus simul empta res sit, aut si
a duobus separatim emimus partes eorum", Lei 31, Dig.
pro sacio, mas, assim o é excepcionalmente. Em regra, ela
provém da lei, e por isso, ao contrário do que se dá na socie~
dade, podem achar-se na comunhão incapazes e menores, ofP--
recendo exemplo diário a comunhão dos co-herdeiros, origi-
nada na sucessão.
Na comunhão, a propriedade da coisa é comum pro-indi-
viso entre os condôminos. Cada consorte possui uma quota
ideal na coisa até que s2 proceda à divisão; te1n a proprie-
dade do seu quinhão; pode aliená-lo; cedê-lo a título gratuito
ou oneroso. A substituição opera-se naturalmente no caso
desta cessão e ainda no da morte do condômino. Trata-se de
um estado precário, sendo facultado ao condômino, em qual-
quer ocasião, pedir a partilha sem que os outros se possam
opor. O contrário se observa na sociedade, onde os sócios não
são condôminos do fundo social, patrimônio, propriedade da
sociedade, e, enquanto se não expira o prazo designado para
a duração, nenhum sócio se pode desligar, salvo casos excep-
cionais, definidos em lei.
Na comunhão, cada condômino trabalha por si e para si,
não para os consortes; não cogita da percepção dos lucros que
a coisa comum produz, porém, dos benefícios que o seu qui-
nhão lhe traz; não atende a outro interêsse que o individual,
porque os frutos da coisa pertencem a cada um dêles indivi-
dualmente. O fim da comunhão não é partilhar lucros, mas
o gôzo calmo e de repouso. Daí o corolário: o comuneiro não
presta contas ao outro dos rendimentos da sua parte ou
quinhão. Na sociedade há uma organização disciplinar; existP-
a colaboração ativa de todos os sócios no interêsse comum
(n. 529 supra); promovem-se lucros, que são de todos, par-
tilhando-se regularmente.
Na sociedade, predominam a disciplina e a ordem, estabe-
lecidas no contrato ou na lei, dado o silêncio das respectivas
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 25

cláusulas; falta à comunhão esta unidade diretiva. Não há


deliberações tomadas em comum; cada qual resolve os seus
interêsses como entende. Daí a causa das lutas e dos atritos
que quase sempre surgem; communio jurgia parit (1).
A comunhão é, porém, o substractum das sociedades co-
merciais; estas nascem sob a forma da comunhão (2) e termi.
nam do mesmo modo (3).
N on est societas sine communione. A sociedade é a espé-
cie prmcipua ac nobilíssima, na frase de FABRO (4).
531. b. Entre a participação e a sociedade. A parti-
cipação nos lucros de uma casa comercial não basta para ca-
racterizar a sociedade, conquanto seja um dos seus elementos
constitutivos, pois a cooperação do participante não tem o
caráter igualitário (5). Ela não habilita o participante a in-
tervir na administração social, não lhe atribui o direito de
criticar os atos do patrão, não o obriga pelas dívidas sociais.
E' simples modalidade do salário (6). Em os ns. 278 e 464
supra, definimos esta participação.

(1) PONT, Trcité des sociétés civiles et commerciales, vol. 1, n. 75:


"La communauté et la société se distinguent par l'esprit que les anime, le but
qu'elles poursuivent: y a-t-il un état actif, la poursuite d'une pensée de lucre
par la mise en communauté de la chose commune, c'est la société: y a-t-il
un état passif, transitoire, dont l'existence inévitable n'a d'autre raison d'être
que de conduire à l'état contraire, Ie partage, c'est la communauté".
(2) Atenda-se ao espírito que domina o art. 287 do Cód. Com.
( 3) Consultem-se os arts. 348 e 349 do Cód. Com., nos quais se fala
cm divisão e partilha, e o art. 164 do Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891,
que se refere ao plano da partilha do ativo liquidado ( *).
(4) Sôbre a Lei 14, Dig. pro sacio.
A Rota de Gênova, em uma de suas decisões, dizia: "nulla in jure datur
socictas in qua, prc:eter sociorum, consensum, non concurrant commune caput,
communis opera et industria, itemque commune lucrum et damnum". (Veja-se,
também, TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação, nota 1 ao art. 742).
(5) PIC, Des sociétés commerciales, vol. n. 76.
( 6) "A participação nos lucros concedida aos prepostos ou outras pes-
soas que dependem de uma sociedade comercial, por si só não importa a cons-
tituição de uma sociedade de capital e indústria se as partes não têm a affectio
societatis que se deve manifestar por escritura pública ou particular, formali-
dade substancial do contrato de sociedade mercantil (art. 303 do Cód. Com.);
a participação em lucros, na espécie dos autos, nada mais é do que um salário
aleatório, o qual pode existir só ou concorrer com um salário fixo". (Senten-
ça do Juiz de Direito de Santos, Dr. MORETZSOHN DE CASTRO, confir-
mada pelos acórdãos de 17 de março de 1896 e 1O de abril de 1897, em
O Direito, vol. 19, págs. 614-618).
Veja-se, ainda, a Sentença do Juiz do Comércio de S.fo Paulo, de 9 de
(*) Decreto-lei n. 2.627, art. 140, 5. 0 •
'25 J. X. CARVALHO DE MEi\J-UONÇA

532. c. Entre o empréstimo e a sociedade. O mutuanV:!


é credor, com direito ao juro do dinheiro emprestado, e não
tem mais que êste direito, qualqu~r que seja o resultado das
operações sociais. O sócio participa nos lucros, que variam
conforme o resultado dos negócios, e nas perdas. O mutuant:
não suporta os prejuízos sociais, conquanto possa perder o seu
dinheiro no caso de desastre da sociedade.
O empréstimo com a cláusula de participação, também
não imprime no mutuante a qualidade de sócio (1).
No empréstimo simples ou com a cláusula de participação
dá-se a assistência de um contratante a outro; na sociedadD
dá-se a colaboração ou cooperação de todos os, contratantes
no interêsse comum.

533. d. Entre o encargo para a venda de certos objetos


mediante a participação nos lucros resultantes da operação
e a sociedade. Acha-se aí a comissão ou mandato com a re-
tribuição dependente do resultado da venda (2). HUFFCUT
explica: "the participation in profits is an element in the
problem, but is not decisive" (3).

janeiro de 1893, confirmada pelos acórdãos do Tribunal de Justiça de São


Paulo, de 9 de junho e 8 de dezembro de 1893, na Gazeta Jurídica de S. Paulo,
vol. 8, págs. 74-83.
Os Códs. Coms. italiano, art. 86, românico, art. 97, e argentino, art. 31 O,
declaram expressamente que a participação nos lucros sociais não atribui aos
empregados do estabelecimento ou casa comercial a qualidade de sócios. A
lei inglêsa, Partnership Act, de 1890 (53 e 54 Vitória, c. 39), no art. 2, b,
dispõe no mesmo sentido.
( 1) Um dos meios empregados para fraudar as responsabilidades sociais
é o dêsses empréstimos com cláusula de participação. É mister cuidado para
apurar a verdade, tratando-se especialmente de sociedades irregulares.
A Inglaterra parece ter bem compreendido a questão. O art. 2. 0 , d do
Partnership Act de 1890 (53 e 54 Victória e 39) declara que o mutuante com
a cláusula de participação não é sócio, porém não pode embolsar qualquer
parte da quantia emprestada nem receber lucros antes do pagamento dos outros
credores.
O Cód. Com. argentino, no art. 283, dispõe: "La convención por la cual
un prestamista de dinero estipulase participación en las ganancias sin respon-
der por las obligaciones de sócio, es ilegal y nula".
(2) Acórdão revisor da Relação do Rio, de 22 de setembro de 1873, em
O Direito, vol. l, págs. 473-478; "o pacto de recíprocas remunerações em
vendas de mercadorias, consignadas em comissão, não importa a existência de
sociedade em conta de participação".
(3) Law of Agency, 1885, pág. 9.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 27

534. e. Entre a compra em comum de uma massa fa·


lida, tendo em vista simplesmente partilhar os lucros que
dessa operação resulte, e a sociedade ( 1) . Faltam aí os ele-
mentos característicos da sociedade comercial.
534-A. f. Entre a abertura de crédito e a sociedade,
pelo fato de haver o creditador estipulado em sua vantagem
um direito de comissão sôbre as vendas, além do juro legal e
a faculdade de verificar a escrituração e contabilidade do cre-
ditário mormente se não se combinarem os prazos de duração
dêsses dois contratos (2).

ARTIGO Il
Da f armação do capital social
Sumário: - 535. O capital social é da essência da sociedaae
mercantil. - 536. Fundo social é coisa diferente. -
537. Fixação do capital. - 538. Divisão do capital em
quotas e ações. Distinção entre umas e outras. -
539. Não há sociedade sem a contribuição dos só-
cios para o capital. - 540. Esta contribuição deve
ser efetiva, real e séria. - 541. Não pode ser a
título ou sob condição repugnante ao contrato. -
542. O sócio é devedor à sociedade do valor da
quota ou da ação. - 543. Conseqüências. - 544.
Coisas que podem servir de contingente para a foc·
mação do capital social. - 545. Coisas futuras. -
546. As quotas podem ter valores diversos e con-
sistir em coisas diferentes. - 547. A que título pode
ser feita a conferência. - 548. Quota conferida :1
tftulo de propriedade. - 549. A título de usufruto.
- 550. A título de uso. - 551. Forma por que pode
ser realizada ou paga a quota. - 552. Fundamento
da obrigação do pagamento da quota. Consequên-
cias. - 553. Sócio remisso. - 554. Garantia devida
pelo sócio à sociedade.

535 _ E' da essência da sociedade comercial a consti ·


tuição do capital (3), fundo autônomo à disposição dos seus

(1) Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 19 de janeiro de


1898, em O Direito, vol. 78, págs. 535, e na Revista Mensal, vol. 8, págs. 57-5S.
(2) FAILLOSE, Traité des ouvertures de crédit, n. 10.
( 3) Cód. Com., arts. 287 e 289. Quanto à sociedade anônima, Dec.
n. 434, de 4 de julho de 1891, arts. 17, 18, 65, 91 et passim (*).
(*) Dec.-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, a1t. 4. 0 •
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

órgãos administrativos para a realização dos fins previstos no


ato institucional.
O capital social representa a totalidade, expressa em di-
nheiro, dos contjngentes realizados ou prometidos pelos sócios
com aquela destinação. E' a primeira das garantias oferecida~
aos terceiros: é o fundamentum societatis (1); é o seu sangue
(2). A palavra capital vem de caput, cabeça. Os caldeus, re-
lativamente ao crédito, desenvolveram a sábia teoria do ca ·
pital, da cabeça do dinheiro, da individualidade pecuniária
(3). E' uma parcela do dinheiro que, isolando-se, em princípio
de cada sócio, constitui o bem de cada sócio.
Tão necessário é que, insuficiente ou perdido, a lei con·
sidera revelada a impossibilidade de a sociedade preencher o,s
seus intuitos e fins, e, portanto, de continuar, autorizando a
sua dissolução, antes do período marcado no contrato (4).
Não compreendemos aí, bem se vê, a sociedade em conta
de participação, que se contrata sem capital ou, pelo menos,
sem fundo autônomo, constituído pelos contingentes dos par-
ticipantes, nem a espécie da cooperativa, à qual se referiu o
art. 23 da Lei n. 1.637, de 5 de janeiro de 1907.
Sem a designação do capital social nenhum contrato de
sociedade será admitido ao registo do comércio (veja-se nú-
mero 214 d, do 1.º vol., 2.ª ed. dêste Tratado).

536. O Código, em diversas passagens, chama fundo


social êste capital (arts. 288, 289, 330) (5).
É, porém, sensível a diferença entre um e outro.

(1) ZANCHIUS, Tractatus de societate, pars. I, c. I, n. 121: "Sine


capitale non datur societas". (ANSALDUS, De commercio et mercatura, disc.
87, n. 17).
(2) CÉLLERTER, trude s11r les sociétés anonymes, n. 134.
(3) REVILLOUT, La créance et le droit commercial dans l'antiquité,
págs. 56 e 141.
( 4) Cód. Com., art. 336, n. 1. Quanto à sociedade anônima, providen-
ciam sôbre o caso os arts. 152 e 153 do Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891,
e se tiver credores, os arts. 3. 0 , n. 3 e 13, da Lei n. 2.024, de 17 de dezem-
bro de 1908 (*).
(5) No Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891 (sociedades anônimas) não·
se encontra essa confusão.
( •) Os arts. 152 e 153 do Dec. n. 434 não têm correspondentes no.
vigente Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940.
,
TRATADO DE DffiEITO COMERCIAL BRASILEIRO 29

O capital social é o fundo originário e essencial da socie-


dade, fixado pela vontade dos sócios; é o monte constituído
para a base das operações. Os sócios podem, modificando ou
alterando a cláusula contratual que o determina, aumentá-lo
ou diminuí-lo livremente, desde que não ofendam direitos de
terceiros (1); podem reforçá-lo com a instituição de um fundo
de reserva, formado mediante certa percentagem deduzida
dos lucros líquidos em cada exercício.
O fundo social é o patrimônio da sociedade no sentido
econômico, a dizer, a soma de todos os bens que podem ser
objeto de troca, possuídos pela sociedade; compreende não so-
mente o capital social, como tudo que a sociedade adquirir e
possuir durante a sua existência.
Os elementos componentes dêste fundo diminuem ou au-
mentam de valor em razão de mil circunstâncias variáveis;
êle, assim, se apresenta, ora maior ora menor que o capital,
que é fixo (veja-se n. 537 infra). Os lucros sociais não em-
bolsados pelos sócios, os empréstimos contraídos pela socie·
dade, etc., aumentam o fundo, e não o capital social.
No art. 345, n. 1, o Cód. Comercial emprega a expressão
cabedal social designando o fundo social.
537. O capital fixa-se no ato orgânico ou institucional
da sociedade ou nos seus estatutos (2), tendo-se em vista a
importância presumida das suas necessidades imediatas f~
próximas. Na sociedade cooperativa, da qual é característico a
variabilidade do capital social, declara-se no ato constitutivo
o seu valor mínimo (3).
538. O capital social divide-se em partes, frações ou
quinhões, denominados quotas, tomada esta palavra no amplo
sentido,' isto é, significando os contingentes, com os quais os

( 1) O aumento do capital das sociedades anônimas está sujeito a con-


dições, das quais diremos no lugar próprio. .
(2) Cód. Com., art. 302, n. 4; Uec. n. 434, de 4 de 1ulho de 18.91,
arts. 65 72, 7 5 et passim ( *).
(3) Lei n. 1.637, de 5 de janeiro de 1907, arts. 11 e 14, n. 5 (**).
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 40, II.
( "'*) Decreto n. 22.239, de 19 de dezembro de 1932, art. 6. 0 , n. 5
revigorado pelo Decreto-lei n. 8.401, de 19 de dezembro de 1945.
30 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

sócios contribuem ou se obrigam a contribuir para a socie-


dade (1).
As frações do capital, nas, sociedades anônimas, tomam
o nome específico de ações (2).
Empregaremos muitas vêzes a expressão quota nesse sen-
tido amplo e filológico para traduzir o contingente entregue
ou devido pelo sócio, qualquer que seja a sua qualidade, a tí-
tulo de capital. Tenhamos, porém, como certo que, no sistema
legal, a quota pràpriamente dita é a parte do sócio nas. socie-
dades em nome coletivo e em comandita simples e a do sócio
de responsabilidade ilimitada na comandita por ações (3), e
a ação a do sócio na sociedade anônima e a do comanditário
na sociedade em comandita por ações (4).
Econômicamente, e~as locuções têm o mesmo valor; uma
e outra são os elementos componentes do capital da sociedade.
A diferença é meramente formal.
As quotas pràpriamente ditas, não tendo, em rigor, S\
mesma medida, variam relativamente a cada sócio, não assu-
mem a forma de documentos ou títulos e não são transmissíy
veis pela vontade exclusiva dos seus contribuintes (veja-se
Tít. III, adiante, onde voltaremos ao assunto). As ações têm
( 1) O Cód. Com., no art. 289, emprega a palavra contingente como
sinônima de quota nesse sentido amplo, ainda que pareça distinguir entre uma
e outra.
O Dec. n. 434, de 1891, refere-se, no art. 15, a "quota de capital das
ações" das sociedades anônimas, e, no art. 216, a "quota do capital" do coman-
ditário na comandita por ações. Nestes dois artigos emprega-se a pa!avra no
amplo sentido.
- Os franceses dizem apport; os italianos apporto ou conferimento; os
alemães Einlage.
(2) Dcc. n. 434, de 1891, arts. !.º, 18, 36, ns. 2, 96, 215 et passim ("').
Veja-se a seção cm que tratamos do capital das sociedades anônimas.
(3) Cód. Com., art. 287, 302, n. 4 et passim.
A Lei n. l.637, de 6 de janeiro de 1907, art. 1 I, falando das partes dos
sócios nas cooperativas (estas podem assumir qualquer das formas legais),
refere-se a "ações, quota 011 partes".
- No direito francês chama-se quota, nesse sentido restrito, i11térêt em
contraposição a acrio11. Daí a distinção entre sociétés de personnes ou par
intérêt (em nome coletivo e em comandita) e sociétés de capitaux ou société$
par actinns (comandita por ações e anônima).
( 4) A Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, no art. 53, distingue
perfeitamente a ações da quota. Aí eslão apurados os princípios.
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. t.º.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 31

o mesmo valor e representam-se mediante títulos cessíveis e-


negociáveis.
Um acionista pode subscrever uma ou muitas ações; o só·
cio obriga-se sàmen te por uma quota.
Se o capital da sociedade se compõe de quotas propria-
mente ditas, a sociedade conta especialmente com a estabili-
dade dos sócios. O sócio e a quota representam unidade indis-
solúvel.

539. Ninguém se pode considerar sócio se1Y1 contribuir·


ou prometer contribuir com alguma coisa para o capital da
sociedade. Essa contribuição ou conferência por parte de cada
sócio é essencial para dar vida jurídica à sociedade, é condição
legal da sua existência.
Se o pretenso sócio nada confere na sociedade, é estranho.
Mereceria o qualificativo de donatário, se participasse dos lu-
cros, qualidade incompatível com a idéia de sociedade mer-
cantil.
No sistema legal, não seriam admitidas as sociedades de
garantia, nas quais os sócios se obrigassem sàmente a ga~
rantir, limitada ou ilimitadamente, as dívidas sociais, como·
as companies limited by guarantee, do Direito inglês. Garantir
não é conferir; ser sócio não é ser fiador~

540 . A conferência pelo sócio deve ser efetiva, real~


séria (1). Incorreria em nulidade, a sociedade na qual os con-
tingentes de um ou mais sócios fôssem simplesmente fictícios~­
isto é, não representassem valor suscetível de formar o ca-·
pital social e de correr os riscos de perda inerentes à em-
prêsa. Na sociedade anônima, ao invés da nulidade, o acio--
nista seria obrigado a entrar com o valor em dinheiro das
ações subscritas.
A compensação com valores imaginários ou exageradas
não libertaria o sócio ou acionista. O aditamento a desco-

( J) Cód. Com., arts. 287 e 289; Dec. n. 434, de 4 de julho cte 1891,
art. 19 ( •).
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 4.°.
32 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

berto nos livros da sociedade e o pagamento em cambiais ou


notas promissórias não equivaleriam à efetiva conferência.

541. A quota não deve ser conferida a título ou sob


condição que repugne à natureza do contrato de sociedade.
Se o sócio estipulasse a faculdade de retirá-la quando lhe con-
viesse, teríamos empréstimos; se entregasse dinheiro à socie-
dade para vencer juros em conta corrente, ainda seria emprés-
timo (1); se subordinasse a quota à condição que importasse
iludir a cláusula que fixou o capital social, seria armadilha
preparada contra terceiros (2).

542. Cada sócio é devedor à sociedade da importância


da quota que prometeu conferir ou das ações que subscreveu.
Assume, ipso facto, a obrigação de entrar com o contingente
a seu cargo no prazo e pela farma estipuladas no contrato,
para que a sociedade reuna o capital (3), meio para conseguir
os fins da sua instituição (n. 53 infra).
Nas sociedades anônimas e em comandita por ações, há
uma entrada antes da constituição, se os contingentes consis-
tem em dinheiro (4). Se em bens ou direitos, são logo integral-
mente conferidos. A avaliação prévia dêsses bens ou direitos
é condição fundamental da sua organização (5).
Se o contrato social é omisso quanto ao prazo da entrada
da quota, esta deve ser conferida desde a data do contrato
social (6).

543. Do exposto em o n. 542 supra, deduz-se:


1.º O sócio não deve à sociedade mais do que a quota ou
o contingent.e a que se obrigou (7); não se lhe pode exigir

(1) Decisões em O Direito, vol. 41, págs. 396-432.


(2) Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 53.
(3) Cód. Com., art. 289.
(4) Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, art. 65 (*).
(5) Dec. n. 434, de 1891, art. 17 (**).
(6) Cód. Com., art. 329.
(7) Cód. Com., art. 289; Dec. n. 434, de 1891, art. 15 ("'º).
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 38, ns. 1 e 2.
( .. ) Cit. Decreto-lei n. 2.627, art. 5. 0 , ~ 2.º.. . .
( ... ) Cit. Decreto-lei n. 2.627, art. 74, in pnnc1p10.
TRATADO DE DIREITO Cüi\1:ERCIAL ERASiT_,EIRO

qualquer suplemento, ainda que necessário para a sociedade


realizar os seus fins. O contrato é lei entre os sócios. Entrando
com todo o contingente prometido, o sócio não é obrigado,
salvo convenção especial, a aumentá-lo no caso de prejuízos
sociais, nem a deixar os lucros na caixa da sociedade, nem a
restituir os já percebidos para reintegrar o capital desfalcado,
exceto o caso da reposição de lucros indevidos, levantados
pelos comanditários na hipótese do art. 313, do Código, e
pelos acionistas, como recurso subsidiário, nos têrmos do art.
114, do Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891 (*).
O que fica exposto não colide com a obrigação dos sócios
de responsabilidade ilimitada, porque essa obrigação é para
com terceiros, como diremos oportunamente, e aqui nos refe-
rimos às relações entre a sociedade e os sócios.
2.0 O débito do sócio pela quota prometida ou pelas
ações subscritas ou adquiridas é pessoal, a dizer, nenhum dos
outros sócios responde solidàriamente por essa obrigação, sal-
vo se algum dêles expressamente afiançou o sócio remisso.
3. 0 Nenhum sócio se pode eximir de entrar com a quota
ou com o valor das ações subscritas, sob fundamento de os
outros sócios não terem ainda cumprido a obrigação a seu
cargo, visto como não são devedores uns dos outros, porém da
sociedade.
4. 0 Se, depois de constituída a sociedade, perece a coisa
conferida, o sócio não é obrigado a entrar com outra ou a sair
da sociedade, porque pereceu por conta desta (1). Perdidos ou
destruídos os bens com os quais se formou o capital, a socie-
dade continua com o patrimônio resíduo, não passando isso,
como diz VIDARI, de acidente da sua existência (2). Quando
muito, daria motivo para a dissolução (3) .
544. Tôda coisa que pode ser objeto de obrigação pode
igualmente servir de contingente para a formação do ca-
pital social. Basta que seja apreciável em dinheiro, isto é,

( 1 ) Antes da entrega real da coisa, os riscos e perigos correm por conta


do sócio. No caso da quota conferida a título de uso, veja-se n. 550.
(2) Corso di diritto commerciale, 5.ª ed., vol. t. 0 , n. 939.
(3 Cód. Com., art. 336, n. 1.
( *) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 131, § 1.0·

s
34 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

suscetível de avaliação pecuniária, e sirva de instrumento de


lucro (1). Por outra, a contribuição do sócio deve ter por
objeto dinheiro ou qualquer coisa que, estando no comércio,
possa, por si só ou com o concurso de elementos estranhos,
produzir lucro ou entrar no conceito do patrimônio (ativo),
qualquer que seja a sua origem ou a função específica que
exerça, desde que se destine à obtenção do fim social (2) .
A contribuição do sócio pode, portanto, consistir:
a) em dinheiro, e de ordinário nessa espécie é realizada:
b) em coisas ou bens móveis ou imóveis, corpóreos ou
incorpóreos. Exemplos especiais: o estabelecimento industrial
ou comercial, a clientela (valor apreciável que se traduz em
lucros para a sociedade), o segrêdo industrial, o direito de
crédito contra terceiro ou contra a própria sociedade, s.e o
sócio é admitido depois da constituição desta, a patente de
invenção, o ativo de uma sociedade dissolvida, as concessões
administrativas, etc. (3);
e) em indústria ou trabalho e nos benefícios que daí se
podem tirar (4). São os conhecimentos técnicos especiais, in-
dustriais ou comerciais que o sócio põe a serviço da sociedade.

(1) PONT, Sociétés civiles et commerciales, vol. 1, n. 60: " ... tout e~
qui pouvant être l'objet d'une obligation, est susceptible, soit isolémcnt, soit
par le concours d'éléments étrangers, de produire des bénéfices, est dans Ie cas
de servir d'apport". No mesmo sentido, LYON-CAEN et RENAULT, Traité
de droit commercial, 4.ª ed., vol. 2, P. 1., n. 15; GUILLERY, Des sociétés
commerciales, vol. 1, n. 100, "Tout ce qui peut se vendre peut se mettre en.
société".
A promessa de fazer ou de se abster de fazer tal ou tal ato não podei
constituir objeto de quota social. (HA YEM, Étude historique et critique co•z-
cernant les sociétés civiles, n. 46).
( 2) O Cód. Com., no art. 287, declara que a contribuição pode consistir
em "dinheiro ou em efeitos e qualquer sorte de bens ou em trabalho ou indús-
tria". O Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, no art. 17 dispõe: "O capital das
sociedades anônimas pode consistir em dinheiro, bens, coisas ou direitos" ( *).
( 3) A posição social ou política do indivíduo não pode constitui_r quota;
é coisa sem valor estimativo e quem, por êsse meio, procura enganar mcautos,
pratica ato condenado pela moral (Cód. Com., art. 129, n. 2).
(4) Cód. Com., art. 287. Ord. L_iv. 4, Tít. 44, § 9.º:. " ... pod~rá muitas
vêzes a indústria e saber de algum deles ser de mor vaha e proveito para a
mesma companhia, que o cabedal . que os o~tros ~eterem".
Srepe opera alicujus pro pec1Jma valet, diz a lei romana.
NAVARRINI, no Commentario al codice di commercio (ed. de Milão),
("') Decreto-lei n. 2.627, de 28 de setembro de 1940, art. 4. 0 •
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 35

O Código não exige a avaliação prévia em dinheiro do


trabalho ou indústria, com que o sócio promete contribuir. É
uma originalidade desta quota, cujo valor não se computa n!l
capital declarado no contrato. O trabalho ou indústria é antes
instrumentos de produção do que bem.
Por motivos fàcilmente explicáveis, o trabalho ou a in-
dústria não podem ser objeto da contribuição:
a) dos comanditários nas sociedades em comandita;
b) dos acionistas nas sociedades anônimas e em coman-
dita por ações.
A ação, título negociável, como poderia representar a in-
dústria do acionista, contribuição meramente pessoal, susce-
tível de desaparecer, por qualquer circunstância, antes de
dissolvida a sociedade? (1)
Se a quota é de indústria ou trabalho encerra uma obri-
gação sucessiva, que se executa à medida da existência da
sociedade.

545. Admite-se geralmente que as coisas futuras for-


mem objeto da quota, desde que possam ser objeto de compra
e venda (2).
Devem, porém, as coisas futuras tornar-se presentes antes
de vencido o prazo marcado para a conferência e entra!'
efetivamente no patrimônio da sociedade. A simples esperan-

vol. 2. 0 , n. 5: "Per industria si deve intendere il complesso di attitudini, di abilità,


di cognizioni in quella determinata sfera di attività, di importanza o di com-
prensione maggiore o minore, di cui, comunque, la società possa giovarsi".
Os escritores franceses costumam distinguir três espécies de entradas ou
quotas (apports) a quota em numerário (dinheiro), a quota in natura, e 3
quota industrial ou em indústria.
( 1) Para contornar a dificuldade, se a sociedade anônima precisa do
trabalho ou indústria de alguém, ao invés de associado, pode êste se tornar credor
da sociedade, mediante retribuição compensadora. Tal é a origem das vantagens
a particulares; o industrial entra para a sociedade com o seu trabalho e em
compensação recebe uma porcentagem sôbre os lucros líquidos.
(2) Cód. Com., art. 192.
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

ça sem a coisa, seu objeto, é quimera, é um não ente, un1


não valor, impossível de constituir quota social (1).

546. Pouco importa que a contribuição de cada sóci·')


para o capital da sociedade, que não reveste a forma anô-
nima (2), seja de diferente valor e consista em coisas di-
versas (3).
A desigualdade do valor das quotas é compensada, err1
regra, pela desigualdade na participação dos lucros e perdas,
concorrendo para maior utilidade do contrato de sociedade.
A diversidade do objeto das contribuições dos sócios para
o capital da sociedade é muitas vêzes elemento para o êxito
desta.
São os sócios que, no contrato social, dão valor às coisas
que conferem. Podem livremente estimá-las, sendo-lhes fácil
não constituir a sociedade, se há ·exagêro ou fraude por parte
dos outros contratantes.
O mesmo se não dá nas sociedades anônimas. O valor atri-
buído nos estatutos ou no contrato social às coisas e direitos,
que os acionistas oferecem para o pagamento das ações subs-
critas, verifica-se por louvados, cuja avaliação fica sujeita à
aprovação da assembléia geral, observando-se o processo do
qual oportunamente trataremos (4).

547 . A coisa é conferida no capital social a título d•:--


propriedade, de usufruto ou de uso.

(I) VIDARI, Corso di diritto commerciale, vol. 1. 0 , 5.ª ed., n. 924; PIC,
Des sociétés commerciales, vol. l.º, n. 18; ROUSSEAU, Des sociétés commer-
ciales, 4.ª ed., vol. 1, n. 82. Veja-se o que dizemos relativamente às socie-
dades anônimas.
(2) Nas sociedades anônimas, já dissemos em o n. 538, as ações são de
igual valor, podendo um só acionista ser possuidor de grande número.
(3) É o que já dizia o Direito Romano. Lei 1, Cód., pro sacio (4-37):
"Societatem, uno pecuniam conferente, ali operam, posse contrahi, magis
obtinuit".
Ins., Lei 2, Tít. 26 (de societate), § 2. 0 : "lta coiri posse societatem non
dubitatur, ut alter pecuniam conferat, alter non conferat, et tamen lucrum
inter eos comune sít, quia srepe opera alicujus pro pecunia valet".
(4) Dcc. n. 434, de 4 de julho de 1891, art. 17 ("').
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 5. 0 •
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 37

As nossas leis cogitaram sàmente do primeiro caso, o mais


freqüente, e, no silêncio do contrato, a presunção legal é que
a coisa fôra entregue a título de propriedade (1).

548. Conferida a quota a título ele propriedade:


a) a coisa, seu objeto, transfere-se à sociedade, logo que
esta, adquirindo personalidade jurídica, a recebe pela tradi-
ção; se é imóvel, os efeitos para com terceiros dependem da
transcrição ( 2) ;
b) o sócio perde todo direito sôbre a coisa conferida;
não a pode reivindicar nem exigir da sociedade. Em compen-
sação, assume os direitos de que trataremos em o Cap. V do
presente Título (ns. 588 e segs). Na liquidação da sociedade,
o sócio conf,erente não tem preferência sôbre esta coisa, cor.-
fundida com todos os outros bens. É o saldo líquido que se
partilha entre todos os sócios.

549. Quando a quota é conferida em usufruto, por ou-


tra, quando versa sôbre o direito de usufruto, trate-se de usu-
fruto já constituído em benefício do sócio, trate-se de usufru-
to por êste constituído em benefício da sociedade sôbre coisa
de que seja dono, os ·efeitos são os mesmos da quota confe-
rida a titulo de propriedade, salvo, bem-entendido, a ex-
tensão do direito concedido à sociedade. O usufruto extingue-

( 1) Assim decidem expressamente os Códs. Coms. italiano, art. 82, e o


românico, art. 83. Na França, entende-se hoje que ao Juiz cumpre resolver ns
dúvidas a êsse respeito, tendo em vista a intenção dos contratantes (PIC, Des
sociités commerciales, vol. 1. 0 , n. 39; LYON-CAEN et RENAULT, Trairé de
droir commercictl, 4. 8 ed., vol. 2. 0 , P. I, n. 28) ( •).
(2) Dec. n. 370, de 2 de maio de 1890, art. 236, § 4. 0 • Decidiu o Tri-
bunal de Justiça de S. Paulo, em acórdão de 3 de agôsto de 1910, confirmado
pelo de 3 de abril de 1911: "Antes de preenchida a formalidade da transcri-
ção, não passando o domínio sôbre imóvel para a sociedade anônima, continua
o conferente a ser considerado senhor dêsse imóvel, exercendo todos os direitos
de propriedade, como os de alienar, onerar e hipotecar. Do mesmo modo, a
sociedade anônima não pode repelir com exceção de domínio a penhora que
outros provomeram sôbre êsse imóvel, isto é, não pode opor-se à penhora por
meio de embargos de terceiro, senhor e possuidor, porque antes da transcrição
não tem domínio" (São Paulo Judiciário, vai. 25, págs. 497 a 409).
( *) Hoje é disposição expressa do art. 7. 0 do Decreto-lei n. 2.627, de
26 de setembro de 1940, quanto às sociedades anônimas.
38 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

se com a sociedade, ou, se ela perdurar, aos cem anos da data


em que comece (Cód. Civil, art. 741). ~ste último caso não
se dará com relação à sociedade com firma, mas é fácil de
ocorrer com as anônimas.

550. Se a coisa, objeto da quota, é conferida a título


de uso, o contribuinte limita-se a pôr essa coisa à disposição
da sociedade.
A sociedade adquire o direito de gozá-la, idêntico ao an-
terior do seu proprietário, e obriga-se a conservá-la, na subs~
tância e na farma.
Segundo outros, a operação aproxima-se do contrato de
locação: a sociedade como que toma de aluguel, pelo tempo
da sua duração, a coisa, objeto da quota, voltando para o sócio
na dissolução social (1).
Daí as conseqüências:
a) se se trata de corpo certo, existente na ocas1ao da
dissolução da sociedade, o sócio a retomará in natura;
b) a sociedade pode dispor livremente da coisa fungível
que lhe fôr entregue em uso, porque se tomou proprietária
com a obrigação de restituir, e o sócio terá ação para reaver o
valor dessa coisa;
e) se a coisa, corpo certo, perecie sem culpa da socie-
dade, a perda é por conta do dono e não da sociedade. Esta
ainda pode subsistir, mas o sócio perde os direitos equivalentes
ao uso que pôs à sua disposição ou que conferiu, visto como
se achará na posição daquele que não fêz entrada para o
capital social (2).

551. A quota (no sentido amplo) pode ser realizada de


vez ou em parcelas ou prestações estipuladas no ato insti-
tucional da sociedade. Basta que o sócio prometa realizá-Ia
sucessivamente, durante a vida social. Há quotas que s e não 1

( 1) THALLER, Traité élémentaire de droit commercial, n. 234; PIC,


Des sociétés commerciales, vol. 1, n. 25.
(2) BRAVARD et DEMANGEAT, Traité de droit commercial, 2.ª ed.,
vol. J, pág. 167.
TRATADO DE DffiEITO COMERCIAL BRASILEIRO 39

podem realizar senão assim, como a do sócio de indústria


(número 544 supra).
Os pagamentos, totais ou parciais, da quota, chamam-se
entradas ou prestações ( 1) .
Chamada de capital é o convite dirigido aos sócios para
o pagamento das entradas ou prestações a que se obrigaram.

552. A obrigação de entrar com a quota, tem origem


ou fundamento no contrato ou ato institucional da sociedade:
é obrigação de dar (n. 542 supra).
Daí decorrem duas conseqüências muito interessantes:
1.ª, o direito de a sociedade exigir a quota do sócio
(n. 553 infra) ;

2.ª, a garantia que o sócio deve prestar da coisa confe·


rida ou entregue (n. 554 infra).

553. Deixando o sócio de entregar integralmente a quo-


ta ou as prestações a que se obrigou, no prazo estipulado
no contrato ou ato institucional da sociedade, esta, na quali-
dade de credora (n. 542 supra), tem o direito de exigir do
sócio remisso o cumprimento da obrigação (**).
Se a quota consiste em dinheiro, o sócio é obrigado a pa·
gá-la com o juro legal. É a indenização. No contrato é lícito
estabelecer outra taxa de juro para o caso de mora (2).
Se a quota consiste em outros bens que não dinheiro, o
sócio responde à sociedade pelo dano emergente da mora (3).
Nada mais justo do que essas indenizações; as entradas
destinam-se ao movimento e fim social.

(1) O Cód. Com. art. 289, dec. n. 434 de 4 de julho de 1891, art. 22,
n. 2, 30, 33, 34, 77 et passim ( •).
(2) ORLANDO, Código Comercial, 6.ª ed., nota 347.
( 3) Cód. Com., art. 289.
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, arts. 23, § 2.º, 40,
IV, et passim.
( .. ) Cit. Decreto-lei n. 2.627, art. 76, a.
40 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

A obrigação de indenizar à sociedade decorre ipso facto


do atraso do sócio. Em vão êste provaria que a mora não
causou prejuízos reais à sociedade (1).
Os sócios que cumpriram a obrigação, podem, ao invés
de pedir a indenização, excluir da sociedade o sócio re-
misso (2).
Na sociedade anônima, contra o acionista remisso pode
ser intentada a ação de pagamento ou promovida a venda das
respectivas ações, na Bôlsa, por conta e risco do dono, obser~
vando-se o processo legal (3) (*).
~.,··

Aberta a falência da sociedade, contra os sócios de res-


ponsabilidade limitada (comanditários ou acionistas) proce-
de-se na conformidade do art. 53 da Lei n. 2.024, de 17 d8
dezembro de 1908 (**).

554. A outra obrigação decorrente do contrato de so-


ciedade comercial, com fundamento na obrigação da entreg 'l.
da coisa, objeto da conferência, é a garantia devida pelo sócio
à sociedade.
A sociedade deve ter a posse mansa e pacífica das coisas
que lhe são entregues pelos sócios para a constituição do ca-
pital. Daí a obrigação do sócio conferente garantir esta posse.
~ obrigação essencial ao contrato; resulta de pleno direito
do fato da conferência. Não é mister cláusula especial no
contrato para lhe dar existência: tacite venit, tacite inest. Por
isso se chama garantia de direito (4).
Pela natureza do contrato e pela analogia que o caso of.!-

( 1) O Cód. Com. italiano, no art. 83, além do pagamento dos juros 'ie
a quota é em dinheiro, manda o sócio indenizar todos os prejuízos.
(2) Cód. Com., art. 289.
(3) Dec. n. 434, de 4 de julho de L891, art. 33; Dec. n. 2.475, de 13 de
março de 1897, art. 29, e.
( 4) Sôbre a garantia devida pelos sócios à sociedade, consultem-se o~
nossos trabalhos forenses na célebre causa entre partes, autora: a Companhia
Nacional de Tecidos de Juta, e réus: Antônio Alvares Leite Penteado e a Compa-
nhia Paulista de Aniagens, 2 vols., impressos no Rio de Janeiro, em 1912 e 1913.
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, arts. 76.
<**) Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 50.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 41

rece, neste particular, com a compra e venda (1), aquêle qu~


conferiu na sociedade coisa corpórea ou incorpórea, certa e
determinada, assume:
1. A obrigação negativa de não turbar, por fato ou ato
pessoal, a sociedade na posse pacífica dessa coisa (2). É a
garantia pelo fato pessoal.
2. A obrigação positiva de defender a sociedade, se de~
mandada por terceiros sôbre a coisa móvel ou imóvel conf e-
rida (3), e de responder pela evicção, se a não consegue de·
fender eficazmente ou se a não defende (4). É a garantia
pela evicção.
3. A obrigação positiva de responder para com a socie-
dade, se a coisa estiver gravada de ônus maiores do que os
declarados no contrato (5). É a garantia pelos vícios ou de-
feitos.

(1) Acórdão do Supremo Tribunal Federal, cte 30 de abril de 1913.


A compra e venda é o contrato-tipo das transmissões a título oneroso_
As normas que disciplinam a obrigação de garantia do vendedor, aplicam-se
aos outros contratos da mesma espécie. Atuando em todos êsses contratos o
mesmo motivo e os mesmos fins, que justificam a necessidade daquela obri-
gação no contrato de compra e venda, o instituto apresenta-se com idêntico
caráter e igual extensão.
A analogia entre os contratos de sociedade e de compra e venda, é restrita
ao caso da garantia, achando-se o sócio para com a sociedade na mesma
situação do vendedor para com o comprador.
~sses dois contratos, divergindo em seus intuitos, relações e efeitos, não
estão sujeitos à mesma economia e forma.
O Cons. DUARTE DE AZEVEDO, em interessant.! parecer, no São·
Paulo JudicitÍrio, vol. 1.º, pág. 11, e nas Controvérsias jurídicas, pág. 339,
escreveu, relativamente às sociedades anônimas, o seguinte, que, em tese, se
aplica às outras formas de sociedade; "A versão em uma sociedade anônima,
embora consistente em bens, da quota com que algum dos sócios subscreve
para o respectivo capital, e que se obriga a entrar na espécie convencionada,
não é venda feita à sociedade dos bens respectivos, senão o desempt:nho da
obrigação contraída de entrar com êsses próprios bens para a constituição d~
sociedade. O intuito do associado, fazendo essa versão, não é transferir à
sociedade por venda, mediante certo preço, determinados bens; caso em que
pela entrega da coisa e do preço convencionado, ficariam extintas as relações
jurídicas do contrato. Com essa entrada o associado tem por fim concorrer
para a formação do capital social, e, portanto, para a existência da sociedade,.
ainda no período da sua organização".
(2) Cód. Com., art. 214, por aplicação analógica.
(3) Cód. Com., art. 215, e Ord. Lic. 3. 0 , Tít. 45, princip.; por aplicação
analógica.
(4) Cód. Com., art. 215, e Ord. Liv. 3. 0 , Tít. 45, ~ 3. 0 : por aplicação.
analógica.
( 5) Cód. Com., art. 21 O, por aplicação analógica.
42 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Dupla é a sanção imposta ao sócio infrator da obrigação


da garantia:
1.ª, a restituição do valor da quota com os juros legais; e
2.ª, a indenização das perdas e danos (1).
Há outro caso especial de garantia, se o sócio confere o
seu direito de crédito contra terceira pessoa. Em regra, o ce-
dente não se obriga pela solvência do dev·edor; aqui, porém, e,
de rigor a responsabilidade do contribuinte pela importância
atribuída ao crédito, porque do contrário tornar-se-ia sócio
quem nada conferisse.
Se se estipulasse diversamente, não procederia, porque
haveria liberalidade incompatível com o contrato de socie-
dade (2).

ARTIGO III
Da participação dos sócios nos lucros e da contribuição
correlativa nas perdas
Sumário: - 555. A participação dos sócios nos lucros é da
·essência úas sociedades comerciais. - 556. A dis-
tribuição nas perdas ou nos prejuízos sociais. -
557. A distribuição dos lucros e a contribuição nas
perdas, se são fâceis quanto aos acionistas, hã re-
gras especiais quanto aos sócios de responsabilidade
ilimitada. - 558. O contrato deve declarar a parte
dos sócios nos lucros e nas perdas. Silêncio do con-
trato. - 559. Proibição das clâusulas leoninas, quais
sejam. - 560. E' lícito segurar os lucros de um sócio.
- 561. Privação do direito dos lucros como pena. -
562. Limitação à distribuição dos lucros. - 56:1.
t.poca da distribuição dos lucros. - 564. Perma-
nência dos lucros na caixa social. - 565. Anteci-
pação na distribuição dos lucros. - 566. Juros na
falta de lucros.

555 . O escopo das sociedades comerciais é conseguir


lucros para serem partilhados entre os sócios (n. 514). Nas
próprias cooperativas, em que se não distribui dividendo em

( 1) Cód. Com., art. 215, por aplicação analógica.


(2) O Cód. Com. italiano no art. 80, achou que devia tratar dêsse :""llto.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 43

dinheiro, existe a economia ou poupança de despesa, e esta


poupança obtida pelo sócio representa lucro (1).

Não há sociedade comercial sem a participação dos sócios


nos lucros sociais. Lucro comum (lucro comum não quer
dizer lucro igual para todos os sócios) é o fim dessa sociedade
Aquela participação resulta da cooperação efetiva, recíproca,
interessada dos sócios; faltando ou sendo iludida, desaparece
a sociedade (2). Ao agrupamento sem essa participação nos
lucros, dá-se o nome de associação. Os fins desta podem ser re-
ligiosos, morais, científicos ou de simples recreio (3). A asso-
ciação, sob êste ponto de vista, constitui a antítese da socie-
dade (4).

556. Ao invés de lucros pode a sociedade comercial ex-


perimentar perdas, prejuízos. É o têrmo opost.o.

A idéia de perda é correlata à do lucro. Os sócios têm de


suportar os prejuízos (5). "<:Equum est enim ut cujus parti-
cipavit lucrum, participet et damnum" (L. 55, Dig. pro
socio).

A contribuição nas perdas pode, porém, ser limitada ao


valor da quota ou da ação. Os sócios previamente limitam os
riscos que vão correr.

(1) VIVANTE, Trattato di diritto commerciale, 3.ª ed., vol. 2. 0 , n. 319;


Contra: ARTHUYS, Traité des sociétés commerciales, vol. t. 0 , n. 57.
(2) Pelo fato de ser da essência da sociedade a divisão ou partilha dos
lucros, ela é chamada na Inglaterra partnership e os sócios partners, palavra'>
derivadas de to part (LINDLEY, ln partnership, pág. 10).
Não será idêntica a origem etimológica da palavra sócio? Não virá de
secare? Pelo menos, é o que alguns escritores ensinam: "socius, secundum
etymum, a seco, secas, idest, divido, dictus; unde societas, in qua quis alium
sequitur, ut cum eo dividat". (THOLOSANOS, apud RODINO, li contralto
di società, nota l, da pág. 8) . Outros dizem que vem de a saciando.
(3) Lei n. 173, de 10 de setembro de 1893, art. 1. 0 . A associação é
reunião de pessoas; a sociedade união de pessoas e de bens. Nesta há sempre a
esperança de um lucro pecuniário a distribuir.
( 4) A associação, no mais amplo sentido, compreende a sociedade. Esta
é a espécie, aquela o gênero. Na técnica do Código, encontramos a confir-
mação, como se vê nos arts. 290, 291, 305, n. 5, 311, 319, 325 et passim.
( 5) Cód. Com., arts. 288, 302, n. 4, e 330.
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

o que se dá nas sociedades em comandita, relativa-


É
mente aos comanditários (1), e nas sociedades anônimas com
relação a todos os seus sócios (2).
A importância das quotas dos comanditários ou das ações
dos sócios nas sociedades anônimas e em comandita por ações
determina o mínimo legal da responsabilidade de cada um
pelo passivo social.
Há uma exceção ao princípio exposto, quanto ao sócio
de indústria. Êste não responde pelas perdas sociais, salvo se
deu o nome à firma (3), se geriu a sociedade ou se contribuiu
para o capital social com dinheiro ou outros bens (4). O seu
risco é a perda da remuneração do trabalho prestado em be-
nefício da sociedade (5).

557 . Nas sociedades anônimas, tendo cada acionista


número certo de ações em proporção ao valor com que entrou
ou prometeu entrar para o capital social e cada ação represen-
tando uma fração igual dêste capital, nada mais simples do
que a distribuição dos lucros e a contribuição nas perdas
sociais.
O mesmo ocorre nas sociedades em comandi ta por açõe!>
relativamente aos comanditários.
l::L,~~;,_- '
~~Quanto,
porém, às outras sociedades, convém atender as
regras que a lei estabeleceu sôbre êsse assunto.

558. O Código Comercial manda declarar no contrato


da sociedade, que não reveste a forma anônima, a parte de
cada sócio nos lucros e nas perdas (6).
Se os contratantes nada estipulam a êsse respeito, a lei,
interpretando as suas intenções presumidas, dispõe que os lu·

( J) Cód. Com., art. 311; Dcc. n. 434, de 4 de julho de 1891. art. 216.
(2) Dec. n. 434, de 1891, art. 15 P).
(3) Dec. n. 916, de 24 de outubro de 1890, art. 3.0 , § 3.º.
( 4) Cód. Com., art. 321.
(5) Cód. Com., arg., arts. 321 e 322.
( 6) Cód. Com., art. 302, 11. 4.
( •) Dec.-lei n. 2.627. de 26 de setembro de 1940. art. 1.º
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 45

eras e perdas são comuns a todos os sócios na razão propor-


cional dos respectivos quinhões no capital social (1).
Prevalece, no silêncio do contrato, o sistema da propor-
cionalidade e não o da igualdade. A quota de participação no~
lucros e nas perdas será em proporção às quotas entrada.~
para o capital (2).
Como o sócio de indústria, ·em regra, não entra com di-
nheiro ou bens para o capital social, na falta de declaração nr,
contrato, tem direito aos lucros estipulados em proveito do
sócio capitalista de menor entrada (3).
559. Os sócios, corno se vê, dispõem de ampla liberdade
para ajustar a medida que cada um deve ter nos lucros e
nas perdas (n. 558 supra).
Proíbe-se-lhes, porém, estipular que a totalidade dos lu-
cros pertença a um dêles ou que algum seja excluído ou pri-
vado de participar dos lucros sociais em qualquer proporção
(4). O ato seria espoliativo.

(1) Cód. Com., art. 330.


(2) No Direito Romano, no silêncio do contrato, os lucros partilha-
vam-se igualmente por todos, sem atenção ao valor das quotas (lnst., de socief.
Lei 3, Tít. 25, n. 1; ULPIANO, Lei 29 princ. Dig. pro sacio).
Há, entretanto, quem afirme que o Direito Romano mandava distribuir
os lucros em proporção geométrica e não aritmética. Consulte-se GLUK.
Pandette, tradução italiana, livro XVII, § 966.
De acôrdo com o nosso Direito os Códs. civis francês, art. 1.853, italiano,
art. 1. 717, holandês, art. 1.670. O Cód. federal suíço das obrigações, art. 5 3 3,
2.ª alínea, estabelece, ao contrário, que, na falta de pacto especial, cada sócio
tem partes iguais nos lucros e nas perdas, sem se atender à espécie e ao valor
das suas quotas.
VIDARI, Corso di diritto commerciale, vol. l, 5.ª ed., n. 980, nota,
combate a doutrina suíça.
No Cód. Com. alemão há um sistema engenhoso. Atribui-se ao sócio, em
primeiro lugar, sôbre os lucros do exercício, o juro de 4% sôbre a sua entra-
da, ou menos, se para tanto não chegam êstes lucros. O excedente é distri-
buído per capita entre os sócios ( art. 121). Na sociedade em comandita, êste
excesso, salvo estipulação contrária, distribui-se proporcionalmente e de modo
conveniente, conforme as circunstâncias ( art. 168).
(3) Cód. Com., art. 319.
( 4) Cód. Com., art. 288. Sentença do Supremo Tribunal de Justiça,
de 25 de maio de 1887 (em O Direito, vol. 43, pág. 3 67), e acórdão revisor
da Relação da Côrte, de 29 de novembro de 1887 (em O Direito, vol. 45,
pág. 560).
A Ord. do Liv. 4, Tít. 44, § 9, in fine, diz: "não poderão os companheiros
pôr tal pacto e condição, que um companheiro leve o ganho todo, e na perd.l
não tenha parte, porquanto o tal concêrto, como êste é ilícito e reprovado".
46 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

É também contrária ao espírito do contrato a cláusula


libertando em absoluto um ou mais sócios de concorrer nas
perdas sociais, para deixá-las a cargo de outro ou outros
sócios. O sócio, em hipótese alguma, poderá ser exonerado de
contribuir para essas perdas, ainda que com as somas ou
efeitos entrados para o capital social (1) .
Assim como os lucros são comuns aos sócios, do mesmo
modo o são as perdas. ~ste fato desvia a sociedade dos con-
tratos aleatórios, onde um contratante deve ganhar e outro
perder. A sociedade corre a álea do comércio; quando perde,
perdem todos os sócios; perdendo um, os outros não podem
ganhar (2).
O contrato social que contivesse essas cláusulas, a saber:
a totalidade dos lucros a um dos sócios, a privação dos lucros
para um dos sócios, a libertação de algum sócio dos prejuízos
sociais, seria nulo, pois faltaria ao seu fim. A sociedade é qut>
se acharia nula e não a cláusula proibida (3). A nulidade é
de ordem pública.
Não devendo a lei ser iludida, nula também seria a so-
ciedade que contivesse qualquer cláusula que indiretamente
levasse àqueles resultados.
As sociedades em que figuram tais cláusulas, diretas ou
oblíquas, são chamadas leoninas, alusão à fábula do leão, que,
indo à caça com outros. animais, se apoderou sozinho de tôd~
a prêsa. A Lei 29, § 2, Dig., pro socio, assim diz: "Hanc socie-
tatem leoninam solitum appellare" ( 4).

( 1) Cód. Com., art. 288.


(2) VIDARI, Corso di diritto commerciale, 5.ª ed., vol. 1. 0 , n. 713;
P ATERI, La società anonima, n. 16.
( 3) Cód. Com., art. 288.
( 4) Entende-se hoje que a lei não se deve preocupar com o que no
Direito Romano se chamava sociedade leonina, porque ela não é tutôra dos
contratantes.
"Ninguém, por certo, entrando em uma sociedade com vistas de lucrar,
e tal é o fim de tôda sociedade, estipulará que não terá parte nos lucros, salvo
se não estiver em seu perfeito juízo ou se foi coagido por violência ou
enganado: nesse caso, poderá rescindir o contrato, não alegando ser a socie-
dade leonina, mas por vício de consentimento. Se aquêle que pode dispor de
seus bens livremente, estipula que não terá parte nos lucros da sociedade, tal
contrato tem tôda a validade, entende-se que quis beneficiar o outro sócio,
que quis fazer-lhe o empréstimo de um capital e ainda mais quis partilhar <>li
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 47

560. Leonina não se considera a sociedade em que se


atribui a um dos sócios o direito de receber preferencialmente
certa quantia sôbre os lucros ou, o que dá no mesmo, o juro
sôbre o valor com o qual entrou, sendo o excesso, se houver,
distribuído pelos outros sócios. A isso se chama segurar os
lucros do sócio. A cláusula não tira aos outros sócios a espe-
rança de lucro: condiciona apenas o seu direito a participar
daquele excesso (1).
561. Igualmente, é lícito estipular no contrato social
que o sócio, que infringir tal ou qual cláusula, seja privado, a
título de pena, de todo ou parte do seu direito nos lucro~
sociais durante certo tempo (2).
562. Os sócios, qualquer que seja a forma da sociedade,
podem limitar a distribuição dos lucros ou benefícios. Seria
válida a cláusula, na qual se estipulasse que os lucros a distrj-
buir não excedessem de uma porcentagem máxima (10 '7o,
15 %) sôbre o valor com que contribuíssem os sócios, ou que
mandasse aplicar parte dos lucros a uma obra de interêsse
geral, como: constituição de fundos de pensão e seguro para
empregados e operários, fundação e manutenção de escolas
para êstes, propaganda e reclamo dos produtos ou mercado-
rias e, ainda, auxílio a institutos pios e caridosos, etc.
563. Em teoria, só depois de liquidada a sociedade é
possível dizer se houve ou não lucros, isto é, se houve aumen-
to ou diminuição no seu patrimônio.
Na prática, outro é o sistema.
Mandando o Código levantar o balanço todos os anos, ve-
rificam-se os lucros e perdas sociais (ns. 248 do 2.º vol), e de
ordinário se permite a retirada dos lucros. Na falta de pacto, o

prejuízos" (FELíCIO DOS SANTOS, Comentário ao projeto do Código Cii·il


brasileiro, vol. 4. 0 págs. 280-281) .
(1) ARTHUYS, Traité des sociétés commerciales, vol. 1. 0 , n. 62.
(2) Arg. art. 32, 3.ª alínea, do Dec. n. 434, de 4 de julho de 189l (*).
GOIRANI, Traité des sociétés par actions, vol. 1. 0 , n. 6; VIV ANTE, Trattnto
di diritto commerciale, 3.ª ed., vol. 2. 0 , n. 324.
( *) Dispõe em sentido contrário o art. 78, letra a, o Dec.-lei n. 2.627,
de 26 de setembro de 1940.
43 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

sistema da divisão anual, no fim do exercício está introduzido


nos hábitos comerciais. Nas soci::dades anônimas, a lei per-
mite a distribuição de dividendos semestralmente (1).
Os lucros reais, isto é, aquêles que representam o resul.
tado das operações sociais durante o exercício, são essencial
mente disponíveis (2). "A sociedade liquida-se cada ano a fim
de determinar a importância dos seus lucros; o que ela ga-
nhou representa valor adquirido para os sócios e irrevogàvel·
mente se lhes distribuem êstes lucros. Trata-se de uso honesto
que os credores conhecem e têm de admiti-lo (3).
Os lucros sociais são representados por tudo quanto fica
à disposição da sociedade, depois de deduzidas as dívidas exi·
gíveis, as despesas da administração, etc., pelo excesso do
ativo sôbre o passivo do balanço, observando-se a regra do ar··
tigo 117 do Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, (**) que s·;;
aplica a tôdas as sociedades, isto é, para que os haveres sociais
possam entrar no cálculo dos lucros líquidos não é necessário
que se achem recolhidos em dinheiro à caixa; basta que con·
sistam em valores definitivamente adquiridos ou em direitos e
obrigações seguras, como letras e quaisquer papéis de crédito
reputados bons (4) .

(1) Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, art. 116 (*).


(2) Contrapõem-se aos lucros reais os lucros fictícios, resultantc:s:
a) da valorização dos bens compreendidos no ativo do balanço;
b) da falsa declaração de ter havido lucros.
Veremos, oportunamente, quando tratarmos das sociedades em comandita
e das anônimas, o que dispõe a lei sôbre a restituição dêsses dividendos pelos
sócios que os receberam.
(3) THALLER, Traité de droit commercial, 4. ª ed., n. 381.
( 4) Lucros adquiridos, disse DU MIREL, no relatório sôbre o projeto
da lei francesa de 1863, significam os lucros que não podem deixar ele vir à
sociedade, que se não acham no estado de simples eventualidade. Não é
necessário que estejam encaixados; podem resultar de um valor, de um saque,
de um simples crédito, desde que êstes se reputem bons, não suscetíveis ole
discussão.
Lucros reais consideram-se, dizia o Ministro belga BARA, na discussão
da Lei de 1873, "os lucros que se devem acreditar legítimos, conforme a
prudência de um bom pai de família".
Lucros reais, diz NYSSEN, são lucros certos, que, na ocasião da distri-
buição, o bom comerciante pode sumàriamente considerar tais; não é neces-
("') Dec.-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 131, in principio.
(""") Cit. Decreto-lei n. 2.627, art. 132, in principio.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 49

Os lucros que se partilham nas sociedades anônimas cha~


mam-se dividendos (de a dividundo) (1) .

564. Não é proibido estipular que os lucros verificados


anualmente no fim do exercício, fiquem na sociedade para.
integrar o capital social, para constituir o fundo de reserva
ou para ser levado a crédito na conta de cada sócio, levantan-
do-os por ocasião da liquidação da sociedade.

565. É lícita, nas sociedades que não revestem a forma


anônima, a cláusula do contrato autorizando cada um dos
sócios, inclusive o comanditário a retirar mensalmente deter-
minada quantia para as suas despesas particulares, a título
de antecipação de lucros, o que não altera a fixidez do ca-
pital (2).
Os pagamentos mensais, gratificações ou porcentagens
autorizados pelo contrato social a um ou mais sócios pelos atos
de gestão ou pelos serviços à sociedade, não se consideram
antecipação de lucros, mas despesas gerais.
O sócio comanditário, não podendo prestar serviços à so-
ciedade, está vedado de perceber tais pagamentos, porcenta.
gens ou gratificações.

566. Incorre em censura jurídica a estipulação do pa-


gamento de certo juro sôbre as quotas ou as ações para o caso
de a sociedade não dar lucros?

sano que estejam encaixados, basta que sejam realizáveis (A vant-projet de


/oi sur /es sociétés commerciales, pág. 94) .
L. 30, Dig. pro socio: "Neque enim lucrum intelligitur, nisi omni damno
deducto; neque damnum, nisi omni lucro deducto". Ainda hoje se aplaude
esta regra do direito romano.
( 1) O Código não emprega esta expressão, mas a encontramos no Dec.
n. 434, de 4 de julho de 1891, arts. 114, 115, 116 et passim e na Lei n. 2.024,
de 17 de dezembro de 1908, art. 171, n. 3.
(2) O acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 27 de janeiro
de 1906 (No S. Paulo Judiciário, vol. 10, págs. 60-61), confirmado pelo de 27
de abril de 1907 (no São Paulo Judiciário, vol. 13, págs. 339-340), assim
resolveu quanto ao sócio comanditário.
50 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

As quotas ou ações constituem o capital social e êste nãv


é dos sócios, mas da sociedade. Esta, conseguintemente, não
pode pagar juros pelo que é seu.

Considerar os juros adiantadamente de dividendos é


ficção. Não há dividendos e justamente por isso se fala em
juros. Logo, êstes equivaleriam a reembôlso parcial do capital.

Há legislaçfü~s que abrem exceções para as grandes com-


panhias (estradas de ferro, etc.), que, precisando de razoável
período para começar a produzir, lutariam com imensa difi-
culdade em obter subscritores, se êstes não colhessem desde
logo a renda para os seus capitais. Essas exceções são rodea-
das de pr2vid~ntes cautelas (1) . Sem lei expre5:sa é difícil
admitir aquela estipulação.

( 1) O Cód. Com. italiano, no art. 181 admite a estipulação, contanto


que os juros não excedam de 5%, não sejam pagos por mais de três anos e
saiam das despesas da primeira instalação, sendo repartidos com estas pelos
balan-;os que apresentarem dividendos reais.
O Cód. Com. alemão, art. 215, e o suíço das obrigações, art. 630, per-
m?tem a cláusula de juros durante o tempo da preparação da emprêsa até
o início da exploração normal. Na Alemanha chamam-se Bar.!Zinsen, juros
de construção. O Cód. suíço não tem passado sem crítica ut ROSSEL, Manuel
du droit civil suisse, vol. 3. 0 , pág. 685.
Na França, a jurisprudência admite a cláusula; os autores, porém, em
geral a condenam (consulte-se ROUSSEAU, Des sociétés commerciales, 4.ª
ed., vol. 1.0, n. 1.434).
L YON-CAEN et RENAULT, conquanto entendam que a estipulação de
juros, na falta de lucres, possa acarretar graves inconvenientes, acham louvá-
vel a Lese da jurisprudência francesa, que não viola princípio de direito e ~e
impõe como necessária por considerações práticas valiosas ( Traité de droit
commercial, 4.ª edição, vol. 2, P. 1, ns. 553 e 554).
Na República Argentina, o Cód. Comercial, art. 334, expressamente
proíbe prometer ou pagar juros aos acionistas pelo valor das suas ações, salvo
as ações de prioridade, privilegiadas ou preferenciais, sendo devidos os juros
somente no caso de haver lucros realizados e líquidos.
O Congresso internacio11al das sociedades por ações, realizado em Paris,
em 1889, na resolução XVII adotou que, em princípio, a sociedade não podia
distribuir juros aos acionistas senão com lucros realizados, mas os estatutos
podiam determinar que, no período do primeiro estabelecimento, cuja duração
fixariam, se distribuíssem os juros de 3 por cento no máximo, não podendo
exceder naquele período Je mais de 15% sôbre o capital social.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 51

CAP1TULO III

Da distinção entre as sociedades comerciais e as civis

Sumál'lo: - 567. O interêsce da distinção. - 568. Critério


diferencial entre as sociedades comerciais e" as civi:;.
- 569. No contrato é que se determina a naturea
da sociedade. - 570. Uma objeção. - 571. Prin-
cípios que dominam €sse assunto.

567. Nos países onde o Direito Comercial constitui


ramo do direito privado, desperta tanto interêsse a distinção
entre as sociedades comerciais e as sociedades civis, quant:J
a que s.e faz entre a pessoa comerciante e a pessoa não co-
merciante.

Entre nós, só relativamente às sociedades anônimas e em


comandita por ações não se apresenta o interêsse prático da
distinção, visto como, civil ou comercial o seu objeto, estão
tôdas subordinadas à mesma disciplina legal (1).

568. O objeto das operações a que se propõe a socie-


dade determina a sua natureza comercial ou civil.

O fim comercial (art. 311 do Cód. Com.), o propósito de


comercial (art. 31), o intuito de negociações ou operações
comerciais (arts. 317 e 325), eis o critério que assinala a
comercialidade das sociedades (2).

(1) Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, art. 3 ("').


(2) Consultem-se: TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação, nota 6 110
art. 747, e Aditamentos ao Código do Comércio, vol. t. 0 , pág. 647; CLôVIS,
Direito das Obrigações, § 160; PEDRO LESSA, na Revis/a da Faculdade de
Direito de São Paulo, vol. 10, pág. 143 e na Revista de Direito, vol. 8, pá-
ginas 16-29.
A Lei Belga, de 18 de maio de 1873, art. t. 0 , dispõe: "Les sociétés com-
merciales sont celles qui ont pour objet des actes de commerce".
O Código Comercial italiano, em 1882, no art. 76, também diz: "Le
società commerciali hanno per oggetto uno e piu atti di commercio". Esta de-
finição tem sido criticada pela referência a um s6 ato de comércio. A dou-
(•) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 2. 0 , parágrafo
único. Por êsse dispositivo, a sociedade anônima é sempre mercantil, qualquer
que seja o seu objeto.
52 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

As sociedades comerciais não se distinguem das civis,


declarou o Supremo Tribunal de Justiça, em sentença de 25
de junho de 1862, pela forma porque são contraídas, sim, po-
rém, pela natureza das suas operações; esta constitui e de-
termina a índole das sociedades, imprimindo-lhes caráter
comercial ou civil (1).

A Ord. do Liv. 4, Tít. 44, tratando do contrato de socie-


dade civil, silenciou sôbre a forma que esta podia assumir.
Daí a conclusão de ter ficado à vontade das partes escolher
a forma que melhor conviesse aos seus interêsses (2).

Em nosso Direito, portanto, as sociedades civis podem re·


vestir qualquer das formas que o Código Comercial estabe-
leceu para as sociedades comerciais (3), e, então, passam a
ser reguladas pelos direitos do Cód. Com., relativos ao tipo
adotado, o que lhes pode trazer grande conveniência (4); não
perdem, porém, a sua natureza, e, excetuadas as sociedades
anônimas e as em comandita por ações, não ficam sujeitas às
obrigações dos comerciantes, não incidem na falência (5) e

trina, entretanto, fixou o sentido como expôs MARGHIERI, em // codice di


commercio commentato, ed. de Verona, vol. 3. 0 , 2.ª ed., n. 2.
(1) MAFRA, Jurisprudência dos Tribunais, vol. 3. 0 , págs. 91-94. Acór-
dãos da Relação do Rio, de 10 de março de 1882, em O Direito, vol. 28,
pág. 31, de 27 de outubro de 1885, em O Direito, vol. 39, pág. 151 e da Câ-
mara Civil da Côrte de Apelação, de 12 de maio de 1898, na Revista de
Jurisprudência, vol. 3, págs. 217-224.
A própria sociedade anônima, aliás sujeita a uma só disciplina, pode ser
comercial ou civil conforme o seu objeto, arts. 2. 0 e 3. 0 do Decreto n. 434,
de 4 de julho de 1891 ( •). A diferença, entretanto, não tem alcance prático
(n. 567 supra).
(2) TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação, neta 6 ao art. 747, e
Aditamentos à Consolidação, págs. 473 e 474; DINO BUENO, Diferença entre
as sociedades civis e comerciais, tese de concurso, S. Paulo, 1878, em O Di-
reito, vol. 17, págs. 12-16.
(3) CARLOS DE CARVALHO, N. Consolidação, art. 152, lelra L' (>I<*).
( 4) Trata-se por exemplo de uma sociedade agrícola ou de outra qut:
tenha por objeto a compra e venda de imóveis. Aos sócios pode convir, para
o crédito social, a adoção da forma da sociedade em nome coletivo. .
(5) Acórdão da Câmara Civil da Côrte de Apelação, de 12 de maio
de 1898, na Revista de Jurisprudência, vol. 3.0 , págs. 217-224.
( •) Veja-se a nota precedente, dos revisores.
( . . ) Cód. Civil, art. 1.364.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL ERASLLEIRO 53

nem os seus contratos institucionais são admitidos no registe


do comércio (n. 214 do 1.0 vol., 2.ª ed., dêste Tratado).
O critério material ou objetivo e não o formal é a base da
distinção das sociedades civis e comerciais (1).

Se comerciantes são os que fazem da mercancia pro-


fissão habitual (Cód. Com., art. 4. 0 ) igualmente comerciais
são as sociedades constituídas especialmente para o exercício
do comércio. Esta noção funda-se no art. 4. 0 do Cód. (Veja-
se o n. 9 do 2.º vol. dêste Tratado).

569. O contrato da sociedade devendo designar especi-


ficamente o seu objeto (art. 302, n. 4, Cód. Com.) serve de
base para conhecer se a sociedade é civil ou comercial. É a
fonte natural a que os juízes e tribunais têm de recorrer para
solução da questão, salvo, bem entendido, os casos de fraude
ou simulação.

570. A distinção entre as sociedades comerciais e as ci-


vis, baseada no critério objetivo, já foi contestada em vista
dos têrmos dos arts. 19, n. II do Título único do Cód. Com., e
20, § 2. 0 , do Regul. n. 737, de 25 de novembro de 1850, que
mandavam julgar na conformidade das disposições do Código
e pela mesma forma de processo, ainda que não interviesse
pessoa comerciante, as questões de companhias e sociedades,
quaisquer que fôssem a sua natureza e objeto.
Em a nota 1.ª ao n. 372 do l.º vol., 2.ª ed., dêste Tratado,
referimo-nos a essa objeção, solvida hoje pelos tribunais e
pela legislação das sociedades anônimas.

( 1) KUNTZE, Prinzip 11nd System der Handelsgesellschaf ten Zeitschrift


d. ges. H and., VI (1863), pág. 188, distingue entre comercialidade formal e
comercialidade material. Se se adota o primeiro critério, dir-se-á que são co-
merciais as sociedades constituídas sob a forma e com os caracteres indicados
no Código Comercial; se se adota o segundo, o critéiio da comercialidade
material, são comerciais as sociedades que procuram lucro mediante o exer-
cício habitual de atos de comércio.
Devemos adotar o critério no texto acima que qualifica o comerciante. Para
isso, já dissemos em o n. 14 do 2. 0 vol., não há necessidade de requisito formal:
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

571. Tenhamos como assentados nessa matéria os prin-


cípios seguintes:

1.º Qualquer que seja a forma que assuma a sociedade,


anônima, em nome coletivo ou em comandita, se instituída
para exercer atos de comércio por natureza, é comercial; se
o objeto não se compreende entre os atos de mercancia, ainda
que a sociedade se proponha a um escopo de lucro in genere,
deve ser tida como civil (1). Pouco importa que os interes-
sados denominem comercial a sociedade civil ou vice-versa
e que, por abuso, arquivem o contrato institucional no regist-J
do comércio. A vontade das partes não tem fôrça para esta-
belecer a comercialidade de uma sociedade civil e vice-versa,
alterando a natureza das coisas e ofendendo o que é de d.i-
reito público (2).

(1) Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, art. 3.0 • Acórdão da Câmara


Civil do Distrito Federal, de 12 de maio de 1898, na Revista de Jurisprudên-
cia, vol. 3. 0 , págs. 217-224 (*).
As sociedades agrícolas são civis. Sentença em O Direito, vol. 12, pág. 760.
Quanto às sociedades de seguros, veja-se n. 372 e respectiva nota do 1. 0
volume, 2.ª ed. dêste Tratado.
As tontinas não são comerciais. VJDARI, Corso di díritto commerciale,
5.ª edição volume 1, n. 695.
A sociedade tendo por objeto a compra e revenda de terras a colonos
é civil. Acórdão da Relação de Pôrto Alegre, de 3 de setembro de 1880, apnd
ORLANDO, Código Comercial, 6.ª ed., nota 345.
As sociedades que tiverem por objeto os trabalhos de lavoura e criação
do gado, a colheita, amanho, remessa e venda dos produtos agrícolas, são civis.
(Sentença do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de junho de 1862, em
MAFRA, Jurisprudência dos tribunais, vol. 3. 0 , págs. 91-94).
(2) Acórdão da Câmara Civil do Distrito Federal, de 12 de maio de
1898 citado em a nota supra.
"As coisas não se podem caracterizar a não ser pelo que realmente sejam
e nunca pelas formas que aparentam". (DR. DINO BUENO, Tese, citado
em a nota supra).
"La forma non deve mai prevalere alia sostanza, ne l'appareoza all::l
realtà; epperó egli e alio scopo che la società si propone di conseguire che
si deve badare per distinguere una società commerciale da una società civile",
(VIDARI, Corso di diritto commerciale, vol. 1. 0 , 5.ª ed., n. 688).
(*) Hoje dispõe o art. 2. 0 , parágrafo único do Decreto-lei n. 2.627,
de 26 de setembro de 1940: "Qualquer que seja o objeto, a sociedade anônima
ou companhia é mercantil e rege-se pelas leis e usos comerciais".
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 55

2.º Do mesmo modo, se a forma da sociedade é comer-


cial, e se ela não tem realmente por fim a prática de atos
que tornariam comerciante o indivíduo que a êles se dedi-
casse profissionalmente, o seu caráter civil é incontestável.

3.º Se a sociedade tem por objeto atos civis e ao mesmc


tempo atos comerciais, é comercial (1). Não é comercial se
as operações de caráter mercantil são anexas ou acessórias
às de caráter civil. A comercialidade deve resultar da acen-
tuação das operações mercantis.

4.º A profissão dos sócios não influi para caracterizai


a natureza da sociedade. Comerciantes podem constituir so~
ciedade civil; pessoas não comerciantes podem fazer parte de
sociedades comerciais (2).

5.º A sociedade comercial, sem perder a sua natureza,


pode praticar atos civis. Não é a prática acidental de um
ou outro ato de natureza civil que modifica o caráter íntimo,
virtual da sociedade mercantil. Assim, a sociedade comercial
pode adquirir e vender imóveis sem que, por êsse fato, perca o
caráter de comerciante.

(1) ROUSSEAU, Des sociétés commerciales, 4.ª ed., vol. I. 0 , n. 266.


Consultem-se a sentença do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de no-
vembro de 1883, em O Direito, vol. 33, pág. 56, e o acórdão revisor da Relação
de Ouro Prêto, de 27 de junho de 1884, em O Direito, vol. 34, pág. 563.
- O Tribunal de Justiça de S. Paulo, em acórdão de 9 de dezembro de
1905, confirmou a sentença do Juiz de l.ª instância, julgando que: "as socie-
dades organizadas com intuito cooperativo são civis quando não têm objetive
de especulação e operam tão-sàmente com os seus próprios sócios, e são co-
merciais desde que vendem e negociam com terceiros", (no S. Paulo Judi-
ciário, vol. 9, págs. 423-425).
- A doutrina e a jurisprudência belgas mandam consultar o caráter pre-
dominante dos atos praticados pela sociedade para decidir se esta é comercial
ou civil. NAMUR, Le code de commerce belge, 2.ª ed., vol. 2, n. 798.
Adotam essa doutrina na República Argentina, SEGOVIA, Explicació11 y critica
dei nuevo codigo de comercio, vol. 1, nota 1005, e na Itália, PATERI, La
società anonima. n. 48.
(2) Consulte-se o Cód. Com., arts. 311, 315, 325 et passim.
56 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

CAPfTULO IV

Das formas das sociedades comerciais.


Da sua transformação e fusão

Sumário: - 572. Razão de ordem.

572. O objeto dêste capítulo, anunciado na respectiva


epígrafe, mostra a importância do assunto.

Diremos na Seção I das formas que revestem as socfa-


dades comerciais, na II da transformação das sociedades e
na III da fusão.

SEÇÃO I

Das formas das sociedades comerciais

Sumário: - 573. Os tipos clássicos e outras espécies de


sociedades comerciais. - 574. Noção suscinta destas
sociedades. - 575. A distinção segundo os graus de
responsabilidade dos sócios. - 576. Sociedades de
pessoas e de capitais. - 577. Sociedades de capital
fixo e de capital variável.

573. Temos os seguintes tipos clássicos de sociedade.:3


comerciais ( 1) :
1. a sociedade em nome coletivo;

2. a sociedade em comandita;

( 1 ) O Código Comercial não enumerou as espécies diversas de rncieda-


des comerciais, como fizeram outros Códigos (francês, art. 19, italiano, nrt.
76 e Lei de 1873, art. 2. 0 ).
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 57

3. a sociedade anônima, que é a forma que prevalece,


relativamente às mais vultosas emprêsas.
A sociedade em comandita pode ser simples ou por ações.
~sses tipos de sociedades, definidos na lei e organizados
sob regras fundamentais, não podem ser mutilados pela con-
venção das partes, como teremos ocasião de mostrar oportu-
namente. Êles servem para instruir imediatamente ao público·
sôbre o critério legal a que são submetidas as sociedades e
principalmente sôbre a garantia que os sócios oferecem a ter·
ceiros.
O Código Comercial ainda contemplou:
a) a sociedade de capital e indústria, que ao invés de
ser tipo especial de sociedade comercial, é antes um dos modos
da sua composição ( 1) ; e
b) a sociedade em conta de participação, que não apa-
rece nas relações para com terceiros ( 2) .
Existem, também, a sociedade cooperativa (3) e a de cré-
dito real (4).
Aquela não apresenta forma especial; pode ser anônim~,.
em nome coletivo ou em comandita (5).
Esta, de ordinário, se constitui sob a forma anônima,
tendo por objeto, além das operações que lhe são peculiares,.
as bancãrias.
As sociedades de crédito real, se não revestem a forma
anônima, ou não praticam operações bancárias, são civis e
regem-se pelo Direito Civil (6).

(1) Cód. Com., arts. 287 e 387. (Veja-se o cap. IV, do Tít. III dêste vol.).
(2) Cód. Com., arts. 325 e 326. (Veja-se Tít. VI dêste vol.).
(3) Regulada pela Lei n. 1.637, de 5-1-1907, arts. 10 a 25 (*).
( 4) Regulada pelo Dec. do Govêrno Provisório n. 370, de 2 de maio da·
1890, arts. 278 e seguintes.
(5) Lei n. 1.637, de 1907, art. 10 (**).
(6) AUBRY et RAU, Cours de droit civil /rançais, 5.ª ed., vol. l.º..
§ 25, denominam Direito Civil especial o que regula estas sociedades.

( *) Hoje pelo Decreto-lei n. 5.893, de 19 de outubro de 1943, modifi-.


cado pelo Decreto-lei n. 6.274, de 14 de fevereiro de 1944 e Decreto n. 22.239,
de 19-12-32 revigorado pelo Dec.-lei n. 8.401, de 19 de dezembro de 1945.
( • *) Hoje as sociedades cooperativas são sempre de pessoas e não de·
capitais. Decreto n. 22.239, de 19 de dezembro de 1932, art. 2. 0 •
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

A nossa legislação não conhece a sociedade limitada, va-


riedade da anônima (1), nem a de capitalização (2).

574. Não obstante cada uma das espécies de sociedades


·comerciais em seguida indicadas constituir objeto de estudo
especial, oferecemos aqui sumária noção para se as reco-
nhecer fàcilrnente.
1. Na sociedade em nome coletivo, todos os soc1os ga.
Tantem ilimitada e solidàriamente as obrigações contraídas:
_sob a firma ou razão social (3). Dizemos garantem, porque a
responsabilidade dos sócios importa verdadeira garantia. Res·

(1) As sociedades limitadas, de origem inglêsa (limited), podem ter


firma composta dos nomes de um ou mais sócios com responsabilidade Ii-
IT'jtada.
Em 1866, procurou-se criar no Brasil essas sociedades com a responsa-
bilidade limitada dos sócios e sôbre o respectivo projeto foi ouvido o Conselho
de Estado (Seção de Justiça) que, em parecer de 9 de junho daquele ano
(PIMENTA BUENO, VISCONDE DE URUGUAI, DE JEQUITINHONHA
e DE ITABORAI e MANUEL FELIZÁRIO) opinou pela .wa rejeição. O IM-
PERADOR conformou-se com êste parecer pela Resolução de 24 de abril
.de 1867.
A Admissão dessas sociedades romperia a tradição, perturbaria o nosso
sistema e não traria vantagens mais positivas além das que oferecem as socie-
,dades anônimas e as comanditárias.
São justas as considerações de VIDARI, Corso di diritto commerciale,
vol. 1.º, 5.ª ed., nota ao n. 686 (*).
O Primeiro Congresso Nacional de Sociedades Anônimas de Turim (1911 ),
discutindo se se devia ou não admitir outras formas de sociedade de respon-
.sabilidade limitada, resolveu adiar o assunto para novos estudos. SCJALOJA,
no relatório, disse que a admissão na Itália dêsse novo tipo de sociedade
"presenterebbe pericoli assai piU gravi e notevoli dei benefizi che dovrebbe
apportare ai comercio e ai credito nazionale" (Atti, Torino, 1912, págs.
212 e segs.).
O Cód. Com. alemão a elas não se referiu, não obstante admitidas pela
Lei de 20 de abril de 1892, modificada ligeiramente pela Lei de introduçfo
dêsse Código, art. 11.
(2) Estas sociedades reunem as economias particulares com o fim da
reconstituição de capitais. Mediante o recebimento de contribuições ou entradas
periódicas ou de uma só entrada, elas obrigam-se a pagar a cada um dos
aderentes certa quantia no fim de determinado tempo. Para conseguir êsse
resultado empregam, por sua conta, os capitais que aceitam percebendo renda'>
ou juros mais ou menos elevados.
A lei francesa de 19 de dezembro de 1907 regulou-as.
(3) Cód. Com., art. 316; Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 109, art. 6. 0 •
( *) Hoje a Lei n. 3. 708, de 30 de janeiro de 1919 regula as socieda-
·des limitadas e o Dec. o. 22.456, de 10 de fevereiro de 1933 as de capitalização.
TRATADO DE DIRI!;ITO COMERCIAL BRASíLEIRO 59

pondem pelas obrigações sociais, em primeiro lugar, a socie ·


dade; e, subsidiàriamente, os sócios (1).
Nesta sociedade, contratada intuitu personre, um sócio
não pode ser substituído s2m o consentimento de todos (2).
2. Na sociedade em comandita, existem duas espécies
de sócios: uns, comanditários ou prestadores de capitais, que
se não responsabilizam além dos fundos com que entram ou
se obrigam a entrar na sociedade (3), e outros, comandi-
tados, responsáveis ilimitadamente, que garantem pessoal e
solidàriamente as obrigações sociais, como se dá com os sócios
nas sociedades em nome coletivo (4).
A sociedade em comandita pode ser constituída, por sua
vez, sob dois tipos:
a) a comandita simples, cujo capital é dividido em
quotas, não podendo os sócios comanditários cederem livre-
mente o seu direito social; e
b) a comandita por ações, com o capital reservado aos
sócios comanditários dividido em ações, tendo êstes a liber-
dade de ceder estas ações, do mesmo modo que o acionista
na sociedade anônima.
3. Na sociedade anônima, os sócios, denominados acio-
nistas, respondem somente pelo valor das ações que subscre-
vem ou pela integração das ações que lhes são cedidas (6).
A limitação da responsabilidade de todos os sócios, a pri-
vação de firma social, a divisão do capital em ações e a
transmissibilidade do direito de cada sócio são os caracterís-
ticos dessa forma de sociedade (6).
4. Na sociedade de capital e indústria, figuram duas
categorias de sócios: sócios capitalistas, que garantem ilimi~

(1) Cód. Com., art. 350; Regul. n. 737, de 1850, art. 531, § l.º.
(2) Cód. Com., art. 334.
(3-4) Cód. Com., arts. 311 e 313.
(5) Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, art. 15 (•).
(6) Dec. n. 434, arts. 23, 24, 25, 27 e 28 e legislação aí citada (U).
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 74, in principilÃ
(**) Cit. Decreto-lei n. 2.627, arts. 27 e 75.
60
J · X. CARVALHO DE MENDONÇA

tada e solidàriamente as obrigações sociais (1), e sócios de


indústria que se não obrigam para com terceiros desde que
se limitem a contribuir exclusivamente com trabalho ou in-
dústria, sem intervirem na gerência nem darem o nome à
firma social (2).
5. A sociedade cooperativa, tem por característicos a
variabilidade do capital social, a não limitação do número
dos sócios e a incessibilidade das G.:;3cs, quotas ou partes a
terceiros, estranhos à sociedade (3).
6. A sociedade em conta de padicipação, que não tem
firma, porque não aparece nas reia.ções com terceiros (4),
assinala-se especialmente pelo seu caráter oculto. Nela figu-
ram duas espécies de sócios: os ostensivos, únicos que se
obrigam para com terceiros, e os ocultos, que apenas se obri-
gam para com os sócios ostensivos por todos os resultados das
transações, conforme ajuste entre êles (5).
Antes de passarmos adiante, convém dizer que a origem
histórica dessas sociedades que ficam enumeradas, não é a
mesma. Cada um dêsses tipos se desenvolveu sob a pressão
de necessidades diversas e a influência de um sôbre o outro,
trazendo modificações recíprocas, sómente se deu muito tem-
po depois.

575. A classificação mais prática e racional das socie-


dades comerciais é a adotada pelo sistema inglês, que não
as discrimina sob designações particulares, porém, mediante o
critério dos graus de responsabilidade dos sócios para com os
credores sociais, ou melhor, sob o ponto de vista da garantia
especial que oferecem a terceiros. A responsabilidade dos
sócios nos seus diversos graus é o denominador comum das
sociedades.

( 1) Cód. Com., art. 320.


(2) Cód. Com., art. 321; Dec. n. 916, de 24 de outubro de 1890,
art. 3, § 3.
(3) Lei n. 1.637, de 5 de janeiro de 1907, art. 11 (•).
(4) Dec. n. 916, de 24 de outubro de 1890 art 3 o § 4 o
(5) Cód. Com., art. 326. ' · · ' · ·
(*) Decreto n. 22.239, de 19 de dezembro de 1932, art. 2.º.
TRAT.ll.DO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 61

Assim, as sociedades classifica.m-s.e em:


1. sociedades de responsabilidade ilimitada;
2. sociedades de responsabilidade limitada;
3. sociedades de responsabilidade ilimitada e limita-
da (1).
O patrimônio da sociedade é sempre, em qualquer dessas
classes, oferecido em garantia das obrigações sociais, mas,
além dêle, na primeira, os sócios garantem es~as obrigações
com todos os seus bens particulares; na segunda, a garantia
prestada pelos sócios não excede da importância da sua en-
trada ou da quota subscrita; na terceira, existem simultânea-
mente essas duas qualidades de sócios. As sociedades incluí-
das na primeira classe correspondem às sociedades em nome
coletivo; as da segunda, às chamadas anônimas; as da ter-
ceira, às denominadas em comandita. A cooperativa pode
revestir um ou outro caráter, de acôrdo com a forma adotada.
Essa classificação serviu de critério para a disposição do
art. 6.0 da Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, a qual,
ainda, nos arts. 53 e 54, se referiu expressamente a sócios de
responsabilidade limitada. Ela é uma das bases das socieda-
des cooperativas, as quais, nos têrmos do art. 12 da Lei
n. 1.637, de 5 de janeiro de 1907, ficam obrigadas a declarar
em sua firma ou denominação, se a responsabilidade é limi-
tada ou ilimitada. O Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891,
sôbre sociedades anônimas, firmou-se nessa classificação, dis-
tinguindo estas sociedades das outras espécies pela responsa-
bilidade limitada de todo os acionistas (art. 1. 0 ).
Precisamos observar que a responsabilidade ilimitada dos
sócios não se compreenàe eficientemente senão nos peque-
nos negócios. Nos de grande importância, esta responsabi-
lidade é para o público um engôdo e para os sócios um fardo
inac·ei tável.

( 1) Talvez fôsse conveniente evitar as expressões sociedade de respon-


sabilidade ilimitada ou limitada, por equívocas. Os sócios é que podem ter
a sua responsabilidade ilimitada ou limitada; a sociedade responde sempre com
todo o seu patrimônio pelas obrigações sociais, isto é, tem a sua responsa-
bilidade ilimitada.
A pureza das expressões nem sempre é observada.
62 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

576. Fazem, também, a seguinte distinção, que não


escapa à censura de ilógica, confundindo a sociedade com os
sócios, pessoas distintas e independentes, e esquecendo-se de
que tôdas as sociedades têm um capital expresso em dinheiro,
garantia exclusiva dos credores sociais: sociedades de pessoas
e sociedades de capitais (1), ou, o que dá no mesmo, socie-
dades por quotas e sociedades por ações (2), acrescentan-
do-se a estas duas as sociedades de capital variável (as coope-
rativas).
Nas primeiras, os sócios aceitam-se, tendo em conside-
ração suas qualidades pessoais e, por isso, se dizem formadas
intuitu personre; os credores sociais podem contar, além do
capital social, com o patrimônio de todos ou de alguns dos
sócios. Essas sociedades repousam na confiança recíproca, na
solvência, no crédito, na honradez, na experiência dos sócios.
A morte de um dêles importa a dissolução, e a parte dos só-
cios, denominada quota, não pode ser cessível entre vivos nem
transmissível causa mortis, salvo com o consentimento unâ-
nime dos outros sócios. Os sócios não podem subtrair essa
quota das obrigações sociais.
Nas segundas, atende-se exclusivamente às entradas de
cada sócio. São os capitais que se unem, não as pessoas. A
garantia de terceiros está unicamente no capital social. Essas
sociedades fundam-se na fôrça do capital, pelo que as entradas
de todos os sócios, representadas por ações, são títulos trans·
missíveis e negociáveis. A morte do sócio de responsabilidade
limitada não exerce a menor influência sôbre a sociedade e
nem se concebe que possa haver nulidade de tais sociedades
fundada em êrro sôbre a pessoa.
PertEncem às primeiras as sociedades em nome coletivo
e em comandita simples; às segundas as sociedades anôni-

( 1) As sociedades dita~ de capitais só poderiam ser contrapostas logi-


camente às sociedades de indústria pesl·oal ou trabalho. Tôdas as sociedades,
a em comandita, a em nome coletivo, a anônima, sob o ponto de vista econô-
mico podem ~er sociedades de capitais, tal a relevância dêstes. (Consulte-se
Cf.LLERIER, Ctude sur lcs sociétés anonymes, n. 31).
(2) A essa distinção aludiu INGLE.S DE SOUSA, nos Tíflllos 110 por-
tador, n. 299.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO E3·

mas (1). A sociedade em comandita por ações participa de


ambas: é uma sociedade de pessoas quanto aos sócios coman-
ditados e de capital quanto aos comanditários.

577. Ainda se costuma distinguir as sociedades em so-


ciedades de capital fixo e sociedades de capital variável.

As primeiras têm o capital determinado no ato in~titu­


cional e sàmente por meio de modificação do contrato ou dos
estatutos, realizada conforme os preceitos legais, poderão au-
mentá-lo ou diminuí-lo. Em todo caso, deverão ter sempre
o capital fixo em quantia certa (ns. 535 e 537 supra).
As segundas têm por base fundamental a variabilidade-
do capital. Desde a sua constituição, não se pode dizer qual
o capital certo de que dispõem. Neste estado permanecem até
a extinção. A lei inclui nesse tipo as cooperativas.
Esta instituição não tem a virtude de impor a classifica-·
ção necessária ao estudo das sociedades comerciais.

SEÇÃO II
Da transformação das sociedades comerciais

Sumário: - 578. A transformação das sociedades rcrmitid.i.·


como corolário da liberdade contratual. - 579. Nüo
se confunde com a alteração ou modificação do con-
trato social. - 580. Importa nova sociedade? -
581. A questão sob o ponto de vista do Direito-
Comercial. - 582. Direito Fiscal.

578. Com o progresso contínuo dos negócios e a v1c1s-


situde da situação dos sócios, as sociedades em nome coletivo,
podem ter necessidade de mudar de forma, de transformar-se
em sociedades em comandita, aquelas e estas em sociedades

( J) Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte <le Apelação, de 31 de maio de·


1907: "a sociedade anônima é associação antes de capitais do que de pess0:\<;".
( Revüta de Direito, vol. 5, pág. 390).
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

anônimas, para o desenvolvimento dos seus fins, para a li-


mitação das responsabilidades dos sócios ou, finalmente, para
a emissão de empréstimos mediante títulos ao portador (de-
bêntures).
Os sócios não estão proibidos de operar a transformação
da sociedade. E' corolário da liberdade dos contratos.

579. Não importam transformação o espaçamento da


:duração da sociedade (1), a retirada de sócios, a entrada de
novos na mesma qualidade dos que já existem, a retirada dos
herdeiros menores do sócio falecido (2), o aumento ou redu-
ção do capital (3), a mudança da firma ou denominação (4),
etc. Todos êsses acidentes trazem alteração ou modificação
do contrato ou dos estatutos da sociedade, e não a transfor-
mação, por que esta, no sistema legal, se não dá sem a pas-
-sagem da sociedade de uma espécie ou tipo jurídico deter-
minado para outra espécie ou tipo.

580. A transf armação produz a dissolução da sociedade


já existente, importando a constituição de nova?
Geralmente se resolve a questão mediante o seguinte
critério: se a transformação é a •.ltorizada pelo contrato social
ou pelos estatutos, conservando os mesmos elementos, o mes-
mo objeto, o mesmo capital e os mesmos sócios, considera-se
modificação ao contrato social. Neste caso, a pessoa jurídica
subsiste, gravada com o passivo anterior à transformação;
não se altera o fundo, mas simplesmente a forma, que, na
frase de VIVANTE, tem mera função instrumental, secundá-
ria relativamente ao escopo prático a que os sócios se pro-
põem (5). A transformação é a execução de uma cláusula
contratual. Dá-se aqui a transformação que se denomina
pura ou simples.

(1) Cód. Com., art. 307; Dec. n. 434, de 4 de julho de IS91, art. 150.
(2) Cód. Com., art. 308.
(3) Cód. Com., art. 307, 2.ª alínea; Dec. n. 434, de 1891, art. 91 (*).
(4) Dec. n. 916, de 24 de outubro de 1890, art. 8. 0 , princ.
(5) Trai/ato di diritto commerciale, 3.ª ed., vol. 2. 0 , n. 351.
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26-9-1940, art. 50, parágrafo único.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 65

Se, porém, a transformação, não é autorizada pelo con-


trato primordial ou pelos estatutos, importa a constituição de
nova sociedade. Para êsse fim é essencial o consentimento
expresso de todos os sócios. Essa transformação é chamada
constitutiva ( 1) .

Outrossim, existe nova sociedade se, não obstante auto-


rizada a transformação pelo contrato social ou pelos estatutos,
se adicionam elementos novos, como se se muda o objeto ou
se aumenta o capital (2).

581. Essa questão tem grande importância, quer sob o


ponto de vista do Direito Comercial, quer sob o ponto de vista
do Direito Fiscal.
Sob o ponto de vista do Direito Comercial e no intuito
de garantir direitos de terceiros, está fora de dúvida que ~
transformação da sociedade de responsabilidade ilimitada em
sociedade de responsabilidade limitada, não afeta de modo
algum direitos de terceiros. Êstes direitos continuam na situa-
ção anterior à transformação. Os sócios de responsabilidade
in infinitum continuam obrigados para com os credores.

582. Sob o ponto de vista fiscal, é digno de atenção


o Aviso do Ministério da Fazenda n. 301, de 24 de julho de
1875 (sôbre a transformação que êle denomina conversão, de
uma sociedade comanditária em sociedade anônima), decla-
rando que "o fato de funcionar a sociedade anônima, na

( 1) Uma sociedade anomma transformou-se em comandita por ações


por deliberação da assembléia geral, à qual não concorreram todos os acio-
nistas. Acionistas dissidentes reclamaram o pagamento da sua quota de capital
e dos lucros líquidos verificados pelo balanço aprovado pela asst;'mbléia com
os juros da mora. A ação foi intentada contra a sociedade em co:-:iandita por
ações, e o pedido baseado na dissolução da sociedade da qual eram acionistas
e na responsabilidade daquela como cessionária e sub-rogada no seu ativo e
passivo, por efeito da transformação.
A Câmara Comercial do Tribunal Civil, em acórdão de 19 de dezembro
de 1883, julgou procedente a ação condenando a ré no pedido (apud MON-
TENEGRO, Trabalhos judiciários, vol. 1, pág. 193).
(2) ARTHUYS, Traité des sociétés commerciales, vai. 2.º, n. 619.

'
66 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

qual se transformara a sociedade comanditária, em virtude


de ato e formalidades especiais, imprescindíveis para a exis-
tência legal sob a forma que ora tem, não a constituiu socie-
dade distinta da comanditária a que substituiu, visto serem
idênticos o seu capital e fins e até os respectivos membros".
Mais tarde, outro Aviso do mesmo Ministério, de 10 de
outubro de 1891, ao presidente da junta comercial do Dis-
trito Federal, declarou que uma sociedade anônima que se
transformara em sociedade em comandita por ações, impor-
tava nova sociedade, visto ser calcada sôbre outros moldes, dos
quais se salientava a combinação da responsabilidade dos co-
manditários com a ilimitada e solidária dos gerentes (arti-
gos 216 e 217 do Dec. n. 434, de 1891), e assim, ficava
sujeita:
a) ao deposito de 10% exigido pela lei para a consti-
tuição da sociedade em comandita por ações; b) ao sêlo do
capital social, e e) à autorização do govêrno, nos casos em
que esta é necessária (1).
t:ste mal redigido Aviso, em manifesta oposição ao de
24 de julho de 1857, que encerra a doutrina verdadeira, não
se justifica em face da lei.
Se a sociedade manteve o capital, o objeto, a duração,
a sede, o estabelecimento comercial ou industrial, continua
a mesma. A sua personalidade está íntegra. Que importa
a forma que a reveste, se depende exclusivamente da von-
tade dos sócios substituí-la?
Se não houve aumento do capital, e, conseguintemente,
se se não deram entradas em dinheiro por parte dos sócios,
se o capital já realizado se acha incorporado ao patrimônio
social, para que êsse depósito prévio de 10 %? Que significa
essa ficção?
O aviso esdrúxulo inventa pretextos para extorquir im-
postos. São as belezas do fisco, insaciável e injusto! Das
exigências que faz, parece-nos razoável sómente o da prévia
autorização do govêrno, nos casos em que é necessária.

-_.
(I) Veja-se O Direito, vol. 59, pág. 501.
TRAT/~Do DE DmEITO COMERCIAL D2lASJ:LEIRO 67

SEÇÃO III
Da fusão das sociedades comerciais
Eumfir!o: - 583. J\ fu,ão e su:·." c·.pfrie··. - ~84. A fusão
e a incorporação não são causas da dissolução das
sociedades comerciais. - 585. Diferençam-se d~
outros atos ou contratos. - 586. Entre que socieda-
des se realizam. - 587. Regra' sôbre a i"usão e a
incorporação.

533. A fusão, no sentido lato, consiste na reunião de


duas ou mais sociedades da mesma ou de diversas formas,
com o mesmo ou com diferente objeto.
~ste consórcio opera-se por dois modos ou processos.
Pelo primeiro, duas ou mais sociedades se dissolvem e,
com o pessoal e os elementos patrimoniais de tôdas, constitui·
se nova sociedade, com personalidade própria, embora com
os direitos e obrigações das sociedades fundidas.
Pelo segundo, uma das sociedades subsiste e absorve a
outra ou as outras, que se dissolvem para serem a ela incor-
poradas. Não há criação de nova sociedade, porém simples
extinção de uma ou mais de wna sociedade, para fazerem
parte de outra, que continua a existir, alargando a sua esfera
de ação e acrescentando aos seus próprios direitos e obri-
gações, que permanecem intactos, os direitos e obrigações da
sociedade ou das sociedades que a ela se incorporam.
No primeiro caso, dá-se a fusão própriamente dita ou
simplesmente fusão, que é contrato de constituição de nova
sociedade; no segundo, a incorporação ou agregação, que é
contrato de cessão.
~-e

São essas as denominações doutrinárias dos atos jurí-


dicos mencionados.
584. Da noção supra resulta que a fusão própriamente
dita pressupõe necessàriamente a extinção das sociedades que
se fundem, e a incorporação a das que são absorvidas.
Por isso, não se pode dizer que a fusão e a incorpora-
ção sejam causas da dissolução das sociedades; serão, quando
~T. X. CARVALHO DE MENDONÇA

rnuito, motivos, pretextos. As sociedades dissolvem-se para


se- fundirem ou para se anexarem ou se incorporarem a outra.
A dissolução seguem-se a fusão ou a incorporação, do mesmo
modo que, nos casos ordinários, à dissolução segue-se a liqui-
dação. As sociedades que se fundem ou as sociedaàes que se
anexam ou incorporam a outra, não entram em liquidação,
mas desaparecem em absoluto. E' uma das vantagens cta
fusão evitar a liquidação, tantas vêzes difícil em virtude do
estado ilíquido da sociedade, durável por muitos anos, acar-
retando grandes dêspesas ( 1) .
Se essas sociedades continuassem a existir, quer com o
seu patrimônio modificado, quer com a gestão autônoma,
quer ainda para os efeitos da liquidação, compreende-se bem,
não haveria fusão nem incorporação.
585. A fusão não se confunde com os agrupamentos
conhecidos sob o nome de trustes, nem com o ato pelo qual
uma sociedade se torna sócia de outra.
586. De ordinário, a fusão ou a incorporação realizam-
se entre sociedades que revestem a mesma forma: coletivas
com coletivas; comanditárias com comanditárias, etc.
As nossas leis falam somente da fusão de duas ou mais
sociedades anônimas (2), e, efetivamente, estas sociedades
apresentam a forma mais adiantada e adequada para se che-
gar ao processo da coesão entre sociedades.
Isso, porém, não quer dizer que se não possa dar a fusão
de sociedades constituídas sob formas diversas.
É mais freqüente e desperta maior interêsse a fusão das
sociedades anônimas entre si, e o estudo dêste assunto será
especialmente feito no cap. VII do Tít. IV dêste volume.

587. Podem ser graves os perigos resultantes da fusão


em geral das sociedades comerciais. Se interêsses econômicos

( l) BING, La société anonyme em droit italien, pág. 386.


(2) Dec. o. 434, de 4 de julho de 1891, art. 213 (•).
( •) O art. 153, in principio, do vigente Decreto-lei n. 2.627, de 2'6 de
setembro de 1940 refere-se a "duas ou mais sociedades".
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 69

destas pessoas jurídicas exigem-na muitas vêzes, há respeitá-


veis direitos dos sócios e de terceiros a atender.
As regras seguintes compendiam o que se oferece de mais
digno de not9 na fusão das sociedades que não revestem a
forma anônima:
a) A fusão própriamente dita importa nova sociedade.
b) A incorporação, reunindo interêsses e responsabili-
dades, exige simplesmente novo contrato, modificativo do
primordial, e aumenta, em regra, o capital social e agremia
novos sócios.
e) Os credores das sociedades não pioram de condição.
Mantêm todos os seus direitos quanto aos respectivos patri-
mônios sociais e quanto às responsabilidades pessoais dos
sócios, salvo se nevarem os seus créditos.

CAPíTULO V

Dos direitos e obrigações dos sócios em conjunto


Sumlirlo: - 588. Os direitos e obrigações dos sócios têrri
a fonte na lei ou no contrato. - 589. Os sócios não
são comerciantes. - 590. Natureza do direito do
sócio. - S91. Continuação. - S92• .bte direito 6
móvel. - 593. Outros dlreitos dos sócios vis-à-vis da
sociedade. - S94. Obrigações gerais dos sócios. -
S9S. Quando começam e terminam as responsablll·
dades dos aócios. - S96. A mesma pessoa pode ~er
sócia de diversas sociedades. - 597. Os sócios po-
dem exercitar o mesmo com~rclo da aocicdadc7 -
S98. Lucros ilfcitos. - 599. Ju(zo arbitral.

588. Muitos são os direitos e as obrigações que emanam


da lei para os sócios relativamente à sociedade e aos terceiros.
Outros direitos e obrigações são determinados no contrato so-
cial ou nos estatutos sociais.
Não é possível apresentar aos olhos do leitor sistemàtica-
mente todos os que resultam da lei, visto ser o maior número
peculiar a cada uma das formas de sociedade. Eis porque di-
remos aqui simplesmente daqueles que oferecem o caráter de
generalidade, encontrando-se nos capítulos II, Ill e IV do
70 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Tít. III, e na sec. III do cap. III do Tít. IV mencionados, o3


referentes aos diversos tipos sociais.
589. Já dissemos em o n. 108 do 2. 0 vol. dêste Tratado
que os sócios das sociedades comerciais não são comercian-
tes. Nada ocorre acrescentar a êste ponto.
590. Qual a natur€za do direito que o sócio adquire em
conseqüência das entradas com que contribui para a formação
do capital social?
Sôbre essa delicada questão dividem-se as opiniões dou-
trinárias. Se é certo que ela se prende à de caráter geral re-
lativa à índole do direito que o associado tem às vantagens
resultantes da corporação, sob o ponto de vista das sociedades
comerciais há especialidades notáveis. O problema não se
resolve sómente pelos princípios do Direito Civil.
Ensinam uns que o direito de sócio baseia-se no condo-
mínio; é o direito do co-proprietário.
Ora, o patrimônio social não pertence aos sócios, mas à
sociedade. ~stes não têm direito a partes determinadas nos
bens da sociedade, mas sómente um quinhão em valor, apre-
ciável depois de pago o passivo, deducto cere alieno. Se a
sociedade se torna insolvente ou cai em falência, certamente
nada há que dividir entre os sócios; ao contrário, êstes, se de
responsabilidade ilimitada, têm de entrar com o seu para
satisfação do passivo social. "Para onde foi o condomínio? Que
condomínio é êsse que aumenta, diminui ou se anula, confor-
me a sociedade prospere ou entre em falência?" (1).
Pensam outros que, não obstante a sociedade ser propri~
tária das entradas, os sócios têm "o direito de propriedade
suspenso enquanto a sociedade existe; direito indeterminado,
correlativo ao valor do objeto e não ao próprio objeto" (2).
Não tem fundamento êsse sistema, no qual figuram dois
proprietários sôbre o mesmo patrimônio: um em atividade,
outro em estado letárgico 1

( 1) FERRARA, La personalità giuridica del/e società di commercio, ia


Rivista dei Diritto Commerciale, vol. 8. 0 , P. 1, pág. 116.
(2) DELOISON, Des sociétés commerciales, pág. 20, n. XXIIJ.
'I'i~AT ADO DE DIREITO CO~ERCIAL BRASILEIRO 71

Outros, ainda, entendem que "o direito do sócio é sui


generis, distinto tanto do direito de propriedade, como dn
direito de crédito" (1).

591. Parece-nos que o direito de sócio, isto é, a posição


jurídica dos sócios nas sociedades comerciais, analisa-se em
duas partes: um direito patrimonial e outro pessoal.
O direito patrimonial é o direito de crédito consistente:
a) em perceber o quinhão de lucros durante a existência
social (2) (ns. 555 e 563 sur-m); e
b) em participar na partilha da massa resídua, depois
de liquidada a sociedade (3).
~ste direito de crédito é, como se vê, condicionado, po-
dendo ser exercido sàmente sôbre os lucros líquidos, parti-
lháveis conforme os têrmos do contrato social, e sôbre o ativo
líquido, a dizer, sôbre o saldo verificado depois da liquida~
ção (4). Os sócios, sob qualquer pretexto, não concorrem con-.
os credores da sociedade; têm um direito dr. crédito subordi-
nado inteiramente à liquidação social, de modo que êste po-
derá ser igual a zero ou ainda descer abaixo de zero, tornan-
do-se quantidade negativa, passivo.
No caso de falência. da sociedade, êste direi to dos sócios
aparece sàmente quando, pagos os credores, é apurado o saldo.
Por isso, entre os credores da falência não figura o sócio por
êsse direi to.
592. ~sse direito é móvel, embora o fundo social se
componha de imóveis. ~ uma conseqüência da personalidade
jurídica da sociedade comercial.
(1) BEUDANT, Revue critique de Jégislation et jurisprudence, 1869.
vol. XXXIV, págs. 135 e segs.
(2) Cód. Com., art. 330; Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, art. 116 (•).
(3) Cód. Com., arts. 348 e 349; Dec. n. 434, de 1891, arts. 162 e 164.
Os arts. 349 do Cód. e 162 do Dec. n. 434 referem-se ao direito a um
dividendo ( .. ).
(4) O Supremo Tribunal Federal em acórdão de 17 de abril de 1901,
define êste direito "uma evetualidade realizável por ocasião da dissolução da
sociedade" (0 Direito, vol. 85, pág. 401 ).
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 131.
(**) O art. 143 do vigente Decreto-lei n. 2.627, de 26 de seternb[{) dõ
1940 fala em rateio:r.
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Nas sociedades comerciais, o fundo social é considerado


instrumento de produção; pouco importa a qualidade dos
bens que o constituem.

593. Além dêsse direito de natureza patrimonial, terr.


o sócio o direito pessoal de cooperar na vida social (n. 529
supra):
1.º participando na administração da sociedade, se a
sua responsabilidade é ilimitada, devendo o contrato designar
a quem cabe a gerência (1), e tomando parte nas assembléias
gerais e concorrendo para a nomeação dos administradores
nas sociedades anônimas (2);
2.º fiscalizando os atos da administração, examinando
livros, papéis, documentos e estado da caixa (n. 275 do 2.º vol.
dêste Tratado).
~ste direito de fiscalização, ainda que não conste expres-
samente do contrato, cabe a todos os sócios qualquer que seja
a quota de capital comprometida na sociedade ou qualquer
que seja o trabalho ou serviço prestado.
Quanto aos acionistas das sociedades anônimas e em co~
mandita por ações, esta regra modifica-se no sentido exposto
em o n. 277 do vol. 2.º dêste Tratado.

594. São obrigações gerais dos sócios:


1.ª Prestar no tempo devido a quota que se obrigaram.
a conferir na sociedade (ns. 552 e 553 supra). O sócio é de-
vedor à sociedade (não aos consócios) da quota e deve entre-
gá-la no prazo marcado no contrato.
2.ª Entrar com os fundos necessários, se a sua respon-
sabilidade é ilimitada, para a caixa social, a fim de serem
pagas, pelos liquidantes da sociedade, as dívidas exigíYeis (3).

(1) Cód. Com., art. 302, n. 3; Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891.


art. 219 ( • ) .
(2) Dec. n. 434, de 1891, arl. 97, § 2.0 ( . . ).
(3) Cód. Com., art. 346.
( *) Decreto-lei n. 2.627, de 26 <le setembro de 1940, art. 16S, ;n
princípio. , .
( .. ) Cit. Decreto-lei n. 2.627, art. 87, parágrafo umco, a.
TRATADO Dl: DIREI TO COMERCIAL BRASILEIRO 73

3.ª Velar nos interêsses da sociedade, prestando a esta


a sua cooperação (1) e jamais preferindo o interêsse indivi-
dual ao social com prejuízo da sociedade (2). Qualquer ato
abusivo, a violação e a falta de cumprimento das obrigaçõe5
sociais são motivos de dissolução (3), e, segundo os princípio~
gerais de direito, fica o sócio culposo obrigado pelas perdas e
danos. Essa obrigação sàmente subsiste relativamente aos
sócios nas sociedades que não revestem a forma anônima.

595. As responsabilidades dos sócios começam da data


do contrato ou da época nêle designada e acabam depois que,
dissolvida a sociedade, se acham satisfeitas e extintas tôda::;
as responsabilidades sociais (4).
Qualquer pacto em contrário a êsse preceito não preva-
lece relativamente a terceiros.
O contrato pode designar época anterior à sua data para
o início da responsabilidade dos sócios, como se, por exemplo,
a sociedade em nome coletivo existisse irregularmente e qui-
sesse entrar na vida legal, ou posterior àquela data. Neste
último caso a sociedade não deve praticar ato algum senão
depois dessa época, sob pena da responsabilidade in infinitum
dos sócios de responsabilidades limitada.

596. Não é defeso à mesma pessoa participar simul;._


tâneamente de diversas sociedades com o mesmo ou diversos.
sócios (5), ainda que estas sociedades tenham idêntico objeto.

( 1) SILVA LISBOA, Princípios de direito mercantil, ed. CÂNDIDO


MENDES, vol. 2. 0 , pág. 500: "Cada sócio deve prestar, a bem da sociedade,.
tôda a diligência que êle prestaria no manejo particular da própria coisa,
mas não deve exigir dos outros sócios maior diligência do que aquela que
êlc mesmo reconheceu e aprovou na pessoa que escolheu, quando a admitiu
à sociedade".
(2) Bsse princípio foi adotado e aplicado pelo· Trib. da Rei. de Mina._,_
no acórdão de 15 de maio de 1918, Revista Forense, vol. 30, págs. 316 e segs.
(3) Cód. Com., art. 336, n. 3.
(4) Cód. Com., arts. 329, 346 e 349. O mesmo no Direito Civil, Ord.
4.44, § 10.
( 5) Cód. Com., art. 292; Lei n. 2.024, de 1T de dezembro de 190&,.
art. 51, parágrafo único ( •).
('') Dec.-lei n. 7.661, de 21-6-1945, arL 48.
74 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

597. Outrossim, não proíbe a lei que os soc10s, admi-


nistradores ou não, abram concorrência à sociedade, exerci-
tando o mesmo comércio ou indústria por conta própria ou
de outrem, desde que não se sirvam dos fundos ou efeitog
da sociedade (1). Sàmente ao sócio de indústria vedou em-
pregar-se em operação estranha ao objeto da sociedade, pena
de ser privado dos lucros e excluído desta (2), podendo, ainda
assim, no contrato social, ser cassada a proibição (3) .
Não obstante o silêncio da lei, há fundadas razões para
evitar aquela concorrência funesta aos interêsses sociais, salvG
aquiescência expressa e formal dos demais sócios. O estabe-
lecimento industrial ou comercial, explorado pela sociedade,
tem como elemento preponderante, essencial, a freguesia,
.que é parte valiosa do seu ativo. Abrindo-lhe concorrência,
o sócio desvia êsse ativo, perturba, destrói aquêle elemento,
indispensável aos fins sociais. Pondera THALLER que sur-
ge da sociedade a obrigação de garantia que os sócios mutua-
mente se devem (4). Não aludimos aqui à obrigação de ga-
rantia que os sócios devem à sociedade nos têrmos explicados
em o n. 554 supra.

598. Os lucros ilícitos ad1uiridos para a sociedade por


um dos sócios não se comunicam aos outros, e, se partilha-
dos entre todos, cada qual fica obrigado à restituição, e, se o
sócio ou os sócios, que os receberam, conheciam o crime do
consócio, são cúmplices dêste (5).

( 1) Para evitar conflitos de interêsses, muitas legislações proíbem aos


.sócios, administradores ou não, abrir concorrência à sociedade, quer individual·
mente, quer tomando parte em sociedade com o mesmo comércio, salvo con·
venção em contrário (Cód. Com. italiano, arts. 112 e 113; alemão, 172 e 173;
húngaro, arts. 74 e 75; espanhol, arts. 136 e 138; românico, arts. 112 e 113;
chileno, art. 405; argentino, arts. 308 e 309).
(2-3) Cód. Com., art. 317, 2.ª alínea.
(4) Traité élémentaire de droit commercial, 4. 3 ed., n. 330.
(5) Ord. 4-44, § 3. 0 •
- Um dos sócios introduziu moeda falsa na circulação e foi com os con·
~ócios condenados. O Supremo Tribunal de Justiça, em sentença de 6 de agôsto
de 1859, concedeu revista, declarando que não podia a criminalidade de um
sócio estender-se aos outros, pelo sim;!es fato de pertencerem à mesma socie-
.dade, quando se não achava provada a sua participação no crime. A r~spon·
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 75

599. O Código Comercial mandava que fôssem decidi.-


das em juízo arbitral tôdas as questões sociais que se sus-
citassem entre os sócios durante a existência da sociedade on
con1panhia, sua liquidação ou partilha (art. 294). O contrate,
social devia conter a forma da nomeação dos árbitros para
juízes das dúvidas sociais (art. 302, n. 5).
O juízo arbitral necessário foi derrogado pelo art. 3.º da
Lei n. 1.350, de 14 de setembro de 1866, e é hoje voluntário
(Veja-se n. 509, f, supra).
Pode-se dizer o mesmo que GUILLERY, relativamente à
abolição dessa justiça privada na Bélgica: desapareceu sem
deixar saudades.
Nunca se reconheceu a sua utilidade. Mais prudente e
acertado é deixar aos interessados julgar da oportunidade
ou conveniência dessa medida (1).

sabilidade solidária dos sócios é civil e inadmissível nos crimes, cujos efeitos e
conseqüências não passam da pessoa do delinqüente. (MAFRA, Jurisprudência
dos tribunais, vol. 2. 0 , págs. 306-311).
(1) Veja-se DR. WALDEMAR FERREIRA, na Revista de Comhciu
e Indústria, de S. Paulo, vol. t. 0 , pág. 203.
TíTULO II

Da personalidade jurídica das sociedades comerciais

Sumário: - 600. O objeto dêste título.

600. A matéria indicada na epigrafe do presente título


é de vasto alcance no instituto das sociedades comerciais.

A personalidade jurídica destas sociedades, escreveu


GELPKE, magistrado alemão, insigne pelo seu saber nessa
especialidade, domina intimamente tôdas as relações daquele
instituto, imprimindo-lhe movimento igual ao do pêndulo
do relógio (1) .

O reconhecimento da personalidade não sómente con ·


corre para fortalecer essas sociedades, mantendo o seu crédito
e desenvolvendo o seu poder (2), como também imprimo
exata orientação para a fixidez dos princípios que disciplinam
as relações entre elas, os sócios e terceiros e entre êstes e
aquêles.

Serão estudados nos dois capítulos seguintes o conceito e


o fundamento dessa personalidade e as suas conseqüência8.

(1) Apud FERRARA, La personalità giuridica dei/e società di com-


mercio, na Rivista dei Diritto Commerciale, vol. 8. 0 , P. L, pág. 27.
(2) Consulte-se CAUWÉS, Cours d'écvnomie politique, 3.ª ed., vol.
J •0 , n. 68.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 77

CAPfTULO I
Da justificação da personalidade jurídica das sociedades
comerciais ( 1)
Sumário: - 601. O problema da personalidade jurídica da!!
sociedades comerciais. - 602. As sociedades co-
merciais e as pessoas jurídicas na doutrina e na
jurisprudência. - GDJ. Primeiras manifestações da
personalidade dessas sociedades. - 604. Esta perso-
nalidade reconhecida por Ferreira Borges, autor do
Código português de 1833, fonte próxima ~o nosso.
- 605. As sociedades comerciais surgindo do con-
trato e distinguindo-se de todos os sócios. - 606. A
personalidade manifestando-se nas relações ela socie-
dade para com terceiro e com os próprios sócios. -
607. A vontade e a atividade das sociec.iadcs comer-
ciais. - 608. Os órgãos da manifestação dessa von-
tade. - 609. As sociedades para a construção e ex-
ploração de obras e serviços póblicos. - 610. A
personalidade jurídica das sociedades irregulares. -
611. Continuação. - 612. Continuação. - 613. Res-
posta às objeções contra a personalioaJe jurídica da~
sociedades comerciais. - 614. Continuc;;ão. - 615.
Continuação. - 616. Continuação. - 617. Continua-
ção. - 618. Conclusão.

601. O problema da personalidade jurídica das socie-


dades comerciais tem levantado séria polêmica. A controvér-
sia sôbre o tema. apareceu na segunda metade do século pas-
sado, com intensa repercussão na conferência de Nuremberg
e no Senado Italiano, quando se elaboraram os Códigos co-
merciais da Alemanha e da Itália.
Ainda hoje vai animada a discussão; o que não é de sur-
preender, porque definitivamente assentada não está a teo-

( 1) No ano de 1904, publicamos em O Direito, vai. 92, longo estudo


sô bre a personalidade jurídica das sociedades comerciais ( págs. 13 e segs.)
que, no presente capítulo, refundimos e ampliamos. Revíamos as provas dêste
volume do nosso Tratado, quando apareceu, na casa editôra dos Srs. Francisco
j\.lves & Cia., o livro do Dr. SALVADOR MONIZ, Sociedades Anônimas.
Com surprêsa, encontramos na Introdução dessa obra, desde a pág. 21, servil-
fllente copiado, aquêle nosso trabalho sem indicação do verdadeiro autor! Não
podemos crer que o Dr. SALVADOR MONIZ praticasse o audaz plagiato.
provàvelmente a pessoa que tomou o encargo da impressão do livro póstumo,
ou mutilou os originais, suprimindo as citações, ou fêz inconscientemente pu-
blicar como da autoria daquele magistrado o trabalho alheio achado nos
seus papéis.
78 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

ria fundamental da pessoa jurídica (1), e, na apreciação de


BEHREND, o objeto do debate versa menos sôbre a essência
das sociedades comerciais do que sôbre a substância daquela
pessoa.
O nosso estudo presente não comporta a apreciação, em-
bora resumida, de tôdas as doutrinas que têm vindo à tona
sôbre êsse difícil e importante assunto.
Adotando a definição de GIORGI, diremos, apenas, que
a pessoa jurídica é a unidade jurídica, resultante da associa-
ção humana, constituída para obter, pelos meios patrimoniais,
um ou mais fins, sendo distinta dos indivíduos singulares e
dotada da capacidade de possuir e de exercer adversus omnes
direitos patrimoniais (2).

( 1) As expressões pessoa jurídica, personalidade jurídica, acham-se nos


seguintes textos de Leis: n. 85, de 20 de setembro de 1892, art. 37 ("Como
pessoa jurídica, pode o município ..."), n. 173, de 10 de setembro de 1893
art. 15 (no artigo l.º, esta lei refere-se à individualidade jurídica sinônima da
personalidade jurídica); n. 979, de 6 de janeiro de 1903, art. 11; n. 1.lo:!,
de 13 de novembro de 1903, art. l.º; n. 2.024, de 17 de dezembro de 190&,
art. 64, § 4. 0 • A Lei n. 1.637, de 5 de janeiro de 1907, arts. 3. 0 e 4. 0 , emprega
as palavras personalidade civil. Onde, porém, pela primeira vez, encontramos
a expressão personalidade jurídica, é no Decreto n. 119-A, de 7 de janeiro de
1890, do Govêrno Provisório da República, que, consagrando a plena liber-
dade dos cultos, dispôs no art. 5. 0 : "A tôdas as igrejas e confissões religiosas
se reconhece a personalidade jurídica . .. " .
A expressão pessoa jurídica tem sido criticada, propondo uns a substi-
tuição por pessoas morais ou sociais, e outros por pessoas incorpóreas e até
por pessoas impessoais.
Diz-se que as pessoas naturais são também jurídicas, desde que são susce-
tíveis de direitos e obrigações.
Com tais sutilezas, nada é possível haver de seguro e firme em Direito.
A palavra jurídica, no sentido empregado, significa criação do direito (nã1>
da lei), e assim deve ser entendida.
A fórmula pessoa jurídica, além de histórica, é bastante ampla para com-
preender tôdas as espécies de unidade coletiva reconhecida como pessoa na
gestão do seu patrimônio.
É difícil, escreve GIORGI, achar outra palavra breve e própria, e ainda
mais difícil acreditar novas denominações contra as que estão em uso (La
dotlrina delle persone giuridiche, vol. I. 0 , n. 24).
Veja-se em O Direito, vol. 94, pág. 45, o estudo que fizemos da perso-
nalidade jurídica das sociedades comerciais no Direito Comparado e na dou-
trina dos escritores estrangeiros, e consulte-se a monografia de FERRARA,
La personalità giuridica delle società di commercio, na Rivista dei Diritto
Commerciale, vol. 8. 0 , P. 1., págs. 13 e segs., e 95 e segs.
(2) La dottrina delle persone giuridiche, vol. l.º, n. 24.
A respeito das pessoas jurídicas, vejam-se: LACERDA DE ALMEIDA,
Das pessoas jurídicas; CLóVIS, Teoria geral do Direito Civil, §§ 17 a 24,
TRATADO DE DIRElTO COMEl~CIAL BRASILEIRO 79

Afastamos do debate a doutrina que considera ficção


aquela pessoa, ente artificial estabelecido exclusivamente
pela lei. Esta não produz a pessoa jurídica; consagra-lhe a
existência, como procede relativamente às pessoas naturais.
A pessoa jurídica não é um homem fictício, escreve CLóVIS,
porém, uma pessoa real, criada pela ordem jurídica (1). Não
é um fantasma, que, como estranho se interpõe entre os asso-
ciados, chamando a si os direitos dêstes; porém, a organização
jurídica unitária de um grupo de homens.
Devemos partir do conceito seguinte, que nos parece o
mais acertado: a pessoa jurídica é "o ente que, não sendo
homem, é provido de capacidade de direito". Personalidade
jurídica traduz-se em capacidade e direitos patrimoniais.
"Onde há uma necessidade humana coletiva tutelada pela
ordem jurídica em virtude do reconhecimento da capacidade
de direito, aí existe certamente aquela personalidade" (2).
Dessa noção sumaríssima decorrem os seguintes elemen-
tos essenciais da pessoa jurídica:

1.0
a capacidade de determinar-se e agir para defesa
e consecução dos seus fins, por meio dos indivíduos, que fi~
guram como seus órgãos;

2. 0 o patrimônio autônomo, isto é, não pertencente a


nenhum dos indivíduos que a compõem;

Observações para o esclarecimento do projeto do Código Civil Brasileiro, nos


Trabalhos do Código Civil, vol. 1.º pág. 19, e Em Defesa do Código Civil Bra-
sileiro, pág. 64; ESPíNOLA, Sistema do Direito Civil Brasileiro, vol. 1.º~
págs. 318 e segs.; AMARO CA V ALCANTI, Responsabilidade civil do Estado,
Seção preliminar, págs. 1 e segs.
(1) Teoria geral do Direito Civil, § 18, in fine.
(2) FADDA e BENSA, tradutores e anotadores de WINDSCHEID,
Pandette, vol. 1. 0 , pág. 787.
"A pessoa jurídica caracteriza-se pela capacidade de adquirir e ter direitos,
compreendendo esta capacidade direitos patrimoniais: lê-se no Acórdão do
Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 29 de novembro de 1895, citando MAYNZ,
Droit romain, vol. 1. 0 , pág. 240 (Revista Mensal, vol. 2. 0 , pág. 77)."
"Persona est substancia rationalis, requa vel naturalis, vel civilis: natu-
ralis homo; persona civilis est collegium, quod, qui habet unam voluntatem
diagnoscibilem, ideo obligare et obligari potest'' (LEIBNffZ, Nova Methodw,.
P. II, § 16).
30 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

3.º as obrigações ativas e passivas a seu cargo exclu-


sivo (1); e
4.º a representação em juízo.

602. Os nossos civilistas distinguem pessoas jurídicas


de Direito Público e pessoas jurídicas de Direito Privado (2).
O projeto do Código Civil adotou esta classificação (art. 13).
As sociedades -comerciais são pessoas jurídicas de direi to
privado (3).
Os legisladores de 1850, não tendo a concepção das pes-
soas jurídicas, como atualmente a estabelece a doutrina, não
podiam assim considerar as sociedades de comércio. Nenhum
.artigo do Código lhes reconheceu a personalidade (4); ao

( 1) "Si quid universitati debetur, singulis non debetur, nec quod debet
universitas, singuli debent.: Lei 7, § 1.º; Lei 2 Dig., quod cujuscunque universit.
(2) CARLOS DE CARVALHO, Nova consolidação, arts. 146 e segs.
(3) TEIXEIRA DE FREITAS, no Esbôço do Código Civil, art. 278,
contemplava as sociedades civis e comerciais entre as pessoas privadas de
existência ideal, reservando a denominação de pessoas jurídicas para as p~s­
soas públicas de existência ideal, como o Povo, o Estado, as Províncias, os.
Municípios e a Igreja Católica; COELHO RODRIGUES, no Projeto do Có-
digo Civil, arts. 7. 0 e 18, distinguia as pessoas jurídicas em políticas e civis,
e entre as últimas incluía as sociedades comerciais; CLóVIS, no Projeto do
-Código Civil, arts. 18 e 20, estabelecia pessoas jurídicas de Direito Público e
de Direito Privado, e entre estas compreendia as sociedades comerciais, man-
tendo a mesma classificação na sua Teoria geral do Direito Civil, § 20; CAR-
LOS DE CARVALHO, Nova consolidação, arts. 146, 148 e 152, segue o
sistema de CLóVJS.
( 4) Reina incerteza, entre nós, sôbre a personalidade jurídica das so-
ciedades civis. A jurisprudência encaminhava-se no sentido de reconhecê-la, eis
que a Lei n. 173, de 10 de setembro de 1893, veio perturbar essa orientação,
-estabelecendo no art. 15, que as associações, que não adquirissem personalidade
jurídica nos têrrnos por ela prescritos, reger-se-iam pelas regras das sociedadel'
-civis. (Vejam-se na Gazeta Jurídica de S. Paulo, vol. 3. 0 , págs. 322-330, a<J
observações do Dr. M. DE ALVARENGA).
Sustentam a personalidade das sociedades civis: CLóVIS, Direito dus
obrigações, § 163, e AMARO CAV ALCANTI, Responsabilidade civil do Es-
tado, pág. 70. CARLOS DE CARVALHO, (Nova consolidação, art. 152, e),
entende que as sociedades civis somente têm personalidade quando revestem
a forma comercial. Contra a personalidade das sociedades civis: RIBAS, Curw
de Direito Civil, ed. 1880, vol. 2, pág. 136; LACERDA DE ALMEIDA, Das
pessoas jurídicas, pág. 181.
Jurisprudência: sufragam a personalidade das sociedades civis: o Tribunal
de Justiça de S. Paulo, em Acórdãos de 3 de maio e 11 de agôsto de 1893 (na
Revista Jurídica de S. Paulo, vol. 3.0 , págs. 322 a 331), de 21 de julho de
1897 (na Revista mensal, vol. 6, pág. 103) e de 14 de setembro de 1898 (na
.Revista mensal, vol. 9, págs. 263-264), reconhecendo a personalidade jurídica
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 81

contrário, parece que muitos a contestam. (Vejam-se, para


exemplos, os textos dos arts. 313 e 315).
Do conjunto das disposições do Código, esclarecidas pela
doutrina (1) e pela jurisprudência (2), e de outras leis sub-
seqüentes, se deduz hoje implicitamente aquêle princípio.
Em nossa projetada codificação do Direito Civil está êle
triunfante (3). O art. 1. 0 do Dec. Legisl. n. 1.102, de 13 de
novembro de 1903 (sôbre armazéns gerais), incluiu as socie-
dades comerciais no conceito geral das pessoas jurídicas.
das sociedades agrícolas para exploração da cultura do café, e do Tribunal
de Apelação da Bahia, no aresto de 30 de julho de 1895, confirmado pelo de
7 de fevereiro de 1896 (na Revista dos Tribunais da Bahia, vol. 6, pág. 243 ).
(1) Defendem a personalidade jurídica das sociedades comerciais: TEI-
XEIRA DE FREITAS, Consolidação das leis civis, art. 742, nota 1, e Esbôço
do Código Civil, art. 278 e respectiva nota; CARLOS DE CARVALHO, Nova
consoldação, art. 152; e, JOÃO MONTEIRO, O Direito, vol. 30, pág. 499;
CLóVIS, Direito das obrigações, § 163, e Teoria geral do Direito Civil, § 20,
onde estuda a questão com desenvolvimento e muita firmeza de princípio-:;;
DIDIMO, na Introdução do volume 2. 0 do Código Comercial Comentado.
Negam a personalidade das sociedades comerciais e reconhecem sàmente
a das sociedades anônimas: RIBAS, Curso de Direito Civil Brasileiro, ed. 1880,
vol. 2. 0 , págs. 136 e 159; REINALDO PORCHAT, na Revista da Faculdade
de Direito de S. Paulo, vol. 11, e em O Direito, vol. 93, pág. 337; LACERDA
DE ALMEIDA, Das pessoas jurídicas, § 26. O Dr. FREDERICO STEIDEL,
na Revista de Direito, vol. 3. 0 , pág. 269 e segs., contesta, tambtm a persona·
!idade jurídica das sociedades comerciais.
(2) A personalidade jurídica das sociedades comerciais está consagrada,
obiter dictum, em inúmeros julgados. Assim: pelo Tribunal da Relação ,fa
Côrte, Acórdãos de 1.0 de agôsto de 1884 (em O Direito, vol. 35, pág. 204)
e de 20 de abril de 1886 (em O Direito, vol. 42, pág. 12); pela Câmara Civil
do Distrito Federal, Acórdão de 9 de maio de 1898 (em O Direito, vol. 97,
págs. 562 e seguintes); pela l.ª Câmara da Côrte de Apelação, Acórdão de
21 de junho de 1909 (na Revista de Direito, vol. 13, pág. 138); pela 2.ª Câ-
mara da Côrte de Apelação, Acórdãos de 20 de outubro de 1905 (em O Direito,
vol. 99, págs. 293, e na Revista de Direito, vol. 13, pág. 121 e segs.) e de
20 de agôsto de 1907 (em O Direito, vol. 105, pág. 295); pelas Câmaras
Reunidas da Côrte de Apelação, Acórdãos de 3 de novembro de 1909 (na
Revista de Direito, vol. 15, pág. 332) e de 26 de novembro de 1914 (na
Revista de Direito, vol. 37, págs. 348 e segs.); pelo Tribunal de Justiça de
São Paulo, Acórdãos de 22 de janeiro de 1895 (na Gazeta Jurídica de São
Paulo, vol. 7, pág. 197), 24 de maio de 1895 (na mesma Gazeta, vol. 9, págs.
40-41), e 21 de julho de 1897 (na Revista mensal, vol. 6, pág. 103) e de 24
de maio de 1905 (no S. Paulo Judiciário, vol. 8. 0 , pág. 109); pelo Tribunal
da Relação de Minas, Acórdão de 5 de abril de 1889 (no Forum, vol. 9, pág.
403); e pelo Tribunal de Apelação da Bahia, aresto de 12 de março de 1901
(na Revista dos Tribunais da Bahia, vol. 18, págs. 596 e segs.).
(3) Projeto do Código Civil, aprovado pela Câmara dos Deputados,
art. 16, n. II: "São pessoas jurídicas de Direito Privado as sociedades mer-
cantis" ( • ) •
( •) Art. 16, n. II do C6d. Civil.
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Nem se diga que, não havendo no Código fórmula enun-


ciando a personalidade jurídica das sociedades comerciais, o
conceito deva ser repelido. Achamos, é verdade, escrito em
outros códigos o preceito da personalidade, porém, é fôrça
convir que saíram do seu campo de ação, invadindo terreno
puramente teórico ou doutrinário. As construções jurídica~
pertencem ao domínio da ciência e não da legislação ( 1) .
É do complexo das disposições legais, dos princípios que
as informam, dos ensinamentos da ciência hodierna, que de.
vemos tirar as bases para o reconhecimento atual da persona-
lidade jurídica das sociedades comerciais.

603 . A idéia da personalidade das sociedades comer-


ciais teve o seu embrião na doutrina com as primeiras mani.-
f estações do comércio, quando, desenvolvendo-se o tráfico e
criando-se as sociedades de responsabilidade limitada, s~
estabeleceu a separação entre os patrimônios dos sócios e u
da sociedade e se excluíram os credores particulares dos só-
cios de quaisquer direitos sôbre o fundo social, reservado para
garantir os credores da sociedade (2).
Se bem que o princípio da personalidade não fôsse apre-
ciado nas suas aplicações, não passou despercebido pelos
patriarcas do Direito Comercial.

( l ) Por ser da alçada da doutrina e da jurisprudência definirem a per-


sonalidade das sociedades comerciais e suas conseqüências, NYSSENS critica
o legislador belga e os que lhe seguiram o exemplo, declarando êsse princípio
nos textos da lei (Avant-projet de loi sur les sociétés commerciales du Gra11d-
Duché de Luxembourg, pág. 27), e FERRARA censura o Código italiano
( art. 77) por ter feito obra de construção científica ao invés de obra de
legislador (La personalità giuridica delle società di commercio, na Rívísta dei
Diritto commerciale, vol. 8. 0 , P. 1., pág. 112).
(2) É objeto de controvérsia se as sociedades no Direito Romano tinham
personalidade jurídica. Parece que não gozavam de um patrimônio distinto
dos patrimônios dos sócios, administrado por um ou alguns dêles. Todos
conservavam a propriedade pro-indiviso da quota que conferiam: memo socie-
tatem contrahendo rei suce domi11us esse disinit (ULPIANO, na Lei 13, § I. 0 •
Dig., de prcescrip. verbis). Ora. o ente sem patrimônio próprio nã opode ser
considerado pessoa jurídica.
TROPLONG (Du contrai de société, vol. 1, ns. 59 e seguintes) acha incon-
testável que a sociedade aparecesse, aos jurisconsultos romanos, na qualidade
de ser moral, e invoca, como texto expresso, o seguinte de FLORENTINO:
"Mortuo reo promittendi el ante aditam hereditatem, fidejussor accipi potest,
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 83

STRACCA definia a sociedade como a Rota de Gênova:


"corpus mysticum ex pluribus nominibus conflatum" (1).
SCACCIA, por sua vez, dizia: "Aliud est corpus unius so-
cietatis, et aliud est quilibet socius ipsius societatis".
EMERIGON acrescentava: "La société est une personnC:-
civile qui a ses droits et ses attributs particuliers".
AZUNI, no afamado Dizionario universale ragionato del-
la giurisprudenza mercantile, verb. società § i9, compendian-
do a jurisprudência de então, dizia em 17e6: "Appena la

quia hereditas personre vice f ungitur, sicuti municipium, et decuria, et SO-


CIET AS (Lei 22, Dig. de fidejussor").
A mesma idéia, continua TROPLONG, é reproduzida por ULPIANO na
Lei 3, § 4. 0 , Dig., de bonor. poss.: "A municipibus et SOCIETAT/BUS, et
decuriis, et corporibus bonorum possessio agnosci potest". Nesse texto, a so-
ciedade é equiparada aos municípios, às decurias, aos corpos constituídos, que
!ncontestàvelmente eram pessoas jurídicas.
Ainda, PAULO, na Lei 65, § 14, Dig. pro socio, diz: "Si communis pe-
cunia penes aliquem sociorum sit, et alicujus sociorum quid absit, cum eo
solo agendum, penes quem ea pecunia sit; qua deducta de reliquo quod cuique
debeatur, omnes agere possunt." Neste caso, o jurisconsulto PAULO considera
a sociedade distinta dos sócios; a personifica na caixa comum, credora e deve-
dora ao mesmo tempo.
Combatendo o argumento deduzido da Lei 13, § 1.º, Dig., de prescrip
verbis, em comêço desta nota, TROPLONG afirma: "ULPIANO não quis
dizer que, durante a existência da sociedade, o sócio não transferiu o seu
direito de propriedade sôbre a quota. Se isso dissesse, estaria em contradição
com PAULO (Lei 1, § 1. 0 , Dig., pro socio) e CAIO (Lei 2, Dig., pro sacio).
J;: certo que, enquanto dura a sociedade, há comunicação e alienação. Res
continuo communicantur. Esta alienação não é, porém, absoluta; finda a
sociedade, cada qual retira a sua parte. Essa retirada preocupou ULPIANO
e o fêz dizer que a sociedade, não traz alienação".
ROCCO, Le società commerciali in rapporto al giudiz.io civile, estudando
a personalidade jurídica das sociedades no Direito Romano, entende que, nas
relações entre sócios, êste direito reconhecia sàmente relações de comunhão.
como se demonstra em muitos passos do Dig. (Leis 14, 27, 31, 39, 43, 47,
§ 1. 0 , 52, §§ 12 e 13, 62, 67, pro socio) porém, nas relações com f<'rceiros,
admitia a personalidade. "Não afirmo com certeza, acrescenta ROCCO, que
na consciência dos jurisconsultos romanos aparecesse claramente a figura da
sociedade distinta dos sócios, formando um ente jurídico por si".
O tema é importante, e não nos cabe desenvolvê-lo aqui. Uma observação
se deve fazer: é que o Direito Romano não tinha a noção das pessoas jurídicas
como hoje se acha estabelecida. O conceito romano da universitas passou por
profunda transformação na doutrina dos cronistas e escritores.
( 1) Esta frase da Rot:1. de Gênova tem sido interpretada de outro
modo, por muitos escritores, c·ntendendo que ela não autoriza dizer que êste
tribunal admitira a personalidade das sociedades, porém, quisera designar ape ·
nas um patrimônio dos sócios. (Veja-se GOLDSCHMIDT, Universalgeschichte,
n. 173).
S-1 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

società e costituita diviene un ente morale che ha un'esisten-


za legale sua propria. Questa teoria sta sopra il bisogno dei
commercio, ed anima tutta la legislazione e la giurispn.t-
denza".

604. Antigos escritores portuguêses, notando-se espe-


cialmente FERREIRA BORGES, autor do Código Comercial
de 1833, que serviu de fonte próxima do nosso, tiveram,
também, a noção da personalidade jurídica das sociedades
comerciais. f::ste grande jurisconsulto, nos Comentários
sôbre a legislação portuguêsa acêrca de seguros marítimos
(Lisboa, 1841), escreveu, à pág. 151: "A sociedade comercial
é um indiVíduo moral; pelo órgão de seus membros contrata.
como um só homem; tem nome seu e assinatura sua; obrig?.
indefinida e solidàriamente todos os seus sócios coletivos;
e a sua administração, bem como a sua responsabilidade,
julga-se única. Tanto a sociedade comercial é um indivíduo,
que ela deve verificar a sua existência, o seu estado civil, se
é dada esta expressão, por publicação e registos. Enquanto
existe, tem um domicílio legal, aonde é citada e responde; e
pode ser citada na pessoa de um de seus membros".
O Alvará de 12 de outubro de 1808, que criou o primeiro
Banco do Brasil, aprovou os estatutos que, no art. 5. 0 , con-
sideravam êste instituto corpo moral.

605. Qualquer que seja a forma legal da sociedade co·


mercial, a sua existência pressupõe um contrato, que se nãc
limita a criar obrigações entre os que nêle intervêm (n. 514
supra).
Dêsse contrato nasce a sociedade, que age no próprio
nome, que se apresenta no mundo dos negócios com o intento
de realizar o fim industrial para que fôra instituída, que se
torna sujeito ativo e passivo de obrigações próprias, entrando
em relações com um círculo de credores e devedores.
A sociedade, animada, provida de economia especial, da
patrimônio autônomo, destinado ao escopo comercial e vin-
culado à garantia dos seus credores, é distinta das pessoas doi;
sócios, tem vida independente; realiza função econômica di·
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 85

versa das dos sócios; é o verdadeiro titular dos direitos e


obrigações provenientes do exercício da sua atividade (1).

606. A personalidade jurídica das sociedades comer-


ciais manifesta-se nas suas relações com terceiros e com os
próprios sócios.
Em o n. 605 supra, mostramos como elas se apresentam
ao público, sob o símbolo de uma firma social, agindo e con-
tratando. Podem fazer parte de outras sociedades (n. 525
supra). O Direito Fiscal considera-as contribuintes. Podem
dar queixa criminal na defesa dos seus direitos patrimoniai~.
Matriculam-se como comerciantes (n. 151 do 2. 0 volume).
Não se trata, portanto, de simples unidade formal de nego-
ciantes. E a prova está em que os sócios não são comerciantes
(n. 108, do 2. 0 vol.).
As sociedades comerciais entram, também, em relações
com os próprios sócios, surgindo muitas vêzes conflitos entre
elas e os seus membros, o que supõe necessàriamente a exis·
tência de duas pessoas. O sócio pode ser credor da socieda-
de (2); comprar bens sociais e vender ou ceder à sociedade
bens próprios. A sociedade pode obrigar o sócio a entrar com
a quota prometida ou o valor da ação de que é titular (3):

( 1 ) É curiosa a demonstração apresentada por KANT, na Introdução


da Crítica da razão pura onde salienta que uma soma de individualidades for-
ma nova individualidade, dotada de caracteres diferentes das unidades que a
compõem.
Nas fórmulas 7 mais 5 igual a 12 e 7 mais 5 igual a (7 mais 5) ohserva-se
que o 12 sintético, ainda que igual a 7 mais 5 analítico, constitui, além disso,
uma quantidade inteiramente nova, e representa o momento da unidade na
pluralidade.
Sôbre essa base firmaram as suas teorias da personalidade jurídica das
sociedades ZITELMANN e MEURER na Alemanha. (Veja-se GIORGI, La
dottrina delle persone giuridiche, vol. 1. 0 , n. 20), e NÉGULESCO, na França.
(Veja-se Le probleme juridique de la personnalité mora/e, pág. 54).
A personalidade jurídica da sociedade não se extingue com a retirada de
qualquer sócio. Arg. dos arts. 335, 336 e 339 do Código Comercial. Acórdão
da l.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 27 de julho de 1905, em O Direito,
vol. 98, pág. 219.
(2) Cód. Com., art. 349.
(3) Cód. Com., art. 289; Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, art. 33 (•).
('•) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 76.
S6 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

pode vender as ações por conta e risco do acionista (1); pode


impedir que o sócio, desde que se não trata de sociedade anr-
ni.ma, se substitua por terceiro não sócio a seu arbítrio (2);
pode ser demandada pelos sócios. A sociedade cooperativ.1
contrata quase exclusivamente com os associados. De outro
lado, o sócio tem direito de haver da sociedade a parte d0s
lucros que lhe cabe em virtude do contrato social, tem o direito
de examinar os livros (n. 593 supra), etc.

Há a notar ainda que a sociedade pode ter qualidade


jurídica que individualmente os sócios não têm. Ela não
preci~a ser composta de comerciantes. A sociedade anônima
que exerce o comércio é comerciante, mas os acionistas, como
tais, não o são.

607. A sociedade comercial, como tôda pessoa jurídi-


ca, não tem vida natural, fisiológica; não pode ter ativida-
de psíquica própria, não pode querer, não pode manifestar
exteriormente uma vontade. Ela, entretanto, obtém a cap'.3.-
cidade de agir para obtenção dos seus fins por meio das
pessoas naturais que lhe servem de órgão, e a vontade e a
atividade destas pessoas, encaminhadas em conseguir ou re&.-
lizar os fins sociais, podem-se dizer vontade e atividade da
sociedade. É assim que a sociedade consegue ter e tem uma
vontade e uma atividade.

608. No a,to institucional da sociedade consignam-se os


nomes dos sócios com o poder de usar a firma social ou ge-
rir em nome dela, entendendo-se, na falta dessa declaração,
que todos os sócios têm a mesma faculdade (3). Quanto às
sociedades anônimas são os seus órgãos a assembléia gera~..

(1) Dec. n. 434, de 1891, art. 33 (•).


(2) C6d. Com., art. 334.
(3) Cód. Com., art. 302. n. 3. Nas sociedades em comandita por ações
os nomes dos gerentes são, também, indicados no contrato social. (Dec. n.
434, de 4 de julho de 1891, art. 219) (**).
(*) Cit. Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 76.
( .. ) Dec.-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 165, § 1.0.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 87

os administradores e o conselho fiscal, cada qual com os


poderes definidos na lei e nos estatutos (1).
Tem-se dito, aliás com bons fundamentos, que aos admi-
nistradores ou gerentes, que servem de órgãos da sociedade,
não cabe, em rigor, o nome, ordinàriamente atribuído, de
representantes. A representação supõe duas pessoas: o r ~­
presentante e o representado. O órgão, ao contrário, se
identifica com a pessoa jurídica, cuja vontade exprime e
realiza.
"Não se representa senão quem já existe, escreve
GIERKE. O representante substitui a sua personalidade
jurídica por outra personalidade. O papel dos administra-
dores de uma coletividade é diverso. Eles trazem do interior
e manifestam exteriormente essa vontade coletiva e, arJ
mesmo tempo, una, que se encontra na base da personalidade
civil; servem de intermediários; são os órgãos. A vontarle
dos administradores, quando se produz na esfera de sua ação
social, não é a vontade individual substituindo a de outrem,
de modo a se poder distinguir duas personalidades diferen-
tes; é a própria vontade do corpo social expressa pela sua
personalidade" (2).
Na Câmara belga, por ocasião de ser elaborada a Lei de
1873 sôbre sociedades, PIRMEZ disse: "quando os admini.3-
tradores intervêm, não são terceiros que intervêm pela so-
ciedade, é a própria sociedade que age pelos seus órgãos le-
gais, pelo· único meio de ação direta que possui. Ora, a lei,
organizando corpos morais, determinou a sua represoen tação
física, facultando a esta o poder de praticar o necessário ao
fim para que existem. Quando a administração da socie-
(1) Dec. n. 434, de 1891, arts. 97 e segs.; 128 e segs.; 118 e segs. (*).
(2) Apud SALEILLES, Essai d'une théorie générale de l'obligation,
pág. 365.
Veja-se, nesse sentido, o nosso parecer na Revista de Jurisprudência, vol.
14, págs. 19-25, em que sustentamos que os gerentes das sociedades não são
mandatários ordinários, porém órgãos da sociedade.
A nossa lei atribui aos administradores das sociedades anônimas o caráter
de mandatários, e sôbre êste ponto, veja-se o que diremos oportunamente.
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, arts. 86, 116 e 124.
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

dade obra, é a própria sociedade que obra pelo meio mais


direto; é sair da wrdade jurídica considerá-Ias agindo por
meio de terceiros" (1).

609. As sociedades comerciais, tendo por objeto a


construção e a exploração de obras ou serviços públicos, não
perdem o caráter de institutos particulares dotados de per-
sonalidade.

Pode haver entre a administração pública e essas socie-


dades, que de ordinário assumem a forma anônima, as mais
estreitas e íntimas relações econômicas ou de dependência;
elas têm sempre o seu encargo bem definido, qual o de pro
porcionar lucros aos sócios, e a sua personalidade jurídica
bem acentuada (Veja-se n. 363 do vol. 1.0, 2.ª ed. dêste Tra-
tado) (2).

610. Face interessante e difícil do assunto é a rela-


tiva às sociedades chamadas irregulares. Estas sociedades são
pessoas jurídicas?

As sociedades anônimas e as em comandita por ações n5,o


podem entrar em função nem praticar vàlidamente ato algum
antes do arquivamento dos documentos legais relativos à sua

( 1) Os escritores belgas mantém mais ou menos essas idéias. NYSSENS


et CORBIAU, no Traité des sociétés commerciales, vol. 1, n. 359, escrevem:
os administradores são, legalmente, a própria sociedade, constituem os órgãos
aparentes desta, a sua representação concreta, a sua emanação física e direta.
GUILLERY (Des sociétés commerciales, vol. t. 0 , n. 345) aprecia que não
trata com mandatário, porém com a própria sociedade quem trata com o seu
adminsitrador.
No mesmo sentido, NAMUR, Le code de commerce belge, 2.ª ed., vol. 2,
número 855.
A Lei belga de 1873 bem o disse, no art. 13: "Les sociétés agissent par
Ieurs gérants ou administrateurs, dont les pouvoirs s'établissent par l'acte cons-
titutíf ou par les actes postérieurs faits en exécution de l'acte constitutif".
(2) Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, arts. 27 e 28 (*).
Consulte-se VNANTE, Trattato di diritto commerciale, 3.ª ed., vol. 2.º,
número 300.
( •) :Esses artigos não têm correspondentes no vigente Dec.-lei n. 2.627,
de 26 de setembro de 1940.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 89-

constituição no registo do comércio e da publicação dêsses


documentos (1).
Sem o cumprimento dessas formalidades, tais sociedad""S
não adquirem personalidade jurídica, porque não têm capa-
cidade, pesando sôbre elas a interdição da prática de atos
válidos.
Outros, porém, são os princípios que regem as sociedades
comerciais que não revestem qualquer daquelas formas.
Estas sociedades existem e funcionam à sombra da lei,
independentemente do arquivo do contrato no registo do
comércio (2).
O Cód. Com. não as fulmina com a nulidade pela omissãi)
do arquivo do ato institucional nesse registo. A falta de
registo, dispõe o art. 693 do reg. 0 n. 737, de 25 de novembro
de 1850, salvo os casos expressos, não importa a nulidade do
instrumento, mas sómente a sanção especial que o Código
estabelece nos casos em que o exige.
O Código e as Leis subseqüentes prescreveram sanção
especial para as sociedades irregulares (a seu tempo diremos
quais sejam), a fim de lhes dificultar a organização e a vida:
porém as reconheceram (3), conferindo-lhes capacidade pa-
trimonial e representação em juízo (4), considerando-as CJ-
merciante, sujeitando-as à falência (5) e, nesse estado, reo:;~
peitando-lhes o patrimônio próprio, para evitar a confusã<>-
com os patrimônios dos sócios (6).
611. As retrições mediante as quais as leis procuram
dificultar a existência das sociedades irregulares afetam-lhes

(1) Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, arts. 79 e 221 (*).


(2) Cód. Com., arts. 304 e 305.
(3) Cód. Com., arts. 303, 304 e 305.
( 4) Cód. Com., arts. 303 e 304.
(5) Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 8, letra e (**).
(6) Lei n. 2.024, de 1908, art. 132 (***).
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, arts. 50 e 16:l.
(**) Dec.-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 8.0, n. III.
(**"') Dec.-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 128.
90 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

porventura a personalidade jurídica? Absolutamente não.


Personalidade jurídica significa capacidade para ter direitos
patrimoniais; quer dizer autonomia patrimonial.
As sociedades irregulares dispõem de patrimônio próprií'I.
os credores particulares de cada sócio nada têm que ver com
êste patrimônio especial, nem podem ilidir ou prejudicar os di-
reitos dos credores sociais, aos quais o Código deu ação contr,z
essas sociedades, facultando-lhes todos os meios, inclUSiivie
presunções, para a prova da sua existência (art. 305 do Có··
digo Comercial); elas empregam a firma ou razão comercial;
demandam e são demandadas.
Se o Código declara que a sociedade irregular existe com
todos os efeitos da sociedade regular relativamente a terceiros
com quem trata, êstes não a podem desconhecer para acionar
os sócios. A sociiedade existe aos olhos da lei; não deixa de
existir o arbítrio dos interessados (1).
Se a lei permite, dizemos mal, se a lei obriga a sociedade
irregular a declarar espontâneamente a sua falência desde
que falte ao pagamento de dívida mercantil (2), se faculta
aos credores sociais o direito de promover essa medida exe-
cutiva (3), é evidente que tudo isso não pode ser iludido ou
frustrado a talante dos credores individuais dos sócios.
Os sócios das sociedades irregulares são solidàriamente
responsáveis nos mesmos têrmos em que o são os sócios das
sociedades regulares em nome coletivo e os sócios ocultos (4).
Essa responsabilidade é subsidiária. As disposições do arti-
go 350 do Cód. Com., e do art. 132 da Lei n. 2.024, de 17 de de-

( 1) Com a própria administração federal as sociedades irregulares têm


contrato. (Vejam-se os Avisos ns. 240, de 8 de maio de 1876, e 266, de 20
do mesmo mês e ano, o primeiro do Ministério da Marinha e o segundo da
Guerra, providenciando sôbre pagamentos e contratos com as sociedades sem
contrato registado) .
(2) Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 8, e (•).
(3) Lei n. 2.024, de 1908, art. 9, §§ 1 e 2.
(4) Confrontem-se os arts. 301, ult. part., 305 in fine; e 316 do C. Com.
(•) Dec.-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 8. 0 , n. III.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 91

zembro de 1908, aplicam-se tanto às sociedades irregulares


como às regulares em nome coletivo (1).

612. Preclaros jurisconsultos, como os exímios TEI-


XEIRA DE FREITAS (2) e CARLOS DE CARVALHO (3),
encontram nas sociedades irregulares a comunhão de bens
ou de interêsses.
A corrente da jurisprudência tem sido essa (4).
Por muito que nos mereçam tão respeitáveis opiniões,
parecem-nos insustentáveis.
As sociedades irregulares com apoio no Código Comer-
cial, que regula os seus efeitos, têm disciplina diferente da
que rege a comunhão de bens ou de interêsses.

( 1 ) Merece reparo a Sentença do Juiz de Bragança, confirmada por


Acórdão de 31 de janeiro de 1903, do Tribunal de Justiça de São Paulo, deci-
dindo que "o credor pode acionar isoladamente a qualquer dos sócios ou a
sociedade em comum, quando não é apresentado o instrumento da sociedade
comercial" (S. Paulo Judiciário, vai. 1, pág. 104). As sociedades irregulares
existem relativamente a terceiros, não pode haver a menor dúvida. Logo os
terceiros têm de acionar a pessoa jurídica com que trataram, a sociedade.
Se esta não tem recursos para satisfazer o julgado ou se não mais existe, por
ter sido dissolvida e liquidada no curso do processo, começa então a respon-
sabilidade dos sócios solidários. ( Cód. Com., arts. 329 e 350, e Regulamento
n. 737, de 1950, arts. 492, § 8.º e 497).
Não podemos apoiar o parecer do Dr. JOÃO MENDES JÚNIOR, na
Revista Forense, vai. 14, pág. 447, não somente por negar às sociedades irre-
gulares o caráter de pessoa jurídica, porém, por .:>pinar que "contra o sócio
que não fôr citado para a ação, não pode ser juridicamente promovida qual-
quer execução". Basta a leitura dêste parecer para denotar a sua evidente
fraqueza.
(2) Consolidação das leis civis, arts. 747, notll 6.
(3) Nova consolidação, art. 1.275.
( 4) Sentença do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de maio de 1883,
em CÂNDIDO MENDES, Arestas, pág. 928, e em O Direito, vai. 31, pág. 337;
Sentença do Juiz do Comércio da Côrte, de 19 de a8Ôsto de 1873, confirmada
pelo Acórdão de 3 de novembro de 1874, em O Direito, vol. 11, págs. 626-628;
Acórdão da Relação do Recife, de 17 de dezembro de 187 5, em O Direito, vai.
11, pág. 614; decisões em O Direito, vol. 21, pág. 493, e vai. 47, pág. 239;
Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 20 de dezembro de 189?..,
confirmando a Sentença do Juiz do Comércio da capital, na Gazeta Jurídica de
S. Paulo, vai. 1, pág. 543 e seguintes; Acórdão do mesmo Tribunal, de 28 '."!e
maio de 1897, na Revista Mensal, vai. 5. 0 , pág. 574; e de 2 de abril de
1898, em O Direito, vol. 85, pág. 92, e na Revista Mensal, vai. 8, pág. 374.
Destaca-se, in gurgite vasto, o Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo,
de 15 de março de 1895, na Revista Mensal, vol. 2, pág. 316, que, referindo-se
a uma sociedade irregular, diz ser "uma pessoa moral que se não confundiu com
as de seus membros".
92 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Na comunhão os consortes são co-proprietários e podem


dispor livremente dos seus quinhões. As sociedades irregula-
res têm, ao contrário, patrimônio próprio; os sócios não são
co-proprietários do fundo social. Nelas existe a cooperação
dos sócios, seu pronunciado característico (n. 259, supra).
Apareceu uma opinião conciliadora, a do Sr. PEDRO
LESSA: "a sociedade irregular é menos que a sociedade regu-
lar e mais que a comunhão de bens, tomada esta expressão
no sentido restrito (1).
A explicação deixa a controvérsia insolúvel.
As sociedades regulares ou irregulares produzem os mes-
mos efeitos jurídicos, salvo as limitações legais que a estas
se impõem. Estas restrições se, na verdade, colocam as so-
ciedades irregulares em plano de inferioridade econômica,
não lhes prejudicam a personalidade.
Não é com a lição dos escritores franceses e italianos,
comentando legislações diversas da nossa, que se chega à
verdade no Direito brasileiro.

613. Tem-se negado a personalidade jurídica das socie-


dades comerciais, alegando a relação íntima entre a coletivi-
dade e as pessoas que a compõem. Diz-se que a unidade, exis-
tente nas sociedades comerciais, é simplesmente formal. Os
verdadeiros sujeitos das relações jurídicas são os sócios, ou
melhor, os direitos e deveres da sociedade são direitos e deve-
res dos sócios .
Por mais íntima que seja essa relação, não vai ao extre-
mo de confundir e identificar os dois têrmos, sociedade e só-
cios. A sociedade é entidade coletiva autônoma; supõe a reu-
nião de capitais para fim determinado; êstes não ficam à
disposição dos sócios para uso particular; sàmente podem ser
empregados nos negócios sociais (art. 333 do Código Comer-
cial}. Estão perfeitamente traçadas as duas esferas: a social
e a individual de cada um dos sócios .

(1) Revista da Faculdade de Direito de S. Paulo, vol. 10 (1902), pá-.


ginas 137-150.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 93

A sociedade e ;mercial constitui um subjectum juris dis-


tinto das pessoas dos sócios; é ela o verdadeiro titular dos
direitos e obrigações que promanam da sua atividade.

614. O ataque contra a personalidade das sociedades


comerciais é mais violento quando se trata daquelas em que
subsiste a responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios.
Que prova essa responsabilidade solidária contra a per-
sonalidade da sociedade?
Absolutamente nada. A sociedade, contratando por meio
do seu órgão, pode contrair dívidas, e ser, em virtude destas,
acionada em juízo. Não se lhe pode negar a subjetividade
jurídica patrimonial.
Assumindo os sócios a responsabilidade pelas dívidas so-
ciais, esta circunstância não anula, antes, confirma a perso-
nalidade.
Os sócios são verdadeiros garantes aos quais o Código
concedeu o benefício de ordem ou de execução, aliás, contra
o princípio estabelecido nas finanças comerciais. Os bens
particulares dos sócios, dispõe o artigo 350, não podem ser
executados por dívidas da sociedade, senão depois de executa-
dos todos os bens sociais.
O Código estabeleceu a responsabilidade subsidiária (art.
350) e solidária (art. 361) dos sócios com a sociedade. Ora,
ninguém garante a si próprio (art. 256).
A responsabilidade ilimitada dos sócios pressupõe, por-
. tanto, a personalidade da sociedade.
De novo aparece a separação entre a sociedade e a pes-
soa dos sócios; universitas distat a singulis.
Em rigor lógico, não contestamos, devia ser excluída a
responsabilidade solidária legal.
Explica-se ela, porém, pela fôrça da tradição. Quando o
Direito Comercial teve necessidade de reconhecer a persona-
lidade jurídica das sociedades, achou-se em frente à teoria
romana, e limitou-se a converter a responsabilidade dos só-
cios de principal, que era, em subsidiária. O sócio não foi
mais o responsável direto, porém o garante subsidiário das
obrigações sociais.
94 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Tem-se receado modernamente tocar nesse assunto, limi-


tando as responsabilidades dos sócios, para evitar que êstes
oponham contra terceiros pactos clandestinos e fraudulentos,
prejudicais aos credores ou que retirem as suas quotas.
Nenhum inconveniente decorre daí, porque existem outras
sociedades nas quais a responsabilidade dos sócios é limitada.
Quem não quiser assumir a responsabilidade solidária, limite,
por meio de outra combinação, a sua garantia.
Não têm razão, pois, os que argumentam contra a per-
sonaiidade das sociedade, invocando a responsabilidade ilimi-
tada e solidária dos sócios. A questão capital é saber se esta
responsabilidade subsidiária repugna à noção da personali-
dade. A responsabilidade ilimitada dos sócios é garantia ofe-
recida aos cn:dores, e, como diz GIORGI, não anula o patri-
mônio e a dívida social, do mesmo modo que o concurso do
fiador não faz desapai'ecer a pessoa do principal responsá-
vel (1).
Em nosso Direito, temos frisante exemplo da conciliação
da responsabilidade ilimitada dos sócios com a personalidade
jurídica da sociedade. As associações, que se fundam para
fins religiosos, morais, científicos, artísticos, políticos ou de
simples recreio adquirem personalidade jurídica, inscrevendo
o seu contrato no Registo Civil (lei n. 173, de 10 de setembro
de 1893), (*) os seus membros podem responsabilizar-se sub-
sidiàriamente pelas obrigações que os representantes da asso-
ciação contraírem expressa ou intencionalmente em nome
desta (art. 3. 0 , n. 3).
Nem se objete que essa responsabilidade é o resultado de
mero acôrdo ao arbítrio dos sócios; a responsabilidade subsi-
diária, provenl~a dêsse acôrdo ou da lei, tem os mesmos efei-
tos e alcance, e harmoniza-se com a personalidade jurídica
da sociedade .

615. Falindo a sociedade, os sócios de responsabilidade


ilimitada são arrastados à falência. Justifica-se a disposição

( 1) La dottrina delle persone giuridiche, vol. I .0 , n. 28.


(*) Dcc. n. 4.857, de 9-11-1939, art. 127 e Dec.-lei n. 9.085, de 25-3-1946.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 95

pela necessidade de manter o critério comercial, facilitando


a execução dos credores sôbre o patrimônio individual daque-
les sócios. A sociedade deixa de pagar; os garantes solidários,
os sócios, não cumprem, por sua vez, a obrigação; incorrem
também em falência. Um só processo compreende a falência
do devedor principal e dos sócios, separando-se, não obstante,
as ma~sas até final liquidação. Para os que sustentam não
serem comerciantes os sócios das sociedades comerciais, veri-
fica-se na hipótese um caso de ampliação da falência aos não
comerciantes.
A falência dos sócios de responsabilidade ilimitada não
tem por motivo determinante a falência da sociedade, mas, a
falta do cumprimento da obrigação que assumiram, de pagar
subsidiária e solidàriamente as obrigações sociais.
Tanto assim é que aquêles sócios são os únicos arrasta-
dos à falência.
Atenda-se à frase expressiva da lei n. 2.024, de 17 de
dezembro de 1908, no artigo 6: "A falência da sociedade acar-
reta a de todos os sócios pessoal e solidàriamente responsá-
veis". (*)
Por que a falência da sociedade acarreta, isto é, dá oca-
sião ou provoca a dos sócios pessoal e solidàriamente respon-
sáveis? Evidentemente, por não terem satisfeito a obrigação
de garantes .
A sociedade está impossibilitada de pagar as dívidas exi-
gíveis. No dia do vencimento, o sócio solidário paga do seu
bôlso, com os recursos do seu patrimônio particular. Eis con-
jurada a falência da sociedade por ter o sócio cumprido a
obrigação.

616. Quem entra em negócios com a sociedade tem em


vista a pessoa dos sócios, o seu crédito, a resistência do seu
patrimônio particular; a sociedade é coisa secundária. Eis
outra objeção dos que contestam a personalidade jurídica das
sociedades .

(*) O Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945 dispõe em seu art. 5. 0


de maneira diversa, sujeitando, contudo, tais sócios "aos demais efeitos que a
sentença declaratória prodma em relação à sociedade falida" ...
96 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Não sabemos em que a maior ou menor confiança que


mereçam os sócios afeta essa personalidade.
É exato que o crédito, a fortuna particular dos Eócios,
concorrem para o crédito e o desenvolvimento da sociedade
do mesmo modo que, ordinàriamente, se leva em pouca conta'
o devedor principal quando amparado por fiadores abonados.
Está, porém, fora de dúvida que, muitas vêzes, o patri-
mônio da sociedade, servindo de garantia exclusiva aos cre-
dores sociais, é a fonte de todo o seu crédito. Os credores
não receiam as alterações da fortuna pessoal dos sócios, su-
jeita a eventualidades.
Quantas sociedades em comandita vivem no apogeu do
-crédito, tendo apenas um solidário sem fortuna pessoal!
A objeção que combatemos prova demais. Se procedente
fôsse, daria golpe mortal nas sociedade anônimas, que não
têm as suas responsabilidades garantidas subsidiàriamente
pelos acionistas. Estas sociedades não prosperam, não reali-
zam gigantescas operações de crédito que as sociedades comer-
ciais, compostas de sócios solidários de grandes recursos pes-
soais, não logram conseguir?

617. Diz-se ainda que as sociedades comerciais, tendo


por escopo o interêsse privado dos sócios e não o bem geral,
não podem, por isso, ser consideradas pessoas jurídicas.
Outro argumento infeliz.
Não é êsse o conceito moderno da pessoa jurídica.
A nossa legislação o repele, desde que confere personali-
dade jurídica às associações que se fundam para fins reli-
giosos, artísticos ou de simples recreio (1) e aos sindicatos
agrícolas (2) e profissionais (3).
Essas coletividades satisfazem antes de tudo aos interês-
ses privados dos seus associados, ainda que, indiretamente,
concorram para o progresso geral.

(1) Lei n. 173, de 10 de setembro de 1893, art. 15 (•).


(2) Lei n. 979, de 6 de janeiro de 1903, art. 11.
(3) Lei n. 1.637, de 5 de janeiro de 1907, art. 3. 0 (U).
( •) Cód. Civil, art. 16, n. 1.
( u) Consolidação das Leis do Trabalho, art. 513.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 97

O mesmo se pode dizer relativamente às sociedades co-


merciais, embora se ache aí acentuado o fim egoístico. É do
caráter destas sociedades que o fim redunde em vantagem
patrimonial dos sócios. A sua destinação é conseguir lucros
para os sócios. Se nas corporações de utilidade pública, o
escopo é beneficiar estranhos, sendo, portanto, terceiros os
destinatários das vantagens da associação, nas sociedades
comerciais os seus membros revestem a dupla qualidade de
sócios e destinatários ( 1) .

618. Ultimada a liquidação da sociedade, os bens so-


ciais, ao invés de devolvidos ao Estado, são divididos e par-
tilhados entre os sócios (art. 345, n. 3, do Código Comercial).
Logo, opõe-se ainda, as sociedades comerciais não são pes-
soas jurídicas.
Responde-se, também, com a lei n. 173, de 10 de setem-
bro de 1893, que atribuindo o caráter de pessoa jurídica às
associações com fins religiosos, morais, científicos, artísticos,
políticos ou de simples recreio, cujos estatutos tenham sido
inscritos no Registo Civil (arts. 1.º e 15), determina que,
dissolvida ou extinta a associação, o saldo líquido seja parti-
lhado entre os membros existentes ao tempo da dissoluçãc,
salvo outro destino determinado pelos estatutos ou pela
assembléia geral.
Idêntico argumento se deduz da lei n. 979, de 6 de janeiro
de 1903 (sindicatos agrícolas) e da lei n. 1.637, de 5 de janeiro
de 1907 (sindicatos profissionais). Uns e outros constituem
personalidade jurídica (arts. 11 da lei n. 979 e 3. 0 da lei n.
1.637), tendo o acervo social no caso de dissolução o destino
a que se referem os artigos 8. 0 , da lei n. 979 e 7. 0 , n. 4, da lei
n. 1.637.
Como se vê, não é essencial a devolução dos bens das
pessoas jurídicas ao Estado, no caso da sua dissolução ou
extinção.

( 1) FERRARA, La personalità giuridica delle sociPt~ -1'


Rivista dei Diritto Commerciale, vol. 8. P T - '

1
98 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

CAPÍTULO II
'! ·- .-~

Das conseqüências decorrentes da personalidade jurídica


das sociedades comerciais
Sumário: - 61<:.'. Conseqüência da personalidade. - 621).
Razão de ordem.

619. Na qualidade de pessoas jurídicas, as sociedades


coDlerciais têm:
a) nome;
b) nacionalidade;
c) domicílio ou sede;
d) patrimônio;
e) capacidade contratual; e
f) representação judicial.

620. Nos capítulos seguintes trataremos de cada um


dêsses assuntos.

SEÇÃO I

Do nome das sociedades comerciais


Somãrio: - 621. O m>me das sociedades comerciais, firma
ou razão social, e designação ou denominação.

621. Sob o nome adotado no ato institucional, a socie-


dade exerce o comércio, individualiza-se e assinala o seu pa-
trimônio e as suas responsabilidades .
:tste nome pode ser:
a) a firma ou razão social, da qual somente podem
usar as sociedades em que há pelo menos um sócio de res-
ponsabilidade ilimitada (1); ou

( J ) As sociedades em conta de participação, que existem, somente em


relação aos sócios, não se apresentam sob firma própria (Cód. Com., art. 325;
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 99

b) a denominação ou deFignação das sociedades anôni-


mas (vejam-se ns. 173 e 174 do 2. 0 volume).
O estudo minucioso dessa matéria será feito ao tratar-
mos de cada uma das espécies de sociedade, integrando a
exposição que se acha em os ns. 173 a 213 do 2. 0 vol. dêste
Tratado.

SEÇAO II
Da nacionalidade das sociedades comerciais
Sumário: - 622. A nacionalidade das sociedades com.:r-
ciais. - 623. Continuai;ão. - 624. Sociedades na-
cionais.

622. As sociedades comerc1a1s têm nacionalidade, cujo


reconhecimento é necessário para os efeitos extraterritoriais.
A lei não estabeleceu positivamente o critério para de-
terminar as sociedades estrangeiras em oposição às brasi-
leiras.

623 . A nacionalidade das pessoas jurídicas depende do


lugar onde foi celebrado o ato da sua constituição, embora
seja outra a nacionalidade de pessoas que as compo-
nham (1). Como, porém, no ato institucional das socieda-

Dec. n. 816, de 24 de outubro de 1890, art. 3. 0 , § 4. 0 ). O sócio-gerente ou


ostensivo é o único que aparece. ~le contrai as obrigações em nome individual
( Cód. Com., art. 3 26). Sendo sociedade comercial a sócia-gerente ou ostensiva,
esta, sob a sua firma ou razão social, é que entra em relações com terceiros.
(1) CARLOS DE CARVALHO, Nova consolidação, art. 160; CLôVIS,
Direito Internacional Privado, § 30.
Quatro são os sistemas a respeito da nacionalidade das sociedades: o 1.0
fixa a nacionalidade pelo lugar onde a sociedade explora o principal exercício
da sua indústria ou onde se acha o objeto principal da emprêsa ou das opera-
ções sociais; o 2. 0 a determina conforme o país em que é constituída, equivalendo
o ato da fundação da sociedade ao do nascimento da pessoa natural; o 3. 0 adota
o critério do lugar onde se estabelece a sede social; o 4. 0 , finalmente, aceita o
lugar onde se forma o capital e são emitidas as ações.
A Jurisprudência francesa segue o terceiro sistema, ressalvando o caso de
100 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

des comerciais se determina a sede ou domicílio social (n.


625 infra), é êste o critério seguro da sua nacionalidade.

624. Consideram-se nacionais:


a) as sociedades constituídas no território da República;
b) as formadas exclusivamente por brasileiros fora do
território da República, se tiverem contrato arquivado no
Brasil (1);
e) as sociedades anônimas e as em comandita por ações
constituídas em país estrangeiro, se obtida a autorização
para funcionarem na República, transferirem para o territó-
rio desta a sua sede (2) (*).

SEÇÃO III
Da sede e domicílio das sociedades comerciais
Sumário: 625. - A sede ou domicílio das sociedades comer-
ciais. - 626. A designação no contrato social é im-
prescindível. - 627. A sociedade pode ter os seus
estabelecimentos fora da sede. - 628. Filiais ou
sucursais. - 629. Os gerentes podem renunciar o
fôro. - 630. Mudança da sede social.

625. As sociedades, ad instar dos comerciantes sin-


gulares (3), têm o seu domicílio. ~ste é na sede
fraude, CLUNET, Journal, 1910, nota à pág. 579; LYON-CAEN et RENAULT,
Traité de droit commercial, 4.ª ed., vol. 2. 0 , P. II, n. 1.167. _
O Congresso Internacional das Sociedades por Ações, de 1900, na resoluçao
XXI, adotou: "La nationalité d'une société par actions doit être determinée pai·
le pays ou elle a son principal établissement ou par le pays de son siege social
réel fixé par les statuts".
( 1) Cabe aos empregados consulares fazer escrituras de formação, disso-
lução ou prorrogação de sociedades (dec. n. 10.384, de 6 de agôsto de 1913,
art. 345, parágrafo 6. 0 ). ("'*)
(2) ~se é o critério adotado no art. 16, § 1. 0 , do Dec. n. 10.524, de 23
de outubro de 1913 (Regulamento da navegação de cabotagem). Consulte-se:
CARLOS DE CARVALHO, Nova Co11solidação, art. 161, e CLóVIS, Direito
Internacional Privado, § 30.
(3) O comerciante singular, que abre e mantém um estabelecimento in-
dustrial ou comercial, dirigido por prepostos seus, é responsável no fôro dêste
estabelecimento pelas obrigações contraídas, embora seja outro o seu domicílio
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 71.
("'*) V. art. 18 da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei n. 4.657,
de 4 de setembro de 1942 com a redação da Lei n. 3.238 de 1 de agôsto de 1957).
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 101

social (1). O contrato ou os estatutos o designam (n. 654


infra). Domicílio da sociedade e sede social são expressões que
se valem no modo comum de falar.
O domicílio da sociedade pode ser diverso dos domicílios
dos sócios (2) .
No domicílio, a sociedade trata normalmente os seus
negócios, aí centraliza a sua atividade e influência econô-
mica. Nêle, vive a sociedade, residem os seus órgãos, a sua
administração, ordenam-se a sua contabilidade e registos
(n. 219 do 2.º vol.) e acham-se reunidos regular e permanen-
temente todos os elementos constitutivos do seu crédito (3).
626. A designação do domicílio ou sede social no con-
trato ou nos estatutos da sociedade é imprescindível; deter-
mina o lugar do registo do comércio para a publicidade obri-
gatória dos seus atos (4), dá a conhecer onde se acham à
disposição dos acionistas os balanços e contas anuais dos
administradores das sociedades anônimas (5), firma a com-
petência jurisdicional para as ações derivadas do contrato

civil. (Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 5 de julho de 1906, no


S. Paulo Judiciário, vol. II, pág. 280).
O domicílio do comerciante singular é o lugar onde êle exerce a sua ativi-
dade comercial e não aquêle em que reside com a sua família. Acórdão da
2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 10 de setembro de 1912 (Revista de
Direito, vol. 27, pág. 133).
(1) Cód. Com., arts. 5. 0 , n. 2, e 338; Dec. n. 916, de 14 de outubro de
1891, art. 11, /; CLóVIS, Teoria geral do Direito Civil, § 30; CARLOS DE
CARVALHO, Nova consolidação, art. 165. Acórdão do Trib. de Just. de Sfo
Paulo, de 24 de maio de 1895, e a nota 1 da pág. 102 do presente volume.
(2) Acórdãos do Superior Tribunal do Estado de Pernambuco, de 7
de maio de 1801, na Revista de Jurisprudência, vol. 15, pág. 175; e do Tribuniil
de Justiça de S. Paulo, de 24 de maio de 1895, e a nota 1 da pág. 102 dG
presente volume.
(3) "O domicílio das pessoas jurídicas, como estabelecimentos, corpora-
ções, sociedades, é o lugar de suas sedes, onde funcionam suas principais admi-
nistrações". (PEREIRA E SOUSA & TEIXEIRA DE FREITAS, Primeirai
linhas, vol. 1, nota 43).
O fôro do domicílio da sociedacle mercantil, na falta de declaração expressa,
é a sede dos seus principais negócios. (A::órdão do Superior Tribunal de Per-
nambuco, de 7 de maio de 1901, na Re1•;st" de Jurisprudência, vol. 15, pá~. 175).
(4) Cód. Com., arts. 10 e 31; Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891,
arts. 79 e 80 (*).
(5) Dec. n. 434, de 1891, art. 14'i (**).
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 51.
(**) Cit. Decreto-lei n. 2.627, ai t. 99.
10::! J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

social, quer contra os sócios, que:r dos sócios entre si, quer de
terceiros para com a sociedade (1), para as ações de nulidade,
para a dissolução e liquidação {2) e para a falência (3).

627. A sociedade pode ter o domicílio em um lugar,


achando-se os seus estabelecimentos em outro. Exemplo:
uma scciedade de fiação e tecidos tem a sua sede ou domi-
cilio no Rio de Janeiro e as fábricas ou usinas em S. Paulo.
O domicílio da sociedade é um só .

(1) Dec. n. 9.263, de 28 de dezembro de 1911 (Reorganização da Justiça


do Distrito Federal), art. 110: "O domicílio das associações, companhias, banco'>,
etc., é o da sede da sua .administração e principal estabelecimento; salvo para
os contratos celebrados ou obrigações contraídas pelas sucursais ou filiais, em
que será competente o Juízo do domicílio destas".
Principal estabelecimento é expressão sir,ônima dd sede social; ambas se
empregam para designarem a sede da administração da sociedade. (Acórdão ria
1.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 27 de dezembro de 1906, na Revista de
Direito, vol. 3, pág. 373).
Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 24 de maio de 1895:
"A sociedade comercial, pessoa jurídica, tem o seu domicíFo no lugar da sua
sede, embora diversos sejam os domicílios particulares de cada sócio; é ali que
se agitam e se resolvem tôdas as questões q•1e da sociedade se derivam, quer
dos sócios entre si e quer de terceiros com a sociedade" (Gazeta Jurídica de
S. Paulo, vol. 9, pág. 40).
~te acórdão decidiu que a prestação de contas pedida por um sócio contra
outro deve correr no fôro do domicílio da sociedade, ainda que dissolvida.
Nesse sentido e em causa idêntica decidiram os acórdãos do mesmo Tribu-
nal, de 21 de julho de 1897, na Revista Mensal, vol. 6, pág. 103, e de 24 de
maio de 1905, no S. Paulo Judiciário, vol. 8. 0 , pág. 109.
Os sócios e os prepostos devem ser demandados no domicílio social, quando
se trata de questões sociais, como prestação de contas, quaisquer que sejam os
seus domicílios particulares. (Acórdão da Relação do Rio, de 5 de março de
1880), sendo digna de leitura a resposta do Juiz do Comércio, Cons. TEODORO
MACHADO (em O Direito, vol. 22, págs. 105-108).
Ainda depois de dissolvida e liquidada a sociedade comercial, os sócios soli-
dários podem ser acionados por terceiros para responderem pelas obrigações
assumidas, no lugar em que a sociedade responderia se ainda existisse. Acórdãos
do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 13 de setembro de 1899, na Gazeta
Jurídica de S. Paulo, vol. 23, pág. 80, e em O Direito, vol. 82, págs. 482 e segs.,
onde se encontra nosso trabalho forense a êsse respeito, e acórdão do mesmo
Tribunal, de 20 de agôsto de 1904, confirmando a sentença de 1.ª instância, no
S. Paulo Judiciário, vol. 5, págs. 415-416.
(2) Acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 12 de janeiro de 1910, em
o Direito, vol. 112, pág. 231, e na Revista de Direito, vol. 20, págs. 150-151.
(3) Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 7. 0 (*).
(•) Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 7. 0 •
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 103

628. A sociedade pode, também, ter sucursais, agências


ou filiais, e nest2 carn fica sujeita à regra geral do artigo 48
do reg. 0 n. 737, de 25 de novembro de 1850, isto é, pode ser
acionada no lugar onde tem a sucursal ou filial relativamente
aos atos praticados pelos seus representantes (1). Não impor-
ta qu2 a sociedade reserve a citação inicial para a sua sede,
na procuração passada ao seu agente (2).
O fato de a sociedade ter filiais ou sucursais, não importa
mudança da sede social; cria apenas novo fôro, para os negó-
cios relativos à filial ou sucursal (forum contractus, forum
gestre administrationis) .

629. Os gerentes podem renunciar o fôro legal da so-


ci~dade?

Cerno órgãos da sociedade, agindo em nome desta, não


há dúvida que sim, em face do art. 62 do Regul. n. 737, de
25 de novembro de 1850 (3).

630. A mudança da sede da sociedade dentro da Repú-


blica importa simples alteração do contrato ou dcs esta-
tutos.
A mudança da sede para o estrangeiro tem-se conside-
rado mudança do objeto da sociedade, por colocá-lo sob adis-
ciplina de lei diversa e modificar a sua situação jurídica (4).

(1) Dec. n. 9.263, de 28 de dezembro de 1911, art. 110, em a nota 1 da


pág. 103 do Código Com., Título único, art. 25; Dec. n. 3.084, de 5 de novembro
de 1898, P. III, art. 25 (•).
(2) Acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 14 de setembro de 1927,
no Arquivo Judiciário, vol. 4, pág. 2.
(3) Dec. n. 3.084, de 5 de novembro de 1898, P. III, art. 23; Dec. n.
9.263, de 28 de setembro de 1911, art. 109, § 2. 0 • Acórdão de 27 de ~ulho <le
1880, da Relação do Rio de Janeiro, em O Direito, vol. 23, pág. 116 ( u).
(4) ARTHUYS, Traité des sociétés commerciales, vol. 2. 0 , n. 618; LION·
CAEN et RENAULT, Traité de droit commercial, 4.ª ed., vol. 2°, P. II, n. 867.

(*) Cód. Processo Civil, art. 141. V. também Cód. Civil, art. 35, § 3.0 •
( • •) V. Cód. Civil, art. 42.
104 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

SEÇÃO IV

Do patrimônio das sociedades comerciais


Sumário: - 631. O patrimônio das sociedades comerciais
definido em lei. - 632. Capital social e oatrimônio
social. - 633. A universalidade do patrimônio. -
634. O patrimônio social, garantia exclusiva dos cre-
dores sociais e corolários dêste princípio. - 635.
Os sócios não são co-proprietários dos bens sociais.
- 636. Alienação de bens sociais. - 637. Prestação
de contas dos gerentes.

631. As sociedades comerciais têm patrimônio seu, dis-


tinto do patrimônio de cada sócio.
Definem a autonomia patrimonial dessas sociedades:
a) O Código Comercial, estabelecendo, no art. 287, como
necessário às sociedades o capital social; falando, no art. 289,
de fundo social; aludindo, nos arts. 345, n. 3 e 350, a bens
sociais em paralela a bens particulares dos sócios; referindo-
se, no art. 345, n. 1, a cabedal social.
b) A lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, contra-
pondo, nos arts. 66, parágrafo único, e 132, (*) a massa dos
bens sociais às massas particulares dos sócios; referindo-se,
no art. 75, (**) a bens particulares dos sócios e a bens da
sociedade; diferençando, no art. 101, § 5. 0 , o patrimônio social
do patrimônio individual dos sócios.
e) O decreto n. 434, de 4 de julho de 1891, referindo-se,
no art. 173, a patrimônio social e, no art. 175, n. 2, a bens da
sociedade; (***) e providenciando, em disposições especiais,
sôbre a formação e conservação do capital social (****) (arts.
17, 18, 65, 93, 94, 95 et passim).
As sociedades comerciais têm o patrimônio aplicado em
sua própria vantagem. Os sócios têm co-propriedade nos bens
que o constituem. Nenhum dêles pode utilizar em proveito
próprio os bens sociais nem são obrigados a concorrer com as
despesas necessárias para a sua conservação, nem lhes é per-

('-) Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 128.


("""') Citado Decreto-lei n. 7.661, art. 71.
("'*") Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 140, § 3.º.
("'**"') Cit. Decreto-lei n. 2.627, art. 4. 0 e segs.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 105

mi tido pedir arbitràriamente a divisão. (Vejam-se ns. 590 e


591 supra).
632. O capital formado pela contribuição dos sócios é a
base inicial do patrimônio da sociedade e em o n. 536 supra,
mostramos a distinção nítida entre o capital e o patrimônio
social. Aquêle faz parte dêste, conservando, porém, a sua
fixidsz e destinação especial.
633. O patrimônio social constitui univerE'.alidade de
direito, encabsçada na sociedade à qual pertence. A sua uni-
dade reflete-se no balanço anual que o Código manda pro-
ceder (vejam-se ns. 214 e 248 e segs. do 2. 0 volume dêste Tra-
tado), o que supõe um inventário especial, e no penhor que
oferece em garantia dos credores da sociedade, denominados
credores sociais .
634. Do fato de a sociedade ter patrimônio autônomo,_
seguem-se os corolários seguintes, especialmente aplicáveis às
sociedades em que há sócios de responsabilidade ilimitada:
1. 0 ) O patrimônio da sociedade serve de garantia exclu-
siva aos seus credores (1).
Os credores particulares dos sócios nenhum direito têm
sôbre êsse patrimônio, ainda no caso de falência; não podem
perturbar a marcha da sociedade.
Daí, ainda se deduz:
A) O credor do sócio não pode penhorar bens sociais
por dívidas particulares dêsse seu devedor (2).
O credor particular de qualquer sócio tem, porém, o cli-
reito de penhorar os fundos líquidos, que êste tenha na sacie-

(1) Cód. Com., art. 292; Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, arts.
51, parágrafo único, e 132.
(2) Cód. Com., art. 292; Regul. n. 737, de 1850, art. 529, § 10; Decreto
n. 848, de 11 de outubro de 1890, art. 269, g; Decreto n. 3.084, de 5 de no·
vembro de 1898, P. III, art. 528, i ("').
Se forem penhorados bens da sociedade por dívida particular dos sócios,
aquela, "formando pessoa distinta da pessoa de cada um dos sócios, deve ser
considerada terceira senhora e possuidora para libertar da penhora os bens
apreendidos da casa social". (Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de
22 de setembro de 1908, na Revista de Direito, vol. 10, pág. 139).
( •) Cód. de Processo Civil, art. 942, n. XII.
106 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

dade, provando que o seu devedor não possui outros bens de-
sembaraçados, ou que, depois de executados os que possuía,
não bastaram para o pagamento (1). I

Por fundos líquidos, cuja penhora a lei permite, enten-


dem-se:
a) os saldos à disposição do sócio, sendo considerado
dinheiro do executado em mão de terceiro (a sociedade). A ,. ,,__
penhcra, nesse caso, só se efetua se a sociedade, por seu sócio
gerente, confessar no ato da diligência judicial que realmente
existem êsses saldos (2) .
b) A parte ou quota apurada na liquidação da socie-
dade e partilhada ao sócio devedor (3).

(1) Cód. Com., art. 292; Regulamento n. 737, de 1850, art. 529, § 10;
Dec. n. 848, de 11 de outubro de 1890, art. 270, e; Dec. n. 3 .084, de 5 de no-
vembro de 1898, P. III, arts. 529, f, e 533, a ( •).
(2) Regulamento n. 737, arts. 521 e 522; Dec. n. 848, de 1890, arts. 266
e 267; Decreto n. 3.084, de 1898, P. III, arts. 534 e 535.
(3) Julgou-se que, na constância da sociedade, se podia realizar essa
penhora, por pertencerem os bens penhorados à classe dos direitos e ações. "Os
fundos líquidos estão dependentes do balanço, que há de demonstrar a sua exis-
tência, quantidade e qualidade. Ora, direitos e ações são suscetíveis de avaliação,
arrematação e adjudicação como quaisquer outros bens. No juízo da execução,
deve-se prosseguir até a final, e na hipótese de serem adjudicados ao credor os
bens penhorados, tem êste o direito de, como sub-rogado, nos do sócio quanto
aos fundos líquidos, requerer, no Juízo do Comércio, a dissolução e liquidação
da sociedade". (Sentença do Dr. MACEDO SOARES, confirmada pela Relação
do Rio, em O Direito, vol. 46, págs. 21-33).
Mais tarde, a mesma Relação, em acórdão de 16 de julho de 1878 (em
O Direito, vol. 17, págs. 319-320), decidiu em sentido contrário, cingindo-s~ ~09
têrmos legais. Não se pode contestar que o sistema adotado pelo nosso Cod1go
dá ocasião a abusos e fraudes contra os credores particulares dos sócios.
O Cód. Com. italiano, no art. J02, concede aos credores particulares do~
sócios em nome coletivo e de responsabilidade ilimitada na comandita, tendo em
seu favor sentença passada em julgado, o direito de oposição à deliberação que
prorroga a sociedade. Esta oposição suspende, a respeito dos oponentes, 01
efeitos da prorrogação do prazo social.
O Coo. Com. alemão, no art. 135, adota outra providência: o credor par-
ticular do sócio, com sentença passada em julgado, não conseguindo durante seis
meses penhorar bens móveis do devedor para prosseguir com a execução, pod1~
penhorar o saldo que a êste sócio couber na liquidação da sociedade, ficando
sub-rogado em seus direitos. Para êsse fim, poderá, tenha embora a sociedade dn·
ração determinada, requerer a dissolução, seis meses antes do exercício i;orrente.
·-
O Cód. Federal Suíço das Obrigações, no art. 57 4, dispõe no mesmo sentido
do Cód. alemão, acrescentando que, enquanto durar a dissolução, a sociedade
ou outros sócios podem desinteressar o credor.
As normas do Cód. alemão ou suíço seriam dignas de figurar em nosso
Código. Não se compreende que, no caso de falência do sócio, se dissolva a
(•) Cód. de Processo Civil. art. 943, n. II.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 107

Está sub- ntr 1dido que as ações das sociedades anônimas


ou em comandita por ações podem ser penhoradas por dívi-
das dos seus titulares.
B) Os credores da sociedade, por sua vez, não têm a
f acuidade de penhorar os bens particulares dos sócios, senão
depois de executados todos os bens sociais (1). ~ste princípio
prevalec·e ainda que a sociedade se ache em liquidação (2).
Se o sócio, porém, avaliza uma letra de câmbio de res-
ponsabilidade social, presta fiança à sociedade, responde soli-
dàriamente pela obrigação e o credor não precisa executar
primeiramente os bens sociais (3).
C) Falindo a sociedade e acarretando a falência dos só-
cios de responsabilidade ilimitada, se alguns dêstes fizerem
parte de outras sociedades solventes, com os mesmos ou
diversos consócios, estas reputar-se-ão dissolvidas e entrarão
em liquidação, para, depois de pagos os seus credores, se apu-
rar a quota líquida do sócio comum (4).
O mesmo se aplica ao caso em que falir o comerciante
que, exercendo o comércio singularmente, fizer parte de uma
ou mais sociedades. A sua falência importa a dissolução des-
tas sociedades (5) .

sociedade in bonis de que êle faça parte, para se apurarem os seus fundos líqui-
dos (art. 51, da Lei n. 2.024) (*), e se não possa liquidar a mesma sociedade.
no caso da execução singular.
(1) Cód. Com., art. 350; Regul. n. 737, arts. 497 e 531, § I. 0 ; Dec. n.
3.084, de 5 de novembro de 1898, P. III, arts. 498 e 533; Lei n. 2.024, de 17
de dezembro de 1908, art. 132, § I. 0 •
Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 30 de julho de 1909: o
oficial da diligência não pode penhorar os bens particulares do sócio sem man-
dado prévio do Juiz competente e sem que o exeqüente prove, que, por falta de
bens sociais, a execução deve continuar nos bens do sócio (art. 350 do C6dig1J
Comercial e art. 497 do Regulamento n. 737). (Na Revista de Direito, vol. 15,
págs. 174-175).
(2) SRAFFA, Liquid., 2.8 ed., o. 70; MANARA, Societ., I, pág. 481 e n. 1.
( 3) Quanto à fiança, acórdão da 1. ª Câmara, de 25 de agôsto Je 1921,
na Revista de Direito, vol. 62, pág. 123.
(4) Cód. Com., arts. 335, n. 2, e 292, 2.ª e 3.ª alíneas; Lei n. 2.024 de
1908, 51, parágrafo único ( .. ). •
(5) Cód. Com., art. 335, n. 2; Lei n. 2.024, de 1908, art. 51, princ. (•••).
( •) V. Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 48.
( n) Cit. Decreto n. 7.661, art. 48.
(• .. ) Cit. Decreto n. 7.661, art. 48.
!OS J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
-------
D) O devedor da sociedade não pode compensar com o
que lhe deva um dos sócios pessoalmente nem a um dos só-
cios é lícito compensar com o que o seu credor deva à socie-
dade (1).
E) A falência do sócio não traz de pleno direito a falên-
cia da sociedade de que faz parte (2) .
635. 2. 0 ) Os sócios não tên1 sôbre o fundo social direito
de propriedade ou de co-propriedade, mas somente o direito
de crédito condicionado à liquidação social, nos têrmos expli-
cados em o n. 591 supra.
As quotas, uma vez conferidas, desintegram-se do patri-
mônio dos sócios para constituírem fundo autônomo da so-
ciedade. Se o sócio não entra com a quota prometida nos têr-
mos do contrato, é devedor da sociedade (n. 542 supra).
Ao sócio não é lícito, portanto, dispor discricionàriamente
da quota, salvo nas sociedades em que a sua parte é cessível
ou negociável, nem de qualquer bem da sociedade (3).
Apropriando-se de bens sociais, o sócio comete o crime de
furto (4).

( 1 ) Assim declaram expressamente o Cód. Com. húngaro, art. 96, e o


federal suíço das obrigações, art. 571.
O sócio solidário não pode opor compensação a seu devedor, ao mesmo
tempo credor da sociedade, salvo se êsse sócio adquiriu ou chamou a si todo
o ativo e passivo da massa, porque, então, substituiu ou sucedeu à sociedade.
Nesses têrmos é que se deve entender o acórdão do Tribunal de Justiça de
São Paulo, de 2 de março de 1912, redigido obscuramente mas bem explicado o
seu sentido na discussão dos votos, o que tudo se pode ver na Revi~.ta dos
Tribunais (S. Paulo), vol. 1.0 , págs. 273-274.
(2) Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 51, princ. ("').
(3) A hipoteca legal do menor sôbre os imóveis do pai não pode ser espe-
cializada na parte que êste tem, como sócio, nos imóveis que constituem o patri-
mônio de uma sociedade. Assim decidiu o acórdão da Relação da Côrte, de
l.º de agôsto de 1884, em O Direito, vol. 35, pág. 204, sob os seguintes funda·
mentos: "~sses imóveis reputam-se pertencer à sociedade, entidade jurídica dic;.
tinta dos sócios; só pode hipotecar quem pode alhear; os imóveis que não podem
ser alheados, não podem ser hipotecados. Impossível de efeitos jurídicos seria
a hipoteca legal assim especializada, porque os fundos sociais não podem ser
penhorados pelas dívidas particulares dos sócios (art. 529, § 10 do Regul. 737,
de 1850). A dívida quirografária social teria preferência sôbre ela ( art. 292.
do Cód. Com.)".
( 4) Acórdão do Conselho do Tribunal Civil e Criminal, de 23 de junho
de 1904, em O Direito, vol. 95, págs. 519 e segs., e da 2.ª Câmara da Côrte de
Apelação, de 29 de dezembro de 1908, na Revista de Direito, vol. li, pág. 374.
( *) Decreto-lei n. 7 .66 J, de 21 de junho de 1945, art. 48.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 109

636. 3.º) A sociedade pode alienar os seus imóveis inde-


pendentemente de outorga das mulheres dos sócios (1).

637 . 4. º) Os sócios que gerem a sociedade, administram


o alheio, prestam contas dos seus atos e respondem criminal-
mente se se apropriam de bens ou valores sociais (2).

SEÇÃO V
Da capacidade contratual das sociedades comerciais
Sumário: - 638. A capacidade das sociedades comerciais.

638. As sociedades comerciais, constituídas para exer-


cerem atos de mercancia, apresentam-se com a sua indivi-
dualidade própria, entram em comércio sob o seu nome. Têm
direitos e obrigações, podem adquirir, alienar e contratar atos
jurídicos patrimoniais, pelos seus órgãos e gerentes. Credor,
devedor, adquirente ou contratante não é cada um dos sócios,
mas a própria sociedade .

Esta capacidade acha-se definida em lei. O Cód. Com.,


no art. 329 alude a responsabilidades sociais, no art. 349, a
passivo da sociedade, empréstimo à sociedade, e no art. 350
a dívidas da sociedade .

O reg. 0 n. 737, de 1850, no art. 531, § 1.0 , refere-se, tam-


bém, a dívidas da sociedade.
É freqüente a expressão credores da sociedade (Código
Comercial, arts. 292, 321, 324; lei n. 2.024, de 1908, arts. 101,
§ 5. 0 , 106, § 5. 0 e 132).

( 1) Era o princípio que sempre se sustentou em nosso Direito, ainda antes


de aceito o sistema da personalidade. Consultem-se: TEIXEIRA DE FREITAS,
Consolidação das leis civis, nota 11 ao art. 119; ORLANDO, C6digo Comercial,
nota 350, da 6.ª edição; SILVA COSTA, na Revista do Instituto da Ordem
dos Advogados, vol. 1O, pág. 1; LAFAIETE, Direito de família, § 39, nota.
(2) Cód. Com., art. 293. Acórdão do Conselho do Tribunal Civil e Cri-
minal, de 23 de junho de 1904, em O Direito, vol. 95, pág. 519.
110 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

SEÇÃO VI

Da representação judicial das sociedades comerciais

Sumário: - 639. A sociedade autora ou réu em juízo. -


640. Depoimento pessoal da sociedade.

639. A sociedade comercial, qualquer que seja a sua


forma, pode estar nos juízos civil e criminal na qualidade de
autora e no juízo civil na de ré (1).

( 1) Está expressamente reconhecido o direito de as sociedades a11ommas


darem queixa pelos crimes definidos nos arts. 200 a 204 do Dec. n. 434, de 4
de julho de 1891 (art. 205) (*).
RIBAS (Direito civil brasileiro, ed. de 1880, vol. 2. 0 , pág. 191) reconhece
o direito que às pessoas jurídicas assiste de propor as competentes ações crime-;
e cíveis, para haverem a punição dos delitos de que forem vítimas e a repara·
ção do dano causado.
Jurisprudência: A sociedade anônima é parte legítima e competente para
intentar queixa criminal contra aquêles que ofendem ou lesem os seus direitos
e interêsses: acórdãos da Relação de Ouro Prêto, de 12 de setembro de 1896,
na Revista Forense, vol. 4, pág. 69, e do Superior Tribunal do Rio Grande
do Sul, de 19 de outubro de 1903, em O Direito, vol. 103, pág. 130.
As companhias de seguro têm o direito de intervir na qualidade de ofen-
didas para auxiliarem o Ministério Público nos processos-crimes movidos contra
os seus segurados acusados de incendiários; acórdão da 1.ª Câmara da Côrte
de Apelação, de 12 de setembro de 1907, em O Direito, vol. 105, pág. 320.
Em contrário julgou o Superior Tribunal do Rio Grande do Sul em acórdãos de
22 de setembro e de 16 de outubro de 1903, com votos vencidos (Coleção da.r
decisões dêste Tribunal, 1903, págs. 160 e 178).
As sociedades anônimas estrangeiras, autorizadas a funcionar no Brasil,
podem dar queixa. Acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 7 de agôsto rle
1901, em O Direito, vol. 86, págs. 427-428. Na Gazeta jurídica de S. Pau/o,
vol. 1O, págs. 189-192, encontra-se o acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo.
de 18 de outubro de 1895 decidindo que, nos poderes dos gerentes destas socie-
dades não estando incluído o direito de intentar queixa criminal, êles não podem
querelar!
Quanto às sociedades comerciais que não revestem a forma anônima, o Cód.
Com., no t>rt. 304, refere-se a ações que terceiros possam intentar contra elas.
O Regulamento n. 737, de 1850, alude à demanda contra a sociedade. A Lei n.
2.024, de 17 de dezembro de 1908, no art. 8. 0 , impõe às sociedades a obrigação
de requererem a própria falência ( * •).
A jurisprudência tem firmado que essas sociedades podem, na defesa dos
seus direitos e interêsses, dar queixa-crime: acórdãos do Supremo Tribunal
( *) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 17'2, in pr!ncípio.
( "'*) A mesma disposição no mesmo artigo do Decreto-lei n. 7 .661, de
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 111

Que valeria a sociedade se lhe não fôsse reconhecido o


poder de defender ú.tilmente em justiça os seus interêsses
em conflito com terceiros e com os próprios sócios individual-
mente?

A sociedade apresenta-se em juízo, sob a sua firma ou


nome, pelo seu órgão _legítimo. ~ste encarna a pessoa jurí-
dica e de pleno direito tem representação judicial, salvo as

Federal, de 7 de agôsto de 1901, em O Direito, vol. 86, pág. 427; da Relação


da Côrte, de 22 de setembro de 1882 (em O Direito, vol. 29, pág. 305), de 6
de dezembro de 1883, (em O Direito, vol. 36, pág. 564); da Relação do Estado
do Rio, de 27 de março de 1894 (em O Direito, vol. 65, pág. 414); da Câmara
Criminal, de 11 de setembro de 1897, na Revista de Jurisprudência, vol. 2.,
pág. 333; da Relação de S. Paulo, de 5 de maio <le 1885, em O Direito, vo-
lume 38, página 69.
Veja-se a jurisprudência a êsse respeito desde 1857 até 1883, mencionada
no despacho de sustentação de pronúncia, proferido pelo juiz criminal da Côrte,
Dr. ERNESTO-JULIO BANDEIRA DE MELO em O Direito, vol. 34, pá·
ginas 101-105.
Julgaram em sentido contrário, os acórdãos da Relação do Rio, de 23 de
agôsto de 1881 (em O Direitu, vol. 26, pág. 550), 23 de outubro de 1883 (em
O Direito, vol. 34, pág. 105), e 29 de outubro de 1886 (em O Direito, vol. 41.
pág. 640).
A sociedade pode dar queixa criminal ainda contra o sócio que se apropria
indebitamente ou desvia dinheiro ou bens sociais: acórdão do Conselho do
Tribunal Civil e Criminal, de 23 de julho de 1904, em O Direito, vol. 95, pá·
gina 519.
Outra questão: as sociedades comerciais podem querelar contra injúrias?·
Não, decidiu o acórdão da Relação do Rio, de 20 de abril de 1886 (em O
Direito, vol. 42, pág. 12). Sim, tendo o sócio gerente qualidade para em seu
nome promover a queixa, julgou o acórdão de 27 de janeiro de 191 O do Tribun:.!.I
de Justiça de São Paulo (no S. Paulo Judiciário, vai. 22, págs. 81-82), confir.
mando a sentença do Juiz de 1.ª instância <no mesmo S. Paulo Judiciário, pág<>.
104-108). Em acórdão de 5 de julho de 1899, o mesmo Tribunal de Justiça de
São Paulo condenou nas penas do art. 317, letras a e b do Cód. Penal, um
indivíduo que imputara a uma sociedade comercial o uso de artifícios para
simular capitais, sendo a ação movida pelos sócios (Revista de Jurisprudência,
vol. 7, págs. 55-56). Vejam-se, nesta Revista, as eruditas alegações do ilustrado
advogado ALFREDO PUJOL.
A jurisprudência francesa responde afirmativamente à questão. Os Tribu-
nais de Gand e Bruxelas decidiram negativamente. A Côrte de Cassação da
Bélgica, em sentença de 18-12-1899, implicitamente consagrou a doutrina
afirmativa, admitida pela jurisprudência francesa, e no aresto motivado de 5 de
fevereiro de 1900 a Côrte Suprema confirmou-a. A sociedade comercial é pessoa
jurídica distinta dos seus sócios, tem direitos e por conseqüência deveres como
as pessoas físicas; pode ser exposta ao desprêzo público; pode-se fazê-la perder
a reputação e conduzi-la à ruina; pode ser vítima de estelionato; pode ser
atacada na sua honra como nos seus bens (Annales de droit commercial
1904, págs. 239-240). ·
112 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

limitações expressas no ato institucional da sociedade (1).


Litigantes não são os sócios, mas a sociedade.

(1) Cód. Com., art. 302, n. 3; Dec. n. 434, de 4 de julho de 1~91, art.
101, número 1 (•).
A sociedade sàmente por intermédio dos seus representantes pode vir a
juízo oferecendo embargos à penhora sôbre bens sociais; não têm faculdade
para exercer êste direito os seus sócios, nesta simples qualidade, salvo o ·~aso dJ
assistência e conjuntamente com a sociedade. (Acórdão da Câmara Civil da Re·
lação de Minas Gerais, de 4 de setembro de 1909, confirmado pelo ck 11 de
dezembro do mesmo ano). (Revista Forense, vols. 12, págs. 457, e 13, pág. 445)
Quando a ação corre com a sociedade, a morte de um dos sócios não torna
necessária a habilitação, pois a pessoa jurídica sociedade é diversa da ·1e cada
um dos sócios. (Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de J 5 de março
de 1895, confirmado pelo de 6 de dezembro do mesmo ano, na Revista Mensal,
vol. 2. 0 , págs. 316-318).
As sociedades comerciais, quando ofendidas, podem dar queixa criminal,
temos dito; quem oferece a queixa?
A própria sociedade por quem tiver qualidade de representá-la, ou melhor,
pelo seu órgão, seu gerente, independentemente de procura.;ão especial ~ prévia
licença do juiz (Cód. Penal, art. 407, § 1.º) (**). Assim julgaram os acórdão~
da Relação do Rio, de 22 de setembro de 1882 (em O Direito, vol. 29, pág.
305), da Câmara Criminal do Tribunal Civil e Criminal, de 11 de setembro de
1897 (na Revista de Jurisprudência, vol. 2.º, pág. 333), do Conselho do Tri-
bunal Civil e Criminal, de 23 de junho de 1904 (em O Direito, vol. 95, pág5.
519 e segs.), e da l.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 12 de setembro de
1907 (em O Direito, vol. 105, pág. 320). São errôneas as decisões constantes
dos acórdãos da Relação do Rio, de 10 de novembro de 1882 (em O Direito,
vol. 30, pág. 53) e de 17 de agôsto de 1883 (em O Direito, vol. 32, pág. 289),
segundo as quais o gerente não é pessoa legítima para intentar queixa criminal
em nome da sociedade, independentemente da procuração especial dos sócios.
Em Razões de Apelação escreveu o Cons. CARLOS DE CARVALHO
(pela firma Pires Coelho & Cia.), depois de transcrever o dispositivo do art.
407 do Código Penal: A queixa não é um direito inerente à pessoa física, o
homem, mas a todo aquêle ente que sofreu uma lesão de direito. Parte ofendida
pode ser pessoa física ou pessoa moral e jurídica, id est, todo sujeito a quem
competem direitos. Ora, a sociedade comercial forma um ente moral que tem
sua individualidade e deve ser com todo o cuidado distinguida das pessoas que a
compõem; cada associado é considerado individualmente como distinto do corpo
social de que é membro e assim os acidentes que acontecem a um não :afluem
sóbre o outro. Estas proposições estão confirmadas pelos arts. 292 e 350 do
Cód. Com.; arts. 497, 498, 531 e 591 do Reg. n. 737, de 1850; arts. 1. 0 e 7J
do Decreto n. 917, de 1890.
Nas sociedades comerciais quem as representa? Por intermédio de quem
exercem os direitos que explicam sua existência e contraem obrigações? Não
anônimas, a diretoria; nas demais, os sócios que tiverem direito ao uso ou em·
.prêgo da firma, que é a fórmula do mandato que os associados se dão mutua-
mente, o símbolo da sociedade personificada, na expressão de BÉDARRIDF,
sendo cada sócio solidário com relação aos outros e reciprocamente um institor
.(Do Jornal do Comércio, de abril de 1894).
(*) Art. 116, § 2. 0 do Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940.
( .. ) Código penal, art. 102, § 2. 0 •
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 113

Está subentendido que não é possível a queixa-crime con-


tra a sociedade, porque esta não pode delinqüir (1).
Para ir a juízo não precisa que os órgãos da sociedade
exibam o contrato social, salvo naquelas ações que se funda-
rem ou tiverem por causa única e exclusiva a existência da
própria sociedade (2). Assim, a sociedade pode acionar deve-
dores sem exibir o contrato (3).
640. O depoimento pessoal e o juramento ou compro-
misso, a que se referem as leis processuais, devem ser pres-
tados pela sociedade e não pelos sócios singularmente. Pres-
ta-os a sociedade por intermédio dos seus órgãos administra-
tivos (4).
Se a sociedade se dissolve presta depoimento o liquidante,
que representa a sociedade em juízo, e não os sócios.
( 1) Cód. Penal, art. 25 ( *); acórdãos da Relação do Rio, de 28 de agôsto
de 1883, em O Direito, vol. 32, pág. 379, e da Relação do Recife, de 30 de
outubro de 1883, em O Direito, vol. 33, págs. 370-378.
O Direito Penal refere-se somente ao homem natural como ser pensante e
volente. A sociedade não é doli capax e não pode ter intenção de violar a lei.
Os crimes cometidos pelos administradores ou sócios da sociedade são impu-
táveis a cada um dêstes, ainda que o motivo e o fim do crime possam ser
úteis à sociedade.
Consulte-se a erudita lição do Dr. MENDES PIMENTEL, na Revi!ita Fo-
rense, vol. 14, págs. 5 e segs.
(2) Cód. Com., art. 303.
Não é necessário que a sociedade anônima apresente o instrumento da sua
constituição para figurar em juízo. (Acórdão da Câmara Civil do Tribunal da
Relação de Minas, de 15 de outubro de 1910, na Revista Forense, vol. 16,
pág. 128).
(3) Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 26 de outubro e de
9 de dezembro de 1905 confirmando a sentença de I.ª instância, no São Paulo
Judiciário, vol. 9, págs. 444-445.
( 4) Se os estatutos de uma companhia determinam que ela será represen-
tada em juízo pelo seu Presidente, êste e não qualquer outro diretor é quem
deve prestar o depoimento, com pena de confesso. (Acórdão do Tribunal de
Justiça de S. Paulo, de 18 de novembro de 1914, Revista dos. Tribunais, vol. 12,
págs. 82-83).
- Sôbre o depoimento pessoal dos diretores que não têm poderes para
transigir (Revista de Direito, vol. 77, pág. 334).
- Tendo prestado o depoimento pessoal o gerente de uma companhia e
ficando assim satisfeito o direito da parte dispensável, é o depoimento dos demais
membros da diretoria. (Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 16 de
maio de 1910, no São Paulo Judiciário, vol. 23, págs. 66-67).
- Se o sócio gerente compareceu para depor, não pode a parte contrári:t
exigir que outro seja obrigado a depor. (Ac. do Trib. de Justiça de S. Paulo,
no S. Paulo Judiciário, vol. 15, págs. 31-32).
( •) Código penal, art. 11.
T1TULO Ill

Das sociedades em que figuram sócios com responsabilidade


ilimitada, excluídas as socf edades em comandita por ações

Sumário: - 641. Objeto da matéria estudada neste titulo.


- 642. Da incessibilidade da quota sem o expresso
consentimento dos outros sócios. - 643. Pode-se 1:s-
tipular no contrato a cessibilidade? - 644. O sócio
pode associar terceiro à sua quota. - 645. Empr~s­
tar ou consentir que o próprio nome figure como
sócio ou componha a razão social é assumir a res-
ponsabilidade de sócio para com terceiros. - 646.
Sociedade comercial entre marido e mulher.

641. Neste título estudaremos a organização, a estru-


tura, a função e a extinção das sociedades em nome coletivo,
em comandita simples e de capital e indústria, expondo os
princípios gerais que as dominam e as normas peculiares a
cada urna.
Em tôdas essas sociedades, existe um ou mais sócios com
responsabilidade ilimitada e daí a razão por que são regidas,
em muitas relações, pelos mesmos princípios.
As sociedades em comandita por ações têm organização
especial, que apreciaremos em o Título V dêste volume.

642. Começaremos por falar da incessibilidade da quota


nas sociedades que não revestem a forma anônima.
Em o n. 538, mostramos a diferença entre a quota pro-
priamente dita e a ação, e a apontamos como um dos predi-
cados daquela intransmissibilidade.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 115

É da essência das sociedades sem a forma anônima que


os sócios se aceitem reciprocamente. A consideração pessoal
domina o contrato. Em virtude das aptidões, da qualidade e
muitas vêzes do caráter dos contratantes, é que êstes delibe-
ram e consentem em se assoclar.
Nenhum dos sócios pode, pois, obrigar os outros a acei-
tar terceiro, a quem cedesse, por qualquer título, no todo
ou em parte, os seus direitos na sociedade. A escolha dos
sócios é de tal ord2m essencial, pessoal, que os seus herdeiros
não lhes sucedem nesta qualidade, salvo, bem entendido, esti-
pulação contrária, e supondo sempre que são aceitos e acei-
tam os outros sócios. Ao próprio comanditário na coman-
dita simples, considerado pelo Código prestador de capitais,
não é lícito ceder a terceiro a sua quota.
A cessão da quota ou a substituição de um por outro
sócio, para ser admissível, deve resultar da vontade unânime,
manifestada pelo mesmo modo que no contrato institucional
da sociedade, pois o caso é de verdadeira alteração ou modi-
ficação dêste contrato. A maioria aqui não obriga a minoria.
Seria nula a cessão ou a substituição fora dêsses têr-
mos (1). "Cum enim societas consensu contrahatur, socius
mihi esse non potest, quem ego socium esse nolui" (lei 19,
Dig. pro sacio).

643. No contrato institucional da sociedade, pode esti-


pular-se que o sócio fique com a faculdade de ceder o seu
direito a terceiro?
Admite-se a cláusula, que r1ão é ilícita, baseando-se na
liberdade das convenções (2).
O sócio cedente responde, porém, pelas obrigações sociais
relativamente a terceiros nas mesmas condições do sócio reti-
rante (n. 681, infra).

( 1) Cód. Cc>m., art. 334


(2) PARDESSUS, Cours de droit commercial, vol. 3, n. 973; LYON-
CAEN et RENAL'LT, Traité de droit commercial, 4.ª ed., vol. 2, P. 1, n. 270·
VIVANTE, Trattatc di diritto commerciale, 3.ª ed., vol. 2, n. 360. '
116 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Pode também o sócio estipular que não venderá a sua


parte a terceiros estranhos sem que a ofereça aos consócios.
Como quer que seja, a substituição de um por outro
sócio importa modificação, do contrato social e é imprescin-
dível novo instrumento escrito para ser arquivado no registo
do Comércio. Os efeitos daquelas cláusulas são os do contrato
preliminar, pois mediante elas os sócios se obrigam ab initio
a modificar o contrato social para a retirada de u1n e admis-
são de outro sócio, continuador daquele.

644. Ao sócio não é vedado associar terceiro à sua parte


na sociedade, isto é, dividir com êste os lucros e perdas que
lhe tocarem nos balanços anuais ou na liquidação final. Esta
associação entre o terceiro e o sócio não equivale à cessão da
quota, visto não constituir, o terceiro, membro da sociedade;
êste não passa de simples associado do sócio, sem que o fato
tenha o menor reflexo na sociedade (1). "Socii mei socius,
meus socius non est" (2). Em França e na Suíça francesa,
êste terceiro se chama croupier (3), na Itália aggregato.
A sociedade entre o terceiro e o sócio é acessória, dis-
tinta da sociedade principal, é societas societatis (4). Não
produz efeito relativamente a esta. O terceiro é, por sua vez,
absolutamente estranho à sociedade principal; a respeito des-
ta tem os mesmos direitos que o credor particular do sócio.
A sua morte não dissolve a sociedade. Os seus direitos e inte-
rêsses regulam-se pela convenção . Do sócio é que o associado
pode reclamar direitos e interêsses. Aquêle pode ser deman-
dado por êste para lhe indenizar, em proporção à sua parte,
as dívidas que pagou ou fôr obrigado a pagar à sociedade
principal.

( 1) Cód. Com., art. 334, última alínea.


(2) ULPIANO, Leis 19 e 20, Dig. pro socio.
(3) PONT, Des sociétés, vol. l, n. 617: " ... et en effet, il chevaucbe en
quelque sorte avec l'associé qui le prend en croupe, car il n'y a pour eux deux.
qu'une seule et même part".
( 4) No direito inglês chama-se sub-padtnership esta sociedade e 0 asso-
ciado sub-partner (LINDLEY, On partnership, 8.ª ed., pág. 69). ·
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 117

Ordinàriamente se pensa que esta sociedade acessória


entre o terceiro e o sócio é em conta de participação (1).

645. Outro preceito que convém ter em atenção é o


seguinte: a pessoa que empresta o nome como se fôsse sócio,
isto é, que figura como sócio no contrato da sociedade, ou
que dá o nome para a composição da firma ou razão social,
é responsável para com terceiros por tôdas as obrigações so-
ciais contraídas sob esta firma ou razão, ainda que não tenha
o menor interêsse nos lucros da sociedade. Tem, porém, ação
regressiva contra os sócios para haver dêstes o que pagou em
virtude dessa responsabilidade legal. Aos sócios não responde
por perdas e danos (2).
A pessoa que consente que o seu nome figure no con-
trato ou na razão social, sem entrar com algum contingente
para o capital da sociedade, falta a qualidade de sócio, por-
que não há quanto a ela um dos elementos característicos
da sociedade. A lei, porém, atribui esta qualidade como pena,
para evitar que terceiros sejam vítimas da fraude, sem pre-
juízo da nulidade da sociedade (3).
Está claro que se o nome de alguém é introduzido sem o
seu absoluto conhecimento no contrato (o que é quase impos-
sível, porque para êste ser válido precisa a assinatura dos
contratantes), ou na firma social, êste alguém é estranho à
fraude, não pode ser lesado. A pessoa, de cujo nome se abusa,
deve, para se conservar fora de responsabilidade, protestar

(1) VIDARI, Corso di diritto commerciale, 5.ª ed., vol. 1, n. 1005; DE-
LOISON, Des sociétés commerciales, vol. 1, n. 184; ARTHUYS, Traité des so-
ciétés commerciales, vol. 1, n. 223. MARGHIERI, no II codice di commercio
commentado, ed. de Verona, 2.ª ed., vol. 3. 0 , n. 71, entende que a presunç&\l
é esta, não se podendo, porém, proibir aos sócios a escolha de qualquer outra
forma de sociedade.
(2) Cód. Com., art. 306; Dec. n. 916, de 24 de outubro de 1890, art.
8. 0 , parágrafo único.
- É responsável para com terceiros quem aparece e se anuncia como sócio,
pois do contrário ficariam iludidos aquêles que a sociedade atraisse pela con-
fiança dêsse sócio, co-réu debendi solidário (acórdão da Relação da Côrte de 4
de julho de 1876, apud ORLANDO, Código Comercial, 6.ª ed., nota 395).
(3) Cód. Com., art. 287.
118 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

oportunamente contra a fraude dos sócios, que incorrem,


assim, no crime de estelionato (1).

646. Interessante questão é a seguinte: podem os espo-


sos contrair sociedade comercial entre si?
Parece-nos que não (2) . A única sociedade permitida
entre esposos é a universal, resultante do regímen do casa-
mento. Não lhes é lícito contratar sociedade comercial, por
ofender antes de tudo o instituto do poder marital, produ-
zindo necessàriamente a igualdade de direitos incompatível
com os direitos do marido como chefe do casal.
Se o casamento é sob o regímen da comunhão de bens,
não há vantagem na sociedade, quer relativamente aos côn-
juges, quer relativamente aos credores. Quanto aos primei-
ros, porque os lucros dos negócios seriam comuns, houvesse
ou não a sociedade. Quanto aos segundos, porque as suas
garantias não melhorariam.
Se o casamento obedece a outro regímen, a sociedade
fraudaria a lei reguladora dos pactos antenupciais, tornando
comuns, em virtude do contrato de sociedade, bens que o
ato antenupcial separara. Dar-se-ia, assim, ofensa à essência
e irrevogabilidade dêsses pactos.

(1) Cód., Penal, art. 338, n. 8 ( •).


(2) Devemos citar aqui a sentença do Supremo Tribunal de Justiça de 21
de junho de 1862, na Revista Civil n. 6.203, que alude e dá como boa uma so-
ciedade de capital e indústria entre marido e mulher, subseqüente ao casamento
CÂNDIDO MENDES, Arestos do Supremo Tribunal de Justiça, pág. 560).
A Junta Comercial do Estado de São Paulo, em sessão de 16 de janeiro de
1898, negou o registo do contrato comercial entre marido e mulher sob a firma
Belmarço & Cia.; em 17 de janeiro de 1899, de contrato idêntico sob a firma
Celulare & Cia. Em sessão de 14 de março de 1905, mandou, porém, arquivar,
pelo voto de desempate do seu presidente, o contrato entre espôsos sob a firma
P. Bonilha & Cia.
Na França, a jurisprudência considera radicalmente nulas as sociedades en-
tre esposos. (CHARPENTIER et DU SAINT, Répertoire, verb. Sociétés, n. 270,
vol. 34); THALLER, Traité élémentaire de droit commercial, 4. ª ed., n. 3 47;
ROUSSEAU, Traité des sociétés commerciales, 4.ª ed., vol. 1. 0 , ns. 42 e 34,
divergindo somente quando os cônjuges figuram com outras pessoas (ROUS-
SEAU, Obra citada, n. 45).
- Admitindo a validade dessas sociedades, vejam-se pareceres de ALFREDO
BERNARDES e ASTOLFO RESENDE, na Revista do Supremo Tribunal, vol.
1.º, P. I, págs. 319-321.
(•) Código penal vigente, art. 171.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 119

A sociedade entre esposos deve, pois, considerar-se nula.


A nulidade é de ordem pública.
A proibição prevalece, trate-se de sociedade anterior, con-
comitante ou posterior ao casamento (1). Podem, entretanto,
marido e mulher ser acionistas das sociedades anônimas e em
comandita por ações.
Há uma opinião intermédia que, negando em princípio
essas sociedades entre marido e mulher, as admite, desde que
o contrato social:
a) não derrogue o pacto antenupcial;
h) não ofenda direitos inerentes ao poder marital; nem
c) lese direitos dos filhos do primeiro leito.
A düiculdade da apreciação dêsses elementos por ocasião
do registo do contrato é forte embaraço à aceitação dessa
doutrina.
Se os dois cônjuges se associam a terceiro, prevalecem os
mesmos princípios, não querendo dizer isso que os dois este-
jam proibidos de figurar neste caso como uma só pessoa ou
um sócio. Marido e mulher formam um só corpo (Ord. 1.0 ,
31, § l.º).

CAPfTULO I

Da constituição das sociedades comerciais em nome coletivo,


em comandita simples e de capital e indústria
Sumário: - 647. Razão de ordem.

647. Trataremos neste capítulo e em seções distintas:


1.º) das formalidades do contrato de sociedade;
2.º) das sociedades irregulares; e
3.º) das alterações e modificações do contrato social.

( 1) A sociedade entra em liquidação com o casamento dos sócios, por ser


êste um impedimento absoluto à sua manutenção.
120 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

SEÇAO I

Das formalidades do contrato de sociedade c01nercial


Sumário: - 648. Formalidades dêste contrato.

648. A constituição das sociedades comerciais é sujeita


a sistema especial de fórmulas, aconselhadas para assegura-
rem os interêsses dos sócios e garantia de terceiros.
As sociedades comerciais devem ser:
l.º) constituídas por escrituras pública ou particular, e
2.º) inscritas no registo do comércio e devidamente pu-
blicadas.

ARTIGO I
Da escritura do contrato social de sociedade comercial
Sumário: - 649. O contrato de sociedade deve ser escrito.
- 650. Casos em que a lei exige ou dispensa a
exibição da escritura do contrato. - 651. Não é ad-
miss{vel a prova testemunhal contra e além do con-
teúdo no instrumento do contrato social. - 652. O
instrumento do contrato social pode ser público ou
particular. - 653. Casos em que a escritura pública
é necessária e conveniente. - 654. Requisitos inter-
nos da escritura do contrato social. - 655. Cláusu-
las ou condições ocultas. - 656. Nulidade do con-
trato por falta das formalidades legais. - 657. Os
dois exemplares do contrato. - 658. Direito Fiscal.

649. O contrato de sociedade deve ser escrito, não sà-


mente para estabelecer com firmeza a convenção entre os
sócios, como para que seja possível o seu depósito regular no
registo do comércio.
Daí prescrever a lei que o instrumento, digamos para
refôrço da expressão, o instrumento escrito, é indispensável
para a prova do contrato de sociedade (1).

( 1) Cód. Com., art. 300. As sociedades em conta de participação podem,


entretanto, provar-se por outros meios, como se dirá no Título VI.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEffiO 121

650. Sem a exibição do instrumento probatório da exis-


tência da sociedade, não pode o sócio provar a sua qualidade
para exigir dos outros associados ou de terceiros, efeitos futu-
ros porventura decorrentes do contrato social (1), ainda que
se dê a confissão do adversário (2). Sob êste ponto de vista
excepcional, pode-se dizer que o instrumento do contrato é
da essência ou da substância (3). (Veja-se n. 667, onde esta
matéria será completada).
Para os demais casos, a lei não exigiu a exibição da escri-
tura do contrato, de modo que,
a) a sociedade, demandando terceiros pelos atos já rea-
lizados, não tem de provar previamente a sua existência;
b) terceiros, acionando a sociedade ou os sócios em vir-
tude de relações jurídicas fundadas na sociedade, não preci-
sam apresentar o instrumento do contrato que a instituiu, e,.
se fôr contestada a sua existência, podem prová-la por todos
os meios de direito, inclusive presunções (4). (Veja-se n. 669,
infra).

651. Contra e além do conteúdo no instrumento do con-


trato social (contra aut ultra scripturam) não se admite pro-
va testemunhal (5).
O contrato social constitui lei entre os sócios e nas rela-
ções para com terceiros. Nenhuma n1odificação ou alteraçã°'
lhe pode ser oposta, sem ser provada por meio de outro con-
trato (n. 517 supra).
Quando a lei proíbe que se prove por testemunhas con-
tra e além do que se contém no contrato, não quer dizer que
se não possa provar por testemunhas as cláusulas obscuras e
ambíguas ou o alcance de certas enunciações. Permite-se a

(1) Cód. Com., arts. 301, últ. alínea, e 303; regul. n. 737, de 1850,
art. 673, § 7. 0 •
(2) Regul. n. 737, de 1850, art. 150.
.<?> Assim bem. entendeu o art. 159 do regul. n. 737, de 1850, que se
conc1ha com o que dissemos no texto acima.
( 4) Cód. Com., art. 304.
(5) Cód. Com., art. 300, 2.ª alínea; regul. n. 737, de 1850, art. 182, § 2. 0 •
122 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

prova testemunhal juxta scripturam. Não se confundam as


cláusulas substanciais da sociedade com a sua execução.

Tem-se entendido, porém, que no caso de fraude é pos-


sív2l a prova contra ou além do conteúdo no instrumento do
contrato (1).

O instrumento do contrato social pode consistir


652.
em escritura pública ou particular, à escolha das partes (2).

653. Em todo caso, deve ser por escritura pública


quando a quota com que entra algum sócio consiste em imó-
veis (3), sendo ainda necessária a intervenção da outorga da
mulher do sócio conferente. Há indubitàvelmente a transfe-
rência de bens e prevalece a restrição do art. 235, I, do Cód.
Civil, tornando móveis os imóveis (4).

Outro caso. O contrato de sociedade deve ser celebrado


por escritura pública, para evitar dúvidas, quando um dos
sócios ou todos não souberem ler nem escrever (5) .

654. O instrumento do contrato social deve conter (6):

1. A data, expressa pelo lugar, dia, mês e ano. É o pri-


meiro requisito de todo contrato, e serve não sómente para

(1) ARTHUYS, Des sociétés commerciales, nota I ao n. 229, do 1. 0 vol.


(2) Cód. Com., arts. 300 e 302.
(3) Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 22 de agôsto de
1916, na Revista dos Tribunais, vol. 19, págs. 156-157; acórdão do mesmo
Tribunal, de 20 de novembro de 1917, confirmado pelo de 20 de agôsto de
1918, na Revista dos Tribunais, vol. 24, pág. 112, e vol. 127, pág. 124. Outra
~olução, por motivos particulares, na sociedade anônima, como diremos opor-
tunamente.
( 4) Assim pensa TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação das leis civis,
nota 11 ao art. 119 e assim julgou o Tribunal de Justiça de S. Paulo, nos acór-
-dãos de 22 de agôsto de 1916, e 20 de novembro de 1917, na Revista dos
Tribunais, vol. 19, pág. 111.
(5) Resolução do Tribunal do Comércio de Pernambuco, de 27 de agôsto
de 1874, apud ORLANDO, C6digo Comercial, 6.ª ed., nota 370.
( 6) A lei francesa não enuncia formalmente as menções que deve conter
-0 ato da sociedade. Enumeram requisitos os Códs. espanhol art. 125
italiano, art. 88, português, art. 114, e o romeno, art. 89. ' '
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 123

determinar a lei que o rege, locus regit actum, como para


firmar a capacidade dos contratantes.
2. Os nomes, naturalidades e domicílios dos sócios (1)
ou a firma social e a sua sede, se é sócia outra sociedade.
São indispensáveis tais d2clarações, especialmente quanto aos
sócios de respon~abilidade ilimitada e aos de responsabilidade
limitada que não tenham integrado a quota.
3. O tipo legal da sociedade. O Código não se refere
expressamente a esta circunstância, mas se subentende. É
mister declarar quais os sócios obrigados in infinitum pelo
parnivo sccial e quais os que respondem somente até à con-
corrência das suas quotas.
Na falta dessa declaração, são todos responsáveis in infi-
nitum, porque êsse é o tipo modêlo das sociedades comerciais
(veja-se n. 697 infra).
Outrossim, na caracterização do tipo da sociedade, de-
vem as partes ser verdadeiras; qualquer declaração em con-
trário à natureza da sociedade contratada não lhes aprovei-
taria. Não se pode desnaturar e substituir o título legal por
outro híbrido, enfraquecendo-se as garantias de terceiros.
4. A firma ou razão comercial, pela qual há de ser
conhecida a sociedade (2) . (Veja-se n. 214, h e i do 1.º vol.,
2.ª ed. dêste Tratado).
A firma ou razão da sociedade, pela forma da sua com-
posição, deve demonstrar que existe vínculo social. O nome
de um dos sócios não bastaria para constituir a firma ou
razão social .
Se a firma não contém mais de um nome ou se o nome
não se acha aditado com a fórmula que denuncia a existên-
cia da sociedade, faz acreditar que se trata da firma de comer-
ciante singular, pessoa natural, único responsável pelas obri-
gações contraídas. (Veja-se n. 181 do 2. 0 vol. dêste Tratado).
(1) Cód. Com., art. 302, n. 1.
(2) Cód. Com., art. 302, n. 2.
124 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
-------
5. Os nomes do sócio ou dos sócios gerentes com direito
ao uso ou emprêgo na firma ou razão social (1). Faltando
esta declaração, entende-se que todos os sócios são gerentes e
podem usar a firma social (2).
6. A sede social. Não obstante a lei não fazer esta exi-
gência, a declaração é necessária, tanto que no registo da
firma deve constar esta sede (3) . (Veja-se n. 625 supra). Se
há sucursais ou filiais, as respectivas sedes devem ser indi-
cadas.
7. A designação específica do objeto da sociedade (4),
isto é, a espécie de indústria que a sociedade se propõe exercer.
Por meio dessa declaração, os contratantes estabelecem
o negócio, cujo exercício a sociedade conduzirá por sua conta
e em seu nome (n. 514 supra). A lei não exige a enumeração
ou indicação taxativa de cada uma das operações a cargo da
sociedade, mas a designação específica do objeto da sociedade.
Pode, portanto, dizer-se no contrato social: "A sociedade tem
por objeto exercer o comércio de navegação e quaisquer outras
operações que com êle têm relação". O contrato social que
dissesse: "A sociedade tem por objeto atos de comércio", não
seria válido .
Sem que se determine o objeto da emprêsa para cuja
exploração os contratantes se associam, não há sociedade (5).

{1-2) Cód. Com., art. 302, n. 8.


(3) Dec. n. 916, de 24 de outubro de 1890, art. 11, f.
( 4) Cód. Com., art. 302, n. 4.
O Tribunal de Justiça de S. Paulo, em acórdão de 30 de janeiro de 1907,
declrou que o "Código exige a designação específica do objeto da sociedade
unicamente para prova de que o fim da sociedade não é ilícito" (São Paulo
Judiciário, vol. 13, págs. 52-53).
Não há tal. Sem designação do objeto não se poda saber o fim para que
ela se constituiu e como conseqüência é impossível determinar se se trata de
uma sociedade civil ou comercial (veja-se n. 569 supra).
(5) Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 25 de janeiro de
1905 (no S. Paulo Judiciário, vol. 7, págs. 59-60): "Nos têrmos do § 4. 0 do
art. 302 do Código Comercial, o objeto da sociedade deve ser especificado e a
falta desta especificação inquina o contrato de nulidade, como é expresso no
§ 2. 0 do art. 682 do regul. 737, de 1850, que também nos arts. 684 e 687 con-
sidera absoluta, de pleno direito a nulidade.
Embargado êste acórdão, o Tribunal em acórdão de 10 de julho do mesmo
ano (4 votos contra 4, com desempate do presidente) decidiu que havendo as
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 125

O objeto deve ser lícito, já o dissemos em o n. 527 supra.


8. A declaração do capital e da quota de cada sócio e
da espécie e modo por que esta é conferida (1). (Veja-se n.
214, d, do 1.0 vol., 2.ª ed., dêste Tratado).
9. Os poderes conferidos aos gerentes. Assim: deve de-
clarar se dá poderes de hipotecar bens sociais, de transigir, de
comprometer, etc.
10. O tempo de duração da sociedade, declarando a
época em que há de começar e acabar ou se a sociedade é por
tempo indeterminado (2).
A sociedade não pode ser in ceternum (3).
Em regra, a sociedade começa desde o instante em que o
contrato é formado (4).
Pode-se dizer, pois, que as sociedades se contratam por
tempo determinado ou indeterminado. No primeiro caso, a
sua duração fica subordinada ao vencimento de um prazo ou
ao cumprimento de uma condição, embora nesta última hipó-
tese se não possa prever a época em que a condição se cum-
prirá (5).
11. A parte que cada sócio há de ter nos lucros e nas
perdas (6). :a:ste requisito não é, entretanto, de rigor, por-

partes declarado qual o objeto da sociedade após a assinatura da escritura


pública constitutiva do contrato no exemplar que foi arquivado na Junta Co-
mercial a nulidade se achava sanada (no São Paulo Judiciário, vol. 8, pág. 310).
Não nos parece justa a decisão. A nulidade era insuprível, pois do instru-
mento público não constava o objeto da sociedade e a escritura pública foi
preferida pelas partes.
( 1) Cód. Com., arts. 287 e 302, n. 4.
(2) Cód. Com., art. 302, n. 6. A publicação oficial do Código dizia
" ... por tempo determinado'',· o que dificultava a inteligência dêste n. 6. O Dec.
n. 3.257, de 10 de abril de 1899, declarou que se devia. ler "por tempo inde-
terminado", tendo havido êrro naquela publicação.
(3) Era êsse o preceito do Direito Romano. "Nulla societatis in reternum
coito est". Lei 70, Dig. pro socio.
(4) Por êsse motivo, o Cód. Com., manda (art. 10, n. 2) proceder o
registo do contrato dentro de quinze dias úteis da sua data.
(5) TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação, nota 2 ao art. 743.
(6) Cód. Com., art. 330. No Direito Civil, em falta de estipulação, os
sócios devem ter lucros iguais. ( Ord. 4.44, § 9) ( * ).
(*) Hoje, no Direito Civil, silenciando o contrato, a parte de cada sócio,
nos lucros e perdas é proporcionada à quota de capital de cada sócio . - Cód.
Civil, artigo 1.3 81.
126 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

que, no silêncio do contrato, os lucros e perdas são comuns


a todos os sócios na razão proporcional dos respectivos qui-
nhões (1). (Veja-se n. 558 supra) . Quanto ao sócio de indús-
tria, na falta de estipulação, veja-se o n1esmo n. 558, supra.
12. A forma da liquidação e partilha (2) . Não se
dev~m os sócios esquecer de logo regular o inodo da liquida-
ção e nomear os liquidantes. Na ocasião da formação do con-
trato, rEina entre êles a melhor inteligência, a harmonia mais
completa, e tudo é fácil. Mais tarde, choques de interêsses e
divergências podem tornar impossív2l o que no comêço se
teria con~eguido. Por outro lado, os liquidantes, assim nomea-
dos, poderão entrar em função logo que a sociedade se dis-
solva. Não haverá solução de continuidade entre os gerentes
e os liquidantes. Esta cláusula subsiste, ainda que na liqui-
dação e partilha haja menores interessados, como diremos
oportunamente.
13. Tôdas as cláusulas e condições necessárias para de-
terminarem com precisão os direitos e as obrigações dos sócios
entre ~i e para com terceiros (3).
A cautela e a prudência aconselham regular com clareza
a posição de cada sócio, especialmente tratando-se de sócio de
indústria (Cód., art. 319).
Entre essas cláusulas são indispensáveis as concernen-
tes à retirada dos lucros, a sua acumulação ou reserva, e neste
caso os juros devidos ou não pela sociedade, de modo a ficar
explicado se os sócios podem receber os lucros anualmente,
ou na partilha social, depois da dissolução. Outra cláusula
útil é sôbre as retiradas para despesas particulares dos só-
cios. O sócio que as ultrapassa, além de infringir o contrato,
deve restituir o excesso, com o juro da mora e a indenização
das perdas e danos, se os sofrer a sociedade (4).
No ajuste dessas cláusulas, os sócios não podem fraudar

(1-2) C6d. Com., art. 302, o. 6.


(3) Cód. Com., art. 302, n. 7.
( 4) O C6d. Com. italiano, no art. 111, equipara muito bem o que o
sócio deve pelo excesso das retiradas marcadas no contrato ao débito de parte
correspondente da sua quota social, pois o sócio diminui de tanto a própria quo-
ta conferida quanto a importância do excesso retirado.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEffiO 127
- - ----- ------------------
disposições legais, enfraquecer as garantias de terceiros e
iludir o públic<J. As cláusulas equívocas não ofendem abso-
lutam2nte os direitos de terceiros, não modificam a natureza
da sociedade e a responsabilidade dos sócios. Em geral, tais
cláusulas são mal vistas e interpretadas contra os contra-
tantes, que revelam astúcia e fraude desde a organização da
sociedade.
14. A a~sinatura de todos os sócios e de duas testemu-
nhas, se por documento particular. Os sócios podem ser re-
presentados por procurador com poderes especiais (1), e neste
caso a procuração deve acompanhar em anexo o contrato
social.
655 . Tôda cláusula ou condição oculta, contrária às
cláusulas ou condições expr2ssas no instrumento ostensivo do
contrato social, é nula de pleno direito (2) .
656. Nulo de pleno direito é o contrato de sociedade
onde forem preteridas as formalidades ou solenidades men-
cionadas no art. 302 do Cód. Com., referidas em o n. 654 supra,
sob os ns. 1, 2, 4, 7, 8, 10 e 14 (3), e a Junta Comercial deve
negar o registo, quando requerido. (Veja-se o n. 214 do 1.0
vol., 2.ª edição, dêste Tratado).
657. Do instrumento do contrato social lavram-se dois
exemplares, sendo ambos apresentados ao registo do Comér-
cio. Um dêstes, com a averbação do registo, é restituído à so-
ciedade, em cujo arquivo se guarda.
658 . Direito Fiscal. O contrato social paga o sêlo pro-
porcional da tabela A, § 1.º, n. 8 do decreto n. 3.564, de 22 de
janeiro de 1900, sôbre o valor do capital social (art. 4, n. 10,
do mesmo decreto) (*).

(1) Cód. Com., art. 145.


(2) Cód. Com., art. 302, última alínea.
(3) Regul. n. 737, art. 682, § 2. 0 (Veja-se acórdão do Tribunal de Jus-
tiça de São Paulo, de 25 de janeiro de 1905, citado em a nota 5 da pág. 124).
( *) Hoje Decreto-lei n. 4.655, de 3 de setembro de 1942, consolidado e-
novamente publicado pelo Dec. n. 32.392, de 9 de março de 1953, art. 110 -
nota l.ª da tabela.
128 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

ARTIGO II

Do registo e da publicidade do contrato de


sociedade comercial

Sumário: - 659. Vantagens do registo e publicidade do con-


trato social. - 660. Registo dêste contrato. - 661.
Por quem e dentro de que prazo se procede o re-
gisto. - 662. A falta de registo não anula o con-
trato de sociedade. - 663. Publicação. - 664. O
registo da firma.

659. O instrumento do contrato social regula não so-


mente as relações entre os sócios e entre êstes e a sociedade,
como as relações da sociedade para com terceiros e vice-versa.

O ato institucional da sociedade deve, conseguintemente,


tornar-se de fácil conhecimento dos terceiros e dos credores
pessoais ou individuais de cada sócio. É também do interêsse
dos sócios que terceiros saibam das condições do funciona-
mento da sociedade.

Daí o registo do contrato e a sua publicação pela impren-


sa, formalidades que atestam a existência da sociedade, de-
nunciam as responsabilidades dos sócios e, dêsse modo, ga-
rantem os terceiros e servem de base ao crédito da sociedade.

660. O instrumento do contrato de sociedade arquiva-se


no registo do comércio da sede social e, se a sociedade tiver
filiais ou sucursais, ainda na sede de cada uma destas (1).
É 0 que se chama arquivamento ou registo do contrato social.

661. ~ste arquivamento pode ser requerido ou promo-


vido por todos ou por qualquer dos sócios, e deve ser procedido

(1) Cód. Com., arts. 10, n. 2, e 301. (Veja-se o n. 213, in fine do 't.º
vol., 2 .a ed. d~~e Tratado). • . .
Muitos Cod1gos mandam fazer este registo mediante extrato com diversa,
enunciações. (Lei belga, art. 7.º).
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 129

dentro de quinze dias úteis da data do contrato social (1).

Se não fôr arquivado dentro dêsse prazo, a sociedade é


irregular e produz todos os efeitos desta (n. 665 infra).

Poder-se-á a todo tempo, depois dos quinze dias legais,


fazer-se o arquivamento, tornando-se regular a sociedade do
dia do preenchimento desta formalidade em diante.

Assim, pois, se o contrato se arquiva dentro do prazo


legal, a sociedade é regular desde o dia do contrato. O registo
produz efeito retroativo. Se, porém, o contrato é arquivado
depois dêste prazo, o efeito do registo não retroage e a socie-
dade se considera irregular com tôdas as conseqüências até
o dia do arquivamento (2). (Veja-se n. 217, do 1. 0 vol., 2.ª
edição dês te Tratado) .

662. A falta de registo não produz a nulidade do con-


trato de sociedade (3) . Existe a sociedade irregular (4), cujos
sócios são ilimitada e solidàriamente responsáveis pelas obri-
gações contraídas em nome dela.

(I) Cód. Com., art. 10, n. 2. (Veja-se n. 216 do I. 0 vol., 2.ª ed. dêste
Tratado).
(2) TEIXEIRA DE FREITAS nos Aditamentos do Código de Comércio,
pág. 666, entende que o registo não pode ser denegado porque a sociedade não
é comerciante sem o registo do instrumento social e não havendo comerciante
não é caso do art. 1O, n. 2, do Código, que estabelece uma obrigação dos
comerciantes.
Por engano, confiados nas considerações de ORLANDO, Código Comercial,
5.ª ed., nota 405, atribuimos opinião contrária a TEIXEIRA DE FREITAS
(Veja-se n. 217 do I.º vol., 2.ª ed. dêste Tratado). Retificamos aqui o nosso êrro.
A razão de TEIXEIRA DE FREITAS não procede, pois as sociedades sem
registo são comerciantes e estão sujeitas à falência. São sociedades irregulares.
(3) Regul. n. 737, de 1850, art. 693.
(4) Cód. Com., arts. 301 in fine e 304; acórdão da Relação da Côrte, de
5 de maio de 1874, em O Direito, vol. 4, pág. 801. (Veja-se o 11. 211, do 1.º
vol., 2.ª ed. dêste Tratado). Acórdão do Superior Tribuc:ll do Pará, de 11 de
outubro de 1902, em O Direito, vol. 94, págs. 254 e 255. Acórdão do Tribunal
de Justiça de São Paulo, de 11 de fevereiro de 1911, no S. Paulo Judiciário,
vol. 25, págs. 192-193.
ISO J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

A falta de registo evita, ainda, que os sócios possam fazer


qualquer reclamação entre si ou contra terceiros, fundada na
existência da sociedade (1). (Veja-se n. 667 infra).

663. Ao registo segue-se a publicação, sôbre a qual fala-


mos em o n. 218 do 1.0 volume, 2.ª edição. Esta publicação fir-
ma a presunção legal de que a sociedade existe tal como fôra
registada.

664. Além do registo do contrato social há o registo da


firma social, sôbre cujo assunto dissemos em os ns. 197 a 207
do 2. 0 volume, dêste Tratado.

SEÇÃO II

Das sociedades irregulares

Sumário: - 665. Precisa-se o conceito das sociedades irre-


gulares. - 666. As nossas leis admitem as socie-
dades irregulares e lhes reconhecem personalidade
jurídica. - 667. Limitações ou restrições que sofrem
as sociedades irregulares. - 668. A firma destas
sociedades. - 669. A prova da sociedade irregular
por terceiros. - 670. Presunções da existência desta
sociedade.

665. Denominam-se irregulares, como o vocábulo o in-


dica, aquelas sociedades que funcionam durante certo tempo
sem o cumprimento das solenidades legais da constituição,
registo e publicidade (2).

( 1) Cód. Com., arts. 301 in fine, e 304.


Nos países onde existe o registo de comércio, as sociedades que não assu-
mem a forma anônima, não são feridas de nulidade pela falta da inscrição
neste registo.
E' o que se dá, também, na Alemanha, Áustria, Inglaterra e Suíça.
Ao contrário, na França, são nulas. Na Itália e na Rumânia as sociedades
irregulares ficam submetidas a regímen especial.
Vê-se, assim, como é perigoso invocar nesse tema a exposição e teorià dos
escritores franceses para justificarem a aplicação da nossa lei.
(2) Não se confunda a sociedade irregular com o emprêgo de firma ou
razão social por pessoa que não faz realmente parte de sociedade alguma. O uso
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 131

A expressão soôedades irregulares encontra-se no art. 8.º


letra e, da lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908 (*).
O decreto n. 917, de 24 de outubro de 1890, no art. 5. 0 ,
letra d, e a lei n. 859, de 16 de agôsto de 1892, art. 8. 0 , letra d,
empregaram a frase sociedades de fato, colhida, sem maior
cuidado, nos livros franceses.
Profunda é, entretanto, a diferença que se deve fazer,
em nosso Direito, entre a sociedade irregular e a de fato. A
primeira ficou acima definida. A segunda é aquela que, afe-
tada por vícios que a inquinam de nulidade, são fulminadas
com o decreto de morte. A sociedade, apesar disso, funcionou,
viveu, contratou, tomou lugar no mundo dos negócios. Não
se pode negar nem destruir fatos consumados. Há mister,
portanto, atender à natureza das coisas e, de conformidade
com esta, ajustar as contas do que se fêz durante a comu-
nhão. Eis porque se diz de fato esta sociedade, isto é, uma
sociedade que apesar de degenerada, viveu, enquanto admi-
tida.

66e. Esta matéria tem sido obscurecida em nosso Direito


pela irrefletida aplicação que se lhe tem feito do Direito fran-
cês e ultimamente do Direito italiano.
Na França, a lei de 24 de julho de 1867, fu1m.ina com a
pena de nulidade as sociedades que, em determinado prazo,
não registam o seu contrato institucional nem publicam os
respectivos extratos. Esta nulidade, não pode, porém, ser
oposta pelos sócios contra terceiros (art. 56, últ. alínea).
Na Itália, a sociedade sem instrumento escrito, ou cujo
instrumento dentro de certo prazo não é registado e publi-
cado não está legalmente constituída, non e legalmente cos-

da firma social nestas condições é proibido ( n. 18 do 2. 0 vol. dêste Tratado), o


pode ser muito mais que um abuso, o estelionato definido no art. 338, n. 8, do
Código Penal, e quem a emprega é obrigado a pagar pelos seus bens (acórdãos
da Relação do Rio, de 26 de outubro de 1880 e 1 de fevereiro de 1881, aos
quais o Supremo Tribunal de Justiça, por sentença de 12 de outubro de 1881,
negou revista). (Em O Direito, vol. 27, págs. 559-564).
(*) O Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, não repetiu no
art. 8. 0 , n. III a expressão anteriormente utilizada.
132 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

tuita, dispõe o art. 98 do Código do Comércio. Daí concluírem


notáveis comentaristas que a sociedade irregular é nula (1).
Certo é que pelos atos da sociedade irregular respondem in
solidum os sócios, promotores, administradores e todos os que
operarem em nome dela.

Entre nós, a questão muda de face. A falta de registo não


anula as sociedades comerciais que nã9 revestem a forma
anônima ou em comandita por ações (2). A lei, como já mos-
tramos em o n. 665, supra, reconheceu as sociedades irregu-
lares e disciplinou-as (3) . Dotou-as, ainda, de capacidade pa-
trimonial. Não podemos, portanto, deixar de reconhecer a

( 1) VIDARI, Corso di diritto commerciale, vol. I, 5.ª ed., n. 830: "Per


le quali parole noi intendiamo che la società si deve ritenere come non legal-
mente esistente; vale a dire, come non avente individualità giuridica rimpetto
alla legge e ai terzi, e quindi nulla; perche cio che non esiste di
conformità alla Iegge, non esiste per la legge; ed e quindi legalmente nullo. Ne
importa che il Codice non dica espressamente 'sotto pena di nullità"; perche la
nullità e qui necessariamente implicita, e significata con perfetta equipollenza
mediante le parole "non e legalmente constitui ta". (Contra: VIV ANTE, Trattato
di Diritto Commerciale, 3.ª ed., vol. 2. 0 , n. 330).
Reina, a êsse respeito, grande discussão entre os comercialistas italianos.
(2) VIDARI, referindo-se à nossa legislação, diz que o Código, no art.
301, fere com a nulidade absoluta as sociedades irregulares (Corso di diritto
commerciale, vol. l.º, 5.ª ed., n. 834). Manifesto engano. O art. 693 do regul.
n. 737 afasta qualquer dúvida.
A Lei Belga de 1873 também não anula as sociedades que não tenham
publicado o seu ato constitutivo. (GUILLERY, Des sociétés commerciales, vol. l,
n. 307). VIDARI ainda se engana, emprestando à Lei Belga soluçá<;> contrárja.
Na Espanha, CONST ANS sustenta que as sociedades não registadas tem
personalidade. (Derecho mercantil, vol. I, pág. 415).
O Cód. Com. português de 1898 tem como não existentes tais sociedades e
responsabiliza os sócios solidàriamente pelos atos praticados.
(3) Se precisamos de adminículo para a interpretação das disposições do
nosso Código sôbre sociedades não registadas, devemos procurá-lo nos velhos
Códigos comerciais da Espanha, de 1829, e de Portugal, de 1833, que serviram,
nesse ponto, de fontes próximas ao nosso de 1850.
O Código espanhol de 1829, dispunha no art. 28: "Os escritos de sociedade
não anotados no registo geral do comércio, não darão ação entre os outorgantes
para demandarem os direitos que nêles tiverem sido reconhecidos; nem por isso,
entretanto, deixarão de ser eficazes em favor de terceiros interessados que tenham
contratado com a sociedade".
O Código português de 1833 declarava, por sua vez, no art. 600: "En-
quanto a escritura ou extrato social não é lançado no registo público de comér-
cio a sociedade com firma, a de capitais e indústria, e as parcerias mercantis
serão consideradas a respeito de terceiros como sociedades gerais, contraídas por
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 133

ma personalidade jurídica, sôbre a qual falamos em os ns.


610 a 612 supra.

667. Não obstante a lei atribuir existência jurídica às


sociedades irregulares, não as acolhe bem e procura dificultar-
lhes a vida para evitar fraudes.
No estado atual da nessa legislação, as sociedades irre-
gulares sofrem as se:guintes restrições ou limitações:
1.ª Os sócios, ainda que ocultos, respondem ilimitada e
solidàriamente para com terceiros, embora outra coisa seja
convencionada entre êles (1).
Assim: na sociedade em comandita sem contrato regis-
tado, o comanditário r2sponde pessoal e solidàriamente pelas
obrigações sociais e é arrastado pela falência da sociedade (2).
2.ª A sociedade não vale entre os sócios ou contra ter-
ceiros (3), e, em conseqüência, a sociedade ou os sócios indi-
vidualmente não podem propor contra os sócios ou contra
terceiros ação fundada na existência da sociedade (4), para
exigirem efeitos futuros decorrentes do contrato (veja-se n.
650 supra).

têrmo ilimitado, e sem exclusão de sócio algum da gestão social, sejam quais
forem as suas condições e estipulações acordadas".
O nosso legislador de 1850 afastou-se visivelmente do Código Comercial
francês de 1848, que, no art. 42, depois de impor as formalidades do registo e
publicação dos atos constitutivos das sociedades em nome coletivo e em coman-
dita, terminava dispondo: "Essas formalidades serão observadas, sob pena de
nulidade, relativamente aos interessados; a falta de qualquer delas não poderá,
porém, ser oposto pelos sócios contra terceiros". (Veja-se as notas de LOC~,
no Espirit du Code de Commerce, vol. 1, pág. 105).
Ao hwés de anular as sociedades irregulares, o nosso Código reconheceu-as
e foi bt:scar particularmente no Código espanhol a teoria por êste seguida.
Acreditamos que, por esquecimento dessas fontes, se tenha tornado difícil
a interpretação dos textos legais sôbre as sociedades irregulares.
(1) Cód. Com .• arts. 301, in fine, e 305, in fine.
(2) Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 6. 0 (*).
(3) Cód. Com., art. 301, in fine.
(4) Cód. Com., art. 303.
("') O Decreto-lei n. 7 .661, de 21 de junho de 1945 em seu art. 5. 0 dispõe
que o sócio solidário não é atingido pela falência da sociedade "mas fica sujeito
aos demais efeitos jurídicos que a sentença declaratória produza em relação à
sociedade falida" ...
134 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Não é tôda e qualquer ação entre os sócios ou da socie-


dade contra terceiros que deve s~r instruída com o contrato
social devidamente registada, mas somente aquela ação que,
na lição de TEIXEIRA DE FREITAS, não tiver outra causa
possível senão a existência da sociedade ( 1) .

Os sócios, desde que se fundem em título diverso do con-


trato social, não estão privados de se demandarem reclproca-

(I) TEIXEIRA DE FRENTAS, Consolidação, art. 747, nota 6; DUARTE


DE AZEVEDO, Controvérsias jurídicas, pág. 333: "é uma nulidade de futuro,
não uma nulidade de pretérito". (Cód. Com. argentino, art. 296, 2.ª alínea).
- Eis a nossa jurisprudência pacífica:
A. Ações entre os sócios, nas sociedades irregulares, são admitidas para que
êles se demandem reciprocamente pela restituição dos bens com que entraram
para a sociedade, pela partilha dos lucros havidos em comum e pela prestação
de contas. Sentença do Juiz do comércio da Côrte (CARNEIRO DE CAMPOS),
de 19 de agôsto de 1873, confirmada pelos acórdãos da Relação do Rio, de
3 de novembro de 1874 e de 10 de setembro de 1875, e pelo Supremo Tri-
bunal de Justiça, em sentença de 6 de maio de 1876 (em O Direito, vol. 11 •.
págs. 626-631); acórdão da Relação do Recife, de 17 de dezembro de 1875:
(em O Direito, vol. 11, pág. 614), e acórdão revisor da Relação da Côrte, de
18 de maio de 1877 (em O Direito, vol. 14, pág. 83); sentença do Juiz ~o
Comércio da Côrte (MACEDO SOARES), confirmada pelo acórdão da Relaçao
do Rio, de 16 de março de 1888 (em O Direito, vol. 47, pág. 241); sentença
do Juiz do Comércio de S. Paulo (DR. FERREIRA ALVES), confirmada pel?
acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de dezembro de 1892 (na Gazeta Ju1 1-
ciária de S. Paulo, vol. 1, pág. 548); sentença do Juiz de Direito da Bahia,
confirmada pelos acórdãos da Relação, de 6 de fevereiro e 10 de julho de 1885
(em O Direito, vol. 41, pág. 429); acórdãos do Tribunal de Justiça de S. Paul~>,
de 9 de setembro de 1896 (na Revista Mensal, vol. 4, pág. 35), de 28 de mato
de 1897 (na Revista Mensal, vol. 5, pág. 574); de 7 de novembro de 1896,
confirmada pelo de 29 de maio de 1897 (na Gazeta Jurídica de S. Paulo, vol.
15, págs. 243-245, e na Revista Mensal, vol. 5, págs. 614-616), de 2 de abril
de 1898 (em O Direito, vol. 85, pág. 92, e na Revista Mensal, vol. 8, pág. 37 4),
de 7 de fevereiro de 1906 (no S. Paulo Judiciário, vol. 10, pág. 136), confirmado
pelo de 18 de julho do mesmo ano (no S. Paulo Judiciário, vol. 11, pág. 322);
acórdãos da Relação do Estado do Rio, de 3 de dezembro de 1895 e 6 de julho
de 1896, na coleção anexa ao relatório do presidente dêste tribunal, págs.
129-130; acórdão do Superior Tribunal do Pará, de 30 de agôsto de 1902 (em
O Direito, vol. 94, pág. 149, e na Revista de Jurisprudência, vol. 17, pág. 358);
acórdão da 1.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 20 de setembro de 1909 (na
Revista de Direito, vol. 14, pág. 109). Contra: acórdão da Relação do Rio,
de 9 de novembro de 1886, em O Direito, vol. 42, pág. 132, que decidiu serem
competentes o fôro comum e ação ordinária para o sócio exigir do gerente a
prestação de contas, quando não houvesse contrato escrito.
~·.~
Ações da sociedade contra terceiros. As sociedades irregulares podem:
B.
a)cobrar do aceitante a importância da letra de câmbio (Sentença do
Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de agôsto de 1861, em CÂNDIDO MEN-
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 135

mente, com o fim de evitar que uns se locupletem à custa dos


outros. Não se podem escusar às obrigações já contraídas,
nem impedir o regulamento dos lucros e das perdas ou a res-
tituição das entradas, isto é, os efeitos da sociedade a respeito
do passado . Os sócios não estão proibidos de reclamar uns
dos outros, o que, como donos, condônúnos ou credores, lhes
é devido.

Existe nesses casos um princípio supremo a atender, e


não seria justo fechar as portas dos tribunais (1).

DES, Arestas, pág. 540, e em MAFRA, Jurisprudência dos Tribunais, vol. 3,


pág. 57; sentença do mesmo Tribunal, de 26 de maio de 1883, em CANDIDO
MENDES, A restos, pág. 928, e em O Direito, vol. 31, pág. 337);
b) demandar o saldo de transações comerciais (Sentença do Supremo Tri-
bunal, de 13 de julho de 1867, em CÂNDIDO MENDES, Arestas, pág. 687);
ainda que a ação seja intentada contra um sócio, desde que se refira a fatos
provenientes de transações comerciais (acórdão do Tribunal de Justiça de S.
Paulo, de 5 de fevereiro de 1898, na Revista Mensal, vol. 8, pág. 132);
c) cobrar dos seus devedores (acórdão da Relação de Pôrto Alegre, de
11 de maio de 1887, em ORLANDO, nota 383, e de 31 de outubro de 1887,
em O Direito, vol. 44, pág. 551; sentença do Juiz de Direito de S. Simão, con-
firmada pelo acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 25 de setembro de
1897, na Revista Mensal, vol. 6, págs. 359 a 361; acórdão do Superior Tribu-
nal do Rio Grande do Sul, de 7 de outubro de 1803, na Revista Jurídica dêste
Estado, vol. 5. 0 , pág. 507);
d) propor ação de reivindicação de imóveis (sentença do Juiz de Direito
de Limeira, confirmada pelo Tribunal de Justiça de S. Paulo, em acór"dão de
29 de agôsto de 1903, no S. Paulo Judiciário, vol. 2, pág. 527);
e) apresentar embargos de terceiro senhor e possuidor (acórdão do Tri-
bunal de Justiça de São Paulo, de 1 de fevereiro de 1898, na Revista Mensal,
vol. 8, pág. 115);
f) requerer o despejo de subinquilinos (acórdão da 5.ª Câmara, de 17 de
dezembro de 1926, no Arquivo Judiciário, vol. 1. 0 , pág. 135-136).
O liquidante de uma sociedade irregular pode demandar as dívidas ativas
sem exibir mandato de outros sócios ou instrumento probatório da sua nomea-
ção (acórdão da Relação do Rio, de 22 de fevereiro de 1889, e sentençai do
Supremo Tribunal de Justiça de 21 de setembro de 1889, em O Direito, vol. 50,
págs. 357 a 359; acórdão revisor da Relação de Pôrto Alegre, de 21 de feve-
reiro de 1890, em O Direito, vol. 52, pág. 56; in parte, acórdão do Tribunal
de Justiça de São Paulo, de 15 de março de 1895, na Revista Mensal, vol. 2,
pág. 316). . .
O empregado interessado pode demandar a sociedade Irregular pela parte a
que tem direito nos lucros havidos em comum (acórdão do Tribunal de Justiça
de S. Paulo, de 17 de março de 1896, na Gazeta Jurídica de S. Paulo, voI.i li,
pág. 169 e na Revista Mensal, vol. 3. 0 , págs. 28-29).
( 1 ) ' Como podem os sócios provar os seus direitos a respeito do passado
nas sociedades irregulares?
O nosso Código é omisso. O Código argentino, no art. 296, 2.ª alínea, de-
clarou que "tratando de estabelecer os seus direitos a respeito do passado,
136 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

A sociedade, porém, não pode obrigar os sócios a fazer as


entradas a que se obrigaram para que ela pre2nPha os seus
fins; um sócio, também, não pode obrigar o outro a cumprir
êste dever.
3.ª A sociedade está vedada a matrícula. (Veja-se n. 154
do 2. 0 vol. dêste Tratado) (1).
4.ª Os sócios acham-se impossibilitados de contribuir
com imóveis para a formação do capital social, porque, sendo
necessária a transcrição (veja-se n. 548 supra), esta não se
realiza sem apresentação do contrato legalizado (2).
5.ª A sociedade não pode inscrever a firma ou razão
social (3), e, portanto, incorre nas inibições expostas em o
n. 198, do 2. 0 vol., dêste Tratado.
6.ª Nenhum sócio tem o direito de, individualmente, re-
querer a falência da sociedade (4).
Eis as sanções impostas às sociedades irregulares.
Quanto ao mais, estão sujeitas às mesmas regras das so-
ciedades regulares, dissolvem-se e liquidam-se nos mesmos têr-
mos destas (5); no caso de falência, nenhuma diferença se

podiam os sócios entre si recorrer a todos os meios de prova admitidos em


matéria comercial, inclusive a testemunhal".
( 1) Esta restrição foi estabelecida pelo Dec. n. 596, de 1O de julho de
1890, art. 27, § t. 0 •
Anteriormente, a sociedade comercia' podia se matricular sem exigir o con·
trato registado. E' uma ótima prova da personalidade das sociedades irregulares.
Até antes de 1890, podiam ser negociantes matriculados.
(2) Dec. n. 340, de 2 de maio de 1890, arts. 50, § 1.0 , e 236, § 4. 0 •
( 3) Dec. n. 916, de 24 de outubro de 1890, art. 11, g.
(4) Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 9. 0 , n. 2 (•).
(5) Às sociedades irregulares aplicam-se as disposições sôbre liquidação
das sociedades regulares. Pareceres do Conselheiro SILVA COSTA e de SOUSA
RIBEIRO, na Revista Forense, vol. 5. 0 , págs. 375-3376. Diz o parecer dêste
último: "se o sócio sobrevivente estava autorizado para gerir, pode operar a
liquidação na conformidade dos arts. 344 e segs. do Cód. Com., porquanto,
embora o contrato social não registado não surtisse efeitos futuros entre os
sócios, rege, contudo, os direitos e obrigações, resultantes da sociedade de fato
havida, quer entre os ditos sócios, quer entre êles e terceiros: arg. dos arts. 301,
in fine, 303 e 304; Consolidação, nota ao art. 747, 4.ª alínea"; arg. dos acór-
dãos da Relacão do Rio, de 30 de novembro de 1885, em O Direito, vol. 39,
pág. 154, e dá sentença do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de setembro de
- · ( *) A mesma disposição no mesmo artigo do Decreto-lei n. 7 .661, de
26 de junho de 1945.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 137

observa quanto à liquidação, entre as sociedades irregulares


e as devidamente registadas.
As sociedades irregulares existem, como se f ôssem socie-
dades em nome coletivo, estando sujeitas à disciplina destas,
salvo as conseqüências específicas que a lei expressamente
lhes atribui e que ficam registadas.

668. O decreto n. 916, de 24 de outubro de 1890, no art.


3.º, parece proibir que a sociedade irregular tome firma ou
razão social, devendo aparecer exclusivamente sob o nome de
pessoa que representa. Puro engano.
Essa disposição em oposição ao próprio sistema legal, que
reconhece a personalidade das sociedades comerciais irregu-
lares. Eis porque ela tem sido letra morta.

669. Como a sociedade irregular aparece no mundo dos


negócios, e tantum valet quantum sonat, se contestada pelos
sócios, terceiros, a dizer, todos os que não são partes no con-
trato, podem ter interêsse em provar a sua existência (1). E
porque o ato escrito da sociedade não se acha arquivado no,
registo de comércio, permite a lei que se prove a sociedade

1889, em O Direito, vol. 50, pág. 358. O Juiz de Direito da 4.ª Vara Cível
em sentença, confirmada pela 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, no acórdão
de 23 de abril de 1912 (Revista de Direito, vol. 24, págs. 578-579), declarou
dissolvida uma sociedade irregular e mandou que os sócios indicassem pessoa
para exercer o cargo de liquidante. (Veja-se, também, o acórdão da Câmara Civil
de Minas Gerais, de 29 de janeiro de 1910, na Revista Forense, vol. 13,
págs. 204-205).
Contra: Não se pode pedir a liquidação da sociedade sem a exibição inicial
do contrato que é fórmula imprescindível em ações entre sócios, fundando-se a
intenção na existência da sociedade nos têrmos do art. 303 do Código Comer-
cial. E' nulo o processo que assim não se inicia. (Sentença do Supremo Tribunal
de Justiça, de 26 de agôsto de 1876, em O Direito, vol. 11, pág. 615; acórdão.
revisor da Relação do Rio, de 18 de maio de 1877, em O Direito, vol. 14,
pág. 83).
Mandou-se proceder à arrecadação dos bens de um negociante falido nos
têrmos do art. 21, § 2. 0 , do regul. n. 737, por não ter o liquidante nem o
sócio apresentado o instrumento probatório do contrato da sociedade. Presume-
se que esta não existiu. (Acórdão da Câmara Civil da Côrte de Apelação, de 30
de março de 1891, em O Direito, vol. 60, págs. 47-48).
(1) Acórdão do Trib. de Just. de S. Paulo, de 29 de agôsto de 1916, na
Revista dos Tribunais, vol. 19, pág. 78.
138 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

por todos os meios admitidos na legislação comercial e até por


presunções ( 1) .

670. O Código Comercial, no art. 305, estabelece, como


presunção da existência pretérita ou presente da sociedade,
o exercício de atos próprios destas p2ssoas jurídicas, e que
regularmente se não costumam praticar sem a qualidade so-
cial (2).
Éconveniente não perder de vista o critério da coopera-
ção ou colaboração de que falamos em o n. 529 supra, que
é o princípio dominante na sociedade.
Entre êsses atos contam-se especialmente:
1. A negociação promíscua e comum (3).
2. A aquisição, alienação, permutação ou pagamento
.comum (4).
Podemos incluir aqui, como forte presunção da existên-
cia da sociedade, a partilha dos lucros (5).
3. Se um dos associados se confessa sócio e outros o
não contradizem publicamente (6). O meio adequado para

( 1 ) Cód. Com., art. 304.


"Considerando que ... a sociedade de fato existe segundo o doe. de fls. 7,
que é o talão do pagamento do impôsto municipal, como da prova te~temunhal
produzida ... " (Sentença do Juiz de Direito de S. Simão, Dr. OTAVIO DE
MELO, confirmada pelo Tribunal de Justiça de S. Paulo, em acórdão de 25 de
-setembro de 1897, na Revista Mensal, vol. 6. 0 , págs. 359-361).
Esta prova, acham-se de acôrdo os escritores, deve ser a mais completa pos·
sível. Os antigos autores diziam que a prova das sociedades tácitas devia resultar
.ex rigidioribus argumentis, e ser, sob tôdas as relações, concludentíssima.
(2) Cód. Com., art. 305.
Ainda que praticados pelos proibidos ou incompatíveis de comerciar, êstes
atos estabelecem a presunção da sociedade e trazem a responsabilidade dos seus
.autores (veja-se n. 138 do 2. 0 vol. dêste Tratado).
Acórdão da Relação da Bahia, de 20 de março de 1888, confirmando a sen·
tença do Juiz ANFILóFIO: responde solidàriamente como sócio tácito, o empre·
gado público contra que se induz a prática de atos enumerados no art. 305 do
·Cód. Com. (em O Direito, vol. 46, pág. 42-49).
(3) Cód. Com., art. 305, n. 1.
( 4) Cód. Com., art. 305, n. 2.
(5) No Direito Inglês assim é considerada (STEVENS, The elements of
mercantile law, 3.ª ed., pág. 242), não se devendo desprezar os fatos e a
intenção das partes (MUNRO & PEASE, Commercial law, 2.ª ed., § 112).
(6) Cód. Com., art. 305, n. 3.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 139

êsse fim é a impr:..:nsa. A contradição tardia deve-se ter por


falta de cont2stação.
4. A nomeação de um administrador comum ou gerente
comum por duas ou mais pessoas (1).
5. A dissolução da associação como sociedade (2).
6. O emprêgo do pronome nós ou nosso nas cartas de
correspondência, livros, faturas, contas e mais papéis comer-
ciais (3).
7. O recebimento ou a resposta de cartas endereçadas
à firma social (4) .
8. O uso da marca comum nas fazendas ou volu-
mes (5).
9. O uso do nome com adição & Companhia (6).
Essas presunções são legais condicionais e prevalecem
como verdade, enquanto não há prova contrária (7).
A prova da existência da sociedade de fato deve ser for-
mada com muita segurança, mormente quando se trata de
arrastar à falência alguém que se tem como sócio (8).
( 1) Cód. Com., art. 305, n. 4.
(2) Cód. Com., art. 305, n. 5.
(3) Cód. Com., art. 305, n. 6.
(4) Cód. Com., art. 305, n. 7.
(5) Cód. Com., art. 305, n. 8.
(6) Cód. Com., art. 305, n. 9. E' preciso cautela no reconhecimento dêste
fato, pois, muitas vêzes, o indivíduo para fazer crer na existência da sociedade,
sendo êle o dono do estabelecimento, adota firma social. (Veja-se acórdão da
Câmara Civil da Relação de Minas Gerais, de 17 de março de 1906, na Revista
Forense, vol. 5, págs. 303-308).
(7) Regul. n. 737, art. 186 (*). Essas presunções dispensam do ônus da
prova aquêle que as tem em seu favor.
Sôbre tais presunções prevalece sempre a verdade dos fatos, uma vez
provada. Assim, se alguém obra em nome de outrem, em virtude de um man-
dato escrito, não pode ser considerado sócio, embora na correspondência epis-
tolar tenha havido o emprêgo de vocábulo n6s e nosso. (Sentença do Supremo
Tribunal de Justiça, de 12 de maio de 1886, em O Direito, vol. 40, págs. 465-466,
e acórdão revisor da Relação do Rio, de 9 de julho de 1886, em O Direito,
vol. 40, pág. 640).
(8) Acórdão da 2.ª Câmara, de 22 de setembro de 1916, na Re,·üta de
Direito, vol. 43, pág. 513.
( •) Cód. de Processo Civil, art. 251.
14-0 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

SEÇÃO III

Das alterações e modificações convencionais do contrato


de sociedade
à

Sa.múlo: - 671. Os sócios podem alterar ou modificar o


contrato social. Casos mais importantes. - 672. Com-
plemento ou integração do contrato originário. -
673. A redução do capital social. - 674. A prorro-
gação do prazo de duração. - 675. A modificação
da firma e a mudança de sede. - 676. A dissolução
antecipada. - 677. A admissão de novo sócio. ·-
678. Situação jurídica dêste sócio. - 679. O caso
de cessão da quota autorizada pelo contrato. - 680.
A retirada ou despedida do sócio. - 681. Respon-
sabilidade do sócio retirante. - 682. Retenção dos
fundos dêste sócio. - 683. Casos da exoneração da
responsabilidade do sócio retirante. - 685. Prescri-
ção. - 686. Direito Fiscal. - 687. A exdusão do
sócio. - 688. Situação jurídica do sócio excluído.
- 689. Casos em que a exclusão do sócio traz a
dissolução social. - 690. A exclusão deve constar
de ato escrito e ser registada e publicada. - 691.
O arquivamento e publicidade dos atos modificati-
vos do contrato social.

671. A1l convenções não podem ser alteradas ou modi-


ficadas sem o consentimento recíproco (concurso omnium)
dos que as formaram. Dissemos em o n. 517 supra, que é per-
mitido aos sócios, mediante resolução unânime, alterar ou
modificar o contrato orgânico, enquanto existe a socieda-
de (1).
Dentre as alterações ou modificações convencionais mais
importantes, merecem especial menção:
1. o aumento ou a redução do capital social;
2. a prorrogação do prazo de duração;
3 . a modificação da firma;
4. a mudança da sede;
5. a dissolução antecipada;
6 . a admissão de novo sócio;
7 . a retirada e despedida de sócio; e
8 . a exclusão de sócio .

(t) Tratamos aqui somente das modificações convencionais.


TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 141

Qualquer dessas modificações não importa a constituição


de sociedade diferente ou nova. (Veja-se n. 579 supra).

672. O contrato originário pode, também, ser comple-


tado ou integrado mediante acôrdo unânime dos sócios. É
muitas vêzes o meio mais prático de se fixarem regras gerais
e permanentes aconselhadas no curso da vida social. O pacto,
neste caso, pode-se dizer interpretativo, e tende simples-
mente a evitar dúvidas futuras. Não se trata de modificar ou
alterar o ato institucional da sociedade.

673. O capital conferido ab initio na sociedade pode


ser aumentado, durante esta, quer para maior desenvolvi-
mento das operações e negócios sociais, quer para separar as
perdas sobrevindas. Neste segundo caso, diz-se reintegração
do capital. O aumento depende exclusivamente da vontade de
todos os sócios .

A redução do capital social é fato de suma importância;


afeta interêsses dos sócios e, principalmente, direitos e inte-
rêsses de terceiros. O capital serve de garantia aos credores
sociais; diminuí-lo é enfraquecer esta garantia, mormente se
se trata de sociedade em que há sócio de responsabilidade
limitada. A restituição de fundos aos sócios para diminuição
do capital não poderá, portanto, ser oposta aos credores ante-
riores a êsse fato.
~t~~;;··. ~,1~.~~r~~·~,{,:,<rzct!~~,?F-?ff':J~~·:.~~~~'.;0. ~~r~~~:~:~-~~~~,,~.~~-
67 4. A prorrogação do prazo da duração da sociedade
somente é admissível enquanto esta existe e nunca depois de
extinta, isto é, se realizada antes do vencimento do prazo
contratual. Depois da expiração dêste prazo, considera-se
nova a sociedade que se forma. A êsse fato se chama reno-
vação da sociedade. Isso é muito importante, especialmente
para os efeitos fiscais (1).
142 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Prorrogado o prazo na constância da sociedade, esta con-


tinua com as mesmas pessoas, com a inesma firma, com a
mesma condição econômica e jurídica, exercendo a sua ativi-
dade por tempo mais longo do que ao princípio combina-
do (1).

675. Quanto à modificação da firma social (2), veja-se


o que ficou exposto em os ns. 194 e 195 do 2. 0 volume dêste
Tratado, e quanto à mudança da sede, em o n. 630 supra.

676.A dissolução antecipada, também dita dissolução


convencional, realiza-se antecipando os sócios, por acôrdo
unânime, a época da dissolução (fim do prazo da duração)>
estabelecida no contrato. Dá-se, assim, a revogação ou alte-
ração de uma das cláusulas dêste contrato.

677. A admissão de novo sócio. Na constância da so-


ciedade, podem os sócios de comum acôrdo admitir outros de
responsabilidade limitada ou ilimitada, quer para aumentar
o capital, quer para trazer à sociedade novo concurso de tra-
balho ou indústria.

(Aulete e Domingos Vieira); que na terminologia jurídica não tem outro sen·
tido o vocábulo prorrogação: "act pour lequel on fixe l'évenement d'~ne c~o~e:­
notarnment l'expiration d'un délai à une date plus reculée que celle qu1 ava1t ete
primitivement fixée". (DALLOZ); Considerando que não se concede prorro·
gação daquilo que já so realizou - de uma sociedade que se dissolveu,. ou d.e
um prazo que expirou; Considerando "que as sociedades reputam·se d1ssolv1·
das ... expirado o prazo ajustado de sua duração" (Código Comercial, art. 3 35);
que a expiração dêsse prazo determina, ipso facto atque jure, a dissolução da
sociedade (acórdão do Supremo Tribunal Federal, n. 441, de 11 de maio de
1907; JOÃO MONTEIRO, Apli. de Dir., pág. 186) e "produce il suo effetto
irnmediatamente si verso i socii si verso i terzi" (GIORGI, Person. giurid., vol.
6, pág. 394; VIVANTE, vol. 2. 0 , n. 726). (Na Revista de Direito, vol. 19,
pág. 356).
( 1 ) Se na prorrogação se der o acréscimo do capital, deve ser pago o sêlo
proporcional sôbre êste acréscimo. (Decreto n. 3.564, de 22 de janeiro de 1900,
art. 4. 0 , n. 10) ("').
(2) A modificação da sociedade pela retirada ou saída de algum sócio
continuando nela os outros sócios, não importa mudança da pessoa jurídica
(acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 16 de março de 1912, no
S. Paulo Judiciário, vol. 28, pá.g. 257, e na Revista dos Tribunais (S. Paulo),
vol. 1. 0 , págs. 374 e 375).
(•) Decreto n. 32.392, de 9 de março de 1953, art. 110 da tabela.
TRATAfJ(J DE DIREITO COMERCIAL BRASILEffiO 143

A admissão faz-se por meio de modificação no contrato


primordial, passando-se novo instrumento com as formalida-
des dêste (1).
Atenda-se a que, se, com o fato da admissão do novo
sócio, a sociedade muda de tipo ou forma em virtude da
qualidade que êste sócio assume, não se trata mais de sim-
ples modificação contratual, porém de· transformação da so-
ciedade (vejam-se ns. 578-579 supra).

678. Qual a situação jurídica do novo sócio, sendo êste


de responsabilidade ilimitada? É obrigado pelas dívidas so-
ciais existentes ao tempo em que aderiu à sociedade?
O Código não a definiu e daí duas opiniões a êsse res-
peito.
Entendem uns que o art. 316 do Código, obrigando indis-
tintamente todos os sócios de responsabilidade ilimitada pelas
dívidas sociais, resolve a dúvida.
Argumentam, ainda, dizendo que a sociedade, pessoa ju-
rídica, distinta dos sócios, continua a mesma, qualquer que
seja o número dos sócios novamente admitidos; que a respon-
sabilidade é da sociedade e só subsidiàriamente dos sócios;
que sem a responsabilidade dos novos sócios, não somente
desapareceria a garantia de terceiros, como se tomaria impos-
sível estabelecer com exatidão a responsabilidade dêstes só-
cios, porque a sociedade prossegue sem interrupção os seus
negócios e não há liquidação que possa distinguir responsa-
bilidades anteriores e posteriores à admissão; que, finalmen-
te, adquirindo os novos sócios vantagens com a sua partici-
pação na sociedade, devem suportar os ônus, isto é, devem
suceder no ativo e passivo do patrimônio social.
Pensam outros que o novo sócio não é responsável pelas
obrigações sociais anteriores à sua admissão, invocando o
paralelismo entre o sócio retirante e o entrante. O retirante
não se obriga pelas dívidas sociais futuras depois da publica-
ção do ato modificativo da sociedade; pela mesma razão de-
{l) Cód. Com., art. 307, 2.ª alínea.
144 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

,ve-se exonerar das dívidas anteriores o sócio que adere à so-


ciedade. A situação é rigorosamente idêntica nos dois casos.
Trata-se, em resumo, de saber se é possível responsabi-
lizar alguém em razão de atos que lhe são completamente
.alheios, dos quais não participou; a posição do sócio retirante
e a do novo sócio são as mesmas.
A solidariedade supõe co-devedores, tendo contraído a
mesma obrigação vis-à-vis do credor. Nas sociedades, a soli-
dariedade supõe sócios contemporâneos. 1
Aquêle que adere à sociedade, não tomou parte na obri-
gação pelo simples fato de não ser ainda sócio. Parece con-
trasenso dar fôrça retroativa à qualidade de sócio (1).
Terceiros, contratando com a sociedade, apreciam os ele-
mentos atuais desta, entre os quais se conta a responsabili-
dade pessoal, indefinida e solidária dos sócios. Não entra em
linha de conta a eventualidade, inteiramente problemática,
da adjunção possível de novo sócio .
Argumentam, ainda, não ser razoável que o novo sócio
se responsabilize pelas obrigações contraídas por uma firma
da qual não fazia parte, e justo que, não tendo tido lucros
anteriores, venha experimentar os prejuízos correlatos a êstes
lucros (2).
Podem trazer em defesa desta última opinião o art. 329
do Código Comercial, onde se estabelece que a responsabili-
dade dos sócios começa da data do contrato ou da época nêle
designada. Ora, para o novo sócio, a data do contrato é a do
contrato modificativo do institucional, é a da sua admissão.
tsse é o ponto de partida da sua responsabilidade.
Como se trata de ponto duvidoso, a prudência aconselha
que o novo sócio declare expressamente, no contrato social,

( 1) "Cest la qualité d'associé qui entraine la responsabilité, mais ce titre,


le nouveau membre ne l'acquiert qu'au moment de son entrée dans la société,
c'est-à dire, pour les actes subséquents. Le charger d'une portion quelconque du
passif déja formé, mais ce serait faire rétroagir sa qualité d'associé! C'est impos-
sible" (AMIOT, nas Anna/es de Droil Commercia/, 1900, pág. 287) .
(2) Consulte-se o interessante estudo de AMIOT, De la responsabilité à
raison du passif social déjá formé du nouvel associé qui entre dans une sociét~
e11 co1irs d'entreprise, in Annales de Droil Commercial, 1900, págs. 281-309.
(Veja-se também ARTHUYS, Traité des sociétés commerciales, vol. l.º, n. 256).
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 145

que a sua responsabilidade não abrange as dívidas anteriores


à sua admissão.
A primeira doutrina prevaleceu e foi adotada pelo Cód.
Comercial italiano, art. 78 (1), pelo Cód. Comercial alemão,
art. 130, pelo Cód. Federal Suíço das Obrigações, art. 565 (2),
pelo Código húngaro, art. 80, e pelo romeno, art. 79. Na
França, os autores divergem (3) . Na Inglaterra, o sócio que
é admitido (incoming partner) não é responsável pelas dívi-
das sociais anteriores à sua entrada na sociedade, salvo con-
venção especial (4) .

679. Caso especial da admissão de sócio é o da cessão


da quota social nos têrmos expostos em o n. 642 supra.
Se o sócio com o consentimento expresso dos outros cede
a terceiro a sua quota, isto é, os seus direitos e interêsses na
sociedade, quais os efeitos da cessão?
O concessionário toma o lugar do cedente e assume des-
de então tôda a responsabilidade relativamente aos outros
sócios.
O cedente fica liberto de obrigações relativamente aos
ex-sócios.
Quanto a terceiros, porém, a situação é outra. O cedente
continua obrigado por tôdas as dívidas sociais, não obstante
o registo e publicação do contrato modificativo na Junta
Comercial, salvo se:
a) todos os credores sociais então existentes consenti-
rem na cessão, ou
b) se êstes credores fizerem com a sociedade, composta
de outros sócios, nevação de contrato ou com ela continua-

( 1) Leia-se a defesa dêste artigo em VIDARI, Corso di diritto commer-


ciale, vol. 1, (5.ª ed.), n. 989 e segs.
(2) BLUNTSCHILI, justificando o Código suíço, diz que a "razão social
simboliza a persistência do ente coletivo e os indivíduos que êste engloba devem
ser obrigados como o próprio ente coletivo e sujeitos à mesma responsabilidade"
(apud ROSSEL, no Manuel du droit civil suisse, vol. 3. 0 , pág. 616).
(3) Consultem-se: ROUSSEAU, Des sociétés comerciales, vol. l.º, n. 896;
LYON-CAEN et RENAULT, Traité de droit commercial, 4.ª ed., vol. 2.º, P. 1,
número 277.
(4) STEVENS, The elements o/ mercanti!~ law, 3.ª ed., pág. 247.
146 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

rem a comerciar, depois daquele registo, publicação e aviso,


indicando ter confiança no seu crédito (1). (Veja-se n. 684,
infra).

680. A retirada ou despedida do sócio. Nas sociedades,


que não revestem a forma anônima, os sócios fazem parte
da sociedade até à sua dissolução e final liquidação, onde
apuram os seus interêsses. Razões, entretanto, podem haver,
em vantagem d:i sociedade e dos sócios, que aconselhem a
retirada ou despeuida de um dêstes.
A retirada ou despedida do sócio, continuando a socie-
dade, pode dar-se em virtude:
l.º do consentimento unânime expresso de todos os
sócios; ou
2. 0 de cláusula contratual que a autorize.
A retirada do sócio continuando os outros com o mesmo
negócio, não importa constituição de nova sociedade entre
êstes (2); -equivale, no que lhe diz respeito, à dissolução e
liquidação da sociedade.

681. O sócio que se retira ou despede fica responsável


pelo passivo anterior à sua retirada, isto é, pelas obrigações
contraídas e perdas havidas até o momento da despedida (3);

( 1) Arg. dos arts. 339 e 343 do Cód. Com. e do art. 6. 0 da Lei n .. 2.024,
de 17 de dezembro de 1908.
Escritores franceses entendem que, se no contrato social é estipulada a fa-
culdade da cessão, o cedente fica também exonerado vis-à-vis de terceiros, visto
como os que trataram com a sociedade aceitaram antecipadamente a substituição
(ARTHUYS, Traité des sociétés commerciales, vol. 1, n. 220).
PIC, Des sociétés commerciales, vol. J, n. 364, entende que, no Direito
Francês, esta cláusula estatutária é mais radical que o consentimento unânime
dos sócios por ocasião da cessão. e.ste consentimento liberta o cedente somente
para o futuro; ao passo que a cessão efetuada em virtude da cláusula contratual
coloca o cessionário na posição do cedente, que fica liberto também pelo pas-
sado, por efeito da delegação, e o cessionário é sub-rogado ativa e passivamente
em todos os seus direitos como em tôdas as suas obrigações.
(2) Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 24 de julho de 1917.
na Revista dos Tribunais, vol. 23, pág. 273.
(3) Código Comercial, art. 339.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 147

não responde, porém, pelas obrigações novas, desde que seja


publicado o contrato modificativo da sociedade (n. 691 infra)
e o seu nome não fique na firma social ou seja riscado desta
(n. 645 supra).

682. A sociedade, para sua garantia, tem o direito de


reter os fundos e interêsses (quota do capital e lucros) do
sócio que se retira, até à liquidação de tôdas as negociações
pendmtes iniciadas antes da retirada (1).
683. Se, na ocasião da despedida ou retirada do sócio,
os outros sócios, que ficam na sociedade ou que sucederem a
esta, o exoneram das responsabilidades para com terceiros, êste
ajuste ou ressalva não prejudica êstes terceiros (2), nem evita
que, falindo a sociedade, o sócio retirante, de responsabili-
dade ilimitada, seja também declarado falido (3).
A ressalva vale entre os contratantes e o sócio retirante
pode exigir dos que ficam na sociedade a indenização por per-
das e danos (4).
684. O sócio retirante fica, porém, desonerado:
1. ) se os credores existentes ao tempo da retirada con-
0

cordarem expressamente com a ressalva (5).


2. 0 ) se os mesmos credores novarem os seus contratos
com os sócios que ficarem na sociedade sob a mesma ou outra
firma ou que individualmente assumirem as responsabilida-
des sociais (6);
3.º) se os mesmos credores continuarem a negociar com
a sociedade ou com os sócios sucessores, indicando ter con-
fiança no seu crédito (7).

( 1) Cód. Com., art. 339.


(2) Cód. Com., art. 343. O mesmo no Direito Inglês, ut STEVENS, The
elements of mercantile law, 3.ª ed., págs. 245-246.
(3) Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 6. 0 ( • ) .
(4) Assim é no Direito Inglês, ut STEVENS, Tire elements o/ merca11-
rile law, pág. 246.
(5-6-7) Cód. Com., art. 343; Lei n. 2.024, de 1908, art. 6. 0 ( . . ).
O recebimento da quantia em pagamento não constitui uma transação nos
têrmos do art. 343 do Cód. Com. (Sentença do Juiz do Comércio da Côrte
(*) O Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945 dispõe de maneira
diversa, em seu art. 5. 0 •
(º) Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 5. 0 , parágrafo único.
148 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Está subentendido que para se dar o consentimento tácito


dos credores é essencial que êstes tenham ciência da retirada
do sócio, por meio do registo e cons~qüente publicidade (1).
Outrossim, a publicação do distrato social não é por si só
a prova do consentimento tácito; é essencial a prática de atos
com a sociedade ou com sócios sucessores subseqüentes a
esta publicação (2).
685. Registado o contrato em que se ajusta a retirada
do sócio, a ação de terceiros contra êste prescreve no fim de
cinco anos a contar da data do registo e da sua publicação
oficial e particular, salvo se a ação fôr dependente de outra
proposta em tempo competente (3). Assim é porque na parte
referente ao sócio retirante existe urna dissolução e liquida-
ção da sociedade.
686.. Direito Fiscal. No caso de retirada de um ou mais
sócios, continuando a sociedade com o mesmo contrato, a
importância que fôr levantada por aquêles paga o sêlo pro-
porcional da tabela A, § 1.º do decreto n. 3.564, de 22 de ja-
neiro de 1900 (art. 4. 0 , n. 11, dêste decreto) (*).
687 . A exclusão do sócio pode dar-se nos casos se-
guintes:
1.º Se o sócio não entra para o capital social com a
quota ou contingente a que se obrigou nos prazos e pela
forma estipulada no contrato (4). (Veja-se n. 553 supra). O
primeiro ato da sociedade deve ser o de constituir judicial-
mente em mora o sócio remisso .

(BENTO LISBOA), confirmada pelo acórdão da Relação do Rio, de 8 de abril


de 1881, em O Direito, vol. 25, págs. 467-470.
( 1) Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 29 de outubro
de 1909, na Revista de Direito, vol. 14, pág. 576; acórdão do Tribunal de Jus-
tiça de S. Paulo, de 2 de setembro de 1899, na Gazeta Jurídica de S. Paulo, vol.
23, pág. 74.
(2) Acórdão da l.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 22 de junho de
1911, na Revista de Direito, vol. 21, pág. 176.
(3) Cód. Com., art. 444.
( 4) Cód. Com., art. 289. Os sócios podem, em vez de excluir o sócio
remisso, demandá-lo pela quota com perdas e danos.
( •) Decreto n. 32.392, arl 11 O da tabela.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 149

2. 0 Se o sócio de indústria sem autorização expressa no


contrato social, se emprega em operação comercial estranha
à sociedade (1). (Veja-se n. 597 supra).
3.º Se fôr pactuado no contrato social que a maioria
dos sócios pode destituir ou excluir qualquer dêles em dadas
circunstâncias. Se se pode estipular no contrato de socieda-
de que, retirado um sócio, a sociedade continue a subsistir
entre os demais (cláusula comum especial para o caso de
morte), é também lícito pactuar a exclusão de um sócio pelo
voto da maioria em casos especiais cogitados no mesmo con-
trato. A sociedade regula-se pela convenção das partes sem-
pre que esta não fôr contraditória às leis comerciais (n. 510
supra). Que a cláusula é lícita não há dúvida; ela admite-se
na cooperativa, se se inclui no ato constitutivo (2).
O Código Comercial, refere-se, no art. 339, ao caso em
que o sócio é despedido com causa justificada.
O meio de direito que tem o sócio assim excluído é a ação
ordinária para anular a deliberação da maioria dos sócios,
provando que esta não atendeu nem respeitou os têrmos do
contrato social (3), e exigir os danos pela infração contratual.

688. O sócio excluído fica equiparado ao sócio retirante


quanto às responsabilidades para com terceiros (veja-se n.
681, supra), podendo a sociedade reter os fundos que lhe per-
tencem para sua garantia (4).

(1) Cód. Com., art. 317, 2. ª alínea.


(2) Lei n. 1.637, de 5 de janeiro de 1907, art. 14, n. 6 e 18, § 3. 0 (*).
No Direito francês, LYON-CAEN et RENAULT, Traité de droit commercial,
4.ª edição, vol. 2. 0 , P. I, n. 351, admite a validade da cláusula.
(3) Pareceres de RUI BARBOSA e de LAFA YETTE (no Jornal do
Comércio, de 9 de fevereiro de 1900), e do VISCONDE DE OURO PR.e.TO
(no Jornal do Comércio, de 22 de fevereiro de 1900).
( 4) Cód. Com., art. 339, verbis: "ou fôr despedido com causa justi-
ficada".
(*) Decreto-lei n. 22.239, de 19-12-32 (Revigorado pelo de n. 8.401, de
19-12-1945) arts. 6. 0 , ns. 6 e 19.
150 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
~~~~~~~~~~-

Está subentendido que, continuando a sociedade, o sócio


excluído não pode exigir a liquidação desta, e, possuindo have-
ffS na sociedade, não tem direito a uma quota proporcional
dos próprios bens sociais, mas à quantia em dinheiro que
representa o valor dessa quota (1).

689. Muitas vêzes a exclusão do soc10 nos casos men-


cionados em o n. 687, supra traz necessàriamente a dissolução
da sociedade, e não raro a impossibilidade da sua continua-
ção. Assim: se a sociedade se compõe de dois sócios, e um
dêles não ent:ra com a quota, excluído êste, aquela não pode
subsistir; quando muito o sócio, que cumpriu as cláusulas do
contrato, pode continuar com o negócio individualmente. Se
o sócio de indústria representa a parte mais apreciável, em
virtude de sua capacidade e habilidade técnicas, que dá im-
pulso ao comércio exercido pela sociedade, excluído êste sócio,
a sociedade está fatalmente condenada a perecer. Não po-
dendo preencher o intuito e fim, o caminho é a dissolução
(Cód., art. 336, n. 1).

690. A exclusão do soc10 deve constar de ato escrito


registado e publicado na forma adiante dita.

691. Do arquivamento e da publicidade dos atos modi-


ficativos do contrato social. Tôda e qualquer modificação ou
alteração que se fizer no contrato de sociedade exige, para
que produza os seus efeitos para com terceiros, novo instru-
mento, passado e legalizado com as formalidades do contrato
primordial (2).

Entre estas formalidades, estão o registo (ns. 659-662


supra e n. 213 do 1.0 volume, 2.ª edição dêste Tratado) e a
publicidade (n. 663 supra).

(1) Cód. Com. italiano, no art. 187, é expresso a êsse respeito.


(2) Cód. Com., art. 307.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 151

CAP1TULO II

Das sociedades em nome coletivo

Somúlo: - 692. A origem histórica da sociedade cm nome


coletivo, objeto dêste capitulo.

692. A origem histórica da sociedade em nome coletivo,


segundo a opinião mais provável, encontra-se no comércio
italiano da Idade Média. O Direito Romano não a conhecia;
ao contrário, regulava as sociedades de modo diverso da orga-
nização atual daquele tipo, hoje clássico.

Parece que as sociedades denominadas familiares na Ida-


de Média, serviram de modêlo às sociedades em nome cole-
tivo. Aquelas não visavam especular, mas conservar a admi-
nistração unitária da propriedade comum, ordinàriamente o
patrimônio hereditário, mantendo a responsabilidade ilimi-
tada dos sócios. Os comerciante aproveitaram essa organi-
zação, desenvolveram-na e adaptaram-na aos fins comerciais.
Mais tarde, a jurisprudência confirmou a sua obra. Nas orde-
nanças francesas regularam-se as sociedades em nome cole-
tivo, passando para o Código francês, e mais legislações que
o tomaram para fonte (1).

O nosso Código ocupa-se dessas sociedades em dois sim-


ples artigos, 315 e 316.

É o estudo das suas peculiaridades o objeto do presente


capítulo.

( 1) Consultem-se para breve resumo: VIV ANTE, Trattato di Diritto


Commerciale, 3.ª ed., vol. 2. 0 , n. 358; NAVARRINI, Commentario ai Codice di
commercio (ed. de Milão), vol. 2, n. 162, e GU:f:RIN, na Revue Critique,
1902, pág. 255.
152 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
~--~~~~~~~~~~~~~--~~~~~~~~~-

SEÇÃO I

Das noções fundamentais s6bre as sociedades em


nome coletivo

Sumário: - 693. O caracterlsticos fundamental da wcieda<~c


em nome coletivo. - 694. Definição do Código: cri-
tica. - 695. Nulidade de cláusulas contrárias àque-
le característico. - 696. Perigos da sociedade em
nome coleth·o. - 697. Não há necessidade de qu.i-
liflcar-se esta sociedade no contrato.

693 . A mais simples das sociedades comerciais, tanto


na estrutura como nas funções, é a sociedade em nome co-
letivo.

O seu patrimônio é a garantia primeira e exclusiva dos


credores sociais .

Na falta ou deficiência eventual dêsse patrimônio, cada


um dos sócios responde, com o patrimônio individual, inde-
finida e solidàriamente pela totalidade das obrigações con-
traídas em nome da sociedade. É a garantia subsidiária. Os
sócios respondem ultra vires societatis, exerçam ou não a
administração; completam e reforçam com o seu crédito o
crédito social.

Essa garantia subsidiária, ilimitada e solidária é o carac-


terístico fundamental da sociedade em nome coletivo (1).
Nenhuma outra forma de sociedade apresenta a extraordi-
nária vantagem de estender o risco sôbre o patrimônio inteiro
de todos os sócios.

694. O Código Comercial, no art. 315, diz: "Existe so-


ciedade em nome coletivo ou com firma, quando duas ou mais

( 1 ) "O caráter ou distintivo da sociedade em nome coletivo consiste na


responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios para com terceiros pelas obri-
gações ou dívidas sociais". Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 13
de junho de 1903, no S. Paulo Judiciário, vol. 2. 0 , pág. 267. (Veja-se o nú-
mero 614 supra).
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 153

pessoas, ainda que algumas não sejam comerciantes, se unem


para comerciar em comum debaixo de uma firma social".
Esta disposição ressente-se de graves defeitos, tanto na
redação como no fundo (1) .
Em primeiro lugar, a definição aplica-se igualmente às
sociedades em comandita, visto que, também nestas, duas ou
mais pessoas se unem, formando uma sociedade para exercer
o comércio debaixo de firma social.
Em segundo lugar, a sinonímia que o Código estabelece
entre sociedade em nome coletivo e sociedade com firma não
é exata, porquanto as sociedades em comandita simples ou
por ações e as de capital e indústria, também têm firma.
Acresce que a firma social não é da essência da socie-
dade em nome coletivo, conquanto o seja da sua natureza.
A lei permite que terceiros provem, pelos meios admitidos
em Direito, inclusive presunções fundadas em fatos, a exis-
tência da sociedade em nome coletivo (n. 699 supra) e dêste
modo se garantem com a obrigação solidária dos sócios.
O que imprime o caráter distintivo, próprio da sociedade
em nome coletivo, repetimos, é a responsabilidade ilimitada e
solidária dos sócios para com terceiros pelas obrigações con-
traídas em nome da sociedade, figurem ou não os nomes dês-
tes sócios na firma ou razão social .
695. A responsabilidade ilimitada e ao mesmo tempo
solidária é da essência das sociedades em nome coletivo. Daí
a seguinte conseqüência: seria nula ou inoperante para com
terceiros qualquer cláusula que, no contrato, libertasse, direta

( 1 ) O no!õso Código copiou a definição do Código Comercial Francês no


art. 20: "os exemplos são perigosos, pondera VIDARI. Quando o êrro é aco-
lhido em uma legislação de muita autoridade, fàcilmente é repetido quase sem
exame por muitas outras leis. O que acontece com a sociedade em nome coletivo
é prova evidente". (Corso di Diritto Commerciale, vol. l.º, 5. 0 ed., n. 865).
Em igual censura incorre o art. 15 da Lei Belga de 1873, ao definir a socie-
dade em nome coletivo. Vejam-se as definições expurgadas de vícios, dos Códs.
Espanhol, art. 127; Italiano, art. 76, n. 1; Federal Suíço das Obrigações, art.
552; Húngaro, art. 64).
154 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

ou indiretamente, um ou mais sócios da responsabilidade pes-


soal indefinida ou excluísse a solidariedade para com terceiros
ou a limitasse a certas categorias de obrigações sociais, por
mais conhecida que fôsse a cláusula, em razão da publicidade
do registo do comércio (1) .

696. A sociedade em nome coletivo, em virtude das sé-


rias responsabilidades que acarreta para os sócios, compro-
metendo-lhes a fortuna, não raras vêzes até pelo abuso de
um dêles, funda-se na confiança recíproca das pessoas que
a constituem, sempre em número limitado, ocupando-se to-
dos, mais ou menos, com a administração ou gestão social,
que, em regra, é inteligente e econômica.
Se, por um lado, ela oferece a terceiros a segurança de
que todos os sócios se empenham no bom êxito dos negócios
sociais, em virtude da responsabilidade pessoal de cada um,
_por outro fica na dependência da ação individual dos sócios,
que podem, de momento, ser afastados pela morte ou molés-
tia, se a discórdia entre êles não vier entravar a marcha dos
negócios. Daí a pequena fôrça de expansão da sociedade em
nome coletivo.
O crédito desta sociedade, em virtude da sua organização,
está escravizado ao crédito individual dos sócios, e o registo
do comércio, embora dê a conhecer o capital da sociedade,
não denuncia as fôrças do patrimônio dos sócios que a com-
põem.
Acresce: o patrimônio individual dêstes sócios, valioso na
época da constituição da sociedade, pode diminuir ou per-
·der-se, devido à má administração ou eventualidades. Tudo
isso passa despercebido a terceiros, que tratam com a socie-
dade, e êstes, contando com a garantia dos sócios, acham-se
em branco ... sociedade falida ... sócios insolventes ...
Neste mundo tôdas as coisas têm o seu lado bom e o seu
lado mau.

( 1) Alguns códigos proíbem expressamente a cláusula exclusiva de soli-


dari~ade: Alemão, art. 128; Húngaro, art. 88, alínea 2.ª; Federal Suíço das
Obrigações, art. 564.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 155

697. Para que se caracterize a sociedade em nome cole-


tivo não é mister que se a qualifique expressamente no con-
trato social. Basta que dêste contrato não conste restrição
alguma da responsabilidade pessoal dos sócios. Ela é a socie-
dade comercial de direito comum (1).

SEÇÃO II

Da firma ou razão das sociedades em nome coletivo

Sumário: - 698. Razão de ordem. - 699. Que deve con:er


a firma ou razão da sociedade em nome coletivo. -
700. A firma ou razão social deve exprimir a rea-
lidade. - 701. O aditamento pode ser outro que o
"e Companhia". - 702. O art. 3. 0 , § 1. 0 do De-
creto n. 916.

698 . Em o n. 654, 4. ª alínea, supra, estabelecemos os


princípios gerais sôbre a composição das firmas das socieda-
des comerciais .
Diremos aqui, especialmente, sôbre a firma ou razão das
sociedades em nome coletivo.

699 . A firma ou razão das sociedades em nome coletivo


deve conter:
1. os nomes ou as firmas de todos os sócios, ou,
2 . pelo menos, o nome ou a firma de um, com o adita-
mento "e Companhia" por extenso ou abreviado "& Cia." (2).
Exemplos: A firma Silva, Melo & Amaral particulariza
todos os sócios. Contemplar o nome de todos nem sempre se-
ria cômodo . Imaginemos os nomes dos cinco sócios, Silva,

(1) LYON-CAEN et RENAULT, Traité de Droit Commercial, 4.ª ed.,


vol. 2. 0 , P. 1, n. 150.
(2) Dec. n. 916, de 24 de outubro de 1890, art. 3.0 , §1 1. 0 •
Conferem os Códigos Comerciais: Alemão, art. 19, 1.ª alínea; Húngaro,
art. 13, 1.ª alínea; Português, art. 21; e Federal Suíço das Obrigações, art. 869.
156 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Melo, Amaral, Nogueira & Queiroz constituindo a firma so-


cial. A lei permite, então, abreviar: Silva & Companhia ou
Silva, Melo & Cia., etc.

700. A firma ou razão social deve ser, quanto possível,


a imagem fiel das pessoas responsáveis, que ela denuncia. É
êsse o alvo, do qual a lei se não afasta. Se se não pode exigir
que a firma diga tudo, ao menos deve exprimir o que corres-
ponda à verdade ou à realidade .
Conhecido o escopo da lei, é fácil solver as dúvidas oriun-
das da obscuridade na redação do art. 3. 0 , § 1. 0 , do decreto
n. 916, de 24 de outubro de 1890.
Irregular seria a firma que, individualizando os nomes
dos sócios, denotasse a existência de dois, quando, realmente,
a sociedade se compusesse de maior número. Exemplo: a
sociedade composta de SILVA, MELO e AMARAL, não pode-
ria adotar a firma Silva & Melo ou Silva & Amaral (1).
Dois irmãos associados, PEDRO e JOÃO, não poderiam
organizar a firma Pedro, João & Irmão; não haveria, porém,
inconveniente se a formulassem assim: Pedro & João ou Pe-
dro & Irmão (2).
A firma é sempre irregular Ee faz supor um estado de
coisas não conforme à realidade ou se aos terceiros dissimula
fatos, que lhes importa conhecer à primeira vista (3).

701. Parece que a lei não autoriza outro aditamento


que o & Companhia (por extenso) ou & Cia. (abreviado).
Não há, porém, inconveniente, em que se componham
firmas sob estas fórmulas: Silva & Irmão, Melo & Genro,

(1) Veja-se o caso ASCHOFF & GUINLE, em a nota l, à pág. 34 do


l.º vol., 2.ª edição dêste Tratado.
(2) Uma sociedade em nome coletivo, composta de duas pessoas somente,
não pode adotar a firma "N. N. & Consortes". A firma não deve conter nenhuma
indicação contrária à verdade. E' o que se observa na Suíça. (DE SALIS &
BOREL, Le Droit Fédéral Suisse, i.a ed., vol. 4. 0 , n. 1.643).
(3) LE FORT, Registre du Commerce et Raisons de Commerce, pág. 226.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 157

Nogueira & d2sde que realmente se dê entre os sócios


Filho~,
o parentesco que denunciam.
O fim da lei é impedir firmas simuladas.
Que fórmulas mais expressivas para traduzirem a socie-
dade entre irmãos que a de Oliveira & Irmão, de um pai com
os filhos que a de Oliveira & Filhos?
A lei cogitou do aditamento mais freqüente - & Com-
panhia - ; não quis, certamente, proibir o uso de outros que
significassem a idéia de sociedade .
Ela devia se limitar a exigir, como fizeram os Códigos
alemão, art. 19, húngaro, art. 13, l.ª alínêa, e o Federal Suíço
das Obrigações, art. 869, a menção ou o aditamento que indi-
casse a existência de uma sociedade.
É mister nunca perder de vista que a firma deve expri-
mir a realidade. Se se retira da sociedade que gira sob a
firma Silva & Irmão um dos sócios, sendo substituído por
estranho, ela tem de forçosamente alterar a firma, visto não
corresponder à verdade (veja-se n. 194, do 2.º volume dêste
Tratado).
Um dos irmãos Oliveira ficando sozinho com o negócio
não poderia mais usar a firma Oliveira & Irmão (veja-se n.
189, do 2. 0 volume dêste Tratado).
702. O decreto n. 916, de 24 de outubro de 1890, no
art. 3. 0 , § 1.0 , declara ainda que da firma da sociedade em
nome coletivo não pode fazer parte pessoa não comerciante.
Não compreendemos o alcance da disposição ante os
novos princípios jurídicos, adotados por êsse decreto e pelo
seu irmão gêmeo, o de n. 917, que regulou a matéria de fa-
lências, hoje substituído pela lei n. 2.024, de 17 de dezembro
de 1908 (*).
Não se pode considerar, em boa doutrina, como comer-
ciantes os sócios solidários (veja-se nota 3 da pág. 90 do 2. 0
volume, 2.ª ed. dêste Tratado), e muito menos exigir que os
sócios da sociedade em nome coletivo sejam comerciantes.

(•) Regula hoje as falências o Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de


1945, que por sua vez susbstituiu a Lei n. 5.746, de 9 de dezembro de 1929,
posterior à Lei o. 2.024, de 1908.
158 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

SEÇÃO III

Da administraçiío das sociedades em nome coletivo

Sumário: - 703. Os sócios gerentes. - 704. Nilo pode ser


gerente pessoa estranha à sociedade. - 705. Gerên-
cia de mais de uma sociedade. - 706. O cargo de
gerente é pessoal. - 707. Sômente os sócios geren-
tes podem administrar a sociedade. - 708. Esped-
ficação das funções de cada sócio. - 709. A admi-
nistração não o'erece solução de continuidade. _
710. O sócio gerente obriga a sociedade para com
terceiros. - 711. Quando não obriga. - 712. Abu-
so da firma social. - 713. Continuação. - 714. Po-
deres dos gerentes. - 715. Atos que os gerentes nã.J
podem praticar. - 716. Limitação dos poderes dos
gerentes. - 717. O gerente pode contratar consigo
mesmo. - 718. Remuneração dos gerentes. - 719.
Prestação de contas.

703. Os administradores das sociedades em nome cole-


tivo denominam-se sócios gerentes ou simplesmentes geren-
tes (1). Em nosso antigo Direito, o sócio gerente chamava-se
caixa (2) . O Código Comercial serve-se da sinonímia no
art. 309.

Os gerentes personificam a sociedade, são os seus órgãos


(n. 608 supra) e empregam a firma social (3); por intermédio
dêles, a sociedade entra em relações com terceiros, praticando
todos os atos concernentes aos fins da sua substituição (4).
Alguns escritores atribuem a êsses sócios gerentes a verda-

( 1) Nas sociedades anônimas o nome técnico-legal é administrador (Dec.


n. 434, de 4 de julho de 1891, art. 97 et passim) ( •).
(2) SILVA LISBOA, Princípios de Direito Mercan!il, ed. CÂNDIDO
MENDES, vol. 2. 0 , pág. 501; FERREIRA BORGES, Dicionário Jurídico Co-
mercial, verb. Caixa.
(3) Dec. n. 916, de 24 de outubro de 1890, art. 2. 0 , onde se define a
firma (vejam-se ns. 173 e 176 do 2. 0 vol. dêste Tratado); Cód. Comercial, art.
302, n. 3, onde se mostra a necessidade de determinar a firma social no coo·
trato da sociedade e se estabelece a sinonímia entre usar a firma e gerir em
nome da sociedade.
( 4) Tradição histórica constante dá aos administradores o caráter de
mandatários. Hoje se dizem órgãos da sociedade.
(•) Hoje diretor. (Decreto-lei n. 2.627, de 26-9-1940, art. 116).
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASil.,EffiO 159

deira figura do institor (VIDARI, I, n. 1.047). É a tradição


romana, que qualificava - magistri - os administradores
da sociedade - item magistri societatum pactum et prodesse
et obesse constat (lei n. 14, Dig., de pactis); cui prrecipua
cura rerum incumbit et qui magis quam creteri, diligent,am
et solicitudinem rebus quibus prresunt, debent, hi maoistri
appellantur (lei n. 57, Dig., de verb. signif.). CASAREGIS'
chamava o sócio gerente socius institor, ou também socius
et aàministrator.
~sses gerentes, órgãos da sociedade, não são os gerentes,
dos quais falamos em os ns. 454 e 473-478 do 2. 0 volume,
dêste Tratado, auxiliares, empregados, prepostos da sociedade
(vejam-se ns. 455, letra b do 2. 0 volume, e 608 supra).

704. O gerente ou os gerentes da sociedade em nome


coletivo são nomeados dentre os sócios no ato institucional
da sociedade (veja-se n. 654 supra) (1).
A gerência é confiada a um ou mais sócios ou a todos,
singular ou coletivamente. Pode estipular-se que o gerente
seja o sócio que a maioria designar.
Se, no contrato, se não designa de modo nominal o ge-
rente, entende-se que todos os sócios podem singularmente
gerir a sociedade, e, nesta qualidade, empregar a firma so-
cial (2) . Todo sócio é gerente.

( 1) Cód. Com., art. 302, n. 3.


(2) Cód. Com., arts. 302, n. 3 e 316, 2. 8 alínea. O acórdão da Câmara
Civil da Côrte de Apelação, de 16 de julho de 1898, querendo explicar êste
dispositivo legal diz: "e. uma exceção ao direito comum, reclamada pelo inte-
rêsse do crédito, e que assenta na presunção de que os sócios, pelo fato da
sociedade, constitufram-se mandatários uns dos outros, dando-se reciprocamente
poderes de obrigar solidária e indefinidamente. entre si, e para com terceiros,
para todos os fins legítimos da sociedade". (Revista de Jurisprudência, vol. 3. 0 •
págs. 336-339).
Esta explicaçf;o é muito complicada, e envolve ficções inaceitáveis. Mais
acertado teria andado o acórdão se dissesse: os sócios ~ão árbitros da nomeação
dos gerentes; se, porém, silenciam no ato institucional ja sociedade, a lei supre
a omissão. estabelecendo a pres11nção legal condicional da gerência de todos os
sócios singularmente. (Reg. n. 737, art. 186; Dec. n. 3.084, de 1898, Parte III,
are. .,; 3) J, asso porque os sócios da sociedade em nome coletivo, tendo iguais
obrigações para com terceiros, devem ter igual direito de administrar e dirigir
a sociedade. e é mister tornar fácil a gestão, coisa de todo momento.
- Conforme o Cód. Com. Argentino, art. 305, a inclusão do nome do,.
160 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Não pode ser gerente pessoa estranha à sociedade. Esta


tem a faculdade de nomear terceiro para seu mandatário,
para seu preposto, nunca, porém, para lhe servir de órgão.
Vê-se do exposto que a gestão da sociedade importa em
prestação de trabalho devida pelo sócio, regulada pela lei ou
pelo contrato.

705. A mesma pessoa é lícito gerir concorrentemente


duas ou mais sociedades, de que faça parte nos têrmos expli-
cados em o n. 579 supra.
O gerente de uma sociedade praticaria ato repreensível
e comprometeria gravemente a sua responsabilidade, acei-
tando funções idênticas em outra sociedade, contituída ma-
nifestamente com o fim de explorar o mesmo ramo de co-
mércio daquele e de lhe abrir concorrência ( 1) .

706. O cargo de gerente é pessoal e de confiança. O


sócio, que o exerce, não o pode delegar nem se fazer substi-
tuir no exercício das respectivas funções sem o expresso con-
sentimento de todos os outros sócios (2). A substituição não
autorizada é para a sociedade res inter alias acta e o substi-
tuto considera-se estranho (3).

707. Sàmente o sócio gerente ou os soc10s gerentes


administram a sociedade, praticando os atos dependentes das
respectivas funções, não obstante a oposição dos outros sócios.
Se essa oposição fôsse lícita, dar-se-ia implitamente à
maioria o direito de destituir o gerente, impossibilitando-o de
continuar a exercer o cargo.

708. No contrato pode-se distribuir ou dividir o tra:ba-


lho dos gerentes, especüicando as atribuições de cada um,
sócio na razão social importa autorização tácita para administrá-la, ao menos
relativamente a terceiros.
( 1) CARPENTER et DU SAINT, Répértoire du Droit Français, verb.
Sociétés Commerciales, n. 108.
(2) Cód. Com., art. 334.
(3) SEGOVIA, Explicación y critica dei nuevo Código de Comercio de
la Republica Argentina, vol. 1.0 , nota 1.112.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 161

ou estipular que os negócios sociais sejam resolvidos de co-


mum acôrdo. E~sas cláusulas contratuais sôbre assunto inter-
no da sociedade, não enfraquecem os direitos de terceiros. O
emprêgo da firma de qualquer dos gerentes é ou se supõe ser
o resultado do acôrdo entre todos os sócios, e, portanto, a
firma os obriga como se todos efetivamente a houvessem
empregado (1). (Veja-se n. 712 infra).

709. A administração da sociedade não apresenta solu-


ção de continuidade pelo fato da sucessão de um por outro
sócio gerente. Assim, a procuração passada em nome da so-
ciedade pelo sócio gerente que falece, continua em vigor para
todos os efeitos (2).

710. Os sócios gerentes obrigam para com terceiros a


sociedade e os sócios pelos seus atos contratuais (3). Obrigam
ainda a sociedade e os sócios pelos atos delituosos, desde que
êstes se vinculem por conexão ao cargo de que se acham
investidos; exemplos: a contrafação de marca de fábrica ou
de patente, a concorrência desleal, a infração aos regulamen-

( 1) O Cód. Com. Argentino, no art. 303, dispõe neste sentido.


(2) Acórdãos da Relação do Rio, de 11 de maio e 3 de agôsto de 1886,
aos quais o Supremo Tribunal de Justiça, em sentença unânime de 9 de feve-
reiro de 1887, denegou revista, por não haver injustiça nem nulidade manifesta
(em O Direito, vol. 42, págs. 339-346).
( 3) Reconhecendo o sócio gerente ter assinado de próprio punho a firma
social em documento ajuizado, bem como a exatidão da obrigação nela contida,
êste reconhecimento ou confissão obriga os sócios solidàriamente para com ter-
ceiros, nos têrmos do art. 316 do Cód. Com., salvo a ação de perdas e danos
que cabe contra o sócio que abusou da firma social. Não importa que o outro
conteste a obrigação. (Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 4 de
julho de 1896, na Revista Mensal, vol. 3. 0 , págs. 228-229).
Em idêntico sentido, o acórdão do mesmo Tribunal, de 5 de março de 1896:
se o sócio gerente abusou da firma social contraindo a dívida e se fêz confissão
prejudicial à sociedade, é caso de ser reservada a ação do sócio prejudicado
contra aquêle, nada tendo a vier com isso terceiros, que adiantaram dinheiros a
fabricantes de Hamburgo para a compra de máquinas destinadas à fábrica que
a sociedade se propunha montar (na Revista Mensal, vol. 4. 0 , págs. 49-50).
- Julgou o Tribunal de Justiça de S. Paulo, no acórdão de 2 de dezembro
de 1913, que o sócio gerente não pode hipotecar bens sociais (Revista dos
Tribunais, vol. 8. 0 , pág. 239).

11
1~ J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

tos aduaneiros ou aos das estradas de ferro, o uso ilegal da


firma, etc. (1).

A sociedade e os sócios respondem pelos riscos insepará-


veis da administração ou gerência em virtude do princípio
"sicut lucrum, ita damnum quoque commune esse opportet"
(ULPIANO, na lei n. 52, § 4. 0 , Dig., pro socio).

711. O sócio gerente que emprega a firma social em


transações estranhas ao objeto da sociedade, declarado no

( 1 ) O soc10 gerente falsificou uma procuração constituindo a sociedade-


mandatária para vender 600 ações do Banco do Brasil de propriedade de um
seu comitente e na guarda da aludida sociedade, em virtude do contrato de
comissão mercantil.
As ações foram assim alienadas, não constando, aliás, que o seu produto
entrasse para os cofres sociais.
O proprietário das ações acionou a sociedade, já em liquidação e represen-
da pelo outro sócio gerente, para lhe entregar as ações ou o seu valor.
Não se compreende que o tribunal julgasse improcedente esta ação, sob
o fundamento de que "a firma social, sob a qual foi operada a venda das ações,
não foi assinada por fôrça do contrato social (?), ou melhor, em conseqüência
do mandato tácito em que assenta a solidariedade dos compromissos sociais"!
(Veja-se acórdão da Câmara Comercial, de 18 de dezembro de 1891, confir-
mado pelo de 7 de julho de 1892 (três votos contra dois), em O Direito, vol. 64,
págs. 521 e 531).
Em virtude desta iníqua sentença, o comprador em boa-fé das ações teve
de pagar o mal que não fêz. (Acórdão da Câmara Comercial, de 17 de no~
vembro de 1893, em O Direito, vol. 64, págs. 535 e segs., nota).
Felizmente em questões idênticas (destas vêzes se tratava de 40 e de 56
apólices da dívida pública, confiada à guarda e vendidas com procuração falsa
pela mesma sociedade), se restabeleceu a verdadeira doutrina. (Acórdão da
Câmara Comercial, de 16 de agôsto de 1893, em MONTENEGRO, Trabalhos
Judiciários, vol. 1.0 , págs. 31-36, e de 25 de novembro de 1892, confirmado pelo
de 25 de julho de 1893, da Câmara Civil da Côrte de Apelação, e pelo de 22
de fevereiro de 1894 das Câmaras Reunidas da Côrte de Apelação, em todos
êsses acórdãos vencedora a maioria. (O Direito, vol. 64, págs. 531-537).
No acórdão de 25 de novembro de 1892, relator o Dr. MONTENEGRO.
diz-se que a sociedade, "não se podia eximir da responsabilidade, desde que o
gerente, que a representava, era a sua personificação, contratou e agiu em nome
dela, empregando a firma social, que somente êle podia usar", e que a respon-
sabilidade solidária dos sócios "abrange os delitos cometidos pelos gerentes no
exercício das suas funções, ainda que alguns associados se tivessem oposto à
realização do negócio, e que dêle resultasse perda para a sociedade".
~tes princípios rigorosamente jurídicos acham-se proclamados no art. 2. o,
última alínea, da Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908 (*).
(*) Art. 2.º, última alínea do Decreto-lei n. 7.661, de 21-6-945.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 163

respectivo contrato, não obriga a sociedade nem os outros


sócios (1), salvo se êstes deram o seu consentimento (2).
Não obstante, o registo do comércio dê a conhecer o
objeto da sociedade, o sócio gerente que abusa é direta e
pessoalmente responsável para com terceiros, os quais, po-
dem também processá-lo criminalmente pela fraude ou dolo
com que porventura tenha procedido (3) . Se o terceiro é
cúmplice dessa fraude ou dolo, não o pode querelar.
712. O abuso da firma ou razão social pode, porém,
provir do excesso dos poderes traçados ao sócio gerente no
contrato social ou na lei. O Código Comercial sàmente se
referiu ao emprêgo da firma em negócio particular do sócio
gerente ou de terceiro; há, porém, os casos freqüentes do
uso da firma em atos que, embora compreendidos no objeto
da sociedade, são proibidos ao sócio gerente por cláusula con-
tratual, ou, sendo permitidos sob certas condições, o mesmo
sócio os pratica violando o pacto.
Nesses casos, tratando-se de transações que constituem o
objeto da sociedade, a firma empregada pelo sócio gerente
obriga a sociedade e os sócios (4). Assim o é, porque entre
o terceiro de boa-fé, que não tem direito de fiscalizar ou
intervir na sociedade, e os sócios, vítimas da sua própria
imprevidência ou negligência na escolha do gerente infiel,
mais equitativo é que sofram o prejuízo os que para êle con-
correram direta ou indiretamente (5).

( 1 ) Cód. Com., art. 316.


Provado que o sócio gerente, empregando a firma social, fêz operações
estranhas ao fim da sociedade (compra de caixas de "cognac" e de vinho, quando
o objeto da sociedade era comerciar em fazendas, armarinhos, roupa feita), que
estas operações não foram autorizadas nem ratificadas pelos outros sócios e que
a sociedade nenhum proveito ou utilidade tirou destas operações, o único respon-
sável é o sócio. (Acórdãos do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 11 de
junho de 1895, e de 5 de agôsto de 1896, na Gazeta Jurídica, vol. 12, págs. 184-
189, e na Revista Mensal, vol. 1. 0 , pág. 46).
(2) Cód. Com., art. 331.
O Cód. Com. Argentino refere-se a transações notoriamente estranhas aos
negócios designados no contrato de sociedade (art. 302). Trata-se de questão
de fato.
(3) Cód. Com., art. 316, 3.ª alínea.
(4) Cód. Com., art. 316.
(5) Consulte-se o acórdão da Câmara Comercial, de 17 de dezembro de
1893, em MONTENEGRO, Trabalhos Judiciários, vol. t. 0 , págs. 43-46.
164 J. X. CARVALHO DE l\IBNDONÇA

Contra o sócio gerente que abusa da firma social podem


os outros sócios ou terceiros haver as perdas e danos (1).
Se algum dos sócios é cúmplice da fraude ou do dolo do
sócio gerente, não pode reclamar coisa alguma contra êste.
A lei visa amparar a boa-fé dos terceiros que tratam com
a sociedade. Tenha-se sempre em consideração êsse alvo legal
e tôdas as questões a êsse respeito serão aplanadas.

713. Poderes dos sócios gerentes. Definem-se os p<Jde-


res dos sócios gerentes no respectivo contrato social (n. 654,
supra) (2).
Se o contrato não declara êsses poderes, cabe aos sócios
gerentes, em geral, praticar o necessário para a administra-
ção da sociedade, independentemente de autorização espe-
cial dos sócios. A lei não determinou êsses poderes na falta
da convenção. Em princípio, são amplos, sem obstáculos,
para que não se dificulte a realização dos fins sociais.
Assim, podem os sócios gerentes:
a) Praticar as operações compreendidas no objeto da
sociedade, a dizer, todos os atos relativos ao exercício da
indústria comercial da sociedade, exigidos pela função nor-
mal da ernprêsa. Entre êstes atos contam-se: comprar mer-
cadorias e matérias-primas; vender produtos fabricados ou
destinados à revenda, a dinheiro ou a crédito; locar prédios
para o estabelecimento, o escritório e os armazéns; contrair
empréstimos e operações de crédito, obrigações ativas e pas-
sivas; ajustar contas; receber dinheiros da sociedade e dar
quitação.
Ao gerente, órgão da sociedade, devem ser pagos os cré-
ditos sociais. O devedor da sociedade sómente se exonera
~'.:<"'

( 1 ) Cód. Com., art. 316.


(2) Cód. Com., art. 302, n. 7.
Na tecnologia jurídica romana os administradores das sociedades eram deno-
rninadDs magistri pela grande soma de poderes que tinham e representavam a
sociedade ativa e passivamente. (Consultem-se ULPIANO, na Lei n. 14, Dig.,
de pactis, e PAULO, na Lei n. 57, Dig., de verb. signif.).
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEffiO 165

pagando à sociedade, representada pelo seu órgão legítimo;


pagando a qualquer sócio não gerente e sem direito ao uso
da firma, não ficaria liberto. O art. 429 do Código Comercial,
expressamente o diz. Nem a responsabilidade ilimitada e soli-
dária dêst2 .sócio poce:::ia atenuar a posição do devedor, visto
como a solidariedade entre os sócios é passiva, para garantir
o crédito da sociedade. Não há solidariedade de sócio para
sócio (veja-se n. 721 infra).
b) Usar a firma social e com ela subscrever as obriga-
ções sociais, como contratos in genere, faturas, letras de câm-
bio e notas promissórias (1), cheques, conhecimentos, ajus-
tes de contas, ainda com desconto, desde que não disfarce
liberalidade, etc.
O gerente, usando no desempenho do cargo a firma so-
cial, individualiza a sociedade, assinala o seu patrimônio e
responsabiliza direta e subsidiàriamente todos os sócios; vin-
cula também os terceiros para com a sociedade.
e) Administrar o patrimônio social, empregando para
êsse fim medidas conservatórias, lato sensu, como: a inter-
rupção da prescrição, o recebimento de valores, a inscrição
hipotecária, etc.
d) Nomear e demitir empregados. São funções de auto-
ridade do gerente com o fim de prover sôbre o desempenho
normal dos serviços (n. 457 do 2. 0 volume).

(1) A Lei n. 2.044, de 31 de dezembro de 1908, exige a assinatura do


próprio punho ou do mandatário especial do sacador, (art. 1, n. V), do endo.s·
sador (art. 8, 2.ª alínea), do sacado (art. 11 ), ou do avalista (art. 14), na
letra de câmbio ou na nota promissória (art. 56).
O sócio gerente não é mandatário; é órgão da sodedade. Não tem neces-
sidade, portanto, da outorga de poderes especiais no contrato social para qual-
quer dêsses fins. ·
Muito diversa é a situação dos gerentes nas casas comerciais (prepostos),
dos quais falamos em os ns. 473 e segs. do 2. 0 volume dêste Tratado.
A êstes gerentes não é permitido sacar, aceitar, endossar, ou garantir por
aval sem poderes especiais do dono do estabelecimento, seja pessoa física ou
sociedade. Nesse sentido é que se deve entender o que escrevemos em o número
479 do 2. 8 volume, onde não nos referimos a letras de câmbio e a notas pr~
missórias.
166 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

e) Levantar o balanço anual e fazê-lo assinar por todos


os sócios (ns. 248 e 253 do 2. 0 volume).
f)Representar a sociedade em juízo, como autora ou
como ré e nomear advogados (n. 639 supra).
g) Exigir dos sócios as quotas e contingentes a que se
obrigaram nos prazos e pela forma convencionados no con-
trato (n. 542 supra).
h) Exercer, finalmente, todos os deveres com a dili-
gência do bom e prudente comerciante. Não é somente de
negócio próprio que cuidam, porém dos de outros que lhes
confiaram grande soma de poderes e de interêsses.

714. Não podem os sócios gerentes:


a) Entrar em operações diversas das estabelecidas no
contrato institucional da sociedade, salvo com o consenti-
mento unânime de todos os outros sócios (1) (n. 711 supra)·
b) Aplicar os fundos ou bens da sociedade em negócio
ou uso de conta própria ou de terceiro sem o consentimento
por escrito dos outros sócios, sob pena de entrarem para a
sociedade com todos os lucros, daí resultantes; se, e ao invés
de lucros, houver perdas ou danos, serão êstes por conta
exclusiva dos mesmos gerentes (2).
e) Alienar os bens da sociedade não destinados a ser
vendidos, como armazéns, mâquinas, etc.; por outra, alienar
aquela parte do patrimônio, que a sociedade constituiu para
ser conservada in natura.
d) Doar bens sociais, pois atentaria contra o fim da
sociedade. O ato que despoja sem compensação a sociedade

(1) Cód. Com., arts. 316 e 331.


(2) Cód. Com., art. 333. ~te artigo refere-se aos soc1os em geral; não
pode, porém, ser aplicado senão aos sócios gerentes porque somente êles têm a
seu cargo o dinheiro e os bens da sociedade. O art. 3 3 3 do Cód. cogita dos casos
em que o gerente pecuniam communem invaserit, ou in suos usus converteril.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 167

não a pode auxiliar a atingir o seu alvo, a realizar lucros.


Não se compreendem como doações ou abatimentos de dívi-
das, a concordata, os endossas de favor, os dons manuais e
gratificações a empregados. Atos de generosidade são muitas
vêzes hábeis meios de reclamo .

715. O contrato social pode cercear ou restringir os


poderes do sócio gerente, proibindo-lhe, por exemplo, subs-
crever letras de câmbio e notas promissórias, contrair emprés-
timos, dar fianças, etc.?
Parece-nos que sim, mas os efeitos da cláusula não pre-
judicam terceiros de boa-fé, mormente se a sociedade !ôr
beneficiada (1). O sócio, desde que possa usar a firma, em-
pregando esta em atos que o contrato proíbe, responde aos
outros sócios por perdas e danos pela infração do contrato.
É caso de dissolução da sociedade (2).

716. O sócio gerente pode contratar pessoalmente con-


sigo?
A lei não proíbe, pelo que se deve admitir o contrato
como válido, desde que o gerente obra ostensivamente, sem
deixar suspeitas do seu procedimento. Assim, o gerente, que

( 1) Não admitem essas restrições com efeitos relativamente a terceiros,


os Códs. Coms. Alemão, art. 126, e Húngaro, art. 92. O Cód. Federal Suíço
das Obrigações, art. 561, considera-as nulas e de nenhum efeito relativamente
a terceiros de boa-fé, isto é, àqueles que não conheciam as cláusulas restritivas.

(2) Cód. Com., art. 336, n. 3. (Veja-se o nosso parecer na Revista de


Jurisprudência, vol. 14, pág. 19. Acórdãos da 2.ª Câmara, de 16 de setembro
de 1927, no Arquivo Judiciário, vol. 4, pág. 137, e de 9 de abril de 1929, na
Revista de Direito, vol. 93, págs. 547 e 603).

A sociedade responde pela fiança prestada pelo sócio gerente, embora no


contrato se tivesse proibido o emprêgo da firma em negócios particulares do:1
sócios ou em fianças, abonos ou qualquer outros por sua natureza gratuitos, uma
vez que a fiança foi efetuada mediante interêsse ou comissão recebida e em be-
nefício da sociedade e não de qualquer dos sócios. (Sentença do Supremo Tri-
bunal de Justiça, de 9 de julho de 1887. Revista n. 10.639, em O Direito,
vol. 44, pág. 80).
168 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

é o banqueiro, não estâ proibido de descontar os títulos da


sociedade. É o selbstcontrahiren dos alemães .
O Código Comercial, no art. 349, admite que o sócio faça
empréstimos à sociedade; êste sócio pode ser o gerente.

717. Remuneração dos gerentes. Os gerentes podem ser


remunerados por conta das despesas gerais. A retribuição
pode consistir em quantia fixa, anual, ou mensal, ou se anali-
sar em uma comissão ou porcentagem sôbre os lucros. Tudo
depende da convenção.
Se no contrato não se designa esta retribuição especial,
o sócio gerente a ela não tem direito. Supõe-se que o encargo
ou prestação de serviço é devidamente compensado com os
lucros da sociedade que lhe couberem na partilha, de con-
formidade com o contrato (1).
- V-.~;·=;:·"-/-",_~. ·:<-..--.:::."~S~~

718. Prestação de contas. Os gerentes são obrigados a


dar contas justificadas da sua administração aos outros só-
cios (2) . Uma vez obtida a quitação, cessa qualquer reclama-
ção por parte dos sócios, salvo provando-se o êrro de conta,
dolo ou fraude (3). É o princípio que desde o Direito Romano
domina nesse assunto: "ratione semel reddita, amplius, quod
reddatur, peti non potest" (4).

( 1) No Direito Francês alguns escritores pensam de modo contrário, por-


que é de uso a retribuição, e os tribunais podem arbitrá-la, conformando-se ao-;
estilos da praça e da profissão, tôdas as vêzes que resulte das circunstâncias
que os sócios quiserem remunerar o gerente. (PIC, Des sociétés Commerciales,
vol. 1.0 , n. 454; LYON-CAEN et RENAULT, Traité de Droit Commercial
4.ª ed., vol. 2. 0 , P. 1, n. 258).
No Direito Italiano ensina-se que o gerente é nomeado no contrato, não tem
direito a remuneração, mas se posteriormente, equiparado ao mandatário faz
jus à remuneração. (Consultem-se NAVARRINI, Trattato di Diritto Com'mer
eia/e, vol. 2. 0 , n. 683, e VIVANTE, Trattato di Diritto Commerciale, 3.ª ed.,
vol. 2, n. 373).
(2) Cód. Com., art. 293.
( 3) Cód. Com., art. 43 6.
(4) FELICIUS, Tractat. de Socte;.ate., c. 38, n. 62.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 169·

SEÇAO IV

Das relações dos sócios entre si e dos sócios para com ter-
ceiros e vice-versa nas sociedades em nome coletivo

Sum.:lrio: - 719. Princípios gerais. - 720. Relações dos


s6cios entre si. Os tlireitos e obrigações entre os
sócios estabelecem-se no contrato. Silêncio dêste. -
721. Não hã solidariedatle entre os sócios. - 712.
Limitação das respon>abilidadcs entre os sócios. -
723. Relação dos sóc!os para com terceiros e ,·lce-.
versa. Os sócios são garantes solitlários das obri-
gações sociais. - 724. Excetuam-se primeiro os bens
sociais e depois os bens particulares dos sócios. -
725. Conseqüência da solidariedade. - 726. Depois
de dissolvida e liquidada a sociedade, podem os cre-
dores sociais acionar os sócios. - 727. A solida-
riedade dos sócios continua na fase da liquidação.

719. Em os ns. 588 e segs. supra, falamos dos direitos


e obrigações dos sócios, apreciados sob o ponto de vista geral.
Particularizemos aqui o estudo das relações dos sócios das
sociedades em nome coletivo entre si e dos mesmos sócios para
com terceiros e vice-versa .

720. Das relações dos sócios entre si. No contrato social


devem ser determinados com precisão os direitos e obrigações
dos sócios entre si (n. 654 supra).

Prevalecem, no silêncio do contrato, as normas legais


de carâter supletivo.

721. Os sócios são solidàriamente responsáveis para


com terceiros, não, porém, uns para com os outros. Se um,
sócio paga do seu bôlso integralmente a dívida da sociedade,
fica de pleno direito sub-rogado nos direitos e nas garantias
do credor. Relativamente à sociedade, esta sub-rogação é
integral; o sócio que solveu equipara-se ao fiador. Relativa-
mente a cada um dos consócios, a sub-rogação é parcial. O
sócio pode exigir dos consócios as quotas que a cada um cou-
ber na dívida solvida, na razão proporcional dos seus respec--
170 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

tivas quinhões no capital social, ou na conformidade do esti-


pulado no contrato (1).
Entenda-se nos seus devidos têrmos o que dizemos. So-
ciedade e sócios são pessoas diversas. Os sócios podem ter
relações comerciais com a sociedade, ficando na mesmo posi-
ção de terceiros. Se a sociedade contratasse com qualquer
sócio, êste assumiria a figura de terceiro e para com êle esta-
riam obrigados solidàriamente todos os outros (2).

722. Os sócios podem limitar a responsabilidade entre


si, repartindo-a em proporções distintas. Exemplo: podem
estipular no contrato que um ou mais sócios não serão obri-
gados para com os outros sócios, senão até à concorrência
das suas quotas ou de certa quantia (3).

723. Das relações dos sócios para com terceiros e vice-


versa. Os sócios, tenham ou não o seu nome na firma social,
são ilimitadamente garantes solidários das obrigações da so-
ciedade (n. 693 supra). :mies respondem não somente pelas
dívidas contraídas expressamente sob a firma social, como,
ainda, por tôdas as obrigações legais, como: impostos, con-
dictio indebiti, etc.
Esta garantia subsidiária dos sócios é ilimitada e solidá-
ria. Cada um dêles responde pela totalidade das obrigações
sociais sem limitação ou restrição. A garantia resulta da lei
e não do contrato (n. 695 supra).

( 1 ) Cód. Com., art. 3 30.


Projeto do Código Civil, art. 914: "O devedor que satisfez a dívida por
inteiro, tem direito a exigir de cada um dos co-devedores a sua quota, dividindo-
se igualmente por todos a do insolvente, se o houver. Presumem-se iguais, no
débito, as partes de todos os co-devedores" ( •).
(2) Consultem-se: BÉDARRIDE, Des Sociétés, 2.ª ed., vol. 1. 0 , n. 166;
LYON-CAEN et RENAULT, Traité de Droit Commercial, 4.ª ed., vol. 2, P. I,
n. 163; NAVARRINI, no Commentario ai Codice di Commercio (ed. Milão),
vol. 2.0 , n. 197 bis. O Cód. Com. Argentino, no art. 311, dispõe: "Los actos
y las obligaciones contraídas entre la sociedad y un socio en calidad de tal, no
soo solidarios entre los otros socios. Son solidarios, cuando el socio contractante
ha figurado como estraõo".
(3) LYON-CAEN et RENAULT, Traité de Droit Commercial, 4.ª ed.,
vol. 2. 0 , P. l, o. 158.
(• ) Constitui, hoje, o art. 913 do Código Civil.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEffiO 171

724. Os terceiros devem primeiramente exigir o crédito,


amigável ou judicialmente, da sociedade, porque com esta
trataram (n. 634 supra) . Não podem acionar os sócios antes
de executar os bens sociais, pois seria impor despesas inúteis
àqueles e comprometer-lhes gravemente o crédito sem utili-
dade prática. ~ste princípio vemos refletido no art. 350 do
Código Comercial, na lei n. 2.024, de 1908, arts. 51 e 6, de-
clarando que a falência do sócio não traz a da sociedade,
enquanto que a desta acarreta a de todos os sócios de res-
ponsabilidade ilimitada (*) e, ainda, no Código Comercial,
art. 454, determinando que a ação contra a sociedade inter-
rompe a prescrição contra os sócios, pois contra êstes não hâ
actio nata.
Para tornar efetiva a responsabilidade dos sócios, os cre-
dores não precisam acioná-los especialmente.
Com a carta de sentença contra a sociedade e não achan-
do bens sociais para serem penhorados ou os achando insu-
ficientes, os credores passam a penhorar os bens particula-
res dos sócios (Cód. Com., art. 350; reg. 0 n. 737, arts. 492, n. 8
e 497) (**). A sentença na ação promovida contra a socie-
dade tem autoridade de coisa julgada relativamente a todos
os sócios (1).
Sendo patrimônio diverso o da sociedade e os dos sócios,
êstes gozam o beneficium ordinis et excussionis, se o credor
executa primeiro os seus bens, salvo no caso de falência da
sociedade, que acarreta o dos sócios de responsabilidade ili-
mitada.

725 . Em virtude da solidariedade dos sócios, o credor


da sociedade pode executar os bens do sócio que entender,

( 1) Acórdão da Junta dos Juízes de Direito das Varas do Comércio (Dis-


trito Federal) de 27 de dezembro de 1906: penhoram-se os bens particulares do
sócio de responsabilidade ilimitada, se intimada a sociedade para pagar em 24
horas, não paga nem nomeia bens à penhora, nem o sócio prova que existem
bens pertencentes à sociedade. (Revista de Direito, vol. 3.0 , págs. 585-588).
("') De maneira diversa dispõe o art. 5.0 do D. L., n. 7.661, de 21-6-945.
(...,) Código de Processo Civil, art. 888, D.
172 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

pode abandonar esta execução e promovê-ia contra outro, tor-


nar ao que abandonou e assim sucessivamente.

726. Quando, porém, a sociedade tiver sido dissolvida e


liquidada, os credores sociais demandam diretamente os só-
cios. Não existe a pessoa jurídica; deve-se proceder como se
a obrigação tivesse sido contraída diretamente com os sócios.
~sse é o efeito da solidariedade .

727. A solidariedade dos sócios pelas obrigações da so-


ciedade relativamente a terceiros não se rompe com a disso-
lução da sociedade. Os atos do liquidante dentro das fôrças
do seu cargo continuam a obrigar os sócios para com ter-
ceiros.

CAPiTULO IIl

Das sociedades em comandita simples

Sumário: - 728. A origem histórica das sociedades em co-


mandita. O!Jjeto dêste capítulo.

728. A conveniência de temperar os rigores da respon-


sabilidade ilimitada de todos os sócios para atrair capitais
estranhos ao comércio, facilitando a organização das emprê-
sas comerciais, aconselhou a combinação da responsabilidade
limitada com a ilimitada, produzindo a sociedade em coman-
dita, que sàmente nas legislações do século XIX ficou bem
acentuada.

Esta sociedade, na op1ruao mais seguida, é a transfar-


mação do contrato de commenda ou de paccotiglia, muito
usado nas cidades comerciais italianas dos séculos XII e XIII,
mediante o qual se entregava a quem ia empreender viagem
marítima certa quantia em dinheiro ou mercadoria, para que
com êstes efeitos negociasse. em nome próprio, mas em pr~
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 173

veito comum, conforme o ajuste. Dêsse modo, qualquer que


fôsse o êxito do negócio confiado àquele que empreendia a
viagem (tractator, commanditarius), o que entregava o di-
nheiro ou as mercadorias (commendator, socius stans) não
se responsabilizava além do valor entregue (1).
A commenda passou, assim transformada, do comércio
marítimo para o comércio de terra, e, no correr dos tempos,
a forma esporádica da sociedade momentânea, estabelecida
para cada um das operações, consolidou-se em uma sociedade
estável para o exercício do comércio .
"Quando se pretenda que, na ordem histórica dos fatos,
a sociedade em comandita precedera à sociedade em nome
coletivo, escreve VIDARI, na ordem lógica das idéias aquela
parece antes derivação desta do que a sua causa. Como quer
que seja, é certo que a sociedade em comandita é uma das
mais engenhosas criações do pensamento humano" (2); "é
uma das últimas criações do gênio jurídico italiano" (3).
Dessa sociedade tratou o Código Comercial em quatro
artigos (311 a 314), e o seu estudo faremos nas diversas se-
ções do presente capítulo.

( 1) VIDARI, Corso do Diritto Commerciale, 5.ª ed., vol. I, n. 679.


Sôbre a origem da palavra comandi!a, muitas têm sido as opiniões. Os
escritores franceses dizem que vem das palavras comment dit, isto é, ut dictum
est, porque consiste em uma sociedade nos têrmos e condições ditas, especifi-
cadas e declaradas no ato constitutivo (SA V ARY).
Outros entendem que vem da antiga voz comando, que significa depósito,
procuração; o sócio comanditado, dizem, é o procurador do comanditário e o
depositário dos seus fundos (DELVINCOURT).
(2) Corso di Diritto Con1merciale, 5.ª ed., vol. 1. 0 , n. 680.
DELOISON diz que a sociedade em conta de participação é a irmã mais
velha da comandita, senão sua mãe (Des Sociétés Commerciales, vol. 1. 0 , n. 6,
pág. 57). E' mais ou menos o que afirma ENDEMANN: a comandita não é
outra coisa que a publicação da participação: die Bekan11tmaclw11g der Parti-
cipation.
ARCANGELI entende que a sociedade em comandita não se deriva das ~u­
cessivas transformações da comenda nem da participação; teve, porém, o seu
berço cm Florença, formando-se espontâneamente no seio da sociedade em nome
coletivo, como reação ao princípio da responsabilidade ilimitada (La Società in
Accomandita Semplice, Parte I, Storia).
Consulte-se SALEILLES, Étude sur L'histoire des Sociétés en Commar1dite,
nos Annales de Droit Commercia/, 1895, págs. 10 e 49, e 1897, pág. 29.
(3) ARCANGELI, La Società in Accommandita Semplice, n. 29.
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

pode abandonar esta execução e promovê-ia contra outro, tor-


nar ao que abandonou e assim sucessivamente.

726. Quando, porém, a sociedade tiver sido dissolvida e


liquidada, os credores sociais demandam diretamente os só-
cios. Não existe a pessoa jurídica; deve-se proceder como se
a obrigação tivesse sido contraída diretamente com os sócios.
tsse é o efeito da solidariedade.

727. A solidariedade dos sócios pelas obrigações da so-


ciedade relativamente a terceiros não se rompe com a disso-
lução da sociedade. Os atos do liquidante dentro das fôrças
do seu cargo continuam a obrigar os sócios para com ter-
ceiros.

CAP1TULO III

Das sociedades em comandita simples

Sumárlo: - 728. A origem histórica das sociedades em e~


mandita. O!Jjeto dêste capítulo.

'728. A conveniência de temperar os rigores da respon-


sabilidade ilimitada de todos os sócios para atrair capitais
estranhos ao comércio, facilitando a organização das emprê-
sas comerciais, aconselhou a combinação da responsabilidade
limitada com a ilimitada, produzindo a sociedade em coman-
dita, que somente nas legislações do século XIX ficou bem
acentuada.

Esta sociedade, na op1ruao mais seguida, é a transfar-


mação do contrato de commenda ou de paccotiglia, muito
usado nas cidades comerciais italianas dos séculos XII e XIII,
mediante o qual se entregava a quem ia empreender viagem
marítima certa quantia em dinheiro ou mercadoria, para que
com êstes efeitos negociasse, em nome próprio, mas em pra..
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 173

veito comum, conforme o ajuste. Dêsse modo, qualquer que


fôsse o êxito do negócio confiado àquele que empreendia a
viagem (tractator, commanditarius), o que entregava o di-
nheiro ou as mercadorias (commendator, socius stans) não
se responsabilizava além do valor entregue (1).
A commenda passou, assim transformada, do comércio
marítimo para o comércio de terra, e, no correr dos tempos,
a forma esporádica da sociedade momentânea, estabelecida
para cada um das operações, consolidou-se em uma sociedade
estável para o exercício do comércio .
"Quando se pretenda que, na ordem histórica dos fatos,
a sociedade em comandita precedera à sociedade em nome
coletivo, escreve VIDARI, na ordem lógica das idéias aquela
parece antes derivação desta do que a sua causa. Como quer
que seja, é certo que a sociedade em comandita é uma das
mais engenhosas criações do pensamento humano" (2); "é
uma das últimas criações do gênio jurídico italiano" (3).
Dessa sociedade tratou o Código Comercial em quatro
artigos (311 a 314), e o seu estudo faremos nas diversas se-
ções do presente capítulo.

( 1) VIDARI, Corso do Diritto Commerciale, 5.ª ed., vol. I, n. 679.


Sôbre a origem da palavra comandita, muitas têm sido as opiniées. Os
escdtores franceses dizem que vem das palavras comment dit, isto é, ut dictum
est, porque consiste em uma sociedade nos têrmos e condições ditas, especifi-
cadas e declaradas no ato constitutivo (SAV ARY).
Outros entendem que vem da antiga voz comando, que significa depósito,
procuração; o sócio comanditado, dizem, é o procurador do cornanditário e o
depositário dos seus fundos (DELVINCOURT).
(2) Corso di Diritto Cornmerciale, 5.ª ed., vol. 1. 0 , n. 680.
DELOISON diz que a sociedade em conta de participação é a irmã mais
velha da conrn.ndita, senão sua mãe (Des Sociétés Commerciales, vol. 1. 0 , n. 6,
pág. 57). E' mais ou menos o que afirma ENDEMANN: a comandita não é
outra coisa que a publicação da participação: die Bekanntmachung der Parti-
cipation.
ARCANGELI entende que a sociedade em comandita não se deriva das ~u­
cessivas transformações da comenda nem da participação; teve, porém, o seu
berço em Florença, formando-se espontâneamente no seio da sociedade em nome
coletivo, como reação ao princípio da responsabilidade ilimitada (La Società in
Accomandita Semplice, Parte 1, Storia).
Consulte-se SALEILLES, 'E:tude sur L'histoire des Sociétés en Commandite,
nos Annales de Droit Commercia/, 1895, págs. 10 e 49, e 1897, pág. 29.
(3) ARCANGELI, La Società in Accommandita Semplice, n. 29.
174 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

SEÇÃO I

Das noções fundamentais sôbre as sociedades em


comandita simples

Samúlo: - 729. Característico da sociedade em comandita


simples. - 730. Comanditários prestadores de .:a-
pitais. - 731. Solidariedade de todos os sócios. -
732. A comandita é distinta da sociedade em nome
coletivo. - 733. A quota do comanditário. - 73~.
A responsabilidade do comanditário por quantia su-
perior ao valor da quota. - 735. Lucros do coman-
ditário deixados na caixa social. - 736. E' essenci:i.1
o arquivamento do contrato social e a publicação.
- 737. Expirado o prazo de duração da sociedade
em comandita, para que esta continue é necessário
novo contrato, arquivo e publicação. - 738. O nome
do comanditário conservado oculto no registo do
comércio.

729. A sociedade em comanc:lita exercita o comércio


oferecendo a terceiros como garantia das suas obrigações.
em primeira linha, o seu patrimônio, e, subsidiàriamente, a
responsabilidade ilimitada de um ou mais sócios e a limitada,
pelo menos, de outro sócio (1).

Nela figuram duas categorias de sócios:


l.ª Os sócios comanditados, que, além da quota com
que contribuem para o fundo social, são ilimitadamente res-
ponsáveis pelas obrigações da sociedade (2). Somente êles
podem administrar ou gerir a sociedade (3).

(1) Cód. Com., arts. 311 e 313.


(2) Cód. Com., art. 313.
(3) Cód. Com., art. 314.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEffiO 175-

2.ª Os sócios comanditários, cuja responsabilidade pe-


las obrigações contraídas pela sociedade vai ao limite da quota
subscrita, a dizer, não se obrigam além dos fundos com que
entram ou se comprometem a entrar para a sociedade (1).
A sociedade em comandita constitui-se, portanto, tendo
pelo menos um sócio responsável ilimitadamente e outro res-
ponsável limitadamente, seja pessoa física ou jurídica.
São da essência dessa sociedade estas duas qualidades
de sócios; tal é o seu característico. Se a sociedade se com-
pusesse somente de sócios obrigados ilimitadamente, embora
denominada em comandita, haveria realmente sociedade em
nome coletivo. Se porventura, todos os sócios limitassem a
sua responsabilidade, a cláusula seria nula de pleno direito,.
e todos responderiam ilimitada e solidàriamente pelas obri-
gações sociais, ainda os que não fôssem gerentes. Só assu-
mindo a forma anônima é que se permite nas sociedades a
limitação de responsabilidade de todos os sócios (*).
Se na constância da sociedade em nome coletivo se admi-
tisse sócio de responsabilidade limitada, um só comanditário
que fôsse, aquela sociedade mudaria de forma. A presença de
tal sócio denunciaria a sociedade em comandita simples (2).
Assinala-se, ainda, a diferença entre aquelas duas ordens
de sócios no seguinte: a administração da sociedade é con-
fiada aos comanditados, que se apresentam ostensivamente,
a terceiros como órgãos sociais; aos comanditários cabem a
fiscalização e a vigilância.

730. O Código denomina os comanditários simples pres-


tadores de capitais (art. 311), expressão incorreta, não obs-
tante consistir a obrigação fundamental dêstes sócios na pres-
tação da quota. A lei quer dizer que os comanditários não
176 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

compromet~m na sociedade o seu patrimônio, mas sàmente


os fundos com que concorrem ou se obrigam a contribuir, que
cada um dêles vale a quota, não havendo, sob êsse ponto de
vista, diferença do acionista.
A verdade é que os comanditários não se limitam a pres-
tar capitais, ficando na situação de mutuantes. Os mutuan-
tes, que são credores, têm direito à restituição da quantia
emprestada e ao pagamento dos juros (Cód. Com., art. 248).
Os comanditários são sócios; as suas pessoas são tomadas em
consideração; não levantam a quota da liquidação da socie-
dade e em virtude da partilha; correm o risco social (1).
Ne~setipo de sociedade, se há vantagens para os coman-
-ditários, não têm sido pequenas as decepções. Os comandi-
tados são os administradores e dêles depende o êxito da so-
ciedade. Se êstes não têm comprometidos na sociedade gran-
des interêsses pecuniários, se não têm capacidade para a ges-
tão do negócio que lhes é confiado, se são desonestos. . . ai
dos pobres comanditários ! (2).

731. Comanditados e comanditários são solidàriamente


responsáveis pelas obrigações da sociedade (3), ainda que ~1?
medida diversa. Enquanto os comanditados respondem 111-
mitadamente, os comanditários respondem nos limites das

( 1) A pessoa que fornece capitais para o exercício de urna emprêsa est!-


pulando uma quota-parte nos lucros, além do juro, é mutuante e não comand1-
tário. Ela não corre a álea social. Não obstante a participação nos lucros ser
o elemento essencial das sociedades, pode encontrar-se em outros contratos, corno
dissemos em o n. 531, supra. '
(2) DELOISON diz que o comanditário "é antes a figura do tolo do que
a personificação da astúcia e da fraude". Não raras vêzes êle apresenta-se bri-
lhante e honrosamente; "é o Mecenas que favorece o talento sem fortuna, o
gênio sem poder, o artista sem nome" (Des Sociétés Commerciales, vol. 1. 0 ,
D. 215).

(3) O Cód. parece não autorizar êsse ensino nos arts. 311 e 313, onde
fala somente da solidariedade dos comanditados. Medite-se devidamente e afas-
1e-se a confusão entre responsabilidade ilimitada e solidariedade, que se nos
dará razão.
Consultem-se: VIVANTE, Trattato di Diritto Commerciale, 3.ª ed., vol. 2.º,
n. 406; MARGHIERI, ll Codice di Commercio Commentato, Verona, 2.ª ed.,
vol. 3. 0 , n. 280; COSACK, Lehrbuch des Handelsrechts, 6.ª ed., § 111, pág. 537.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 177

respectivas quotas (1). A solidariedade consiste no direito


que tem o credor de exigir de um só comanditário o valor
integral da quota subscrita, sem que êsse possa pedir a divi-
são da dívida entre os consócios (2).

732. O Código Comercial, na 2.ª alínea do art. 311, dis-


põe que se houver mais de um sócio de responsabilidade ili-
mitada, sejam muitos os encarregados da gerência ou um só,
a sociedade será, ao mesmo tempo, em nome coletivo para
êstes e em comandita para os sócios prestadores de capitais.
o
Código parece figurar uma sociedade-jano, aliás, im-
possível. A sociedade em comandita é uma só em seu con-
junto.
A redação do art. 311 do nosso Código, copiado do artigo
24 do Cód. Com. francês (3), ressente-se de grave defeito.
Os comanditados não constituem por si sós uma sociedade
em nome coletivo, nem se trata da coexistência de duas socie-
dades diversas. A lei quer dizer que os comanditados, encar-
regados ou não da gerência, são ilimitada e solidàriamente
responsáveis como os sócios na sociedade em nome coletivo.
certo que há regras comuns que disciplinam essas duas
É
formas de sociedade; não se pode, entretanto, considerar a
comandita numa modalidade ou espécie de sociedade em
nome coletivo. Na sua origem e no seu desenvolvimento, são
sociedades distintas, tendo cada qual os seus caracteres eco-
nômicos e jurídicos. O Código separou-as distintamente.

( 1) Na discussão do Cód. Com. francês propôs-se chamar sociedade mista


a comandita, em virtude dessa dupla ordem de sócios.
(2) Veja-se a aplicação dêste princípio no art. 53, §§ 2. 0 e 3. 0 , da Lei
n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908 (*).
(3) Incorrem em igual censura os Códigos Italianos, art. 115, argentino,
art. 372, e a Lei belga de 1873, art. 20, dizendo GUILLERY sôbre esta última
que contém un texte inutile et inexact (Des Sociétés Commerciales, 2.ª ed.,
vol. 2. 0 , n. 420).
O Cód. Chileno, no art. 474, andou muito bem declarando que a sociedade
em comandita estava submetida às regras estabelecidas para as sociedades em
nome coletivo em tudo quanto não se encontrasse em oposição à natureza dêste
contrato e às disposições especiais que as regulam.
("') Dec.-lei n. 7.661, de 21-6-45, art. 50, §§ 1.º e 2.º.

1.2
17S J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

733. O comanditário confere uma quota de capital. É


sócio pecunire.
As prestações de serviço, ainda que tenham valor pa-
trimonial, não podem ser objeto da quota do comanditário
(n. 554, supra).

Apesar da expressão legal prestadores de capitais, não


há inconveniente em que os comanditários entrem com mer-
cadorias, imóveis, etc., que, afinal, representam capitais (1).
Logo que os fundos prometidos são entregues à sociedade
a responsabilidade pessoal do comanditário fica extinta. Po-
de-se diZêr que, relativamente a terceiros, não mais existem
sócios comanditários. As entradas estão feitas, o seu concurso
pecuniário prometido ou subscrito incorporou-se ao patrimô-
nio social. A respom:abilidade dêles chegou ao extremo.
Se não foi integrada a quota que o comanditário subs-
creveu para o fundo social, a sociedade, enquanto conserva a
personalidade, é credora desta quota e pode exigi-la nos pra-
zos e pela forma estipulada no contrato (n. 542 supra) . Se se
acha em liquidação, cabe aos liquidantes exigi-la (Código
Comercial, art. 346) . Os credores sociais, demandando a so-
ciedade e não encontrando bens sociais, podem executar os
bens particulares dos comanditários até o limite do valor da
sua responsabilidade na sociedade (2) •

734. Os sócios comanditários podem obrigar-se por


uma responsabilidade superior ao valor da quota conferida

( 1) O comanditário pode entrar com o seu crédito para com a sociedade,


compensado? Sim, decidiu o Tribunal Federal Suíço, em 26 de janeiro de 1901
(Annales de Droit Commercial, vol. 17, pág. 43).
Não há dúvida que se pode admitir esta solução com uma restrição neces-
sária, a saber, se a compensação não fôr o meio efêmero e fraudulento para
o comanditário subtrair-se às responsabilidades para com terceiros. Assim, não
se poderia admitir esta compensação nas vésperas da falência da sociedade.
(2) Esta questão é muito debatida no Direito Francês, Belga, Italiano,
etc., onde os escritores se dividem em três sistemas: o 1. 0 , admite a ação direta
somente no caso de falência; o 2. 0 , a concede na falência e fora da falência, e
o 3. 0 , a permite em virtude da sub-rogação dos direitos da sociedade no credor
e submete êste às mesmas exceções que os comanditários poderiam opor 3.
sociedade.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 179

ou prometida para compor o capital social (1). O Cód. Com.


refere-se a fundos que forem declarados no contrato (artigo
311), a fundos postos em comandita (art. 312), etc. Como
quer que seja, e por mais que isso seja desusado por falhar
interêsse sob o ponto de vista jurídico (2), os fundos, que o
comanditário declarar no contrato, devem ser equiparados às
quotas, ainda que no sentido amplo (3). Costuma-se consi-
derar a parte componente do capital social como capital de
exercício, e a outra parte como capital de garantia.

735. O comanditário que deixa os seus divid2ndos ou


interêsses na caixa social, tem direito aos juros que forem
estipulados; reputa-se credor e, no caso de falência, concorre
com os demais credores. Note-se, porém, que se, por disposi-
ção do contrato social, êstes dividendos são ali deixados a
título de suplemento da quota ou de fundo de reserva, per-
tencem à sociedade e seguem a sorte desta (4).

736. A sociedade ~m comanditr ~imples adquire a qua-


lidade que lhe é própria com o arquivamento do seu contrato
no registo do comércio e subseqüente publicação. É êste o
conceito tradicional, desde as origens da comandita (5).

São essenciais a inscrição do contrato desta sociedade no


registo do comércio e a publicação, para que terceirlls possam

( 1) Não seria nula c1áusula contratual que estabelecesse para o coman-


ditário responsabilidade maior que o valor da quota subscrita. O contrário proíbe
formalmente a lei (Consulte-se NAVARRINI, Diritto Commerciale, vol. 2. 0 ,
pág. 85, nota 2).
(2) Pode hai'er vantagem no interêsse fiscal. Exemplo: em São Paulo
existe o impôsto sôbre o capital das sociedades. Os sócios constituem uma
sociedade de peqw:no capital, e o comanditário, além da quota no capital,
promete entrar co1-;-i c;_itra para o fundo social.
(3) Aplicar-se-á ao caso o art. 53 da Lei n. 2.024, de 17 de dezembro
de 1908 (*).
(4) DELOISON, Des Sociétés Commerciales, vol. t. 0 , n. 229; SEGOVIA,
Exp/icación y critica dei nuevo Codigo de Comercio de la Republica Argentina,
vol. 1.0 , nota 1.370.
(5) ARCANGELI, La Società i11 Accomandita Semplice, n. 106.
("') Decreto n. 7.661, de 21-6-1945, art. 50.
180 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

conhecer o tipo a que a sociedade obedece e saber a extensão


da responsabilidade dos sócios.
A falta de registo não anula o contrato; torna, porém, os
sócios solidàriamente responsáveis (n. 661 supra) (1) . A
comandita simples, valendo-se da falta da publicidade legal,
apresenta-se a terceiros como se fôsse sociedade em nome
coletivo. Justo é, portanto, que os seus sócios assumam a
mesma responsabilidade que os desta sociedade.

737. Outrossim, se, expirado o prazo social marcado no


contrato, a sociedade continua de fato, torna-se irregular, e,
como conseqüência, ficam ilimitada e solidàriamente respon-
sáveis todos os sócios comanditários (2) .

(1) Regul. n. 737, de 1850, art. 693; Cód. Com., art. 301, úit. alínea;
acórdãos da Relação da Côrte, de 5 de maio de 1874, em O Direito. vol. 4. 0 ,
págs. 801-808, e de 3 de setembro de 1878, em O Direito, vol. 17, pág. 315:
acórdão do Tribund de Justiça de S. Paulo, ce 11 de fevereiro de 1911, no
S. Paulo Judiciário, vol. 25, pág. 192 (Veja-se o n. 211, do 1.º vol., 2.ª ed.,
dêste Tratado).
A Relação do Recife, em acórdão de 30 de julho de 1875 (em O Direito,
vol. 18, pág. 104), decidiu em sentido contrf;fo. E' um acórdão injurídico,
patrocinando a fraude.
Em 1888, a questão foi discutida no Instituto da Ordem dos Advogados
Brasileiros. O Dr. ZEFERINO DE FARIA apresentou o relatório concluindo:
"a falta de registo no pr2.zo legal do instn:mento de uma sociedade em coman-
dita importa a solidaried2.de do sócio comanditário". Em sessão de 22 de no-
vembro daquele ano, foi essa conclusão aprovada contra dois votos (Revfata
daquele Instituto, vol. 12, págs. 241 e 250).
O C6d. Com. Alemão, no art. 176, tratando de sociedade em comandita,
não inscrita, obriga o sócio comanditário pelas dívidas sociais indefinidamente,
salvo quanto ao credor que conhecer a sua qualidade. No mesmo sentido, o
Cód. Federal Suíço das Obrigações, art. 599.
(2) O contrário foi decidido pelo Tribunal de Justiça de S. Paulo, em.
acórdão de 8 de outubro de 1903 (no S. Paulo Judiciário, vol. 3.0 , pág. 182
e na Gazeta Jurídica de S. Paulo, vol. 33, pág. 293), sob o fundamento de que
o Código, no art. 314, e a Lei de Falências, não cogitaram dessa respon·
sabilidade!!
Em parecer, publicado na Revista Forense (de Minas), vol. 3. 0 , pág. 448,
opinámos:
"Expirado o prazo fixado para a duração da sociedade comercial, esta:
a) dissolve-se "pleno jure" (Cód. Com., art. 335, n. 1), ou
b) continua, devendo, neste caso ser passado novo contrato com tôdas as
formalidades internas e externas do contrato institucional (Cód. Com., art. 306).
As sociedades em comandita que, para sua validade e efeitos jurídicos, têm
de ser regularmente instituídas e mantidas (C6d. Com., art. 301, in fine, 306 e
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 181

738. O sócio comanditário, por isso que a sua respon-


sabilidade é limitada ao valor da quota subscrita para o fun-
do social, não precisa ser conhecido de terceiros. Basta que
êstes saibam qual a quantia certa do fundo comanditário. Dai
a dispensa da inscrição do nome do comanditário no registo
do coinércio (1) .
Note-se: dispensa da inscrição do nome no registo do
coinércio, e não dispensa da assinatura no contrato social,
para que seja devidainente arquivado no registo do coinér-
cio (2) e para que seja o coinanditário responsabilizado, se
infringe o art. 314 do Código Coinercial.

312), estão estritamente sujeitas aos princípios acima estabelecidos.


Findo o prazo ajustado para a sua existência, elas, ou continuam com vida
legal, no regímen da mais absoluta publicidade, ou desaparecem. Sociedades em
comandita irregulares não existem aos olhos da lei.
No caso exposto na consulta, findo o prazo existencial da sociedade em
comandita sob a firma V. & Cia., os sócios não esti9ularam a sua continuação
na forma imperativamente determinada pelo aít. 306 do Cód. Com., isto é, não.
passaram novo instrumento legalizado, como fizeram por ocasião de instituí-la._
Temos, pois, uma sociedade sem contrato registado, uma sociedade irregular·
ou de fato em continuação daquela que fôra instituída legalmente; temos, tam-
bém, um sócio ostensivo, representante da sociedade, gerindo e contratando em
nome desta e outro sócio oculto, não intervindo na gestão social, não apare-
cendo nas relações exteriores desta sociedade.
Ora, os sócios ocultos, são pessoal e solidàriamente responsáveis como os,
ostensivos (Cód. Com., art. 305, in fine).
É, conseguintemente, fora de dúvida que o sócio comanditário se tornou·
solidário na sociedade irregular, que sucedeu à sociedade em comandita legal-
mente constituída.
Pri~cisamos dizer que o nosso direito, que nos parece positivo, sôbre êsse
ponto, tem sido ensombrado pelas doutrinas do Direito Francês, mal e indevi-
damente aplicadas .
.. . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . . . .
Em nosso direito, os princípios são outros. A falta de registo do contrato em
que se estipulou a prorrogação da sociedade em comandita não traz a nulidade
desta sociedade, porque a lei não impôs expressamente esta pena (Reg. n. 737,
a11. 693). A sanção especial para o caso é a mudança da situação jurídica dos
sócios comanditários; êstes tornam-se solidários com a sociedade nas obrigações
sociais. A última alínea do art. 301 do Cód. Com. é decisiva".
(1) Cód. Com., art. 312.
( 2) A viso do Ministério da Justiça, de 24 de agôsto de 1877, ao Presi-
dente da Junta Comercial da Côrte, onde se diz muito bem que tal formalidade
é essencial, "não só para garantia de terceiros, como para a determinação dos
direitos e obrigações dos comanditários em relação aos demais sócios" (em
O Direito, vol. 14, pág. 192).
Não entendeu assim a Imperial Resolução do Conselho de Estado, fundada
no parecer do Cons. VISCONDE DE S. LU1S DO MARANHÃO (Aviso do
Ministro da Justiça, de 10 de setembro de 1889, em O Direito, vol. 50, págs.
182 ~~~~~~
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA ~~~~

Se as quotas comanditárias não estão integradas, pare-


ce-nos que se torna indispensável a inscrição dos nomes dos
comanditários no registo do comércio. O Código não se ref e-
riu aos comanditários que tivessem entrado logo com as suas
quotas? Na verdade, que significa um capital devido por anô-
nimos? Como poderiam terceiros executar os comanditários
pelas dívidas sociais até o valor das quotas prometidas ou
subscritas? No caso de falência da sociedade, ser-lhes-ia lícito
acobertarem-se com o anonimato para fraudarem a disposi-
ção do art. 53 da lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908? C).
Pensamos que os comanditários que desejem guardar
reserva sôbre as suas pessoas, devem realizar as quotas. Se
assumem a obrigação pessoal de efetuar as entradas em épo-
cas determinadas, têm de conformar-se às conseqüências da
sua situação.

SEÇÃO II

Da firma ou razão das sociedades em comandita simples

Sumário: - 739. Razão de ordem. - 740. Que deve contr.r


a firma ou razão das sociedades em com:mdita. -
741. O nome do comanditârio não deve figurar na
firma. - 742. A firma deve ser verdadeira.

739. Conhecidos os princípios expostos em o n. 654, 4.ª


alínea, supra, apreciaremos aqui a composição da firma das
sociedades em comandita simples.

449-458). É insustentável a doutrina adotada por esta resolução. (Consulte-s·e


a nota 1, pág. 344, do 1.0 vol., 2.ª ed., dêste Tratado).
(*) Corresponde ao art. 50 do Dec.-lei n. 7.661, de 21-6-945. V. o art.
6. o da mesma lei.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 183

740. A firma ou razão das sociedades em cornandita


simples deve compor-se do nome ou firma de um ou mais
sócios pessoal e solidàriamente responsáveis, com o adita-
mento - & Companhia (1), Silva & Companhia, Silva, Melo
& Companhia, são firmas regulares.

A primeira vi~ta, não há distinção entre a firma da so-


ciedade em nome coletivo e a da comandita sim pies. Ainda
se nao achou a fórmula definitiva para estabelecer a dife-
rença.

741. O nome completo ou abreviado de qualquer co-


manditário não pode ser incluído na firma (2), sob pena de
responder êste sócio ilimitada e solidàriamente por tôdas as
obrigações da sociedade (3).
Seria ilegal a firma da sociedade em comandi ta, sob a
fórmula Saraiva & Irmão, se um dos irmãos fôsse sócio soli-
dário e os outros comanditários (4).
A firma das sociedades em comandita não deve conter
outros nomes que os dos sócios solidários.

742. São, também, inadmissíveis, nas sociedades em


comandita, quaisquer firmas que não representem a verdade.
Seria irregular a firma Silva & Filhos, para designar uma
sociedade onde, além de Silva e seus filhos, existissem sócios
comanditários. Aplica-se à firma dessas sociedades o que dis-
semos em o n. 700 supra, relativamente à firma das socieda-
des em nome coletivo.

(1) Dec. n. 916, de 24 de outubro de 1890, art. 3. 0 , § 2. 0 •


Conferem os Códigos: Alemão, art. 19, 2.ª alínea; Húngaro, art. 13, 2.ª
alínea; Português, art. 22; Federal Suíço das Obrigações, art. 870.
(2) Dec. n. 916, de 24 de outubro de 1890, art. 3. 0 , § 2. 0 •
(3) Tôdas as legislações estão mais ou menos de acôrdo em que o nome
do comanditário não deva figurar na firma da sociedade.
( 4) Assim já se decidiu na Suíça. (DE SALIS & BOREL, Le droit Fé-
déral Suisse, 2.ª ed., vol. 4, n. 1.643).
184 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

SEÇAO III
Da administraç<io das sociedades em comandita simples
Sum6rio: - 743. Aplicam-se nqui as mesmas regras sôhrc
a administração das sociedades em nome coletivo,
sah·o o que se expõe nesta seção. - 744. Os co-
manditários são afastados da administração socinl.
- 745. Não podem praticar atos de gestão 11em ser
empregados os procuradores da sociedade. - 7-16.
~tes atos devem ser reais. - 747. - N5o podem
fazer pane da firma social. - 748. Atos que os cc-
manditários podem praticar. - 749. Os comanditá-
rios rc-dem d<>r pareceres e conselhos. - 750. Podem
autorizar atos que excedam a faculdade dos gere:t-
tes e aprovar atos e contas dêstes. - 751. Podem
negociar com a sociedade de que fazem pane. -
752. - Penalidades para os casos de infração das
proibições legais. - 753. Como se prova a infração.
- 754. Quem pode tomar efetiva a responsabilidade
solidária do comanditário.

743. Tudo o que dissemos em os ns. 103 e segs. sôbre


a administração das sociedades em nome coletivo se aplica à
das sociedades em comandita simples, salvo o que em seguida
se expõe, com relação ao afastamento do sócio comanditário
da gestão social .

744. Os sócios comanditários não intervêm na adminis-


tração social.
Como a participação dêstes sócios na sociedade é restrita
à quota do capital que conferem (n. 729 supra), receia-se que,
ávidos de lucros e não sofrendo prejuízos além do valor da
sua quota, lancem a sociedade em emprêsas de audácia e
pouco calculadas.
A responsabilidade pesa tôda sôbre os sócios de respon-
sabilidade ilimitada. A intervenção dos comanditários na ge-
rência seria incompatível com a sua responsabilidade limi-
tada.
Por outro lado, convém evitar a terceiros fácil equívoco
em acreditar na responsabilidade ilimitada do sócio que tra-
tasse em nome da sociedade, não obstante a publicidade do
registo do comércio.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEffiO 18!>

745. Eis porque, atendendo a êste duplo fim, a prote-


ção de terceiros e a dos próprios comanditários, a lei proíbe
que os sócios comanclitários:

Pratiquem qualquer ato de gestão ou sejam empre-


1. 0
gados nos negócios da sociedade, ainda como procuradores
gerais ou especiais (1). Teme-se que, assumindo as vestes de
mandatários, venham a exercer indiretamente a gerência, ilu-
dindo a proibição legal (2) .

Imagine-se que o principal interessado assumisse a qua-


lidade de comanditário, colocando na de comanditado um
homem de palha, de solvência duvidosa, e êste recebesse pro-
curação para gerir a sociedade. Maior seria a afoiteza quanto
menus tivesse a p2rder. No caso de desastre, viria a ruína total
dos credores.

(1) Cód. Com., art. 314.


O acórdão da Relação da Côrte, de 3 de setembro de 1878 (em O Direito,
vol. 17, págs. 315-316) considerou atos de gestão: a admissão de caixeiros, a
direção do estabelecimento durante a moléstia do sócio solidário e a intervenção
na escrituração do estabelecimento.
O acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 21 de julho de 1912,
ao contrário, considera que a intervenção do comanditário nas nomeações e de-
missões de empregados não produz a perda do benefício da limitação da res-
ponsabilidade (S. Paulo Judiciário, vol. 29, pág. 384 e Revista dos Tribunais,
vol. 3. 0 , pág. 43).
(2) A lei francesa (art. 27), a lei belga de 1873 (art. 22), os Códs. Argen-
tino, art. 3 77; Espanhol, art. 148, últ. alínea, proíbem que os comanditários.
pratiquem qualquer ato de gestão ainda em virtude de procuração. Os códs.
Húngaro, art. 141, últ. alínea; Português, art. 203, § I. 0 e o Cód. Federal
Suíço das Obrigações, art. 598, o permitem.
Veja-se nos Annales de Droit Commercia/, 1910, pág. 126, a apreciação de
nMILE POTV sôbre as origens da proibição da intervenção do comanditário e
a sua admissão nas leis dos diversos países.
A doutrina manifesta-se hoje no sentido de acabar-se com a proibição de
os comanditários tomarem parte na administração social. Basta um completo
regímen de publicidade para ciência de terceiros. Consultem-se THALLER,
Droit Commercial, 4.ª ed., n. 405; POTU, na monografia citada, ns. 67 e segs.:
VIVANTE, Trattato di Diritto Commerciale, 3.ª ed., vol. 2. 0 , n. 399; ARCAN-
GELI, La Società in Accomandita Semplice, ns. 124 e 125. Em VIDARI, Corso
di Diritto Commerciale, 5.ª ed., vol. 1, ns. 900 e 901, vejam-se os argumentos
pró e contra.
Nas sociedades em comandita por ações, o comanditário pode aceitar num-
dato da sociedade, sem se responsabilizar ilimitadamente, desde que declare a
qualidade em que age (Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, art. 218, § 2.º).
186 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Proíbe-se a mais simples intervenção do comanditário na


gerência da sociedade, ainda que acidentalmente, como no
caso de impedimento do gerente (1) .

746. O Código alude a atos reais de gestão, necessanos


para a sociedade realizar o seu objetivo, atos praticados pela
sociedade nas suas relações com terceiros .

Não basta a possibilidade da prática dêstes atos. Assim,


.não torna ilimitadamente responsável o comanditário a sim-
ples cláusula do contrato dizendo que êle substituirá na ge-
rência o comanditado nos casos de ausência ou moléstia. A
responsabilidade do comanditário surgiria somente se assu-
mis~e real e efetivamente a gerência (2) .

747. 2.° Façam parte da firma social (veja-se n. 741


.·supra).

A lei defende ao mesmo tempo, como se vê, a sociedade


e terceiros: aquela contra os perigos a que ficaria exposta
com o gerente cujo risco maior seria a perda da quota; êstes
contra o êrro ou engano a que poderiam fàcilmente ser leva-
dos sôbre a responsabilidade pessoal do sócio gerente.

(1) No acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 31 de julho


de 1912 (relator Whitaker) justifica-se muito bem esta proibição: "O intuito
da lei comercial estabelecendo proibição ao sócio comanditário de exercer atos
de gestão, ocupar empregos na sociedade e fazer parte da firma social, foi evitar
que o comanditário, entregando-se a emprêsas aleatórias, confiado em só correr
o risco da sua quota social, induzisse terceiras pessoas em êrro, julgando-o sócio
de responsabilidade ilimitada; foi uma medida de segurança nas operações ex-
·ternas da sociedade, uma providência de lealdade (THALLER) para com ter-
ceiros. Daí a interpretação de que todos os atos realizados pelo comanditário,
.que não saíssem da vida interna da sociedade, que se não relacionassem com
terceiras pessoas, estavam isentos da censura legal, como também dela estavam
,excluídos os atos que o comanditário realizasse com a sociedade, como se ter-
.ceiro fôsse (S. Paulo Judiciário, vol. 29, pág. 384, e Revista dos Tribunais,
vol. 3. 0 , pág. 43).
(2) Assim foi julgado pelo Tribunal de Justiça de S. Paulo em acórdão
de 27 de janeiro de 1906 (S. Paulo Judiciário, vol. 10, págs. 60-61 ), confirmado
.pelo de 27 de abril de 1907 (S. Paulo Judiciário, vol. 13, págs. 339-340).
Tal é a jurisprudência belga, apud GUILLERY, Des Sociétés Commerciales.
·vol. 2.0 , n. 448.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 187

748. Na proibição legal, da qual falámos em o n. 745


supra, não se incluem:
a) O direito de tomar parte nas deliberações da socie-
dade (1), porque, assim procedendo, os comanditários não
entram em relaçáo com terceiros; tratam, sim, de negócio da
economia interna da sociedade, para garantir o êxito das
operaçõe.3 ou negociações futuras.
b) O direito de fiscalizar o estado da sociedade e os
atos dos gerentes, o emprêgo dos fundos sociais, os documen-
tos e livros, direito garantido aos sócios em tôdas as socie-
dades (2).
Estipula-se em alguns contratos que o gerente dê cópia
do balanço aos comanditários, considerando-se que êstes o
aprovam, se não respondem dentro de breve prazo. É a pres-
tação de contas.
e) A responsabilidade de serem liquidantes da socieda-
de (3), visto como as proibições pressupõem a sociedade exis-
tente. Dissolvida esta, não há mais atos de gestão, porém
de liquidação. Podem, portanto, os comanditários continuar
a terminar as operações correntes, na medida em que é lícito
a um liquidante fazer, cobrar créditos, pagar dívidas sociais,
ceder o ativo da sociedade dissolvida à nova sociedade, etc.
Está subentendido que a pretexto de liquidar, o coman-
ditário não pode entrar em novas operações, fraudando a lei,
sob pena de surgir a sua responsabilidade além da quota.

749. Como conseqüência do n. 748 supra: não ficam


responsáveis os comanditários se dão pareceres e conselhos

(1) Cód. Com., art. 314. Neste sentido, art. 378 do Cód. Com. Argentino
(2) Cód. Com., art. 290. Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo
de 21 de julho de 1912, citado em a nota l, da pág. 185; acórdão da 3.ª Câma-
ra da Côrte de Apelação, de 2 de dezembro de 1926, no Arquivo Judiciário,
vol. 1.º, pág. 254.
(3) PERDIGÃO MALHEIROS, Consultas, pág. 412; VIVANTE, Trattato
di Diritto Commercia/e, 3.ª ed., vol. 2. 0 , n. 402; DELANGE, Des Sociétés Com-
merciales, ed. belga, n. 396; PONT, Sociétés, vol. 2, n. 1.459.
188 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

aos gerentes (1). A êstes não se contesta o direito de apro-


veitar a experiência daqueles. Caracteriza êstes pareceres e
conselhos a ausência de ato imperativo. O comanditário emite
a sua opinião, não impõe a sua vontade. Se os pareceres
tivessem o caráter imperativo, importariam ato de gestão. O
gerente seguirá os conselhos do comanditário, se os aceitar,
se os achar prudentes e bons.

750. Outrossim, não importam ato de gestão nem se


proíbem aos comanditários os votos ou a autorização para
atos que excedam a faculdade dos gerentes ou ainda a apro-
vação de atos e contas dêstes (2).

Não se trata de atos de gestão, porém de administração


interna.
O comanditário não poderia, entretanto, impor ou exigir
coisa alguma do gerente, nem lhe proibir atos de adminis-
tração da sua alçada e competência (3), e nem seria lícita a
cláusula contratual que restringisse os poderes do gerente
de tal modo que perdesse a independência, sendo obrigado a

(1) Acórdãos da 2. 8 Câmara, de 9 de agôsto de 1918, e da 3.ª Câmara, de


2 de dezembro de 1926 (Revista de Direito, vol. 49, págs. 686-688 e Arquivo
Judiciário, vol. 1.0 , pág. 254).
(2) Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 21 de julho de 1912,
no S. Paulo Judiciário, vol. 29, pág. 384. Neste sentido o Código Com. Argen-
tino, art. 378.
(3) O Código Federal Suíço das Obrigações, art. 595, última alínea, de-
clara que o comanditário não se pode opor aos atos da gerência.
Cód. Com. Argentino, art. 379, dispõe: "Los comanditarios no tienen en
calidad de tales, derecho a dar a los administradores ningunas órdenes, ni a
privarlos de hacer lo que por si sólos podrian ejecutar".
VIDARI, Corso di Diritto Commerciale, vol. 1, n. 897, distingue os atos
administrativos em mternos e externos; aquêles são os que não determinam
relação jurídica entre a sociedade e terceiros e êste, ao contrário, os que esta-
belecem estas relações, e diz que os atos externos se devem reputar sempre
proibidos aos comanditários, salvo se êstes desempenham o papel de comissários,
porque se obrigam, então, pessoalmente, e de liquidante, porque a sociedade está
dissolvida, e os atos internos são permitidos, como a participação nos conselhos
da administração; a fiscalização, a tomada de contas, a inspeção dos livros, arma-
zéns, fábricas, etc.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 139

pedir e obter do comanditário autorização para todos os ne-


gócios sociais ( 1) .

751. Outro corolário: é certo que o comanditário não


pode praticar ato de gestão nem ser empregado nos negócios
da sociedade, o que não significa que a sociedade esteja ve-
dada de entrar em relações de negócio com os comanditá-
rios, na sua qualidade pessoal. Aí êles não representam a so-
ciedade, não intervêm em atos de gestão; ao contrário, acham-
se em lado oposto em face dela.
Nessas condições, os comanditários podem vender e com-
prar bens e mercadorias da sociedade, emprestar, garantir
dívidas sociais, ser comissários e banqueiros da sociedade.
Obrando, então, em nome individual, como estranhos à so-
ciedade, obrigam pessoalmente os próprios bens.
Nenhum dos mencionados exemplos se considera ato de
gerência ou ato de intervenção (2).

752. No caso de infração das proibições legais, enume-


radas em os ns. 745 e 747 supra, cessa o benefício da limita-
ção da responsabilidade dos comanditários, não podendo mais
o readquirir. ::a:1es respondem ilimitada e solidàriamente pelas
obrigações sociais, como se fôssem comanditados (3), tanto

( 1) POTU, La défense d'immixtion du commanditaire dans la société en


commandite par interét, n. 31, in Annales de Droit Commercial, 1910, pág. 313.
(2) Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 21 de julho de 1912,
no S. Paulo Judiciário, vol. 29, pág. 384, e Rev. dos Tribunais, vol. 3. 0 , pág. 43.
(3) Cód. Com., art. 314. No mesmo sentido: o Cód. Argentino, art. 377,
in fine: "los comanditarios quedan obligados solidariamente coo los soei os ordi-
narios por todas las deudas de la sociedad", e o Cód. Chileno, que, no art. 485,
declara: "El comanditario que violar la prohibicion quedará solidariamente res-
ponsable coo los jestores de todas las pérdidas i obligaciones de la sociedad, sean
anteriores o posteriores a la contravención".
Os Códs. Húngaro, art. 141, e o Federal Suíço, art. 598, obrigam somente
o comanditário pelos negócios em que tomou parte.
O Cód. Italiano, art. 118, alínea 1 e 2, distingue entre o mandato geral
e o especial; no l.º caso, o comanditário responde ilimitadamente e i11 solidum
para com terceiros pelas dívidas anteriores e posteriores, como qualquer coman-
190 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

pelas obrigações anteriores como pelas subseqüentes à infra-


ção, qualquer que seja o objeto, visto como, em virtude destas
últimas, podiam ter levado à falência o estabelecimento co-
mercial.
A lei supõe que renunciaram à qualidade de comandi-
tários (1).
A intervenção do comanditário na gestão da sociedade
não o torna, porém, suscetível de falência (2), visto como a
sociedade realmente é em comandita, e a responsabilidade dos
comanditários uma pena.
753.Os atos de intervenção e os outros que a lei proíbe
provam-se por todos os meios de direito (3).
754. Quem pode exigir a responsabilidade ilimitada e
solidária do comanditário infrator da proibição legal?
Não há dúvida quanto aos credores anteriores ou subse-
qüentes à infração (n. 752, supra), especialmente no caso de
falência (4).
E os consócios ou o liquidante da sociedade podem exi-
gi-la?
É questão muito séria. Se se considera a proibição fun-
dada na proteção exclusiva de terceiros, a resposta é nega-

ditado; no 2. 0 , somente pelas operações em que intervieram, embora ilimita-


damente e i11 solidum.
A lei belga de 1873, art. 23, distingue os casos em que o comanditário pra-
tica atos isolados de gestão e em que gere habitualmente os negócios sociais.
No I. 0 , éle é pessoalmente responsável somente nos contratos ou atos em que
participou; no 2. 0 , responde por tôdas as obrigações sociais.
Nota-se nas legislações modernas a tendência de mitigar o rigor da respon-
sabilidade ilimitada dos comanditários.
( 1) O Cód. Com. Francês de 1807, no art. 2S, dispunha no mesmo sen-
tido do nosso Código, ao qual serviu de foui~. A lei de 6 de maio de 1863
modificou êste artigo obrigando os comanditários, solidàriamente com os coman-
ditados, pelas dívidas e obrigações sociais, decorrentes dos atos de gestão que
tenham praticado, podendo, o tribunal, segundo o número e a gravidade dêstes
atos, declará-los solidàriamente obrigados por tôclas as obrigações sociais ou
por algumas somente.
Convém, portanto, ser acolhida com reserva a lição dos tratadistas franceses
relativamente ao assunto para ser aplicada entre nós.
(2) Lei n. 2.024, de 17 de àezembro de 1908, art. 6. 0 , § 2. 0 (*).
(3) Cód. Com., art. 122; Reg. n. 737, de 1850, art. 138.
(4) Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 6. 0 , § 2.º (º).
(*) (º) Decreto-lei n. 7.661, de 21-6-945, art. 6. 0 •
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 191

tiva, prevalecendo nas relações entre os sócios as cláusula~


do contrato social. Se, porém, se justifica a proteção no duplo
motivo exposto em o n. 744 supra, surge a dificuldade da so-
lução (l). A 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, em acórdão
de 9 de agôsto de 1918, decidiu que somente aos terceiros
cabe exigir aquela respon~abilidade do comanditário, pois êste,
assumindo na sociedade papel vedado por lei, só o pode fazer
com o consentim·ento dos demais associados, e êstes como seus
cúmpl'ces na infração do contrato e da lei, não podem invo-
cá-lo em seu proveito (2).

SEÇÃO IV

Das relações dos sócios entre si e dos sócios para com ter-
ceiros e vice-versa nas sociedades em comandita simples
Suaário: - 755. Princípios gerais. - 756. Relações dos.
sócios entre si. - 7-:,7. O comanditário, que pagou·.
dívidas sociais, tem recurso contra a sociedade e os
comanditados? - 758. Relações dos sócios com ter-
ce:ros e vice-versa. A responsabilidade pelas obri-
gações sociais. - 759. Primeiro se executam os bens
sociais. - 760. A a~ão dos credores nos casos ,:k
falência da sociedade e depois de liquidada esta. -
761. Reposição dos lucros recebidos com fraude.

755. Domina a matéria estudada nesta seção o exposto·


em os ns. 588 e seguintes, supra. Vamos especializar aqui as
relações dos sócios entre si e dêstes para com terceiros e vice-
versa nas sociedades em comandita simples.

756. Relações dos sócios entre si. Aplica-se inteiramen-


te o que se disse em o n. 720 supra.

( 1 ) A jurisprudência francesa tem negado aos cumanditados o direito de


pedir a condenação da responsabilidade ilimitada, pessoal do comanditário.
l.YON-C.t\EN ct RENAULT, Traité de Droit Commercial, 4.ª ed., vol. 2, P. I,
n. 504, adotam sistema contrário.
No Direito italiano, VIVANTE, Trattato di Diritto Commerciale, 3.ª ed.,
vol. 2. 0 , n. 404 segue a doutrina da jurisprudência francesa.
(2) Rel'ista de Direito, vol. 49, págs. 686-688.
192 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

757. O comanditário que pagou dívidas sociais, por


efeito da solidariedade assumida, tem recurso contra a socie-
dade e os comanditados?

A proibição legal da intervenção dos comanditários nos


atos de gestão e em outros justifica-se pela necessidade da
dupla proteção aos comanditados e aos terceiros (veja-se n.
744 supra).

Partindo dêste princípio, tem-se negado o recurso, sob o


fundamento de que seria injusto responsabilizar o comandi-
tado pela culpa do comanditário, aproveitando-se êste da si-
tuação que implicitamente renunciou (1) .

A solução parece achar-se no meio têrmo. Se o comandi-


tário pratica atos de gestão ou outros em virtude de man-
dato conferido pelos seus consócios comanditados, a respon-
sabilidade é de todos, cabe o recurso daquele contra êstes; se,
porém, êle obra fora de mandato, por ato espontâneo, não
podendo a operação ser oposta à sociedade em virtude dos
princípios da gestão dos negócios, o comanditário não tem
o recurso (2). Em todo caso, se a sociedade ou todos os outros
sócios ratificam o ato do comanditário (a ratificação equivale
ao mandato) ou se lhes traz vantagens, o comanditário tem
recursos contra a sociedade, sendo que, nesta última hipó-
tese, até o valor do enriquecimento da mesma sociedade.

758. Relações dos sócios para com terceiros e vice-versa.


Constituída a sociedade em comandita simples, respondem
pelas obrigações sociais, em primeira linha, o patrimônio so-
cial, e, em segunda linha, subsidiàriamente:

(1) LYON-CAEN et RENAULT, Traité de Droit Commercial, vol. 2.0,


P. I, n. 505; VIV ANTE, Trattato di Diritto Commerciale, 3.ª ed., vol. 2. 0 , n. 404.
A jurisprudência e os autores franceses, que fundam a proibição legal uni-
camente no interêsse de terceiros, admitem solução diametralmente oposta.
(2) É o que sustentam THALLER, Traité E:lémentaire de Droit Commer-
cial, 4.ª ed., n. 404; PIC, Des Sociétés Commerciales, vol. t. 0 , n. 539; POTU,
La défense d'immixtion . .. ns. 56 a 59, in Annales de Droit Commercial, 1910
págs. 274 e seguintes. '
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 193

a) os patrimônios dos sócios comanditados (sócios de


responsabilidade ilimitada), e
b) a parte da quota ainda não realizada pelos sócios
comanditários.

759. Os credores sociais não podem executar os coman-


ditados e os comanditários senão depois de executados os bens
sociais ( 1) . Cabem aqui as considerações dos ns. 634 supra e
especialmente 725 supra.

760. A ação dos credores manifesta-se, tanto na falên-


cia, como depois de dissolvida e liquidada a sociedade.
No caso de falência da sociedade, os sócios comanditários
são obrigados a integralizar as quotas que subscreveram para
o fundo social, não obstante quaisquer restrições, limitações
ou condições estabelecidas no contrato social (2) . Não satis-
fazendo amigàvelmente, quando avisados, os liquidatários pro-
porão contra êles ação executiva, observando-se o disposto
nos arts. 311 a 317 do reg. 0 n. 737, de 1850 (3). A fonte da
ação é o contrato social.
Se a falência não é aberta e se a sociedade está liquidada,
o comanditário não se liberta de integrar a quota, isto é, de
concorrer para a solução do passivo social, enquanto não
prescrita a obrigação (Código Comercial, art. 444). Não é
possível desconhecer ou negar o direito de os credores deman-
darem diretamente os comanditários pelos fundos com os
quais se obrigaram a contribuir e que realmente não entre-
garam (Código Comercial, art. 329).

(1) Cód. Com., art. 350; Reg. n. 737, de 1850, adts. 491 e 531, § 1.0 ;
Dec. n. 3.084, de 1898, P. III, arts. 498 e 533, a.
(2) Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 53 ("').
(3) Lei n. 2.024, de 1908, art. 53, § 1. 0 (**).
Esta lei ainda dispõe no mesmo artigo: ·
§ 2. 0 Os liquidatários poderão propor a ação antes de vender os bens da
sociedade e apurar o ativo e sem necessidade de justificar a insuficiência dêste
para a solução do passivo da falência.
§ 3. 0 A ação poderá compreender todos os réus ou ser especial para cada
um devedor em condições de solvência.
("') (**) Decreto-lei n. 7.661, de 21-6-945, art. 50.

13
194 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Podem aparecer e têm aparecido casos em que esta ação


direta dos credores sociais é indispensável. Suponhamos que
a sociedade em comandita se tenha dissolvido e liquidado há
mais de dois anos e que o direito dos credores não esteja pres-
crito. Torna-se impossível a falência (1) . Negar a ação di-
reta contra os comanditário é criar outra prescrição a favor
dêstes; é dar foros de cidade à fraude entre os comandi-
tários e os liquidantes, que não os obrigaram a entrar com a
quota para a solução do passivo social.
Nem se diga que o nome do comanditário pode ficar
oculto e assim desconhecido de terceiros .
Isso é exato enquanto a sociedade está solvente; no caso
de insolvência ou de extinção da sociedade sem o pagamento
das obrigações sociais, tudo muda de figura.
Demandados os comandi tários pelos credores diretamen-
te ou na falência, não podem opor as exceções que porventura
tenham contra a sociedade ou contra os comanditários, seus
consócios. A quota é parte do capital, e êste serve de garan-
tia aos terceiros. A responsabilidade dos comanditários para
com êstes terceiros é pessoal, jure proprio, em face do artigo
313 do Código Comercial; êles não são sub-rogados nas obri-
gações da sociedade.
761. Para assegurar aos credores sociais a integridade
da garantia oferecida pelos comanditários, o respeito ao capi-
tal social, a lei determina que êstes reponham os lucros rece-
bidos com fraude (art. 313), isto é, os dividendos não exis-
tentes, fictícios, que tenham percebido.
Em rigor, os lucros reais da sociedade somente se apuram
na dissolução. Não é a êstes lucros que a lei se refere, mas
àqueles que a prática comercial, de ordinário adotada no con-
trato social, manda periodicamente distribuir por ocasião do
balanço (n. 563 supra). É essencial a veracidade dêste ba-
lanço para servir de critério à distribuição dos lucros.
Se a lei assim não dispusesse, o comanditário, por meio
dessas retiradas, sob o falso título de lucros reais, subtrairia

(!) Lei n. 2.024, de 1908, art. 5. 0 ( • ) .


(•) Decreto-lei n. 7.661, de 21-6-945, art. 4. 0 , n. VII.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 195

a sua quota, desfalcando o fundo comanditário, uma das ga-


rantias dos credores sociais. Dividendos ou lucros indevidos
representam simplesmente a restituição por parcelas do
capital.

Compreende-se que sàmente os comanditários estejam


obrigados a essa restituição, como os acionistas das socieda-
des anônimas, porque os sócios de responsabilidade ilimitada
respondem sempre com todos os seus bens pelas obrigações
da sociedade .
~sse é ainda um motivo justificativo da restituição dos
lucros indevidos, percebidos pelos comanditários: a necessi-
dade de garantir o direito de todos os sócios em face do con-
trato.
Esta restituição ou reposição sàmente se dá no caso de
falência por meio da ação revocatória (1), porque sàmente
então é que se pode bem verificar a fraude, sendo mister
muita circunspeção por parte dos juízes.
Contra os comanditários há a presunção de fraude se
recebem dividendos indevidos, porquanto é seu dever fiscali-
zar as operações e o estado da sociedade (2), verüicar a exa-
tidão e sinceridade do balanço e assiná-lo. Se recebem o que
não têm direito, sàmente de si se devem queixar. Não seria
justo que alegassem, como motivo de escusa, a ignorância do
estado econômico da sociedade por falta de balanço regu-
lar (3).

(1) Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 56 (*).


(2) Cód. Com., arts. 290 e 314.
(3) DELANGLE, Des Sociétés Commerciales, n. 357: "II ne peut pas y
avoir ignorance invincible, quand on s'abstient non-seulement des vérifications
possibles, mais de celles-là mêmes qui sont imposées par la !oi. C'est alo~ une
ignorance volontaire, calculée peut-être; c'est, légalement parlant, un fa1t de
mauvaise foi et rien ne peut soustraire aux poursuites des créanciers !e comman-
ditaire qui, ~uivant en aveugle la foi du gérant, acceptant sans contrôle ses
paroles et ses calcules, a reçu un dividende, quand il n'y avait pas de bénéfice
réalisé et s'est conséquemment, au mépris des regles du droit les plus certaines,
approprié une partie quelconque du fonds capital".
(*) Decreto-lei n. 7.661, de 21-6-945, art. 53.
196 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA ~~~~~~~~-

A restituição por parte dos comanditários faz-se com os


juros nos têrmos do art. 58 da lei n. 2.024, de 17 de deze111bro
de 1908 (*).

Os comanditados, gerentes da casa, que distribuem lucros


indevidos, incorrem nas penas da falência fraudulenta nas
têrmos do art. 168 in princ. da lei n. 2.024, de 1908 (**).

CAPÍTULO IV

Das sociedades de capital e indústria

Somá.rio: - 762. Noção histórica das sociedades de capit:il


e indústria, objeto dêste capítulo.

762. O Código Comercial destinou oito artigos, 317 a


327, para estabelecer a disciplina das sociedades de capital
e indústria. ~le limitou-se a trasladar, mais ou menos as dis-
posições dos arts. 557 e segs. do Cód. Com. português de 1833,
que por sua vez, as copiara do Projetto di codice di commercio
di terra e di mare riformato dalla commisione dietro le osser-
vazioni dei tribunali e camere di commercio del Regno d'Italia
(Milano, 1807) .

Esta idéia é, como se vê, de origem italiana, tendo sido


banida dos códigos europeus ( 1) .

Nesse capítulo apreciaremos essa exdrúxula construção


do nosso Código.

( 1 ) Os Códs. argentino e uruguaio adotaram a sociedade de capital e


indústria, ou habilitaci6n, híbrida institución, feo parche, na frase de SEGOVIA.
( *) Decret0-lei n. 7.661, de 21-6-945, art. 54.
( **) A atual lei de falências ( cit. Dec.-lei n. 7 .661 ) não denomina ou
qualifica os crimes falimentares, estando, contudo, a hipótese prevista na com-
binação dos arts. 187 e 191.
TEATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEffiO 197

SEÇÃO I

Das noções fundamentais sôbre as sociedades de capital


e indústria

Sum:irfo: - 763. A figura da sociedade de capital e indús.-


tria. - 764. As duas classes de sócios nessas socie-
dades. - 765. O sócio de ind6stria não po·Je entrar
em 0perações comerciais estranhas à sociedade, ~al­
vo se.. . - 766. Responsabilidade dos sócios de
capital e indústria. - 767. Lucros do sócio de in-
d6stria. - 768. Direito dos credores particulares
dêste sócio.

763. O Código Comercial, no art. 317, define a socie-


dade de capital e indústria: "aquela que se contrai entre pes-
soas, que entram por uma parte com os fundos necessários
para uma negociação comercial em geral, ou para alguma
operação mercantil em particular, e por outra parte com a
sua indústria somente".

Já dissemos que a quota de um dos sócios, nas socieda-


des comerciais pode consistir em trabalho ou indústria e mos-
tramos a natureza desta quota (ns. 544, 556 e 558 supra).

Que significa a sociedade sob o nome de capital e indús-


tria?

Em rigor não se trata de tipo especial de sociedade, po-


rém, de um modo da sua composição (1). (Veja-se n. 573
supra).

764. Na sociedade de capital e indústria figuram, como


resulta da definição legal em o n. 763 supra, duas classes de
sócios: sócios capitalistas, que fornecem os fundos necessários

( 1) FERREIRA BORGES, Dicionário Jurídico, verb. Sociedade: "Há


um outro modo de sociedade, que não uma espécie, e é a que se diz dr! capital
e indústria, isto é, em que um sócio entra com o fundo e o outro com o seu
trabalho". Veja-se também o mesmo autor, Jurisprudência do Contrato Mer-
cantil de Sociedade, Lisboa, 1844, nota ao § 35.
198 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

para a emprêsa ou para a operação mercantil, que dão o


nome à firma social e que gerem a sociedade, e sócios de
indústria, que cooperam, pessoal e diretamente, para o fim
social, dedicando a sua atividade à sociedade, desde a alta
direção da emprêsa à mais simples execução do trabalho
manual, desde o desempenho de função ou fiscalização téc-
nica ou de um ramo destas à prática de determinado tra-
balho (1).

765. O sócio de indústria deve o seu trabalho, a sua


atividade, a sua dedicação à sociedade; não se pode empre-
gar em operação comercial estranha à incluída no objeto
social (2), sob pena de perder os lucros que lhe coubessem
e de ser excluído da sociedade (3).
O contrato social pode, entretanto, derrogar a proibição,
permitindo que aquêle sócio se ocupe de operação estranha
aos fins da sociedade (4).

766. O sócio capitalista responde ilimitada e solidària-


mente pelas obrigações sociais (5).
O sócio de indústria não respon~abiliza o seu patrimônio
particular pelas obrigações contraídas em nome da sociedade,
salvo se, além da indústria,
a) contribuir para o capital social com alguma quota
em dinheiro, bens ou efeitos (6);
b) se é gerente da sociedade (7) ;
e) se dá o seu nome para a formação da firma social
(n. 769, infra).

(1) O Cód. Com. Português de 1833 considerava o sócio de indústria


ínstitor ou mandat6rio (art. 561), e, como tal, responsável por infidelidade ou
negligência no cumprimento d~ suas _obrigaçõ~. . .
O projeto do Código Italiano acima refendo denommava-o s6c10 perso-
nalista.
(2-3-4) Cód. Com., art. 317, V' alínea.
( 5) Cód. Com., art. 320.
(6-7) Cód. Com., arl 321.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 199

Nernes três casos, o sócio de indústria torna-se ilimitada


e solidàriamente responsável pelas obrigações da sociedade,
nas mesmas condições dos sócios capitalistas.

767. O instrumento do contrato da sociedade, para a


qual um ou mais sócios entram sómente com a indústria,
além das enunciações do n. 654 supra, deve especificar as obri-
gações dêstes sócios e a parte que lhes cabe nos lucros so-
-ciais (1).
No silêncio do contrato relativamente à partilha dos lu-
cros, o sócio de indústria tem direito à parte igual a que fôr
estipulada a favor do sócio capitalista de menor entrada (2).
O Código não exige a avaliação da quota consistente em
indústria (veja-se n. 544 supra).

768 . Os bens da sociedade não respondem nem podem


ser executados pelas dívidas ou obrigações particulares do
sócio meramente de indústria (3). Sociedade e sócio são pes-
soas diversas.
Os credores particulares dêste sócio poderão, entretanto,
penhorar em execução a parte dos lucros, que lhe couber na
partilha (4) .

(I-2) Cód. Com., art. 319.


Esta disposição não tem escapado à crítica, lembrando-se que a indústria
de um dos sócios vale muitas vêzcs no comércio mais que a quota de capital
(veja-se a nota 4, da pág. 34 dêste volume). Acha-se que a quota nos lucros
deveria ser determinada pelo valor atribuído à quota de indústria e, se as partes
.não chegassem a acôrdo, pelo valor arbitrado pelo juiz ou por louvados.
Veja-se censura idêntica em LYON-CAEN et RENAULT, Traité de Droit
Commercial, 4.ª ed., vol. 2. 0 , P. 1, n. 51.
Se houver somente um sócio capitalista, ou se a entrada dos sócios capita-
listas forem iguais? A lei não solveu a questão; supôs o caso de dois ou mais
sócios capitalistas com entradas desiguais. Se um sócio confere capital e outro
indústria, deve-se proceder à repartição pro medietate, especialmente se o sócio
de indústria valei bono nomine, auctoritate, gratia, consilio atque peritia ( CON-
NANUS, in RODINO, II contratlo di società, nota ao n. 488).
(3-4) Cód. Com., art. 323.
200 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

SEÇÃO II

Da firma ou razão das sociedades de capital e indústria

Sumário: - 769. Composição da firma ou razão da socie-


dade de ca::;iital e indústria. - 770. O art. 318 do
Código Comercial.

769. A sociedade de capital e indústria, como tôda so-


ciedade mercantil, apresenta-se nas relações para com ter-
ceiros sob a firma ou razão social.

Esta firma ou razão não pode conter o nome por extenso


ou abreviado do sócio de indústria (1), sob pena de assumir
êle a responsabilidade ilimitada e solidária pelas obrigações
sociais (2) .

770. O Código Comercial, no art. 318, informa-nos que


a sociedade de capital e indústria pode existir sem firma
social.

(1) Dec. n. 916, de 24 de outubro de 1890, art. 3, § 3. 0 •


(2) Cód. Com., arts. 316 e 321; Dec. n. 916, de 1890, art. 8, parágrafo
único.
Em nossa monografia Das Firmas ou Razões Comerciais, n. 57, lê-se que a
firma da sociedade de capital e indústria pode conter o nome por extenso ou
abreviado do sócio de indústria. Nota-se logo o êrro de impressão, tendo esca-
pado a partícula não.
Não procede a censura dos ilustrados Dr. ALMEIDA NOGUEIRA & FIS-
CHER, em a nota 87 do 1. 0 vol. do Tratado de Marcas Industriais. A lei proíbe
que aquela firma contenha o nome do sócio de indústria. Se é infringida a lei,
qual a sanção? Eis o ponto a resolver. Entendemos que êste sócio deixará de
ser de indústria somente (a expressão é dos arts. 317 e 319 do Código), para
se tornar sócio também nominal e responsável por tôdas as obrigações sociais
O sócio de indústria que empresta o nome à firma, obriga-se pelas responsa-
bilidades sociais em face do art. 8. 0 , parágrafo único, do Dec. n. 916, de 1890.
A junta comercial não pode negar o registo, por se não tratar de firma irre-
gular; ao contrário, a firma denuncia a terceiros que o sócio de indústria pres-
tando-lhe o seu nome, quer assumir a responsabilidade ilimitada e solidária.
E se o sócio de indústria usa a firma social ali está o seu art. 321 do Código
Comercial, definindo-lhe a responsabilidade. Usar a firma social é gerir em
nome da sociedade.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 201

Tem sido um tormento a interpretação desta disposição.


Como admitir uma sociedade oposta a terceiros sem firma·
ou razão social?
TEIXEIRA DE FREITAS diz que, não havendo firma so-
cial, o sócio de indústria é gerente, caixeiro ou administrador.
É locador de serviços que, em vez de receber salário certo,
tem sàmente direito a retribuição eventual, a quota de lucros,
se houver (1).
Pareceu-nos, a princípio, que aquela sociedade podia apre-
sentar-se sob a firma individual do sócio capitalista, se hou-
vesse um só. Nessa mal arranjada combinação, o sócio de·
indústria ficava reduzido a simples caixeiro, não tendo res-
ponsabilidades sociais (2).
Entende o Dr. JúLIO PIRES, que a sociedade decapitar
e indústria sem firma é sociedade em conta de participa-
ção (3).
Temos hoje como certo que o art. 318 do Código Comer-
cial está bem explicado pelo art. 3. § 3. 0 , do decreto n. 916,.
de 24 de outubro de 1890. A sociedade de capital e indústria,
que é a mesma sociedade em nome coletivo, onde figuram um
ou mais sócios que contribuem exclusivamente com a sua
indústria, não pode existir sem firma ou razão social, que se
compõe do mesmo modo que a firma ou razão desta socie-
dade, apenas com a exclusão do nome abreviado ou por
extenso do sócio de indústria.
A sociedade composta do sócio capitalista Chrispin e de
outro sócio industrial, pode ter por firma Chrispin & Cia.
Tudo o mais é confundir noções distintas. Sociedade
girando sob a firma individual de um dos sócios é atentado
aos princípios nos quais se baseia o sistema legal da veraci-

( 1) Consolidação dus Leis Civis, nota 15 do art. 756.


(2) Veja-se nosso estudo em O Direito, vol. 94, págs. 8, e n. 42, da nossa.
monografia Das Firmas ou Razões Comerciais.
(3) Direito Comercial, Pernambuco, 1907, pág_. 134.
'202 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

.d.ade das firmas (veja-se n. 181 do 2. 0 volume) . Sócio-cai-


~eiro, sócio-preposto, são coisas que se não compreendem.
Considerando-se sócio em conta de participação o de indús-
tria, teríamos: ou êle se apresentaria pessoalmente perante
terceiros, e nesse caso seria sócio ostensivo e obrigar-se-ia
in infinitum; ou se manteria inativo, e então responderia
perante o sócio ostensivo pelo resultado das transações e pelas
obrigações resultantes. Ora, isso seria atacar o princípio da
sociedade de capital e indústria, onde o sócio que se limita a
prestar o seu trabalho não responsabiliza o patrimônio par-
ticular.

SEÇÃO III

Da administração das sociedades de capital e indústria

Sumário: - 771. Prevalecem aqui os mesmos princípios da


sociedade em nome coletivo. - 772. O sócio de
indústria não pode ser gerente.

Aplica-se aqui tudo quanto dissemos relativamente


771.
à administração da sociedade em nome coletivo (ns. 703 e
segs. supra) .

O sócio meramente de indústria não pode ser ge-


772.
rente, sob pena de assumir as vestes de sócio ilimitada e
solidàriamente responsável para com terceiros pelas obriga-
ções sociais (1) .
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 203

SEÇAO IV

Das relações dos sócios entre si e dêstes para com ter-


ceiros e vice-versa nas sociedades de capital e indústria

Sum~rlo: - 773. Relações dos sócios entre si. - 774. Re-


lações dos sócios capitalistas para L"Om terceiros. ·-
775. Relações dos sócios de indústria para com ter-
ceiros. - 776. Reposição de lucros indevidos.
777. Ações dos credores sociais contra o sócio de
indústria.

773. Quanto às relações dos soczos entre sz, e o con-


trato que as estabelece (n. 654, 13.ª alínea, supra).

O Código Comercial concede expressamente aos soc1os


capitalistas contra o sócio de indústria tôdas as ações que a
lei faculta contra o gerente ou mandatário infiel ou negli-
gente culpável (1).

774. Relativamente às relações dos sócios para com ter-


ceiros e vice-versa, há a atender o seguinte:

Os sócios capitalistas respondem ilimitada e solidària-


mente pelas obrigações sociais, como o sócio da sociedade
em nome coletivo (2).

775. Já dissemos em o n. 766 supra, que o sócio de


indústria não assume responsabilidade para com terceiros
pelas obrigações sociais, com exceção dos três casos ali men-
cionados.

776. O sócio meramente de indústria não é obrigado


a repor, por motivo de perdas supervenientes, o que tiver
204 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

recebido de dividendos nos lucros sociais, salvo nos casos de


dolo ou fraude de sua parte (1).

777. Competem aos credores da sociedade contra o só-


cio de indústria as ações que a lei faculta contra o gerente,
ou mandatário infiel negligente culpável (2).

CAP1TULO V

Da dissolução e da liquidação das sociedades em nome


coletivo em comandita simples e de capital e indústria

Sumário: - 778. Razão de ordem.

778. Completamos neste capítulo o estudo relativo às


sociedades em que figuram sócios de responsabilidade ilimi-
tada, objeto do Título m, tratando da sua dissolução e liqui-
dação.

SEÇÃO I

Da dissolução

!lilmárlo: - 779. A dissolução assinala o fim :.las socie-


dades comerciais. - 780. Meios pelos quais ge dis-
solvem as sociedades.

779. A dissolução assinala o limite, o fim normal ou


anormal, previsto ou imprevisto, das sociedades comerciais.

( 1) Cód. Com., art. 322.


(2) Có<l. Com., art. 324.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 205

Dissolução da sociedade e dissolução de contrato social


são coisas idênticas.

780. As sociedades comerciais dissolvem-se:

l.º De pleno direito, ope legis, isto é, sem que necessite


qualquer dos sócios implorar a intervenção judicial (1) . A
dissolução opera-se, pode-se dizer, automàticamente, sem a
manifestação da vontade dos sócios, e muitas vêzes contra
esEa vontade.

Isso não quer dizer, porém, que se algum dos soc10s


levantar dúvidas sôbre a existência ou procedência do fato,
que autoriza a dissolução de pleno direito (por exemplo, a
morte de um dêles), seja vedada a intervenção do poder judi-
ciário, para solver a controvérsia (n. 852 infra).

2.0 Por provocação contenciosa de uns contra outros


sócios, fundada em motivos definidos na lei (2).

3. 0 Por convenção dos sócios (3).

780-A. As sociedades que tenham obtido concordata


preventiva, podem dissolver-se, já de pleno direito, já pelos
outros motivos autorizados por lei. Deve-se, porém, ter em
vista o interêsse dos credores.

(1) Cód. Com., art. 335, ns. 1 a 5.


(2) Cód. Com., art. 336.
(3) Cód. Com., art. 335, o. 3. O Cód. inclui entre os casos de dissolução
de pleno direito o mútuo consenso dos s6cios. Isso não nos parece exato.
Trata-se de caso especial, a alteração do contrato, em virtude do qual se
antecipa o vencimento do prazo marcado para a sociedade. (Veja-se n. 676.
supra).
206 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

ARTIGO I

Da dissolução de pleno direito

Sum:irlo: - 781. Casos em que as sociedades comerciais se


dissolvem de pleno direito.

781. As sociedades comerciais dissolvem-se de pleno


direito:

1.º pela expiração do prazo ajustado para a sua du-


ração (1);

2.º pela morte de um dos sócios, salvo convenção em


contrário a respeito dos sobreviventes (2);

3.º pela manifestação da vontade de um dos sócios>


quando a sociedade fôr celebrada por tempo indeterminado
de duração (3);

4.º pela falência da sociedade (4);


5.º pela falência de qualquer dos sócios (5):
6.º pelo casamento dos dois sócios (6) (n. 646 supra);
7.º pela incorporação dos bens sociais como quota so-
cial na sociedade anônima.

( 1) Cód. Com., art. 335, n. 1.


(2) Cód. Com., art. 335, n. 4.
(3) Cód. Com., art. 335, n. 5.
(4) Cód. Com., art. 335, n. 2.
(5) Cód. Com., art. 335, n. 2; Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de
1908, art. 51 (•).
( 6) Se a mulher sócia se casa com pessoa que não é sócia, a sociedade
continua. Cód. Com., art. 29. TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação das Leis
Civis, nota 16 ao art. 758, § 1.º (Veja-se n. 60 do 2.º vol. dêste Trabalho).
O Cód. Civil argentino dispõe no art. 1.737: "La mujer socia que contra-
jere matrimonio, no se juzgará incapaz, si fuere autorizada por su marido para
continuar en la sociedad".
( •) De maneira diversa dispõe o Decreto-lei n. 7 .661, de 21-6-945, no
art. 48, derrogando o princípio estabelecido no n. 2 do art. 335 do Cód. Com.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEffiO 207

A sociedade dissolve-se ipso facto, desde que qualquer


dês~es acontecimentos se dê (1). Aos sócios cabe deliberar
a constituição de nova sociedade.

Examinaremos êsses casos.

§ l.º

Da expiração do prazo ajustado

Sumário: - 782. A expiração do prazo contratual é a causa


normal, regular e mais simples da dissolução das
sociedades. - 783. Uma coisa é prazo incerto e outra
prazo indeterminado. - 784. Se antes de terminado
o prazo contratual se realiza o objeto 1lnico da se>
ciedade? - 785. Tendo a sociedade de ser renovad:i.
é indispensável novo contrato.

782. A expiração do prazo ajustado é a causa normal,.


regular e mais simples da dissolução das sociedades. Na
época fixada no contrato institucional, a sociedade dissolve-
se, ainda que não tenha atingido o fim ou concluído a em-
prêsa ou operação que constituiu o seu objeto. Dispositio·
facta pro certo temp'?re ultra illud non extenditur, dizia
STRACCA.
Para evitar êste fato, muitas vêzes filho do êrro de pre-
visão, têm os sócios a faculdade de prorrogar o prazo mar-
cado para a duração da sociedade.
A dissolução da sociedade vem fatalmente com a expi-
ração do prazo contratual; opera-se de pleno direito. Não·
há mister de qualquer ato ou comunicação dos sócios (2).

783. O prazo de duração da sociedade pode ficar in-


certo, como se se dissesse que esta duraria até à conclusão

( 1) Na Inglaterra, a sociedade entre inglês e estrangeiro dissolve-se se


rompe a guerra entre os respectivos países (STEVENS, The elements o/ mer-
cantile law, 3.ª ed., pág. 243).
(2) Veja-se o parecer de JOÃO MONTEIRO, na Revista de Jurisprudên-
cia, vol. 6. 0 , pág. 27.
208 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

de certa operação ou emprêsa mercantil, por exemplo, aLé à


construção de um estrada de ferro, de um pôrto, etc. Nüo
há nessa estipulação, o prazo indetenninado, mas simples
indicação demonstrativa da duração da sociedade, que terá
o prazo incerto . A expiração do prazo dependerá da realiza-
ção de uma condição, de um acontecimento futuro (n. 654
supra).

784. Não obstante o contrato determinar o prazo para


a duração da sociedade, pode acontecer que o negócio ou
serviço, que constitui o seu único objeto, se realize ou se
conclua antes dêsse prazo; exemplo: se a estrada de ferro é
construída antes do dia designado para tenninar a sociedade.
Quid inde?
Findo o negócio único para o qual fôra instituída ou
o serviço exclusivo a seu cargo, a sociedade dissolve-se, visto
não ser possível sociedade sem objeto (1). Finita causa ces-
sat effectus.
Havendo dúvida, a questão é de fato, devendo ser solvida
conforme as circunstâncias.
785. Expirado o prazo da sociedade, contratada por
tempo determinado, se ela tiver de continuar com os mes-
mos ou outros sócios, é indispensável novo instrumento, pas-
sado e legalizado com as mesmas formalidades da sua insti-
tuição (vejam-se ns. 214, /,do 1.º vol., 2.ª ed., 674 e 737 supra
dêste 3.0 volume) (2).
Se a sociedade continua sem novo contrato, devidamente
arquivado no registo do comércio, torna-se irregular, respon-
dendo todos os sócios solidàriamente pelas operações e atos
praticados (3) .

( 1)GUILLERY, Des sociétés commerciales, 2.ª ed., vol. 3, n. 1.073.


(2) Cód. Com., art. 307.
(3) TEIXEIRA DE FREITAS, Aditamentos ao Código do Comércio,
pág. 691, chama êste ato prorropação de fato.
Ocorrendo a morte do sócio na sociedade prorrogada de fato, a dissolução
reputa-se operada no dia dêsse falecimento e não no do vencimento do prazo.
(TEIXEIRA DE FREITAS, obra citada, pág. 691).
O acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 30 de novembro de
1906, confirmado pelo das Câmaras Reunidas, de 28 de abril de 1909, decidiu
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 209

Está subentendido que para continuar a sociedade, é


essencial o consentimento unânime dos sócios. Aqui não
tem fôrça a maioria.

§ 2.º

Da morte de um dos sócios

Swaárlo: - 786. Porque a morte de um dos sócios dissolvo


as sociedades de que tratamos no Tft. Ili. - 7ff7. A
estipulação relativa à continua-;:io da sociedade com
os sócios sobreviventes. - /&8. Pode-s'! e>tinular que
a sociedade continue com os herdeiros do sócio? -
789. A morte da mulher de um dos sócios não dia-
solve a sociedade.

786. As sociedades comerciais, de que nos ocupamos,


são constituídas tendo-se em vista as pessoas dos sócios. Mor-
rendo uma destas, dissolve-se a sociedade, quia, qui societa-
tem contrahit, certam personam sibi eligi (Inst., § 5. 0 , de
societate) (1).

787. Não se dissolverá, porém, a sociedade em cujo con-


trato fôr estipulada a sua continuação com os sócios sobre-
viventes (2). Esta cláusula de uso freqüente é uma garantia

que, expirado o prazo para a duração da sociedade, e, dando-se a prorrogação


de fato, a sociedade não se reputa dissolvida no dia do vencimento daquele
prazo, pelo que subsiste a responsabilidade de todos os sócios pelas obrigações
sociais (Revista de Direito, vol. 12, págs. 545-546).
( 1) Cód. Com., art. 335, n. 4.
Não se dissolvem com a morte de um dos sócios: a) a sociedade anônima;
b) a sociedade em comandita por ações, em cujo contrato se estipular que a
morte de qualquer dos sócios gerentes não será causa de dissolução (Dec.
n. 434, de 4 de julho de 1891, arts. 225, § 2. 0 , e 226); e) a cooperativa, qual-
quer que seja a forma que assuma (Lei n. 1.637, de 5 de janeiro de 1907,
art. 19) ( • ) .
(2) Cód. Com., art. 335, n. 4.
Se, no contrato social, os sócios não estipularem expressamente que a so-
ciedade continuará com os sobreviventes, êstes não estarão inibidos de formar
( •) Quanto às cooperativas, Decreto-lei n. 5.893, de 19 de outubro de
1943, art. 66, § 2. 0 •

14
:no J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

aos sócios, especialmente nas sociedades industriais, que exi-


g2m custosa instalação. Nesse caso, verifica-se e apura-se a
parte que cabe ao sócio falecido para ser entregue aos seus
herdeiros. A sociedade não entra em liquidação, por isso que
nem dissolvida é pela morte do sócio. O direito dêsses herdei-
ros limita-se a reclamar da sociedade a parte a que tinha
direito o seu antecessor (1) .
No intuito de evitar trabalho com o levantam~nto do
balanço fora da época normal (n. 248, do 2.º volume dêste
Tratado), discussões e desavenças, e, conseguintemente, para
facilitar a continuação do negócio ou estabelecimento comer-
cial ou industrial, é de uso pactuarem os sócios, no contrato
social a entrega aos herdeiros da quota conferida pelo sócio
pré-morto com certo juro a partir de data fixada ou da parte
de capital e lucros dêsse sócio, que fôr verificada sôbre os
elementos do último balanço, sendo o pagamento efetuado
em prestações.
Esta cláusula é válida, ainda que o sócio pré-morto
deixe herdeiros menores (2) • O seu fundamento encontra-se

nova sociedade, sucessora. Dá-se sõmente que a sociedade não continua, dissol-
ve-se; forma-se nova sociedade, que sucede àquela (Veja-se TEIXEIRA DE
FREITAS, Consolidação das leis cfris, nota 27 ao art. 764).
(1) O acórdão da 1.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 28 de novembro
de 1907 (em O Direito, vol. 105, pág. 29, e na Revista de Direito, vol. 12,
pág. I 09) chama dissolução parcial a essa verificação, "para o só efci~o de
apurar-se a quota do sócio pré-morto", com o fim de "remover os inconvem~ntes
ou delongas de uma liquidação ordinária em detrimento do regular func10na-
mento da sociedade".
A sociedade, no caso de que tratamos, não se dissolve, e por isso é que·
se contrata a sua continuação, com os sócios sobreviventes. Se não há dissolução.
muito menos se dá a liquidação, cujos Inconvenientes se procuram afastar. O
que ocorre é um ato equivalente à dissolução e liquidação da sociedade no que
diz respeito aos herdeiros do sócio pré-morto, idêntico ao caso da retirada de
sócio, ut n. 680, supra.
(2) Não havendo no caso liquidação da sociedade, não se lhe aplica a
disposição do art. 353 do Cód. Com. Isso não quer dizer que os menores
deixem de ser devidamente representados na apuração da parte pertencente a(}
sócio pré-morto. Não há necessidade, porém, do curador especial a que se
refere o citado art. 353.
Disse o Cons. RUI BARBOSA, em parecer de 12 de agôsto de 1909:
"O acidente da menoridade, em que por acaso o falecimento de um asso-
ciado vier a deixar um dêstes, não pode alterar o acôrdo mutuamente estabelecido
entre as partes como lei comum a elas e seus descendentes, obrigando os sócios
r;obrevivos a um regímen diverso do ajustado entre êles e o pré-morto".
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 211

no direito de convencionarem os sócios livremente tudo


quanto se não oponha às leis comerciais (n. 510 supra). É o
meio razoável e prático de conciliar os interêsses de todos (1).

O acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação de 10 de


setembro de 1912 (relator o ilustrado Sr. SA PEREIRA), com
admirável clareza, compendiou o assunto: "A obrigação con-
tratual de pagar precipuamente os h2rdeiros do sócio pré-
morto implica a continuação da sociedade; a dissolução, ao
contrário, relegaria êsse pagamento para o fim da liquida-
ção. Neste caso, os herdeiros representariam um sócio, sujeito
como os demais ao resultado da liquidação; naquele, repre-
sentam um credor, cujo crédito tem uma forma pré-estabele-
cida de apuração no contrato social e neste ainda o modo
do seu pagamento. :mstes principias, resultantes do Código
Comercial e da letra do contrato, são largamente deduziqos
na doutrina, pacíficos na jurisprudência e necessários na
prática do comércio e na da indústria para a conservação e
prosperidade das grandes emprêsas, que não se podem limi-
tar ao prazo de duração da vida humana" (2).

"Se o contrato social, por conseguinte, estipula que a parte dos herdeiros
do sócio falecido lhes será paga em títulos repreSt:ntativos do seu valor consoante
o último balanço, claro está que o pensamento e objeto desta cláusula consisto:
precisamente em substituir as formalidades ordinárias da liquidação e partilha
pelo simples balanceamento do ativo e passivo da sociedade. Se da observância
de semelhante fato resultam inconvenientes ao herdeiro menor, desta redução
nos cômodos da herança a êle só lhes caberá culpar o ascendente que lha
deixou. ~ste por si e seus sucessores, obrigou-se a esta derrogação das normas
usuais, mediante a reciprocidade formal de um compromisso, que vinculou à
mesma condição os dois pactuantes, juntamente com os que nos seus direitos
e correlativos encargos lhes sucedessem. Da sucessão, pois, faz parte essencial
e inalterável o contrato, que a morte de um dos contratantes tornou definitivo,
assim com os seus benefícios, como com os seus ônus e descontos" (A questão
do ltuí, Manaus, 190:::1, págs. 116-117). (Nesse opúsculo acham-se, ainda, os
pareceres de LAFA YEITE, OURO P~TO, SILVA COSTA, R~GO MON-
TEIRO e o nosso no mesmo sentido) .

( 1) Tendo o contrato social estabelecido que o pagamento do quinhão do


sócio falecido, seja regulado pelo último balanço, é êste que deve prevalecer
(acórdão das Câmaras Reunidas da Côrte de Apelação, de 28 de abril de
1909, na Revista de Direito, vol. 12, pág. 547).

(2) Revista de Direito, vol. 27, págs. 134-135.


212 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Dada a hipótese de ter a sociedade de continuar com


os sócios sobreviventes, nada mais fácil do que o ajuste de
contas entre a sociedade ou os sócios sobreviventes e os her-
deiros do sócio pré-morto. Tudo se limita a uma simples
verificação dos livros comerciais e do contrato social (1). O
saldo apurado a favor dêsse sócio é levado à partilha no seu
inventário.

787-A. Se houver dois sócios é impossível a estipula-


ção da continuação da sociedade, porque um sócio só não
constitui sociedade.
,: · ~ :)'~ ir.-.~~a
Podem os soc10s estipular no contrato social que,
788.
no caso da morte de qualquer dêles, a sociedade continue
com os herdeiros do pré-morto?
A disposição do art. 335, n. 4, reputando dissolvida de
pleno direito a sociedade pela morte de um dos sócios, acres-
centa: "Salvo convenção em contrário a respeito dos que so-
breviverem".
Parece ter condenado o fato da continuação da sociedade
com os herdeiros do sócio pré-morto, conformando-se com
a norma da Ord. 4.44, princ. (2), inspirada no Direito Ro-
mano (3).
O art. 308 do Código, entretanto, reza: "Quando a so-
ciedade dissolvida tiver de continuar com os herdeiros do
falecido" (art. 335, n. 4).

( 1) O Juiz do inventário é o competente para ordenar a verificação do


balanço oferecido (acórdão da 2.ª Câmara, de 14 de junho ele 1921, na Revista
de Direito, vol. 62, pág. 146).
(2) " ... morrendo qualquer dos companheiros, logo acabará o contrato
da companhia, e não passará a seus herdeiros, pôsto que no contrato se declare,
que passe a êles ... ".
(3) L. 35, Dig., pro sacio: "Nemo potest societatem heredi suo sic parere,
ut ipse heres socius sit". No mesmo sentido: L. 59 e L. 65, §§ 9.ª e 11, Dig.,
pro socio.

Assim decidia o Direito Romano para conservar intacta aos sócios a liber-
dade de testar e não os obrigar à companhia de pessoas desconhecidas.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 213

Como conciliar êstes dois artigos do Código, sendo que


o 308 refere-se expressamente ao 335, n. 4?
Entendem uns que se pode convencionar a continuação
da sociedade comercial com os herdeiros do sócio pré-morto;
visto como o artigo 308 amplia a disposição do artigo 335,
n. 4 ( 1) . Os herdeiros não se tornam sócios por sucessão;
mas, em virtude de uma estipulação por outrem.
Pensam outros de modo contrário, sustentando que, no
caso do art. 308, é mister novo contrato, isto é, a continua-
ção da sociedade depende da vontade dos herdeiros do sócio
pré-morto e dos sócios sobreviventes. O fim do artigo 308,
dizem, foi simplesmente explicar que nem ainda nessa hipó-
tese os menores podiam ser sócios, salvo os habilitados para
comerciar.
Há razões poderosíssimas a favor dessa última opinião,
que parece a verdadeira.
Primo, os herdeiros menores não poderiam continuar na
rnciEdade, quisessem êles, ou fôssem autorizados pelos pais,
tutôres ou juízes (Código Comercial, art. 308). Eis aí, pois,
o primeiro ataque à cláusula contratual. Ela teria de desa-
parecer, se os herdeiros do sócio pré-morto fôssem menores, ou
teria incompleta execução se houvessem herdeiros maiores e
menores.
Secundo, devendo constar do contrato os nomes, natura-
lidade e domicílio dos sócios (Cód. Com., art. 308, n. 1), sendo
êstes elementos indispensáveis ao registo e publicidade das
sociedades, como admitir uma sociedade sendo responsáveis
herdeiros desconhecidos do público, ou, pelo menos, pessoas
não expressamente designadas ao conhecimento público no
registo do comércio?
Tertio, quem faz parte da sociedade comercial assume
muitas vêzes a responsabilidade ad infinitum das obrigações
sociais. Com que direito se obrigaria o herdeiro a ser sócio
da sociedade insolvente ou à beira da falência? Se o herdeiro

(1) TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação, nota 27, ao art. 764.


214 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
~~~~~~~~~~~~-

tem a faculdade de aceitar a herança a benefício do inven-


tário, como arrastá-Ia a essa responsabilidade, só porque o
contrato social assim dispôs?

Quarto, os sócios ignoram, muitas vêzes, quais os her-


deiros dos outros consócios. Será possível admitir que pro-
duza efeitos aquela cláusula, que contraria a fundação das
sociedades intuitu personc:e, baseadas na confiança recíproca
dos sócios?

Quinto, se o sócio falecido fôr o gerente, quem o suce-


derá nesse cargo? Se tiver dado o nome à firma, como con-
tinuar esta?

Eis as düiculdades insolúveis que surgem, e que levam


a se concluir: a convenção pela qual a sociedade deva con-
tinuar com os herdeiros do sócio pré-morto não pode ter
execução entre os herdeiros maiores sem que todos aceitem
livre, expressa e solenemente a posição de sócios, e sejam
aceitos pelos sobreviventes. Então, dar-se-á a modificação
do contrato, se bem que a sociedade continue a mesma.

789. A sociedade comercial não se dissolve pelo faleci-


mento da mulher de qualquer dos sócios, ainda que os her-
deiros sejam menores; continua com o viúvo, ficando reser-
vado para a sobrepartilha no inventário dos bens do casal o
que vier a receber na partilha social em tempo oportuno (1).

Os herdeiros da mulher do sócio são partes legítimas


para requererem a liquidação na época contratual e acom-
panharem o respectivo processo (2).

( 1 ) TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação das leis civis, nota 17 ao


art. 758, e Aditamentos ao Código do Comércio, vol. 1, pág. 694· acórdão da
Côrte de Apelação, de 19 de dezembro de 1905, em O Direito, v'oI. 99 págs
562-564 e na Revista de Direito, vol. 1, pág. 652. ' ·

(2) Ac~rdão da Côrte de Apelação, de 19 de dezembro de 1905, citada


em a nota acima.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 215

§ 3.º

Da vontade de um dos sócios nas sociedades com prazo


indeterminado

Sumário: - 790. A sociedade sem duração fixada no con-


trato. - 791. Meio para a efetividade da dissolução,
à vontade de um dos sócios.

790. Sendo a sociedade instituída com prazo indeter-


minado, isto é, sem duração fixada no contrato (sine tem-
poris prrefinitione), a presunção legal é que os sócios se reser-
varam o direito de dissolvê-la, quando qualquer dêles bem
entendesse (1). A sua duração foi deixada ad beneplacitum
sociorum. Não há contratos eternos, especialmente o de so-
ciedade, alicerçado na confiança recíproca. "Nulla societar
tis in reternum coitio est" (L. 70, Dig. pro sacio). O ato unila-
teral da vontade de um dos sócios rompe o contrato (2).

791. O sócio que deseja a dissolução avisa a cada um


dos outros, podendo valer-se da interpelação judicial.

( 1) Caso interessante no fôro da Côrte: o contrato institucional da socie-


dade, em uma cláusula, marcou o prazo de três anos para a sua duração, e,
na seguinte, permitiu a dissolução por vontade de um dos sócios.
Um dos sócios requereu a dissolução, que foi ordenada pelo Juiz do Comér-
-cio. A Relação, em grau de apelação, em acórdão de 4 de maio de 1883,
reformou a sentença de 1.ª instância, por ter a sociedade prazo certo e deter-
minado para duração.
Em embargos, a mesma Relação, em acórdão de 13 de julho daquele ano,
reformou o acórdão embargado e restaurou a sentença de 1.ª instância, sob o
fundamento de a cláusula que marcara o prazo de duração da sociedade ter
ficado subordinado a outra do mesmo contrato (0 Direito, vol. 33, pá-
ginas 195-198).
(2) Cód. Com., art. 335, n. 5. Pode derrogar-se no contrato, a disposição
legal, que prescreve a manifestação unilateral da vontade como causa da dis-
solução?
Alguns autores entendem que sim, por se tratar de cláusula supletiva do
contrato (L YON-CAEN et RENAULT, Traité de droit commercial, vai. 2. 0 ,
P. I, n. 328), e outros negativam.:nte, por se tratar de norma de ordem pública,
garantindo o princípio da liberdade- de trabalho (PIC, Des sociétés commerciales,
vai. 1.º, n. 566, e outros citados em ROUSSEAU, Des sociétés commerciales,
4.ª ed., vai. 1. 0 , n. 669). Segund'J êste último sistema, o sócio pode somente
requerer a dissolução por justo motivo.
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

útil cautela é fixar-se, no contrato da sociedade, prazo


para a denúncia ou aviso do sócio, que deseja a dissolução,
começar a produziI efeitos. Evitam-se as denúncias intem-
pestivas e quiçá de má-fé, com grave dano para a sociedade
e para os sócios. Se em pura doutrina não é lícita a renún-
cia intempestiva (1), o nosso Código a permitiu. Acaute-
lem-se as partes.
r~ ·º.
~-~~;./,
llr ·:.:.
~:~r,.·

§ 4.º

Da falência da sociedade

Sumário: - 792. A falência da sociedade confunde-se com a


sua liquidação.

792. Desde que a sociedade é declarada falida, está ne-


cessàriamente dissolvida, se já se não acha nesse estado. A
falência confunde-se com a liquidação. Cessam os poderes
dos sócios gerentes. Cada sócio defende os interêsses da socie-
dade dissolvida e os próprios. Pagam os credores, recebem o
saldo na conformidade das suas quotas. Pode-se dizer que
servem de liquidantes os liquidatários da massa falida (2).
A sociedade não revive com a concordata por todos ou
por um só dos sócios. Daí decorre que a concordata não pode
ser proposta pela sociedade falida e é indefensável a doutrina
do acórdão de 22 de junho de 1915 da Câmara de Agravo, na
Revista de Direito, vol. 38, pág. 393. Os sócios podem propor
a concordata em nome individual, organizando depois nova
sociedade. É injustificável o acórdão de 19 de janeiro de 1919,
no Arquivo Judiciário, vol. 8. 0 , n. 220, declarando que não se
extingue a sociedade, se a concordata é proposta por todos
os sócios. Decisão manifestamente ilegal.

( l) SORIANO DE SOUZA, Decisões, apostila, pág. 190.


(2) Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 67 (*).
(*) O Decreto-lei n. 7.661, de 21-6-945, eliminou a figura do liquida
tário, ficando a cargo do síndico, sob "imediata direção e superintendência d 0-
juízo" a administração da falência (art. 59).
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 217

§ 5.º

Da falência de um dos sócios

Sumário: - 793. Justifica-se êsse caso legal da dissolução de


pleno direito da sociedade. - 794. Cláusula con-
tratual autorizando a continuação da sociedade com
os sócios ln bonls.

793. Falindo um dos sócios, dissolve-se de pleno direito


a sociedade (1). Justifica-se esta medida, primeiramente,
por perder o falido a administração dos bens e não mais
oferecer as garantias com as quais contavam os seus consó-
cios e terceiros interessados na sociedade, e, depois, pela ne-
cessidade da verificação da parte líquida do sócio falido na
sociedade, parte que se incorpora à sua masrn particular à
qual concorrem credores sociais e particulares (2).

794. Pode estipular-se no contrato que a sociedade não.


se liquidará no caso de falência de um dos sócios, porém,
continuará com os sócios in bonis, que embolsarão à massa
falida dêsse sócio a sua quota de capital e lucros verific~dos?

A questão é interessante e sôbre ela ainda se não mani-


festaram os nossos tribunais (3).
O caso é idêntico ao •ia exclusão do sócio, e a massa não
tem maiores direitos do que n falido. Por mais procedentes.

(1) Cód. Com., art. 335, n. 2; Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908,


art. 51 ( *).
(2) Lei n. 2.0?.4, de 1908, art. 132 ("'*).
(3) Veja-se DONNICHON, Des effets de la faillite, pág. 29, n. 20. Há
legislações que permitem a exclusão do sócio falido (Cód. ai., art. 131) em
vez da dissolução social. No mesmo sentido BONELLI, Del Fallimento, P. III,
n. 791.
( *) De maneira diversa dispõe o art. 48 do Decreto-lei n. 7 .661, de·
21-6-945.
( "'*) Citado Decreto-lei n. 7 .661, art. 128.
J. X. CARVALHO DE ?viENDONÇA

que sejam os motivos justificativos da dissolução pleno jure


da sociedade em virtude da falência do sócio, não vão ao
extremo de sacrificar interêsses vitais dos outros sócios, com.
pletamente alheios ao desastre do companheiro falido. A
liquidação amigável ou judicial, conseqüência da falência,
seria a ruína para os sócios in banis. A lei n. 2.024, de 17
de dezembro de 1908, dá aos liquidatários os mais extensos
poderes para resolverem por parte da massa os atos da liqui-
dação da sociedade dissolvida pela falência do sócio. Qual·
quer ajuste ou composição que façam com os sócios in bonis
é válido e irrevogável. (Arts. 51 e 67, parág. único, n. 6) (*).
{Veja-se n. 826, infra).

ARTIGO II

Da dissolução promovida contenciosamente pelos sócios

s...Mio,: - 795. O direito de qmJquer sócio requerer a


~ da S'OC'ietade an casos especiais. - 796.
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TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 219

2.º inabilidade de algum dos sócios, ou inc~.pacidade


moral ou civil julgada por sentença;

3.º abuso, prevaricação, violação ou falta de cumpri-


mento das obrigações sociais;

4.º fuga de algum dos sócios (1).

796. Submetendo essas causas de dissolução ao conhe-


cimento e decisão contenciosa do Poder Judiciário, resguar-
dou a lei, com providência e sabedoria, a existência do con-
trato social, o direito de cada sócio, sua capacidade, repu-
tação e crédito, bem assim a garantia dos credores contra
o arbítrio e a má-fé de maiorias de ocasião, facciosas e mal
inspiradas (2) .

797 . O direito de requerer em juízo a dissolução da


sociedade pelos motivos legais acima indicados (n. 795 supra)
é de ordem pública e irrenunciável no contrato social. "A
renúncia pactuada no contrato seria consentida sem conhe-
cimento de causa, atendendo a que é absolutamente impos-
sível prever com antecedência, para excluir das causas de
dissolução, a infinita variedade dos fatos capazes de com-
prometer a função da emprêsa" (3).

798 . Examinaremos nos parágrafos em seguida cada


um dos motivos que justüicam a dissolução judicial a re-
querimento de qualquer sócio.

( 1) Cód. Com., art. 336.


(2) Cons. FERREIRA VIANA, parecer de 14 de fevereiro de 1900, no
Jornal do Comércio, de 16 do mesmo mês e ano.
(3) PIC, Des sociétés commerciales, vol. t. 0 , n. 582. (Consultem-se:
LYON-CAEN et RENAULT, Traité de droit commercial, 4.ª ed., vol. 2. 0 , P. I,
n. 332; ARTHUYS, Traité des socUtés commerciales, vol. 2. 0 , n. 756).
218 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

que sejam os motivos justificativos da dissolução pleno jure


da sociedade em virtude da falência do sócio, não vão ao
extremo de sacrificar interêsses vitais dos outros sócios, coni.
-pietamente alheios ao desastre do companheiro falido. A
Uquidação amigável ou judicial, conseqüência da falência ,
seria a ruína para os sócios in banis. A lei n. 2.024, de i 7
de dezembro de 1908, dá aos liquidatários os mais extensos
poderes para resolverem por parte da massa os atos da liqUi-
dação da sociedade dissolvida pela falência do sócio. Qual-
quer ajuste ou composição que façam com os sócios in bonis
é válido e irrevogável. (Arts. 51 e 67, parág. único, n. 6) (*) .
.(Veja-se n. 826, infra).

ARTIGO II

Da dissolução promovida contenciosamente pelos sócios


Sumário: - 795. O direito de qualquer sócio requerer a
dissolução da sociedade em casos especiais. - 796.
Fim da Ieí. - 797. ~ste direito não pode ser re-
nunciado no contrato social. - 798. Razão de ordem.

795. O Código modificando o direito comum dos con-


tratos, conferiu a qualquer sócio, em casos especiais, funda-
-dos em justos motivos, o direito de requerer a dissolução
judicial da sociedade antes do período designado no contrato,
embora os outros sócios em maioria se oponham ( 1) .
~stes casos são os seguintes:
0
1. impossibilidade de a sociedade preencher o intuito
·e fim social;

Se o prazo de duração da socied d , . d .


( 1)
sócios pode obter a dissolução nos têrm
recorre à via contenciosa.
ª f·
edrn etermmado, qualquer dos
os exp ica os em o n. 790, supra. Não
("') Prejudicado pela disposi ão d
21-6-945, cabendo ao síndico ajustes çsôbreodí~~as4: do P.ecreto-Iei n. 7 .661, de
do art. 63, n. XVIH do mesmo decreto. negoc10s da massa, na forma
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 219

2. 0 inabilidade de algum dos sócios, ou inc8.pacidade


moral ou civil julgada por sentença;

3. 0 abuso, prevaricação, violação ou falta de cumpri-


mento das obrigações sociais;

4. 0 fuga de algum dos sócios (1).

796. Submetendo e~sas causas de dissolução ao conhe-


cimento e decisão contenciosa do Poder Judiciário, resguar-
dou a lei, com providência e sabedoria, a existência do con-
trato social, o direito de cada sócio, sua capacidade, repu-
tação e crédito, bem assim a garantia dos credores contra
o arbítrio e a má-fé de maiorias de ocasião, facciosas e mal
inspiradas (2) .

797 . O direito de requerer em juízo a dissolução da


sociedade pelos motivos legais acima indicados (n. 795 supra)
é de ordem pública e irrenunciável no contrato social. "A
renúncia pactuada no contrato seria consentida sem conhe-
cimento de causa, atendendo a que é absolutamente impos-
sível prever com antecedência, para excluir das causas de
dissolução, a infinita variedade dos fatos capazes de com-
prometer a função da emprêsa" (3).

798 .Examinaremos nos parágrafos em seguida cada


um dos motivos que justificam a dissolução judicial a re-
querimento de qualquer sócio.

(1) Cód. Com., art. 336.


(2) Cons. FERREIRA VIANA, parecer de 14 de fevereiro de 1900, no
Jornal do Comércio, de 16 do mesmo mês e ano.
(3) PIC, Des sociétés commerciales, vol. I. 0 , n. 582. (Consultem-se:
LYON-CAEN et RENAULT, Traité de droit commercial, 4.ª ed., vol. 2.º, P. 1
n. 332; ARTHUYS, Traité des sociités commerciales, vol. 2. 0 , n. 756). '
2:20 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Da impossibilidade de preencher a sociedade o seu


fim e intuito

S111D:irio: - 799. Justifica-se êsse caso de dissolução da so-


ciedade.

799. Compreendem-se fàcilmente a dissolução e a liqui-


dação da sociedade impossibilitada de preencher o seu fim e
intuito.

O Código, no art. 336, n. 1, exemplifica, apontando dois


fatos: a perda inteira do capital, por ser impossível sem êste
a sociedade (n. 535 supra), e a insuficiência do capital, por
importar o malôgro do obj 2tivo social. A perda de parte do
capital, desde que o restante baste para consecução dos fins
sociais, não autoriza a dissolução.

Podemos, ainda, indicar outros fatos:


1.º os impostos proibitivo;:, sôbre a indústria, objeto
social;
2.º a concorrência aberta por outros à sociedade;
3. 0 a proibição de importação ou exportação das mer-
cadorias com as quais negociava a sociedade.

§ 2.º

Da inabilidade ou incapacidade de qualquer sócio

Sumário: - 800. Justifica-se êsse caso de dissoluçã.J da so-


ciedade. - 801. A enfermidade habitual do sócio.

800.A inabilidade de algum dos sócios ou a incapaci-


dade julgada por sentença abalam incontestàvelmente o cré-
dito das sociedades f armadas intuitu personre.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 221

Por outro lado, seria intolerável para os sócios, que se


aceitaram em virtude de considerações pessoais, entrar obri-
gatoriamente em relações com os representantes legais de
um dêles. Eis porque se lhes faculta, no caso exposto, reque-
rer a dissolução da sociedade ainda antes do seu têrmo (1).

801. A enfermidade habitual do sócio gerente, impos-


sibilitando-o de cuidar dos negócios sociais, a sua cegueira,
etc., são motivos para a dissolução da sociedade. O coman-
ditário não poderia, sob êstes fundamentos, ver rescindido o
contrato.

O seu infortúnio não causa à sociedade o menor dano.


Se o sócio fica impossibilitado de prestar serviços à socie-
dade, êle próprio tem faculdade de requerer a dissolução. O
sócio não tem culpa no fato sôbre o qual baseia o pedido.

§ 3.º

Do abuso, prevaricação, violação ou falta de cumprimento


das obrigações sociais

Sumário. - 802. Justifica-se êsse caso de dissolução da


sociedade. - 803. A ausência do sócio.

802. O contrato social impõe obrigações recíprocas, que


devem ser cumpridas em boa-fé. Se um dos sócios não exe-
cuta as obrigações a seu cargo ou se excede ou abusa, qual-
quer dos outros tem o direito de requerer a dissolução da
sociedade e a condenação daquele sócio nas perdas e danos.

É impossível enumerar limitativamente os fatos com-


preendidos na epígrafe dêste parágrafo. Citaremos, entre-
tanto:

(1) Código Comercial, art. 336, n. 2. (Vejam-se ns. 21 e segs. do 2. 0


vol. dês te Tratado) .
22~ J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

a) o fato de negar o sócio gerente a qualquer soc10 o


exame dos livros, papéis e documentos (n. 593 supra) ;

b) o procedimento de um dos sócios trazendo o des-


crédito da sociedade (n. 594, 3.ª alínea, supra); "si ita inju-
riosus et damnosus socius sit, ut non expediat eum pati" (1).

e) a negligência do sócio gerente;

d) a falta de entrada das prestações na época desig-


nada para preencher a quota (n. 594 supra) (2).

Não pode pedir a dissolução da sociedade nem indeni-


zação o sócio que fôra o primeiro a não cumprir cláusulas do
contrato (3). Nemo auditur propriam turpitudinem allegans.

803. A ausência do sócio, sem aquiescência ainda que


tácita dos outros, seria motivo para dissolução social se, nos
têrmos do contrato, a sua presença fôsse necessária na sede
social ou em outro lugar designado no mesmo contrato. O
pedido da dissolução fundar-se-la na falta de cumprimento
d.as obrigações sociais.

Ainda que não houvesse culpa por parte do sócio, a sua


ausência em virtude de serviço público, no caso acima expos-
to, autorizaria a dissolução da sociedade, visto que poderia a
ausência privá-lo de cumprir as obrigações resultantes do
contrato, impossibilitando ou estorvando o bom êxito dos
negócios sociais (4).

( 1 ) L. 14, Dig, pro socio.


(2) Nesse sentido, acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 29
de outubro de 1915, na Revista de Direito, vol. 39, págs. 658-659.
( 3) Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 27 de maio de 1903
00 s. Paulo Judiciário, vol. 2. , pág. 133, confirmado pelo de 3 de agôsto d~
0

J904, no S. Paulo Judiciário, vol. 5.º, pág. 424.


( 4) TEIXEIRA DE FREITAS, Aditamentos ao C6digo do Comércio, vol.
t, págs. 694·695; ORLANDO, Cód~go Comercia/, nota 437 da 6.ª edição, modi-
ficando o que sustentara nas antenores.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 223

Da fuga do sócio·

Sumário: - 804. Justifica-se êsse caso de dissolução da


sociedade.

804. A fuga de um sócio dá direito aos outros soc10s


pedirem a dis~olução da sociedade (1). É. motivo justíssimo.
para a ruptura do vínculo e justifica-se por si mesmo.

ARTIGO III

Da dissolução convencianal

Bumárlo: - 805. Justifica-se essa caso de dissolução da


sociedade. - 806. Distrata-se pela· mesma forma .
por que se a constltuJ.

805. Se é certo que a sociedade se dissolve de pleno


direito pela expiração do prazo designado para a sua exis-
tência (n. 782 supra), os sócios, em virtude da liberdade dos
contratos, podem adiantar o vencimento dêsse prazo me-
diante acôrdo unânime, a menos que cláusula contratual
permita à maioria deliberar a dissolução antecipada discri-
cionàriamente ou em casos determinados.

O consenso forma o contrato; o consenso o dissolve. É.


princípio comum aos contratos. A sociedade dissolve-se, tam-
bém, mutuo consensu. (Vejam-se ns. 671 e 676 supra).

(1) Cód. Com., arl. 336, n. l ..


224 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

806. A sociedade distrata-se pela mesma forma do


instrumento que a constituiu, escritura pública ou par-
ticular (1) .
O distrato é a dissolução do contrato social mediante
novo contrato entre os mesmos sócios (2).

SEÇÃO II

Dos efeitos e conseqüências da dissolução

Sumário: - 807. A sociedade dissolvida continua R existir


para a sua liquidação. - 808. A sociedade é a mes-
ma, embora com objeto modificado. - 809. O con-
trato social mantém-se íntegro quanto à responsabi-
lidade dos sócios. - 810. A condição jurídica elos
credores não se altera. - 811. Personalidade jurí-
dica da sociedade em liquidação. - 812. Restrições
que cessam. - 813. Registo e publicação da disso-
lução. - 814. O uso da firma durante a liquidação.
- 815. Continuação. - 816. Havendo liquidante de-
signado para receber as dívidas ativas ... - 817.
Responsabilidade assumida por um dos sCtcios de
receber os créditos e pagar o passivo. - 818. Pres-
crição das ações de terceiros contra os sócios. - -
819. Interrupção da prescrição.

807. Dissolvida a sociedade, cessam as suas operações


futuras. Ela continua a viver para se concluírem as negocia-
ções pendentes e se proceder à liquidação das ultimadas (3);
vai percorrer novo período, chame-se com VIDARI, vida in

(1) Cód. Com., art. 337.


TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação, art. 370, nota 47, entende que o
distrato pode ser por escritura particular embora tenha sido o contrato celebrado
por escritura pública, porque esta não é essencial.
Em sentido contrário, ORLANDO, Código Comercial, 6.ª ed., vol. 1. 0 ,
nota 438.
(2) A Junta Comercial de S. Paulo, na sessão de 22 c:!e novembro de
1904, não admitiu o registo do distrato por simples petição assinada pelos
sócios; elÚgiu como essencial o instrumento do distrato. (Relatório de 1904,
págs. 8-9).
(3) Cód. Com., art. 335 in fine. Bste artigo refere-se especialmente à
dissolução de pleno direito; por identidade de razão, aplica-se à dissolução ami-
gável e à judicial.
Lei Belga, de 1873 (art. 153 do arrêté royal du 22 Juillet 1913): "Les so-
ciétés commerciales sont, apres leur dissolution, réputées exister pour Ieur
liquidation".
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 225

extremis (1), ou se diga, com os escritores alemães, a sobre-


vivência da sociedade (Nachleben der Gesellschaft) (2). Cer-
to é que a sociedade dissolvida se acha morta in veritate;
vive apenas, in opinione legis.

808. A sociedade dissolvida, entrando em liquidação,


não se transforma em comunhão de bens ou de interêsses,
como afirmam uns (3), não passa a ser sociedade fictícia,
com fundamento na tradição mercantil, como querem ou-
tros (4), nem é sociedade especial, nova, coativa, pelo fato
de não depender da vontade de todos os sócios, porém da de
um só, destinada a liquidar a sociedade dissolvida, como sus-
tentam outros (5).
Aquela sociedade subsiste com o seu patrimônio autô-
nomo, com a sua firma, ainda que aditada com a cláusula
em liquidação, com o seu domicílio ou sede, com a sua con-
tabilidade. A administração é exercida somente pelos liqui-
dantes, mas por conta social, sem prejuízo do direito de fis-
calização dos sócios não liquidantes.
O escopo da sociedade nesse período é a liquidação do
seu ativo e passivo. Dá-se simples modificação do objeto. Ela
passa do estado de atividade para outro transitório, no qual
se vão levar ao fim as operações correntes, pagar os credores
e partilhar o saldo resíduo entre os sócios (6).

(1) Corso di diritto commerciale, 5.ª e<l., vol. 2. 0 , n. 1.518.


(2) Leia-se em VIVANTE, Trattato di diritto commerciale, 3.ª ed., vai.
8. 0 , n. 771, o histórico do instituto da liquidação das sociedades comerciais.
(3) PARDESSUS, Cours de droit commercial, 6.ª ed., vol. 2. 0 , n. 1.050;
DELANGLE, Sociétés commerciales, ed. belga, n. 681.
(4) ALAUZET, Commentaire du code de commerce, n. 613; LYON-
CAEN et RENAULT, Traité de droit commercial, 4.ª ed., vol. 2. 0 , n. 366:
LEVI, Liquidations des sociétés commerciales, pág. 17.
(5) BEHREND, Lehrbuclz des Handelsrechts, § 81, n. 16.
( 6) NA V ARRINI, Trattato elementare di diritto commerciale, vol. 2. 0 ,
n. 827; SRAFFA, La liquidazione delle società commerciali, 2.ª ed., ns. 7 e
segs., onde se examinam as principais teorias sôbre a condição jurídica da
sociedade em liquidação.

lS
226 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Eis porque, no próprio contrato institucional é permitido


regular a forma da liquidação (n. 654 supra) e porque aos
sócios gerente é, em regra, esta confiada (Código, art. 344).
Em falência pode incorrer a sociedade em liquidação
pelos débitos contraídos antes da dissolução (1) .

809. O contrato, sôbre o qual a sociedade repousa, man-


tém-se em tôdas as cláusulas aplicáveis à nova fase social.
Não se extinguem as relações jurídicas entre os sócios. Não
desaparece nem se modifica a responsabilidade de cada sócio
para com terceiros, se os bens sociais não bastam para o pa-
gamento dos credores. As obrigações dos sócios começam
desde a data do contrato ou da época nêle designada e aca-
bam depois de satisfeitas e extintas as responsabilidades so-
ciais (2) .
Porque a disrnlução da sociedade não liberta os sócios
da responsabilidade assumida no contrato, a falência da so-
ciedade dissolvida acarreta, também, a de todos os sócios de
responsabilidade ilimitada (3) .
Não podem, igualmente, os soc1os retirar da sociedade
diEsolvida as suas quotas de pagamentos dos credores sociais
salvo se se conferiram a título de usufruto ou uso, cessando
êsses direitos por efeito do ato da dissolução.

810. A condição jurídica dos credores da sociedade dis-


solvida continua inalterada, e assim:

(1) Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 5. 0 princ. ("').


(2) Cód. Com., art. 329.
Qual o fôro competente para serem acionados os sócios depois de dissol-
vida a sociedade? O acórdão da Relação da Fortaleza, de 30 de agôsto de 1887
(em O Direito, vol. 44, pág. 271) decidiu que no fôro de qualquer dos sócios.
Essa doutrina não nos parece sã. O autor pode acionar o sócio no fôro da
extinta sociedade ou no domicílio dêste devedor (Reg. n. 737, de 1850, art. 62).
Vejam-se os acórdãos do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 13 de setembro
de 1899 e 20 de agô.>to de 1904, citados em a nota l da pág. 102 dêste volume.
(3) Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, arl 6. 0 (*"').
( *) ( **) Regulado de maneira diferente pelo art. 5. 0 do citado Dec.-
lei n. 7.661.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 227

a) as ações dos credores são dirigidas contra a socie-


dade e não pessoalmente contra os sócios;
b) a dissolução não torna exigíveis as dívidas não ven-
cidas, como acontece na falência.

811. Significa o que acabamos de expor: a sociedade


no período da liquidação, ainda que transformado o seu
caráter, conserva a personalidade jurídica (1).
Daí as seguintes conclusões, resumo do que dissemos
precedentemente:
1.ª o liquidante é o órgão da sociedade em tôdas as
operações necessárias à liquidação (n. 608 supra) ;
2.ª os bens sociais continuam no patrimônio da so-
ciedade, servindo de garantia primordial aos seus credores
(n. 634 supra);
3.ª os credores sociais conservam o direito de se pagar
sôbre os bens sociais, com exclusão dos credores particulares
dos sócios (n. 634 supra);
4.ª a sociedade dissolvida e em liquidação, pelo seu
órgão, o liquidante, aciona devedores e é acionada por cre-
dores (n. 639 supra).
5.ª a sociedade pode ser declarada em falência (2).

812. A dissolução, se mantém os sócios na mesma si-


tuação de responsabilidade relativamente a terceiros, faz,
entretanto, cessar as restrições que a lei e o contrato impõem
a todos ou a cada um dos sócios, salvo estipulação contrá-
ria (3). Assim: os comanditários não podiam ser gerentes
mas podem ser liquidantes; os sócios de responsabilidade ili-

( 1 ) É a doutrina assente em nossa jurisprudência, como se pode ver no


acórdão da 2.ª Câmara da Côrtc de Apelação, de 20 de outubro de 1905, con-
firmado pelo de 24 de julho de 1906, na Revista de Direito, vol. 13, págs. 121-
129, (em O Direito, vol. 99, pág. 293), e de 20 de agôsto de 1907 (em O
Direito, vol. 105, pág. 295).
(2) Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 5. 0 • ~te artigo esta-
belece o prazo de dois anos depois da liquidação para a prescrição da falência,
meio executivo extraordinário. Restará somente o meio ordinário.
(3) VIDARI, Corso di diritto commerciale, 5.ª ed., vol. 2. 0 , n. 1.493;
DELOISON, Des sociétés commerciales, vol. 1, n. 96.
228 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

mitada proibidos de praticar, por conta própria ou de ter-


ceiros, atos de comércio da mesma espécie que os da .socie-
dade, podem desde então exercê-los, etc.

813. O ato da dissolução da sociedade, seja por mútuo


acôrdo dos sócios, seja por s~ntença judicial, deve rnr inserto
no registo do comércio e publicado nos periódicos da sede
social ou no mais próximo que houver, e, na falta dêste, por
anúncios fixados nos lugares públicos, sob pena de E:ubsistir
a responsabilidade de todos os sócios a respeito de quaisquer
obrigações que algum dêles possa contrair com terceiro em
nome da sociedade ( 1) .
O registo e a publicação não são solenidades essenciais
para a validade da dissolução e, por conseqüência, para que
esta produza os seus efeitos; são formalidades simplesmente
necessárias para que os sócios se exonerem, nos têrmos legais,
da responsabilidade pelos atos subseqüentes ao direito ou à
dissolução e se legitime a qualidade do liquidante (2) .
Se a dissolução se decreta judicialmente, a sentença
equivale ao ato da dissolução e deve ser arquivada no registo

( 1) Cód. Com., art. 338, acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo,


de 11 de fevereiro de 1911, no S. Paulo Judiciário, vol. 25, págs. 192-193.
O art. 338 do Cód. Com. não foi modificado pelo art. 54 da Lei n. 2.024,
de 17 de dezembro de 1908. Naquele se cogita do distrato social ou da sentença
que decreta a dissolução; neste se trata da simples modificação do contrat.o pela
retirada de um dos sócios de responsabilidade limitada levando consigo os
fundos com que entrara para o capital. No 1.º caso, a sociedade liquida-se; no
segundo, continua.
(2) Acórdão da 1.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 23 de junho de
1913, na Revista de Direito, vol. 29, pág. 367: "Para que a firma social seja
substituída, relativamente a terceiros, pelo liquidante eleito ou nomeado, faz-se
preciso que tenha havido publicidade da dissolução. Se os empenhos sociais são
anteriores à época em que a dissolução se tornou pública, os credores podem
acionar a sociedade e ainda a cada um dos sócios solidários e responsáveis; assim
também pelos empenhos posteriores à dissolução, porém, anteriores a sua
publicação".
Veja-se a sentença do Juiz do Comércio da Côrte (TEODORO MACHA-
DO), confirmada pelo acórdão da Relação, de 3 de dezembro de 1878, julgando
que o liquidante de uma sociedade, não obstante a falta de registo e publicação
do distrato social, podia acionar o devedor. Disse êsse ilustre magistrado:
"conforme o art. 338 do Cód. Com., o registo do distrato da sociedade só é
necessário para o efeito de exonerar os sócios de responsabilidade pelos atos
TI"' ATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 229

do comércio, por qualquer sócio ou por ordem do Juiz, a


requerimento dos interessados.
Se se trata da dissolução de pleno direito, conquanto a
lei não exiia. a declaração do fato no registo do comércio
e a sua publicação parec:m-nos, também, indispensáveis. É
em todo caso útil cautela, que se não deve desprezar. Se o
contrato arquivado avisa a terceiros o dia da dissolução da
sociedade, não denuncia os outros casos acidentais da dis-
solução p~eno jure (art. 335, ns. 2, 4 e 5 do Cód. Comercial).

814. Dissolvida a sociedade, a firma ou razão social


será usada com o aditamento da cláusula em liquidação
(exemplo, Lima & Comp., em liquidação) e Eàmente o liqui-
dante ou liquidantes a poderão empregar (1). Dêsse modo,
os terceiros ficam prevenidos da situação da sociedade e dos
poderes que normalmente tem o liquidante.
A nenhum sócio é permitido usar a firma social em obri-
gação alguma ainda que esta fôsse contraída antes da dis-
solução, ou aplicada ao pagamento de dívidas da socieda-
de (2). Se assina a firma social, responde pessoalmente pela
obrigação.
Liquidada a sociedade, extingue-se a firma e cancela-se
a sua inscrição (n. 208 do 2. 0 volume, dêste Tratado).

815. Como conseqüência do que ficou dito em o n. 814,


supra: a letra de câmbio sacada ou aceita por um dos sócios
em nome da sociedade, depois de publicada a dissolução na
forma da lei, não obriga a sociedade nem os outros sócios,
ainda que o portador alegue boa-fé por ignorância da disso-

posteriores ao dist~ ;:te, mas não é uma soleniuade da validade do ato, que fica
subsistente não obstante a falta de registo" (em O Direito, vol. 18, pág. 358).
O acórdão da Relação da Côrte, de 13 de agôsto de 1878, em O Direito,
vol. 17, pág. 106, decidiu que a notícia provada da dissolução supre a publi-
cação, conquanto não supra o registo, que é essencial, em vista do art. 338
do Cód. Com., para que se dê a exoneração da responsabilidade do sócio para
com terceiros.
(1) Cód. Com., art. 344. (Veja-se n. 209, do 2. 0 vol., dêste Tratado).
(2) Cód. Com., art. 340.
230 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

lução ou prove que a letra foi aplicada ao pagamento de


dívidas sociais, ou que o dinheiro tinha sido adiantado à so-
ciedade antes da dissolução. Em todo caso, ao sócio que
sacou ou aceitou, e que assumiu a responsabilidad2 pessoal
(lei n. 2.044, de 31 de dezembro de 1908, art. 46), ficam
salvos os direitos que lhe possam competir contra os outros
sócios (1) .
816. Participando-se aos devedores, depois de dissolvida
a soci::dade, que designado sócio se acha encarregado de
receber as dívidas ativas, o recibo passado por outro sócio
não os exonera (2). Aquêle sócio, embora o Código não o
diga, deve ser o liquidante, pois exerce uma das atribuições
que cabe a quem liquida a sociedade .
817. Se por ocasião da dissolução da sociedade um só-
cio tomar a seu cargo o recebimento do ativo e a solução do
passivo, dando aos outros sócios ressalva contra qualquer
responsabilidade futura, esta ressalva não produz efeitos rela-
tivamente a terceiros, salvo:
1.0 se êst:s terceiros convierem expressamente, ou
2. 0 se fizerem como o sócio re.5:salvante novação de
contrato, ou
3. 0 se, com o sócio ressalvante ou com a sociedade su-
cessora de que êle fizer parte, aquêle ou esta continuando
no giro da negociação que fazia objeto da sociedade extinta,
os terceiros celebrarem transações subseqüentes, indicativas
de que confiam no seu crédito (3).

(1) Cód. Com., :::rt. 341.


(2) Cód. Com., art. 342.
(3) Cód. Com., a1t. 343.
O Cód. no art. 343 referiu-se il retirada do sócio ao tempo da dissolução.
Idêntica disposição se aplica à retirada do sócio na constância da sociedade,
como bem explicou o art. 6. 0 da Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908 ( *)
e sôbre êsse caso de muita freqüência, falamos em o n. 684, supra. •
- Não basta que o credor tenha conhecimento da dissolução; é preciso
ainda que celebre com os sócios que ficam, transação subseqüente indicativa
de que confia no crédito dêstes. (Sentença do Juiz do Comércio da Côrte,
confirmada pelo acórdão da Relação do Rio, de 8 de abril de 1881, em O
Direi/o, vol. 25, págs. 467-470). (Veja-se nota 5 da pág. 147, dêste volume).
(*) Dec.-lei n. 7.661, de 21-6-945, art. 5.0, parágrafo único, in fine.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 231

818. As ações de terceiros contra os sócios não liqui-


dantes, suas viúvas, herdeiros ou sucessores, prescrevem no
fim de cinco anos, não tendo já prescrito por outro título, a
contar do dia do fim da sociedade, se o distrato houver sido
lançado no registo do comércio e se houverem sido feitos os
anúncios determinados no art. 338 do Código (n. 813 supra),
salvo se tais ações forem dependentes de outras propostas
.em tempo competente.
Assim dispõe o art. 444 do Código Comercial .
Muitas têm sido as dívidas na inteligência dêste texto,
reproduzido, algum tanto incorretamente, do art. 761 do Cód.
Comercial português de 1833 (1) e do art. 64 do Cód. Comer-
cial francês (2) .
Os sócios liquidantes gozam o benefício da prescrição do
art. 444?
A prescrição somente se dá no caso de distrato, isto é,
de novo contrato dissolvendo a sociedade antes do prazo de-
signado no ato institucional para a sua duração?
O fim da lei, estabelecendo certa prescrição, foi evitar a
situação difícil em que podia achar-se o sócio acionado lon-
gos anos após a dissolução por um credor desconhecido, e
obrigado a pagar essa dívida sem poder exercer a sua ação
regressiva contra os antigos consócios dispersos ou falecidos.
Se atendermos a êsse alvo da lei não há motivo algum
que justifique a distinção entre sócio liquidante e sócio não

(1) Cód. Com. português, de 1833, art. 761: "Tôdas as ações contra só-
cios não liquidantes, suas viúvas, herdeiros e sucessores, prescrevem em cinco
anos a contar do fim estipulado no contrato social, se êste contrato ou o distrato
e dissolução se lançaram no registo público de comércio e se fizeram as parti-
cipações e anúncios ordenados por lei; e se depois de preenchidas estas sole-
nidades não houve interpelação judicial".
(2) Cód. Com. frances, art. 64 :"Toutes actions contre Ies associés non
liquidateurs et Ieurs veuves, héritiers ou ayants-cause, sont prescriptes cinq ans
apres la fin ou la dissolution de Ia société si I'acte de société qui en énonce
Ia durée, ou I'acte de dissolution, a été affiché et enregistré conformément aux
articles 42, 43, 44 et 46, et si, depuis cette formalité remplie, la prescription
n'a été interrornpue à leur égard par aucune poursuite judiciaire".
Esta prescrição figurou pela primeira vez no Cód. Com. francês devido a
observação apresentada à comissão por um negociante parisiense.
230 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

lução ou prove que a letra foi aplicada ao pagamento de


dívidas sociais, ou que o dinheiro tinha sido adiantado à so-
ciedade antes da dissolução. Em todo caso, ao sócio que
sacou ou aceitou, e que assumiu a responsabilidade pessoal
(lei n. 2.044, de 31 de dezembro de 1908, art. 46), ficam
salvos os direitos que lhe possam competir contra os outros
sócios (1) .

816. Participando-se aos devedores, depois de dissolvida


a soci2dade, que designado sócio se acha encarregado de
receber as dívidas ativas, o recibo passado por outro sócio
não os exonera (2) . Aquêle sócio, embora o Código não o
diga, deve ser o liquidante, pois exerce uma das atribuições
que cabe a quem liquida a sociedade .
817. Se por ocasião da dissolução da sociedade um só-
cio tomar a seu cargo o recebimento do ativo e a solução do
passivo, dando aos outros sócios ressalva contra qualquer
responsabilidade futura, esta ressalva não produz efeitos rela-
tivamente a terceiros, salvo:
1.º se êst:s terceiros convierel!! expressamente, ou
2. 0 se fizerem como o sócio reEsalvante novação de
contrato, ou
3. 0 se, com o sócio ressalvante ou com a sociedade su-
cessora de que êle fizer parte, aquêle ou esta continuando
no giro da negociação que fazia objeto da sociedade extinta,
os terceiros celebrarem transações subseqüentes, indicativas
de que confiam no seu crédito (3).

(l) Cód. Com., art. 341.


(2) Cód. Com., art. 342.
(3) Cód. Com., art. 343.
O Cód. no art. 343 referiu-se :i. retirada do sócio ao tempo da dissolução.
Idêntica disposição se aplica à retirada do sócio na constância da sociedade,
como bem explicou o art. 6. 0 da Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908 ( *)
e sôbre êsse caso de muita freqüência, falamos em o n. 684, supra. ,
- Não basta que o credor tenha conhecimento da dissolução; é preciso
ainda que celebre com os sócios que ficam, transação subseqüente indicativa
de que confia no crédito dêstes. (Sentença do Juiz do Comércio da Côrte,
confirmada pelo acórdão da Relação do Rio, de 8 de abril de 1881, em O
Direito, vol. 25, págs. 467-470). (Veja-se nota 5 da pág. 147, dêste volume).
(*) Dec.-lei n. 7.661, de 21-6-945, art. 5. 0 , parágrafo único, in fine.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 231

818. As ações de terceiros contra os sócios não liqui-


dantes, suas viúvas, herdeiros ou sucessores, prescrevem no
fim de cinco anos, não tendo já prescrito por outro título, a
contar do dia do fim da sociedade, se o distrato houver sido
lançado no registo do comércio e se houverem sido feitos os
anúncios determinados no art. 338 do Código (n. 813 supra),
salvo se tais ações forem dependentes de outras propostas
em tempo competente.
Assim dispõe o art. 444 do Código Comercial.
Muitas têm sido as dívidas na inteligência dêste texto,
reproduzido, algum tanto incorretamente, do art. 761 do Cód.
Comercial português de 1833 (1) e do art. 64 do Cód. Comer-
cial francês (2) .
Os sócios liquidantes gozam o benefício da prescrição do
art. 444?
A prescrição sàmente se dá no caso de distrato, isto é,
de novo contrato dissolvendo a sociedade antes do prazo de-
signado no ato institucional para a sua duração?
O fim da lei, estabelecendo certa prescrição, foi evitar a
situação difícil em que podia achar-se o sócio acionado lon-
gos anos após a dissolução por um credor desconhecido, e
obrigado a pagar essa dívida sem poder exercer a sua ação
regressiva contra os antigos consócios dispersos ou falecidos.
Se atendermos a êsse alvo da lei não há motivo algum
que justifique a distinção entre sócio liquidante e sócio não

(1) Cód. Com. português, de 1833, art. 761: "Tôdas as ações contra só-
cios não liquidantes, suas viúvas, herdeiros e sucessores, prescrevem em cinco
anos a contar do fim estipulado no contrato social, se êste contrato ou o distrato
e dissolução se lançaram no registo público de comércio e se fizeram as parti-
cipações e anúncios ordenados por lei; e se depois de preenchidas estas sole-
nidades não houve interpelação judicial".
(2) Cód. Com. frances, art. 64 :"Toutes actions contre les associés non
liquidateurs et leurs veuves, héritiers ou ayants-cause, sont prescriptes cinq aos
apres la fin ou Ia dissolution de Ia société si l'acte de société qui ea éaonce
la durée, ou l'acte de dissolution, a été affiché et enregistré conformément aux
articles 42, 43, 44 et 46, et si, depuis cette formalité remplie, Ia prescription
n'a été interrompue à leur égard par aucune poursuite judiciaire".
Esta prescrição figurou pela primeira vez no Cód. Com. francês devido a
observação apresentada à comissão por um negociante parisiense.
232 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

liquidante. A lei, entretanto, parece autorizar essa distinção


absurdíssima.
SAMPAIO PIMENTEL, comentando a idêntica disposi-
ção do art. 761 do Cód. Com. português de 1833, escreveu:
"Uma só razão nos parece poder justificar a diuturna pres-
crição dos liquidantes, - o conhecimento das dívidas passi-
vas da sociedade e, portanto, a ocasião que tiveram de satis-
fazê-las durante a liquidação. É uma pena, a que todavia
não convém sacrificar os interêsses do comércio, como acon-
t~cerá, porque o sócio liquidante não fica livre em sua ação,
enquanto não passarem os trinta anos" (1).
Na doutrina francesa, a tendência é equiparar o sócio
liquidante ao ~ócio não liquidante, concedendo a ambos o
benefício da prescrição qüinqüenal, apesar dos têrmos abso-
lutos do art. 64 do Cód. Com. francês e da jurisprudência
em contrário.
Recentemente PIC argumenta: "Com a maioria dos auto-
res, pensamos que se deve distinguir com cuidado, na pessoa
do sócio liquidante, sua dupla qualidade e recusar-lhe o di-
reito de opor a prescrição qüinqüenal se é acionado como
liquidante, e, ao contrário, admiti-lo se é executado simples-
mente como sócio pessoal, solidàriamente responsável pelo
passivo, nas mesmas condições em que qualquer sócio na
sociedade em nome coletivo pode ser demandado . . . . . . . . A
solução rigorosa, que combatemos, é iníqua, colocando o sócio
liquidante em situação arriscada, quando o seu único mal
foi aceitar um cargo pouco invejável e tão pesado quão pouco
lucrativo. Não é só contrária ao interêsse bem entendido das
sociedades comerciais pois leva a afastar os sócios das fun-
ções de liquidantes, em virtude dos riscos que assumem, e a
criar verdadeiro monopólio em proveito dos liquidantes de
profissão; ela está em oposição ao espírito da lei; pelas re-

( 1) Anotações ao Código de Comércio Português, 2.ª ed., Coimbra, 186ti,


vol. 2. 0 , pág. 364.
O comt!rcialista português justificava o Cód. Com. com as mesmas consi-
derações apresentadas na França: "Le liquidateur est saisi de tous Ies fonds de
la société, et Ies tiers interessés !e savent: Ies autres associés, au contraire, sont
dessaisis de tout; il faut donc que Ieur libération ait un terme" (Apud LOCRÉ,
Esprit du code de commerce, vol. l.º, pág. 166).
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 23~

percussões que implica. Se, com efeito, o sócio liquidante, na


qualidade de sócio, fôr executado pelos credores sociais após
a expiração do prazo da prescrição, terá, incontestàvelmente,
e a jurisprudência não hesita em admitir, o direito de recor-
rer contra os consócios pela ação pro sacio, para os obrigar a
contribuir com as suas partes. Ver-se-á, pois, contràriamente
à vontade clara do legislador, sócios não liquidantes executa-
dos e condenados em virtude de dívidas sociais além de mais
de cinco anos" ( 1).
A lição é irrespondível, e aí deixamos os elementos para
a interpretação do art. 444 do noss-o Código Comercial, na
falta de decisões judiciais sôbre o interessante assunto (2).
Conforme êsse sistema, a interpretação do art. 444 do
Código é a seguinte: as obrigações dos sócios para com ter-
ceiros, de qualquer natureza que sejam êstes sócios, funcio-
nassem ou não como liquidantes, prescrevem em cinco anos.
Contra o liquidante representante da sociedade dissol-
vida, sim, seja êle sócio ou não, pode ser proposta a ação,
enquanto o título não prescr~ve segundo as regras de direito.
O liquidante equipara-se ao mandatário; nesta qualidade·
nada deve aos credores sociais. ~stes poderão demandá-lo·
como órgão social, enquanto não estiverem prescritos os seus
títulos, exigindo contas do emprêgo que deu do ativo da socie-
dade; a responsável, porém, será sempre esta e não os sócios.
A outra questão que se origina da letra do art. 444 do·
Código Comercial é saber desde que dia começa a correr a
prescrição qüinqüenal.
Se o contra to determina o dia certo da expiração do.
prazo social, e se êste contrato foi arquivado no registo do

( 1) Des sociétés commercialel', vol. 1. 0 , n. 662.


No mesmo sentido, THALLER, Traité é/émentaire de droit commercial,
4.ª ed., n. 464; LYON CAEN et RENAULT, Traité de droi: commercial, 4.ª
ed., vol. 2. 0 , P. 1., n. 436; ARTHUYS, Traité des soriétés commerciales, vol.
2. 0 , n. 783.
(2) Quase todos os códigos estabelecem essa prescrição qüinqüenal sem
ci~tinf;uir entre os sócios liquidantes e não liquidantes. Consultem-se os Códs.
italiano, art. 919, n. I; alemão, art. 159; húngaro, art. 121; chileno, art. 419;
federal suíço das obrigações, art. 585. A lei belga, art. 169 du arrêté royal de
1913, é no mesmo sentido. O Cód. Com, espanhol fixa o prazo de três anos.
para a prescrição.
234 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

comércio e devidamente publicado, a prescrição conta-se da-


quele dia.
Se, porém, os soc10s antecipam o vencimento daquele
prazo (n. 805 supra), a prescrição começa a correr do dia
.em que o distrato fôr registado e publicado (n. 691 supra) (1).
Se, encerrada a liquidação, o saldo é repartido pelos
sócios, terceiros, que se reputam credores, podem exigir o que
por aquêles se partilhou, sem receio da exceção da prescrição?
Sim, dos sócios porque não perderam o direito de penhor
:sôbre o ativo social, e enquanto há credores não há saldo.
A prescrição do art. 444 do Cód. Com. cobre exclusiva-
mente os bens do próprio sócio e, no caso, os credores vão
executar bens sociais indevidamente partilhados.

819. A prescrição de que se falou em o n. 818 supra


interrompe-se pela forma determinada no art. 453 do Código
Comercial.

SEÇÃO III

Da liquidação
Sumário: - 820. O que compreende a liquidação da socie-
dade. - 821. Esta liquidação não é operação essen-
cial. - 822. Casos em que não se dá a liquidação.
- 823. Os sócios podem regular a forma da liqui-
dação; regras que prevalecem no silêncio do con-
trato. - 824. A intervenção de um curador especial
na liquidação das sociedades, em que houver m~­
nores interessados. - 825. A existência dêsses me·
nores não prejudica o que foi estipulado pelos sócios
no contrato social. - 826. A liquidação da socie·
dade em virtude da falência de um sócio. - 827. A
liquidação no caso da morte do sócio sem testamen·
to ou herdeiros presentes.

820. Dissolvida, entra a sociedade na fase da liquida-


ção. Esta, no sentido do Cód. Com., compreende a conclusão

( 1) Como se vê, o art. 444 do C6digo é muito confuso, devendo ser


estudado em face das suas fontes, em as notas 1 e 2 da pág. 231 .
O C~ .. Co~. italiano manda contar a prescrição do dia da publicação
legal da liqu1daçao (art. 919); o alemão (art. 159) e o húngaro (art. 121) do
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 235

das operações iniciadas antes da dissolução, o reconhecimen-


to ou verificação do valor exato do ativo, a transformação
dêste ativo em dinheiro, de modo que o patrimônio da socie-
dade se torne inteiramente um capital em espécie, e o paga-
mento aos credores, para ser partilhado o saldo entre os
sócios.
Sob a rubrica liquzdação, arts. 344-353, o Código ocupa-
se também da partilha dos bens sociais. São, porém, atos
diversos, compreendendo a liquidação, no sentido técnico, o
que fica acima explicado. O próprio Código diz, no art. 345
n. 3: "Ultimada a liquidação, os liquidantes são obrigados a
proceder imediatamente à divisão e partilha dos bens so-
ciais"; no art. 348: "Acabada a liquidação e proposta a forma
da divisão e partilha e aprovada uma e outra ... " (1).
Da liquidação no sentido técnico tratamos nesta seção e
da partilha dir·emos na seção IV.
Nem sempre é fácil a liquidação, tratando-se especial-
mente de sociedade que teve longa vida e que possui o ativo
disseminado por muitas mãos.
É sómente depois dê.sse p1·ocesso que a sociedade deixa
realmente de existir. Vê-se assim como incorre em censura
o sistema legal, declarando dissolvida a sociedade antes da
liquidação. A verdadeira dissolução sàmente se acentua de-
pois da liquidação. Nesse sentido mais lógica é a lei inglêsa
adiantando a liquidação à dissolução.
821. A liquidação não é operação essencial, conquanto
seja, de ordinário, necessária. Circunstâncias ocorrem em

fim do dia em que a liquidação da sociedade ou a retirada do sócio forem


lançadas no registo do comércio; o chileno (art. 419), do dia em que se dissolve
a sociedade sempre que a escritura social fixou a duração ou do dia em que
fôr inscrito e publicado o distrato social; o federal suíço das obrigações, art. 585,
da dissolução da sociedade ou da retirada ou exclusão do sócio.
( 1) No a;t. 302, n. 6, do Cód. Com., distinguem-se também a liquidação
e a partilha.
O Cód. Com. francês não regulou a liquidação das sociedades comerciais.
O primeiro que tratou do assunto foi o espanhol de 1829, sendo imitado pelo
português de 1833, pelo holandês de 1839 e pelo nosso de 1850.
236 J. X CARVALHO DE MENDONÇA

que a sociedade passa da vida normal ú completa cxLinção


sem percorrer o estado da liquidação (1).
Não se admite que os sócios assumam a parte que a
cada qual corresponda nas dívidas sociais e partilhem entre
si os bens da sociedade; mas se não surgem interêsscs de
terceiros, ou se êstes concordam, não há motivo que obste
a dispensa da liquidação formal. O mútuo acôrdo dos sócios
regulará os interêsses comuns (2).

8Z2. Eis alg-uns casos em que não hP. razão de ser para
liquidação ou em que esta é dispensada:
a) a sociedade não tem passivo e o ativo se acha repre-
sentado em dinheiro ou, consistindo êste ativo em bens, os
sócios ajustam dividi-los in natura entre si;
b) se no contrato social se estipula que os sócios entra-
rão imediatamente com a quantia precisa para o pagamento
dos credores, ficando a cargo de um dêles o estabelecimento
ou emprêsa, com a obrigação de embolsar a quota dos outros
sócios, conforme o último balanço ou fixada por outra forma;
e) se se ajusta entre os mesmos sócios ou com outros
nova sociedade sucessora, assumindo esta a responsabilidade
do ativo e passivo da que se extingue;
d) se um sócio toma a si receber os créditos e pagar
as dívidas passivas, dando aos outros sócios ressalva contra
a responsabilidade futura nos têrmos do art. 343 do Código
Comercial (n. 817 supra);
e) se o estabelecimento industrial ou comercial explo-
rado pela sociedade, é vendido em bloco e o comprador paga
diretamente aos sócios em particular o preço da ,,nda (3).

( 1) "Conquanto sejam atos distintos por natureza e efeitos, a dissolução


e a liquidação de uma sociedade e a posterior partilha dos bens sociais, não há
disposição de lei proibindo que êsses atos possam ser praticados conjuntamente
e por meio de uma única escritura, desde que haja acôrdo entre os sócios e
salvo sempre o prejuízo de terceiros". (Acórdão do Tribunal de Justiça de São
Paulo de 20 de abril de 1896, na Gazeta Jurídica de São Paulo, vol. 15, pá·
gina 248).
(2) Cód. Com., art. 302, n. 6, ln fine, e 344 (•).
(3) COSACK, Lehrbuch des Handelsrechts, 6. 8 ed., § 109, pág. 517.

(•) V. art. 655 e segs. do Cód. de Proc. Civil.


TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 237

/) se a sociedade não fêz operações e teve existência


fugaz e nominal ( 1).
Em todos os casos figurados, os direitos dos credores
estão sempre ressalvados, não podendo ser ofendidos nem
prejudicados (ns. 809 supra e 283 infra).

823. O Código deixou aos interessados a f acuidade de


estipular a forma da liquidação e partilha da sociedade (2).
(Veja-se n. 654 supra).
Se o contrato prevê a forma da liquidação, aí está a lei
que a regula. Nem os sócios (salvo em unânimidade) nem
o juiz têm o arbítrio de alterar o ajustado (veja-se n. 856
infra).
Silenciando o contrato sôbre a forma da liquidação ou
sendo omisso em parte, aplicam-se as regras que o Código
Comercial estabelece, as quais são preceitos declarativos, inte-
grantes ou supletivos do contrato. (Veja-se n. 70 do l.º vol.,
2.ª edição dêste Tratado).
O processo organizado pelos arts. 344 e segs. do Código
para a liquidação das sociedades comerciais, não é, portanto,
obrigatório. Os sócios podem modificá-lo, suprimindo for-
malidades ali estabelecidas (3).
Não lhes é lícito, sim, ofender, restringir ou perturbar
os direitos dos credores sociais sôbre o patrimônio da socie-
dade, garantia primeira que lhes é oferecida, nem ir de
encontro às bases características e fundamentais do contrato
de sociedade. A liquidação é instituída principalmente no
interêsse dos sócios. Os credores não intervêm por falta de
razão ou motivo que lhes atribua êsse direito. ~les dispõem
para sua defesa das ações judiciais e da falência (n. 957
infra).

(1) Acórdão da 2.ª Câmara, de 29 de janeiro de 1918, na Revista .1,


Direito, vol. 48, pág. 17 5.
(2) Cód. Com., arts. 302, n. 6 e 344. Sendo partilhados imóveis, é essen-
cial a escritura pública (Arquivo Judiciário, vol. 15, pág. 300).
(3) Acórdão da l.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 8 de novembro
de 1906, confirmando a decisão do Juiz do Comércio (CAETANO MONTE-
NEGRO), na Revista de Direito, vol. 12, pág. 91.
238 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

824. Na liquidação das sociedades comerciais em que


houver menores interessados, proceder-se-ão a liquidação e
partilha com o seu tutor e com um curador especial, nomea-
do para êste fim pelo Juiz de órfãos. :Êste curador tem facul-
dade ampla e ilimitada. Todos os atos praticados com a
intervenção do dito tutor e curador serão irrevogáveis. Aos
menores fica sómente salvo o direito para hav2rem dos tutô-
res e curadores os danos resultantes da negligência culpável,
do dolo ou fraude (1).
:Êste preceito aplica-se às pessoas equiparadas aos me-
nores, corno loucos, pródigos, etc. (2).

825. Pelo simples fato de haver menores interessados


na liquidação da sociedade, não se torna judicial esta liqui-
dação; pode ser operada amigàvelmente e sempre de acôrdo
com o estipulado pelos sócios no contrato social. Já dissemos
que a lei deu aos sócios a faculdade de regular a forma da
liquidação e partilha (n. 823 supra) e, no silêncio do con-
trato, aplicam-se as regras do código (3).

(1) Cód. Com., art. 353. .


O Superior Tribunal de Justiça de Pernambuco, em acórdão de 1 de maio
de 1908 (na Revista de Direito, vol. 14, pág. 182), decidiu em agravo com
fundamento em dano irreparável, que "a providência de se nomear. c~rador
especial aos menores interessados nas liquidações de sociedades comerc1a1s e de
se proceder com os tutôres respectivos a liquidação e partilha, nos têr.mos do
art. 353 do Cód. Com., destina-se aos menores que já tenham ou precisem d~
tutôres, os quais só foram criados para suprirem em parte, e na form~ da lei,
a falta, a ausência ou impedimento dos pais e não compreende aqu:Jes q~e
têm pai, no exercício dos direitos que constituem o pátrio poder, ou tem mae
viúva, não bínuba, que haja sucedido ao marido nas funções do referido pod:r,
isto é, nos direitos sôbre a pessoa e bens dos filhos menores, conforme a dis-
posição do art. 94 do decreto n. 181, de 24 de janeiro de 1890. O contrário
seria desvirtuar o aludido título, de tão grande importância na organização da
farru1ia".
Quatro votos contrários, sem serem fundados, teve êste acórdão.
(2) TEIXEIRA DE FREITAS, Aditamentos ao c6digo do comércio, pá-
gina 704.
(3) O art. 353 do Cód. Com., disse muito bem o Cons. RUI BARBOSA,
no parecer de 12 de agôsto de 1909, já mencionado em a nota 1, à pág. 21 O,
"não tem por fim sujeitar obrigatoriamente as liquidações de sociedades comer-
ciais em que houver menores interessados, ao regímen das formas legais estabe-
lecidas para a liquidação e partilha das sociedades mercantis, cujo contrato não
estipular a respeito dessa fase social normas convencionais. Isso estaria em
contradição com o sistema de que se mostra inspirado o mesmo Cód. Com.,
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 239

826. O mesmo se dá na liquidação da sociedade dis-


solvida em virtude da falência de um dos sócios (n. 793
supra) (*).

A liquidação não se opera no juízo da falência, não


obstante ser êste universal, porém amigàvelmente, ou, se·
houver motivo legal, no juízo da sede da sociedade liqui-
danda (1), em um e outro caso com a intervenção dos sín-
dicos ou liquidatários da massa falida. Todos os atos que
com êstes se praticarem serão válidos e irrevogáveis (2).

PodP.m os liquidatários ajustar que os sócios não falidos


continuem com a sociedade, embolsando à massa o quinhão
do sócio falido no capital e lucros. ~ste acôrdo, no qual deve
intervir também o sócio falido, é uma solução feliz e com-
preendida nos poderes dos liquidatários, que dispõem da fa-

quando, no art. 302, n. 6, e no arl. 344, atribui aos sócios o direito de ajusta-
rem, no contrato da sociedad,~, a forma da sua liquidação e partilha. Uma vez
pôsto em uso por êles êsse direito, com a celebração do contrato social, onde
submetem a liquidação e partilha futuras a condições sumárias, assentadas pelo
mútuo consenso dos contraentes, não podem elas ser alteradas pela superve-
niência. de herdeiros menores, cuja situação jurídica, enquanto meros sucessores
do sócio morto, se tem de reduzir forçosamente à criada pelo ato do contra-
tante, a quem sucedem.
O art. 353 não faz mais do que completar o regímen normal de liquidação
e partilha instituído nos arts. 345 a 352. Correndo o seu processo debaixo da
inspeção do Juízo do Comércio, quis a lei que nêle fôsse representado o Juízo·
de órfãos por um curador de sua nomeação. Mas, se a liquidação, por fôrça
do contrato social, reveste outras formas, não se lhe estende essa disposição.
Nem por isto, contudo, ficam abandonados à sua incapacidade os herdeiros
menores cuja defesa tem, com a presença do seu tutor, um órgão suficiente
e legal.
- O acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 18 de dezembro de·
1912, confirmado pelo de 24 de maio de 1914, parece ter decidido que, havendo
menores interessados na liquidação não se poderia tazer amigàvelmente (Rev.
dos Tribunais, vol. 4, pág. 330 e vol. 10, pág. 85). Está tora de debate o caso
de haver cogitado o contrato da forma amigável da liquidação. Mas, ainda no
silêncio do contrato que foi o caso concreto, não nos parece boa a decisão.
(1) Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação de 13 de setembro de
191 O, na Revista de Direito, vol. 18, págs. 145-146; acórdão do Tribunal de-
Justiça de São Paulo, de 12 de novembro de 1914, na Revista do Tribunais,
vai. 12, págs. 83-84; acórdão da 2.ª Câmara de 22 de junho de 1915, na Rev.
de Direito, vol. 37, págs. 524-525.
(2) Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 51.
(*) O art. 48 do decreto-lei n. 7.661, de 21-6-1945, dispõe de maneira,
diversa.
-240 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

culdade de transigir sôbre os negócios da massa (1) . Veja-se


n. 794 supra).

827. Falecendo algum sócio sem testamento e sem


herdeiros presentes, quer a sociedade se dissolva com a mor-
te, quer tenha de continuar, o Juiz a quem caiba arrecadar
·os bens não poderá ingerir-se por forma alguma na admi-
nistração, liquidação ,e partilha dos bens sociais. Compete-
lhe sómente arrecadar a quota líquida que, na forma do con-
trato ou de acôrdo com a partilha dêsses bens sociais, vier
a caber àquele sócio (2) .

ARTIGO 1

Dos liquidantes, sua nomeação e destituição

Sumário: - 828. A liquidação está a cargo de um ou mais


liquidantes. - 829. Os liquidantes são os órgãos da
sociedade na última fase da sua existência. - 830.
Quem serve de liquidante. - 831. O liquidante pode
ser remunerado. - 832. Impedimento ou morte do
liquidante. - 833. Destituição do liquidante.

828. A liquidação da sociedade realiza-se sob a direção


tde um ou mais liquidantes.

Apenas dissolvida a sociedade, o liquidante ou liquidan-


tes entram imediatamente em funções, assumindo os direi-
tos e deveres que o contrato e a lei atribuem ao seu cargo,
sem solução de continuidade ao exercício dos gerentes ou
.administradores.

~les
obram sem procuração especial dos soc10s, do mes-
mo modo que os sócios gerentes. São os órgãos da sociedade

(1) Lei n. 2.024, de 1908, art. 67, n. 6 ( *).


(2) Cód. Com., art. 309, 1.ª alínea.
("') Pelo decreto-lei o. 7.661, de 21-6-1945, art. 63, n. XVII compete ao
síndico transigir sôbre os negócios da massa. '
TRATADO DE DffiEITO COMERCIAL BRASILEIRO 241

na sua sobrevivência, trate-se de negócios judiciais ou extra-


judiciais (1) .

829. O liquidante é o órgão da sociedade na última


fase da sua existência, no período da dissolução, dissemos;
e pode usar a firma sorial, com o aditamento em liquidação
(n. 814 supra). ~le não é mandatário dos sócios nem da
sociedade, e muito menos dos credores sociais, conquanto se
lhe possa aplicar por analogia as regras do mandato ordi-
nário (2).

Os atos do liquidante, praticados dentro das fôrças do


contrato ou da lei, obrigam a sociedade e os sócios, indefi-
nidamente se êstes são de responsabilidade ilimitada ou até
ao valor da quota se comanditários (3).

( 1) Vejam-se os nossos trabalhos forenses e o acórdão do Tribunal de


Justiça de São Paulo de 5 de setembro de 1896 (cm O Direito, vol. 76, págs.
188-247); acórdãos da 2. ª Câmara da Côrte de Apelação de 20 de outubro de
1905 (em O Direito, vol. 99, pág. 293); da l.ª Câ•nara da Côrte de Apelacão
de 23 de junho de 1913 (m. Revista de Direito, vcl. 29, p:íg. 3G7); da 2.ª Câ-
mara da Cô;te de Apelação de 29 de setembro de 1908, confirmado pelo das Câ-
maras Reunidas àe 19 de julho de 1911 (na Revista de Direito, vol. 22, págs.
159-163); da Câmara Civil da Relação de Minas Gerais de 22 de julho de
1911 (na Revista Forense, vol. 17, págs. 82-83 ), que, ainda, declarou se; des-
necessária a nomeação de curador a lide quando na sociedade em liquidação são
interessados menores ou órfãos.
O acórdão da 1.ª Câmara da Côrte de Apelação de 24 de julho de 1906
decidiu que o liquidante, não agindo em nome pessoal, mas representando a
pessoa jurídica da sociedade, pode propor a ação decendiári::i (Rev. de Direito,
vol. 13, pág. 120).
(2) O Cód. Com. chileno, no art. 410, dispõe: "El liquidador es un ver-
dadero mandataria de la sociedad".
O Cód. Com. italiano, no art. 25, declara: "I liquidatori sono sottoposti
alle regale del mandato".
(3) Os atos praticados pelo sócio liquidante que não visarem a liquida-
ção final da massa social, para, satisfeito o ativo, efetuarem-se a divisão e
partilha dos bens apurados, não obrigam os outros sócios. (Acórdão da 2.ª
Câmara da Côrte de Apelação de 29 de setembro de 1908, confirmado pelo
das Câmaras Reunidas de 19 de julho de 1911, na Revista de Direito, vol. 22,
págs. 159-163).
A sociedade sucessora, que toma a seu cargo a liquidação da sociedade
antecessora, não se responsabiliza pelo passivo social desta, se não assumiu
expressamente essa responsabilidade. Responsáveis são a sociedade em liqui-
dação e subsidiàriamente os seus sócios. Assim decidiu o Tribunal de Justiça
de S. Paulo em acórdão de 20 de agôsto de 1904, confirmando a sentença de
1.ª instância (S. Paulo Judiciário, vol. 5. 0 , págs. 415-416).

16
242 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

830. Servem de liquidante ou liquidantes:


l .º O sócio ou sécios designados para êsse cargo, no
contrato institucional da sociedade (veja-se n. 654 supra).
A nomeação dos liquidantes no contrato social participa da
irrevogabilidade dêste contrato. Está sub-entendido que os
sócios em unanimidade podem nomear liquidante qualquer
dos sócios ou ainda pessoa estranha.
2.º Na falta desta designação:
a) o sécio ou sócios gerentes, que são os liquidantes
naturais, ou
b) o sócio ou pessoa estranha à sociedade, que fôr no-
meada por comum acôrdo dos sócios ou por pluralidade de
votos, em caso de discórdia (1). Para conduzir a têrmo a
liquidação, a prudência muitas vêzes aconselha a nomeação
de um só liquidante, sócio ou terceiro.
No caso de discórdia quanto à nomeação do liquidante
ou dos liquidantes, prevalece o voto da maioria (2) ("').
Esta maioria regula-se pelo número dos sócios ou pela
importância das quotas?
Decidiu a 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, em acór-
dão de 11 de janeiro de 1907, que os liquidantes s·ejam elei-
tos pelos sócios que representam a maior importância das
quotas, com as quais se formou o capital social, embora não
reúnam a maioria numérica, visto não ser justo que preva-
leça o menor interêsse sôbre o maior {3).
Esta regra harmoniza-se com a do art. 331, do Código
Comercial.
831. O cargo de liquidante pode ser, como o de gerente,
remunerado ou gratuito. Se o liquidante não é sócio reputa-se
sempre remunerado (4).
(1-2)Cód. Com., art. 344 ( .. ).
(3)Revista de Direito, vol. 3, pág. 581.
( 4) Cód. Com. arg., art. 345, n. l, in fine. Contra: acórdãos da 2.ª Câ-
mara de 2 de junho de 1914, na Legislação e Jurisprudência do Brasil, de CÂN-
DIDO MENDES, vol. 3.0 , págs. 565-566.
( •) No 4. 0 vol., n. 1.531 bis, explicou o autor: "O sócio comanditário
concorre com o seu voto para a eleição do liquidante. ~ste princípio, que se
deduz do exposto em o n. 748 do 3. 0 vol., foi sufragado pela 2.ª Câmara da
Côrte de Apelação, em acórdão de 29 de julho <ic 1913".
( • •) Art. 657 do Cód. de Proc. Civil.
Ti:ATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEffiO 243

832. O cargo de liquidante é pessoal. Não pode ser


cedido o seu exercício complexo a terceiro. No caso d2 impe-
dimento ou morte, cumpre aos interessados nomear subs-
tituto.

833. O liquidante pode ser destituído?


Se nomeado no contrato social, não pode ser destituído,
a menos que se não prove a inexecução dos deveres que a
lei e o contra to lhe impõem ( 1).
Se eleito pelos sócios, depois de dissolvida a sociedade,
não há motivo que proíba a êsses sócios destitui-lo, pela
mesma maioria que o nomeou.
O voto da maicria, note-se, não prevalece, se se trata de
omissão, negligência culpável, abuso ou fraude do liquidante,
casos em que ao Juiz cumpre destitui-lo a requerimento de
qualquer sócio. Sôbre a destituição judicial do liquidante
diremos adiante.

833-A. Liquidada a sociedade, não pode mais o liqui-


dante ser demandado nessa qualidade. Extinguiu-se a sua
missão (2).

ARTIGO II
Das atribuições, deveres e responsabilidades dos liquidantes
Sumúlo: - 834. Os liquidantes não empreendem nov.u
operações, ultimnm ns iniciadas. - 835. úbrigaçõts
dos liquidantes. - 836. Não podem transigir. ·-
837. Podem abrir crEditos? - 838. Podem hipotecnr
bens sociais? - 839. Responsabilidade dos liqui-
dantes.

834. A m1ssao dos liquidantes, em vista do seu cará-


ter, não é empreender novas operações, porém concluir as

(1) Acórdãos da 2.ª Câmara, de 17 de setembro de 1927, no Arquivo


Judiciário, vol. 4. 0 , pág. 332.
(2) Acórdão do Supremo Trihunal Federal, de 19 de maio de 1923, na
Revista do Supremo Tribunal, vol. 56, pág. 107.
244 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

iniciadas, realizar em dinheiro o ativo e pagar o passivo da


sociedade (n. 807 supra).
Tem-se-lhes, entretanto, admitido a prática de novas
operações, indispensáveis para liquidar as iniciadas na época
da dissolução tais como a compra de mercadorias para f aci-
litar a colocação das existentes nos armazéns e para cum-
prir os contratos pendentes (1).
835. Os liquidantes são obrigados:
1.º A providenciar sôbre o registo e publicidade do
ato da dissolução (n. 813 supra) convindo anunciar pela
imprensa e por circulares a dissolução e liquidação da socie-
dade e a qualidade de que se acham investidos. É uso antigo
no comércio .
2. 0 A levantar o inventário e balanço dos bens sociais
(cabedal social, na frase do Código) nos quinze dias imedia-
tos à sua nomeação (2) (*).
Se o liquidante ou liquidantes forem os mesmos sócios
que geriram a sociedade na vida normal, não há mister
levantar êste inventário e balanço. O último balanço, por
todos os sócios assinado, satisfaria o fim da lei, qual o de
dar-lhes conhecimento das condições financeiras da socie-
dade dissolvida e estabelecer as bases para a Uquidação.
Fora êsse caso, é dever indeclinável dos liquidantes pro-
ceder o inventário e levantar o balanço. Se o não cumprem
podem ser destituídos (3), como melhor diremos adiante na
parte relativa à destituição judicial dos liquidantes..
A organização do inventário e o levantamento do ba-
lanço servem, também, para demonstrar oportunamente os
serviços dos liquidantes.
3. 0 A comunicar mensalmente a cada sócio o estado
da liquidação, sob pena de destituição (4).
(1) DELOISON, Des sociétés commerciales, vol. 1.0 , n. 114; THOL, Trat-
tato di diritto commerciale, trad. MARGHIERI, vol. 1. 0 , pág. 315; VIVANfE,
Trattato di diritto commerciale, 3.ª ed., vol. 2. 0 , n. 799.
(2-3) Cód. Com., art. 345, n. 1.
O inventário e balanço são peças indispensáveis; formam a base legal da
liquidação. (Sentença do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de julho de 1881,
em O Direito, vol. 26, págs. 616-617).
(4) Cód. Com., art. 345, n. 2.
( •) Cód. de Proc. Civil, art. 660, t.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEffiO 245

4. 0 A praticar todos os atos necessários para o êxito


da liquidação, com as restrições legais ou estipuladas no
contrato. Assim, devem os liquidantes:
a) Cobrar as dívidas ativas., dando quitação, ainda que
os devedores sejam sócios (1), podendo ser designado um
dos liquidantes para êsse mister (veja-se n. 816 supra).
Cumpre-lhes, para êsse fim, empregar todos os meios
que julgarem idôneos, inclusive os judiciais. É-lhes lícito
sacar cambial sôbre o devedor ou recebê-la por endôsso con-
f arme os usos do comércio.
Dissemos que a cobrança dos débitos dos sócios devia
também ser procedida pelos liquidantes, e assim o é porque
a liquidação não se faz exclusivamente em benefício dos
sócios, mas, ainda, em tutela dos credores sociais, para os
quais a efetiva e real cobrança das dívidas ativas serve de
garantia (2).
Os pagamentos aos sócios não liquidantes não exone-
ram o devedor. Quem paga mal, paga duas vêzes. Em o
n. 713, letra a, tratamos do caso análogo do pagam·ento ao
sócio não gerente. Nem se pod? pagar a. um sócio a parte
que lhe caberia no c:rédito.
b) Pagar os débitos sociais no dia do vencimento, ainàa
que os credores sejam sócios que hajam emprestado à socie-
dade, devendo êstes ~er tratados como os outros credores (3).
e) Exercer atos conservatórios, como L11terposição de
protestos, etc.

( 1 ) O soc10 da sociedade em liquidação não é depositário, no conceito


jurídico dêste contrato, dos saldos em seu poder. O liquidante, pois, não pode
haver êsses saldos por meio da ação de depósito, mas pelos meio.s regulares de
direito. (Acórdão da I.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 4 de Julho de 1907,
na Revista de Direito, vol. 11, pág. 521).
(2) SRAFFA, La liq11idazio11e delle società commerciali, 2.ª ed., n. 57.
( 3) Cód. Com., art. 349, 2. ª alínea.
Impugnado o crédito de um sócio contra a sociedade, não pode o mesmo
ser admitido no Juízo administrativo da liquidação, cabendo-lhe, como credor,
recorrer às vias ordinárias para pleitear o reconhecimento do seu contestado
direito. (Sentença do Juiz da l.ª Vara Comercial, confirmada pela 1. 3 Câmara
da Côrte de Apelação, em acórdão de 22 de julho de 1910 - na Revista d8'
Direito, vol. 17, págs. 133-134).
246 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

d) Alienar bens sociais. Liquidar é reduzir a dinheiro


até onde e por quanto seja possível o patrimônio social. Daí
a necessidade de terem os liquidantes os poderes de alienar
os bens da sociedade, mercadorias, etc.
Os liquidantes podem vender mercadorias a crédito? Pa-
rece-nos que sim. É o meio para evitar, muitas vêzes, a ruína
da liquidação, com a baixa dos preços. Têm êles, portanto,
a faculdade de sacar letras. ou notas promissórias sôbre os
compradores, e até de negociar obrigações cambiais dêstes (1).
5. o A pedir aos sócios os fundos necessários nos casos
em que êstes Eão obrigados a prestá-los, S·e o estado da caixa
social não bastar para o pagamento das dívidas exigíveis (2).
Se os sócios não atendem, resta aos liquidantes o direito
de se exonerar ou de adiantar do seu bôlso os fundos neces-
sários, exigindo depois dos sócios o que por conta dêstes
pagaram, ou de requerer a concordata preventiva ou a fa-
lência da sociedade.
6. 0 A depositar as quantias apuradas na liquidação,
enquanto o passivo não estiver solvido, se algum sócio exigir
ou requerer essa medida (3).
7. 0 A proceder imediatamente após a liquidação à di-
visão e partilha dos bens sociais (4), pela forma estipulada
no contrato, ou, no silêncio dêstes, conforme adiante se
explica.
8.º A prestar contas depois de finda a liquidação e
propor a forma da partilha (5).
836. A lei veda ao liquidante transigir em nome da
sociedade, assinar compromissos sôbre interêsses sociais sem
autorização especial dos sócios dada por escrito, sob pena
de nulidade (6). Esta autorização pode ser concedida no
contrato social.

( 1 ) Atuam entre nós os mesmos motivos do Direito italiano, lucidamente


expostos por VIVANTE, Trai/ato di diritto commerciale, 3.ª ed., vol. 2.º, n. 803.
(2) Cód. Com., art. 346.
(3) Cód. Com., art. 349, 1.ª alínea, in fine.
( 4) Cód. Com., art. 345, n. 3.
( 5) Cód. Com., art. 348.
(6) Cód. Com., art. 351.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 247

Não pod2m os liquidantes proceder em sentido contrá-


rio às atribuições. que lhes são conferidas, e assim não teriam
validade as remissões de débitos, as liberalidades, a renúncia
à prescrição, a alienação ou cessão do estabelecim·2nto co-
mercial ou industrial em conjunto, etc., sem o expresso con-
sentimento de todos os sócios.

837. O liquidante pode abrir créditos em bancos sem


o ·expresso consentimento dos sócios ou outorga de poderes
no contrato ou no ato de sua nomeação?
É delicada questão que o Código não resolveu expressa-
mente (1).

838. Os liquidantes podem hipotecar bens sociais?


Não sem autorização especial dos sócios dada por escri-
to, sob pena da nulidade de pleno direito.

O liquidante é equiparado ao mandatário e êste não


pode hipotecar, assinar fianças, transações ou compromissos
sem poderes especiais (art. 145, 2.ª alínea, do Cód. Com.).
Isso consubstanciou o art. 351 do mesmo Código, proibindo,
em têrmos genéricos, que os liquidantes transijam ou assi-
nem compromissos sôbre interêsses sociais, sem autorização
especial e escrita dos sócios (2).

( l) A Relação do Rio, em acórdão de 11 de setembro de 1873 (em O


Direito, vol. 3. 0 , pág. 310), decidiu que o liquidante não tinha poderes para
abrir crédito garantido em bancos. O Supremo Tribunal de Justiça, em sen-
tença de 26 de agôsto de 1874 (em O Direito, vol. 5. 0 , pág. 112), negou revista
a êsse acórdão .
Em notável causa entregue ao nosso patrocínio, sustentamos que os liqui-
dantes não podiam abrir créditos nem contrair empréstimos no interêsse da
sociedade sem o consentimento de todos os sócios, em face dos arts. 346 e
140 do Cód. Com., êste por aplicação analógica. (Veja-se o nosso trabalho
em O Direito, vol. 76, págs. 191-192).
Vemos, porém, freqüentemente os liquidantes sem poderes expressos dos
sócios recorrerem aos empréstimos e aberturas de crédito.
(2) LAFA YETTE, Direito das cousas, § 217; acórdão do Tribunal de
Justiça de São Paulo, de 5 de sett:mbro de 1896; e nossos trabalhos forenses
em O Direito, vol. 76, págs. 188-247. (Veja-se breve estudo de direito com-
parado sôbre o assunto em SRAFFA, La liquidazione delle società commerciali,
2.ª ed., n. 71).
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

839. Os liquidantes responde111 aos sócios pelo dano


que à massa resultar da sua negligência no desempenho das
funções e por abuso ( 1) .

SEÇÃO IV

Da partilha

Sumário: - 840. A partilha do saldo da liquidação entre


sócios. - 841. Organização do cálculo da partiL'ia
e exame dos sócios. - 842. Forma da partilha. -
843. Rateio do apurado durante a liquidação. - 844.
Menores interessados. - 845. A partilha, em regra,
deve ser em dinheiro. - 846. Livros e arquivo da
socied:>.de. - 847. Direito Fiscal.

840. Solvido o passivo social ou depositada a quantia


bastante para o pagamento dos credores que não se apresen-
tarem, reparte-se o saldo resíduo entre os sócios.

Esta repa!'tição chama-se partilha, e o que cabe a cada


sócio denomina-se parte (2). A esta partilha procede o cál-
culo ou o quadro demonstrativo da divisão.

Dê.sse modo, no processo do cálculo e na partilha, as


quotas que durante a vida normal da sociedade e no período
da sua liquidação, somente se poderiam conceber intelec-
tualmente, transformam-se em quinhões ou partes corpóreas,
fisicamente determinadas (n. 591 supra).

841. Terminada a liquidação, o liquidante organiza o


cálculo da divisão ou da partilha do saldo verificado (3) e
o submete ao exame e aprovação de todos os sócios, com os
atos da liquidação.

( 1 ) Cód. Com., art. 347.


(2) STE~ENS, The ele_ments of mercantile law, 3.ª ed., pág. 261: "A
partner s share is lhe proport1on of the partnership assets after they have all
been realized and converted inlo money, and all tbe debts and liabilities ha
been pai d and discharged". ve
(3) O Cód. Com., nos arts. 345, n. 3, e 348, chama êste cálculo di"v · -
lo rma . · - e parti"Ih a.
d a d 1v1sao isao '
TRATADO DE DIREITO COMERClAL BRASILEIRO 249
-------
Aprovados êstes atos e o cálculo da partilha, cessa tôda
e qualquer reclamação por parte dos sócios entre si ou con-
tra o liquidante.
O sócio que não aprovar a liquidação ou o cálculo da
partilha, deve reclamar dentro de dez dias depois de lhe ter
sido comunicado êste último, sob pena de julgarem-se bons a
liquidação e o cálculo, e não se admitir futura reclamação (1),
salvo, b;:m entendido, provando-se êrro de conta, dolo ou-
fraude (2).
Não aprovando os sócios o projeto da partilha, e não
chegando a acôrdo, resta sàmente converter em judicial a
liquidação amigável. Só a interv,enção do juiz conseguirá
solver as controvérsias.
Convém recorrer, em casos tais, ao JU1zo arbitral cmn--
posto de comerciantes práticos e honestos.

842. Já dissemos que a forma da partilha do saldo


apurado na liquidação pode ser regulada no contrato de
sociedade (veja-se n. 6b4, supra). Se ê3te é silencioso, o
saldo partilha-se na proporção das quotas de cada sócio no.
capital social (veja-se n. 588, supra).

843. A partilha procede-se muitas vêzes de acôrdo com


os sócios, à medida que se vai apurando o saldo da liquida-

( 1) Cód. Com .• arts. 348 e 444, 2.ª alínea, aplicáveis às liquidações e·


partilhas amigáveis entre os sócios, conforme decidiram a sentença do Supremo
Tribunal de Justiça, de 6 de julho de 1887 (em O Direito, vol. 44, págs. 347-
348 ), e acórdão revisor da Relação do Rio, de 13 de dezembro de 1887 (em
O Direito, vol. 45, pág. 407), e o acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo,
de 8 de junho de 1912 (no S. Paulo Judiciário, vol. 29, pág. 207, e na Revista
dos Tribunais, vol. 2. 0 , págs. 382-384). Ainda que a sociedade seja irregular,
segundo também julgou a Câmara Civil do Tribunal da Relação de M. Gerais,
em acórdão de 29 de janeiro de 1910, na Rev. Forense, vol. 13, págs. 304-205 .
.É digno de leitura o voto vencido do Sr. Ministro MEIRELES REIS, no
acórdão citado do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 8 de junho de 1912,
como subsídio para o estudo da questão.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão de 6 de março de 1896,
havia declarado que o art. 444 do Cód. não regia o caso de liquidação ami-
gável (na Revista J\fensal, vol. 3. 0 , pág. 77).
(2) Cód. Com., art. 435. (Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo~,
de 6 de março de 1896, na Revista Mensal, vol. 3. 0 , pág. 77).
250 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

ção. Os liquidantes rateiam o apurado; é o sistema dos divi-


dendos (1).
Está entendido que nenhum dividendo será distribuído
enquanto houver passivo social ou enquanto não fôr depo-
sitada a quantia necessária para pagamento dêste (2).

844. Havendo menores interessados na partilha, pro-


,cede-se de acôrdo com o que se disse em o n. 825 supra.

845. A partilha do saldo da liquidação deve ser em


dinheiro e nisso se distingue da divisão da herança, salvo se
os sócios, mediante comum acôrdo, convierem que os seus
quinhões ou partes sejam entregues em outra espécie, ou se
.no contrato social se estipulou outra coisa (3) . Se é certo
que o art. 345, n. 3, do Código Comercial se refere a partilha
dos bens sociais, o art. 349 dá a entender que os sócios têm
.direito a dividendo por meio de rateio depois do pagamento
do passivo, à medida que as quantias se forem apurando
(n. 843, su]Yfa).
Obrigar o sócio a receber coisa existente no patrimônio
d.a sociedade, seria forçá-lo a adquirir, não raras vêzes, o
que se destina a fim diverso da sua profissão ou interêsse.
·Que faria o capitalista, comanditário em uma sociedade, de
mercadorias que recebesse na partilha final?

846. Ultimadas a liquidação e a partilha, os livros co-


merciais e os papéis do arquivo da sociedade serão deposita-
dos em casa do sócio, que fôr escolhido por pluralidade de
votos (4).

( 1) CóJ. Com., art. 345, n. 3.


(2) C6d. Com., art. 349. Idêntico ao Cód. Com. italiano, art. 201.
( 3) Os sócios podem estipular no contrato, por exemplo, o direito de
preferéncia na partilha sôbre certos bens com que entraram para o capital. Se
houver necessidade da venda dêsses bens para satisfazer o passivo social e exis-
tindo valores equivalentes para os outros sócios, a cláusula será válida. (Con-
sulte-se VIVANTE, Trattato di diritto commerciale, 3.ª vol. 2. 0 , n. 311).
No caso cogitado em o n. 550 supra, o sócio retoma a sua quota. Parti-
·1.ha.-K i.àmcnte o saldo resíduo.
<4) Cód. Com., 11.rt. 352.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 251

847. Direito Fiscal. A quantia que se repartir p-elos


sócios e a quota que couber a cada um dêles na partilha social
pagam o impôsto proporcional da tabela A, § l.º, n. 8, do
decreto n. 3.564, de 22 de janeiro de 1900, art. 4.º, n. 11, do
mesmo decreto (*) .
A fim de solver dúvidas acêrca da execução do dispo3to
neste art. 4. 0 , n. 11, o Ministro da Fazenda, na Circular n. 29,
de 9 de agôsto de 1912, declarou aos chefes das repartições
subordinadas ao seu Ministério, que o sêlo a cobrar nas dis-
soluções de sociedades com·erciais deve recair sôbre a quan-
tia que se repartir pelos sócios, compreendendo o capital e os
lucros que porventura se verificarem, e, no caso de retirada
de um ou mais sócios, continuando a sociedade com o mesmo
contrato, sôbre a importância que fôr levantada (1).

SEÇÃO V

Da intervenção judicial na dissolução, liquidação


e partilha das sociedades comerciais

Sumário: - 848. A intervenção judicial anunciada na ep{-


grafe. - 849. Casos mais notáveis desta Intervenção.
- 850. Competência judicial. - 851. Menores In-
teressados.

848. Nas seções I a IV dêste capítulo, falamos da liqui-


dação e partilha amigáveis, a dizer, das procedências sem
atritos ou contendas entre os interessados.
A intervenção judicial nesta matéria tem sido uma das
mais controvertidas no tema das sociedades comerciais, en-
contrando-se decisões variadas dos nossos tribunais, satisfa-

(1) No Diário Oficial de 10 de agôsto de 1912, pág. 10.509.


A mesma solução havia dado o Ministro da Fazenda no Aviso n. 27, de
J 5 de julho de 1912, dirigido ao presideote da Junta Comercial de São Paulo,
00 Diário Oficial de 16 do dito mês e ano.
( •) Hoje decreto o. 32.392, de 9-3-1953, n. 1 do art. 110 da Tabela.
252 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

zendo a todos os gostos. É que os tribunais, ao invés de con-


sultarem, muitas vêzes, a nossa lei, preferem, sem cautela,
as teorias dos escritores franceses mais ou menos empíricas.
Ver-se-á que, em face do Código brasileiro, a matéria
não é difícil como, em geral, se afigura.
Das decisões dos tribunais, aprov2itaremos, somente, as
que nos parecerem inspiradas nos preceitos do Código.

849. A intervenção judicial na dissolução, liquidação


e partilha das sociedades comerciais, de cuja matéria nos
ocupamos neste título, pode ocorrer em muitos casos, alguns
bem singulares. A sua necessidade aparnce logo que entre
os sócios surge a discórdia, devendo cessar desde que renasce
a harmonia.
Os casos mais notáveis dessa intervenção são os se-
guintes:
a) para a decretação da dissolução da sociedade a re-
querimento de sócio, fundado em motivo legal (veja-se n. 795
supra);
b) para, no caso de discórdia entre os sócios, regular a
forma da liquidação ou da partilha, assegurando o cumpri-
mento das cláusulas contratuais ou, em falta destas, das dis·
posições legais.
Dissolva-se a sociedade de pleno direito ou mediante
acôrdo dos sócios, a sua liquidação e partilha, ambas ou qual-
quer destas operações, podem ser processadas com a inter-
venção judicial, e, vice-versa, a sociedade dissolvida por de-
creto judic~al pode liquidar-se amigàvelmente.
A intervenção judicial pode ser ainda mero incidente no
curso da liquidação amigável. Exemplos: para decidir a di-
vergência sôbre a pessoa do liquidante, para a destituição e
conseqüente substituição do liquidante nos casos legais, para
regular a forma da liquidação ou partilha, etc . Se as partes,
no correr do processo, se harmonizam, cessa aquela inter-
venção, por desaparecer a sua causa.

850. O juiz competente para o processo da disscJução


e da liquidação e outros atos em que se faz mister a inter-
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 253

venção judicial, é o do comércio (1), ainda que sejam inte-


ressados menores nacionais (n. 825 supra), menores estran-
geiros (2) ou pessoas ausentes (3).
O juiz do comércio é o da sede da sociedade, e não o do
domicílio de um dos sócios (4) .
A justiça é sempre a estadual ou local, ainda que os
interessados residam ·em Estados div·ersos (5) (*).
Note-se, porém, que as ações contra a sociedade em li-
quidação não correm obrigatoriamente no juízo da dissolu-
ção e da liquidação, porquanto êstes atos não autorizam a
prorrogação neces~ária da jurisdição do juiz (6).
851. Em o n. 825 supra já dissemos que não obstante
haver menores interessados na liquidação da sociedade, não
era rigorosamente necessária a intervenção judicial. Sàmen-

(1) Reg. 0 n. 737, de 1850, art. 20, § 2. 0 . (Veja-se n. 379 do t. 0 volume,


2.ª edição, dt:ste Tratado).
No Distrito Federal são competentes os juízes de direito das varas cíveis,
que exercem a jurisdição civil e a comercial (decreto n. 9.263, de 28 de de-
zembro de 1911, art. 128, § 8.º) (**).
(2) Acórdão da Relação do Rio, de 4 de maio de 1875, em O Direito,
vol. 7. 0 , págs. 569-571. Os cônsules estrangeiros não podem proceder a essa
liquidação.
(3) Cód. Com., art. 309, l.ª alínea.
O Juiz de ausentes não pode arrecadar os benlí do sócio falecido ah intestato.
Liquidada a sociedade no Juízo comercial, compete àquele Juiz arrecadar a
quota líquida pertencente ao sócio que morreu sem testamento e sem herdeiros
no lugar: acórdãos da Relação da Côrte de 8 de outubro de 1869, i11 ORLAN-
DO, Código Comercial, 6.ª ed., nota 398, e do Tribunal de Justiça de S. Paulo,
de 15 de março e 6 de dezembro de 1895, na Revista Mensal, vol. 2. 0 , pág. 315,
e de 14 de setembro de 1914, na Revista dos Tribunais, vol. 11, pág. 146.
- Embora universal, o juízo da falência não desafora do juízo competente
a liquidação da sociedade de que faz parte o falido, no curso da liquidação
(acórdão da 2.ª Câmara, de 13 de setembro de 1910, na Revista rle Direito,
vol. 18, págs. 145-146).
( 4) Acórdão do Supremo Tribunal Federal, ele 12 de janeiro de 1910, na
Revista de Direito, vol. 20, págs. 150-151, e em O Direito, vol. 112, pág. 231.
(5) Acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 19 de outubro de 1919
(agravo cível n. 1.413): A expressão litígio do art. 60, letra d da Constituição
Federal, não compreende o pedido de dissolução e liquidação de sociedade
comercial (Diário Oficial de 3 de junho de 1913) .
(6) Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 28 de setembro de
1906, na Revista de Direito, vol. 12, págs. 138-139.
("') Hoje a Justiça é uma só, a dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios. Não há mais Justiça Federal.
("'*) Decreto-lei n. 8.527, de 31 de dezembro de 1945, art. 46, letras
ºa"" e "e''.
254 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

te no caso de divergência entre os interessados, se justificam


a liquidação e a partilha judiciais, que correm perante o
juiz do Comércio (n. 850, supra). O Juiz de órfãos não pode
intervir nesses atos judiciais (1) . Procedida a liquidação no
juízo comercial, o saldo apurado é descrito no juízo do inven-
tário para ser partilhado ou sobrepartilhado cmno tór de
din~ito. O inventário e partilha dos bens da sucessão distin-
guem-se da liquidação da sociedade comercial, da qual o
inventariado fêz parte. Não é no inventário judicial dos bens
dos sócios que se liquidam sociedades mercantis. Estas são
personalidades jurídicas distintas daqueles. Sécio e socie-
dade, cada qual tem o seu patrimônio (2).

ARTIGO I

Da dissolução judicial

Sumúlo: - 852. A intervenção judicial na dissolução "pleno


jure". - 853. Nos casos do art. 336 do Código Co-
mercial. Rito processual. - 854. Recurso da .se:i-
tença. - 855. A sentença que não decreta a disso-
lução não firma caso julgado.

825. A dissolução pleno jure da sociedade não depende


de sentença declaratória. A intervenção judicial pode, entre-
tanto, ser necessária no caso de oposição ou divergênc!a
entre os sócios sôbre o fato que motiva aquela dissoluçao
(n. 780 supra).

~ 1) A li9uida~ão não pode ser homologada pelo Juiz de úrL~os, sob. pena
de nao produZir efeito. (Acórdão revisor da Relação da Côrte, de 7 d;: 1unho
de 186.2, apud M~FR~, Jurisprudência dos Tribunais, vol. 3.º, pág. 86) · .
Am?a que ~eJam mte~essados menores sucessores do sócio premorto, ~UJ~S
ben~ se mven~anam no ~uizo de órfãos, êste não seria competente para a hqm-
daçao da sociedade (acord~o do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 16 de
dezembro de 1895, ~a Revista Mensal, vol. 3.º, págs. 68-69).
No mesmo sentido o acórdão da 1.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 28
de novembro de 1907, na Revista de Direito, vol. 8.º, pág. 102.
(2) Nosso parecer de 4 de agôsto de 1909, e mais os de LAFAYETfE,
~URO P~TO, RUI BARBOSA e R~GO MONTEIRO, no opúsculo A ques-
lao do ltm, Manaus, 1909. (Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de
18 de setembro de 1914, na Revista dos Tribunais, vol. 12, pág. 46).
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 255

Qualquer dos só~ios pode, então, requerer ao Juiz do Co-


mércio qu2, vErificado o fato alegado e provado, declare em
liquidação a scciedade.
Da sEntença ou despacho que indeferir o pedido, cabe
agravo com fundamento em dano irreparável (1).

853. A dissolução judicial da sociedade comercial, nos


casos do art. 336 do Código Comercial (veja-se n. 795 supra),
dEpende, cerno é evidente, da sentença que a decrete.
Qual o rito processual desta dissolução? (*).
Um dos ilustrados juízes do comércio do Rio, Conselheiro
BENTO LISBOA, contraminutando um agravo, €xpunha
nesses têrmos a praxe adotada no Fôro da Côrte, confirmada
e ace1ta pelo Tribunal da Relação:
"O proces~o da liquidação (melhor diria da dissolução)
de uma sociedade comercial, tem fórmula especial, da qual
não é lícito prescindir, nem pode imperar a simples vontade
das partes.
A disposição do art. 336 do Cód. Com., assento da ma-
téria, positivamente diz que as sociedades comerciais podem
ser dissolvidas judicialmente, antes do período marcado no
contrato, a requerimento de qualquer dos sócios.
A lei não dá outro meio para a dissolução; não diz que
seja a mesma dissolução proposta ou pedida por via de ação:
ordinária ou sumária. O meio é o requerimento, no qual de-
verá, certamente, ficar demonstrado qualquer dos casos dos;
§§ 1.0 , 2. 0 e 3. 0 do mesmo art. 336 do Código Comercial.
O juiz, ·em vista da petição apresentada e documentos
que foram oferecidos, deverá resolver sôbre a dissolução,..
ouvindo a parte, como sempre pratica.
,, . , -• J j_~ i JJi~ L..·~-~ >;..,I tt· ~:, s;;
(1) Decreto o. 9.263, de 28 de dezembro de 1911 (Distrito Federal,
art. 289, o. 13).
Acórdão da Câmara Civil da Côrte de Apelação, de 6 de julho de 1903,
na Revista de Jurisprudência, vol. 19, págs. 60-65.
(*) Cód. Proc. Civil (decreto-lei n. 1.608, de 18-9-1939, com as mod. e-
alt. do decreto-lei o. 4.565, de 11-8-1942), arts. 655 e segs.
255 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Se as razões dos suplicantes são procedentes, é decretada


a dissolução; no caso contrário, é negada" (1).

Deve-se adotar êste processo, por compatível com a na-


tureza da questão, que não admite delongas. Esperar o curso
de uma ação ordinária é desesperar da eficácia da interven-
ção judicial.

O Código, no art. 336, fala simplesmente em requeri-


mento de qualquer dos sócios; não se refere à ação. O Su-
premo Tribunal Federal não considera litígio esta causa (2) ·
Em o n. 2 daquele artigo, o Código exige que a incapacidad.e
civil seja julgada por sentença para fundamentar o requeri-
mento da dissolução. Seria absurdo exigir a ação ordinária
de dissolução para provar êsse fato provadíssimo.

( 1 ) Em O Direito, vol. 20, pág. 713 . A mesma praxe foi aceita nos acór-5
dãos da Câmara Cível da Côrte de Apelacão' de 18 de novembro de 1901 e ?ª
Câmaras Reunidas da Côrte de Apelacão, de 24 de junho de 1902, na Revista
de Jurisprudência, vol. 15, págs. Ú5-3,58. . 13
A 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, em acórdão de 29 de ab~Jl de 19 '
negando provimento à sentença do Juiz de Direito da 6.ª Vara, _Julgou_ qu;,
"como bem entendeu êste Juiz, para que pudesse ser decretada a d1ss?l~çao. ª
sociedade, sem dependência de ação ordinária e por processo adfl1:1mst~ativo
sumário, de acôrdo com o art. 336 do Cód. Com., era mister prova imedia!~/
concludente de alguma das hipóteses figuradas no mencionado artigo" (Revis a
de Direito, vol. 28, págs. 326-327). . ·d·10
A referida Câmara, em acórdão da mesma data, em outro feito, deci
que "no caso de violação do contrato social (art. 336, n. 3, do Cód. qom.),_a
dissolução da sociedade sàmente pode ser ordenada mediante a respectiva açao
ordinária", e as Câmaras Reunidas, em acórdão de 31 de julho do mesrr;io ano:
pelo voto de desempate do seu presidente, confirmara aquêle acórdão, d1ze'!d~.
"~e a requerifI!ento ~e qualquer dos sócios (art. 336) pode ser dec~etada iudi-
cialmente a d1ssoluçao, prescindindo-se do meio ordinário contencioso, essen-
cial, entretanto, é a prova cufl!prida do fato positivo, sob a sanção do art.. 336,
da qual resulta a verdade sabida, para, em jurisdição administrativa, ser distra-
tado o contrato, antes do têrrno convencionado sem 0 acôrdo recíproco dos
contratant~s·: (Revi~ta _de f!ireito, vol. 29, págs. '542-543) .
~te _ulti!Ilo acordao. i;iao resolve a questão com a clareza necessária; parece
~tes se_ mchnar a admitir o processo sem figura ou ordem do Juízo para a
d1ssoluçao com fundamento no art. 336 do Cód. Com., não tendo decretado
esta dissolução no ca~o concreto P?r falta de prova dos fatos argüidos.
Para mostrar, amda, a desonentação dos tribunais, temos o acórdão da
2.ª Câmara.da,Côrte .de Apel_ação de 30 de abril de 1907 dizendo: " ... pro-
cesso sumáno e o me10 própno de ser decretada a liquidação" (Rev de D·
vol. 8., págs. 131-132). · ir.,
(2) Acórdão de 19 de outubr-0 de 1912, em a nota 5 da pág. 253.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 257

Aquêle processo parece o adequado, devendo, entretanto,


oferecer a máxima garantia aos interessados. Nêle tem o Juiz
grand2 arbítrio.
O sócio, instruinClo com o contrato de sociedade o seu
requerimento (1), precisará o fato ou os fatos que, nos têr-
mos da lei, motivam a dissolução da sociedade e pedirá ao
Juiz do Comércio para decretá-la, ouvidos os outros sócios.
Falando êstes sócios em prazo breve, o Juiz marcará ra-
zoáv2l dilação para a prova dos fatos alegados no processo.
Qualquer dos interessados fará a prova que achar útil,
inclu~ive o exame dos livros e papéis da sociedade.
Em outro prazo, sempre designado pelo Juiz, apresenta-
rão as partes as alegações finais e êste, determinando, por
sua vez, as diligências que entender necessárias, sentenciará
afinal.
Não vão os Juízes converter em ordinário ou sumário êsse
processo sem figura ou forma de juízo por natureza brevís-
simo. Não consintam que a má fé, a fraude, a chicana zom-
bem da justiça e sacrifiquem o direito alheio. Lembrem-se
que a sua responsabilidade é grande, por isso que ao seu
arbítrio fôra confiada a organização dêsse processo sumarís-
simo. Procuram-se aí apurar e verificar os fatos alegados e
nada mais. Os prazos devem ter a duração estritamente ne-
cessária ( *) .

854. Qual o recurso da sentença nesse processo suma-


ríssimo?
No Distrito Federal, a questão acha-se resolvida pelo art.
289, n. 13, do decreto n. 9.263, de 28 de dezembro de 1911,
concedendo o agravo da sentença que decreta ou não a dis-
solução das sociedades comerciais (**).

(1) Cód. Com., art. 303; reg. 0 n. 737, art. 673, § 7. 0 • (Veja-se n. 650
supra).
( •) A matéria está hoje regulada nos arts. 655 e segs. do Cód. de Proc.
Civil.
(U) Hoje o recurso é o de apelação (art. 820 do Cód. de Processo).

17
258 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Em face do regulamento n. 737, de 1850, ela é contro-


versa, e convém examiná-la, porque em muitos Estados êste
regulamento ainda vigora.
Dizia o Cons. BENTO LISBOA: "Como, em qualquer das
hipóteses (decretação ou não da dissolução), pode s2r, com
fundamento, alegado dano irreparável ao requerente pela
continuação da sociedade ou ao suplicado pela dissolução,
cabe, no carn, incontestàvelmente, o recurso de agravo pre-
venido no § 15, do art. 669, do reg. 0 n. 737, de 1850" (1).
Justificava o ilustre magistrado esta praxe pela "rapidez
que é a principal necessidade de tal processo, e as delongas
de uma apelação, não se compadecerem com o processo de
natureza sumaríssimo, mais administrativo que conten-
cioso" (2).
A Relação da Côrte, que se confarmara com o processo
explicado pelo Juiz BENTO LISBOA, e que, pelo acórdão de
21 de maio de 1878 (agravo n. 1.098), reconhecera caber
agravo da decisão que decretava a dissolução, mudou de pa-
recer, e, reconhecendo como definitiva a sentença, julgou,
pelo acórdão de 24 de outubro de 1879, que cabia apelação
conforme o princípio estabelecido no art. 646 do reg. 0 n. 737,
de 1850 (3).
Nesse sentido firmou-se a jurisprudência, aceitando a
apelação como o recurso admissível da sentença que decreta
a liquidação da sociedade comercial (4), e da sentença que

( 1) Em O Direito, vol. 20, pág. 713.


(2) Em O Direito, vol. 20, pág. 714.
(3) Em O Direito, vol. 20, pág. 715.
(4) Acórdão da Relação da Côrte de 15 de novembro de 1881. (Em
O Direito, vol. 26, pág. 630); da Câmara Civil da Côrte de Apelação de 2 de
julho de 1900 (na Revista de J11risprudência, vol. 9. 0 , pág. 383); da l.ª Câmara
da Côrte de Apelação de 25 de junho de 1906 (na Revista de Direito, vol. 3,
pág. 560) de 9 de janeiro de 1908: "sendo definitiva a sentença que decreta
a liquidação de uma sociedade comercial, não pode haver outro recurso que o
de apelação e nesse sentido tem sido a 1urisprudência dos tribunais e desta
Câmara" (cm O Direito, vol. 106, págs. 618-619), e de 13 de julho de 1911 (na
Revista de Direito, vol. 21, pág. 174); do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de
4 de maio de 1908 (no S. Paulo Judiciário, vol. 17, pág. 61).
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEffiO 259

julga improcedente o pedido de dissolução (1). Sôbre os efei-


tos desrn apelação divergiram sempre os julgados (2).
Há, porém, boas razões para justificar o agravo, único
recurso compatível com a natureza dêsse processo, sendo
digno de nota o voto vencido do Desembargador MONTENE-
GRO, no acórdão de 9 de janeiro de 1908, proferido pela Pri-
meira Câmara da Côrte de Apelação: "A jurisprudência tem,
é certo, admitido como variante a apelação, considerando
como definitiva a sentença, sem que, entretanto, assim o
declarem expressamente as nossas leis; mas sôbre ser falho
o motivo, por isso que os interlocutórios com êsse caráter,
comportam, não obstante, o agravo, prevalecendo as razões
de analogia para a sua preferência, definitiva não pode ser
a sentença pela qual têm precisamente início o juízo e a
instância.
Assim como a sentença declaratória da falência, a que
decreta a liquidação ou antes a dissolução de uma firma so-
cial, é um interlocutório contendo dano irreparável, sujeito
ao regímen da Ord. Liv. 3. 0 , Tít. 69, ao recurso de apelação e
pelo reg. 0 n. 737, art. 669, § 15, ao de agravo" (3).
855. A sentença que não decreta a dissolução judicial
da sociedade, não estabelece caso julgado. O pedido de dis-
solução pode ser renovado tôdas as vêzes que houver motivo
que o justifique (4).

(1) Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 28 de junho de


1910, na Revista de Direito, vol. 17, págs. 167-168, e de 5 de maio de 1911,
na mesma Revista, vol. 20, pág. 585, e da 1.ª Câmara da Côrte de Apelação,
de 8 de junho de 1911, na mesma Revista, vol. 20, pág. 579.
(2) A apelação da sentença que julga procedente o pedido de dissolução
é recebida no efeito devolutivo, dizem os acórdãos da 2.ª Câmara da Côrte de
Apelação de 30 de abril de 1907, na Revista de Direito, vol. 8. 0 , pág. 131, e
de 9 de junho de 1911, na mesma Revista, vol. 21, pág. 184, e nos dois efeitos,
decidiram os acórdãos da Câmara Cível da Côrte de Apelação de 2 de julho
de 1900, na Revista de Jurisprudência, vol. 9. 0 , pág. 383. Se a sentença julga
improcedente o pedido, recebe-se a apeiação em ambos os efeitos: acórdão da
2.ª Câmara da Côrte de Apelação de 5 de maio de 1911, na Revista de Direito,
vol. 20, págs. 585-586.
( 3) Em O Direito, vol. 106, pág. 618.
( 4) Acórdão da 2. ª Câmara da Côrte de Apelação de 19 de dezembro
de 1905, em O Direito, vol. 99, págs. 562-564, e na Revista de Direito, vol. 1.0 ,
pág. 652.
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

ARTIGO II

Da liquidação judicial

Sumário: - 856. Regras sôbre esta liquidação. - 857. Os


credores não podem intervir na liquidação judicial,
salvo ...

856. O Código não dispôs desenvolvidamente sôbre a li-


quidação judicial das sociedades (1) (*) .

Deixaria esta liquidação ao prudente arbítrio do Juiz?

Absolutamente não. Em primeiro lugar, guarda-se o que


se acha estipulado no contrato (2), e, no silêncio, o estabe-
lecido na lei para a liquidação amigável entre os sócios (nú-
meros 820 e seguintes).

(1) Tendo o Juiz da 1. • instância julgado de nenhum efeito o processo


de liquidação judicial de uma sociedade, sob o fundamento da omissão do
Código, a Relação do Rio, em acórdão de 9 de junho de 1882, decidiu: "Não
é a deficiência da lei, acusada pela sentença, de tal ordem e gravidade que
impeça a efetiva aplicação ao caso, de que se trata, das disposições em vigor,
relativas à liquidação das sociedades comerciais. Pelo que se contém no cap. 3. 0 ,
sec. 8.ª do Cód. Com., arts. 344 a 353, dois são os modos por que podem ser
liquidadas as sociedades comerciais já dissolvidas: amigável ou judicialmente.
Ou os sócios se ajustam em liquidar de comum acôrdo e a liquidação e partilha,
propostas sem infração das prescrições legais, são efetuadas em forma de pro-
cesso administrativo; ou divergem, e o sócio dissidente, em prazo certo, reclama,
sendo a reclamação, quando impugnada, sujeita à decisão de árbitros, proferida
nos têrmos do art. 348 do Código. Sendo, porém, hoje extinto o juízo arbitral
necessário pela lei de 14 de setembro de 1866, não há mais lugar à decisão
arbitral de que fala êste artigo, quando as partes voluntàriamente a não pro-
movem. E tôdas as questões, relativas à liquidação, de que depende a final
divisão dos bens sociais, desde que sôbre elas discordam as partes, deixam de
ser atendidas e apreciadas no processo administrativo da liquidação para serem
submetidas à decisão do Juízo contencioso. Resolvidas por êsse modo as dúvi-
das ocorrentes, é julgada a partilha de conformidade com o direito dados às
partes os recursos legais. Tal é o processo que há a seguir em c~sos seme-
lhantes e que tem sido invariàvelmente observado na prática" (O Direito vol
28, págs. 478-479). ' ·
(2) Cód. Com., art. 302, n. 6.
Na liquidação judicial segue-se o determinado no contrato. (Acórdã 0 d
2.ª Câmara da Côrte de Apelação de 19 de janeiro de 1906 confirmad a
das Câmaras Reunidas de 28 de abril de 1909, em O Direit'o vol 10 9 ~e.º
nas 162-163). ' ·
º
1
• pag1-

("') V. arts. 655 e segs. do Cód. de Proc. Civil.


Tr,A TADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 261

As cláusulas do contrato social e as disposições legais


sôbre a liquidação amigável não são incompatíveis com a
liquidação judicial, devendo o Juiz verificar se foram ou não
cumpridas, e neste último caso, fazê-las observar. O prudente
arbítrio do Juiz sàmente se justifica se, na falta de conven-
ção e de disposição legal, há necessidade da pronta liquida-
ção e os interêsses dos credores a exigem (1).
A êsse respeito escreveu o Dr. MACEDO SOARES, quan-
do Juiz do Comércio da Côrte, em uma das suas memoráveis
sentenças:
"A liquidação no juízo comercial é o mesmo processo do
inventário no juízo comum e no orfanológico: processo su-
maríssimo,· onde se trata de arrecadar, descrever, avaliar,
liquidar e repartir os bens da massa. Nêle se procfde sem
forma n2m figura de juízo, guardadas apenas as fórmulas
necessárias para se não sacrificarem os direitos dos interes-
sados . Liquida-se a massa, separando dela os bens alheios e
os litigiosos (e mesmo êstes podem, sem inconveniência, ser
divididos pro rata), e pagando o passivo a fim dê se partilhar
pelos sócios o que restar, deducto rere alieno.
Aos credores paga-se segundo o merecimento dos seus
créditos, graduando-se conforme são de domínio, privilegia-
dos ou quirografários, sem dependência de artigos, que tor-
nariam contenciosa uma causa meramente administra-
tiva" (2).
857 . Os credores não podem intervir no processo da
liquidação, do qual não fazem parte. Os seus direitos não
se resolvem neste processo; a lei lhes assegura as ações úteis,
com os respectivos processos preparatórios e ainda o meio
extraordinário da falência (3). (Veja-se n. 810 supra).
Excetuam-se, porém, os casos do art. 309, 2.ª alínea, do
Cód. Com., nestes têrmos: "No caso de o sócio falecido (sem
( 1) Veja-se resposta de um agravo pelo Juiz do Comércio da Côrte de
28 de maio de 1879 (TEODORO MACHADO, em O Direito, vol. 19, págs.
536-537).
(2) Despacho de 19 de março de 1888, mantido pela Relação da Côrte
em acórdão de 13 de abril do mesmo ano (O Direito, vol. 47, págs. 252-253).
(3) Acórdão da 1.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 7 de janeiro de
1907, na Revista de Direito, vol. 3. 0 , pág. 572.
262 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

testamento nem herdeiros presente~) ter sido o caixa ou ge-


rente da sociedade ou, quando não fôsse, sempre que não
houver mais de um sócio sobrevivente, e mesmo fora dos
dois referidos casos, se o exigir um número tal d2 credores
que represente metade de todos os créditos, nomear-se-á um
novo caixa ou gerente para a ultimação das negociações pen-
dentes: procedendo-se a liquidação e partilha pela forma de-
terminada na seção VIII dêste capítulo, com a única dife-
rença de que os credores terão parte na nomeação da pessoa
cu pessoas a quem deva encarregar-se a liquidação. A nomea-
ção do novo caixa ou gerente será feita pela maioria dos votos
dos sócios e dos credores, reunidos em assembléia presidida
pelo Juiz de direito do comércio e só poderá recair sôbre sócio
ou credor que seja comerciante" (1).
Esta disposiçãD, referente, como se vê, ao caso único da
morte do sócio gerente sem testamento nem herdeiros pre-
sentes, é de raríssima aplicação. (Veja-se n. 144 do 2. 0 vol.
dêste Tratado).

ARTIGO III
Da nomeação, atribuições e destituição dos liquidantes
na liquidação judicial

Swnárlo: - 858. O liquidante na liquidação judicial da 60-


ciedade. - 859. Caso em que o Juiz nomeia o liqui-
dante. - 860. Outro caso. - 861. Atribuições do
liquidante. - 862. Remuneração. - 863. Ca3os legais
de destituição. - 864. Outros casos. 865. - A des-
tituição é ato administrativo e é pena. - 866. Subs-
tituição, dada a destituição. - 867. Recurso do
despacho do Juiz que destitui ou não o liquidante.

858. Se o Juiz decreta a dissolução judicial da socie-


dade, deve reconhecer como liquidante e mandar entrar em
funções o designado no contrato social.

( 1) O Tribunal de Justiça de S. Paulo, em acórdão de 2 de setembro de


1912, ,m~nd?u, em cumprimento ao art. 309 do Cód. Com., que "fôsse nomeado
um so liquidante pelos credores da firma, reunidos em assembléia, represen-
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 263

Sendo silencioso o contrato, assumem a liquidação o só-


cio ou sócios que geriram a sociedade.
Querendo, porém, os sócios a aprazimento comum, a di-
zer, por unanimidade, nomear algum dos sócios não geren-
tes ou pessoa estranha, o Juiz deve admitir essa manifestação
da vontade dos interessados.
Ainda sendo omisso o contrato, e havendo discórdia ou
divergência entre os sócios sôbre a pessoa do liquidante, o
Juiz convoca-los-á para nomearem o liquidante ou liquidan-
tes, prevalecendo a maioria de votos nos têrmos explicados
em o n. 830, supra (1).
o Juiz não tem atribuição para nomear liquidante, salvo
nos casos especialíssimos que adiante diremos.

859. Se o contrato social não cogitou do liquidante e


se, em virtude da profunda desarmonia entre os sócios, se
der empate .sôbre quem deva ser o liquidante, tornando-se des-
tarte impossível a liquidação, cabe, então, ao Juiz nomeá-lo.
Não há outro remédio (2) . O Juiz fica com o arbítrio na escd-

tando pelo menos, metade de todos os créditos e devendo recair a nomeação


em credor comerciante; citando-se para essa reunião o Curador nomeado pelo
Juiz de Inventário nos têrmos do· art. 353 do Código" (Revista dos Tribunais,
São Paulo, vol. 3. 0 , 1912, pág. 165).
(1) Cód. Com., art. 344. Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo
de 30 de setembro de 1908: .havendo discórdia entre os sócios escolhe-se o liqui-
dante por pluraHdade de votos (S. Paulo Judiciário, vol. 18, pág. 110). Ten-
do-se provado que somente um sócio entrou para a sociedade com dinheiro, o
acórdão de 4 de maio de 191 O, reformou o anterior de 1908, mantendo a
nomeação do Juiz, que recaiu no sócio, a cujo cargo estivera a gerência. (São
Paulo Judiciário, vol. 23, pág. 85). Nesse acórdão de 1910, o ilustre Ministro
F. SALDANHA disse no voto vencido: "Pelo nosso Direito, que é contrário
ao francês, a autoridade judiciária não tem competência para nomear o liqui-
dante da sociedade em nome coletivo ou em comandita simples. O art. 344 do
Cód. Com., permite não só que os sócios possam excluir o gerente da sociedade
do cargo de liquidante, que a lei lhe confere no silêncio do contrato, como
também que possam deliberar por pluralidade de votos sôbre a nomeação de
qualquer pessoa estranha à sociedade para liquidante".
(2) Assim decidiram o Tribunal Cível e Criminal do Distrito Federal em
acórdão de 16 de maio de 1896, em O Direito, vol. 72, págs. 244 e 245, e a
1.ª Câmara da Côrte de Apelação em acórdãos de 25 de Junho de 1~06, na
Revista de Direito, vol. 3, págs. 559-560, e de 17 de abril de 1911, na mesma
Revista, vol. 21, págs. 162-165, e a 2.ª Câmara em acórdão de 30 de julho de
1907 na Revista de Direito, voL 8, págs. 132-133. Diz êste último acórdão:
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

lha do liquidante, pessoa estranha à sociedade, apreciando


livremente a idoneidade do que nomear (1).

860. Tem-se admitido ainda a nomeação judicial, quan-


do o liquidante eleito pelos sócios, representando a maior
soma de interêsses na sociedade, recai em indivíduo com
falta provada de idoneidade, e a maioria insiste no que ele-
geu (2).
Assim julgando, declarou a 2.ª Câmara da Côrte de Ape-
lação, em acórdão de 19 de outubro de 1906, que esta solução
não contraria o disposto no art. 344 in fine do Cód. Comer-
cial, desde que há impossibilidade de servir o escolhido pela
maioria dos sócios. A liquidação não pode sofrer delongas
nem a sociedade ficar sem liquidante até que os sócios se
harmonizem (3).

861. O liquidante, na liquidação judicial da sociedade,


seja nomeado pelos interessados, seja pelo Juiz, é igualmente

"tratando-se da dissolução de uma sociedade comercial por m~tivo de d~scórdia


entre os sócios (que são dois) e não havendo o contrato estipulado acerca da
nomeação de qual dos dois devia proceder à Jiquidação, é b:m de ver qu: esta
tinha de ser encarregada à pessoa de fora da sociedade e so por n~m~açao do
Juiz, como é de praxe, desde que se não podia dar a escol~a do 11~111dante o
aprazimento comum ou por pluralidade de votos". Esta Camara, amda, pelo
àcórdão de 27 de junho de 1913, decidiu que, havendo diverg~ncia entre #os
sócios quanto à pessoa do liquidante, se procedesse em audiência a louyaAçao,
nomeando o Juiz afinal, se não houver acôrdo dos interessados, pessoa 1donea
fora da sociedade, para exercer êsse cargo (Rev. de Direito, vol. 29, pág. 399).
No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo de 18 de
maio de 1898, na Revista Mensal, vol. 8. 0 , pág. 524. .
O Juiz não pode nomear liquidante pessoa estranha senão depois de veri-
ficada a impossibilidade de exercer o cargo a pessoa aceita a aprazimento dos
sócios. (Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação de 27 de abril de 1909,
na Revista de Direito, vol. 12, pág. 570).
(1) Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 30 de julho de
J 907, na Revista de Direito, vol. 8, págs. 132-133.
(2) O acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 23 de outubro
de 1908, na Revista de Direito, vol. 10, pág. 373, decidiu que: a nomeação de
liquidante pelos sócios em maioria não pode recair no gerente da sociedade,
que se ache foragido, nem também pode a liquidação ficar a cargo do sócio que
dera causa à disso] ução da sociedade pelos abusos que praticara.
(3) Revista de Direito, vol. 4. 0 • pág. 157.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 265

órgão da sociedade (n. 829 supra), e as suas atribuições são


as mesmas que na liquidação amigável, explicadas em os ns.
834 e seguintes .

862. O liquidante estranho à soci:dade tem direito à


retribuição pelo trabalho que houver feito, regulada pela
convenção ou arbitrada pelo Juiz (1). Perde nos casos de
destituição com fundamento nos arts. 345, ns. 1 e 2 e 347
do Código (n. 863, infra).

863. O liquidante, designado no contrato, eleito pelos


sócios ou nomeado pelo Juiz, pode ser destituído nos casos:
a) de omissão ou negligência culpável, abuso ou fraude
(Código Comercial, art. 347);
b) de não formar o inventário e balanço nos 15 dias
imediatos à nomeação (n. 835, supra) (2).
e) de não comunicar mensalmente a cada sócio o estado
da liquidação (3).

864. Tem-se reconhecido também como justas causas


para a destituição do liquidante:
a) continuar a praticar atos de comércio em nome da
firma liquidada, procrastinando destarte a ultimação da li-
quidação (4);
b) desinteressar-se o sócio completamente da liquida-

( 1 ) Cód. Com., art. 347.


O Tribunal de Apelação da Bahia em acórdão de 23 de agôsto de 1906
decidiu que, não havendo lei especial estabelecendo a comissão dos liquidantes,
esta devia ser arbitrada do mesmo modo que a dos síndicos hoje liquidatários,
nas falências, em vista da identidade das respectivas funções. (Em O I>ircitc.
vcl. 109, p<Íg. 167) .
(2) Cód. Com., art. 345, n. 1.
( 3) Cód. Com., art. 345, n. 2.
(4) Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 23 de setembro
de 1910, na Revista de Direito, vol. 18, pág. 143.
"26ô J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

ção retirando abusivamente a sua quota e constituindo-se


devedor da sociedade ( 1) .
e) fundar e adquirir outro estabelecimento similar que
explore em concorrência com a sociedade liquidanda; ter
abandonado a gerência desta sociedade para exercer cargo
idêntico em outra, contra expressa disposição de cláusula do
.contrato (2).
Além dêsses casos, o liquidante não pode continuar como
representante da sociedade e deve ser substituído se é decla-
rado falido, interdito, ou condenado à pena criminal .

865. A destituição é ato administrativo do Juiz (3), o


qual deve ser prudente e examinar bem os fatos, ouvindo as
partes.
Ela importa uma pena (4). Os sócios liquidantes desti-
tuídos com fundamento no art. 345, ns. 1 e 2 do Código Co-
mercial pagam à sua custa os liquidantes estranhos que fo-
rem nomeados (5). O liquidante estranho uma vez destituído
perde o direito à retribuição (6) .
866. Decretada a destituição do liquidante, a substitui-
ção faz-se pelo modo estabelecido para a nomeação (7).
-----
(1) Acórdão da 2.3 Câmara da Côrte de Apelação, de 23 de setembro
de 1910, na Revista de Direito, vol. 18, pág. 143.
(2) Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 18 de abril de
1912, no São Paulo Judiciário, vol. 28, pág. 389, e na Revista dos Tribunaii
(São Paulo), vol. 2. 0 , .págs. 27-28.
(3) A atribuição de destituir os liquidantes das sociedades dissolvidas,
nos casos de omissão ou negligência culpável, fôra confiada aos tribunais do
comércio (decreto n. 738, de 25 de novembro de 1850, art. 18, n. 10). Extin-
tos êstes tribunais passou para os Juízes de Direito (dec. legisl. o. 2.662, de 9 de
outubro de 1875, art. l.º, n. IV, e dec. o. 6.385, de 30 de novembro de 1976,
art. 1.0 , n. 4).
(4) CARLOS DE CARVALHO, parecer de 5 de setembro de 1896, no
Jornal do Comércio do mesmo mês e ano.
Acórdão da 1.ª Câmara da Côrte de Apelação de 17 de setembro de 1906,
na Revista de Direito, vol. 8, págs. 111-113.
(5-6) Cód. Com., art. 345, os. 1 e 2 .
. _(7) Se o ex-liquidante não entrega os bens do acervo não está sujeito a
pnsao, com fundamento no art. 280 do reg. 0 n. 737, pois pela natureza das
suas funções, os liquidantes não se equiparam aos depositários. O corretivo a
empreg;ir está previsto no art. 347 do Cód. Com., e no art. 331 do Cód. Penal.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 267

Nos casos ex1:ostos em as letras b e e do n. 863, supra,


diz o art. 345, ns. 1 e 2, do Cód. Com., "pode nomear-se em
juízo uma administraçáo liquidadora à custa dos liquidantes
se forem sócios; e não o sendo, não terão direito a retribui-
ção alguma pelo trabalho que houverem feito".
Nunca vimos a nomeação dessa comissão. O texto legal
não diz quem a nomeara, se o Juiz, se os sócios. Entre as
atribuições administrativas dos juízes do comércio, o reg. 0
n. 737, de 1850, não enumerou a nomeação de liquidantes
nem da mencionada administração liquidadora (arts. 21 e 22).
Parece, portanto, que o mais razoável é seguir no caso
da restitu1ção dos liquidantes as regras expostas em os ns. 858
a 860 supra.

867 . O despacho do Juiz que destitui o liquidante, causa


dano irreparável e é suscetível de agravo (*). Além de tra-
zer prejuízos aos legítimos interêsses do liquidante, princi-
palmente se êste é sócio, acarreta-lhe desar e desconceito
(Injuriam existemationis). O processo da liquidação não ofe-
rece oportunidade para decisão ulterior ou final em que se-
melhante dano possa ser reparado (1).

(Acórdãos do Conselho do Tribunal Civil e Criminal da Capital Federal, de


21 de junho de 1897, na Revista de Jurisprudência, vol. 4. 0 , pág. 434, e do
Superior Tribunal de Justiça do Maranhão, de 12 de junho de 1903, na mesma
Revista, vol. 19, pág. 294) .
( 1) Neste sentido opinaram os Cons. CARLOS DE CARVALHO (pare-
cer de 5 de setembro de 1896), LAFAYETIE (parecer da mesma data) e RUI
BARBOSA (parecer de 9 do mesmo mês), publicados no Jornal do Comércio,
de setembro de 1896.
Contra: do despacho que destitui o liquidante não se dá agravo com fun-
damento em dano irreparável, porque o Juiz usa de uma atribuição que
exclusivamente lhe compete e que antes era exercida pelos tribunais do comér-
cio. (Decreto n. 6.385, de 30 de novembro de 1876, art. 1. 0 , § 4. 0 ) . Nem do
exercício dessa atribuição pode resultar dano, porquanto não sendo pessoais
e sim comuns a todos os sócios os interêsses da liquidação, ou recaia a nomea-
ção do novo liquidante sôbre algum dos sócios não gerentes ou sôbre pessoa
estranha à sociedade, como pelo Cód. Com. é permitido, é sempre certo que
tem de ser feita a mesma liquidação a aprazimento dos interessados e sob a
imediata fiscalização do Juiz encarregado da efetiva aplicação da lei, salvo os
recursos legais (acórdão da Relação do Rio, de 6 de setembro de 1882, cm
O Direito, vol. 29, pág. 379).
( *) Código de Processo Civil, art. 842, VII.
268 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Do despacho que nega a destituição também cabe agravo


com fundamento em dano irreparável (1).
Tôdas estas questões no Distrito Federal estão solvidas
pelo decreto n. 9.263, de 28 de dezembro de 1911, que auto-
riza o agravo das sentenças que nomearam, mantiveram ou
destituíram os liquidantes das sociedades comerciais (artigo
289, n. III).

ARTIGO IV

Da partilha judicial

Somi\rlo: - 868. Processo da partilha judicial. - 669. Par-


tilha-se o saldo em dinheiro. - 870. Recurso da
sentença que julga a liquidação e partilha.

868. Ultimada a liquidação, procede-se a partilha do


saldo, formulando previamente o liquidante o respectivo
cálculo ou proposta e apresentando-o em juízo. O Juiz man-
da dar vista às partes pelo prazo de dez dias para as recla-
mações e resolve tôdas as dúvidas suscitadas, deliberando a
forma da divisão e julgando afinal por sentença a liquidação
e partilha (2) .

869. Dissemos em o n. 845 supra, que a partilha do


saldo da liquidação deve ser em dinheiro. Na liquidação ju-
dicial, como na amigável, podem os sócios convir que se faça

(1) Acórdão da Relação do Rio, de 19 de dezembro de 1879, em O


Direito, vol. 22, pág. 101. A 2.ª Câmara da Côrte de Apelação em acórdão
unânime de 2 de outubro de 1906 julgou que não era caso de agravo; o con-
trário decidiu em acórdão de 1 t de abril de 1907, em O Direito, vol. 105,
pág. 299.
(2) C6d. Com., art. 348. Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo
de 13 de julho de 1897 (na Revista Mensal, vol. 6. 0 , págs. 77-78), onde se
decidiu que não pode o Juiz remeter os sócios em desacôrdo com a partilha
para a ação ordinária, o que importaria protelação da liquidação.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 269

in natura a partilha dos bens sociais. Deve o Juiz atender


sempre à maior comedidade dos sócios, procurando conciliar
os interêsses de todos e evitar prejuízo de qualquer natu-
reza (1) .

870. Da sentença que julgar a liquidação e partilha


social cabe apelação no efeito devolutivo somente (2).

(1) Há quem sustente que a partilha deve ser dos próprios bens in natura,
evitando-se a venda em leilão (voto do Des. HERMENEGILDO DE BARROS,
no acórdão da Câmara Cível da Relação de Minas, de 28 de julho de 1910, na
Rev. Forense, vol. 14, pág. 153) . Os tribunais têm admitido a venda em leilão:
quando há um só bem partível e os sócios não se harmonizam (acórdão da
2.ª Câmara da Côrte de Apelação de 10 de setembro de 1909, na Revista de
Direito, vol. 14, pág. 157), ou se não há outro meio para ultimar a liquidação,
não obstante trazer prejuízo (acórdão da Relação do Rio, de 13 de julho de
1879, em O Direito, vol. 19, págs. 537-538). (Veja-se o n. 396 do 2. 0 volume,
dês te Tratado) .
O Tribunal de Justiça de São Paulo em acórdão de 21 de janeiro de 1904
(no S. Paulo Judiciário, vol. 4, pág. 53) decidiu que, devendo a liquidação da
sociedade proceder-se na forma da estipulação expressa no contrato e em falta,
na forma dos arts. 344, 345 e 353 do Cód. Com., não é lícito o leilão das
mercadorias da casa, havendo oposição de um dos sócios, "porquanto importa
em obrigar uma das partes a alienar a sua propriedade, garantida em tôda a
sua plenitude pela Constituição e pelas leis, por uma forma não prescrita nas
leis e contrária à sua vontade". :E.ste porquanto, fundamento do acórdão, é o
que de mais fraco existe. Os bens não são dos sócios, mas da sociedade.
Veja-se no mesmo S. Paulo Judiciário, vol. 28, págs. 329-331, uma inte-
ressante sentença do Juiz de Direito de Araraquara sôbre a venda dos bens de
uma sociedade civil em liquidação.
(2) Acórdãos da l.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 28 de janeiro de
1907 e de 18 de novembro de 1907 na Revista de Direito, vol. 8, págs. 106-107.
Diz êste último acórdão: "Considerando: que a liquidação no juízo comercial
é o mesmo processo do inventário no juízo comum; que a partilha acabada se
meterão os herdeiros na posse de seus quinhões não podendo impedir-se a dita
posse e entrega, pôsto que as partes apelem da dita sentença. (Ord., do L. 4,
Tít. 96, § 22); que sendo assim e tendo sido recebida no efeito devolutivo
sàmente, a apelação não podia fazer depender a entrega das respectivas quan-
tias de prestação da fiança ... "
TfTULO IV

Das sociedades anônimas

Sumário: - 871. As sociedades anônimas sob o ponto de


vista histórico. - 872. Sob o ponto de vista eco-
nômico. - 873. Os dois sistemas, da liberdade con-
tratual e da regulamentação. - 874. A constituição
das sociedades anônimas não depende da autorização
oficial. Histórico. - 875. O sistema da regulamen-
tação adotado em nossa lei. - 876. A controvérsia
sôbre a preferência dêste sistema. - 877. legislação
brasileira. - 878. A sua aplicação. - 879. As re-
formas constantes das leis sôbre as sociedades an~
nimas.

871. As sociedades anônimas, instrumentos poderosos


do crédito e da indústria, são o resultado da evolução econô-
mica dos tempos modernos. Não falta, entretanto, quem vá
descobrir no Direito Romano como suas precursoras as gran-
des associações de capitais, que tinham por objeto o comércio
de t;:rra e mar, a compra de terrenos para edificação e o for-
necimento ao exército, associações que se aperfeiçoaram no
~reito da idade média (1).

872. Essas sociedades visam reunir capitais para as


emprêsas, cuja execução depende de avultados recursos e de

b (1) O~tr?s acreditam que a hist6ria das sociedades anônimas começa com
%.doa~cosJubltcos da_ Idade ~édia, apresentando o Banco di S. Giorgi, fun-
mais bc~o /º~v; no ftm do seculo XV ( 1409) e dissolvido em 1799, como o
bilidade li~hada e~~~s 5 ?c.iedades, 0 n,de se encontrava caracterizada a responsa-
na Holanda e na 1 1socios · Nos seculos XV~I e XVIII, surgiram na França,
ng aterra grandes companhias de colonização, facilitando e
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 271

longa duração ou para aqueloutras que, de natureza aleató-


ria, exigem a divisão dos riscos entre muitos. Assim se têm
levado avante, entre nós, a construção e exploração das estra-
das de ferro e dos melhoramentos dos portos, a organização
das emprêsas de navegação a vapor e outras, tendo por objeto
obras e serviços públicos.
Pode-se dizer, também, que elas tendem a monopolizar
as grandes indústrias, e eis um dos perigos da instituição,
não faltando escolas e teorias para explicarem o dever do
Estado ante a concentração capitalista, ameaça à pequena
indústria e à pequena propriedade e estôrvo à livre conco-
rência.
As sociedades anônimas não representam atualmente o
papel que o nosso Código lhes assinalou em 1850 e que a lei
de 1882 lhes imprimiu. Elas constituíram-se, na frase de
VIVANTI, o centro de um sistema de institutos complemen-
tares: a associação dos fundadores, os sindicatos de emissão,
o consórcio dos obrigacionistas, etc. (1).
Mostra-se, assim, a vastidão dêsse estudo e as suas, mui-
tas vêzes, invencíveis dificuldades.
873. Dentre as formas de sociedade, as anommas são
as que têm despertado a maior atenção dos economistas e
legisladores, principalmente por oferecerem, em sua organi-
zação e função, perene fonte de abusos e fraudes contra os
acionistas e terceiros.
Deve o poder público tutelar os direitos e interêsses aí
comprometidos?
Qual o meio de exercer essa tutela?
Entendem uns que se deve manter a liberdade contra-
tual, pois não é função do Estado intervir na fundação e

mantendo as conquistas d'além mar. A elas se deve a forma definitiva das


sociedades anônimas. A primeira companhia dêsse gênero foi a das fndias
Orientais, fundada em 1602.
Para ter rápida idéia dos esclarecimentos históricos, consultem-se BING,
La société anonyme en droit italien, págs. 3 e segs.; THALLER, Les sociétés
par actions dans l'ancienne France, nos Annales de droit commercial, 1901. págs.
185 e seguintes.
( 1) Per la riforma delle società anonime, na Rivista dei diritto commer-
ciale, vol. 11 (1903), P. 1, pág. 146.
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

administração das sociedades defendendo interêsses dos par-


ticuLtres. As leis estabelecem simplesment2 larga publicidade
para ciência de todos. e enérgica penalidade contra os atos
fraudulentos dos fundadores e administradores, eis tudo.
Pensam outros que se pode e deve proteger a economia
pública, ora mediante a prévia autorização oficial, ora me-
diante preceitos que, estabelecendo as condições para a cons-
tituição e administração dessas sociedades, garantam os gran-
-Oes e pequenos capitalistas e terceiros. :reste é o sistema da
.regulamentação.

874. As sociedades anônimas podem constituir-se sem


autorização do govêrno (1), salvo casos excepcionalíssimos
-dos quais falaremos em os ns. 894 e seguintes.
Foi conquista notável a emancipação das sociedades anô-
nimas da licença oficial.
A Inglaterra em 1862, a França em 1867, a Espanha em
1869, a Alemanha em 1870, a Bélgica em 1873, a Hungria
em 1876, a Itália em 1882 dispensaram a autorização gover-
namental para a constituição ou organização das sociedades
,anônimas (2).

(1) Decreto n. 434, de 4 de julho de 1891, art. 4. 0 ; lei n. 3.150, de 4 de


novembro de 1882, art. 1.º; decreto n. 8.821, de 30 de dezembro de 1882,
art. 3. 0 ; decreto n. 164, de 17 de janeiro de 1890, art. 1. 0 (*).
(2) A Áustria, a Holanda e a República Argentina ainda exigem a auto-
rização ou aprovação oficial.
Leia-se o livro de LUÍS VARELLA, La intervención de los gobiernos en
las sociedades anónimas (Buenos Aires, 1908), onde se pugna pela emancipação
dessas sociedades de qualquer intervenção por parte do govêrno, e consulte-se
LYON CAEN, Du mouvement législatif concernant les sociétés par actions en
France et dans les pricipaux l.tats in Annales de droit commercial, 1886, pá-
ginas 65-74.
Veja-se a notícia circunstanciada do reg. 0 de 20 de setembro de 1899, que
na Austria estabeleceu a forma da autorização in Annales de droit commercial,
1901, pág. 278, e no Annuaire de législation étrangere, leis de 1899, 29.º vol.,
pág. 346.
A lei austríaca de 6 de março de 1906, adotou a sociedade de responsabili-
,dade limitada, independente da autorização oficial. Anna/es de droit commercia/,
1907, pág. _93; annuaire de legis/ation étrangere, leis de 1906, 36.º vol., págs.
257 e segumtes.

(*) Veja-se o decreto-lei n. 2.621, de 26 de setembro de 1940, art. 59.


TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 273

O primeiro ato oficial publicado no Brasil sôbre as socie-


dades anônimas foi o decreto n. 575, de 10 de janeiro de 1849,
estabelecendo regras para a incorporação de quaisquer socie-
dades anônimas. No art. 1. 0 , dispunha: "Nenhuma sociedade
anônima poderá rnr incorporada sem autorização do govêrno
e sem que seja por êle aprovado o contrato, que a constituir".
O Código Comercial, publicado no ano seguinte, exigiu,
no art. 295, a autorização do Govêrno e do poder legislativo
quando a sociedade tivesse de gozar algum privilégio.
A lei n. 1.083, de 22 de agôsto de 1860, tornou mais rigo-
roso êsse regím::n (art. 2. 0 ). Pura se conhecer a série de vexa-
mes e dificuldades, que exigia a autorização oficial, basta ler
os arts. 3. 0 , 9. 0 , 10, 11 e 27 do decreto n. 2.711, de 19 de
dezembro de 1860, que regulamentou a lei de 1860.
No ano de 1882, o Brasil adotara o princípio liberal, pu-
blicando a lei n. 3.150, de 4 de novembro.
Convém dizer que, desde o ano de 1877, estava vence-
dora no Brasil a idéia da libertação das sociedades anôni-
mas da tutela administrativa. A comissão especial da Câmara
dos Deputados, encarregada de estudar o projeto apresen-
tado, em 1872, pelo Cons. ANDRADE FIGUEIRA modifican-
do, em parte, a lei n. 1.083, de 1860, no parecer de 12 de
junho de 1877, manifestara-se francamente em contrário
àquela tutela.
São admiráveis em precisão e lógica as seguintes apre-
ciações do aludido professor:
"Ninguém contesta que a tutela oficial possa em muitos
casos impedir a formação de emprêsas imprudentes, votadas
de antemão a infalível malôgro, e embaraçar a fraude, sal-
vando os incautos, atraídos pela perspectiva de lucros fabu-
losos. Mas é também assim que se justificam ou atenuam as
mais intoleráveis restrições à liberdade humana, e apesar de
algumas vantagens, que elas oferecem e garantem, o senso
comum sempre as condenou, e as luzes do século as têm na
maior parte proscrito.
Além de atentatória da liberdade, razão suficiente para
proscrevê-la, condena a autorização às sociedades anônimas

18
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

a p2rda de tempo, capital precioso que se não repara ...


Enquanto a administração estuda e reflete, se informa e
resoln, os capitais coligidos ou ficam inativos ou Ee dissol-
vem; e quer num, quer noutro caso, a perda é certa e irre-
parável. Em nosso país tem êsse argumento dobrada impor-
tância. Além de vasto, sem meios de comunicação rápida e
fácil ...
Além da perda de t:mpo e das conseqüências que dela
decorrem, tem o regím::n da tutela oficial um mais grave
inconveniente. É de funesta influência sôbre a educação e o
caráter nacional. Onde o Estado intervém, o cidadão abdica;
a Energia do caráter se entibia; a iniciativa individual se res-
tringe ou desaparece e a responsabilidade se desloca, passan-
do do indivíduo tutelado para o Govêrno tutor.
Talvez fôsse tolerável tal regímen se por êle ficassem
sempre ou ao menos no maior número de carns, completa-
mente garantidos os interêsses individuais; se os projetos de
emprêsas aventurosas e imprudentes não escapas.sem nunca
aos olhos de lince da administração e pudessem associados e
terceiros, tranqüilos à scmbra da tutela oficial, ver na auto-
rização um critério infalível do êxito certo das emprêsas
organizadas. Mas, a experiência própria e alheia aí está de-
monstrando quanto a verdade está longe de tão fagueira ilu-
são. Muitas emprêsas devidamente placitadas, depois de lon-
go e minucioso exame, se malogram; outras vêzes, vegetam
desalentadas; e não raro, a falência que é a morte d2 tais
perscnalidades, as colhe e dissolve depois de uma existência
lânguida e efêmera" (1). . ..... ,,... .,..,.
875. Se as sociedades anommas conseguiram emanei-·
par-se da autorização administrativa, medida ineficaz e
opressiva, não lograram o regí."llen da absoluta liberdade na
sua constituição, como se se tratasse de um contrato de socie-
dade sob qualquer outra fonr.a.
A nossa lei "procurou suprir as garantias que se atri-
buíram à intervenção do Govêrno, por um sistema de caute·

(1) Anais da Câmara dos Deputados, sessão de 1878, vol. 3. 0 , pág. 160.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 275

las que, sem tolher a liberdade das convenções, resguardasse


tanto quanto possível os direitt_,s e interêsses não só dos acio-
nista::, como do público err geral, isto é, dos terceiros que
entrassem em relações com as ditas sociedadês" (1).
Acham-se essas sociedades sob disciplina singular, tanto
na sua organização, como na sua função, conforme mo~tra­
remos oportunammte. Uma das suas especialidades está na
falta de obrigação direta entre sócios, que se não conh:::cem, que
não estipulam entre si laço contratual (2).
Devemos, certamente, ampliar aqui o conceito do con-
trato de sociedad2, a menos que se não e~tabeleça ou adote
construção nova (2), incompatível com o nosso Direito e
jurisprudência (4) .
Abstraindo de casos excepcionalíssimos, sôbre os qua;s
diremos em lugar próprio, a regulamentação das rnciEdades
anônimas acha-se bem ar.entuada nas disposições legais pre-
ventivas, que procuram, mediante rigorosa disciplina, da qual
faz parte a publicidade, reprimir abusos, assegurando a lisura
na sua organização, a honestidade da emissão e negociação
das suas ações, normalizando os órgãos da manifestação da
vontade social, obrigando-os a prestar contas às assembléias
dos acionistas, tutelando os direitos da minoria, garantindo
a autonomia do patrimônio social, estabelecendo útil fisca-
lizzação, etc., tudo isso para que não pereça a boa-fé dos par-
ticulares, nem se sacrifiquem interêsses da própria Repú-
blica. Daí, também decorrem as responsabilidades e penali-

( 1) Parecer das Comissões Reunidas de Legislação e Fazenda do Senado,


apresentado na sessão de 17 de abril de 1882 (A na is) . .
(2) Não obstante, o art. 16 do decreto n. 434, de 4 de JUiho de 1891, se
refere a obrigações dos sócios entre si ( *).
( 3) Consulte-se CELLÉRIER, P.tudes sur les sociétés anonymes, n. 36.
Muitos têm negado à sociedade anônima o caráter de sociedade, para ver uma
corporação (GIERKE), uma declaração unilateral de vontade (RÉNAULT),
uma pessoa moral (LABAND).
(4) Decreto n. 434, arts. 14, § t. 0 , 17, § 2. 0 , 50, 80, 89, 91 et passim;
" ... estatutos ou contrato social".
("') Sem correspondente no vigente decreto-lei n. 2.627, de 26 de setem-
bro de 1940.
276 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

dades especiais impostas aos fundadores, administradores, fis-


cais e especuladores.

876. Deixar a constituição das sociedades anônimas sob


o regímen da liberdade contratual, seria abandonar a qefesa
de direitos e interêsses dignos de proteção. Procuram-se atual-
mente estas sociedades para emprêgo rendoso dü capitais,
fruto da economia dos particulares. Boa legislação preven-
tiva seria mais eficaz e, conseguintemente, teria maior valor
social que as leis repressivas (1).
Que resultado, porém, se consegue, dessa medida, se a lei
não tem o poder de regulamentar a consciência dos homens,
e tudo depende da probidade dos indivíduos, do meio em que
exercem a sua atividade e do valor moral e científico de uma
magistratura compenetrada da sua missão?
Não estão no programa dêste Tratado os estudos e inves-
tigações do domínio exclusivo da economia política, em cujo
território se localiza a controvérsia. Diremos, aqui, entretan-
to, que a questão não se solve por princípios teóricos. Ela é
tôda prática e, nesse caráter, tem sido geralmente apreciada.
A solução satisfatória está adiada para o futuro. Há argu-
mentos valiosos pró e contra a regulamentação. O Congresso
Internacional das Sociedades Anônimas, realizado em Paris
em junho de 1900, adotou a seguinte resolução: "Les sociétés
par actions doivent, quelqu'en soit l'objet, être soumises à
une réglementation" (2).

877 . Em o n. 509 supra, enumeramos as leis e decretos


que regem atualmente as sociedades anônimas.
As disposições do Código Comercial, compreendidas no
Cap. II do Tít. XV, da parte I (arts. 295 a 299), foram a prin-

( 1) PIC, Des sociétés commerciales, vol. 2. 0 , n. 689.


(2) A Inglaterra, onde sempre dominou a maior liberdade na organiza-
ção das sociedades anônimas, ultimamente tem procurado entrar no sistema
restritivo, para conjurar os abusos dos fundadores e administradores. ( Consul-
te-se La réforme de la loi anglaise sur les sociétés par actions, io Annales de
droit commercial, 1907, pág. 408).
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 277

cípio modificadas pela lei n. 1.083, de 22 de agôsto de 1860,


art. 2.º. Na conformidade desta lei, o decreto n. 2.691, de 14
de novembro de 1860, marcou os casos de falência dos bancos
e outras companhias e sociedades anônimas e o processo que
em tais casos se devia seguir o decreto n. 2.711, de 19 de
setembro do mesmo ano, publicou diversas disposições sôbre
a criação e organização dos bancos, companhias, sociedades
anônimas e outras (1).
A esta reforma de 1860 segui!!::Se_ ~a lei do lmpérJQ______
n. 3.150, de 4 de nove de rna-2, que regulou o estabeleci-
mento de co ias e sociedades anônimas.
ecreto n. 8.821, de 30 de dezembro do mesmo ano,
~cíeu o regulamento para a execução dessa lei n. 3.150.
O Govêrno Provisório da República, no seu prurido de
reformas, publicou o decretG n. 164, de 17 de janeiro de 1890,
reformando a lei n. 3.150) de 4 de nove~bro de 1882. No art.
43, declarou revogada esta lei. Reforma original! Copiou-se
com insignificantíssimas alterações e para pior a lei n. 3.150!
O Govêrno Provisório, depois de expedir o decreto n. 164,
de 1890, viu-se na contingência de publicar os atos seguintes,
quase sucesüvamente:
Decreto n. 850, de 13 de outubro de 1890, alterando a
legislação vigente quanto à realização do capital das socie-
dades anônimas;
Decreto n. 997, de 11 de novembro de 1890, dando regras
para a execução dês te decreto n. 850;
Decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891, providen-
ciando sôbre a organização das sociedades anônimas.
~sses
três atos visavam reprimir abusos, devidos, 11não a
mero jôgo, mas a verdadeira alucinação, em que homens sem-
pre reputados discretos e calmos, parecia terem perdido o que

( l) Temos aí a primeira co11solidação das leis sôbre as sociedades anô-


nimas.
2i3 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
------
deviar.1 a seus nomes, a suas famílias e à sociedade, indo ali-
mentar com o seu pre~tígio transações de caráter mais que
dúbio" (1).
O decreto n. 1.362 t2.o grande s2nsação produziu no meio
comercial, em virtude das suas medidas vexatórias e absur-
das, especialmente as dcs arts. 11 e 12, estabelecendo a impo-
sição de 3% sôbre o valor nominal das açõ2s vendidas a
prazo e de 2 % sôbre os lucros sociais, superiores a 12 % , que
o govêrno~ 2L -11~ta dos protestos e reclamações, revog-ou êsses
doi~ artigos, seis dias U.cpc-is, pelo decreto n.--1.386-, -de 20 de
fevereiro de 1891.
Ficou, porém, em vigor, o art. 13 do dec1ctí) n. 1.362 a
perturbar tôdas as relações jurídicas, plantando a ali<i.rr1uia.
Dispunha êle: "Em tudo quanto não esteja alterado por êstt
decreto, subsistem a lei n. 3.150, de 4 de novembro de 1882,
o decreto n. 8.821, de 30 de dezembro do mesmo ano, e o
decreto n. 164, de 17 de janeiro de 1890".
A lei n. 3.150, revigorada, continha disposições que o
decreto n. 164 revogara!
Como conciliar os dois atos?
Para mostrar da desorientação do govêrno, servem os dois
fatos que passaremos a expor.
Em 14 de maio de 1891, o Ministro da Justiça nomeou
uma comissão, composta dos Drs. SOUZA RIBEIRO, HONÓ-
RIO RIBEffiO e CARLOS DE CARVALHO, para consolidar
todo o direito existente sôbre as sociedades anônimas. No
Aviso dessa data (2), lêem-se as seguintes palavras iniciais:
"Atendendo à necessidade de regulamentar o decreto n. 164
de 17 de janeiro de 1890 que reformou a lei n. 3.150, de 4 de
novembro de 1882 . .. " O Ministro ignorava que, nessa época,
a lei n. 3.150 estava de novo em pleno vigor, restaurada pelo
art. 13 do decreto n. 1.362 !
O Ministro da Fazenda, por sua vez, julgara-se compe-
tente para intervir na regulamentação das leis sôbre socie-
dades anônimas e, desde 6 de maio do mesmo ano de 1891 ,

(1) Gazetilha do Jornal do Comércio, de 20 de fevereiro de 1891.


(2) O Direito, vol. 55, pág. 671.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 279

incumbira o Dr. DíDIMO AGAPITO DA VEIGA JúNIOR de


consolidar as dispo~ições legislativas e regulamentares relati-
vas aos estabelecimentos bancários e às soci:dades anônimas,
devendo êste trabalho apresentar o estado da legislação vi-
gente (1) .
Desta última ccmis~ão resultou o decreto n. 434, de 4 de
julho de 1891, expedido pelo Ministério da Fazenda.
Lê-se na Exposição de Motivos dêste decrêto: "As socie-
dades anônimas vão tendo entre nós grande desenvolvimen-
to, e devem concorrer eficazmmte para a prosperidade das
indústrias e economia social, empregando capitais dispersos,
que de per si não poderiam realizar empreendimentos de
maior monta; convém, pois, que as prescrições legais que as
regulam sejam perfeitamente compreendidas, já pelos cida-
dãos que necessitam conhecê-las para procederem com a no-
ção clara das obrigações que contraem, já pelas autoridades
a quem incumbe resolver as questões que se levantam na
aplicação dessas regras. No entretanto, essas prescrições
acham-se disseminadas em diversos atos autoritários, que as
alteram e modificam, resultando daí dificuldade de discrimi-
nar com prontidão qual o estado atual da lei vigente.
Julguei que a consolidação das disposições em vigor faci-
litaria a noção clara do direito e seria proveitosa no presente
estado dessa parte da nossa legislação, enquanto o Poder Le-
gic;:ll'lt.ivo a não revê, dando-lhe bases mais con tes com
a nossa condição econô1uica., ~ .c::u o-lhe as lacunas exis-
tentes" .
.. . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
"A consolidação, que ora vos apresento, sôbre o anoni-
mato, contém com exatidão os pre::eitos vigentes sem inovar
o direito estabelecido, por não ser lícito ao Poder Executivo
proceder de outro modo, em vista do artigo constitucional,
que autoriza a expedição de Decretos, Regulamentos e Instru-
ções, tão-~õmente para a boa execução das leis".
Surgiu, depois, o decreto n. 603, de 20 de outubro de
1891, referendado pelos Ministros da Fazenda e da Justiça,

( 1) O Direito, vol. 56, pág. 134.


2SO J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

aproYando e mandando executar o regulamento das compa-


nhias ou sociedades anônimas, e instituindo uma comissão
de jurisconsultos e comerciantes para, nos dois primeiros anos
da vigência dêste regulamento, receber as representações,
memoriais, relatórios e reclamações e observações relativa-
mente às suas lacunas ou defeitos e à solução das dificulda-
des que pudessem dar-se em sua execução
Na Exposição dos Motivos, diziam aquêles Ministros ao
Presidente da República: "O projeto de regulamento, que ora
apresentamos, contém com exatidão as norn1as vigentes, sem
inovar o direito estabelecido pelo poder competente; mas,
cingindo-se quanto possível, aos intuitos do legislador, bus-
cou acautelar na prática da lei das sociedades anônimas a
reprodução de graves abusos, que se hão dado com freqüên-
cia, levantando sérios clamores, aos quais não pode ser indi-
ferente o Govêrno da República, sob pena de d2ixar de cor-
responder à sua elevada e patriótica missão".
Dois meses depois, publicou-se o decreto n. 698, de 22 de
dezembro de 1801, revogando o decreto n. 603, de 20 de outu-
bro, por exceder os limites da atribuição conferida ao Poder
Executivo no art. 48. n. 1, da Constituição de 24 de fevereiro
do mesmo ano, consagrando disposições de caráter legiElativo.
Os Ministros da Fazenda e Justiça, referendários dêste
decreto, apresentando-o ao Vice-Presidente da República, dis-
seram;-na exposição de Motivos:_:Q...de~ 11. 0015, rre 2cnte
outubro último, que aprovou e mandou executar o regula-
mento das companhias ou sociedades anônimas, tem provo-
cado tais censuras, que tornou-se de justiça a sua revogação"·
Na imprensa, como em ambas as casas do Congresso, a
sua legalidade foi contestada, sendo bem significativas as
palavras contra êle lançadas no manifesto que à Nação diri-
giram os seus representantes por ocasião do ato ditatorial da
russolução: "E, para não ir mais longe, o Poder Executivo
legislou, como a Nação inteira viu, sôbre sociedades anônimas,
levando o seu desembaraço a, contra as prescrições da moral
e do interêsse público, criar direito novo, considerando lícito
o que é declarado criminoso pelas leis vigentes".
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 281

Com efeito, o decreto n. 603 foi expedido em vista da dis-


posição do art. 42 do decreto n. 164, de 17 de janeiro de 1890.
Essa legislação, porém, ficou sem razão de ser pelo art. 13
do decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro do corrente ano, e assim
entendeu o próprio Poder Executivo quando, pelo decreto n.
434, de 4 de julho também do corrente ano, aprovou e mandou
executar o regulamento, consolidando as disposições legisla-
tivas e regulamentares sôbre as sociedades anônimas.
Demais, o decreto n. 603 foi expedido pelo Pod2r Executi-
vo no uso da atribuição conferida pelo art. 48, n. 1, da Cons-
tituição Federal. Entretanto, muitas de suas disposiçõ::s exce-
dem os limites regulamentares".
Em virtude da revogação do decreto n. 603, entrou de
novo em vigor o decreto n. 434, de 4 de julho d~ 1891.
Subseqüentemente, votou-se a lei n. 177-A, de 15 de setem-
bro de 1893, regulando a emissão de empréstimos em obriga-
ções ao portador (debêntures) das companhias ou socieda-
des anônimas, ampliada pela lei n. 2.080, de 7 de janeiro de
1909, relativamente às sociedades de crédito agrícola ou de
crédito hipotecário e agrícola.
O decreto n. 5.072, de 12 de dezembro de 1903, regulou
o funcionamento das companhias de seguros de vida, maríti-
mos e terrestres, nacionais e estrangeiras (1).

<t ) ~ mcet essame conhecer o qllêsetem pa:m1Jo com crlcgtsí~­


as companhias de seguros de vida.
O dec. legisl. n. 294, de 5 de setembro de 1895, estabeleceu diversas pres-
crições sôbre as companhias estrangeiras de seguro de vida que funcionassem
no território do Brasil.
O dec. n. 2.153, de 1 de novembro de 1895, deu o regulamento para a
boa execução dessa lei n. 294.
A lei do Orçamento da Receita n. 741, de 26 de dezembro de 1900, no
art. 2. 0 , n. X, autorizou o Govêrno a "regular o funcionamento das companhias
de seguros, tanto de vida, como marítimos e terrestres, que funcionassem ou
viessem a funcionar no território da República, sujeitando tôdas, quer nacionais,
quer estrangeiras, às obrigações prescritas pelo dec. n. 2.153, de 1 de novembro
de 1895, criando uma repartição de Superintendência de Seguro, imediatamente
subordinada ao Ministério da Fazenda, repartição que será mantida pelas quo-
tas que serão fixadas no respectivo regulamento e pagas pelas diversas com-
panhias que funcionarem ou vierem a funcionar no Brasil". O regulamento
expedido na parte referente ao seguro de vida ficou dependente da aprovação
do Congresso.
O decreto n. 4.270, de 10 de dezembro de 1901, expedido em virtude da
autorização da lei n. 741, de 1900, regulou o funcionamento das companhias
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Fica aí compreendida a legislação sôbre as sociedades


anônimas, à qual, aliás, já nos referimos em o n. 110 do 1.º
volume, 2.ª ed., e n. 509, supra (**).

878. As leis que ainda hoje regem as sociedades anôni-


mas tivffam a sua prova no período de 1889 a 1891, ao qual
se deu o nome de encilhamento .
Nesse período, dizia o Presidente da Câmara Sindical dos
Corretores de Fundos Públicos do Distrito Federal, "muitas,
muitíssimas sociedades anônimas foram criadas e s2us títu-
los, sob pomposos prospectas, lançados à voracidade da praça,
sem que à sua admissão precedesse o menor estudo da parte
daqueles a quem competia verificar a sua legitimidade, sendo
que a avidez do ganho supria tôda a calma e circunspecção

de seguros de vida, marítimos e terrestres, nacionais e estrangeiras.


A Lei do Orçamento àa Receita n. 593, de 29 de dezembro de 1902, no
art. 2. 0 , n. XII, autorizou o Govêrno a rever o regulamento que baixou com
o decreto n. 4.270, de 1901, fazendo nêle as alterações aconselhadas pela expe-
riência e submetendo à apreciação do Congresso a parte que depender da sua
aprovação.
O decreto n. 5.072, de 12 de dezembro de 1903, expedido nos têrmos da
autorização da lei n. 953, de 1902, regulou, de novo, o funcionamento das
companhias de seguros de vida, marítimos e terrestres, nacionais e estrangeiras.
A Lei do Orçamento_ n.. l_.144, de 30 de dezembro de 1903, no art. 25,
~provou as disposições constantes âo -parágrajQ____Únj.co do_art. 30, § 1. 0 , do art.
-39, art. 69, e § -1.º do a.rt. 70 do di;creto n. 5.07'1., de 12 J~ d~z.,;,mbro dQ lOOl.
e estabeleceu outras providências e medidas.
A Lei do Orçamento n. 1.616, de 30 de dezembro de 1906, no art. 3. 0 ,
n. VIII, autorizou o Govêrno a rever o reg. 0 n. 5.072, de 12 de dezembro de
1903, sob bases que estabeleceu, sendo a primeira: consolidar em um só regu-
lamento as disposições do decreto n. 4.270, de 10 de dezembro de 1901, se-
_gund~ as alterações feitas pelo decreto n. 5.072, de 12 de dezembro de 1903,
e!'° virtude da l~i_n. 953, de 29 de dezembro de 1902, art. 2. 0 , n. 12, que auto-
rizou a sua rev1sao e as da lei n. 1.144, de 30 de dezembro de 1903, art. 25,
§§ l.º e 2.º, e lei n. 1.316, de 31 de dezembro de 1904, art. 20, n. 14, regula-
mentada pelo decreto n. 5.466, de 25 àe fevereiro de 1905.
d" A_ !-eid do Orçamento n. 2.050, de 31 de dezembro de 1908, manteve a
isposiçao o art. 3. 0 , n. VIII, da lei n. 1.616, acima mencionada ( *).
(*) Hoje são regulados os seguros pelo decreto-lei n 2.063, de 7 de
·março de 1940. ·

(bu) d Hoje rege as sociedades anônimas o decreto-lei n 2.627, de 26 de


S et em ro e 1940. ·
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 283

necessárias. Dessas emprêsas, em número aproximado de


1.150, reprernntando o Exagerado capital de 1.631.530:000$000,
poucas sobreviveram ao encilhamento e das que ainda por
aí se arrastam, levando vida efêmera, quantas terão o direito
de legalmente serEm apresentadas na Bôlsa?" (1). RAMIRO
BARCELOS, no Senado, sessão de 2 de setembro de 1891,
dizia: "A República, ness·es dois anos, não tem sido mais do que
o grande jôgo de títulos e de ações".
Os abusos e fraudes foram e continuam a ser inúmeros,
devidos de um lado à infração da lei e do outro à sua pró-
pria fraqueza (2) . Nada se tem feito para corrigir-lhe os de-
feitos. Apenas a lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, sub-
meteu as sociedades anônimas à falência, abolindo a célebre
liquidação forçada, sem fim, sem ordem e sem resultado
prático.

- - 879 :- · · En.velhec.em _cedo as leis sôbre sociedades anôni-


mas em todos os países . As suas reformas são freqüentes,
sàmente encoritrando paralelo nas leis sôbre falências. Os
congressos internacionais, onde se têm discutido e apurado
muitos princípios, hoje cõnsidei;ades- fundamentais, têm fa-
cilitado essas reformas (3).
PIC apreciou bem, dizendo que "la destinée des lois sur
les sociétés par actions est d'être sans cesse remaniées" (4), e
DESEURE ainda melhor expôs que essas leis "sont modeles
de contrat, presque des formules imposées sous forme de loi
par l'autorité publique", e assim como a prática quotidiana

( 1) Relatório da Câmara Sindical dos Corretores de Fundos Públicos,


1901, págs. 29 e segs.
(2) Vejam-se ainda os relatórios dessa Câmara, correspondentes aos anos
de 1903, pág. 15, e 1908, pág. 26.
( 3) São dignos de nota os Congressos Internacionais das sociedades por
ações, realizados em Paris em 1889 e 1900, e o Congresso Jurídico Internacional
das sociedades por ações e das sociedades cooperativas, realizado em Bruxelas
no ano de 1910.
( 4) Des socíétés commerciales, vol. 1. 0 , n. 109, e vol. 2. 0 , n. 687.
- Na França, as disposições do Código Comercial sôbre sociedades foram
alteradas e ampliadas em 1856, 1863, 1867, 1893, 1903, 1905 e 1907; na Bél-
gica, em 1873, 1886 e 1913; na Alemanha, foram votadas leis em 1862, 1870,
1884, e Cód. Com. de 1897; na Inglaterra, têm sido votadas leis em 1856, 1857,
1858, 1862, 1867, 1880, 1883, 1890, 1900 e 1907.
- - - - - - -J.
284
-- X. CARVALHO DE MENDONÇA
----------------

descobre nos contratos livres a necessidade de modificar ou ..


r
acrescentar uma ou outra cláusula, do mesmo modo mostra
diàriamente o lado fraco de uma ou outra regra do contrato
impôsto (1).
A reclamação do alto comércio e da grande indústria con-
tra as exageradas restrições que entorpecem o desenvolvi-
mento da sua atividade e a necessidade de prevenir a fraude
que sem parar descobre meios e processos novos para a vitó-
ria, são os principais fatôres dessas reformas constantes.
Como quer que seja, por mais que se tenha escrito sôbre
o assunto, ainda é problema difícil a legislação sôbre socie-
dades anônimas (2). O ato constitutivo dessas sociedades é
de grande complexidade jurídica (3). Dêle se originam rela-
ções de direito muito diversas, que se entrelaçam e depen-
dem umas das outras. Direitos e responsabilidades ~os acio~
ni~tas, dos administradores, dos fiscais, das assembleias, .,
tudo isso tem grande importância.
-A boa lei sôbre êsse assunto não d conter uma regu-
lamentação draconiana nem cansa r a liberdade anárquica.
O seu duplo objeto deve ser, nas palavras de BOZERIAN,
"garantir sem dificultar o funcionamento da admirável má-
quina;- denominada -sociedade anônima, e sem inutilizar o
magnífico instrumento que se chama ação" ( 4).

( l) Responsabilité des administrateurs et des commissaires dans les socié-


tés anonymes, préface, pág. II.
(2) VIDARI, Corso di diritto commerciale, 5.ª edição, vol. 2. 0 , n. 1.097:
"Fare una buona legge sulle società per azioni e, in particolare, sulle società
anonime, fu sempre, ed e oggi ancora, opera difficilissima; perche bisogna
accordare all'uopo elementi di assai ardua conciliazione".
(3) VIVANTE, na Rivista dei Diritto Commerciale, vol. 11 (1913), P. 1.,
pág. 146: "II problema tecnico delle società anonime e un problema complesso:
e un problema tecnico perche dipende dal valore della maestranza e di coloro
che la dirigono; e un problema economico percbe dipende dai capitali che vi
concorrono; e un problema fiscale perche dipende della moderazione dei fisco,
e~ sopratutto un pr?~le!11a. m?ra.le. perche ~e la ricca vena della probità non
c:ucol<i: per entro gh 1shtuh gmnd1c1, quesh si sfasciano nelle crisi e nei fal-
hment1".
(4) Rapport de M. Bozérian ao Senado francês, apud GASTAMBIDE
Le fondement rationnel de la réglementation légale des sociétés par actions'
pág. 81. '
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 285

CAPfTULO I

Das noções fundamentais sôbre as sociedades anônimas

880. Neste Capítulo I iniciaremos o estudo sôbre as so-


ciedades anônimas, falando dos seus caracteres jurídicos, do
seu objeto, da sua denominação, sede e duração, e dizendo
das que carecem da autorização do govêrno para se organi-
zarem.

Serão êsses os objetos das quatros seções em seguida.

SEÇÃO I

Dos caracteres jurídicos das sociedades anônimas

Sumário: - 881. O traço específico das sociedades anônl-


nimas. - 882. Outros c.uacteres. - 883. Impro-
priedade da expressão sociedade anônima.' - 884.
Companhias.

881. A sociedade anônima é aquela em que todos os


sócios, denominados acionistas ou acionários, respondem pe-
las obrigações sociais até o valor com que entraram ou pro-
rneteram entrar para a formação do capital social.
o traço específico, essencial, que a distingue das outras
formas de sociedade, é a responsabilidade limitada de todos
os sócios (1). A lei o proclama nestes têrmos: "Os sócios são

... ( 1) Em virtude dessa posição excepcional do acionista isento da responsa..


bilidade ilimitada, a anônima tem sido qualificada, aliás, sem motivo. nor """"'
286 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
~~~~-·~~~~

respon~áv2issómente pela quota de capital das ações que


subscrevem ou que lhes são cedidas" (1) .

A garantia de terceiros apoia-se exclusivamente no pa-


trimônio da sociedade. O dos sócios não responde pelas obri-
gaçãEs sociais. Sôbre o patrimônio ~ocial não influ::m as
eventualidades que de ordinário ameaçam ou abalam o cré-
dito pessoal dos associados.

Se o acionista entregou ou pagou à sociedade a quantia


total correspondente às ações que subscrev::u ou adquiriu, por
outra, se e~tão integradas as ações, a sua responsabilidade
acha-se extinta (n. 543 supra). Se êle, porém, não completou
o valor das ações de que é titular, tôda a sua responsabilidade

de sociedade nrivi!e(!iadn, oor outros, de sociedade de excer:ão. (Veja-se a apre-


ciação de NÓTO-SARDEGNA, Le società anonime, ns. 1O e 11).
No acórdão da Câmara Comercial do Tribunal Civil e Criminal, de 11 de
janeiro de J89 5, chega-se a dizer que a sociedade anônima é "uma instituição
privilegiada e fora do Direito Comum".
- Nas definições que de sociedade anônima nos dão diversos códigos e
leis estrangeiras (não escapando, aliás, da crítica, como se pode ler em VIDARI,
Corso di diritto commercia/e, vol. 2. 0 , 5. 8 ed., ns. 1.099 e segs.), a nota predo-
minante é a da responsabilidade limitada de todos os sócios.
A lei belga de 1873, no art. 26, diz: "La société anonyrne est celle dans
laquelle les associ~s n'engagent qu'une mise deterrninée". .
O Código Federal Suíço das Obrigações, revisto, no art. 612, defme: ."La
société anonyme ou société par actions est celle qui se forme sous une ra1son
sociale par les noms des associés, dont Ie capital, déterminé à )'avance, est
divisé en actions et dont les dettes ne sont garanties que par l'avoir social,
sans que les associés en soient tenus personnellernent".
O Cód. Com. italiano, no art. 76, n. 3, explica: "La società anonirna, nella
quale le obbligazioni sociali sono garantite soltanto lirnitatarnente ad un deter-
minato capitale, e ciascun socio non ê obbligato che per Ia sua quota o per la
sua azione".
O Cód. Com. húngaro, no art. 147, dispõe: "A sociedade por ações é a
constituída por meio de um capital previamente fixado e consistente em certo
número de ações de igual valor (ações integrais ou frações de ações) e cujos
donos se obrigam somente até à concorrência das suas ações".
O Cód. Com. argentino define, no art. 313: "Sociedad anonima es Ia sim-
ple asociación de capitales para una empresa ó trabajo cualquiera". É uma
pobrisima definición, diz SEGOVIA, Explicación y critica dei nuevo Código de
Comercio, vol. 1. 0 , nota 1.131 .
(1) Decreto n. 434, de 4 de julho de 1891, art. 15; lei n. 3.150, de 4 de
novembro de 1882, art. 2.°, § 2. 0 , decreto n. 8.821, de 30 de dezembro de 1882
art. 4. 0 ; decreto n. 164, art. 2.0, § 2.º (•). '
(•) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. I.º.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 287

consiste em entrar com a importância das prestações devi-


das (1). (Vejam-se ns. 542 e 543 supra).
Antes e durante os atos da constituição da sociedade anô-
nima, não passa despercebido o elemento pessoal, visto não
serem os capitais ou as ações que a organizam, porém os
subscritores do capital, os sócios. Depois de constituída, a
mais absoluta impersonalidade é o seu sinal característico.
Os associados não se conhecem; a morte de qualquer dêks
não reflde sôbre a sociedade. No dia em que a falência lhe
bate às portas, não há outra responsabilidade civil a apurar
senão a da sociedade .
A sociedade anônima, como se vê, é por excelência o tipo
da so~iedade de capitais, é mera "associação de capitais" (2).
Naturalmente, o acionista nela figura para realizar as suas
preEtações, para nomear administradores e fiscais, para to-
mar-lhes contas, para votar nas assembléias, sem mencionar-
mos o direito que tem à parte proporcional da renda líquida
da sociedade (dividendo) .
A sua cocperação na sociedade (n. 529 supra) não lhe-
traz responsabilidade, como sócio, além da quantia com que
entrou ou se obrigou a entrar para o capital da sociedade.

882. O decreto n. 434, de 4 de julho de 1891, dispõe no


art. 1. 0 que a sociedade anônima se distingue das outras espé-
cies de sociedade pelos três caracteres:

(1) Decreto n. 434, art. 33; decreto n. 850, art. 4. 0 , parte 1.ª; lei n.
2.•J24, de 17 de dezembro de 1908, art. 53 ( •).
(2) Daí a figura de TROPLONG: "c'est une caisse sociale au delà de
laquelle il n'y a pas d'individus débiteurs et contraignables" (Du contrai de
sociéré, vol. 1.º, n. 444).
Veja-se o Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 31 de maio
de 1907, em a nota 1 da pág. 63.
"A sociedade por ações é uma sociedade de dividendo no sentido estrito".
(PRIMKER, in Manuale di diritto commerciale, de ENDEMANN, trad. ita-
liana, vol. 1. 0 , pág. 569).
Mais rudemente disse um escritor inglês: a sociedade anônima é uma má-
quina de dividendo. Deita-se a contribuição e recolhem-se os dividendos.
(•) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 76. Quanto à.
falência, decreto-lei n. 7.661. de 21 de junho de 1945, art. 50.
288 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

a divisão do capital em ações,


a responsabilidade limitada dos acionistas, e
a necessidade do concurso, pelo menos, de sete sócios (1).
Todos êsses elementos se encontram nas sociedades em
comandita por ações.
Além da responsabilidade limitada de todos os sócios e
do concurso do número legal dêstes, os outros caracteres não
menos apreciáveis da sociedade anônima são:
a privação de firma ou razão social;
a divisão de todo o capital social em ações;
a transmirnibilidade dos direitos ativos e passivos de cada
sócio, permitindo a quem quer que seja adquirir uma parte
de direitos na sociedade ou desta se retirar à vontade. (Veja-
se o n. 1.085, infra).

883. Não há, certamente, expressão mais imprópria do


que a de sociedade anônima, para designar essa f arma de
sociedade, por que tem ela um nome, sob o qual aparece na
cena jurídica e no mundo dos negócios (veja-se n. 888 infra).
Anônima chamou-se em princípio, e o nosso Cód. assim
denominou, a sociedade em conta de participação. A esta
caberia melhor o qualificativo, visto não ter personalidade
nem se apresentar a terceiros sob nome que lhe seja próprio.
Como passou da sociedade em conta de participação para a
sociedade de que aqui falamos, não se sabe explicar (2).
A tradição o manteve.
A sociedade em nome coletivo manifestava-se ao público
sob a razão social, composta pelo nome de um ou mais sócios:

(1 ) Esta disposição é cópia do art. 1.0 , do decreto n. 8. 8 21 de 3O de


dezembro de 1882. '
(~) Diz VID~RI que. i~s? fôra deyido a "uno di quei capricci del Jin-
gua.ggio dai quale e ben dtfücde poters1 dare una ragione sufficient " (La
soctelà e le associaz.ioni commerciali, pág. 300). e ·
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 289
- --·--- ---------------------------

para significar que a sociedade, na qual todos os sócios não


s2 obrigavam além da contribuição subscrita, não se tornava
conhecida em público por intermédio da firma ou razão so-
cial, deu-se-lhe a denominação de sociedade anônima (1).

884. As sociedades anônimas chamam-se também com-


panhias (2) e esta palavra é muito comum, não só na com-
po~ição dos respectivos nomes (Companhia Doca de Santos,
Companhia de Seguros Garantia, Companhia de Tecidos Ca-
rioca), como nos próprios textos legislativos (3).

( 1) C. GIDE, Principes d'économie politique. 11.ª ed., pág. 165: "On


l'appelle "anonyme" précisément pour indiquer qu'il ne s'agit pas ici d'une
association de personnes, mais uniquement d'une association de capitaux, de
sacs d'écus".
O Código alemão chama Actiengesellschaft; não é, entretanto, a divisão
do capital em ações que estabelece o caráter distintivo dessas sociedades.
(2) Companhia (do italiano, compani) era antigamente sinônimo de so-
ciedade. A Ord. 4-44, inscreve-se: "Do contrato de sociedade e companhia",
e em todo o título fala de companhia.
Depois, esta palavra passou a designar a associação incorporada por carta
ou alvará de instituição. Exemplos: Companhia do Comércio da índia (Regi-
mento de 26 de agôsto de 1628), Companhia do Comércio do Brasil (Alvará
de 10 de março de 1649), Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão (Alvará
de 7 de junho de 17 55), Companhia Geral do Comércio de Pernambuco e
Paraíba (Alvará de 13 de agôsto de 1759).
Mais tarde, foi aplicada às sociedades anônimas. O Código neste sentido
a empregou, distinguindo as companhias de comércio (sociedades anônimas) e
as so_ciedades comerciais. (Vejam-se Tít. XV e a inscrição dos Caps. II e Ili).
A lei n. 1.083, de 22 de agôsto de 1860, chama ora companhias e sociedades
anônimas, ora companhias ou sociedades anônimas. A mesma sinonímia figura
na lei n. 177-A, de 15 de setembro de 1893.
O nosso primeiro ato sôbre sociedades anônimas, o decreto n. 575, de
10 de janeiro de 1849, não empregou a sinonímia.
Alguns textos legais denominam as sociedades anônimas associações anôni-
mas. (Consulte-se a lei n. 177-A, de 15 de setembro de 1893).
No antigo Direito francês, chamavam-se especialmente companhias as gran-
des emprêsas, e sociedades anônimas as menos importantes (PARDESSUS,
Cours de droit commercial, vol. 3, n. 1.039).
(3) Decreto n. 434, arts. 1. 0 , 3. 0 , 16, 22, 25, 27, 28 et passim (*).
(*) O vigente decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940 considera
sinônimas as palavras sociedade anônima e companhia. (Arts. l.º e 2.º el
passim).

19
SEÇÃO II

Do objeto das sociedades anônimas

Sum:írlo: - 885. Objeto das sociedade!! anônimas. - S86.


Inalterabilidade dêste objeto. - 887. Qualquer que
seja o objeto, as sociedades anônimas estão sujeitas
à mesma disciplina legal. Conseqiiências.

885 . A sociedade anônima pode ter por objeto qualquer


indústria, Emprêsa ou serviço de natureza civil ou comercial,
desde que não seja contrário à lei, à moral e aos bons cos-
tumes (1).

Em o n. 527, supra, falamos do objeto lícito das socie-


dades em geral, sendo aqui aplicável o que ficou explicado.

Pode a sociedade anônima ser fundada, também, para


fins n:ligiosos, morais, científicos ou de simples recreio (2).

É de necessidade especializar, ou melhor, limitar rigoro-


samente o objeto da sociedade. ~sse será o objeto-essencial,
na frase do art. 128, 2.ª alínea, do decreto n. 434, de 4 de
julho de 1891. Isso não quer dizer que seja vedada a acumu-
lação de diferentes espécies de negócio.

(1) Decreto n. 434, de 4 de julho de 1891, art. 2. 0 ; lei n. 3.150, de 4 de


novembro de 1882, art. 1.º; dec. n. 164, de 17 de janeiro de 1890, art. 1.0 ("').
O art. 2. 0 do decreto n. 434, reproduzindo a disposição do art. 2. 0 do
decreto n. 8.821, de 30 de dezembro de 1882, ressente-se de defeito de redação.
A referência às emprêsas agrícolas é meramente exemplificativa.
(2) Decreto n. 434, art. 214; lei n. 3.150, art. 34; decreto o. 8.821, art.
167; decreto n. 164, art. 34. A lei n. 173, de 10 de setembro de 1893, dispõe
no art. 16: "As associações fundadas para os fins declarados no art. 1. 0 (fins
religiosos, morais, científicos ou de simples recreio), que tomarem a forma
anónima, serão em tudo sujeitas às leis e decretos relativos às sociedades anô-
nimas" ( .. ).
( *) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 2. 0 •
(**) Veja-se o parágrafo único do art. 2. 0 , do citado decreto-lei n .2.627.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 291

886. Durante a existência da sociedade é inalterável o


seu objeto (1).
A experiência e as conveniências aconselham, não raro,
a ampliação ou a restrição do objeto definido nos estatutos
ou no contrato social; no primeiro carn, por exemplo, para
acréscimo de novos ramos da exploração mercantil ou indus-
trial a cargo da sociedade, para outra organização comercial
mais extensa, para aquisição de emprêsas idênticas, etc.; no
segundo caso, para que a sociedade tenha objetivo mais mo-
desto. Tudo isso é permitido, visto que se não trata de mudar
ou transformar o objeto da sociedade, porém, simplesmente,
de estendê-lo ou restringi-lo. A lei condena a substituição
radical do programa antigo, que serviu de base à constitui-
ção da sociedade e que, de ordinário, lhe dá o nome (2) . A
sociedade fundada para operações bancárias não pode pas-
f ar a ter por objeto a construção e exploração de estradas
de ferro.
Para a substituição do objeto essencial, a sociedade pre-
cisa s2r dissolvida, a fim de, com os seus elementos consti-
tuir-se outra (3). Isso quer dizer que é mister o com:enso
unânime dos acionistas.
887. As sociedades anônimas, tenham objeto de natu-
reza civil ou de natureza comercial, acham-se sujEitas a uma
só disciplina (4), que entra no quadro do Direito Comer-
cial (5) . (Veja-se n. 567 supra).
( 1) Decreto n. 434, art. 128, 2.ª alínea; decreto n. 8.821, art. 63 (•).
(2) Decreto n. 434, art. 14, § 1.º; lei n. 3.150, art. 2. 0 ; decreto n. 8.821,
art. 6. 0 ; decreto n. 164, art. 2. 0 (**).
(3) Permitem a modificação do objeto da emprêsa os Códigos alemão,
art. 275, e italiano, art. 158. A lei belga (Arrêté de 22 de junho de 1913,
art. 70) dispõe como a nossa.
(4) Decreto n. 434, art. 3.º; lei n. 3.150, art. t. 0 , 2.ª alínea; decreto
n. 8.821, art. 22; decreto n. 164, art. t. 0 , 2.ª alínea (º*).
O art. 3. 0 do decreto n. 434 declara a legislação sôbre as sociedades anô-
nimas, que se encontra exposta em o t. 0 vol., 2.ª ed. dêste Tratado e em o
n. 877 dêste vol. 3. 0 •
(5) Discutindo-se em 1882, o projeto convertido na lei n. 3.150, de 4 de
novembro de 1882, na sessão da Câmara dos Deputados, de 1.º de abril da-
quele ano, disse o Ministro da Justiça ( Cons. LAFAYETTE) : "o presente
(*) A assembléia geral extraordinária pode mudar o objeto da sociedade.
_ Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 105, d.
( º Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 3. 0 , in principio.
(*º) Cit. decreto-lei o. 2.627, art. 2. 0 , parágrafo único.
29~ J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Ne~sas condições:

a) A competência para as questões relativas à existên-


cia dessas sociedades, aos direitos e obrigações dos sócios
para com a sociedade e vi.ce-versa, à di~solução, liquidação e
partilha é a comercial (1). (Veja-se o n. 379 do 1. 0 volume,
2.ª ed. dêste Tratado).

b) Nos casos definidos em lei, as ditas sociedades incor-


rem em falência (2) .

SEÇÃO m
Da denominação, sede e duração das sociedades anônimas

Sumúio: - 888. A dencmlnação dessas sociedades. - 889.


Não têm firma ou razão social nem se qualificam
pelo nome de qualquer sócio. - 890. A denomina-
ção declara-se nos estatutos ou contrato social. -
891. Deve ser diferente da das outras soci::ldades. -
892. A sede social. - 893. O prazo da duração.

888. As sociedades anônimas exprimem-se por uma de-


nominação particular, ainda que de pura fantasia, ou pela

projeto não é senão um projeto de reforma do Código Comercial".


O Cód. Com. alemão, no art. 210, in fine, dispõe: "Ela (a sociedade por
ações) considera-se comercial, ainda que o objeto da emprêsa não constitua
exploração mercantil", e o Cód. Com. argentino, art. 282, in fine: "Son tam-
bién las sociedades anónimas aunque no tengan por objeto actos de comércio".
(1) Decreto n. 164, art. 16; lei n. 3.150, art. 2, § 3. 0 ; decreto n. 8.821,
art. 23; decreto n. 164, art. 2. 0 , § 3. 0 •
Nas relações da sociedade para com terceiros, a jurisdição não é exclusi-
vamente comercial. É a natureza do ato que a determina: se o ato é civil a
jurisdição é civil, se mercantil é comercial.
Esta tão simples matéria deu ocasião a grande debate na Câmara dos
Deputados e no Senado ao discutir-se o projeto, convertido na lei n. 3.150,
de 1882.
(2) Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 3.º ("').
(*) V. decreto-lei n. 7.661, art. 4. 0 , § 2.U.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 293

indicação do seu objeto, de ordinário um produto indus-


trial (1), denunciando, assim, que nenhum dos interessados
responde com os seus bens pelas obrigações sociais.
Não são permitidas denominações genéricas, aplicáveis
a muitas sociedades com idêntico objeto. Não se poderia qua-
lificar Companhia de docas, Companhia de seguros a Com-
panhia Docas de Santos e a Companhia de Seguros Cruzeiro
do Sul. As denominações particulares individualizam e espe-
cializam cada sociedade. Há muito abuso nessas denomina-
ções, e convém atender às regras 12gais.

889. As sociedades anônimas não podem:


a) Ter firma ou razão social. Desta sàmente podem
usar as sociedades, em cujos contratos figuram sócios de res-
ponsabilidade ilimitada (2). (Vejam-se ns. 173, 174 e 177, do
vol. 2. 0 , dêste Tratado).
b) Qualificar-se pelo nome de qualquer dos ~ócios (3).
Não havendo responsabilidades pessoais nessas sociedades, ne-
nhum acionista deve prestar o seu nome para designá-las;
seria dotá-las indiretamente com uma firma, o que a lei veda
em absoluto.
Se se designa por un:a firma social, em contravenção ao
texto formal da lei, é nula a sociedade anônima (4), porque

(1) Decreto n. 434, art. 14; lei n.-3.150, art. 2. 0 ; decreto n. 8.821, art. 6. 0 ;
decreto n. 164, art. 2. 0 ; decreto n. 916, de 24 de outubro de 1890, art. 4. 0 ( • ) .
(2-3) Decreto n. 434, art. 13; lei n. 3.150, art. 2. 0 , § l.º; decreto n. 8.821,
art. 5. 0 ; decreto n. 164, art. 2. 0 , § l.º; decreto n. 916, de 24 de outubro de 1890,
art. 4. 0 ("'*).
( 4) A infração da lei contendo preceito de ordem pública tem por sanção
a nulidade.
Fundou-se em São Paulo uma sociedade para adquirir as casas comerciais
de Payão & Cia., Bricola & Cia. e Borges & Cia. e deram-lhe a denominação
de "Companhia Payão, Bricola & Borges", nomes dos chefes das três casas.
~sse foi um dos fundamentos para a decretação da nulidade da sociedade
anônima, em virtude da manifesta infração do art. 13 do decreto n. 434. Sen-
tença do Juiz do Comércio (Dr. INÁCIO ARRUDA), de 3 de março de 1892,
confirmada pelos acórdãos do Tribunal de Justiça, de 18 de novembro de 1892,
e de 18 de janeiro de 1893, na Gazeta Jurídica, de S. Paulo, vol. 1, págs. 463-480.
( *) e ( *"') Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 3.º
in principio.
294 J. X. CA..'l=l.VALHO DE MENDONÇA

se modifica um dos característicos essenciais da organização


dessas sociedades, tendo por fim mo~trar ao público a irres-
ponsabilidade dos sócios e o acionista que presta o nome ou
consente que com êle se denomine a so:::iedade responde so-
Iidàriamente a terceiros pelas obrigações sociais (1), sem pre-
juízo da responsabilidade civil dos fundadores (2).
Entenda-se ncs devidos têrmos a proibição legal. Não é
vedado à sociedade anônima incluir na denominação o nome
de uma pessoa, cuja notoriedade científica, industrial ou po-
lítica exclua em absoluto o pensamento de uma responsabi-
lidade individual, de~de que essa denominação não traga a
mais remota confusão com a fórmula própria das firmas ou
razõês sociais, e haja motivo para ser adotada. A permanên-
cia do nome do fundador representa, muitas vêzes, tradição
necessária, para conservar o crédito e a freguesia, conquis-
tados pelo estabelecimento, que passa a ser explorado pela
sociedade anônima.
As palavras sociedades anônimas, antecedendo o nome
. próprio do fundador do estabelecimento ou o nome dêste esta-
belecimento, formado com o do seu fundador, avisam o pú-
blico da maneira mais positiva, que não se trata de sociedade

( 1) Cód. Com., arg. dos arts. 306 e 3 ; 4; decreto n. 916, de 24 de outu-


bro de 1890, art. 7. 0 , parágrafo único. . , ,
DtDIMO, As sociedades anônimas, n. 27, entende que a sociedade e so-
mente nula, e a nulidade resulta do sistema legal. . A

Na Bélgica, em cuja legi5lação tanto se inspiraram as nossas leis s~bre o


anonimato, a opinião geral, fundada no célebre relatório de PIRMEZ, e pela
responsabilidade pessoal e ilimitada dos que consentiram que os seus nomes
figurassem na firma ilegalmente adotada, visto se presumir que os interessados
quiseram prestar à sociedade uma garantia pessoal. (GUILLERY, Des sociétés
commerciales, vol. 2.0 , n. 489; NAMUR, Le code de commerce belge, 2.ª ed.,
2. 0 vol., n. 944).
Na Itália, é do mesmo parecer VIDARI, Corso di diritto commerciale, 5.ª
edição, vol. 1. 0 , n. 7 61 .
Na França, é a opinião comum conforme atestam CARPENTIER et OU
SAINT, Répertoire d11 droit f rançais, verb. Sociétés commerciales, n. 193).
A nulidade da sociedade produz um estado de fato que precisa ser liqui-
dado. Os terceiros interessados, que acreditavam e confiavam na garantia
pessoal dos que figuravam na firma, não devem ter essa garantia frustrada.
(2) Decreto n. 434, art. 89; lei n. 3.150, art. 5. 0 ; decreto n. 8.821, art. 38;
decreto n. 164, art. 5. 0 (*).
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 49.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 295

em que figuram sócios de responsabilidade ilimitada (1) (*).


Sociedade anônima Casa Raunier, eis a legítima designação
da sociedade anônima constituída pelo fundador do conhe-
cido estabel2cimento, para suceder à sociedade em nome cole-
tivo que explorava, sob a firma Raunier & Cia. Fora dessas
condições explicáveis é difícil justificar o abuso, senão a im-
prudência dos que incluem o nome de acionistas e até de
estranhos nas designações d2 sc~iedades anônimas, com o
visível intuito de iludir terceiros.
890. A denominação da sociedade anônima estabelece-se
e firma-se nos estatutos ou contrato social (2), e não eüá
sujeita a registo ou inscrição especial (3). Basta o arquiva-
mento dos atos orgânicos da sociedade no r·egisto do comércio.

(1) O art. 4. do decreto n. 916, de 24 de outubro de 1890, proíbe for-


malmente que se inclua na designação da sociedade anônima o nome por
extemo ou abreviado do acionista.
~ste artigo não teve por escopo modificar o art. 2. 0 , princ. e § !.º do dec.
n. 164, de 1890, que então vigorava regendo imicame::i.te o assunto. O seu pen-
samento foi estabelecer a disposição do art. 5. 0 do decreto n. 8.821, de 1882,
que o decreto n. 164 tornara sem efeito ( art. 42 e 53, do decreto n. 164).
É, porém, capital o S(!guinte: o art. 4. 0 do decreto n. 916 foi revogado
implicitamente pelo art. 13 do decreto do Govêrno Provisório, n. 1.362, de 14
de fevereiro de 1891, que mandou su bs1stir o decreto n. 8.821, e êste decreto não
contém a proibição nos têrmos do art. 4. 0 , do decreto n. 916.
Assim compreendendo, o decreto n. 434, consolidando as disposições le{?is-
lativas e regulamentares sôbre sociedades anônimas, muito acertadamente pôs
de lado a disposição do art. 4. 0 do decreto n. 916 para se cingir às dos arts.
5. 0 e 6. 0 do decreto n. 8.821. (Vejam-se art. 13 e 14, do decreto n. 434).
O novo reg. 0 da Junta Comercial do Distrito Federal no decreto n. 9.120,
de 15 de dezern bro de 1911, art. 30, § 11, declarou competir àquela corpora-
ção: "negar o arquivamento dos contratos ou estatutos das companhias ou
sociedades anônimas que adotarem designação contendo o nome dos seus
acionistas".
Não haverá aí inovação excedente do próprio art. 4. 0 do decreto n. 916
e manifestamente contrária à lei vigente, consolidada nos arts. 13 e 14 do
decreto n. 434? O Poder Executivo não tem a faculdade de alterar leis por
meio de regulamentos.
O decreto n. 603, de 20 de outubro de 1891, que fôra suspenso como se
disse em o n. 877 supra, dispunha no art. 4. 0 , parágrafo único: "Não lhes é
permitido ter firma ou razão social nem qualificar-se, exclusivamente, pelo
nome de algum dos seus acionistas".
(2) Decreto n. 434, art. 14, § l.º; decreto n. 8.821, art. 6. 0 , § I. 0 ( . . ).
( 3) Decreto n. 916, de 24 de outubro de 1890, art. 13.
( *) Nesse sentido dispõem expressamente, o art. 25, § 3. 0 do decreto
n. 93, de 20 de março de 1935, e o decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro d.e
1940, art. 3. 0 , § I. 0 •
( • •) Citado decreto, n. 2.627, art. 40, II.
296 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

891. A designação ou denominação das sociedades anô-


nimas deve ser diferente da de outras sociedades (1).
Se fôr igual, idêntica ou semelhante a de outras socieda-
des, de modo que possa induzir em êrro ou engano, qual-
quer interessado tem o direito de pedir a modificação, de-
mandando, ao mesmo tempo, a sociedade pelas perdas e
danos (2).
Note-se: a lei não condena sàmente a usurpação do no-
me, mas a identidade ou semelhança, expediente, onde mui-
tas vêzes se aninha a fraude. Disse PIRMEZ, no célebre rela-
tório sôbre a lei belga de 1873: "a arte consiste em achar
um nome novo que, comparado ao antigo, apresent2 ao pú-
blico semelhanças no conjunto para enganá-lo e aos tribu-
nais diferenças de minúcias que evitem a sua ação".

892.A sede social é o domicilio da sociedade, o centro


dos seus negócios, o lugar onde se reúnem as assembléias
para tomada de contas e aprovação dos balanços (3). É a
sede da administração. Não temos a acrescentar ao que ficou
exposto em os ns. 625 e segs., supra.

893.Determina-se nos estatutos ou contrato social o


prazo para a duração da sociedade anônima, conquanto a lei
nada regulasse a êsse respeito nem fixasse o prazo máximo.
Nas relações com os acionistas, essa cláusula quase não
tem valor. A cada um é lícito retirar-se da sociedade quando
lhe aprouver, mediante a venda ou cessão das ações.

(1) Decreto n. 434, art. 14, § l.º; lei n. 3.150, de 1882, art. 2. 0 , 2.ª
alínea; decreto n. 8.821, art. 6. 0 , § 1.0 ; decreto n. 164, de 1890, art. 2. 0 , 2.ª
alínea. que dispõe: "A designação ou denominação deve diferençá-las de outras
quaisquer sociedades ( *).
(2) Decreto n. 434, art. 14, § 2. 0 ; lei n. 3.150, art. 2. 0 , 2.ª alínea; decreto
n. 8.821, art. 6. 0 § 2. 0 ; decreto n. 164, de 1890, art. 2. 0 , 2.ª alínea (**).
(3) Decreto n. 434, art. 147 (* . . ).
(4) A lei belga de 1873, art. 71, fixa o prazo máximo em 30 anos("""*"').
(*) e (**) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 3. 0 , § 2.º.
( * **) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de selem bro de 1940, arts. 8 8 e 99.
(•** •) Decreto-lei o. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 40, II.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 297

SEÇÃO IV

Das sociedades anônimas que carecem de autorização do


Govêrno para a sua organização
Sumário: - 894. Sociedades que dependem da autorizaç!io
do Govêrno para se organizarem. - 895. Sociedad.:s
cstran~ciras. - 896. Poderes comnetenteo; para a auto-
rização. - 897. Oportunidade do pedido Je autori-
zação. - 898. Pedido anterior à constituição da so-
ciedade. - 899. Exame do ::iedido de autori1.açãu.
- 900. Decreto de autorização e aprovação. - 901.
Carta de autorização e de aprovação do:; f"5tatutos.
- 902. Cessação da interferência oficial. - 903.
Arquivo da có;iia da cana. - 904. Caso da pro;-
rogação do prazo da sociedade. - 903. Companhi.is
de seguros ein geral. - 906. Direito Fiscal.

894. Já dissemos em o n. 874 supra, que as sociedades


anônimas podiam organizar-se independentemente de auto-
rização oficial, salvo casos excepcionalíssimos.
Antes de tudo, convém lembrar que essa autorização ofi-
cial não importa colocar a sociedade anônima em regímen
especial. Ao contrário, não pode ser outorgada, sem que o
contrato ou os estatutos da sociedade tenham sido organiza.-
dos na conformidade das disposições legais que regem as so-
ciedades anônimas, e às quais ficam sujeitas (1).
Dependem da autorização do. Gov.êmo para se organi-
zarem: (*)
1.0 os bancos de crédito real (2);

(I) Decreto n. 434, art. 50; decreto n. 8.821, art. 132 (""").
(2) Decreto n. 434, art. 46, n. 2 e legislação aí referida.
("') Também dependem de autorização do Govêrno as sociedades de
seguros (decreto-lei n. 2.063, de 7-3-1940); as de capitalização (decreto 22.456,
de 10-2-1933); as de economia coletiva ou caixas construtoras (decreto 24.503,
de 29-6-1934); as de mineração, de energia hidráulica e petróleo (Código de
Minas - decreto-lei n. 1.985, de 29-1-1940, e decreto-lei n. 395, de 29-4-938);
os bancos e casas bancárias (decreto n. 14. 728, de 16-1-1921); as de indústria
e comércio fronteiriças (decreto-lei 1.968, de 1-1-1940); as de navegação
de cabotagem e ar (decreto-lei n. 2.784, de 20-11-1940 e Código Brasileiro do
Ar: decreto-lei 483, de 8-6-1938); as de crédito e financiamento ou investimen-
tos (decreto-lei n. 7.514, de 25-5-1945).
(**) Veja-se decreto-lei n. 2.627,. de 26 de setembro de 1940, art. 61.
'298 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

2. 0 as sociedades anônimas tendo por objeto monte-


pios, montes de socorro ou de piedade e caixas econômicas (1);
3. 0 as sociedades de s·eguros de vida, terrestres ou ma-
rítimos (2) ;
4. 0 as sociedades anônimas que tiverem por objeto o
comércio ou o fornecimento de gêneros ou substâncias ali-
mentares (3).
Os bancos de emissão são privativamente criados por lei
federal (4) •
Salvante as sociedades anônimas com os objetos acima
mencionados, nenhuma outra está sujeita à prévia aprova-
ção oficial (n. 874 supra).
Para evitar dúvidas, o decreto n. 434, entendeu declarar,
no art. 48, que não careciam de aprovação do Govêrno as
sociedades anônimas que tivessem por objeto a construção

( 1) Decreto n. 434, art. 46, n. 3, e legislação aí citada ( *).


Os montepios, os montes de piedade ou de socorro e as caixas econômicas
regem-se pelas disposições especiais anteriores ao decreto n. 434 ( a_rt. 49) · ,
As caixas econômicas viveram sob o regímen da mais ampla liberdade ate
que foram reguladas pela primeira vez na lei n. 1.08 3, de 22 de agôsto de 1860,
e nos decretos ns. 2.686 e 2.71 l, de 10 de novembro e 19 de dezembro de 1860.
Consideram-se caixas econômicas os estabelecimentos que, sob qualquer
denominação, praticarem as operações de depósito a que se referem as leis
ns. l.083, de 22 de agôsto, art. 2. 0 , §§ 14 a 16, e decreto n. 2.711, de 19 de
dezembro de 1860, cap. V. Leis ns. 1.507, de 26 de setembro de 1867, art. 36,
n. 1, e n. 3.313, de 16 de outubro de 1886, art. 6. 0 , regulamentadas pelo
decreto n. 9.738, de 2 de abril de 1887. (Circular n. 55 do Ministro da Fa-
zenda (RUl BARBOSA) de 18 de setembro de 1890, em O Direito, vol. 53,
págs. 810-811).
(2) Decreto n. 5.072, de 12 de dezembro de 1903, art. 1. 0 (**). (Veja-se
em o n. 877 supra a legislação sôbre as companhias de seguros) .
(3) Decreto n. 434, art. 46, n. 4, e legislação aí citada. (Veja-se nota 1
da pág. 313 do 1.0 vol., 2.ª ed. dêste Tratado).
O decreto n. 10.165, de 12 de janeiro de 1889, no intuito de fixar a inte-
ligência do n. 3, § 2. 0 do art. 1. 0 da lei n. 3.150 (reproduzido no n. 4 do
art: 46 ~o ~ecreto. n_. 434), ,declarou que as sociedades anônimas que têm por
objeto fms mdustna1s e agncolas, como as de engenhos centrais não carecem
de aut~rização do Govêrno quer para se organizarem quer para 'executarem as
alteraçoes dos seus estatutos, regularmente feitas.
(4) Constituição Federal, arts. 7, § t. 0 , n. 1 e 34, n. 8. Consulte-se o
art. 66, n. 2 da mesma Constituição. (Veja-se nota 1 da pág. 487 do 1 o vol
2.ª, dêste Tratado) ( •u). ' · ·~
(•) Código Civil, art. 20, § 1.º.
<(::!) DCecreto-Jei n. 2.063, de 7-3-1940, art.
onstituição de 1946, art. 5, VIII.
l.º.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 299

de estradas de ferro, concedidas pelo poder competente (1).


Por idêntica razão, deve-se ampliar o preceito legal às socie-
dades que tiverem por objeto obras públicas (2).
895. As sociedades anônimas estrangeiras e suas su-
cursais ou filiais, que des2jarem funcionar na República,
dependem de autorização do govêrno (3).
Destas sociedades falaremos oportunamente.
896. As sociedades anônimas referidas em o n. 894,
supra, d;;vem solicitar do Govêrno não sàmente a autoriza-
ção para se organizarem, como a aprovação dos estatutos,
pelos quais se têm de reger (4) .
O pedido é feito ao Congnsso, ao Govêmo da União ou
dos l!:stados, onde a criação deva ter lugar, segundo a com-
petência de acôrdo com a legislação vig2nte (5) (***).
Nessa questão de competência reina a maior das incer-
tezas.
Somente as companhias de seguros têm declarada na lei
a competência do govêrno federal (6).
Os Estados têm-se julgado com a faculdade de aprovar
os estatutos e autorizar a organização dos bancos de crédito
real que operam em seus territórios, gozando de favores, sob
o fundamento de ter a Constituição Federal, no art. 7, § 1. 0 ,
n. 1, reservado à competência privativa da União sàmente à
instituição dos bancos emissores (7) .
(1) No mesmo sentido o decreto n. 8.821, art. 130, § 2. 0 •
(2) Não precisa autorização do Govêrno para a organização das socie-
dades anônimas tendo por objeto loterias, desde que estas estejam legalmente
autorizadas: Aviso do Ministro da Fazenda de 16 de agôsto de 1894 - O
Direito, vol. 65, pág. 279.
(3) Decreto n. 434, art. 47; lei n. 3.150, art. 1. 0 , in fine; decreto n. 8.821,
art. 130, § l.º; decreto n. 164, art. I. 0 , § 2. 0 (*).
(4) O decreto n. 8.821, Je 1882, mandou que continuasse a ser estabe-
lecido o processo para a concessão da autorização, regulado pelo decreto n.
2.711, de 19 de dezembro de 1860. É o processo seguido pelo decreto n. 434,
de 1890 (**).
(5) Decreto n. 434, art. 61; decreto n. 8.821, art. 132, § I. 0 •
(6) Decreto n. 5.072, de 2 de dezembro de 1903, art. 1. 0 •
(7) Em sentido contrário manifestou-se o Ministro Cons. RODRIGUES
ALVES, no Relatório do Ministério da Fazenda, pág. 121 e segs.
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 64.
(*"') Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 61.
( 0 •) A competência é sempre do Govêrno Federal. Cit. decreto-lei n.
2.627, art. 59, parágrafo único.
29S J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

2. 0 as sociedades anônimas tendo por objeto monte-


pios, montes de socorro ou de piedade e caixas econômicas (1);
3. o as sociedades de s·eguros de vida, terrestres ou ma-
rítimos (2) ;
4. 0 as sociedades anônimas que tiverem por objeto 0
comércio ou o fornecimento de gêneros ou substâncias ali-
mentares (3).
Os bancos de emissão são privativamente criados por lei
federal (4).
Salvante as sociedades anônimas com os objetos acima
mencionados, nenhuma outra está sujeita à prévia aprova-
ção oficial (n. 874 supra) .
Para evitar dúvidas, o decreto n. 434, entendeu declarar,
no art. 48, que não careciam de aprovação do Govêrno as
sociedades anônimas que tivessem por objeto a construção

( 1) Decreto n. 434, art. 46, n. 3, e legislação aí citada ( *).


Os montepios, os montes de piedade ou de socorro e as caixas econômicas
regem-se pelas disposições especiais anteriores ao decreto n. 434 ( art. 49).
As caixas econômicas viveram sob o regímen da mais ampla liberdade até
que foram reguladas pela primeira vez na lei n. 1.083, de 22 de agôsto de 1860,
e nos decretos ns. 2.686 e 2.711, de 10 de novembro e 19 de dezembro de 1860.
Consideram-se caixas econômicas os estabelecimentos que, sob qualquer
denominação, praticarem as operações de depósito a que se referem as leis
ns. 1.083, de 22 de agôsto, art. 2. 0 , §§ 14 a 16, e decreto n. 2.711, de 19 de
dezembro de 1860, cap. V. Leis ns. 1.507, de 26 de setembro de 1867, art. 36,
n. 1, e n. 3.313, de 16 de outubro de 1886, art. 6. 0 , regulamentadas pelo
decreto n. 9.738, de 2 de abril de 1887. (Circular n. 55 do Ministro da Fa-
zenda (RUI BARBOSA) de 18 de setembro de 1890, em O Direito, vol. 53,
págs. 810-811 ) .
(2) Decreto n. 5.072, de 12 de dezembro de 1903, art. 1. 0 (*"'). (Veja-se
em o n. 877 supra a legislação sôbre as companhias de seguros) .
(3) Decreto n. 434, art. 46, n. 4, e legislação aí citada. (Veja-se nota 1
da pág. 313 do 1. 0 vol., 2. ª ed. dêste Tratado) .
O decreto n. 10.165, de l 2 de janeiro de l 889, no intuito de fixar a inte-
ligência do n. 3, § 2. 0 do art. I. 0 da lei n. 3.150 (reproduzido no n. 4 do
art. 46 do decreto n. 434), declarou que as sociedades anônimas que têm por
objeto fins industriais e agrícolas, como as de engenhos centrais, não carecem
de autorização do Govêrno quer para se organizarem quer para executarem as
alterações dos seus estatutos, regularmente feitas.
( 4) Constituição Federal, arts. 7, § 1.0 , n. 1 e 34, n. 8. Consulte-se 0
art. 66, n. 2 da mesma Constituição. (Veja-se nota 1 da pág. 487, do 1.o vol.
2.ª, dêste Tratado) ( ... ) . '
(•) Código Civil, art. 20, § t. 0 •
(U) Decreto-lei n. 2.063, de 7-3-1940, art. 1. 0 .
0
( •) Constituição de 1946, art. 5, VIII.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 299

de estradas de ferro, concedidas pelo poder competente (1).


Por idêntica razão, deve-se ampliar o preceito J.egal às socie-
dades que tiverem por objeto obras públicas (2).
895. As sociedades anônimas estrangeiras e suas su-
cursais ou filiais, que des2jarem funcionar na República,
dependem de autorização do govêmo (3).
Destas sociedades falaremos oportunamente.
896. As sociedades anônimas referidas em o n. 894,
supra, devem solicitar do Govêrno não sàmente a autoriza-
ção para se organizarem, como a aprovação dos estatutos,
pelos quais se têm de reger (4).
O pedido é feito ao Congresso, ao Govêrno da União ou
dos l!:stados, onde a criação deva ter lugar, segundo a com-
petência de acôrdo com a legislação vig2nte (5) (***).
Nessa questão de competência reina a maior das incer-
tezas.
Sàmente as companhias de seguros têm declarada na lei
a competência do govêrno federal (6).
Os Estados têm-se julgado com a faculdade de aprovar
os e~tatutos e autorizar a organização dos bancos de crédito
real que operam em seus territórios, gozando de favores, sob
o fundamento de ter a Constituição Federal, no art. 7, § 1. 0 ,
n. 1, reservado à competência privativa da União sàmente à
instituição dos bancos emissores (7).
(1) No mesmo sentido o decreto n. 8.821, art. 130, § 2. 0 •
(2) Não precisa autorização do Govêrno para a organização das socie-
dades anônimas tendo por objeto loterias, desde que estas estejam legalmente
autorizadas: Aviso do Ministro da Fazenda de 16 de agôsto de 1894 - O
Direito, vol. 65, pág. 279.
(3) Decreto n. 434, art. 47; lei n. 3.150, art. 1. 0 , in fine; decreto n. 8.821,
art. 130, § 1.º; decreto n. 164, art. 1. 0 , § 2. 0 {*).
(4) O decreto n. 8.821, de 18&2, mandou que continuasse a ser estabe-
lecido o processo para a concessão da autorização, regulado pelo decreto n.
2.711, de 19 de dezembro de 1860. É o processo seguido pelo decreto n. 434,
de 1890 (**).
(5) Decreto n. 434, art. 61; decreto n. 8.821, art. 132, § I. 0 •
(6) Decreto n. 5.072, de 2 de dezembro de 1903, art. l.º.
(7) Em sentido contrário manifestou-se o Ministro Cons. RODRIGUES
ALVES, no Relatório do Ministério da Fazenda, pág. 121 e segs.
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 64.
(º) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 61.
( u *) A competência é sempre do Govêrno Federal. Cit. decreto-lei n.
2.627, art. 59, parágrafo único.
300 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

897. A autorização pode ser solicitada antes ou depois


de constituída a sociedade anônima (1) .
A autorização para as companhias de seguros deve, po-
rém, ser solicitada, depois de constituídas (2) .
898. No caso de ser solicitada a autorização antes de
constituída a sociedade anônima, os fundadores apresenta-
rão requerimento datado e assinado, com as firmas reconhe-
cidas, mencionando a sua residência (3) e as bases defini-
tivas da sociedade ou os estatutos aprovados pelos subscri-
tores (4).
Se apresentarem sómente as bases para a constituição
da. rnciedade, os fundadores exporão no seu requerimento:
1. o o fim e o objeto dessa sociedade;
2.º o lugar onde deva funcionar;
3.º as probabilidades do seu bom êxito; e
4.º o tempo dentro do qual a sociedade deva ser orga-
nizada (5).
Nesse caso, a autorização será somente para a organiza-
ção da companhia ou sociedade sob as bases apresentadas;
uma vez organizada, têm de ser submetidos à aprovação dn
Govêrno o contrato ou os estatutos (6). Duas vêzes, por-
tanto, vão os interessados perante o poder público, obtendo
da primeira vez a carta de autorização e, depois, a aprovação
dos estatutos, registando-se a carta sõmente depois da apro-
vação dêstes (7).

(1) Decreto n. 434, art. 53; decreto n. 8.821, art. 132, § 1.0 ; decreto
n. 2. 711, de 19 de dezembro de 1860, art. 2. 0 ( *).
(2) Decreto n. 5.072, de 12 de dezembro de 1903, arts. 12 e 13 ( 0 ).
(3) Decreto n. 434, art. 67; decreto n. 2.711, de 19 de dezembro de
1860, art. 3. 0 , § 2. 0 •
(4) Decreto n. 434, art. 63; decreto n. 2.711, de 1860, art. 2. 0 •
(5) Decreto n. 434, art. 56; decreto n. 2.711, de 1860, art. 3. 0 , § 1. 0 •
( 6) Decreto n. 434, art. 54.
(7) Decreto n. 434, art. 55. ÊSte artigo diz: "o registo da carta de auto-
rização precederá a organização da companhia". Deve-se obter a aprovação dos
estatutos depois de organizada a companhia.
(*) Depois de c0!lstituída. Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de
1940, art. 61, d. A autorização precede, entretanto, à constituição, quando os
fundadores pretendam recorrer a subscrição pública. (Citado decreto-lei n.
2.627, art. 63) .
( u) Decreto-lei n. 2.063, de 7 de março de 1940, art. 35.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 301

Se os fundadores apresentarem logo os e~tatutos apro-


vados pelos subscritores, instruirão o requerimento com n~
documentos seguintes:
1.º o exemplar dos estatutos assinados pelos funda-
dores;
2.º a relação dos subscritores, com declaração das no-
mes, profissões, domicílios e número de ações subscritas (1).
899. Tenha sido impetrada a autorização antes ou de-
pois da constituição definitiva da sociedad2 anônima, o res-
pectivo requerimento será submetido aos exames precisos
para se verificar:
1.º se o objeto ou fim da sociedade é lícito e de utili-
dade pública;
2.º se a criação é oportuna e de êxito provável;
3. 0 se o capital fixado nos estatutos é bastante para o
objeto da emprêsa; se está convenientemente garantida a
sua realização e se as épocas marcadas para as entradas
estão combinadas de modo que a caixa social se ache sufi-
cientemente provida para acudir às suas obrigações;
4. 0 se os estatutos da sociedade ou as bases sôbre as
quais se funda o pedido de autorização, estão de acôrdo com
a legislação das sociedade anônimas e se são convenientes e
razoáveis (2) .
5.0 se o regímen administrativo da sociedade oferece as
garantias morais indispensáveis para o crédito da emprêsa
e segurança dos interêsses dos acionistas e ao público;
6. 0 se as disposições relativas à prestação de contas,
divisão dos lucros, formação do fundo de reserva, e aos direi-
tos e interêsses dos acionistas e em geral as suas operações,
são suficientes para inspirar confiança aos interessados e ao
público (3).
(1) Decreto n. 434, art. 58; decreto n. 2.711, de 19 de dezembro de 1860,
art. 4. 0 • É mais prático e oferece mais autenticidade, apresentar os estatutos
assinados pelos fundadores e subscritores.
(2) Devendo a sociedade ficar sujeita à legislação das sociedades anôni-
mas, a autorização não pode ser dada quando as bases ou os estatutos a con-
travêm (decreto n. 434, art. 50).
(3) Decreto n. 434, art. 52; decreto n. 8.821, art. 132, § 1.º; decreto
n. 2.711, de 19 de dezembro de 1860, art. 9. 0 •
30~ J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Parece que a aprovação oficial, depois de tão exigentes


e rigorosos requi~itos, seria o atestado mais pronunciado da
legalidade e do êxito da sociedade anônima.
Puro engano! Tôdas essas formalidades e pesquisas são
procedidas por funcionários leigos em direito, uns incompe-
tentes e outros ineptos guindados pela proteção a pôsto su-
perior na secretaria do ministério.
Eis o maior e mais pronunciado motivo pelo qual se con-
denam hoje essas autorizações, que nenhuma vantagem tra-
zem aos acionistas, aos terceiros e à República.

900. A autorização e a aprovação dos estatutos são


concedidas mediante d~creto do Govêrno Federal, expedido
com a assinatura do Presidente da República e do Minis-
tro (1).
No Diário Oficial serão publicados êsse decreto e os atos
em que se baseia.
A publicação corre por conta dos interessados, e para
evitar a demora ou omissão do pagamento dessa publicação,
determinou o Ministro da Fazenda que, se dentro de quinze
dias da data do reconhecimento dos originais não fôr satis-
feito, o Diretor da Imprensa Nacional fará inserir o ato no
Diário Oficial e notificará o interessado para o pagamento
do cmto da publicação dentro do prazo de quinze dias, con-
tados da data do recebimento da notificação. Na falta de
pagamento neste prazo, será extraída certidão da dívida para
a cobrança executiva (2).
--···-~-. -~ -- -~ - _.._ __ v--,......, ___ ,,,_ --·~-:-;:- ... _...... -.·-:~;~~·;~:·,-:':.'í:'~\1

901. A vista do decreto, que der a autorização e apro~,


var os estatutos tal como se requereu, ou com alterações ou
aditamentos aceitos pelos interessados, passa-se a carta de
autorizaç&:_ ou aprovaçã,o ou conjuntamente de autorização
e aprovaçao dos estatutos se a sociedade já estava consti-
tuída (3).
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 303

902. Uma vez expedida a carta de autorização e apro-


vação dos estatutos, cessa tôda e qualquer intervenção do
govêrno em relação à sociedade (1).

903. Uma cópia autêntica da carta de autorização será


arquivada na Junta Comercial e publicada com os estatutos.
da sociedade no Diário Oficial (2).

904. Na prorrogação do prazo da sociedade, bem como


em quaisquer alterações dos estatutos, se observarão tôdas as
regras acima expostas (3).

905. Quanto às condições para o funcionamento das


companhias nacionais de seguros em geral, forma do pedido
da autorização governamental e explicação da carta patente,
vejam-se os arts. 12 a 21 do decreto n. 5.072, de 12 de dezem-
bro de 1903 (**).

906. Direito Fiscal. As cartas de autorização das socie-


dades anônimas e aprovação dos seus estatutos pagam os
seguintes impostos de sêlo de verba: bancos e companhias
de seguros, 165$000; bancos de crédito real e de socorro e de
piedade, caixas econômicas e as sociedades que tivErem por
objeto o comércio ou fornecimento de gêneros ou substân-
cias alimentares, 99$000.
Dando-se a autorização em ato distinto do da aprovação
dos estatutos, cobrar-se-á de cada um dêsses atos metade
dêsse sêlo (4) .

(1) Decreto n. 434, art. 61; decreto n. 8.821, art. 132, § 3. 0 (*).
(2) Decreto n. 434, art. 62; decreto n. 8.821, art. 134, § 4. 0 •
(3) Decreto n. 434, art. 63; decreto n. 8.821, art. 132, § 5. 0 (*"'*).
( 4) Decreto n. 3 .564, de 22 de janeiro de 1900, tabela B, 1, § 4. 0 ,
n. 28 (**"'*).
(*) De maneira diversa dispõe o art. 73 do decreto-lei n. 2.627, de 26
de outubro de 1940.
(**) Decreto-lei n. 2.063, de 7 de março de 1940, arts. 34 e seguintes.
(*0 ) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 69.
(**""") Para o direito fiscal vigente veja-se o decreto-lei n. 4.655, de
3 de setembro de 1942, novamente publicado consolidando as alternrÕP<> -~­
teriores pelo decreto n. 43.392, de 9-3-1951 ,, ... n1
30'.! J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Parece que a aprovação oficial, depois de tão exigentes


e rigorosos requi~itos, seria o atestado mais pronunciado da
legalidade e do êxito da sociedade anônima.
Puro engano! Tôdas essas formalidades e pesquisas são
procedidas por funcionários leig·os em direito, uns incompe-
tentes e outros ineptos guindados pela proteção a pôsto su-
perior na secretaria do ministério.
Eis o maior e mais pronunciado motivo pelo qual se con-
denam hoje essas autorizações, que nenhuma vantagem tra-
zem aos acionistas, aos terceiros e à República.

900. A autorização e a aprovação dos estatutos são


concedidas mediante decreto do Govêrno Federal, expedido
com a assinatura do Presidente da República e do Minis-
tro (1).
No Diário Oficial serão publicados êsse decreto e os atos
em que se baseia.
A publicação corre por conta dos interessados, e para
evitar a demora ou omissão do pagamento dessa publicação,
determinou o Ministro da Fazenda que, se dentro de quinze
dias da data do reconhecimento dos originais não fôr satis-
feito, o Diretor da Imprensa Nacional fará inserir o ato no
Diário Oficial e notificará o interessado para o pagamento
do cmto da publicação dentro do prazo de quinze dias, con-
tados da data do recebimento da notificação. Na falta de
pagamento neste prazo, será extraída certidão da dívida para
a cobrança executiva (2).
·--•-_J ~- -- ~-·_,..,,, __ U"'----..r-•.- ---~'"'7 .. .._.,-,'.:."'.':':'~·.:::.~:;.6:.1~~1

901. A vista do decreto, que der a autorização e apro-


var os estatutos tal como se requereu, ou com alterações ou
aditamentos aceitos pelos interessados, passa-se a carta de
autorizaç~ ou aprovação ou conjuntamente de autorização
e ~provaçao dos estatutos se a sociedade já estava consti-
tu1da (3).

( 1) Dec. n. 434, art. 59; lei n. 23, de 30 de outubro de 1891 o •


(2) Diário Oficial de 5 de setembro de 191l ' art. 9. ( ).
~!~ Dec. º·. 434, art. 59; dec. n. 2.711, de 1B60, art. 11.
Dec.-le1 n. 2.627, de 26 de setembro de 1940 art 61 § 3 o
• · , . , e art. 65.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 303

902 .Uma vez expedida a carta de autorização e apro-


vação dos estatutos, cessa tôda e qualquer intervenção do
govêrno em relação à sociedade (1).

903. Uma cópia autêntica da carta de autorização será


arquivada na Junta Comercial e publicada com os estatutos.
da sociedade no Diário Oficial (2).

904. Na prorrogação do prazo da sociedade, bem como


em quaisquer alterações dos estatutos, se observarão tôdas as
regras acima expostas (3).

905. Quanto às condições para o funcionamento das


companhias nacionais de seguros em geral, f arma do pedido
da autorização governamental e explicação da carta patente,
vejam-se os arts. 12 a 21 do decreto n. 5.072, de 12 de dezem-
bro de 1903 (**).

906. Direito Fiscal. As cartas de autorização das socie-


dades anônimas e aprovação dos seus estatutos pagam os
seguintes impostos de sêlo de verba: bancos e companhias
de seguros, 165$000; bancos de crédito real e de socorro e de
piedade, caixas econômicas e as sociedades que tivErem por
objeto o comércio ou fornecimento de gêneros ou substân-
cias alimentares, 99$000.
Dando-se a autorização em ato distinto do da aprovação
dos estatutos, cobrar-se-á de cada um dêsses atos metade
dêsse sêlo (4) .

(I) Decreto n. 434, art. 61; decreto n. 8.821, art. 132, § 3.º (*).
(2) Decreto n. 434, art. 62; decreto n. 8.821, art. 134, § 4. 0 •
{3) Decreto n. 434, art. 63; decreto n. 8.821, art. 132, § 5. 0 (***).
(4) Decreto n. 3.564, de 22 de janeiro de 1900, tabela B, I, § 4.º,
n. 28 (*"'**).
.J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Os títulos de aprovação das alterações que se façam nos


estatutos pagam o sêlo de verba na importância de 37$400 (1).

Quando o sêlo não fôr pago até 15 dias depois da data


-do ato, o tesoureiro remeterá os papéis à repartição arreca-
dadora competente, que notificará o interessado para o de-
vido pagam2nto dentro de 15 dias da data em que receber
.a notificação. Findo êsse prazo, quer tenha sido pago quer
não, os papéis serão devolvidos ao Tesouro, e dada a segun-
da hipótese, extrair-se-á certidão da dívida para cobrança
~executiva (2).

CAPfTULO II

Da constituição das sociedades anônimas

Sumário: - 907. Requisitos essenciais para a constituição das


sociedades anônimas. - 908. Razão de ordem.

907. A constituição das sociedades anônimas, diversa-


mente da organização das sociedades com outras formas, é
rodeada de exigências legais, sob pena de nulidade e respon-
sabilidade civil e penal dos fundadores, com o fim de ofere-
·Cer aos subscritores e credores as garantias de seriedade,
êxito e honestidade da emprêsa (n. 875 supra). Essas regras
legais constituem, na frase de PIC, um modo, por assim dizer
automático, de proteção (3).

Para que essas sociedades se constituam legalmente e


possam legalmente funcionar, a lei exige:

(1) Decreto n. 3.~6~, tabela B, I, § 4.º, n. 29 ( "').


(2) Ordem do Mm1stro da Fazenda ao diretor geral chefe do gab" t
no Diário Oficial de 5 de setembro de 1911, pág. 11.164. me e,
(3) Des sociétés commerciales, vol. 2. º, n. 823.
(*) Decreto n. 32.392, de 9-3-1953, art. 3.º Tab.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 305

l.º um ou mais fundadores ou incorporadores (1);


2.º o concurso de sete sécios, pelo menos (2);
3.ºo estabelecimento das normas pelas quais ela3 se
têm de reger (estatuto) (3);
4.º a fixação do capital de fundação e a sua subscri-
ção integral (4);
5.º o d2pósito da décima parte em dinheiro do capital
subscrito (5);
6.º a escritura pública ou a deliberação da assembléia
geral dos subscritores (6);
7.º a avaliação das coisas, bens ou direitos com os
quais os subscritores realizem as suas ações (7);
8.º o registo e a publicidade (8).

908. Cada um dêsses requisitos constituirá o objeto de


oito seçõES dêste capítulo, tratando-se, na seção IX, das nuli-
dades da constituição das sociedades anônimas, em virtude
da infração da lei e dos efeitos dessa nulidade.

( 1) Decreto n. 434, arts. 5. 0 , 6. 0 , n. l, 7. 0 , §§ 1. 0 , 8. 0 , 10, 12, 20, 53, 73,


§§ 18, 86, 200, n. l, et passim (*).
(2) Decreto n. 434, arts. 1.º e 70 (**).
(3) Decreto n. 434, arts. 7. 0 , 14, §§ I. 0 , 17, §§ 2. 0 , 50, 51, 52, n. 4, 74,
75, 79, n. 1, 80 et passim ("'**).
( 4) Decreto n. 434, art. 65 ( *"' *"').
(5) Decreto n. 434, arts. 65, 66, 67, 68 e 69 (*****).
(6) Decreto n. 434, arts. 71, 72, 74, 75 e 76 (*****"').
(7) Decreto n. 434, arts. 17, 3 e 77 (*****"'*).
(8) Decreto n. 434, arts. 79 e 80 (****'~*""").
{*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 40, 1.
(**) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 38, 1. 0 e art. 137, d.
(***) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 40, I; art. 45, § 3. 0 , b.
(*"'U) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 38, 1. 0.
(*****) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 38, 3. 0 •
( .. ****) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 45.
(**"' .. **) Cit. decreto-lei n. 2.657, art. 5. 0 •
( ** • ** ** •) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 50.
20
306 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

SEÇÃO I

Dos fundadores ou incorporadores das sociedades anônimas

Sumário: - 909. Quais são C'S fundadores ou incorporado-


res. - 910. Associação dos fundadores. - 91<.
Caráter jurídico do:; fundadores. - 912. Seus po.ie-
res. - 913. Continuação. - 914. V:mtagens a fun-
dadores e a terceiros. - 915. Partes benificiárias ou
ae fundador. - 916. Re:;ponsabilidade dos ;un:ia-
corcs. - 917. Continuação. - 918. Continuação.
- 919. Entre::a dos bens e documentos aos admi-
mstradorc>. - 920. Despc_as com a constituição da
sociedade. - 921. Direito Fiscal. - 922. Continuaçã.l.

909. A iniciativa da constituição àa scciedade anon1ma


parte de pessoas que idéiam a emprêsa e, para realizá-la, se
associam preparatória ou preLminarment2. De ordinário, são
homens de negócio que, no próprio interêsse, para emprêgo
de capital, para lucrativa alienação de bens ou para explo-
ração da indústria que exercem, se propfüm a organizar a
sociedade.

Essas pernoas chamam-se fundadores ou incorporado-


res (1). Fundar quer dizer levantar um edifício desde os ali-

( l) Decreto n. 434, arts. 5. 0 e 6. 0 , n. 1, 8.0 , 10, 12, 75, 86, 88, 89, 200,
n. l, et passim; lei n. 3.150, art. 5. 0 ; decreto n. 8.821, arts. 28, 37 e 38; decreto
n. 164, de 1890, art. 5. 0 ; decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891, arts. l..º,
n. l, 3.0 , n. 2, 7. 0 e 9. 0 (* ).
GUILLERY, Des sociétés commerciales, vol. 2.º, n. 552: "Les fondateurs
sont ceux qui organisent la société, qui en ont eu tout d'abord, ou en ont
accepté l'idte, qui ont réglé les principales dispositions des statuts et lancé les
souscriptions".
ARTHUYS, Traité des sociétés commerciales, vol. 1. 0 , nota 1 ao n. 319:
"Les fonC.::.iteurs sont ceux qui prennent l'initiative de la formation de la société
et président aux actes nécessaires à sa constitution".
CÉLLERIER, Étude sur les sociétés anonymes, n. 198: "Le rôle du fon-
dateur consiste à établir la charte sociale, à reunir les concours nécéssaires, à
recueillir les souscriptions, et, cela fait, à constituer la société".
O Cód. Com. alemão, no art. 187, considera fundadores, também, os que
redigiram os estatutos ou que conferiram bens não consistentes em dinheiro.
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 40, I.
TTIATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 307

cerces. Incorporar significa dar forma corpórea. Essas pes-


soas fundam a sociedade, estabelecendo as bases da sua exis-
tência e dando-lhe a forma jurídica; ao mesmo tempo, assu-
mem perante a público a responsabilidade da sua consti-
tuição.
Fundadons não são os que subscrevem inicialmente as
ações ou aderem aos estatutos, conquanto, no sentido vul-
gar, assim se denominam por terem concorrido para o ato
ccnstitucional da sociedade. Os subscritores não assumem a
responsabilidade legal dos fundadores. :Êstes podem não subs-
crev~r ações, não ser acionistas, consi~tindo todo o trabalho
em lançar a sua idéia em público e promover os meios de
realizá-la.
A Câmara Cível da Côrte de Apelação, em acórdão de
21 de maio de 1890, definiu os fundadores ou incorporadores
das sociedade anônimas diz2ndo: "são aquêles que idéiam a
sua constituição, redigem os estatutos e, nessa qualidade de
incorporadores, se apresentam ao público, assinam e publi-
cam cs prospectas, abrem a subscrição, depositam os do-
cumentos necessários, rec~bem as primeiras entradas dos
subscritores, convocam a assembléia geral, praticam todos os
demais atos preliminares e constitutivos da sociedade, hon-
rando a respomabilidade dela" (1).
Não se confundam os fundadores, cuja noção deixamos
claramente exposta, com os terceiros, que prestam serviços
à constituição da sociedade. O decreto n. 434, de 4 de julho
de 1891, art. 20, distingue perfeitamente uns e outros, e o
acórdão acima mencionado declara que "a l~i reconhece que
tais serv:ços podem ser importantes e autoriza a sua remu-
neração a par da r2muneração devida aos incorporadores".

O Cód. Com. italiano chama promotores os nossos fundadores ou incorpo-


radores, reservando-se êste último 4ualificativo aos acionis:as originários da
sociedade (VIVANTE, Trattato di diritto commerciale, 3.ª ed., vol. 2. 0 , nota 6
ao n. 417).
( 1) O acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 8 de maio de
J 906, reproduziu o acórdão de 1 1 de maio de 1890 (em O Direito, vol. 100,
págs. 255-259), e confirmou o da Câmara Comercial de 22 de novembro de
1904 (em O Direito, vol. 105, pág. 284).
SOS J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Se há subscrição pública do capital, os fundadores apre-


sentam-se direta e nominalmente ao público, assinando o
prospecto (1) .
Se não há, se se não denunciam nos atos orgâni:::os da
sociedade, é fácil reconhecê-los atendEndo-se ao que fica
exposto acima.
Não basta, portanto, participar ou cooperar mais ou me-
nos ativamente na constituição da sociedade para ser con-
siderado fundador. O tabelião que redige a escritura de cons-
tituição, os peritos que avaliam os bens com que entram os
acicnistas, o banqueiro que recebe as primeiras entradas, o
sindicato de emissão, os mandatários dos fundadores, o cor-
retor que int2rvém nas operações preliminares, não se po-
dem dizer incorporadores ou fundadores da sociedade anô-
nima (2).
910. Em regra, não é uma ~ó pessoa quem assume o
encargo de fundar a sociedade anônima, porém um grupo
de pessoas com recursos e aptidões diferentes.
~!se consórcio forma uma associaçãa, nos têrmos do art.
5. do decreto n. 434, de 4 de julho de 1391 (3), na qual cada
0

fundador confere pelo menos o seu próprio trabalho em vista


de obter a vantagem econômica resuJtante da constituição
da sociedade. Pode-se dizer societas rei unius, com o escopo de
concluir um ato jurídico de interêssP comum (4).
Muitos vêem nessa associação a sociedade em conta de
participação e outros mero sindicato. Certo é que os funda-
dores obram em nome próprio e por conta própr~a, e eis por-
que são responsáveis pelas obrigações contratadas para cons-
(1) Decreto n. 434, arts. 5.º e 8.º; decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro
de 1891, arts. l.º e 4. 0 (*).
(2) Não basta para conferir a qualidade de fundador o fato de figurar
o nome em prospectas impressos ou em atas lavradas na ausência e sem expresso
consentimento daquele a quem se atribui tal qualidade. (Acórdão do Tribunal
de Justiça de São Paulo, de 29 de março de 1895, confirmado, em embargos,
pelo de 7 de fevereiro de 1896, na Revista Mensal, vol. 3. 0 , págs. 258-259).
(3) Decreto n. 434, art. 5. 0 : "pessoas que preliminarmente se associarem
para constituí-las (as sociedades)".
(4) PRIMKER, in ENDEMANN, Manuale di diritto commerciale, trad.
ital., vol. 1.0 , pág. 589.
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 40, I.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 309

tituir a rnciedade. Se a sociedade não se constitui, êles assu-


mem todos os riscos.
A associação entre os fundadores pode, entretanto, não
se limitar aos simples atos da organização da sociedade anô-
nima.
Os fundadores muitas vêzes subscrevem logo as ações da
sociedade para mais tarde colocá-las, especulando na bôlsa
sôbre o ágio. Aí não existe somente a sociedade de fundação,
porém o sindicato de subscritores. Essas entidades são diver-
sas e sujeitas a diferente disciplina, embora se possam for-
mar no mesmo ato ou instrumento (1).

( 1 ) Os sindicatos são umoes de capitalistas ou banqueiros, constituídas


com o fim de lançar no mercado novos títulos ou de regular a oferta e procura
de certos valores ou de influir, por outros meios, na sua cotação. Essas opera-
ções são 1ícitas.
Admite-se geralmente que os sindicatos são sociedades em conta de parti-
cipação, se não revestem outra forma expressa e definida. Cada um dos inte-
ressados obra por todos, mas ostensivamente, age em nome e por conta própria .
.hsses sindicatos ficam, portanto, fora do regulamento das sociedades anô-
nimas, e não se confundem absolutamente com a associação dos fundadores.
Distinguem-se, de ordinário, três categorias de sindicatos: de emissão, de
venda, e de resistência ou de defesa.
Os sindicatos de emissão: a) subscrevem ou compram por sua conta, a
maior parte das ações ou das obrigações, umas e outras a emitir e as reven-
dem, como melhor lhes convém, por sua conta e risco; b) assumem para com
os fundadores a obrigação de subscrever tôdas as obrigações (debê11tures) ou
parte, comprometendo-se a fazer cobrir a subscrição pública e, por via subsi-
diária, subscrevendo a soma que o público não subscrever; c) obrigam-se a
ser meros comissários ou representantes, procurando subscritores das ações ou
compradores ou subscritores das obrigações. Neste último caso o sindicato não
adquire a propriedade das ações ou das obrigações.
tstes sindicatos formam-se comumente de acôrdo com os fundadores. O
art. 6. 0 do decreto n. 434, de 4 de julho de 1891, com fundamento no art. 2. 0
do decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891, refere-se a contratos entre os
fundadores e sindicatos, entretanto, aquêles podem ignorar a existência, ou
fazer parte dêstes.
Os sindicatos de venda são constituídos entre possuidores de títulos, para
vendê-los em comum nas melhores condições possíveis, promovendo a alta na
Bôlsa.
Os sindicatos de resistência ou de defesa constituem-se entre os principais
acionistas ou credores de uma sociedade, entre os mais interessados na sua sorte,
com o fim de manterem a cotação das ações ou das obrigações, que atravesseIJ'
período de crise, procurando obter a baixa já iniciada ou produzir a alta.
Muito teríamos a dizer sôbre cada um dêsses sindicatos, cuja noção aí fica
esboçada. Será objeto de outro estudo em ocasião oportuna.
Note-se que não nos referimos aqui às formas ilícitas dos sindicatos, como
os de agiotagem (não confundir com os de especulação); e os que violam dis-
posição expressa de lei.
S10 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

911. Muito discutida é a figura jurídica dos fundado-


res e não faltam teorjas para explicá-la.
Uma cons:idera os fundadores rerresentantPs ou manda-
tários da soci.edade constituenda, outra gestor::s de negócios,
ainda outra contratantes En1 favor de terceiro, a soci2dac"!e
futura, e, finalmente, outra os investe de um ofício de ordem
públi:a.
O conceito do mandato e da gestão de negócios é inad-
rni~síveJ, porque a sociE<::'.ade não tendo vida não pode ser
mandante, nem tem negócios que terceiro possa gerir.
O da estipulação a favor de terceiro não parece prático.
Se é exato que os fundadores encaminham o seu trabalho
em favor da sociedade constituenda, promovem, de ordinário,
interêsses próprios e não raras vêzes participam dos lucros
líquidos da sociedade depois de constituída. ~les cooperam
para a criação da pessoa jurídica.
Os fundadores promovem a constituição da sociedade
em seu nome e a seu risco, pois, além da incerteza do êxito
do trabalho, a assembléia geral dos subscritores pode resol-
ver, por maioria que, a sociedade não se constitua.
Os fundadores, em nosso parecer, são os promotores de
um ato jurídico, que a lei regulou e disciplinou. O escopo
que visam assinala-lhes o caráter jurídico.
912. Conquanto a lei não determinasse enumeradamen-
te as funções dos fundadores limitando-se a definir as res-
ponsabilidades, a êstes incumbem todos os atos preparatórios
da constituição da sociedade anônima, como: a redação dos
estatutos e do prospecto para a subscrição pública do capi-
tal, o recebimento e guarda da primeira entrada dos subs-
critores, dando a êstes, recibos provisórios da prestação, o
depósito prévio, a convocação da assembléia constituinte, etc.
Os fundadores têm plenos poderes para todos os atos que
dizem respeito à organização da sociedade, o que se explica e
justifica por terem de instituí-la, precisando fixar as condi-
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 311

ções da sua existência e, para êsse escopo, dotá-la com direi-


tos e obrigações ( 1) .

913. Em virtude dos poderes referidos em o n. 912


supra, é lícito aos fundadores celebrar com terceiros, com
sindi:atos ou entidades civis, contratos em benefício da so-
ciedade futura, como: a promessa de compra de coisas, direi-
tos, concessÕEs e privilégios, a subscrição de certo número de
ações, a pre~ tação de serviços, etc.
Podem êles, individualmente, prometer a venda de bens
ou a cessão de direitos à sociedade em formação.
Todos êsses contratos são condicionados à futura consti-
trtição da sociedade (2).
Organizada a sociedade tais contratos adquirem eficácia
jurídica e devem ser respeitados como se fôssem por ela cele-
brados diretamente. Por êsse motivo se exigem a menção
dêles nos prospectas da subscrição e a exibição dos respecti-
vos documentos (3).
Se não se constitui a sociedade, somente os fundadores
ficam obrigados para com terceiros nos têrmos da convenção,
porque contrataram em nome individual.

914. Os fundadores das sociedades anônimas não obram


como os fundadores de obras pias; visam certo interêsse, quer
na constituição da sociedade, para retribuição do seu traba-
lho e indenização do tempo dispendido, quer ainda na colo-
cação dos seus capitais .

(1) COSACK, Lehrbuch des flandelsrechts, 6.ª ed., § 115.


(2) Decreto o. 434, arts. 6. 0 , 7. 0 e 10; decreto n. 1.362, de 14 de feve-
reiro de 1891, arts. 2. 0 e 7. 0 ( • ) .
(3) Decreto n. 434, arts. 6. 0 e 7. 0 ; decreto n. 1.362, arts. 2. 0 e 4. 0 (**).
("') e (U) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 40, IV, e.
31~ J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
-~~~~~~~~~~~~~

Os fundadores e os terceiros, que tenham concorrido com


Eeniços para a formação da sociedade, podem perceber van-
tagens, consistentes em comissões, porcentagens, etc. (1).
Tudo que rompe a igualdade que, em princípio, deve rei-
nar entre os sócios considera-se como vantagem particular (2).
Essas vantagens deduzem-se dos lucros líquidos anuais
durante determinado prazo (a lei, aliás, não o estabelece)
ou do próprio capital da sociedade (3) (**) . No primeiro
caso, têm o caráter aleatório.
Tais vantagens, nos dois casos acima, não podem ser
percebidas sem que os subscritores das ações tenham prévio
conhecimento.
Havendo subscrição pública, o prospecto deve mencioná-

(1) Decreto n. 434, arts. 10 e 20; decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro


de t 891, art. 7. 0 ; lei n. 3.150, art. 3.º; decreto n. 8.821, art. 9. 0 , parágrafo
único: decretn n. 164. art. 3. 0 • § 3. 0 (*).
(2) J YO'J'-CA EN et RENAULT, Traité de droit commercial, vai. 2.º,
P. JJ. n. 708; NYSSENS, Avant-projet de [oi sur les sociétés commerciales,
pág. l 29.
(3) 0Pe as comissões ou porcentagens devidas aos fundadores pod~m
sair rln capital, é e'l(presso no art. 7. 0 do decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro
de 1891, renroduzido no art. 10 do decreto n. 434.
- Ant~s do decreto n. t.362, de 1891, se fundara uma sociedade anônima
e nns seus estatutos, aprovados pela assembléia constituinte, se autorfzara a res-
pectiva diretoria a pagar as despesas de incorporação. A diretoria entreg_ou
~rossa soma a um dos fundadores ou, segundo outros, auxiliar da organizaçao,
tirando-a do capital social, que acabava de ser formado.
A sociedade, mais tarde, demandou o recipiente pela restituição do que
recebera, e teve ganho de causa no acórdão de 16 de dezembro de 1892 da
Câmara Comercial, confirmado pelos acórdãos da Côrte de Apelação, de 5 de
junho e 29 de agôsto de 1893, que se encontram em O Direito, vol. 60, págs.
476-479, e vol. 62, págs. 251-252. Oferecidos embargos infringentes do julgado,
foram rejeitados por maioria no acórdão da mesma Côrte de 29 de agôsto de
1893 (em O Direito, vol. 62, págs. 504-525).
No pleito a que aludimos são dignos de nota os trabalhos do Conselheiro
CÂNDIDO DE OLIVEIRA. Nos três acórdãos aparecem votos vencidos.
Merece ser indicado o trabalho do Dr. ZEFERINO DE FARIA, na Revista
do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, vol. 13, págs. 29-33, no qual
demonstra, em face do decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891, e das leis
anteriores, cujo elemento histórico aprecia, que em favor dos fundadores ou
de terceiros que tenham concorrido com serviços para a formação da sociedade
anônima podem ser estabelecidas vantagens deduzidas do capital. O que a lei
não permite são as ações beneficiárias.
<:iDec~eto-lei n. 2.627, ~e 26 de sete!11bro de 1940, art. 40, IV, /.
( ) Ho1e as vantagens nao podem sa.tr do capital. Decreto-lei n. 2.627
de 26 de setembro de 1940, art. 31, in principio. '
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEffiO 313

las (1); não havendo, devem constar da escritura ou ata da


assembléia da constituição.
Em hipótese alguma, as vantagens aos fundadores ou a
terceiros podem ser estabelecidas pelos próprios fundadores
ou pelos administradores da sociedade, porém, somente, pela
assembléia geral dos acionistas, depois de declarada consti-
tuída a soci~dade. Quer dizer isso que, não obstante consta-
rem do prospecto da subscrição, a a:sembléia deve manifes-
tar o seu voto certo, especial, inequívoco sôbre a concessão
de tais vantagens. Essa assembléia é a própria constituição
da sociedade anônima . É assim que se devem entender e
conciliar os arts. 6. 0 , 10 e 20 do decreto n. 434, de 4 de julho
de 1891 (2) (**).
Os fundadores, se também subscritores ou acionistas,
não podem contar na qualidade de acionistas, nas delibera-
ções sôbre quaisquer vantagens estipuladas em seu favor nos
estatutos ou no contrato social (3).
A deliberação nesse sentido não pode ser revogada por
outra assembléia geral posterior. A ata autorizando o paga-
m2nto aos fundadores firma entre êstes e a sociedade um
contrato, que não mais se revoga sem o consentimento mú-
tuo dos contratantes (4).
( 1) Decreto n. 434, art. 6. 0 , n. 2; decreto n. 1.362, art. 2. 0 , n. 2 (*).
(2) Não se dando essa interpretação aos arts. 6. 0 , 10 e 20 do decreto
n. 434, é impossível conciliá-los. O art. 20 do decreto n. 434 é reprodução do
art. 3. 0 , § 3. 0 , da lei n. 3.150, do art. 9. 0 , parágrafo único, do decreto n. 8.821,
e do art. 3. 0 , § 3. 0 , do decreto n. 164.
Atenda-se a que as expressões depois de constituída a sociedade, não que-
rem dizer que a sociedade esteja em funções. A sociedade constitui-se desde o
momento em que os subscritores declaram, na escritura pública, a vontade de
formarem a sociedade ( art. 72 do decreto n. 434), ou desde o momento em
que, na assembléia de organização, os fundadores declaram a sociedade defini-
tivamente constituída ( art. 7 5, o. 3, do decreto n. 434) . Depois de constituída
é que se procedem o registo dos documentos legais e a publicação (arts. 79 e
80, do decreto n. 434) .
(3) Decreto n. 434, art. 142; lei n. 3.150, art. 15, § 10; decreto n. 8.821,
art. 72; decreto n. 164, art. 15, § 10 (***).
( 4) Acórdão da Câmara Comercial do Tribunal Cível e Criminal, de
14 de junho de 1892, em MONTENEGRO, Trabalhos judiciários, vol. 1.º, pági-
nas 5e8.
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 40, IV, e.
(,...) As partes beneficiárias podem ser criadas em qualquer tempo. _
Decreto-lei o. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 31 .
(* . . ) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, arts. 82 e 95.
314 J. X. CARVALHO DE MENDONCA

Como vantagens não podem Eer dadas ações abaixo do


valor nominal, nem ações d;; favor, que não existem em nosso
Direito. Essas vantagens também não pod:m ser de tal valor
que sacrifiquem os fins e intuitos sociais.
915. Obtendo os fundadores as vantagens de tantos
por cento sôbre os lucros líquidos da sociedade (n. 914 supra),
pode êste direito de crédito ser expresso rm títulos negociá-
veis? Por outra, é lícita a emissão de títulos sob a denomi-
nação de partes beneficiárias ou partes de fundador?
Parece-nos que sim. A l~i não proíbe e o caso compreen-
de-se na liberdade dos centra tos. ~sses títulos não são ações,
porque não representam efetivamente capital em dinheiro,
coisas, bens ou direitos (1) (*); não são frações do capital
social; não têm valor determinado. Trata-se de simples títu-
los de crédito, condicionados à verificação e à existência de
lucros líquidos das operações sociais durante certo tempo.
Os donos ou portadores dêsses títulos não têm o direito dos
acionistas, não tomam parte nas assembléias, não aprovam
contas ou balanços, não podem requerer a dissolução da so-
ciedade; são credores, gozando, durante aquêle prazo, do di-
reito a certa quota fixada pelos estatutos e reservada em
cada exercício sôbre os lucros líquidos da sociedade.
916. De grande importância é a ação dos fundadores.
A soma de poderes que reúnem em suas mãos (n. 912,
·supra) poderá dar ocasião a fraudes contra incautos e pes-
soas de boa-fé, sugando os elementos de vida da sociedade,
que nascerá depauperada e condenada fatalmente à insol-
vência.
Para defesa dos próprios acionistas e do público, a lei
.define as responsabilidades dos fundadores.
Correm sob a responsabilidade dêstes, os atos que pra-
ticam desde o dia em que concebem a idéia da sociedade até
o dia em que esta, já constituída, é registada e os seus atos

(1) Decreto n. 434, art. 19; decreto n. 8.821, art. 9. 0 •


( •) O vigente decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de I 940 admite e
.regula as partes beneficiárias, nos arts. 31-37. '
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 315

org·ânicos são pub'icados (1). E é razoável que assim seja.


Dizia expressivamente o relatório ministerial do projeto do
Códi<rn Comercial italiano: "é necessário que à lib2rdade com
que cada um pode criar projetos de sociedade e fa?:ê-los acei-
tar pelo público, corresponda a justa responsabilidade p1ra
com ::i~ pes"n!l~ cnm nu~ í nh'.'lm 0.'"lntrat::vlo".
0

917. Os fundadores são solidàriamente r2sponsáveis aos


interessados pelas perdas e danos resultantes da inobs2rvân-
c:a das prescrições legais, relativas às condições e consti-
tuição da sociedade (2), al8m da pena de multa de 200$000
a 500$000 em que incorrem (3) .
~sse preceito da responsabilidade solidária é de ordem
pública, inalterável pela convenção. Sôbre êle dizia PIRMEZ,
no célebre relatório da lei belga: "A solidariedade autor;za
a igualdade completa dos devedores, em face do credor, sem
prejudicar os recursos que aquêles possam ter entre ~i. To-
dos os fundadores são, sem distinção, responsáveis pelas obri-
gações que a lei lhes impõe, porém entre êles a responsabili-
dade pode ser distribuída desigualmente. Assim, se alguns
fundadores recebem parte maior que outros nas vantagens
que lhes são atribuídas, ou se a culpa, fundamento da repa-
ração, é imputável a um dêles, podem, conforme os princí-
pios gerais de direito, caber ações regressivas" (4).
Respondem, também, os fundadores bana fide e coletiva-
mente pelas declarações constantes dos propectos além da
responrnbilidade penal que lhes caiba (5) (n. 942, infra).
(1) Decreto n. 434, art. 86; lei n. 3.150, art. 5. 0 ; decreto n. 8.821, art. 37,
princ.; decreto n. 164, art. 5. 0 , princ. O decreto n. 434, no art. 86, refere-se
aos seus arts. 68 e 69 em vez dos arts. 79 e 80 ( *) .
(2) Decreto n. 434, art. 89; lei n. 3.150, art. 5. 0 , 2.ª alínea; decr,,to
n. 8.821, art. 38; decreto n. 164, art. 5. 0 , 2.ª alínea (**).
(3) Decreto n. 434, art. 200, n. l; lei n. 3.150, art. 26, n. I; decreto n.
164, art. 2G. n. 1 (*':'*).
O processo para a imposição desta pena acha-se regulado nos arts. 204,
205, 208, 209 e 210.
( 4) Apud NAMUR, Le Code de Commerce belge, vol. 3. 0 , S11pplément,
pág. 38.
(5) Decreto n. 434, art. 12, decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891,
art. 9. 0 ("'***) ·
("') Cit. decreto-lei n. 2.627, :irt. 49.
( *"') Decreto-lei n. 2.627, de 26 de sct~mbro c!e 1940, art. 49.
(***) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, arts. 168, n. 1 e
Código Penal, art. 168, i11 principio.
(*,,.. *) Decreto n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 49.
316 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

918. Durante a constituição da sociedade, a dizer, des-


d2 a crganização dos estatutos, até o dia do registo e publi-
cidade dos documentos sociais, os fundadores não poderão
efêtuar, em nome e por conta da sociedade, qualquer con-
trato ou operação. A sociedade não assumirá obrigação algu-
ma em virtude de tais contratos ou operações; por êl:::s res-
ponderão pessoalmente os fundadores perante terceiros (1).
Se os administradores forem nomeados na escritura de
constituição ou p2la assembléia constituinte, os atos prati-
cados em nome da sociedade, ~ubseqüentes à constituição e
anteriores ao preenchimento das formalidades do registo e
publicidade, correrão por conta dêles (2) .
Constituída a soci2dade, a assembl€ia geral pode delibe-
rar assumir a responsabilidade de todos êsses atos, contratos
e operações (3). Ela os ratifica, esposa a responsabilidade,
descarrega os fundadores ou incorporadores (vejam-se ns.
964 e 974 infra) .

919. Nomeados e empossados os primeiros administra-


dores, os funcionários devem entregar-lhes todos os bens que
pertencem ou todos os documentos que interessam à socie-
dade, exigindo recibo ou fazendo menção na ata da posse da
diretoria.

920. As desp2sas feitas pelos fundadores, com razoável


critério, no interêsse da constituição da sociEdade, sao por

(1) Decreto n. 434, arts. 85 e 86; decreto o. 164, art. 5. 0 , princ. ("').
Veja-se acórdão da Câmara Cível da Côrte de Apelação, de 29 de março
de 1894, confirmado pelos das Câmaras Reunidas, de 29 de abril de 1895 e de
8 de janeiro de 1900, na Revista de Direito, vol. 12, págs. 530-538.
(2) Decreto n. 434, art. 87; lei o. 3.150, art. 5. 0 ; decreto n. 8.821 art. 37·
decreto n. 164, art. 5. 0 , princ. ( º ). ' '
(3) Decreto n. 434, art. 88; lei n. 3.150, art. 5. 0 , 1.ª alínea· decreto
n. 8.821, art. 37, parágrafo único; decreto o. 164, art. 5. 0 , 1.ª alíne'a (*"'*).
(•) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 55, parágrafo
único.
0
Cit. decreto-lei n. 2.627 art 55 in pr1"nc1"p1"0
(•••>
( )
c·1t. decreto-lei. n. 2.627,
, art.
. 55,
, parágrafo. único.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 317

esta indenizadas, logo que se instale. Entre tais despesas,


figuram as viag2ns, consultas de advogados, salários de em-
pregados e anúncios.
Os fundadores devem prestar contas documentadas aos
administradores .
Se a sociedade não se constitui os subscritores não res-
ponden1 por contribuição alguma para com os fundadores,
porque as suas obrigações ficam sempre d2pendentss da con-
dição - se a sociedade fôr constituída, salvo se nos prospec-
tas se declarar que tais despesas correrão por conta dos subs-
critores em proporção das suas Entradas, se a sociedade não
se constituir (1) .

921. Direito Fiscal: Os fundadores e cedentes de con-


tratos celebradcs com o poder público que auferirem vanta-
gens, sob a forma d~ venda, comissão ou porcentagem, dedu-
zidas do capital, pagarão 5% do valor da venda, comissão ou
porcentagem (2).
As vantagens devidas aos fundadores ou a terceiros,
consistentes em partes dos lucros líquidos, não pagam im-
pôsto (3) .

922. O pagamento do impôsto, mencionado em o n. 921,


supra, faz-se no Tesouro Nacional, com guia dos incorpora-
dores. O registo na Junta Comercial procede-se depois de
realizado tal pagamento, que se efetua dentro de 30 dias
depois de constituída a sociedade (4) .

( 1) O Cód. Com. argentino dispõe, no art. 324, 2.ª alínea: "Si Ia socie-
dad no se constituye definitivamente, conforme ai articulo anterior, los gastos
y consecuencias de los actos practicados con ese fin por los fundadores, seráa
de su cargo esclusivo, sin recurso contra los suscritores".
(2) Decreto n. 434, art. 10; decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891,
art. 7. 0 • O art. 1O do decreto n. 434 diz renda em vez de venda ( *).
(3) Decreto n. 434, arts. 10 e 20; decreto n. 1.362, de 1891, art. 7. 0 ; lei
n. 3.150, art. 3. 0 , § 3. 0 ; decreto n. 8.821, art. 9. 0 , parágrafo único, decreto
n. 164, art. 3.0 , § 3. 0 •
(4) Decreto n. 434, art. 11; decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891,
art. 8. 0 •
( *) O decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940 não repetiu tal
disposição, certamente por ser da alçada de impôsto de renda.
318 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

SEÇÃO II

Do concurso d e sete sócios pelo menos


Sumário: - 923. O número mínimo de acionistas. - 924.
Deve ser pcrmam.:ntc êste mfn~mo.

923. A sociedade anônima pode ter tantos a2ionistas


quantos comporte o número das ações, em que é dividido o
seu cap.tal. O número de açõ.:s é o número máximo de acio-
nisias.
A lei exige, porém, cerno substancial, que as sociedades
tenham inicialmente sete sócios pelo menos (1), pessoas na-
turais ou jurídicas .
A exigência de sete acionistas (não de sete fundadores)
é derrogação ao direito comum, porque a lei não limita o
número mínimo das pesEcas que devem compor as socieda-
des civis ou comerciais.
Justifica-se o preceito legal, dizendo que a sociedade anô-
nima precisa pessoal para a administração, o conselho f.lscal
e as assembléias, e aquêle (sete) é o número mínimo (2); que
a sociedade anônima, ainda, por êsse meio se d2ve distinguir
das scciedades em que prepondera o elemento pessoal (3) ·
(1) Decreto n. 434, art. 1.º; lei n. 3.150, art. 3. 0 , princ.; decreto n. 8.821,
art. 1. 0 ; decreto n. 164, art. 3. 0 , princ., 2.ª alínea (*). . . ,
(2) No domínio da legish~ção de 1860, na qual não se eXJg1a numero
mínimo de acionistas, o Govêrno Imperial, conformando-se com o parecer da
consulta nos Negócios do Império do Conselho do Estado de 4 de abril de 18~ 5,
negou à Compan;1ia Mirim a aprovacão dos Estatutos e a licença para funcio-
nar, dizendo: "Embora a citada legislação não fixasse o número de acionistas
com que devem organizar-se e funcionar as companhias ou sociedades an3ni-
n:ias, aepreende-se ao complexo de suas disposições e principalmente da neces-
~1dade, ae serer:i fiscalizados os atos da gerencia pelas assembléias gerais, que
este numero nao deve ser tal que, eliminados os acionistas seus adminitrados
os quais não podem julgar dos próprios atos, torne impossível a reunião das
mesmas assembléias" (em O Direito, vol. 9.º, pág. 184).
. ~3) BI~G, La soc~été anonyme en droit italien, pág. 76, pondera que a
f1~aç~o do numero mímmo de acionistas é ilusório; não faltam amigos de
acionistas que se prestem ao obséquio de figurar de sócios.
-:-- .º C:ód. Com. argentino exige dez associados pelo menos ( art. 318, n. 1) ·
as leis mglesa, francesa de 1867 (art. 23) e belga de 1873 (art. 29) sete; ~
(•) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940 arts 38 0
l
137, d. • · • · e
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 319
-------

As comissões reunidas de Fazenda e Justiça da Câmara


dos D::putados, no parecer de 28 de fevereiro de 1879, mani-
festaram-se nestes têrmos: ":Êste número dev2 ter um mínimo
legal e as legislações modernas o têm fixado em sete . E não
pareça i:so coisa pouco intsressant2, porquanto, impedindo
que se organizem sociedades anônimas com um número qual-
quer de associados, a lei procura ·evitar que, com o fim de
subtrair-se à solidariedade que constitui o direjto ccmum
nas soci::dades com2rciais, alguns indivíduos se reúnam em
rnciedade anônima" ( 1) .

924. O número mínimo de sete acionistas deve existir


permanentemente. Se baixa a menos de sete, a sociedade
entende-se dissolvida, se dentro de seis mes::s êsse número
não fôr preenchido (2).
Se, por ventura, a sociedade, com o número reduzido de
fócios, continua a funcionar, os administradores e acionistas
tornam-se solidàriamente responsáveis pelas obrigações so-
c!ais se, dentro daquele prazo, não fôr preenchido o número
legal (3).

Cód. Com. português ( art. 162, n. 1) dez. O Cód. Com. alemão de 1897 ( art.
182) manda que o ato social seja assinado por cinco sucscritores ao menos:
em outros têrmos, que haja pelo menos cinco fundadores, a fim de responderem
para com terceiros pelos atos da organização.
Os Códigos italiano, húngaro e espanhol não fixam número. VIDARI os
aplaude (Corso di diritto commerciale, vol. 2.º, 5.ª ed., n. 1.135).
O Código Federal Suíço das Obrigações não é expresso. Da combina-;ão
de seus artigos resulta, porém, serem indispensáveis seis pessoas pelo menos
(ROSSEL, Manuel de droit fédéral des o.'Jligations, n. 805).
( 1) Com êsse fundamento PIRMEZ justificou, no seu relatório, o número
de sete acionistas, exigido no projeto convertido na lei belga de 1873, e man-
tido nas leis de 22 de maio de 1886 e de 25 de maio de 1913.
NYSSENS, no A vant projet de !oi sur les sociétés commerciales du Grand-
Duché de Luxembourg, diz não compreender o alcance do argumento de PIR-
MEZ e que somente par routine et sans discussion se: tem admitido o número
de sete (pág. 112).
(2) Decreto n. 434, arts. 1. 0 , 148, n. 6, e 151; lei n. 3.150, art. J7, n. 5;
decreto n. 8.821, arts. 1. 0 , 77, n. 6, e 80; decreto n. 164, art. 17, n. 5 (*).
(3) Decreto n. 434, art. 151, § 2. 0 ; lei n. 3.150, art. 17, n. 5, 2.ª alínea;
decreto n. 8.821, art. 80, § 2. 0 ; decreto n. 164, art. 17, n. 5, 2.ª alínea (**).
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 13 7, d (até à
seguinte assembléia geral) .
( • •) A responsabilidade é dos diretores. - Decreto-lei n. 2.627, de 26
de setembro de 1940, art. 122.
320 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

SEÇAO III
Dos estatutos
Sumário: - 925. Definlç5o de estatutos. - 926. Quem <'!
formula e a dificuldade da claboraç5o. - 927. Que
devem conter. - 928. A sua assinatura. - 929. n
seu depósito no caso de subscrição pública e a sua
apresentação à assembléia constituinte e intangibili-
dade. - 930. Seu arquivo e publicidade. - 931. Mo-
dificação ou alteração dos estatutos.

925. A carta que rege a sociedade anônima e da qual


não se pode esta afastar, em outros têrmos, as bases, cláusu-
las e condiçõe~ do respectivo contrato são formuladas em
uma peça ou documento denominado estatutos. Êstes for-
mam a lei fundamental reguladora da atividade social; são
a primeira e a mais solene manifestação da rnciedade. Po-
dem, também, constar do próprio pacto social, se a sociedade
anônima se constitui per escritura pública (1) . Em um e
outro caso os estatutos antecedem cronológicamente à cons-
tituição da sociedade.
926. Aos fundadores cabe formular e apresentar os
estatutos (n. 912 supra) . A sua elaboração não é fácil (2);
deve ser estudada com cuidado e confiada a competentes,
práticos na lei e nos negócios.
Os estatutos, desde que aprovados, são contratos que
representam o prolongamento da lei, dentro das regras e
limites por ela estabelecidos, visando assegurar a facilidade
de movimento da sociedade e a sua aplicação proveitosa ao
objeto da exploração.
Nêles pode-se estipular, portanto, tudo aquilo que não
ofenda os princípios fundamentais do instituto nas suas rela-

(1) Decreto n. 434, arts. 14, §§ t. 0 , 17, §§ 2. 0 , 19, 79, n. 1, 80, 84; "esta-
tutos ou contrato social"; art. 72: "as cláusulas ou estatutos por que ela se há de
reger" ( • ).
As sociedades de grande importância podem organizar também o seu regu-
lamento interno, que se não confunde com os estatutos.
(2) A elaboração dos estatutos é amvre comp/iquée et délicate, na frase
~e FLOUCAUD _P~1'.'1~.RDILLE, L~s sociétés par actions, vol. 1, pág. 161; é
ch?se grave et d1/f1c1/e , na expressao de MARIA, Des modification du capital
social, pág. 1.
(•) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 45, § 3.º, b.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 321

ções com os credores e com os a:::ionistas, nem à ordem pú-


blica, prevah:cendo, na omissão das ~uas cláusulas, os pre-
ceitos legais.

A lei não enfrentou o problema como devia; delxou-o


entregue à doutrina e à decisão dos tribunais. Por que não
declarou claramente quais as suas disposições que podiam
s::r modificadas ou alteradas pela convenção?

927. Os estatutos, que são os alicerces da futura so:::ie-


dade e, depois de celebrado o ato constitutivo, servem de lei
convencional dos acionistas e representam garantia d2 ter-
ceiros, que os conhecem pela publicação, devem conter dis-
posições relativas a todos os pontos importantes da organi-
zação da sociedade .

Nos estatutos declaram-se, especialmente, a denomina-


ção (1), o objeto (2), a sede (3), o prazo de duração (4), a
importância do capital da sociedade (5), e o valor de cada
uma das ações em que êste se divide e das frações em que
·estas se subdividem (6). Nêles, organiza-se a administração,
estabelecendo o número, o modo, as condições da nomeação
dos administradores, os vencimentos, o prazo da sua gestão,
a sua destituição e substituição (7), definem-se os seus po-

(1) Decreto n. 434, art. 14, § l.º; decreto n. 8.821, art. 6. 0 , § 1. 0 (*).
(2) Vejam-se ns. 527 e 885 supra.
(3) Vejam-se ns. 625 e 892 supra.
(4) Decreto n. 434, art. 148, n. 5; lei n. 3.150, art. 17; decreto n. 8.821,
art. 77, n. 5; decreto n. 164, art. 17 (**).
(5) Decreto n. 434, art. 19; decreto n. 8.821, art. 9. 0 ; lei n. 177-A, de
15 de setembro de 1893, art. l.º, § 3. 0 (***).
(6) Decreto n. 434, art. 18; lei n. 3.150, art. 7. 0 ; decreto n. 8.821, art.
8. ; decreto n. 164, art. 7. 0 (****).
0

(7) Decreto n. 434, art. 100; lei n. 3.150, art. 10; decreto n. 8.821, art
44; decreto n. 164, art. 10, 1. ª parte ( * * ** *).
( *) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 40, II.
(oeo*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 40, II.
(***) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 40, II.
('~***) O vigente decreto-lei n. 2.627 não cogita de frações, mas a
ação pode pertencer a mais de uma pessoa (art. 79).
( U***) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 116, § 1.º.

21
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
-------
deres (1), fixa-se a caução qu2 devem prestar (2), regulam-se
a forma da convocação das assembléias gerais e a ordem a
guardar (3), as condições para o exercício do direito de voto
aos acionistas, isto é, o número mínimo de ações, necessário
para os acionistas serem admitidos a votar, o número de
votes que compete a cada um em razão do número de ações
que possuir (4), o modo da liquidação (5) e da repartição
dos dividendos, a instituição de fundos de rese1 va l6), etc.
928. Os estatutos d~vem ser assinados por todos os
subscritores (7) .
A assinatura importa adesão às cláusulas dos estatutos,
e não pode ser acompanhada de declaração contendo cúnai-
ções ou modificações nos seus dispositivos. Podem os esta-
tutos ser a~s.nados por procurador com poderes especiais.
929. No caso de subscrição pública, os estatutos são
deposir.ados com o prospec~o no escnwrio dos tundadores du-
rante cito dias (8) (n. 943 infra), e à assembléia con!ti-
tuinte da sociedade devem êstes apresentá-los devidamente
assinados (9) .
(1) Decreto n. 434, arts. 101, 102, 103, et passim; lei n. 3.150, art. 10,
§ l.º, n. 2, et passim; decreto n. 8.IS2.l, arts. 45, 46, et passim (*).
(.l) Decreto n. 4J4, art. 105; Je1 n. J.o\J, art . .tu, ~ J.º; uecreto n. 8.821,
art. 41; decreto n. 164, art. 10, !i J. 0 ( "'* ).
(3) Decreto n. 44J, ares. 13~, 141, 143 et passim; lei n. 3.150, art. 15,
§§ 6. 0 , 7. 0 et passim; aecreto n. IS.o.21, arts. 71, í3 et passim; decreto n 164,
arts. 15, §§ 6. 0 , 7. 0 e !/.º l • "'"' ).
(4) Decreto n. 4J4, art. 141; lei n. 3.150, art. 15, § 6. 0 ; decreto n. 8.821,
art. 71; decreto n. 164, art. 15, § 6. 0 (*•**).
(5) lJecreto n. 4J4, ans. 15/ e 160; uec. n. 8.821, arts. 86 e 89 ('"**º).
(bJ 1.Jecreto n. 4J4, art. !lo; uecreio n. IS.ó.21, art. 4L. ( "'•••r;.• ).
(1) .LiecreLo n. 4..>4, ares. ll. 0 , 14 e 75; oecreLo n. 1.J6L., art. 4. 0 , decreto
n. 8.lS.d, ares. L7 e 2lS, § 2.0 ( ** .. **** ).
(o) Uecreto n. 4..>4, art. -1. 0 , § 1. 0 ; aec. n. 1.362, art. 3.º, n. 1 ( ••••••**).
(~) l.Jecreto n. 4_,4, arts. !1. 0 , 74 e 75; uecreto n. 1.36.L, art. 5.º; decreto
n. 8.ll.d, ans . .L.I e 26, 9 L.O.
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 116, § l.º, e.
( • •) <....1t. oecreto lei n. 2.62.7, art. 116, § 1. o, d.
( .. •) Cit. decreto-lei n. 2.62'7, art. 86, 88 e 89.
( • .. •) Cit. oecreto-1ei n. 2.627, art. ISO.
( .... •) Cit. oecreto-1ei n. 2..627, art. 139.
(******) Cit. oecreto-iei n. 2.62.7, art. 130, §§ I.º, 2.º e 3.º.
( ****: • •) . (Juanoo a socieciaae se constitui por subscrição pública, os
estatutos sao assmauos apenas pelos fundadores. - Decreto-lei n. 2. 627, de
26 de setembro de 1940, art. 40, 1.
c•••u• ••) CiL decreto-lei n. 2.627, art. 41.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 323

A maioria dessa assembléia não tEm poderes para modi-


ficar, alterar cu derrogar as suas cláusulas (1). (Veja-se nú-
mero 973 infra).
930. Os estatutos são arquivados com os outros do-
cumentos, que a lei exige, na Junta Comercial e publicados
pela imprensa (2).
931. Os estatutos, uma vez aprovados, constituem a lei
da sociedade, e se impõem às próprias assembléias gerais.
Não têm validade os atos da administração ou as delibera-
ções das assembléias violando cláusulas estatutárias (3).
Os acionistas têm, é certo, a faculdade de, em qualquer
tempo, modificar ou alterar os estatutos, satisfazendo des-
tarte as necessidades da vida social e atendendo aos seus inte-
rêsses (4), porém, mediante solenidades legais (5) e com res-
trições, sendo a principal a proibição de mudarem ou tram-
formarem o objeto essencial da sociedade (ve~a-se n. 886
supra).
As principais modificaç5es dos estatutos versam sôbre o
aumento ou redução do capital, a prorrogação do prazo de
duração e a dissolução antecipada, de cujos assuntos trata-
remos especialmente.
( 1) Decreto n. 434, art. 75, § 2. 0 ; decreto n. 8.821, art. 28, § 2. 0 (•).
(2) Decreto n. 434, arts. 8. 0 , 79, n. 1 e 80; decreto n. 1.362, art. 4. 0 ; lei
n. 3.150, art. 3. 0 , §§ 4. 0 e 5. 0 ; decreto n. 8.821, arts. 32 e 33; decreto n. 164,
art. 3. 0 , §§ 4. 0 e 5. 0 (**).
(3) Decreto n. 434, arts. 109, n. 3, 11 O e 146; lei n. 3.150, art. 11; dec.
n. 8.821, arts. 5 e 75; decreto n. 164, art. 11 (º*).
(4) Decreto n. 434, art. 128; decreto n. 8.821, art. 63 ( .... ).
(5) Decreto n. 434, art. 131; lei n. 3.150, art. 15, § 4. 0 ; decreto n. 8.821,
art. 65; decreto n. 164, art. 15, § 4. 0 ( . . u•).
A modificação dos estatutos pela assembléia geral é um dos aspectos mais
interessantes da luta entre a idéia de contrato e a de pessoa moral. Se se
considera a sociedade simples contrato, êste não se pode modificar sem o acôrdo
de todos que o formaram. Se se admite, também, a pessoa iurídica, superposta
aos acionistas, essa pessoa tem a faculdade de se mover por si própria e de
fazer, na organização da sua indústria, as modificações que o comerciante sin-
gular estabeleceria em sua própria casa. Consultem-se THALLER, in DAL-
LOZ, 1893, 1, pág. 108, e BOUCART, relatório da 4.ª questão do Congresso
Jurídico Internacional das Sociedades por Ações e Cooperativas, reunida em
1910, em Bruxelas, Documents publiés par MAHIEU, vol. I.0 , pág. 257.
( •) Cit. decreto-lei. 2.627, art. 44, § 3. 0 •
( • •) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 50, in principio.
(•••1 Cit. decreto-lei n. 2.627, arts. 121, U, e 156.
( • • • •) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 87.
( • .. • •) Cit. decret0-lei n. 2.627, arts. 104 e segs.
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Sôbre o processo dessa modificação diremos ao falar das


assembléias gerais extraordinárias.

SEÇÃO IV
Da subscrição integral do capital das sociedades anônimas
Sumário: - 932. A subscrição inte'.)ral do ca:::iital. - ·B \,
Principias deduzidos da fixidez e da subscrição intc·
gral do capital social. - 914. Que se entende ror
subscrição. - 935. "t1. ato de comércio. - 936. A
outorga uxória nas entradas realizadas em imóveis.
- 937. As duas formas de subscrição.

932. O capital da sociedade anônima, fixado nos esta-


tutos ou contrato social (n. 537 supra), deve ser integral-
mente subscrito. Essa subscrição completa do capital é con-
dição essencial para se constituir a sociedade (1), visto im-
portar defesa dos acionistas presentes e futuros e, ainda,
dos credores sociais, evitando-se a formação de um capital
imaginário (2) .
933. Com apoio nesses dois princípios da fixidez e da
subscrição integral do capital social, justificam-se as seguin-
tes proibições:
l.ª A divisão do capital social em séries sucessivas
subscritas cada uma por sua vez, isto é, as emissões sucessi-
vas de ações por séries (3).
2.ª A emissão das ações abaixo do par, isto é, abaixa
do valor nominal (4). Não é lícito elidir esta proibição, pro-
(1) Decreto n. 434, art. 65; lei n. 3.150, art. 3. 0 ; decreto 8.821, art. 24;
decreto n. 164, art. 3. 0 ; decreto n. 850, de 13 de outubro de 1890, art. 1. 0 ; dec.
n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891, art. 10 (*).
O Congresso Internacional das Sociedades por Ações, reunido em 1900,
em Paris, adotou a seguinte resolução: "La Ioi doit exiger la souscription inté-
grale du capital, et un versement partiel sur les actions".
(2) VIVANTE, Trattato di diritto commerciale, 3.ª ed., vol 2. 0 , n. 526;
acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 9 de novembro de 1917, na
Revista dos Tribunais, vol. 24, pág. 124.
(3) Decreto n. 434, art. 84; decreto 8.821, art. 35 (*"').
( 4) Nesse sentido são expressos os Códs. alemão (art. 184, l.ª alínea),
italiano (art. 131, penúltima alínea) e romeno (art. 182, última alínea).
Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 9 de novembro de 1917 na
Revista dos Tribunais, vol. 24, págs. 124 ( u •). '

("') Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 38 n. 1.


(.,..) e (...,"') Cit. decreto-lei o. 2.627, art. 14, § 1. 0 • '
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 325

metendo aos subscritores prêmio ou ágio por conta do ca-


pital.
3.ª A subscrição ou a integração das ações sob qual-
quer condição, restrição ou limitação, impedindo que o capi-
tal social Eeja todo subscrito ou permitindo que seja subscrito
aparentemente para não ser efetivamente realizado (1) . Isso
quer dizer que a subscrição deve ser pura e simples.
4.ª A subscrição ou a compra das ações ou de frações
dEstas pela própria sociedade (2) . Sôbre a proibição da com-
pra de ações diremos desenvolvidamente na parte relativa às
funções e poderes dos administradores.
934. Entende-se por subscrição do capital o ato me-
diante o qual alguém se obriga a entrar para o capital da
rnc:edade, nas condições estipuladas nos estatutos ou no con-
trato social, com dinheiro, bens ou direitos, a fim de adquirir
a qualidade de acionista (3).
Por meio da subscrição, ato preliminar e necessário à
constituição da sociedade, a pessoa não sàmente se empenha
em adquirir mais ou menos ações (4), como manifesta a von-
tade de formar a rncie-dade. Ela importa adesão implícita
aos estatutos e, conseguintemente, a aceitação de todos os
direitos e obrigações que de acôrdo com êstes estatutos e a
lei cabem aos acionistas (5).

No caso de aumento do capital, depois de a sociedade estar constituída, a


emissão das ações pode ser acima do par, como se dirá no capítulo III.
( 1) Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1903, art. 53. Seria nula, por
exemplo, a cláusula que reservasse ao subscritor a faculdade de libertar-se do
pagamento perdendo as entradas já realizadas ( •).
(2) Decreto n. 434, art. 49; lei n. 3.150, art. 31; decreto n. 8.281, art.
20; decreto n. 164, art. 31 ( *"').
(3) Na linguagem comum dá-se à subscrição o nome de emissão, mas a
verdade é que, no sentido técnico legal, a emissão consiste na distribuição dos
títulos-ações aos subscritores, conseguintemente depois da subscrição.
( 4) Uma só ação não pode ser subscrita por muitas pessoas, porque a
ação é indivisível e somente tem um titular.
( 5) Sentença do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de maio de 1876;
"pelo fato da subscrição das ações contraem-se direitos e obrigações que não
podem ser rescindidos pela vontade de u~ das partes". (CÂNDIDO MEN-
DES, Arestas do Supremo Tribunal de Justiça, pág. 824; TEIXEIRA DE FREI-
TAS, Aditamentos ao Código do Comércio, págs. 656 e 657).
( *) Decreto-lei n. 7 .661, de 21-6-1945, art. 50.
( "'*) Decreto-lei n. 2.627, de 26-9-1940, art. 15.
326 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Os dir2itos e obrigações dos subscritores não são, porém,


definitivos e nem se equiparam aos dos acionistas. Assim:
aquêles estão proibidos de negociar o direito que adquiriram
p2la subscrição, (' · dendo o recibo provisório, pas~ado pelos
fundadores (n. 955 infra) (1) . As ações, títulos negociáveis,
somente são emitidas depois de constituída a sociedade.
A relação jurídica do subscritor é o prelúdio da posição
jurídica do acionista (2) .

935. A subscrição é ato de comércio por fôrça ou auto-


ridade da lei. (Veja-se n. 379 do 1. 0 vol., 2.ª edição, dêste
Tratado).

936. Se a entrada do subscritor consiste em bens imó-


veis, é essencial a outorga uxória?
No sentido afirmativo já nos manifestamos r2lativamen-
te às sociedades que revestem outras formas (veja-se n. 653
supra), tendo em nosso apoio a autoridade de TEIXEIRA
DE FREITAS (3).
Quanto às sociedades anônimas, tem-se julgado o con-
trário sob o fundamento de que a entrada de imóveis para a
composição do capital social não é venda nem ato de aliena-
ção, sob as restrições da Ord. do Liv. 4. 0 , Tít. 48, e que emas
sociedades se acham sujeitas ao preenchimento de formali-
dades especiais, preliminares e complementares, para a sua
definitiva e legal constituição, com as quais oferece contraste
a disposição da citada Ordenação (4).

( 1) Está subentendido que o subscritor pode, pelos contratos de direito


comum, ceder as suas futuras ações, doá-las, etc. No caso de mo_rte, o seu
direito transmite-se aos herdeiros.
(2) PRIMKER, no Manuale di diritto commerciale de ENDEMANN
trad. ital., vol. 1, pág. 585. •
(3) Consolidação, nota 11 ao art. 119.
( 4) Acórdão da. l .ª Câmara da Côrte de Apelação, de 25 de setembro
de 1905, confirmado pelo das Câmaras Reunidas, de 25 de novembro de 1908
em O Direito, vol. 108, págs. 262-273, e na Revista de Direito, vol. t. 0 , pág"
151, e vol. 11, págs. 98-10.S. •
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 327

É,entretanto, digno de nota o voto vencido do Desem-


bargador MUNIZ BARRETO (1) no acórdão das Câmaras
Reunidas da Côrte de Apelação, de 25 de novembro de 1908:
"Sem a outorga uxória não pode o marido fazer prestação
consistente em bens de raiz do casal, os quais vão constituir
capital de sociedade anônima, na forma dos arts. 17 e 19, do
decre~o n. 434, de 1891. Veda-o a lei pátria expressa e irre-
fragável, a Ord., Liv. 4, Tít. 48, a que se não opõe nenhuma
lei posterior . ·
Trate-se de entrada de bens d2 raiz em troca dos quais
o subscritor recebe as ações, trate-se de venda propriamente
dita, a situação jurídica do alienante é a mesma. Em ambos
os carns, há alienação de bens de raiz do casal. A Ord. co-
meça por estas palavras: :'Mandamos que o marido não possa
vender ou alhear alguns bens de ra,z sem procuração ou ex-
presso consentimento de sua mulher". E no § 1. 0 , diz: "e ven-
dendo ou alheando o marido alguns bens de raiz sem expressa
outorga de sua mulher, pôsto que pela firmeza da venda ou
alheamento dê fiador ou penhôres, ou prometa alguma pena,
todo será n~nhuma e de nenhum vigor".
Ora, o conceito fundamental da alheação, alienum facere
é a transmissão de um direito, de um patrimônio para outro.
Há a desagregação da ccisa do patrimônio do alienante (ele-
mento negativo) e a in:orporação dela no patrimônio do
adquin:nte (elemento positivo). Qualquer que seja a forma
executiva da alienação, venda, permuta, doação, etc., a lei
exige o consentimento da mulher (TEIXEIRA DE FREITAS,
Consolidação, art. 119).
No caso, bens de raiz foram desagregados do patrimônio
do casal Oliveira Bulhões e incorporados no patrimônio da
sociedade anônima, pessoa jurídica, distinta das pessoas físi-
cas que concorreram para a sua constituição. Houve a trans-
ferência de imóveis à sociedade como contingente para o

( 1) No mesmo sentido, MENDES PIMENTEL, Parecer, na Rev. Forense,


vol. 22, pág. 1O.
s:::s J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

_fundo social, transferência que, do mesmo modo que a com-


pra e venda. a permutação, a dação en1 pae:amento, etc.,
está suj2ita à transcrição para operar seus efeitos a respeito
de terceiros (decreto n. 370, de 1890, art. 236, § 4.º) ".

937. A subscrição pode ser particular ou pública.

A primeira é simplíssima. Se a ~ociedade se constitui por


escritura pública, a suHscrição pode consistir na simples de-
claração perante o notário do número das ações que cada
acionista toma a seu cargo em virtude do ajuste entre todos,
sendo essa declaração simultânea com a constituiç3.o da so-
ciedade, ou, na assinatura autêntica dos estatutos, indican-
do o nome, domicílio, o número de ações (1). Essa forma de
subscrição é adotada especialmente nos seguintes casos: ~e
um ou mais subscritores entram com coi~as ou direitos, de-
vendo declarar-se nos estatutos ou no contrato social o seu
valor (2), se a sociedade em nome coletivo ou em comandita
se transforma em sociedade anônima, com o mesmo capital
(n. 580, supra), se duas ou mais sociedades se fundem, sendo
o capital da nova sociedade composto do ativo dessas socie-
dades, se o capital social é formado por bens, coisas ou direi-
tos, pertencentes pro indiviso a todos os sócios~ se as ações
são abrnrvidas por sindicato de emissão com objetivo de re-
vem.lê-las com lucros.
A segunda é rodeada de cautelas e pede estudo esp2cial
que passamos a fazer no artigo em seguida.

( 1) A lei não fala de listas de subscritores, mas exige que os estatutos


sejam assinados por todos os subscritores. Que a assinatura na fôlha ou lista
da subscrição não supre a falta da assinatura dos estatutos disse o acórdão da
Câmara Comercial do Tribunal Civil e Comercial, de 7 de junho de J 892
(obiter d1ctu), confirmado pelo da Côrte de Apelação, de 19 de setembro d~
1892, em O Direito, vol. 60, págs. 113-121 .
(2) Decreto n. 434, art. 17, § 2. 0 ; decreto n. 8.821, art. 7.º, § 2.º.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 329-

ARTIGO ÚNICO

Da subscrição pública

Sumário: - 938. Histórico da lei. - 939. Os fundadores.


promcvcm a subscrição, formulando o prospecto. -
940. O que deve mencionar êste prospecto. - 941.
Intervenção do corretor de fundos públicos. - 942.
Os fundadores respondem pelas declarações do pros-
pecto. - 934. Dep6oito do rrospecto e documentos.
- 944. Verificação da identidade e capacidade dos
subscritores. - 945. Cautelas nos prospectos. -
946. Veri~icação do resultado da subscrição. - 947.
Falhando a subscrição, não poJe ser reduzido o
capital, salvo. . . - 94!1. Rate: o da subscrição. -
949. Prazo para a constituição da sociedade depois
da subscrição. - 950. Destino do prospecto e do-
cumentos, depois de constituída a sociedade. - 951.
Natureza jurídica da subscrição pública.

938. O Código Comercial e as lzis de 1882 e 1890 não


cogitaram da subscrição_ pública, conquanto o uso a houvesse-
admit~do.

O d::creto do Govêrno Provisório n. 1.362, de 14 de feve-


reiro de 1891, com o intuito de "acautelar da desídia dos
incautos e temerários subscritores de ações e de reprimir um
dos maiores abusos praticados na organização das compa-
nhias" (1), estabeleceu regras para a subscrição pública das

( l ) Exposição de motivos do decreto n. 1.362. de 14 de fevereiro de


J 891, onde se diz "Entre êstes abusos, o mais repreensível é o que comumente
se verifica no modo por que se incorporam a maior parte das companhias.
Publica-se um prospecto atraente, mas conciso, omitindo-se cautelosamente
a importância da comissão e outras despesas em vantagem dos fundadores ou
incorporadores, ordinàriamente tirados sôbre a totalidade do capital subscrito,
importando às vêzes em centenas ou milhares de contos de réis, conforme o
valor nominal das subscrições.
Omite-se o preço ou o custo dos contratos, concessões e favores adquiridos
para base das operações das companhias.
Os incorporadores adquirem dos concessionários de qualquer contrato ou
"330 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

açõ2s, e as suas disposições foram consolidadas nos arts. 5 a


12 e 25 do decreto n. 434, de 4 de julho de 1891 (1).

939. Os fundadores das sociedades anônimas são os


promotores da subscrição pública (n. 912, supra).
Antes de tudo, êles formulam o prospecto, contendo as
bases da projetada sociedade, destinado a colhêr a adesão dos
futuros sócios (2). Na constituição da sociedade devem ser
respeitadas essas bases (3) .

940. O prospecto é o resumo conciso e exato de todos


os pontos ess~nciais que ao público interessa na organização
das sociedades anônimas. A clareza, a fidelidade, a sinceri-
dade e a franqueza são os seus elementos fundamentais.
Nêles devem ser mencionados, além da d2nominação da
sociedade e da indicação da sua sede, do seu objeto, da sua
serviço, por um determinado preço, a transferência para a companhia, mas
pelo décuplo ou mais do preço que realmente pagam.
Assim lucram não só a pingue porcentagem da incorporacão, como tam-
bém a diferença do preço da cessão de tais contratos, propriedades, fazendas,
fábricas, casas comerciais, etc. .
Raramente o incorporador assume a responsabilidade da companhia J?~r
êle incorporada, porque sabe que, onerada ela com excessivo preço das aquisi-
ções, não pode dar grande vantagem aos acionistas.
~tes, porém, que subscrevem as ações com o propósito de vendê-las, antes
mesmo de realizar a primeira entrada, não indagam das condições onerosas das
companhias incorporadas, nem têm meios de fazê-lo, porque, nem mesmo o
projeto de estatutos é submetido ao seu exame, senão mediante rápida leitura
feita pelo secretário da assembléia de instalação.
Assinam previamente listas avulsas, aprovando estatutos que não conhe-
cem nem lhe são apresentados no ato em que subscrevem as ações. E até
muitas vêzes tais estatutos se organizam depois de encerrada a subscrição das
ações e aprovados previamente os projetos de estatutos que devam ser orga-
nizados" .
. (1) O_ decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891, continha 14 artigos,
e dias depots, o decreto n. 1.386, de 20 do mesmo mês de fevereiro revogou
os arts. 11 e 12.
C2) D:cret~ n. 43~, art., 5. 0 ; decreto n. 1.362, de 1891, art. t.º (*).
A redaçao destes artigos e confusa. Não é a sociedade anônima que forma
o prospecto, sal".o_no. ~a~o de aumento do capital; mas os fundadores pois ao
tempo da subscnçao m1c1al ela não existe. '
(3). ~~ sistema !nglês o P!º~pectus pode ser publicado antes ou de ois
da constttUJçao da sociedade anomma. (LYNDLEY On comp · pi
, 13) .
pag. • anies, vo.1 .0 •

(•) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940 rt 40 1


'a . ' .
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL HRASILEIBO 331

duração, do seu capital e do valor das ações e das épocas das


entradas (1) ("'):
1. o os nomes dos fundadores;
2.º os contratos em que se baseiam, se houver, e os
que tiverem sido celebrados com sindicatos ou outras pessoas,
declarando-se as datas de todos êles;
3. o a promessa de venda de bens ou de cessão de di-
reitos pelos fundadores à sociedade em formação;
4.º as quantias a dPc:embolsar por compras de bens ou
direitos, por serviços prestados para a formação da socieda-
de ou por quaisquer outros encargos, comissões e porcenta-
gens (2);
5.º a designação do lugar onde se acham depositados
durante oito dias os originais do prospecto e dos estatutos e os
documentos a que o prospecto se refere (3).
A êsse prospecto juntam-se os estatutos da sociedade (4),
organizados pelos fundadores (n. 926 supra).
Tôdas estas exigências nem sempre fru~tram as maqui-
nações dos fundadores dolosos. "Vale o prospecto o que valem
os que o assinam", diz com felicidade CELLÉRIER. "As suas
asserções têm o valor moral que dêles se faz; as suas espe-
ranças refletem a sua inteligência. O mesmo negócio empre-
endido no mesmo lugar e ao mesmo tempo terá êxito, será
fiasco ou estelionato conforme as pessoas que o dirig~m. O
que importa é dar conhecimento ao capitalista ignorante das
pessoas a quem vão ser confiados os seus interêsses, do cará-
ter dessas pessoas e da sua função no negócio" ( 5).
941. Sendo da exclusiva competência dos corretores de
fundos públicos a negociação de títulos suscetíveis de cota-
( 1 ) É notável que a lei não exigisse expressamente a declaração dessas
circunstâncias no prospecto. Nem por isso são dispensáveis.
(2) Decreto n. 434, arts. 5 e 6; decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro de
1891, arts. 1 e 2.
(3) Decreto n. 434, art. 7. 0 , § t. 0 ; decreto n. 1.362, art. 3, n. 1.
(4) Decreto n. 434, art. 7. 0 , princ.; decreto n. 1.362, art. 3. 0 , princ. ( .. ).
(5) Étude sur les sociétés anonymes, n. 141.
( *) As indicações que o prospecto deve conter estão mencionadas no art.
40, IV, do decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, e no art. 2.0 do
decreto-lei n. 5.956, de 1 de setembro de 1943.
( u) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 41 .
332 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

ção na Bôlsa. (Veja-se n. 329 do 2.° vol., dêst.e Tratado), os


fundadores costumam encarregá-los da subscrição (o que não
é obrigatório), intervindo êl-es no:- prosprctos com a srn:1 nssi-
natura ainda que sf'm as responsabilidades dêste fundad01·2s.
942. Os fur.dadores ou incorporadores respondem bana
fide coletivamente pElas declaracões dos prosp2ctos, fazendo-
se ef:tiva a respom:abilidade civil ou penal, como no carn
caiba (n. 907, supra) (1).
943. Os oriirinais do prospecto e dos estatutos, ambo3
datados e as~inados pêlos fundadores, e os documentos men-
cionados no prospecto, ficarão depositados durante oito dias
no escritório dos mesmos fundadores ou naquele que fôr
indicado, para s~rem examinados por quem deseje subs-
crever.
Sàmente depois de decorrido êsse prazo será lícito efe-
tuar ou abrir a subscrição pública (2) .
944. Importando a subscrição um contrato, é indispen-
sável que os qu= a ela concorreram tenham capacidade para
o ato. Cumpre aos fundadores examinar não sàmente a
identidade dos subs:ritores, como a sua capacidade.
945. É útil e conveniente, para evitar futuras discussões,
declarar nos pro!pectos, que a subscrição será encerrada logo
que se complete o capital, sendo aceita à medida dos pedi-
dcs, ou, se se não e~tabelecer êsse critério, que se fará ratdo
no caso de excesso ou se eliminará uma parte dos subscri-
tores.
Quando a subscrição é aberta em mais de um lugar por
intermédio d= banqueiros, segue-se o último expediente, pois
se torna impossível encerrar a subscrição antes do prazo mar-
cado, visto não se conhecer o seu resultado.

(1) Decreto n. 434, art. 12; decreto n. 1.362, art. 9. 0 ("').


(2) Decreto n. 434, arts. 7, §§ t. 0 e 2. 0 , e 8; decreto, n. 1.362, de 1891,
arts. 3, ns 1 e 2, e art. 4. 0 ( . . ) . f: assim que interpretamos essas obscuras
disposições .
( *) Decret0-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, arts. 49 e 168, n. I,
e Código Penal, art. 1777, in principio. Ver também, o art. 3.0, VII da lei
0 . }.521 de 26-12-1951.
( .. ) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 41.
THAT A D() DE DIR EIT() COMERCIAT, BRASTI.EIRO 333

916. En:errada a sub~crição, procedem os fundadores,


com r; corretor, à verificação do resultado. Se o capital social
não foi integralm:nte subscrito e se os fundadores não subs-
creverem o saldo, fica ~em efeito a idéia de sociedade, por ter
falhado a cond~ção vital da subscrição, e os fundadores são
obrigados a restituir aos subscritores quaisquer importâncias
com que êstes tenham contribuído.
Os que ad~riram por meio da sub~crição não têm o di-
reito de exigir dos fundadores a constitU:ção da sociedade
nem a indenização pelas perdas e danos, porque os fundado-
res nenhuma respom:abilidade assumem quanto ao êxito da
subscrição. Esta a:ha-:e sujeita à condição tácita de ser
tomada ou coberta a totalidade do capital.

947. Pergunta-se: no caso de falhar a subscrição, não


podem os fundadores diminuir o capit.al, reduzindo-o ao
valor subscrito?
Absolutamente não. Os subscritores não são obrigados a
continuar na sociedade, porque aceitaram ou aderiram aos
estatutos nas condições em que foram organizados antes da
subscrição. Desligam-se da obrigação, se êste capital não é
integralmente subscrito.
Se, porém, todos os subscritores concordam em modüi-
car os estatutos, reduzindo o capital à importância obtida, é
nova sociedade que se forma, e não há utilidade em repro-
duzir todos os atos para o efeito único de modificar a cifra
do capital social. A ata da assembléia geral é suficiente (1).
Fora de dúvida é, que a maioria não pode obrigar a minoria,
visto como a sociedade não se acha constituída e só então
surge o laço jurídico entre os acionistas, prevalecendo as deli-
berações da maioria (2).

( 1) DELOISON, Des sociétés commerciales, vol. 2, n. 320; ARTHUYS,


Traité des sociétés commerciales, vol. 1, n. 323; GOIRAND, Traité des société.1
par act1011s, vol. 1, n. 89; PIC, Des sociétés commerciales, vol. 2. 0 , n. 885;
NAMUR, Le code de commerce belge, 2.ª ed., vol. 2. 0 , n. 958.
( 2) Se os prospectos, prevendo o caso da subscrição incompleta, autori-
zassem a maioria a deliberar se a sociedade devia ou não ser constituída com o
capital subscrito, a maioria venceria a minoria? É questão interessante tratada
334 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

948. Se a subscrição excede em valor capital social fixa-


do nos estaLUtos, no silência do prospecto, subentende-se que
ela foi aberta sob a condição de se proceder a redução pro-
porcional, salvo as unidades que são mantidas. É o que se
chama rateio da subscrição.
A redução proporcional leva a não se atender à qualidade
dos subscritores, de modo que os capitalistas sérios e as pes-
soas solventes são tratadas no mesmo pé de igualdade dos
especuladores e insolventes, que concorrem com o fim da
agiotagem ou sem terem meios de satisfazer as futuras pres-
tações (1) .
Não é menos perigoso deixar ao arbítrio dos fundadores
ou dos seus mandatários a repartição das ações .

949. A lei não fixa prazo para os fundadores convoca-


rem a assembléia dos subscritores, o que seria útil a fim de
evitar que êstes ficassem à discrição daqueles, muitas vêzes
interessados em adiar a constituição da sociedade (2).
Para ~uprir a omissão legal em assunto tão relevante,
costuma-se designar no prospecto certo prazo, findo o qual,
sem a constituição da sociedade, os subscritores libertam-se
da obrigação assumida (*).
Se se não determina êsse prazo, cabe ao Poder Judiciário
dEcidir, tendo em atenção o tempo decorrido. O que não é
regular é deixar indefinida a constituição da sociedade. O
meio prático é usarem os subscritores da interpelação judicial.
por ARTHUYS, Traité des sociétés commerciales, vol 1, n. 323; L. CAEN et
RENAULT, Traité de droit commercial, 4.ª ed., vol. 2. 0 , P. II, n. 691; PIC,
Des sociétés commerciales, vol. 2. 0 , n. 886.
( l) ROSSEL, Manuel de droit federal des obligations, 2.ª ed., n. 819, e
BING, La société anonyme en droit italien, págs. 69-70, condenam tal expe-
diente por causa dêsses inconvenientes.
(2) A lei belga, art. 81, manda convocar a assembléia constituinte nos
três meses depois da data do projeto dos estatutos; o Código húngaro, arts. 150
e 154, nos dois meses a contar do dia fixado nos prospectas para o período das
subscrições .
( •) Do prospecto deve constar o prazo dentro do qual deverá realizar-se
a assembléia constituinte. Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940,
art. 40, IV, i.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 335.

950. O prospecto, os estatutos originais, os documentos


referidos naquele e a lista dos subscritores, serão exibidos na
assembléia constituinte da sociedade e oportunamente arqui-
vados no registo do comércio ( 1) .

951. Conhecida a subscrição pública simplifica-se o es-


tudo da sua natureza jurídica.
O prospecto tem, em regra, o simples valor de uma pro-
posta ou oferta pelos fundadores (2), sob as condições legais
exigidas para a constituição das sociedades anônimas.
A subscrição importa aceitação dessa propmta, por outra,
a manifestação da vontade de fazer parte da sociedade, pro-
metendo o subscritor entrar com uma quota parte do capital
anunciado, correspondente a uma ou a mais ações, e subor-
dinando-se desde êsse momento à deliberação da maioria (3).

(1) Decreto n. 434, arts. 8 e 9; decreto n. 1.362, arts. 4 e 5. Assim é


que entendemos estas disposições ( •) . A disposição do art. 8. 0 do decreto
n. 434, a mesma do art. 4. 0 do decreto n. 1.362, é incompreensível. Parece
querer a lei dizer que os documentos, que acompanham os prospectos e que
estiveram depositados no escritório dos fundadores, devem ser arquivados no-
registo do comércio conjuntamente com os outros documentos legais.
(2) No caso de aumento do capital o proponente ou ofertante é a so-
ciedade.
(3) Decreto n. 434, art. 75, n. 3: "Se a maioria dos sócios presentes não
se opuser, os fundadores declararão a sociedade definitivamente constituída ( .. ) .
Equivale isso à declaração da vontade de formar a sociedade (art. 72 do
decreto n. 434) . É na hora da constituição da sociedade, que se dá a mani-
festação definitiva dessa vontade.
O Código Federal Suíço das Obrigações dispõe, no art. 617: "Toute sous-
cription d'action est faite sous la condition que la société anonyme sera effecti-
vement constituée".
Na Alemanha, a doutrina corrente é que a subscrição é a oferta pelo subs-
critor ao fundador, sendo livre a êste aceitar ou recusar a subscrição. Esta
somente se torna definitiva pela distribuição. (COSACK, Lehrbuch des Han-
delsrecht, vol. 3. 0 , § 115).
Na Inglaterra, entende-se que a subscrição é a oferta aos fundadores da
sociedade, podendo ser retirada até o momento da aceitação (L YNDLEY, On
companies, pág. 15.
Na França, parece que a opinião mais geral é a mesma. A subscrição é
a oferta, e encerrada, os fundadores a aceitam, nascendo então o contrato que
vincula o subscritor. (CÉLLERIER, Etude sur les sociétés anonymes, n. 174;
ARTHUYS, TraiJé des sociétés commerciales, vol. 1.0 , n. 321). Consulte-se,_
entretanto, o que escreveu PIC, Des sociétés commerciales, vol. 2. 0 , n. 814.
(•) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 51, a.
( .. ) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 44, 2.º.
336 J. X. CARVALHO DE MENDONCA

Avontade da assembléia dos subscritores supcrp::mdo-se,


abscrve as vontades individuais dos subscritores (veja-se n.
973 infra).

A subscrição realiza, portanto, um contrato entre o fun-


dador ou os fundadores e o subscritor, contrato condicionado
à futura constituição da Eociedade, contrato pr2liminar ao
aa: soci2dade renovado com cada subscritor (1).
Se não se subscreve integralmente o capital ou se se mo·
dificam as bases descritas no prospecto, resolve-se aquêl2 con·
trato.

Fora dêsrns casos, não é lícito ao subs~ritor, mediante ato


próprio e individual, arrepender·se e retirar a sua assinatura.
A subscrição é irrevogável.

Os fundadores, que são os contratantes, de outro lado,


não podem recusar quem quer que se apresente como subs·
critor até o preenchimento do capital exigido do público,
salvo, bem entendido, a verificação da capacidade jurídica do
subscritor ou ainda da capacidade econômica, se reservaram
êste direito no prospecto. Obrigam-se, portanto, os fundado·
res, em seu nome pessoal, a constituir a sociedade atribuindo
a cada subscritor senão tôdas as ações subscritas, ao menos
número proporcional à subscrição.

A obrigação dos fundadores fica dependendo da condição


suspensiva da subscrição do capital integral.

~sEe parece ser o nosso sistema.

( 1 ) Declara-se nos acórdãos da Câmara Comercial do Tribunal Civil e


Criminal, de 11 de janeiro de 1905, e no das Câmaras Reunidas, de 3 de
dezembro de 1896, confirmando aquêle, que a subscricão é "um contrato bila-
teral entre fundadores e subscritores em proveito de- terceiro". Na lição de
VIY ANTE, Trattato di diritto commerciale, 3.ª ed., vai. 2. 0 , n. 420, não há
êste contrato bilateral. PIC, Des sociétés commerciales, vol. 2. n. 87 3. atri-
bui-lhe, entretanto., o caráter sinalagmático.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 331

SEÇAO V

Da entrada inicial dos subscritores e do depósito prévio


da décima parte do capital

Sumário: - 952. As entradas parciais ou prestações do capi-


tal social. - 953. A entrada inicial. - 954. A
razão da exigência dessa entrada. - 955. O paga-
mento da prestação inicial. - 956. O depósito da
décima parte do valor das ações. - 957. Prova do
depósito. - 958. O depósito em dinheiro não se
faz quanto aos bens, coisas e direitos. - 959. Le-
vantamento do depósito. - 960. Destino da quan-
tia depositada.

. ~52 · Razoável seria exigir dos subscritores a entrada


1
~ed1ata d: todo o capital social, isto é, impor a integraliza-
çao das açoes antes de constituída a sociedade. Esta ficaria
garantida contra a insolvência dos subscritores (1).
~o intuito, porém, de prover a sociedade do capital à
medida das suas necessidades e de facilitar a subscrição,
permite-se que os estatutos determinem entradas parciais,
em épocas designadas (n. 551 supra).
. Acresce que a realização imediata de todo o capital em
dinheiro poderia ser um mal, se os administradores, achan-
do-se na caixa o comprometessem em operações perigosas
para fazê-lo girar e produzir.

953. Como quer que seja, os subscritores estão obriga-


dos a entrar, antes da constituição da sociedade, com a pres-

. ( 1) ~ste foi o sistema proposto por GU.ILLER~ no Congresso das So-


ciedades por Ações, realizado em 1889, em. Pans, e m~1s.tarde ~or FAURE ':1?
mesmo Congresso realizado em 1900. (Ve1a-se Congres internat1011al des socie-
tés par actions, Compte rendu, págs. 45 e seguintes).
Há também, outro sistema: o da escolha do subscritor. Acena-se como
acionista somente quem estiver em condições de satisfazer tôdas as entradas.
Garantirá êste sistema a sociedade contra as incertezas futuras?
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

tação não inferior a 10% sôbre o valor das ações, que é depo-
sitada na forma por que adiante se explica (1) (*).
Como êste depósito deve equivaler à déci11ia parte em
dinheiro do valor de cada ação, conforme os têrmos formais
do art. 3. 0 , princ., do decreto n. 164, de 17 de janeiro de 1890,
e do art. 3. 0 , princ., da lei n. 3.150, de 4 de novembro de 1882,
evidente é que cada subscritor deve para êle concorrer, en-
trando com a quantia correspondente ao número das ações
tomadas. É certo que o decreto n. 164, no art. 3. 0 , § l.º, n. 2,
e o decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891, se referem ao
depósito da décima parte do capital, o que levou o decreto
n. 434, de 1891, a empregar essas palavras no art. 65. Mas, o
dispositivo legal acima reproduzido é claríssimo e outro meio
não poderia a lei adotar, a menos que não permitisse a fraude
de rodearem-se os fundadores de homens de palha, subscri-
tores de ações sem entradas. O depósito é de 10% sôbre o
capital subscrito, concorrendo cada subscritor com a porcen-
tagem sôbre as respectivas ações (••).
Daí a conseqüência de não ser possível a compensação
entre as entradas de diversos sócios, isto é, um subscritor
não pode pretender entrar com menos porque outro pagou

( 1 ) Quase tôc!as as legislações exigl!:11 a l." entrada antes da constituição


da sociedade, variando o quantum, conforme as condições econômicas de ca~a
país. O Código holandês (art. 51) exige 10%, a lei francesa de 1867 e o Cod.
alemão, 25%, o italiano 30% e 10% para as companhias de seguros (art. 131)!
o húngaro 10% ( art. 151), o Federal Suíço das Obrigações ( art. 618) e a Lei
Belga de 1813, 20%. A lei inglêsa de 1900 (art. 4. 0 ) quer 5% para que a
sociedade comece a funcionar.
O Congresso Internacional das Sociedades por Ações, efetuado em Paris
em 1889 votou a seguinte resolução: "La loi doit exiger la souscription totale
du capital social et le versement partiel de ce capital".
O mesmo Congresso em 1900 votou a seguinte conclusão: "La loi doit
exiger la souscription intégrale du capital, et un versement partiel sur les
actions".
("') Há sociedades em que essa percentagem é maior: as de seguros
(Decreto-lei n. 2.063, de 7 de março de 1940, art. 6. 0 ); as sociedades de capi-
talização (decreto-lei n. 22.456, de 10 de fevereiro de 1933, art. 14); os ban-
cos (decreto n. 14.728, de 16 de março de 1921).
(**) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 38, § 2.0. Hoje
tôdas as importâncias recebidas dos subscritores deverão ser depositadas em
banco no nome da companhia, no prazo de cinco dias contados do recebi-
mento, constituindo crime contra a economia popular a infração dêsse pre-
ceito. Decreto-lei n. 5.956, de 1 de novembro de 1943, arts. 1.0 , in princi-
pio, e 6. 0 .
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 339

mais integralizando logo as ações que subscreveu. A obriga-


ção de cada um, decorrente da subscrição, é direta e pessoal
e nada tem de comum com a dos outros. Outrossim, o subs-
critor, por exemplo, de dez ações em dinheiro e de outras
tantas realizadas com um imóvel, está obrigado a entrar, não
obstante, com 10 % sôbre aquelas.
954. O fim da lei é garantir a seriedade das subscri-
ções e não simplesmente formar o fundo de movimento para
as primeiras despesas da sociedade, como sem razão se tem
dito (1).
Basta considerar que não é proibida a fundação de socie-
dades com o capital formado exclusivamente de bens, coisas
ou direitos. Nessas sociedades, a entrada inicial é obrigatória
(ainda que se dispense o depósito prévio, como diremos adian-
te) e não se institui fundo algum com aquela destinação.
A lei procurou, ao mesmo tempo, afastar os especulado-
res, os acionistas nômades, atraídos e seduzidos pela espe-
rança quimérica de colhêr sem semearem, os que esperam
tudo do ágio e nada da própria sociedade (2) .
A existência da primeira entrada tem ainda por efeito
proteger o subscritor contra o próprio entusiasmo ou sedu-
ção. Animado por enganosos ou exagerados prospectas, o subs-
critor podia assumir responsabilidades superiores às suas
( 1 ) O parecer de 28 de fevereiro de 1879 das Comissões Reunidas de
Fazenda e Justiça da Câmara dos Deputados dizia: "Por êste modo (pelo depó-
sito) se assegura à sociedade um fundo suficiente para as primeira.<; operações
da sua vida ativa e se põe tênno ao abuso de pagamentos fictícios".
O decreto do GOV~RNO PROVISÓRIO, n. 850, de 13 de outubro de
1890, declarava no 1.º considerando: " ... para assegurar a seriedade neces-
sária na organização das sociedades anônimas e defender contra o jôgo da
especulação os credores sociais, as leis do comércio, em tôda parte, submetem
a constituição dessas associac;ões à cláusula da realização prévia de uma parte,
mais ou menos considerável, do capital subscrito".
~se decreto n. 850 havia elevado a entrada preliminar de 10% a 30%,
"por exemplos deploráveis demonstrarem a insuficiência dessa proporção", mas
o decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891, reduziu de novo a 10%.
O depósito tem por fim não só assegurar a efetividade da subscrição, como
também, depois de constituída, fornecer à sociedade os primeiros recursos para
os atos da iniciação da vida ativa". (Sentença do Juiz do Comércio de S. Paulo
(Dr. FERREIRA ALVES), confirmada pelos acórdãos do Tribunal de Justiça.
de 14 de novembro de 1892 e 17 de março de 1893, na Gazeta Jurídica, vol. 3.0 ,
págs. 198-203) .
(2) BRABAND~RE, Du versement initial, Bruxelas, 1891, n. 2.
340 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

fôrças se a exigência da entrada inicial não inferior a 10%


o não levasse à reflexão, refreando-lhe a ganância.
955. Em o n. 912 supra, dissemos que cabia aos funda-
dores receber a entrada inicial dos subscritores. Ordinària-
mente, êles encarregam o corretor ou um ou mais bancos de
recebê-la por ocasião da subscrição, evitando düiculdades fu-
turas e poupando despesas.
Está claro que os fundadores não podem emitir ações da
sociedade, porque esta não se acha constituída. Devem entre-
gar simples recibos provisórios, que se permutam oportuna-
mente pelas ações ou cautelas de ações.
Esta entrada inicial, como as subseqüentes, deve ser séria
e definitiva (n. 540). Os fundadores não poderiam receber
Em pagamento letras de câmbio ou notas promissórias de res-
ponsabilidade do subscritor (1).
O subscritor não se exime da obrigação alegando com-
pensação sob qualquer título, ainda que de despesas no inte-
rêsse da constituição da socie>dade, não somente porque a lei
exig2 a entrada inicial sôbre todo o capital, como porque a
sociedade ainda não constituída não pode compensar (2).
956. Para que a sociedade anônima se possa constituir,
é essencial que a décima parte, em dinheiro, do capital subs-
crito, seja depositada, a crédito da companhia em organiza-
ção (3), num banco de emissão ou noutro sujeito à fiscali-
zação do govêrno, ou que para êsse fim a esta se sujeite, à
escolha da maioria dos subscritores (4), ou dos fundadores
( 1) BRABA NDf!RE, Du versement initial, Bruxelas, 1891, n. 5, "de tels
engagements ne se distinguent guere des souscriptions; on peut même dire
qu'ils valent moins que ce!les-ci, puisqu'ils sont à terme, tandis qu'elles sont au
comptant".
(2) NOTO-SARDEGNA, Le società anonime, n. 107.
(3) O depósito não pode ser feito a crédito do fundador ou incorporador.
Neste caso, a quantia não se poderia dizer de propriedade da sociedade, e
seria, por conseguinte, nula e fictícia a garantia exigida por lei. (Acórdão da
Câmara Comercial do Tribunal Civil e Criminal, de 7 de julho de 1892, con-
firmado pelo da Côrte de Apelação, de 19 de setembro do mesmo ano, em
O Direito, vol. 60, págs. 113-121).
( 4) Decreto n. 434, art. 65; decreto n. 850, de 13 de outubro de 1890,
art. 5.º; decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891, art. 10. A lei n. 3.150,
art. 3.º, e o decreto n. 164, art. 3. 0 , permitiam que o depósito se realizasse
cm mão de pessoa abonada, o que o decreto n. 850 revogou.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 341

se se tratar de sociedades anônimas tendo por objeto obras


e serviços públicos, sob a garantia de juros (1).
Como podem os subscritores escolher por maioria o de-
positário, se se reúnem ~õmente para a constituição da socie-
dade, devendo ser nessa ocasião apresentado o documento
do depósito? Os fundadores designam o banco que tem de
receber o depósito. Não há outro meio.
Nos lugares onde não há estabelecimento bancário nes-
sas condições, o depósito efetua-se nas coleto rias ou nas dele-
gacias fiscais, e, na falta destas, nas alfândegas (2).

O depósito, a que nos referimos, prova-se:


957.
a) mediante documento do fiscal do banco, certifican-
do a realidade da entrada do dinheiro no cofre do estabele-
cimento e sua escrituração nos livros a crédito da wciedade
projetada; ou
b) mediante certidão da coletoria ou delegacia fis-
cal (3).

958.Se o capital da sociedade anônima, no todo ou em


parte, consiste em bens, coisas ou direitos, é essencial o depó-
sito em dinheiro sôbre todo ou parte do capital assim repre-
sentado, ou o depósito sómente é exigido sôbre o capital subs-
crito em dinheiro?
A questão acha-se bem elucidada. O VISCONDE DE
OURO PR:tTO, em parecer de 30 de dezembro de 1905, opi-
nou "Diante da letra da lei, poder-se-ia pretender que a com-

(1) Decreto n. 434, art. 67; decreto n. 997, de 11 de novembro de 1890,


art. 3. 0 •
(2) Decreto n. 434, art. 66; decreto n. 850, art. 5. 0 , 2. 8 alínea. Aviso
n. 200, de outubro de 1897, do Ministério da Fazenda ao Presidente da Junta
Comercial da Capital Federal, em O Direito, vol. 77, pág. 308.
O Ministério da Fazenda, na Circular n. 22, de S de agôsto de 1911,
declarou aos chefes das repartições de Fazenda, para o seu conhecimento e
devidos efeitos, que tais depósitos poderão ser feitos no Banco do Brasil e nas
suas agências, só o devendo ser nas delegacias fiscais ou coletorias, na falta
de estabelecimento bancário nas condições daquele, conforme o disposto no
art. 66 do decreto n. 434. (No Diário Oficial, n. 183, de 6 de agôsto de 1911).
Os coletores não têm direito a percentagens sôbre êsses depósitos.
(3) Decreto n. 434, art. 68; decreto n. 850, art. S.º.
342 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

panhia não está regularmente constituída. Semelhante so-


lução, porém, seria inadmissível, por absolutamente inju-
ríclica.
A exigência do depósito de 10% do capital subscrito vi-
sou dois fins:
a) assegurar a seriedade da subscrição, pois o adian-
tamento é como que caução de realizar-se o restante nas
épocas e condições estipuladas nos estatutos;
b) proporcionar à sociedade os meios necessários para
as despesas de instalação e início das negociações .
Ora, ambos os intuitos perfeitamente se preenchem, des-
de que, além de bens e direitos com valor conhecido, dispõe
logo a associação de uma certa soma de moeda corrente. Des-
sarte, fica armada de crédito e numerário. O pensamento do
legislador é respeitado.
Demais, a dúvida exposta na consulta foi ventilada no
antigo Senado, ao elaborar-se a lei n. 3.150, de 1882, a qual,
com ligeira alteração, rege o assunto.
Interpelado sôbre se - para o depósito prévio deveria ser
computado o capital consistente em coisas ou direitos, o ilus-
trado Sr. Cons. LAFAYETTE, relator da comissão a que foi
submetido o projeto na Câmara dos Deputados, convertido
na citada lei, retorquiu: ".S: evidente que a cláusula em ques-
tão foi expressamente escrita para significar que a necessi-
dade do depósito se refere ao capital em dinheiro e não ao
consistente de valores em natureza" (Anais do Senado do
Império, sessão de 4 de maio de 1882, pág. 35).
Esta opinião teve o assentimento de todos os membros
daquela Casa do Parlamento, a que pertenci.
Acresce que a prática não interrompida desde 1882 a tem
sancionado .
Numerosas companhias anônimas com parte do capital
em bens e parte em dinheiro, estabeleceram-se e funcionam,
mediante o depósito somente da décima parte da quota em
moeda.
Nem doutrina diversa vigora nos países em que a maté-
ria é regulada por legislação análoga. Vejam-se, entre outros,
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 343

GUILLERY (Sociétés, n. 509), ROUSSEAU (Traité des socié-


tés com., n. 321) e VIDARI, comentários ao Código Comercial
italiano, que a respeito é expresso no art. 131, ns. 3 e 4, di-
zendo: "dei capital consistente in numeraria" (1).
Nesse sentido, julgou a 2.ª Câmara da Côrte de Apela-
ção em acórdão de 27 de agôsto de 1907, dizendo:
"Quando as prestaçõ::s ou entradas de algum ou alguns
sócios consistem em bens, não é necessário depositar a déci-
ma parte do seu valor; porque, então, em lugar de 10% do
valor do capital representado por bens, haveria 10% além
dêsse valor, dinheiro qu~ nem os acionistas nem os funda-
dores são obrigados a fornecer para o efeito do depósito.
Quando a lei manda depositar 10% em dinheiro, quer
significar que a décima parte do capital deve ser desde logo
realizada. Atende à circunstância que não basta a subscri-
ção do capital, a qual apenas assegura a obrigaçã.o dos acio-
nistas; exige, para que a sociedade possa começar as opera-
ções, que tenha alguma coisa mais: uma porção da soma
(dinheiro ou bens) que os acionistas devem entregar.
Quando esta porção é em dinheiro, o depósito é que prova
a sua existência; se em bens, ela fica certa com as respecti-
vas escrituras, e a necessária avaliação" (2).
Também assim julgou o Tribunal de Justiça de S. Paulo,
no acórdão de 17 de julho de 1914, confirmado pelo de 4 de
dezembro do mesmo ano (3).
A Junta Comercial da Capital Federal, e a do Estado de
São Paulo (4) dispensam, também, o depósito em dinheiro
quando o capital da sociedade já se acha realizado em bens,
coisas ou direitos.
A Câmara Sindical dos Corretores de Fundos Públicos
da Capital Federal, "conquanto relutasse sempre em aceitar
( 1) Relatório do Presidente da Câmara dos Corretores de Fundos Públi-
cos, 1906, págs. 24-27. No mesmo sentido, MENDES PIMENTEL, Parecer, na
Revista Forense, vol. 22, pág. 10.
(2) Revista de Direito, vol. 6. 0 , págs. 687-691.
(3) Revista dos Tribunais, vol. 10, págs. 248-289, e vol. 12, pág. 179.
( 4) Deliberações da Junta Comercial de São Paulo, nas sessões de 22 de
junho de 1900, e de 13 de setembro de 1904, no Diário Oficial do Estado de
São Paulo, de 18 de setembro do mesmo ano, pág. 1.846. Esta última delibe-
ração consta do Relatório de 1904, do Presidente da Junta, pág. 8.
344 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

a idéia da constituição das sociedades sem o prévio depósito


da lei, todavia, sentiu-se peada, desde que na Junta Comercial
foram aceitos para arquivamento os atos constitutivos de al-
gumas sociedades, di~pensada a prova dêsse depósito" (1) (*).
O depósito devendo ser em dinheiro (veja-se n. 956,
supra) seria impossível efetuá-lo nesta espécie sôbre todo o
capital subscrito, se êste fôs~e parcialmente realizado em bens
e direitos, a menos que se não recorresse ao expediente da
simulação, condenável sob todos os pontos de vista.
Já dissemos acima o fim do depósito (n. 954, supra);
ora, se uns subscritores oferecem como entrada coisas ou di-
reitos e os outros aceitam, se realmente êstes bens, coisas ou
direitos são transferidos à sociedade, estão conjurados todos
os perigos que a lei procurou evitar.
A existência da coisa, bem ou direito, objeto da entrada,
prova-se por meio da avaliação; o seu valor é fixado por
louvados.
A exigência da entrada prévia de uma parte do capital
consistente em dinheiro, é substituída pela avaliação e a sua
aprovação. A escritura orgânica da sociedade ou a ata da
assembléia constituinte, devidamente arquivada no registo do
comércio, é o título de transferência e, se sc> trata de imóvel,
ainda precisa a transcrição para que a tr. .1sferência possa
valer contra terceiros (2) .
959. Organizada a sociedade, os administradores, seus
legítimos órgãos, levantam a quantia depositada, sem aue
tenham necessidade de justificar o ato (3). Para êsse fim,
exibem a prova da sua nomeação mediante certidão da Junta
Comercial.

( 1) Relat6rio do Presidente da Câmara Sindical dos Corretores de Fun-


dos Públicos, 1906, pág. 8.
(2) Decreto n. 370, de 2 de maio de 1880, art. 236, § 4. 0 ( . . ).
(3) Assim se declarou à Tesouraria de Fazenda do Rio Grande do Sul,
em ofício de 30 de outubro de 1891, em O Direito, vol. 59, pág. 509. Nesse
ofício trata-se do aumento do capital. As razões de decidir são as mesmas.
('•) A questão está hoje resolvida pelo art. 38, n. 3, do decreto-lei n.
2.627, de 26 de setembro de 1940, de acôrdo com a lição do autor.
( .. ) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 54, parágrafo
6nico.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEffiO 345·

Se a sociedade não se organiza, ou porque a maioria dos


subscritores se opõe (1), ou porque a Junta Comercial recusa
o registo dos documentos constitutivos, os fundadores podem
levantar o depósito para restituírem as entradas aos subscri·
tores (*) .
A fim de evitar dúvidas, convém declarar na guia do
depósito e constar do certificado ou certidão que a quantia
depositada será levantada pelos administradores da futura
sociedade, ou pelos depositantes, os fundadores, caso esta
não se constitua (2) .

960. A importância das quantias recebidas do depósito


pelos administradores e a das prestações em geral, devem
entrar para a caixa social e ser destinadas aos fins da sacie·
dade. Se os administradores as restituem aos subscritores ou
acionistas, iludem o fim da instituição, tornando fictícia a
entrada. O acionista deve ser compelido a pagar a importân-
cia da sua dívida (n. 542 supra) •

SEÇAO VI

Das formas da constituição das sociedades anônimas

Sumário: - 961. As duas formas legais da constituição das.


sociedades anônimas.

961. Estabelecido o capital de fundação e verificada a


sua existência pelo depósito da décima parte, se êle é todo-
em dinheiro, passa·se ao processo da constituição da socie-
dade anônima.

( 1) Decreto n. 434, art. 75, n. 3.


(2) O banco onde se faz o depósito exonera-se entregando o objeto do·
depósito aos representantes legais da companhia, e nenhuma responsabilidade
lhe cabe pela má constituição das companhias depositantes. (Sentença do Juiz·
do Comércio de São Paulo (Dr. FERREIRA ALVES), de 20 de abril de 1892,
confirmada pelos acórdãos de 14 de novembro de 1892 e 17 de março de 1893,
na Gazeta Jurídica, vol. 3. 0 , págs. 198-203).
( •) Hoje o próprio banco restitui aos subscritores as quantias que pap-
rem. Decreto-lei n. 5.956, de 1 de novembro de 1943, art. 1.º, O 2.º.
-346 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

A lei oferece para êsse fim duas formas, a saber: (•)


a) a escritura pública, e
b) a assembléia geral dos subscritores (1).
Nesses dois processes de constituição há solenidades subs-
tanciais a observar. Por isso, é Eempre tarefa muito delicada
-e às vêzes bem difícil a constituição das sociedades anônimas.
Uma simples irregularidade de forma poderá trazer a nuli-
.dade, como teremos ocasião de mostrar.
Nos artigos seguintes estudaremos essas duas formas da
.constituição das sociedades anônimas.

ARTIGO I
Da constituição por escritura pública
Sumário: - 962. Motivos de preferência por essa forma de
constituição. - 963. Processo dessa constituição. -
964. A nomeação imediata dos administradores e do
conselho fiscal. - 965. Entradas em bens, coisas ou
direitos. - 966. Não é essencial a escritura pública
ainda que haja conferência de imóveis.

962. Sendo os interessados em pequeno número, pre-


fere-se a constituição da sociedade anônima mediante con-
trato celebrado por escritura pública.
É o processo mais simples, adotado especialmente quan-
do as ações são tôdas subscritas pelos fundadores ou por sin-
dicatos. Poucos bancos ou um grupo de capitalistas subscre-
vem as ações, constituindo simultâneamente a sociedade.
Daí chamar-se constituição simultânea êste processo con-
sistente em um só ato no qual tomam parte os subscritores
-do capital integral.
Por êsse meio, evitam-se discussões nas assembléias ge-
rais dos subscritores, nem sempre composta de elementos
homogêneos, oposições a contratos celebrados pelos fundado-
res, etc. Constituída a sociedade, os acionistas procuram
·colocar na Bôlsa as ações pouco a pouco sem perturbar-lhes
.a cotação.
(1) Decreto n. 434, art. 71; lei n. 3.150, art. 3. 0 , § I. 0 , ns. 1 e 2; decreto
.n. 8.821, art. 25; decreto n. 164, art. 3. 0 , § I. 0 •
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26-9-1940, art. 39.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL !~- ,'SILEIRO 347

O público conhece a sociedade sàmente quando esta apa-


rece constituída para iniciar as suas operações.
963. A sociedade pode constituir-se por uma só ou por
escrituras sucessivas (1) .
Perante o tabelião e. trntemunhas legais comparecem
todos os subscritores, declaram a vontade de formar a socie-
dade, apresentam as regras, cláumlas ou estatutos pelos
quais ela se há de reger (n. 925 supra) (2), e oferecem a cer-
tidão de depósito da décima parte, em dinheiro, do capital
social, para ser transcrita na escritura (n. 957 supra). Esta
deve ser assinada por todos os subscritores (3).
A entrada inicial não inferior à dé:::ima parte do capital
supõe-se recebida dos que vão fazer parte da sociedade pelos
fundadores e por êstes levada a depósito.
Os contratantes podem representar-se por procuradores
com poderes bastantes e expressos (4). ::S:stes procuradores
podem não ser subscritores ou acionistas.
964. Permite-se aos acionistas nomear, desde logo, na
escritura da constituição da sociedade os primeiros adminis-
tradores e o conselho fiscal (5) e ratificar os atos dos funda-
dores praticados em nome da sociedade (n. 918 supra).
965. Se as entradas ou prestações de algum ou alguns
subscritores consistirem em bens ou direitos, proceder-se-á
como se diz em o n. 980 infra.
966. Se há conferência de bens imóveis por um ou mais
subscritores, é essencial a constituição da sociedade por escri-
tura pública?
(1) Decreto n. 434, art. n, § 2.º; decreto n. 8.821, art. 26, n. 2.
(2) É essencial que os estatl•tos sejam transcritos na escritura. Não
seria permitido anexar os estatutos imnressos à escritura p:Jblica ( •) ·
(3) Decreto n. 434, art. 72, pri11r: lei n. 3.150, art. 3. 0 , § 1. 0 , n. 1;
decreto n. 8.821, art. 26, pri11c.; decreto i: 164, art. 3.º, § 1.º (º).
( 4) Decreto n 434 art. 72 § l.º; der~eto n. 8.821, art. 26, n. 1 ( •).
0

. , ' 26
(5) Decreto n. 434, art. 72, § 3. ; decretn n. 8.821, art. , n.
0 3 (••••) .
0
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setemhro de 1940, art. 45, § 3. , b.
(*"') Citado decreto-lei n. 2.627, art. 45, ~ '1. 0 •
( ***) Citado decreto-lei n. 2.627, art. 47. .
( • • ••) Hoje a nomeação dos diretores e fiscais, na escritura de consti-
tuição da sociedade anônima é obrigatória. DecretC'-lei n. 2.627, de 26 de
setembro de 1940, art. 45, § 3. 0 , e.
::148 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Não se trata de compra e venda, de doação ou permuta


de imóveis, contratos nos quais é da substância a escritura
pública, porém da constituição de uma sociedade para a qual
a lei dispenrnu a escritura pública.

São títulos bastantes para a transferência dos imóveis à


sociedade os estatutos e a ata da deliberação da assembléia
que aprovar a avaliação (1) . A transferência não é estipu-
lada a título de compra e venda, mas a título de sociedade,
atos jurídicos, regidos por normas diversas (2) . A transfe-
rência depende sàmente da transcrição no registo da comarca
para produzir efeitos relativamente a terceiros (3), bastando
para esta transcrição os escritos particulares atinentes à
constituição da sociedade (4).

Outra solução aceitamos para as sociedades que não re-


vestem a forma anônima (veja-se n. 653 supra), porque é
pequeno o número de sócios, o que de ordinário se não dá
nas sociedades anônimas, que, por êsse motivo, nem sempre
é fácil con~tituírem-se mediante escritura pública (5) (*) ·

(1) Decreto n. 434, art. 77, § 2. 0 ; decreto n. 8.821, art. 3. 0 •


(2) No sentido de ser dispensada a escritura púhlica podem ser consul-
tados os pareceres de SOUSA RIBEIRO, JOÃO MONTEIRO, FERREIRA
VIANA, SILVA COSTA, JOSt:: HIGINO, na Gazeta Jurídica de São Paulo,
vol. 20, págs. 23-33, e parecer e artigo doutrinário do Cons. DUARTE DE
AZEVEDO, na mesma Gazeta, págs. 24-25, no São Paulo Judiciário, vol. l.º,
págs. 11-14, e nas Controvérsias Jurídicas, pág. 339.
(3) Decreto n. 370, de 2 de maio de 1890, art. 236, § 4. 0 •
( 4) Parecer SOUSA RIBEIRO, referido em a nota 2 supra e tambélll
publicado na Revista Mensal, vol. 9. 0 , pág. 109.
(5) O acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 20 de setembro
de 1899, ponderou: "A incorporação dos bens à sociedade, como entrada da
quota subscrita pelo acionista, se opera independente de escritura pública e por
fôrça do contrato de sociedade no momento em que esta adquire personalidade
jurídica. Desde que a lei permitiu que as sociedades anônimas se constituíssem
por escritura pública ou particular, equiparou êstes dois meios em fôrça e
efeitos. E, uma vez que estas sociedades são regidas por leis especiais segundo
as quais não é necessária a escritura pública para a incorporação à sociedade
dos bens que constituem a quota de entrada do acionista, não tem aplicação
à espécie a disposição do art. 11 da lei de 15 de setembro de 1855, relativa à
compra e venda de imóveis". (Na Revista de Jurisprudência, vol. 7. 0 , págs.
333-334).
( •) Hoje a questão está resolvida, de acôrdo com a lição do autor, pelo
art. 46 do decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 349

ARTIGO II

Da constituição pela assembléia dos subscritores

Sumário: - 967. A segunda forma de constituição das socie-


dades anônimas. - 968. Convocação da assembléia
constituinte. - 969. Composição dessa assembléia.
- 970. Novas convocações na falta de "quorum". -
971. Como &ão tomadas as deliberações. - 972.
Representação dos subscritores. - 973. Ordem dos
trabalhos e deliberação da assembléia constituinte.
- 974. Outras deliberações que pode esta assembléia
tomar depois de constituída a sociedade. - 975.
Ata da assembléia constituinte.

967. A sociedade anônima constitui-se, também, por de-


liberação da assembléia dos subscritores (1).
Tratando-se de grandes sociedades ou de sociedades que
precisam elevado capital, abrindo-se subscrição pública, essa
é a forma a seguir. E como êste processo supõe uma série de
atos sucessivos que precedem o ato definitivo da constitui-
ção, denomina-se constituição continuada ou sucessiva.

968. Subscrito integralmente o capital social (n. 932,


supra) e assinados os estatutos por todos os subscritores
(n. 928 supra), os fundadores convocam a assembléia consti-
tuinte (2), composta dêsses subscritores, designando o dia
e o lugar da reunião (ns. 912 e 949 supra) . Esta convocação
faz-se pela imprensa.

~ste acórdão contém quatro votos vencidos contra cinco vencedores.


Em sentido contrário, exigindo a escritura pública, veja-se parecer do Dr.
CARVALHO MOURÃO, na Revista de Direito, vol. 23, págs. 37 e seguintes,
resposta do 3.º quesito. A êste parecer aderiu o Dr. J. ANTUNES FIGUEI-
REDO (mesma Revista).
(1) Decreto n. 434, art. 71; lei n. 3.150, art. 3. 0 , § 1. 0 , n. 2; decreto
n. 8.821, art. 25; decreto n. 164, art. 3. 0 , § 1. 0 , n. 2 (*).
(2) Decreto n. 434, art. 74; decreto n. R.821, art. 27 (**).
Esta assembléia é muito bem denominada constituinte no art. 9. 0 do dec.
n. 434 consolidando a disposição do art. 5. 0 do decreto n. 1.362, de 1891, por-
que 0 ; subscritores do capital são chamad_?s a ratificar, deliberar sôbre a obra
dos fundadores e estipular o contrato social.
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 45.
( .. ) Cit. decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 43 .
350 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

969. Para a assembléia constituinte funcionar vàlida-


mente não se exige a unanimidade dos subscritores, porém,
número dêstes que represente, pelo menos, dois terços do
capital social (1).
Fazem parte dessa assembléia os que conferem tanto
dinheiro, como bens, coisas ou direitos.
Como não há cessão válida de ações antes de constituída
a sociedade, não são admitidos na mesma assembléia cessio-
nários dos subscritores.
970. Se, reunidos os subscritores, não se acharem repre-
sentados os dois terços do capital social, os fundadores convo-
carão segunda reunião, e se ainda nesta não houver a impor-
tância do capital, que a lei exige, c0nvocarão terceira, por ·
anúncio e por carta, com a declaração de que a assembléia
deliberará, seja qual fôr a soma do capital representado pelos
subscritores presentes (2) .
971. As deliberações são tomadas pela maioria dos subs-
critores, não podendo votar sôbre vantagens estipuladas em
seu proveito nos estatutos ou contrato social o subscritor ou
acionista interessado (3).
Cada subscritor tem direito a um voto, qualquer que
seja o número de ações tomadas. A votação é per capita (***) ·
Nesta assembléia, os subscritores figuram na qualidade de
contratantes, e manifestam o seu consentimento para a cons-
tituição definitiva da sociedade (4).
(1) Decreto n. 434, arts. 75, § 1.º, 1.ª alínea, e 131, princ.; lei o. 3.150,
art. 15, § 4. 0 ; decreto n. 8.821, arts. 28. § l.º, 1.ª alínea, e 56 (•). .
No Código italiano basta a presença de metade pelo menos dos subscrito--
res (arL 136).
(2) Decreto o. 434, art. 131, §§ J. 0 e 2.0 ; lei n. 3.150, art. 15, § 4.0 ;
decreto n. 8.821, art. 65; decreto n. 164, art. 15, § 4.º (**).
(3) Decreto n. 434, arts. 132 e 142; lei n. 3.150, arts. 15, §§ 4. 0 e 10;
decreto n. 8.821, art. 72; decreto n. 164, art. 15, §§ 4.º e 10 (n*"').
( 4) VIV ANTE, Trattato di diritto commerciale, 3.ª ed., vol. 2.º, n. 438;
BING, La société anonyme en droit italien, pág. 96.
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 44, in princ.
( • •) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 44,
( *º) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 44, § 4. 0 , dispõe de maneira dif~
rente.
(••••) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 38 in fine.
..·

TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEffiO 351

Em rigor, a exigência da unanimidade dos subscritores,


seria aconselhável. Há a observar, porém, que todos os subs-
critores já aderiram aos estatutos e, assim, manifestaram a
vontade de colaborar na sociedade, e entraram com a quota
percentual. Exigir de novo a unanimidade é deixar arma pe-
rigosa nas mãos do subscritor de má-fé, que, com o sêu voto,
pode embaraçar ou destruir qualquer organização, por mais
sólida e honesta que seja.
A lei pretende, como dissemos, uma espécie de revisão
pelos subscritores, dando-lhes tempo para estudarem melhor
as condições de vitalidade da sociedade.
Se os estatutos exigirem certo número de ações para o
exercício do voto, a disposição não se aplica a essa assem-
bléia (1). Enquanto não se constitui a sociedade, não pre-
valecem as regras estatutárias; não há vínculo obrigatório
entre os subscritores; todos se acham nas mesmas condições
de igualdade e o elemento indivíduo tem predomínio sôbre o
elemento capital. t:ste aparece somente depois de constituída
definitivamente a sociedade (veja-se n. 881 supra) .
972. É permitido aos subscritores representarem-se nes-
sa assembléia por procuradores com poderes suficientes e
expressos (2) . Não é essencial que êsses procuradores sejam
subscritores (3) .
973. Reunida a assembléia no dia marcado e verificado
o quorum, legal, os fundadores apresentarão as provas do
cumprimento das condições exigidas pela lei, a saber:
a) os estatutos assinados por todos os subscritores (n.
928, supra) ;
b) as listas dos subscritores mostrando que o capital
social foi inteiramente subscrito;
- (1) Decreto n. 434, art. 141, § 2. 0 ; decreto n. 8.821, art. 71, § 2. 0 (•).
(2) Código Com., art. 145; dec. n. 434, art. 75, § 1. 0 , 2. 8 alínea; dec.
8 821, art. 28, § 1. 0 , 2.ª alínea ("'*).
0
· "c3) O decreto n. 434, no art. 75, § t. 0 , 2.ª alínea, in fine, exige que os
ocuradores sejam acionistas. Há manifesto excesso do poder regulamentar.
~enbuma lei impõe essa condição.
( •) Hoje a cada ação corresponde um voto, podendo os estatutos, entre-
tanto, limitar o número de votos de cada acionista. - Decreto-lei n. 2.627, de
de setembro de 1940, art. 80.
Z6 (,...) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 47.
352 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

e) o conhecimento ou certidão do depósito em dinheiro


da décima parte do capital subscrito (n. 957 supra) (1);
d) os contratos referidos no prospecto para a subscri-
ção pública (2) .
Em seguida, mandarão ler os estatutos e o conhecimento
ou certidão do depósito (3) .
Qualquer subscritor poderá fazer as observações que lhe
aprouver (4).
Se a maioria dos subscritores presentes não se opuser,
os fundadores declararão a sociedade definitivamente cons-
tituída (5).
A maioria da assembléia não tem poderes, entretanto,
para modificar, alterar ou derrogar as cláusulas dos estatu-
tos (6); êstes consideram-se aceitos pelos subscritores desde
que assinados.
Temos que, não obstante aceitos previamente os estatu-
tos e manifestada por êsse fato a intenção de constituir a
sociedade anônima, a maioria dos subscritores presentes à
assembléia constituinte pode sacrificar o projeto. É nesta
assembléia que definitivamente se constitui a sociedade anô-
nima (7).
0
(1) Decreto n. 434, art. 75, princ.; lei n. 3.150, art. 3. 0 , § 1. , n. 2;
decreto n. 8.821, art. 28, princ.; decreto n. 164, art. 3. 0 , § 1. 0 , n. 2 (*).
(2) Decreto n. 434, art. 9.º; decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891,
art. 5. 0 •
(3) Decreto n. 434, art. 75, princ., n. 1; dec. n. 8.821, art. 28, princ. ("'*).
(4) Decreto n. 434, art. 75, princ., n. 3; dec. n. 8.821, art. 28, princ.
(5) Decreto n. 434, art. 75, princ., n. 3; dec. n. 8.821, art. 28 (***).
(6) Decreto n. 434, art. 75, § 2.º; decreto n. 8.821, art. 28, § 2. 0 (** .. ).
O Códig? alemão, art. 196, § 5.0 , permite que a assembléia constituinte,
com o assentimento de todos os subscritores presentes, modifique os estatutos
em certos pontos, como: a razão e sede social, o objeto a importância do capi-
tal, a convenção das ações, etc. '
. Na França a doutrina e a jurisprudência têm admitido modificação ao
pr~Jeto dos estatutos. (Consulte-se BOUCART, De l'organisation et des pou-
voirs des assemblées générales, n. 73).
(7) Notem-se as palavras definitivamente, definitiva dos arts 3 o d l ·
n. 3.150, 3. 0 , do decreto n. 164 e 75, n. 3 e 77, § t. 0 , do decreto n.' 4] 4 . a ei
(•) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940 art 44 § 1 o
( .. ) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 44, § l.º. ' · ' · •
( • .. ) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 44, § 2.º
cnu) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 44, § 3.º.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 353

Isso confirma o que dissemos em o n. 951 supra: a subs-


crição pública e a adesão aos estatutos são meros contratos
preliminares de interêsse individual, subordinados à delibe-
ração ou aprovação da maioria da assembléia constituinte.
O subscritor arrependido pod2 votar contra a constituição
definitiva da sociedade, porém é a maioria que decide.
A deliberação des~a assembléia, pondera VIVANTE, fun-
de em um só ato constitutivo os numerosos contratos preli-
minares entre os subscritores e fundadores, e adquire a fôrça
obrigatória de um contrato, que reuniu o consenso de todos
os sócios (1) .
974. A assembléia constituinte, depois de deliberada a
constituição definitiva da sociedade, pode:
a) nomear os primeiros administradores e fiscais (2),
observando o que determinam os estatutos e a lei no silêncio
dêstes;
b) exonerar os fundadores e os primeiros administra-
dores da responsabilidade pelos atos praticados por conta da
sociedade no período da sua constituição (3) (n. 918 supra);
e) estabelecer, em favor dos fundadores ou de terceiros
que hajam concorrido com serviços para a formação da so-
ciedade, qualquer vantagem consistente em parte dos lucros
líquidos (4) (n. 914 supra).
975. Da assembléia constituinte lavra-se ata em dupli-
cata, contendo a transcrição das peças mencionadas em o
n. 973 supra, assinada por todos os a~ionistas presentes de-
pois de lida e aprovada. Um dos exemplares da ata fica em
poder da sociedade e o outro tem o destino legal (5).
(1) Trattato di diritto commerciale, 3.ª ed., vol. 2. 0 , n. 448.
(2) Decreto n. 434, art. 75, princ. n. 4; decreto n. 8.821, art. 27, princ.
últ. alínea ( *). '
(3) Decreto n. 434, art. 88; lei n. 3.150, art. 5. 0 , 1.ª alínea; decreto
n. 8.821, art. 37, parágrafo único; decreto n. 164, art. 5. 0 , l.ª alínea (**).
(4) Decreto n. 434, art. 20; lei n. 3.150, art. 3. 0 , § 3. 0 ; dc,reto n. 8.821
art. 9. 0 , parágrafo único; decreto n. 164, art. 3. 0 , § 3. 0 • '
(5) Decreto n. 434, art. 76; decreto n. 8.821, art. 29 (***).
( *) Nessa assembléia deve ser feita a nomeação. - Decreto-lei n. 2.627,
de 26 de setembro de 1940, art. 44, § 2. 0 •
(**) Cit. decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 55, pará-
grafo único.
(U*) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 44, § 5. 0 .

23
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

A prática de a assembléia dos sub~critores delegar à mesa


poderes para assinar a ata, é irregular.

SEÇÃO VII
Da avaliação dos bens móveis e imóveis, corpóreos e incor-
póreos, conferidos pelos subscritores, além de dinheiro
Sumário: - 976. As coisas ou direitos conferidos na socie-
dade devem ser avaliados rior louvados. - 977. Mis-
sfo dos louvados. - 978. ~stes respondem por per-
das e danos nos casos de fraude e lesão. - 979.
Processo da avaliação. - 980. Na constituição da
sociedade por escritura pública. - 981 . Continua-
ção. - 982. Continuação. - 983. Continuação. -
984. Na constituição da sociedade por deliberação
da assembléia dos subscritores. - 985. Continua-
ção. - 986. Direito Fiscal.

976. A contribuição dos sócios pode consistir não so-


mente em dinheiro, como em coisas, bens móveis ou imóveis
corpóreos ou incorpóreos (n. 544, supra).
Se o subscritor, ao invés de dinheiro, quer realizar a sua
contribuição em coisas ou b~ns (incluídos nestes os direitos,
que são bens incorpóreos), nos estatutos ou no contrato so-
cial devem ser declarados com o seu valor (1). Não basta,
porém, essa declaração. As entradas ou pre: tações tendo por
objeto bens ou coisas ~õmente serão admitidas pelo valor em
que forem estimadas por louvados (2), e depois de aprovada
a avaliação pela assembléia geral (3). (Veja-se n. 546 supra).
Se o valor declarado nos estatutos ou contrato social fôr
inferior à avaliação dos louvados, o sub~critor ou sócio, res-
ponsável pela prestação, é obrigado a entrar com a diferença
em dinheiro (4) .

(1) Decreto n. 434, art. 17, § 2. 0 ; decreto n. 8.821, art. 7. 0 ( • ) .


(2) Decreto n. 434, art. 17; lei n. 3.150, art. 3. 0 , § 2. 0 ; decreto n. 8.821,
art. 7. 0 ; decreto n. 164, art. 3. 0 , § 2. 0 ( . . ).
(3) Decreto n. 434, art. 17, § 1. 0 e 83; lei n. 3.150, art. 3. 0 , § 2.º; dec.
n. 8.821, arts. 7.º e 34; decreto n. 164, art. 3.0 , § 2. 0 (•**).
(4) Decreto n. 434, art. 17, § 2. 0 ; decreto n. 8.821, art. 7.º.
(•) Decreto-lei n. ~.627, de 26 de se~e~bro ~e .1~40, art. 45, § 4.º.
(,...) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 5. , m prmc1p10.
(•••) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 5. 0 , § 2. 0 •
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 355

977. Os louvados não devem limitar-se a avaliar as coi-


sas, objeto da quota; cumpre-lhes, ainda, constatar a existên-
cia dessas coisas e dar os fundamentos do seu parecer sôbre
o valor, encarando-o sob o ponto de vista técnico e comercial.
Sõmmte assim a avaliação terá merecimento e será o que
a lei realmente pretende (1) (*).

978. Os louvados ou peritos são responsáveis pelas per-


das e danos, resultantes da avaliação, no caso de fraude ou
lesão enorme (2) (**) .
B2la disposição, não há dúvi:la ... no papel! A<:o maio-
res extorsões contra as sociedades anônimas têm sido prati-

( 1) Parecer do Consultor Geral da República (Dr. RODRIGO OTA-


VIO), de 5 de dezembro de 1911, sôbre a organização do anonimato brasileiro:
" ... Parece-me fora de dúvida que o nosso regímen legal não comporta a con-
tribuição para o capital das sociedades anônimas com coisas e bens que tenham
de ser futuramente entregues ou o sejam em prestações.
O art. 17 do decreto n. 434, estipulando, no § 2.º, que o sócio que con-
tribui com coisas ou bens é obrigado a completar o valor em dinheiro, quando
a avaliação fôr inferior ao valor declarado, pressupõe claramente a existência
atual da coisa e sua entrada real para o acervo social.
O art. 30, mantendo subsistente a responsabilidade para com a sociedade
do cedente da ação não integrada, refere-se expressamente "às quantias que
faltarem para completar as entradas ou acões cedidas" e a expressão quantias
indica indubitàvelmente dinheiro, não podendo de modo algum indicar coistl3
ou bens.
O art. 33, regulando o comisso, permite a venda em leilão das ações não
integradas e se a lei concebesse ações não integradas representando capital a
ser constituído em uma coisa certa, já avaliada, como se conciliar a efetiva
integralização do capital, naquela espécie, com a liberdade de aquisição do
que mais der?
Os arts. 73 e 77, dando o modo por que se procede quado "as prestaçõe!
ou entradas de alguns dos sócios consistirem em bens, coisas ou direitos" con-
signam o primeiro no § 2. 0 , n. 1, que "se a avaliação fôr aprovada, os bens
serão admitidos pelo valor estimado", e o segundo, no § 2. 0 , que os bens "serão
aceitos'' pelo valor dado.
Admitidos, onde? Aceitos, como? Evidentemente no capital social.
Não se pode dar outra interrretação às disposições referidas". (No Diário
Oficial, de 11 de julho de 1912 e na Revista do Supremo Tribunal Federal,
vol. 3. 0 , P. 2.ª, pág. 409).
(2) Decreto n. 434, art. 78; decreto n. 8.821, art. 31. (Veja-se o acórdão
de 17 de julho de 1914 no Trit. de Just. de S. Paulo, confirmado pelo de 4 de
dezembro do mesmo ano, na Revista dos Tribunais, vol. 10, pág. 287, e vol. 12,
pág. 179).
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. S. 0 , § t. 0
( .. ) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. S. 0 § S.O.
S56 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

cadas de conivência com êsses louvados, instrumentos dos


interessados. Assembléias incompetentes e compostas de pes-
soal recrutado pelos fundadores aprovam as avaliações mais
EScandalosas e imorais (1) .

979. A lei estabelece o processo de avaliação, ditando


normas especiais para os casos em que a sociedade se cons-
titui por escritura pública ou por deliberação da assembléia
geral dos subscritores.

980. I. Constituição por escritura pública. Na escri-


tura, depois de transcritos os estatutos, declararão os fun-
dadores que a constituição da sociedade fica adiada até que
se apresente devidamente aprovada a avaliação dos bens,
com os quais entram para a formação do capital um ou
alguns subscritores (2) .

(1) Para sanar o mal têm-se proposto diversos alvitres. Na França, as


ações representando apports en nature devem ser integralizadas e não podem
ser destacadas do talão nem negociáveis senão dois anos depois de constituída
a sociedade (lei de 1867, art. 3. 0 ).
Tem-se lembrado, ainda, a nomeação judicial de peritos para êsse fim. O
Congresso Internacional do Comércio e da Indústria, reunido em Bruxelas, no
mês de setembro de 1897, repeliu a idéia de submeter a verificação das entra-
das em bens à avaliação judicial. O mesmo se colige da 4. ª proposição apro-
vada pelo Congresso das Sociedades Anônimas de Paris em 1900.
VIV ANTE sugere a seguinte idéia: "nas sociedades que se constituírem
ou se aumentarem com a conferência in natura dar-se-ão aos conferentes ações
fie fundação, que somente terão direito aos dividendos depois de distribuídos
aos acionistas que conferirem dinheiro, um dividendo pelo menos igual a 4%
sôbre o valor nominal das ações. Pagos os 4% também às ações de fundação,
o dividendo ulterior será distribuído entre todos igualmente. Depois de seis
exercícios em que se verifique a distribuição daquele mínimo dividendo a tôdas
~ ações, as ações de fundação poderão ser convertidas em ações ordinárias.
Antes do sexênio, a assembléia poderá, também, com o voto de um vigé-
simo das ações, exigir a revisão dos balanços para verificar a veracidade dos
dividendo distribuídos.
A ação de responsabilidade por fraude ou culpa dos fundadores poder-se-á
tornar efetiva sôbre as ações e fundação até ao momento da conversão". (Per
la riforma delle società anonime, na Rivista dei diritto commerciale, vol. 11,
1913, P. 1, págs. 149-151).
(2) Decreto n. 434, art. 73, princ.; decreto n. 8.821, art. 26, § 1.º (*).
(•) Veja-se o que dispõe o art. 45, § 4. 0 , do decreto-lei n. 2.627, de
26 de setembro de 1940, combinado com o art. 5. 0 •
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 357

Em seguida, êl2s convocarão os subscritores para, em


assembléia, nomear três louvados, que procedam à avalia-
ção (1) .
A convocação deve ser pessoal por carta registrada ou
por anúncios públicos. É de aconselhar sempre a primeira,
rn os subscritores não são numerosos. Da própria escritura
inicial, pode constar desde logo a convocação, e o aviso aos
intaessados do dia, hora e lugar da assembléia. É o meio
mais expedito e prático.
Reunidos os subscritores em assembléia, nomearão os
louvados que, sem dependência de qualquer outro ato e por
simplês convite dos fundadores, iniciarão o seu trabalho.
Avaliados os bens e direitos conferidos, os fundadores
convocarão os subscritores para a segunda as~embléia, a fim
de tomar conhecimento do laudo (2).
Esta segunda assembléia, distinta da primeira, tem por
fim proporcionar aos subscritores o tempo necessário para
que posrn.m proc2der maduramente, com conhecimento de
causa e sem entusiasmos. "Há nas sociedades, como em
outras asrnciações, uma lua de mel, cujos ardores podem
ser perigosos se não são contidos", escreve PAUL PONT (3).
Esta segunda assembléia é indispensável. Não pode ser
suprimida, ainda que os subscritores, na primeira assembléia,
aprovem por unanimidade o laudo da avaliação (4). A lei
não fixou prazo entre a primeira e a segunda assembléias;
não pode, porém, autorizar a reunião de ambas no mesmo
dia, uma em seguimento à outra (5). É indispensável espaço

(1) Decreto n. 434, art. 73, § 1.º; dec. n. 8.821. art. 26, § t. 0 , n. 1 (•).
(2) Decreto n. 434, art. 73, § 2. 0 , princ.; decreto n. 8.821, art. 26, § 1.0 ,
n. 2, princ. (H).
( 3) Des sociétés, vol. 2. 0 , n. 989.
(4) Contra: o VISCONDE DE OURO PR~TO, em parecer de 30 de
dezembro de 1905 (Relatório do Presidellte da Câmara Sindical de Corretores
de Fundos do Distrito Federal, 1906, págs. 24-27) .
(5) Contra: DiDIMO, Código Comercial Comentado, vol. 2. 0 , pág. 69.
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 5. 0 , in princ.
(**) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 5. 0 , § 1. 0 •
35S J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

suficiente não só para que os bens possam ser avaliados sem


precipitação, como para que a assembléia se habilite a emi-
tir juízo seguro (1) .
981. Essas assembléias (a 1.ª e 2.ª), para deliberar và-
lidamente, devem constituir-se com a presença de subscrito-
res que, no mínimo, representem dois terços do capital so-
cial (2).
Se na 1.ª reunião não estiver representada esta parcela
do capital social, os fundadores convocarão 2.ª, e se ainda não
pode funcionar por falta de quorum, convocarão terceira,
observando-se o que ficou exposto em o n. 970, supra (3).
Nessas assembléias, poderão votar todos os subscritores,
quaisquer que sejam as restrições nos estatutos, isto é, ainda
que não possuam o número de ações, exigido pelos estatutos
ou contrato social para o exercício do voto (4).
Trata-se de atos preliminares para a formação da socie-
dade; a assembléia é de subscritores e não de acionistas (n.
971 supra).
Não podem os subscritores votar, por si e como procura-
dores de outros, sôbre a avaliação dos bens ou direitos que
conferirem (5), conquanto não lhes seja proibido discutir e
oferecer esclarecimentos.
982. Se a assembléia não aprovar a avaliação, deixará
de ter efeito o projeto de sociedade (6) . A assembléia não
(1) Na França, marcou-se o prazo de cinco dias.
(2) Decreto n. 434, art. 131, princ.; lei n. 3.150, art. 15, § 4. 0 ; decreto
n. 8.821, art. 65, princ., decreto n. 164, art. 15, § 4. 0 (*).
(3) Decreto n. 434, arts. 131, §§ 1.º e 2. 0 e 132; lei n. 3.150, art. 15,
§ 4. 0 ; decreto n. 8.821, art.s. 65 e 66; decreto n. 164, art. 15, § 4. 0 (*•).
(4) Decreto n. 434, art. 141, § 2. 0 ; decreto n. 8.821, art. 71, § 2. 0 •
(5) Decreto n. 434, art. 124; lei n. 3.150, art. 15, § 10; decreto n. 8.821,
art. 72; decreto n. 164, art. 15, § 10. Se votam. é nula a sociedade? Leia-se o
acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo de 7 de julho de 1914, confir-
mado pelo de 4 de dezembro do mesmo ano, na Revista dos Tribunais, vol. 10,
págs. 284-289 e vol. 12, pág. 179 (U*).
(6) Decreto n. 434, art. 73, § 3. 0 ; dec. n. 8.821, art. 26, § 1. 0 , n. 3 (* .. *).
( •) Pelo menos metade do capital . Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setem-
bro de 1940, art. 5. 0 •
( .. ) Em segunda convocação delibera a sociedade com qualquu nó-
mero - Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 90.
(U*) Cit. decreto-lei o. 2.627, art. 82.
( .... ) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. S. 0 , § 2. 0 •
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 359

pode assumir o papel dos avaliadores, estabelecendo ou fixan-


do valor superior ou inferior ao do laudo (1) .

983. Aprovada a avaliação dos bens e direitos, serão


êstes admitidos pelo valor estimado, e lavra-se nova escri-
tura, em aditamento à inicial, transcrevmdo-se a ata das
duas assembléias acima referidas (2), apresentando-se a c2rti-
dão do depósito da décima parte do capital e declarando-se
d2finitivamente constituída a sociedade anônima (3). Esta
escritura deve ser assinada, também, por todos os subscri-
tores (4).
984. II. Constituição por deliberação da assembléia
dos subscritores.
O fundador ou fundadores, antes de convocar a assem-
bléia constituinte, convidarão os subscritores para se reuni-
rem em assembléia preparatória, na qual nomearão, por
maioria de votos, três louvados para a avaliação dos bens ou
direitos conferidos (5), observando-se o mais que ficou expli-
cado em os ns. 980 e 981 supra.
985. Procedida a avaliação, os fundadores convocarão
a assembléia constituinte para tomar conhecimento do laudo
pericial e deliberar sôbre a constituição definitiva da socie-
dade (6) . (Vejam-si:! ns. 968 supra e seguintes) .

(1) A sociedade pode ser constituída se a assembléia por unanimidade


aprovar a redução que os conferentes fizerem dos bens oferecidos em paga-
mento das ações. É a solução do Direito francês (THALLER, Traité de droit
commercial, 4.ª ed., n. 541).
(2) Decreto n. 434, art. 73, § 2. 0 , n. 1; decreto n. 8.821, art. 26, § 1.0 ,
n. 2. A lei refere-se ~õmente à ata que contém a aprovação da avaliação.
Parece-nos, porém, que a ata de nomeação dcs louvados, que .! fundamento
daquela, deve constar também na escritura. Assim se pratica geralmente ( •).
(3-4) Decreto n. 434, art. 73, § 2. 0 , n. 2; decreto n. 8.821, art. 26, § t. 0 ,
n. 2 (**).
(5) Decreto n. 434, art. 77, princ.; lei n. 3.150, art. 3.0 , § 2. 0 ; decreto
n. 8.821, art. 30; decreto n. 164, art. 3. 0 , § 2. 0 •
(6) Decreto n. 434, arts. 17, § 1.0 , e 77, § 1.0 ; decreto n. 8.821, art.
30, § t. 0 (***).
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, arts. 5.0 , § 4.0 , e
45, § 4. 0 in fine.
(**) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 45, § 2. 0 •
( ***) Cit. decreto-lei n. 2.627, arts. 5. 0 , § t. 0 , e 43.
360 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Se a avaliação fôr aprovada, os bens, coisas e direitos


serão aceitos pelo valor estimado pelos louvados e a assem-
bléia em Eeguida deliberará sôbre a constituição da sociedade
(veja-se n. 973 supra) (1).
Se, porém, não fôr aprovada a avaliação, dissolve-se a
assembléia e o projeto de sociedade ficará sem efeito (2) .
986. Direito Fiscal. A entrada em imóveis não está
sujeita a impôsto de transmissão de propriedade. É certo que
a conferência a título de propriedade importa na pas~agem
do imóvel do patrimônio do sócio para o da sociedade, sendo
necessária a transcrição para gerar efeitos para com ter2ei-
ros (n. 548 supra); trata-se, porém, de uma alienação excep-
cional, condição orgânica da sociedade. Não há transmissão
entre os sócios. As suas entradas constituem o capital de
fundação da sociedade, que, pago o passivo, se partilha entre
os sócios, voltando, portanto, à fonte inicial.
No Distrito Federal, o ato que regula êste impôsto é o
decreto federal n. 2.800, de 19 de janeiro de 1898, que no
art. 51, n. 6, isenta expressamente os contratos de sociedade
não havendo transmissão de bens entre sócios (3).
As deci~ões administrativas são inúmeras neste senti-
do (4) . Não faltam, também, decisões judiciais sufragando a
Inesma tese (5).
(1) Decreto n. 434, arts. 17, 2.ª alínea, e 77, § 2. 0 ; decreto n. 8.821,
art. 30, § 2. 0 ("').
(2) Decreto n. 434, art. 77, § 3. 0 ; decreto n. 8.821, art. 30, § 3.º. ( . . ).
(3) O impôsto de transmissão de propriedade passou a ser arrecadado e
fiscalizado pela Prefeitura do Distrito Federal, observando-se a<; disposições
dêste decreto federal (lei n. 2.524, de 31 de dezembro de 1911, art. 27) (*"'*).
(4) Avisos do Ministério da Fazenda, de 29 de novembro de 1890 (em
O Direito, vol. 45, de I 2 de agôsto de I 896 e em O Direito, vol. 7 I, pág. 141).
Essas decisões partem aliás de um princípio contestável: "sócio, que entrando
para formação do capital da companhia com bens de raiz, não transferiu o
domínio de tais bens e sim pôs êstes bens em comunhão societária para auferir
lucros".
(5) Acórdão da 1.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 25 de setembro
de 1905, confirmado pelo das Câmaras Reunidas, de 25 de novembro de 1908
(em O Direito, vol. 108, págs. 262-263, e na Revista de Direito, vol. J. 0 , pág.
151 ) ; acórdão da 2. ª Câmara da Côrte de Apelação, de 27 de agôsto de I 907
(na Revista de Direito, vol. 6. 0 , págs. 687-691).
(*) e (**) Dec.-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 5. 0 , § 2.º.
(***) Regulado hoje pelo decreto-lei n. 9.626, de 22-8-1946, que no art.
1.0 , parágrafo único, n. J, dispõe de maneira dive~a.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 361

SEÇÃO VIII

Do registo, publicidade e inicio das funções das socieda-


des anônimas. Da admissão das ações à cotação da Bôlsa.
Do Direito Fiscal

Sumário; - 987. O registo e a publicidade dos atos orgâni-


cos da socidade anônima. - 988. Inobservância
dessas formalidades. - 989. Prazo para o arquiva-
mento daqueles atos. - 990. Processo do depósito
ou arquivamento no registo do comércio. - 991. A
cargo de quem se acha êsse registo. - 992. Publi-
cação. - 993. Prazo ='ara a sociedade iniciar as
suas operações. - 994. Admissão à cotação da
Dôlsa. - 995. Direito Fiscal.

987. Constituída a sociedade anônima por qualquer das


formas explicadas em o n. 961 supra, ela não assume a qua-
lidade de pessoa jurídica, nem pode, por conseguinte, entrar
em funções, praticar vàlidamente ato algum ou acionar os
seus acionistas ou terceiros, sem arquivar no registo de co-
mércio e publicar os seus atos institucionais (1).

:msse arquivo equivale ao registo civil do nascimento das


pessoas físicas.

Consultem-se os acôrdãos da Câmara Cível da Côrte de Apelação, de 23


de junho de 1898 e das Câmaras Reunidas. de 17 de janeiro de 1899, refor-
mando a sentença do Juiz dos Feitos da Fazenda Municipal, na Revista de
Jurisprudência, vol. 7. 0 , págs. 62-70.
(l) Código Civil, art. 20, § 2.º; decreto n. 434, arts. 79 e 80; lei n. 3.150,
art. 3. 0 , §§ 4.º e 5.º, e art. 4.º; decreto n. 8.821. arts. 32 e 33; decreto n. 164,
art. 3.º, § § 4.º e 5.º, e art. 4.º ( •). Acórdão do Supremo Tribunal Federal,
de 24 de maio de 1922 confirmado pelo de 24 de agôsto do mesmo ano, na
Revista do Supremo Trfbunal, vol. 41, pág. 104, e vol. 46, pág. 63; discussão
no Tribunal, no vol. 40, pág. 265; Revista de Direito, vol. 56, pág. 109.
("') Decreto-lei o. 2.627, de 26 de setembro de-1940, art. 50.
~62 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

988. Se a inobservância dessas formalidades não pro-


duz a nulidade da constituição da sociedade anônima, isenta
esta, todavia, da responsabilidade pelos atos praticados em
seu nome pelos fundadores ou primeiros administradores no-
meados no ato institucional, salvo ratificação. (Vejam-se ns.
918, 964 e 974 supra).
Outrossim, antes de constituída definitivamente a socie-
dade e de realizados 40% do capital subscrito, não podem
ser negociadas as ações. São írritos e nulos tais contratos (1).

989. A lei marca o prazo de trinta dias para o arqui-


vamento dos atos constitutivos da sociedade no registo do
comércio (2).

990. Os fundadores da sociedade ou os administradores


nomeados por ocasião da constituição da sociedade, devem
depositar ou arquivar no registo do comércio (***):
1. o O prospecto da subscrição pública, as listas de subs-
crição e todos os documentos mencionados nesse prospecto
(n. 950 supra).
2. 0 O contrato ou estatutos da sociedade, assinados
pelos sócios. Aos estatutos devem acompanhar as procura-
ções dos que assinaram como mandatários (3). Se a socie-
dade é constituída mediante escritura pública, as procura-
ções ficam arquivadas e registadas no cartório do tabelião.

(1) Decreto n. 434, arts. 25 e 26; decreto o. 8.821, art. 13; decreto n.
850, arts. 2.0 e 3. 0 ; decreto n. 1.262, art. 1O ( •).
(2) Decreto n. 434, art. 9. 0 ; lei n. 1.363, art. 5. 0 • Parece que êste prazo
somente se refere ao caso em que se dá a subscrição pública. A razão, entre-
tanto, é a mesma no outro caso ( • •) .
( 3) A falta do arquivamento destas procurações no registo do comércio
foi um dos motivos para a nulidade da constituição de uma sociedade anônima.
(Sentença do Juiz do Comércio (Dr. INÁCIO ARRUDA), de 3 de março de
1892, confirmada pelos acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 18 de
novembro de 1892, e de 18 de janeiro de 1893, na Gazeta Jurídica de S. Paulo,
vol. 1. 0 , págs. 463-480).
(*) Hoje 30% - Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 14.
(**) Decreto n. 93, de 20 de março de 1935, art. 5. 0 •
( . . *) No vol. 4. 0 , n. 1.535, enumerou o autor outros atos que também
devem ser registados e publicados.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEffiO 363

3.º A lista nominativa dos subscritores com indicação


do número de ações e entradas de cada um (1) (ns. 950 e
973, supra) (*).
4.º A certidão do depósito da décima parte do capital
subscrito (ns. 957 e 973, supra) .
5.º As atas da assembléia constituinte e das prepara-
tórias em que se nornearam louvados e se aprovaram a ava-
liação de bens ou direitos e se elegeram administradores. As
atas das assembléias, que nomeiam os louvados e aprovam
a respectiva avaliação, devem ser transcritas na escritura
pública da constituição da sociedade, se por essa forma ela
se organiza (n. 983, supra) (2) .
991. O acha-se a cargo das juntas comerciais
regi~to
(n. 213 do 1. vol., 2.ª ed. dêste Tratado).
0

Nos lugares onde não há juntas, faz-se o arquivamento


dos documentos mencionados em o n. 900, supra, no cartório
de hipotecas da respectiva comarca (3).
A qualquer pessoa dar-se-á, sem inquirir o interêsse que
tem, certidão dos atos ou documentos arquivados (4).
992. Arquivados os documentos, serão publicados no
Diário Oficial da Capital Federal e, nos Estados, na fôlha
que publicar o expediente do Govêrno (5) (****):
( 1) Se a escritura pública da constituição da sociedade é assinada por
todos os acionistas, se os estatutos, parte integrante da constituicão por delibe-
ração da assembléia geral, devem ser assinados por todos os subscritores, se a
subscrição contém os nomes dos subscritores, para que essa lista nomina-
tiva? (**).
(2) Quanto aos documentos mencionados em o n. t. 0 : decreto n. 434,
art. 8. 0 e decreto n. 1.362, art. 4. 0 . Quanto aos referidos em os ns. 2. 0 a 5.0 •
decreto n. 434, art. 79; lei n. 3.150, art. 3.0 , § 4. 0 ; decreto n. 8.821, art. 32;
decreto n. 164, art. 3. 0 , § 4. 0 (***).
(3) Decreto n. 434, art. 79, princ. e legislação citada em a nota 1 da
pág. 361.
(4) Decreto n. 434, art. 147, § 3. 0 ; decreto n. 8.821, art. 76, § 3. 0 •
(5) O Congresso Internacional das Sociedades por Ações, reunido em
Paris no ano de 1900, adotou a resolução seguinte: "17.0 , II est indispensable
de créer un organe spécial et unique dans chaque pays pour les publications
relatives aux sociétés".
(*) Art. 51, b. do decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940.
( .. ) O art. 52 do citado decreto-lei n. 2.627 atendeu a essa crítica.
( . . *) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 45, § 4.0 •
( .... ) Cit. decreto-lei n. 2..627, art. 54.
364 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
-------
l.º os estatutos ou a escritura do contrato social;
2. 0 a certidão da Junta Comercial ou do oficial do car-
tório de hipotecas declarando a data em que se arquivaram
êrnes documentos;
3. o os nomes, profissões e moradas dos administrado-
res. Esta exigência, sàmente relativa aos primeiros admin·s-
tradores, é para fixar a responsabilidade dêstes e estabelecer
outros ef2itos pelo não cumprimento dos preceitos que a lei
lhes impõe (1).
Um exemplar da fôlha em que se publicarem êstes do-
cumentos será arquivado no cartório de registo de hipoteca
da comarca da sede social (2) (*). Quem quer que seia tem
o direito de ler a refe1ida fôlha e obter certidão, pagando o
cu~to (3).
O oficial do registo hipotecârio anotarâ em protocolo
para êsse fim criado a entrada da fôlha acima referida, e
dará cfrtificado de havê-la recebido. É permitido, também, a
quem qu2r que seja, ler essa fôlha e obter certidão pagando
o custo (4).

993. Dentro de seis meses contados da constituição da


sociedade, esta deve começar as suas op2rações sob pena de
considerar-se ipso facto dissolvida (5).

(1) Decreto n. 434, art. 80, 1.ª alínea, e art. 81, 2.ª alínea; lei n. 3.150,
art. 3. 0 , § 5. 0 ; decreto n. ~.821, art. 33; decreto n. 164, art. 3. 0 , § 5.º.
(2-3) Decreto n. 434, art. 80, 2.ª alínea, e art. 81, 2. 8 alínea, e 147, § 3.º;
lei n. 3.150, art. 3. 0 , § 5.º; decreto n. 8.821, arts. 33 e 76, § 3. 0 ; decreto n. 164,
art. 3. 0 , § 5. 0 ; decreto n. 18.542, de 24 de dezembro de 1928, art. 176. A
2.ª alínea do art. 80 do decreto n. 434 refere-se ao art. 79. Há, entretanto,
incorreção; deveria ser ao art. 91, conforme se verifica do art. 3. 0 , § 5. 0 , do
decreto n. 164, e art. 33 do decreto n. 8.821.
(4) Decreto n. 434, art. 81, I.ª alínea; decreto n. 8.821, art. 33, § 1. 0 •
Muitas legislações não se satisfazem com esta publicidade da constituição
da sociedade anônima e a cercam de outra denominada publicidade permanente,
que consiste em designar o seu nome com o aditivo sociedadP. anônima e ainda
empregá-lo nas circulares, correspondência, faturas, anúncios, e demais do-
cumentos impressos ou autógrafos dela emanados. Alguns exigem ainda que
se declare a sede social. (Consultem-se a lei francêsa de 1867, art. 67 e o
Cód. húngaro, art. 14 e italiano, art. 104).
(5) Decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891, art. 6.º.
(•) ~se arquivamento hoje é feito no Registo do Comércio - Dec.-lei
n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 54.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 365

994. A sociedade é interessada na fácil circulação dos


seus títulos. Cumpre-lhe, logo que tenha adquirido persona-
1' dade, promover a admi~são das suas açõ::s à cotação na
Bôlsa, requerendo-a à Comissão Sindical dos Corretores de
Fundes Públicos. A êsse respeito, dissemos o que nos parece
bastante em o n. 634 do 2. 0 volume dêste Tratado.

995. Direito Fiscal ("') . O capital da fundação das so-


ci:dadr:s anônimas está sujeito ao impôsto do sêlo de verba
de 1$100 por 1: 000$000 ou fração dessa quantia (1). Acha-se,
porém, isento dêsse impôsto o capital das sociedades de cré-
dito real (2) e as companhias de docas (3) . Sendo o capital
em moeda estrangeira, o valor será calculado ao câmbio rlo
dia do pagamento do sêlo (4).
E:ste impôsto é exigível, quer o capital se constitua por
meio de bônus, quer por outro qualquer modo (5), e deve ser
pago à medida que se fizerem as chamadas (6) .
O pagamento do impôsto efetua-se dentro de 30 dias, con-
tados:
a) da data fixada para cada urna das entradas quando
o capital se constitui por essa forma;
b) da data da assembléia geral, quando se efetua por
meio de bônus;
e) finalmente, da data da instalação, quando se for-
mar por outro qualquer modo (7) .
O pagamento faz-se por meio de guias em duplicata, fir-
madas pelo gerente e rubricadas pelo presidente, ficando um
dos exemplares na estação arrecadadora, sendo a outra res-

(1) Decreto n. 3.564, de 22 de janeiro de 1900, art. 4. 0 , n. 12 e Tabela A,


parágrafo 7. 0 , n. 1 .
(2) Decreto n. 3.564, de 1900, art. 12, n. 3; decreto n. 370, de 2 de maio
de 1890, art. 287.
(3) Lei n. 1.145, de 31 de dezembro de 1903, art. 19.
( 4) Decreto n. 3.564, de 1900, art. 4. 0 , parágrafo único.
(5) Decreto n. 3.564, de 1900, art. 39, n. 1.
(6) Decreto n. 3.564, dC' 1900, art. 4. 0 , n. 12.
(7) Decreto n. 3.564, de 1900, art. 38, n. 1.
( *) Para esta parte, veja-se o decreto-lei n. 4.655, de 3 de setembro de
1942, novamente publicado com a consolidação das alterações posteriores pelo
decreto n. 32.392, de 9 de março de 1953.
366 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

tituída à parte com a declaração do número do assentamento


no livro da receita, do valor da taxa em algarismos e por
extenso, e do nome do lugar e data (1).

SEÇÃO IX

Da nulidade da constituição das sociedades anônimas


e dos seus efeitos

Sumário: - 996. - As sanções legais pela infração da lei


r~lativamente às condições e constituição das socieda-
des anônimas. - 997. A importância e dificuldade
dessa matéria. - 998. Casos de nulidade. - 999.
Não se confundem êsses com outros casos. - 1000.
Caráter da nulidade. - 1001. A jurisprudência. -
1002. Crítica ao sistema legal. - 1003. A ação de
nulidade. - 1004. Quem a promove. - 1005. Con-
tinuação. - 1006. Que se pede na ação. - 1007.
Contra quem. - 1008. Efeitos da sentença que de-
creta ou não a nulidade. - 1009. Efeitos da que
decreta a responsabilidade dos fundadores. - 1010.
Execução da sentença que pronuncia a nulidade. -
1011. Execução da sentença contra os fundadores.

996. Duas são as sanções pela infração dos preceitos


legais relativos às condições de existência e à constituição
das sociedade anônimas:
1.ª a nulidade, e
2.ª a responsabilidade civil e penal dos fundadores (n.
907, supra).

997 . o estudo da matéria anunciada na epígrafe desta


seção é interessante e, ao mesmo tempo, difícil.
Os nossos tribunais, em dezenas de causas, sentencian-
do sôbre a nulidade daquelas sociedades e suas conseqüên-
cias, nunca assentaram jurisprudência sôbre os pontos mais
delicados. O que lhes pareceu a princípio fraudulento e cri-
minoso, pouco depois foi proclamado legal e honesto, e, no
dia imediato, de novo, condenado.

(1) Decreto n. 3.564, de 1900, art. 32. O regulamento não exige guia
em duplicata, mas é indispensável a símile do art. 39, n. 3.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEffiO 367

Encontram-se, nos repertórios e revistas forenses, as de-


cisões mais extravagantes, algumas em ostensiva oposição às
palavras da leil
Um dos ilustres juízes do Tribunal de Justiça de São
Paulo, em recente e célebre pleito, não hesitou em dizer:
"Pouco importam as decisões anteriores dos tribunais. Tais
decisões não podem firmar jurisprudência, pois foram profe-
ridas numa quadra anormal, na qual, para salvar a moral
vilipendiada por muitos especuladores e salvaguardar avul-
tados direitos de suas vítimas, foram os juízes levados, com
aplausos gerais, a dar à lei interpretação rigorosíssima, in-
fluenciados pelas circunstâncias de momento" (1).
No meio de semelhante caos, talvez fôra preferível aban-
donar essas decisões para apreciarmos somente a lei no seu
texto e nas suas aplicações. Adotaremos, porém, o sistema
que temos seguido, qual o de aproveitar nesse vasto arsenal
de tôdas as armas, as decisões que nos parecerem ter com-
preendido a lei.

998. É nula a sociedade anônima que se constituir (2) ~


1.0 Mediante instrumento ou escrito particular (3).
2. 0 Mediante escritura pública, que não contiver, além
das formalidades e declarações que em rigor devem existir no
instrumento dessa natureza, as seguintes:

( 1 ) Ministro BRITO BASTOS, voto vencedor do acórdão do Tribunal de


Justiça de São Paulo, de 21 de outubro de 1908 (nulidade da constituição do
Banco União) na Revista de Direito, vol. 20, pág. 332) .
.e.sse Ministro, no voto acima transcrito louva-se, também, na opinião do
Dr. VICENTE FERREIRA, que comentando um acórdão do Tribunal Pau-
lista do ano de 1893, assim escreveu: "Julgados sôbre essa matéria nesta quadra
não podem constituir jurisprudência. Onde encontrar um Juiz que não veja
um parente ou um amigo íntimo gemendo pela fortuna devorada nas químicas
da praça? E todo jogador que perde vai denunciar o barateiro à polícia.
dizendo que o baralho estava falsificado" (Gazeta Judiciária, vol. 3. 0 , pág. 196).
( 2) Referimo-nos às sociedades nacionais. As nulidades são mais exten-
sas, tratando-se de sociedades anônimas estrangeiras, suas sucursais ou filiais
autorizadas para funcionar na República (decreto n. 434, art. 47, § 3.º). '
(3) Decreto n. 434, arg. arts. 71 e 82; lei n. 3.150, arg. arL 3.º, § l.º (•).
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 4S, in princ~
36S J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

a) o concurso, pelo menos, de sete sócios (1);


b) a subscrição de todo o capital (2);
e) as cláusulas ou estatutos pelos quais se há de reger
a sociEdade (3);
d) a transcrição do conhecimento da décima parte do
capital (4);
e) a declaração da vontade de os sócios formarem a
sociedade (5) ;
f) a assinatura de todos os sócios (6) .
3.º Mediante deliberação da assembléia geral, sem as
formalidades seguintes:
a) o concurso, pelo menos, de sete sócios (7);
b) a subscrição de todo o capital (8);
e) a presença de quorum legal (vejam-se ns. 969 e 970
supra) (*****);
d) a apresentação e leitura dos estatutos, assinados por
todos os subscritores (9) (******);

(l) Decreto n. 434. art. 1.º; lei n. 3.150, art. 3. 0 , 2.ª alínea; dec. o. 8.821,
art. 1. 0 ; decreto n. 164, art. 3. 0 , 2. ª alínea ( *) .
(2) Decreto n. 434, arts. 65 e 83; lei n. 3.150, art. 3. 0 ; decreto n. 8.821,
art. 24; decreto n. 164, art. 3. 0 ; decreto n. 850, de 1890, art. 3. 0 (**).
(3-6) Decreto n. 434, arts. 82, 83 e 72; lei n. 3.150, art. 6. 0 , parágrafo
único; decreto n. 8.821, art. 34; decreto n. 164, art. 6. 0 , parágrafo único; decreto
n. 850, de 1890, art. 3. 0 (***).
(7) Decreto n. 434, art. I.º; lei n. 3.150, art. 3. 0 , 2.ª alínea; dec. n. 8.821,
art. 1. 0 ; decreto n. 164, art. 3. 0 , 2. ª alínea ( * * * *).
(8) Decreto n. 434, arts. 65 e 83; lei n. 3.150, art. 3. 0 ; decreto n. 8.821,
art. 24; decreto n. 164, art. 3. 0 ; decreto n. 850, de 1890, art. 3. 0 (****).
(9) Decreto n. 434, arts. 75, 82 e 141, § 2. 0 ; lei n. 3.150, arts. 6. 0 , parág.
único, 3. 0 , § I. 0 , n. 2, e 15, § 4. 0 ; decreto n. 8.821, art. 34; decreto n. 164,
arts. 6. 0 , parág. único, 3. 0 , § I. 0 , n. 2, e 15, § 4. 0 •
São inúmeras as decisões dos tribunais, anulando a constituição de socie-
dades anônimas pela falta de assinatura dos estatutos por todos os subscritores.
Vejam-se os acórdãos da Câmara Comercial do Tribunal Cível e Criminal
de 7 de junho de 1892, em O Direito, vol. 60, págs. 113-121, e de 17 de novem-
bro de 1893, no Jornal do Comércio de 10 de junho de 1894; da Câmara da
Côrte de Apelação de 30 de agôsto de 1894, em O Direito, vol. 65, págs. 559-
561; do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 14 de novembro de 1892 e 17 de
março de 1893, na Gazeta Jurídica de São Paulo, vol. 3. 0 , págs. 198-202 de
18 de novembro de 1892 e de 18 de janeiro de 1893 na mesma Gazeta, vol., 1.º,
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 38, 1.º.
(**) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 38, I. 0 •
(***) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 45, § 3. 0 , b e e, e § 2.º.
(****) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 38, § 1. 0 •
( . . ***) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 44 in princ.
( ... ****) V. cit. decreto-lei n. 2.627, art. 45, § t. 0 •
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 369

e) a exibição do documento probatório do depósito da


décima parte do capital (1);
f) a a~sinatura da ata por todos os sócios presentes (2).

págs. 463-479, de 9 de janeiro de 1894 e 21 de agôsto de 1895, na Revista


Mensal, vol. l.º, pág. 255, de 2 de agôsto e 25 de fevereiro de 1895, na Re-
vista Mensal, vol. t. 0 , pág. 193, e vol. 2. 0 , pág. 335, de 1 de março de 1895
e 3 de setembro de 1895, na Revista Mensal, vol. 1. 0 , pág. 349 e de 20 de
julho de 1894 e 18 de janeiro de 1895.
Depois desta série uniforme de julgados, o Tribunal de Justiça de S. Paulo
em acórdão de 15 de fevereiro e 21 de outubro de 1903, julgou que o acionista
não tem qualidade legítima para alegar a nulidade baseada no fato de não
terem os acionistas primitivos em sua unanimidade assinado os estatutos. Para
que assista tal direito ao acionista, é preciso que êste não tivesse ·~oncorrido
para a aprovação dos atos e operações violadoras da lei (em O Direito, vol. 109,
págs. 281-282) . Esta decisão foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal
em acórdão de 29 de setembro de 1909, recurso extraordinário (em O Direito,
vol. 111, págs. 435-439).
Opinaram pela nulidade da sociedade anônima cujos estatutos não se achas-
sem assinados por todos os acionistas, os seguintes advogados em pareceres:
LAFAYETTE, GRACIUANO S. PIMENTEL (no lomal do Comércio de no-
vembro de 1892) e SOUSA RIBEIRO (no Jornal do Comércio <le l de março
de l 894).
O Cons. DUARTE DE AZEVEDO, em parecer de 15 de dezembro de
19 l 1, influen~iado pela recente decisão do Tribunal Paulista, opinou: "Não .é
nula a sociedade anônima em que parte dos associados deixou de assinar os
estatutos, se todos realizaram suas entradas do capital subscrito e intervieram
na vida da sociedade, que perdura há três anos sem redamações de qualquer
dos acionistas" (Revista de Direito, vol. 23, págs. 46-48).
(1) Decreto n. 434, arts. 75 e 82; lei n. 3.150, arts. 6. 0 , parágrafo único
e 3. 0 , § 1. 0 , n. 2; decreto n. 8.821, art. 34; decreto n. 164, arts. 6. 0 , parágrafo
único e 3. 0 , § l.º n. 2 (*).
(2) Decreto n. 434, art. 76; decreto n. 8.821, art. 29 ( **).
Há quem entenda que o caso não é de nulidade porque a lei não a declarou
expressamente.
LAFAYETTE, em parecer de 1 de novembro de 1892, disse: "A prescrição
segundo a qual a ata da reunião em ·que é constituída a sociedade anônima,
deve ser assinada por todos os sócios presentes, não foi estabelecida pela lei,
senão pelo regulamento (decreto n. 8.821, de 30 de dezembro de 1882, art. 29).
A infração da dita prescrição é sem dúvida uma irregularidade, mas por si só
não acarreta nulidade, porque não a podiam fulminar os regulamentos dados
pelo poder executivo".
O decreto n. 8.821 foi mandado substituir pelo art. 13 do decreto do Go-
vêrno Provisório n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891. O fundamento do
parecer, carece, portanto, de base. A verdade é que o próprio decreto n. 8.821
não estabeleceu para o caso de omissão das assinaturas de todos os acionistas a
pena de nulidade.
No acórdão da Câmara Comercial do Tribunal Cível e Criminal de 17 de
novembro de 1893, faz-se sentir que "o art. 76 do decreto n. 434 (que reproduz
o art. 29 do decreto n. 8.821) não é simplesmente regulamentar, pois foi expe-
dido em execução do art. 13 do dec. n. 1.362, de 1891, mantendo as disposições
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 44, § l.º.
(U) Cit. Decreto-lei n. 2.627, art. 44, § 5. 0.

24
370 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

4.º Sem que o valor dos bens, coisas ou direitos, com


que entram os acionistas à conta de capital, seja determinado

da lei n. 3.150, de 1882, do decreto n. 8.821, de 1882, e do decreto n. 164, de


1890, por êle não alterado" (Jornal do Comércio, de 1O de junho de 1894).
O Dr. GRACILIANO PIMENTEL, em parecer de 8 de novembro de 1892,
resolveu melhor a questão dizendo: "Os decretos ns. 8.821, de 30 de dezembro
de 1882. art. 29, e n. 434, de 4 de julho de 1891, art. 76, prescrevem que a
ata da reunião em que fôr deliberada a constituição da companhia, seja assi-
nada por todos os sócios presentes, porém, não fulminam a pena de nulidade
contra aquela em cuja constituição fôr preterida essa formalidade. Pode, entre-
tanto, ser imposta, se dos livros da companhia, competentemente autenticados,
não se verificar que estiveram presentes sócios representando, pelo menos, dois
terços do capital social. Dec. de 4 de julho de 1891, art. 7 5, § 1. º"· (Jornal
do Comércio, de novembro de 1892).
O mesmo advogado, em parecer de 7 de dezembro de 1893, escreveu: "A
falta de assinatura da ata de instalação por todos os sócios presentes à respec-
tiva sessão, é irregularidade, seguramente, mas não nulidade de pleno direito.
porquanto nulidades se não inventam e devem constar de lei expressa, o que
não existe, e interpretada restritamente, principalmente em relação às socieda-
des anônimas, cujos interêsses múltiplos e importantes não podem ficar sujeitos
a interpretações" (Jornal do Comércio de 1 de março de I 894).
No mesmo sentido opinaram: SOUSA RIBEIRO, parecer de 22 de no-
vembro de 1893; VISCONDE DE OURO PR~TO, parecer de 4 de dezembro
de 1893; SILVA COSTA, parecer de 25 de novembro de 1893, todos publica·
dos no Jornal do Comércio de 1 de março de 1894.
Em sentido contrário, o Dr. EPITÃCIO PESSOA, no parecer de 29 de
janeiro de 1913, justificando assim: "É certo que essa disposição (do art. 29 d~
decreto n. 8.821) era acoimada de exorbitante, por se não encontrar na lei
regulamentada (n. 3.150, de 4 de novembro de 1882) a cominação que ela
consagra. Mas, o decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891, art. 13, do
Govêrno Provisório, deu-lhe fôrça e vigor restabelecendo tôdas as disposições
do decreto n. 8.821, não alteradas por êle, e entre essas disposições figura o
citado art. 29. Eis por que a consolidação feita pelo decreto n. 434, de 4 de
julho de 1891, reproduziu êsse dispositivo no art. 76". (No opúsculo Do!A
vícios que Inquinam de nulidade a constituição das sociedades anônimas. Pare·
ceres, Rio de Janeiro, Tip. do Jornal do Comércio, 1913).
Algumas sentenças judiciais têm, não obstante, decretado a nulidade das
sociedades anônimas pela omissão dessa formalidade, razão por que a contem-
plamos no ~exto, que deve ser recebido com reservas, pois a questão é real·
mente duvidosa.
A Côrte de Apelação, no acórdão de 7 de junho de 1892 ( obiter dictum),
diz que a falta de assinatura dos acionistas presentes na ata não se pode suprir
pela assinatura do livro de presença, mormente se êste não estiver autenticado
pelo presidente da assembléia e contiver rasuras e emendas. (Em O Direito,
voJ. 60, pái:;s. 119-121) .
No mesmo sentido a sentença do Juiz do Comércio de S. Paulo (Dr. FER·
REIRA ALVES) de 20 de abril de 1892, confirmada pelos acórdãos do Tri·
bunal de Justiça de 14 de novembro de 1892 e 17 de março de 1893, na
Gazeta Jurídica de São Paulo, vol. 3.0 , págs. 198-203.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 371

por três louvados e aprovado pela assEmbléia geral nos têr-


mos explicados em os ns. 976 e ~eguintes, supra (1).
5.º Com firma social ou razão ou fórmula que o imite
nos têrmos explicados em o n. 889, supra.
Como se vê, a sociedade muitas vêzes se acha sob o golpe
de duas ou mais nulidades. Não faltam numerosos exemplos.
999. Essas são as nulidades resultantes da inobservân-
cia das prescrições legais relativas às condições e à constitui-
ção das sociedad2s anônimas e pelas quais são responsáveis
sàmente os fundadores (2).
As referidas nulldades não se confundem:
1.º com a nulidade resultante da infração legal dos
preceitos essenciais comuns a todos os contratos, como a falta
de capacidade, etc. (n. 526, supra);
2. 0 com a nulidade baseada no objeto ilícito da socie-
dade (n. 527, supra);
3.0 com a nulidade dos atos e deliberações subseqüen-
tes à constituição regular da sociedade. AEsim, a nulidade do
aumento do capital não traz a nulidade da sociedade.
1000. Tôdas essas nulidades são de pleno direito e
absolutas (3). São de ordem pública, porque visam não só-
mente proteger os sócios e terceiros contra os atos dos fun-
dadores, como ainda salvaguardar o crédito público, fàcil-
mente exposto a perigo pela emissão e circulação de títulos
de sociedades viciadas (4). Não podem ser ratificadas, ex-
pressa ou tàcitamente, nem sanadas pelos interessados (5),
nem relevadas pelo Juiz (6).

(1) Decreto n. 434, art. 83; lei n. 3.150, art. 6. 0 , parág. único. Decreto
n. 8.821, art. 34; decreto n. 164, art. 6. 0 , parág. único ("') .
(2) Decreto n. 434, art. 89; lei n. 3.1.SO, art . .S. 0 , in fine; decreto n. 8.821,
art. 38; decreto n. 164, art. 5. 0, in fine. (Veja-se n. 917 supra) (U).
(3) Reg. n. 737, de 2.S de novembro de 1850, arts. 684 e 686, § t. 0 •
( 4) L YON-CAEN et RENAULT, Traité de droit commercial, 4.ª ed.,
vol. 2. 0 , P. II, n. 783.
(5) Reg. n. 737, de 1850, art. 688.
(6) Regul. n. 737, de 1850, art. 686, § 3.0 ( . . *).
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 45, § 4.º.
(,...) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 49.
( • • •) O Código de Processo Civil no tít. X dispõe hoje sôbre as nuli-
dades.
372 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Qualquer pessoa a quem intffessar a sua declaração a


pode argüir ou propor independentemente da prova de pre-
juízo (1).
A forma que a lei exige para qualquer ato presume-se
não observada e preenchida se do mesmo ato não consta ter
sido observada, ainda que por outro modo isso se prove (2).

1001. A jurisprudência havia firmado inabalàvelmente


êsses princípios (3). Ultimamente, porém, o Tribunal de Jus-
tiça de São Paulo, não obstante ter sido um dos que mais
concorreram para essa juri~prudência, variou de julgado de-
cidindo em célebre pleito que a nulidade de pl2no direito
não podia ser alegada em juízo pelos acionistas presentes às
as~embléias gerais que aprovassem os atos e operações con-
trárias à lei e aos estatutos (4).
Interposto desta sentença o recurso extraordinário, o
Supremo Tribunal Federal, em acórdão de 29 de outubro de
1909 confirmou-a, porque ..o recorrente na qualidade de acio-
nista, comparecendo às assembléias gerais da sociedade, inter-
vindo nas suas deliberaçfüs, e influindo, portanto, nestas,
explícita e impllcitamente, para a existência legal da socie-
dade, e recebendo dividendos, ficou tolhido no direito de
ação". Tratava-se de anular a sociedade pelo fato de não
terem sido assinados os estatutos por todos os subscrito-
res (5) .

1002. O sistema legal quanto à nulidade da constitui-


ção das sociedades anônimas não resiste à mais benigna cen-

(1) Reg. n. 737, de 1850, art. 686, §§ 2. 0 e 5. 0 •


(2) Reg. n. 737, de 1850, art. 690.
(3) Vejam-se as decisões apontadas em a nota 9 da pág. 368 e consul-
te-se esta jurisprudência bem coordenada na carta aberta do Dr. JUVENAL
MALHEIROS, em O Direito, vol. 109, págs. 421-439.
( 4) Acórdãos do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 15 de fevereiro e
de 21 de outubro de 1908 (Juvenal Malheiros v. Banco União), em O Direito,
vol. 109, págs. 281-288, e na Revista de Direito, vol. 20, págs. 332 e segs.
Veja-se, também, o acórdão de 17 de julho de 1914, na Revista dos Tribunais,
vol. 1O, pág. 287 .
(5) Recurso extraordinário n. 603, em O Direito, vol. 111, pág. 435, e
na Revista de Direito, vol. 20, págs. 332-344.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 373

sura (1). Derramaram-se profusamente os casos de nulidade


para afugentar a fraude. A preocupação tornou-se obsessão.
A sociedade exerce a sua atividade e explora o seu objeto
por longos anos. Cel~bra contratos que tiveram execução,
cria relações jurídicas; de repente se vê ameaçada pela ação
de nulidade. Anima-se o apetite dos desonestos; dá-se foros de
cidade à profissão ind::corosa de demandista. O portador de
uma ação que seja, sem ter sofrido prejuízo direto, desacre-
dita a mais forte sociedade com a demanda perversa, baseada,
não raro, em futilidades, como esta: "Eu não assinei os esta-
tutos, não obstante ter participado da assembléia constituin-
te, que os aprovou, ter recebido dividendo e vendido com ágio
as ações que subscrevi. Comprei-as de novo na baixa e pre-
tendo anular a sociedade"!
A lei, procurando vedar a fraude, contradiz-se, açulan-
do-a e ferindo mais duramente os inocentes do que os culpa-
dos (2).
A nulidade rernlve-se na dissolut;ãc da sociedade e res-
ponsabilidade dos fraudadores. Todos os atos praticados pela
sociedade não deviam ter, em rigor, existência jurídica, por-
que foram praticados por quem não existia; torcem-se, porém,
tôdas as consEqüências, emprestando-se vida ao nada, con-
trapondo o fato ao direito 1
Para quê êsse rigor se temos instituído o registo do co-
mércio, no qual as sociedades depositam os seus documentos
legais para poderem funcionar? Por que se não dá aos encar-
regados dêste registo o dirEito de verificar a legalidade dos
documentos fundamentais da organização da sociedade, isto
é, se o ato constitutivo está conforme à lei e se as condições
exigidas para a existência da sociedade foram cumpri-
das? ("')
(1) A êsse respeito o Sr. RUI BARBOSA discorreu na Questão Clropim,
Razões de Apelação, Parte I, apreciando os pareceres de escritores franceses e
belgas (Jornal do Comércio, de 6 a 1O de agôsto d.e 1892) . .
(2) Não foi sem razão que VAVASSEUR disse serem as nulidades das
sociedades anônimas "!e plus merveilleux instrument de chantage que jamais
législateur ait inventée" (Revue des Sociétés, 1883, pág. 355).
( *) Foi o que fêz o art. 53, i11 principio, do decreto-lei n. 2.627, de
26 de setembro de 1940, aceitando assim a sugestão do autor.
374 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Por que a lei não se limita a estabelecer sérias respon~a­


bilidad~s civis e penais contra os fundadores que a infrin-
girem?
As nulidades devem ser reduzidas às estritamente neces-
sárias e em todo o caso sujeitas às seguintes regras:
l.ª prescrição da ação dentro do ano da constituição
da sociedade (•);
2.ª ratificação pelas assembléias, funcionando com dois
terços.
As infrações da lei, às quais não fôsse cominada a pena
de nulidade, Leriam como sanção a responsabilidade direta e
solidária dos fundadores para com os interessados pelos
prejuízos, perdas e danos que êstes sofressem.
1003. Tratando-se de nulidade de pleno direito, cons-
tante de prova literal, é necessária a ação ordinária para a
sua decretação?
Sim. Não pode o Juiz decretar a nulidade mediante sim-
ples requerimento de interessados em processo não conten-
cioso (1).
1004. Quem pode promover a ação de nulidade?
Diz a lei: qualquer interessado (2).
( 1) Assim julgou o Tribunal de Justiça de São Paulo em acórdão de
4 de abril de 1893, embora sob outros fundamentos. Na Gazeta Jurídica de
São Paulo, vol. 2. 0 , págs. 191-196. Consulte-se, também, o acórdão da Câmara
Cível da Côrte de Apelação, de 29 de março de 1894, em O Direito, vol. 65,
págs. 562 e seguintes.
O Banco Hipotecário de São Paulo demandou um devedor por letra. este
defendou-se argüindo a nulidade do banco, portador do título. Decidiu o Tri-
bunal de Justiça de São Paulo, em acórdão de 13 de junho de 1893: "tal nuli-
dade somente por ação competente, mediante a prova de fatos se poderá decre-
tar ex vi do art. 686, § 4. 0 , 2.ª parte, do regulamento n. 737". (Gazeta Jurídica
de São Paulo, vol. 2. 0 , pág. 483).
A massa falida de uma sociedade anônima demandou um acionista para
integrar as ações. Um dos pontos de defesa consistiu na nulidade da socie-
dade, por vício de sua organização. Decidiu o Tribunal de Justiça de S. Paulo,
no acórdão de 9 de outubro de 1914, que a defesa "não cabia nos estreitos
limites da ação executiva". (Na Revista dos Tribunais, vol. 12, pág. 49). No
mesmo sentido, acórdão do mesmo Tribunal, de 8 de agôsto de 1916 (Revista
de Jurisprudência, vol. 19, págs. 94-95).
(2) Decreto n. 434, art. 89; lei n. 3.150, art. 3. 0 , in fine; decreto n. 8.821,
art. 38; decreto n. 164, art. 5. 0 , in fine.
(•) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 155, in princ.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 375

O interêsse, ao qual se refere a lei, é de ordem jurídica,


devendo a pessoa, que invoca a nulidade, achar-~e ligada por
contrato à scciedade, sem que seja n2cessária a justificativa
do prejuízo. A nulidade não tem por causa a lesão, mas o
simples fato da infração legal.
Assim, não teria fundamento o pedido provocado pelo
rival da sociedade ilegalmente constituída, por maior que
fôs~e o interêsse meramente econômico que lhe resultasse da
dsclaração judicial da nulidade. Nem, também, a poderia
invocar a p::ssoa que, contratando com a sociedade, procuras-
se libertar-se das proprias obrigações, quando esta tivesse
cumprido as suas. Não se daria, nesse caso, o interêsse legí-
timo (1).

1005. Podem pedir a nulidade:


l.º O acionista subscritor ou cessionário, com as ações
nominativas ou ao portador, integradas ou não (2).
Antigamente a jurisprudência assentara ser indiferente
que o acionista conhecesse o fato que viciou a constituição da
sociedade, ou que do mesmo tivesse participado, como votan-
do na assembléia constituinte, ou, ainda, que fôsse êle pró-

(1) GOIRAND, Traité des sociétés par actions, vol. 1. 0 , n. 369.


(2) SOUSA RIBEIRO, parecer de 22 de novembro de 1893: "O decreto
n. 164, de 17 de janeiro de 1890, art. 6. 0 , parágrafo único, considera nula de
pleno direito a companhia que fôr constituída sem os requisitos do art. 3. 0 ,
§§ l.º e 2. 0 • Os dissidentes podem demandar a nulidade que, sendo de pleno
direito, é alegável independentemente de prova de prejuízo e não é suscetível
de ratificação". (Decreto n. 737, arts. 686, § 2. 0 , e 688) (no Jomal do Comér-
cio, de 1 de março de 1894) .
O VISCONDE DE OURO P~TO, no parecer de 4 de dezembro de 1893,
inclina-se para a opinião contrária: "Só há interêsse legítimo do acionista para
propor ação de nulidade da constituição de uma companhia anônima, quando
da omissão de formalidades legais diretamente resulta prejuízo que o afete. E
dado mesmo o prejuízo, cessa o interêsse legítimo e previne a ação, se o acio-
nista ratificou as irregularidades anteriormente praticadas. Cumpre, entretanto,
ponderar que não ratifica quem protesta, vota contra ou se abstém de votar"
(Jornal do Comércio de 1 de março de 1894) .
O Dr. MANUEL 1. GONZAGA, em parecer de 7 de dezembro de 1893,
no mesmo sentido se manifestou: "O acionista que assistiu, fazendo parte das
assembléias gerais, tomando conhecimento assim de todos os atos praticados
pela sociedade anônima, não tem interêsse legal para requerer a anulação da
mesma sociedade". (Jornal do Comércio de 1 de março de 1894).
376 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

prio o autor da irregularidade. As últimas decisfü:s judiciá-


rias mcdificaram essa jurisprudência ( 1) .
2. 0 Os credores sociais, ainda que conhecessem a cau~a
da nulidade. Diz-se que a irregularidade da sociedade pode
prejudicar os credores, estacionando-a no curso do seu desen-
volvimento. Certo é, porém, que não está no interêsse econô-
mico do credor exig"ir a nulidade, pois a manutenção da so-
ciedade lhe permite ter por penhor comum o fundo social,
posição que continuaria a mesma, decretada a nulidade (2).

1006. Oue se pede na ação de nulidade?


A declaração da nulidade da con~tituição da sociedade
anônima e a sua conseqüente liquidação.
Esta ação pode ser conjugada à da responsabilidade dos
fundadores por perdas e danos que se verificarem. Não há
motivo que vede essa acumulação, estando subentendido que,
se se verificar na liquidação que os interess3;dos não sofre-
ram prejuízos e danos, êles não podem reclamar indenização
dos fundadores (3) (•).

1007. Contra quem se promove a ação de nulidade?


Contra a sociedade, que existe e assim deve ser tida até

( 1) Acórdãos do Tribunal de Justica de São Paulo, de J 5 de fevereiro


e 21 de outubro de 1908, e do Supremo Tribunal Federal, de 29 de setembro
de 1909, em o n. 1001 s11pra e nota 4 da pág. 372.
(2) Os devedores da sociedade não têm interêsse na nulidade. Não a
podem propor. Anulada a sociedade não ficariam lihertos das suas dívid~s ·
(3) O Tribunal de Justi':'a de São Paulo, em acórdão de 25 de fevereiro
de 1896, declarou: "a decretação da nulidade da sociedade anônima, ainda que
seja por inobservância de formalidade sutstancial em sua organizacão, não
importa no reconhecimento desde logo da responsabilidade dos fundadores e
na restituição das entradas aos acionistas, por isso que a discriminação da
responsabilidade só se pode estabelecer mediante liquidação e em ação com-
petente" (Revista Mensal, vol. 2. 0 , pág. 335).
Em acórdão de 30 de maio de 1896, o mesmo Tribunal sentenciou: "a
sociedade, embora anulada, subsistindo de fato para os atos da sua liquidação,
não podem os fundadores ser ao mesmo tempo condenados à restituição do valor
das entradas realizadas pelos acionistas, assim como em perdas e danos, por isso
que sômente pela efetiva liquidação se terá ocasião apropriada para verificar
de modo regular se aquela restituição é devida, se houve perdas ou danos e
quais os responsáveis de qualquer prejuízo". (Revista Mensal, vol. 3. 0 , pá-
gina 264).
(*) Decreto-lei n. 2.627 cit., arts. 49 e 155.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 377

que ~eja judicialmente declarada nula, e contra os fundado-


res, r.e o autor quer acumular as duas ações, a da nulidade
da sociedade e a da responsabilidade dos fundadores ( 1) .
A responsabilidade dos fundadores pelas perdas e danos,
resultantes da inobservância das prescrições legais, relativas
às condições e constituição das sociedades anônimas, está
expressamente definida no art. 89 do decreto n. 434, consoli-
dando as disposições dos arts. 5. 0 , 2.ª alínea, da lei n. 3.150,
38, do decreto n. 8.821, e 5. 0 , 2.ª alínea, do decreto n. 164.
Os primeiros administradores, nomeados ou não na escri-
tura ou assembléia da constituição da sociedade, não têm

( J) O Cons. DUARTE DE AZEVEDO disse muito bem: "Qualquer que


sej:i a extensão da responsabilidade dos fundadores de sociedades anônimas,
estatuída no art. 5. 0 do decreto n. 164, de 1890, quanto às perdas e danos
resultantes da inobservância das prescrições da lei relativas à constituição e
movimento das companhias, penso que a nulidade da incorporação de uma
sociedade anônima por falta de formalidades legais, não pode ser proposta
somente contra os respectivos incorporadores quando a companhia já está cons-
tituída e funcionando.
A razão é que as sociedades anônimas são entidades jurídicas, que se per-
sonificam em suas assembléias gerais e seus administradores; é, portanto, nestes
órgãos. representantes de tôdas as relações jurídicas da sociedade, que reside a
faculdade de defendê-las judicialmente na forma da lei e dos estatutos.
Compreende-se que os interessados nas perdas e danos provenientes da inde-
vida incorporação exijam a indenização tão-somente dos incorporadores, autores
do delito civil e devedores solidários; mas na vida ou na eliminação da compa-
nhia, a principal parte interessada é a própria companhia, de cuja audiência
não seria possível prescindir-se na ação de nulidade da sua organização". (Na
Revista Mensal, vol. 2. 0 , págs. 29-30).
O Cons. LAFAYETTE e o Dr. GRACILIANO A. PIMENTEL, em pare-
ceres publicados no Jornal do Comércio de novembro de 1892, assim opina-
ram. Disse o primeiro: "A ação de nulidade deve ser dirigida contra a socie-
dade anônima, representada pelos seus mandatários, sob o nome de diretores
ou administradores, pois que ela, ou antes, a reunião dos acionistas é a dona do
negócio; e pode sê-lo conjuntamente contra o incorporador, no caráter de res-
ponsável pelas perdas e danos resultantes. Nesse caráter, ainda quando não
fôsse chamado para a ação, poderia o incorporador vir a juízo como assistente".
O VISCONDE DE OURO PRl?.TO, em parecer de 4 de dezembro de 1893:
"Desde que a ação tem por fim a nulidade da constituição da companhia, deve
ser proposta contra a diretoria, que a representa, e pode sê-lo conjuntamente
contra todos os incorporadores ou um só dêles, visto que os incorporadores são
solidàriamente responsáveis pela inobservância da lei nos atos relativos à orga-
nização da sociedade, que não se confunde com os de publicidade, isto é, arqui-
vamento na Junta, inserção no jornal oficial dos documentos, e depósito de um
exemplar do mesmo jornal no cartório do registro de hipotecas. Estes atos
correm por conta dos administradores". (Jornal do Comércio de 1 de março
de 1894).
378 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
~~~~~~~ ~~~-~-~~-

nem podem ter a mínima responsabilidade pela inobservân-


cia daquelas prescriçõ2s, visto como, ao tempo da nom:ação,
já se achavam ccn:umados todos os atos relativos a essa cono:;-
tituição. A responsabilidade dêsses administradores versa
exclusivamente sôbre os atos subseqüentes à constituição e
anteriores ao ngisto e à publicação dos documentos orgâni-
cos da sociedade (1) (*) .

A lei não estabeleceu solidariedade dos administradores


nomeados na constituição da sociedade com os fundadores
pelos atos praticados por êstes e, portanto, pelas nulidad~s
·ocorridas no período da organização da rnciedade. Está sub-
entendido que no caso de fraude e mancomunação dos pri-
meiros administradores com os fundadores, surge a respon-
sabilidade solidária daqueles, em virtude do direito comum e
não dos preceitos da lei das Sociedades Anônimas (2).

(l) Decreto n. 434, art. 87; decreto n. 8.821, art. 37.


(2) Decidiu que os primeiros administradores não têm a responsabilidade
dos fundadores, o acórdão da Câmara Cível da Côrte de Apelação de 29 de
março de 1894, confirmado pelos das Câmaras Reunidas de 29 de abril de 1895
e de 8 de janeiro de 1900, na Revista de Direito, vol. 12, págs. 530-538.
O acórdão da Câmara Comercial do Tribunal Cível e Criminal, de 11 de
janeiro de 1895, confirmado pelo das Câmaras Reunidas, de 3 de dezembro
de 1895, decidiu que existe a responsabilidade dos primeiros diretores, subsidiá-
ria e complementar, porque "entrando em funções e nenhum cont~at? _ou ope-
ração podendo efetuar por conta da sociedade antes da sua constltmçao legal,
seu primeiro cuidado deve ser a verificacão de terem sido observadas as pres-
crições relativas às condições e constituição da sociedade que vão administrar".
O Tribunal confere aos primeiros administradores, uma atribuição que a
1ei não lhes impõe e confunde o ato da constituição da sociedade com as for-
malidades do registo e publicidade !
Consultem-se os pareceres do Cons. DUARTE DE AZEVEDO, CARVA-
LHO MOURÃO e ANTUNES FIGUEIREDO, n? Revista de Direito, vol. 23,
págs. 37-48, e de EPIT ÁCIO PESSOA, na mesma Revista, vol. 28, pág. 231,
dizendo êste: "Se os primeiros diretores encontram a ata e os estatutos sem
.assinaturas e os fazem arquivar assim mesmo, nem por isso incorrem nas res-
_ponsabilidades oriundas dos vícios de constituição da sociedade, pois, a sua res-
_ponsabilidade começa depois dessa constituição. Os administradores só respon-
dem pelos danos provenientes de atos posteriores à constituição, atos entre os
quais pode, entretanto, estar o próprio arquivamento, se a infidelidade dos
.documentos induziu alguém em êrro, pois aos diretores cumpre, antes de pro-
_movê-lo, verificar se os documentos estão ou não em devida forma". O Dr.
LACERDA DE AI.MEIDA, na mesma Revista: "Os membros da primeira
( *) Decreto-lei n. 2.627 cit., art. 55.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 379

1008. Pronunciada a nulidade da ~cciedade, os efeitos


da respectiva sentença não se limitam aos que intervierem
no pleito; estende-se erga omnes. Assim é, não somente por-
que a ação de nulidade é promcvida contra a so:i~dade, re-
presentada pelos seus órgãos administrativos, como porque
a rnciedade entra em liquidação. É uma exceção ao prin:::ípio
geral (1).
Quanto à sentença que rejdta a nulidad~, a questão é
duvido~a e não foi ainda solvida pelos nossos tribunais (2).

1009. Quais os efeitos da sentença que decnta a res-


ponsabilidade dos fundadores?
Divergem as opiniões. Afirmam uns que sendo direta-
mente pessoal a ação de indenização contra os fundadores,
ainda que acumulada a da nulidade, somente aproveita a
quem obteve sentença a favor (3). Diz-se, ainda que se há
coisa julgada sôbre a sentença de nulidade, aquela não se

diretoria são eleitos dentre os acionistas, e até o momento ela sua eleição e
posse não passam de acionistas, nada têm que ver com a formação da socie-
dade, em que não se envolveram; e, se são considerados responsáveis por atos
qu_e ~ão praticaram, nenhuma razão há para deixar de responsabilizar os outros
acmm~t~s que em assembléia geral aprovaram uma sociedade, que ao depois
se verificou estar eivada de nulidade em sua constituicão, o que, além de ilegal,
fôra injusto e absurdo". .
Veja-se, ainda, o parecer do Dr. LUfS CARPENTER, de 31 de outubro
ele 1911, no Memorial da ação rescisória, autor, Antônio Januzzi, réus, Dr.
Gomes de Carvalho e outros, Rio de Janeiro, Jornal do Comércio, 1912, pág. 84.
( 1) Cons. DUARTE DE AZEVEDO, em parecer: "A sentença que de-
creta a nulidade da companhia aproveita e prejudica por sua natureza a todos
os acionistas, que não tivessem sido partes na ação, porque a causa é indivi-
dual e ccr:rnm" (Revista Mensal, vol. 2. 0 , págs. 29-30).
Afirma THALLER que, no Direito francês, a solução do problema da
autoridade da coisa julgada das sentenças que decretam a nulidade das socie-
dades pode-se considerar ainda ''comme étant à l'état rudimentaire et chaotique"
(A11nales de droit commercia/, 1903, p:íg. 307).
(2) Quanto ao Direito francês, consulte-se PIC, Des sociétés commercia-
les, vol. 2. 0 , n. 1.010.
(3) Muitas senten·~as nas ações acumuladas de nulidade e de indenização
condenam os fundadores a indenizar os autôres, e não os acionistas, seja isso
devido ao pedido no libelo ou à inteligência que os Juízes têm dado à lei.
sso J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

estende às conseqüências que esta pode acarretar, entre as


quais figura a responsabilidade dos fundadores.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdãos de
4 de junho de 1895, confirmado, em embargos, pelo de 6 de
setEmbro do mesmo ano (1), e de 31 de agôsto de 1894, con-
firmado, em embargos, pelo de 24 de setembro de 1895 (2),
decidiu que a rnntença que reconhece a responsabilidade indi-
vidual dos fundadores faz coisa julgada para todos os acio-
nistas, tendo qualquer dêstes o direito de executá-la indepen-
dentemente de ação judicati. É-lhes, também, permitido pro-
por a ação descendiária, fundada naquela sentença e em títu-
los líquidos.

1010. A lei não dispõe sôbre o modo de executar a sen-


tença que decreta a nulidade da sociedade.
Se a sociedade não chegou a funcionar, reputa-se que
nunca existira, não há credores, não pode haver questão sô-
bre lucros ou prejuízos verificados. Assim: as entradas rea-
lizadas são constituídas e os acionistas devem rnr obrigados,
proporcionalmente aos valores das suas entradas, às despe-
rns feitas, com direito de havê-las dos fundadores, responsá-
veis pela indenização de perdas e danos.
Se, porém, a sociedade funcionou, existiu de fato, apre-
sentou-se sob um nome em suas circulares, em seus contra-
tos e operações e em ~ua correspondência; teve escritórios,
armazéns e livros; os sócios fizeram entradas que se torna-
ram propriedade aparente da sociedade; negociou; tornou-se
titular de direitos e obrigações, credora e devedora; pagou
impostos; contraiu empréstimos por obrigações ao portador;
promoveu processo judiciais; figurou em juízo na qualidade
de ré.
Como passar a esponja sôbre tudo isso? Como conside-
rar que nunca existiu o que realmente se passou, deixando
profundos vestígios e criando relações jurídicas de suma
importância em largo círculo de terceiros?

( 1) Revista Mensal, vol. 1.0 , págs. 21 a 364.


(2) Revista Mensal, vol. t. 0 , págs. 466 e 468.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 381

A rnntença é o decreto de morte da sociedade. Esta ex-


tingue-se para o futuro. Aplicar, porém, rigorosamente os
princípios fundamentais das nulidades, seria produzir conse-
qüências absurdas e contrárias à eqüidade.
A decretação judicial da nulidade da constituição da so-
ciedade traz, portanto, e nem pode deixar de trazer a neces-
sidade de um ajuste de contas do objeto social e das opera-
ções realizadas, enquanto existiu, quer dizer isso, a liquida-
ção. A sentença não tem a virtude de destruir os fatos con-
sumados, a realidade objetiva de um agrupamento de inte-
rêsses. Os seus efeitos visam sàmente o futuro.
Devemos aceitar as coisas como são e deixar ao lado as
ficções. Para o passado, a sociedade reputa-se ter existido de
fato e deve ser liquidada, conforme as estipulações do con-
trato, como se não estivesse ferida pela nulidade (1).
A nulidade opera como dissolução; por outra, a nulidade
da sociedade anônima produz o efeito da sua liquidação.
Essa é a solução, mais racional e prática, a menos que,
na frase de TROPLONG se não convertem as sociedades nulas
em "une espece d'état sauvage ou il n'y a ni droit ni protec-
tion".

( 1) DUARTE DE AZEVEDO: "Anulada uma sociedade anônima, per-


siste a comunhão de interêsses no passado ou a sociedade de fato formada pela
versão em comum dos capitais dos acionistas e pelas relações patrimoniais
criadas, as quais devem-se liquidar como no caso de dissolução de uma socie-
dade legal.
As aquisições feitas pela sociedade subsistem e os créditos e dívidas regu-
lam-se em proveito ou contra a sociedade de fato existente. É o patrimônio da
comunhão.
Nem à nulidade poderia aproveitar ou ser oposta a terceiros, que não
fizerem parte da convenção". (Parecer na Revista Mens~I, vol. 2. 0 , pá~s. 29-?0).
- "Embora nula a organização da sociedade, subsiste a comunhao de mte-
rêsses ou a sociedade de fato, formada pelos capitais dos acionistas e pelas
relações patrimoniais criadas". (Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo,
de 25 de fevereiro de 1896, na Revista Mensal, vol. 2. 0 , págs. 335-336).
No mesmo sentido: os acórdãos da Câmara Cível da Côrte de Apelação,
de 30 de agôsto de 1894, em O Direito, vol. 65, págs. 559-561, e do lribunal
de Justiça de São Paulo, de 1 de março e 3 de setembro de 1895, na Gazeta
Jurídica de São Paulo, vol. 10, págs. 73-78, e na Revista Mensal, vol. 1, págs.
349-350, e de 30 de maio de 1896, na Revista Mensal, vol. 3. 0 , págs. 263-265.
38~ J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

É impossível ficarem também nulas e suspensas tôdas as


relaçõ2s jurídicas criadas durante a vida social, prevalecendo
em sua extensão o melior est causa possidentis.
Daí as conseqüências seguintes:
l.ª A liquidação judic'al procede-se nos têrmos dos
arts. 344 e segs., do Código Comercial, nomeando o juiz um
liquidante provisório até que os interessados na comunhão,
convocados por êles, el2jam, em reunião, o liquidante defini-
tivo (1).
2.ª As entradas realizadas, que se incorporam ao pa-
trimônio da sociedade, fazem parte do ativo social.
3.ª Nula ou dissolvida, os efeitos relativamente aos
acionistas é o mesmo; êstes não se exoneram de completar
as ações se houver necessidade de fundos para o pagamento
das obrigações sGciais (2). A sociedade funcionou, constituiu
um passivo e quem para isso concorreu não pode recusar a
entrega do que prometeu nem limitar as suas obrigações.
"Não se lhes reclama coisa alguma além do que êles se obri-
garam a entrar; são devedores sociais e a nulidade não os
liberta vis-à-vis de terceiros" (HEMARD) (2).

( 1) Acórdão da Câmara Cível da Côrte de Apelação, de 23 de abril de


1900, na Revista de ]l!risprudência, vol. 10, págs. 78-82, e outras decisões
citadas em a nota 3 da pág. 3 7 6.
O Tribunal de Justica de São Paulo, em acórdão de J 4 de fevereiro de
1896, decidiu outra coisã: que o processo para a liquidação das sociedades
anônimas anuladas, por organização ilegal, é o do decreto n. 434, arts. 166 e
seguintes, não se podendo aplicar às sociedades que se regem por leis especiais
as regras do Cód. Com., pois que, ainda radicalmente nulas, têm elas existência
de fato e devem ser liquidadas segundo a forma estabelecida na lei que as rege
(Gazeta Jurídica de São Paulo, vol. 12, págs. 158-160).
Se o decreto n. 434 houvesse co~itado da liquidação judicial das sociedades
anônimas, dever-se-ia seguir o processo estabelecido. Onde, porém, as disposi-
ções a êsse respeito? Os arts. 166 e seguintes do decreto n. 434, tratam da
liquidação forçada, que era a antiga falência das sociedades anônimas. A liqui-
dação judicial é coisa diferente.
(2) HEMARD, Tlzéorie et pratique des nullités des sociétés, págs. 507
e 633-634; ROUSSEAU, Traité des sociétés commerciales, 4.ª edição, vol. 1.º,
n. 1.638.
(3) Ensina-se geralmente que a nulidade da sociedade não importa a da
transferência das ações operada hona f ide, nem dá ao comprador o direito de
invocar a garantia da lei. (ROUSSEAU, Des sociétés commerciales, 4.ª ed.,
vol. 1. 0 , n. 1.971; LYON CAEN et RENAUL T, Traité de droit commercial,
4.ª ed., vol. 2.º, P. II, n. 787; VIVANTE, Trattato di diritto <:ommercia/e, 3.a-
ed., vol. 2. 0 , nota 84 ao n. 471).
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 38~

O direito de os acionistas haverem as suas entradas pode,


pois, ser reduzido e até desaparecer se a sociedade tiver pas-
sivo.

4.ª O ~aldo reparte-se segundo as cláusulas dos esta-


tutos ou contrato social.

1011. É depois de operada essa liquidação que os inte-


ressados têm o direito à indenização por perdas e danos veri-
ficados contra o fundador ou fundadores (1).

Esta responsabilidade é solidária (2) . O fnndadnl que


paga a indenização int2gralmente pode haver do ·.nr~Jpanheiro
a parte correspondente na dívida comum.

( 1) Acórdão da Câmara Cível da Côrte de Areh..çiio, de 30 de agôsto


de 1894, em O Direito, vol. 65, págs. 559-561 .
O Tribunal de Justiça de São Paulo, em itcór~ão de 9 de janeiro de 1894,
anulou uma sociedade anônima e condenou l•S fundadores a restituir aos acio-
nistas a importância das entradas do caritai ;: jnros da mora, sendo esta a
indenização devida. Embargado êste acór<:;1u, o mesmo Tribunal, pelo de 21 de
agôsto de 1895, absolveu os fundadores J ota indenização, porque, "estando a
sociedade anulada na fase da liquic.11ção, ">omente depois de realizada esta é
que se poderia verificar se o acionista tinha o direito de pedir a indenização
e haver por meio da ação compete11te os prejuízos que sofreu pelo vício da.
constituição da sociedade ou dos danos resultantes da infração da lei". (Revista
Mensal, vol. 1. 0 , págs. 255-256). No mesmo sentido resolveu o reterido Tri-
bunal nos acórdãos de l de março e 3 de setembro de 1895, na Gazeta Jurídica
âe São Paulo, vol. 10, págs. 73-78; de 25 de fevereiro de 1896, ~a Revista
Mensal, vol. 2. 0 , pág. 335, e de 30 de maio de 1896, na Revista Mensal, vol.
3. 0 , págs. 263-265.
(2) Decreto n. 434, art. 89; lei n. 3.150, art. 5. 0 , 2.ª alínea; decreto
n. 8.821, art. 38; decreto n. 164, art. 5. 0 , 2.ª alínea (*).
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 49.
334 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

CAPfTULO III

Do capital das sociedades anônimas, das ações


e dos acionistas

Sumário: - 1012. Capital das sociedades anônimas, açoes e


acionistas. - 1013. Razão de ordem.

1012. O capital das sociedades anônimas divide-se em


ações (1), cujos donos ou proprietários se chamam acionistas
ou acionários (n. 538, supra).

1013.Os três importantes assuntos, o capital social, as


ações e os acionistas, constituirão o objeto das três seções,
componentes do· pre~ente capítulo. A primeira seção adita-
remos algumas considerações sôbre o fundo de reserva.

(1) Decreto n. 434, art. 18, in princ., lei n. 3.150, art. 7. 0 ; decreto n.
8.821, art. 8. 0 ; decreto n. 164, art. 7. 0 • Como se distingue a ação da quota.
(Veja-se n. 538 supra) (*). .
Não se pode dividir o capital das sociedades anônimas em quotas. A lei
é expressa nesse sentido, estabelecendo como um dos caracteres dessas socie-
dades a divisão do capital em ações (decreto n. 434, art. 1.º; decreto n. 8.821,
art. 1.0 ).
Permitem, entretanto, a divisão do capital em ações ou quotas o Código
holandês, art. 40, e o italiano, art. 76, dizendo-se, por isso, que a divisão em
ações não é da essência das sociedades anônimas. Esta questão deu lugar a
notável debate no Parlamento italiano, encontrando-se exposta em PATERI,
La società anonima, ns. 5 e segs. Visou-se introduzir na Itália a sociedade
anônima de forma análoga à "limited by guarantee" do Direito inglês. Esta
inovação não foi bem aceita na prática, conforme atestam VIV ANTE, NOTO-
SARDEGNA e outros.
( *) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 1. 0 •
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 385

SEÇAO I

Do capital social e do fundo de reserva

Sumário: - 1014. A formação e a função do capital da•


sociedades anônimas. - 1015. O ca:iital é focado
nos estatutos ou no contrato social. - 1016. Não ~
obrigatório o fundo de reserva. - 1017. Destinação
do fundo de reserva. - 1018. Outros fundos. -
1019. Aplicação do fundo de reserva. - 1020. O
aumento e a redução do capital social.

1014. Em os ns. 535 e seguintes, apreciamos longa-


mente a formação e a função do capital das sociedades co-
merciais. Ao que ali di~semos, parte integrante da presente
seção, pouco temos que acrescentar.

Se a entrada dos acionistas é em imóveis, torna-se essen-


cial para a transferência a transcrição no registo hipotecá-
rio, como se disse nos ns. 548 e 966 (*).

1015. O capital das sociedades anônimas fixa-se livre-


mente nos estatutos ou no contrato social (ns. 536 e 537,
supra). Insistir.os nesse ponto, para evitar a inteligência
errônEa da dispcsição do art. 67 do decreto n. 434, de 4 de
julho de 1891 (1) .

(1) O decreto n. 434, no art. 67, reproduz o art. 3. 0 do decreto n. 997,


de 11 de novembro de 1890, que permitiu aos fundadores das sociedades anô-
nimas concessionárias de obras públicas federais ou estaduais, com garantia de
juros, efetuar o depósito da décima parte do capital em bancos fiscalizados
pelo Govêrno ou no Tesouro e nas tesourarias e coletorias, fixado êste capital
de acôrdo com os orçamentos aceitos pelo Govêrno, parecendo obrigar essas
companhias a ter o capital social igual ao valor dêsses orçamentos.
Ora, o art. 3. 0 do decreto n. 997 procurara abrandar o rigor do decreto
n. 850, de 13 de outubro de 1890, que impusera o depósito de 30% para a
constituição de tôdas as sociedades anônimas, pois o fim colimado por êste
decreto era "atalhar os abusos da especulação" e "êstes abusos não podiam
achar terreno adequado às suas combinações nos cometimentos, cuja vantagem
e exequibilidade se acham reconhecidas por ato do Govêrno, tais como os que
sob garantia dêste se destinam a promover as obras favoráveis ao desenvolvi-
("') Decreto-lei n. 2.627 cit., art. 54, parág. único.

25
3S6 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

1016. A nossa lei, ao contrário de quase tôdas as ou-


tras (1), não obrigou às sociedades anônimas instituírem o
fundo de reserva. A sua criação é facultativa (n. 927, su-
pra) (2) (*).

Excetuam-se dessa regra as sociedades de seguros terres-


tres e marítimos, que devem estabelecer uma reserva estatu-
tária nunca inferior a 20% dos lucros líquidos, ~endo empre-
gada em valores nacionais, como apólices federais da dívida
pública, títulos garantidos pela União, imóveis situados no
território nacional, hipotecas a curto prazo e ações de estra-
das de ferro (3) (**) •

Essa é a única reserva legal.

mento da agricultura, da navegação e da ·viação pública" (palavras do pre-


âmbulo do citado decreto n. 997). O art. 3. 0 dêste decreto foi, porém, revo-
gado pela disposição do art. 1O do decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891,
que exigiu para a constituição de tôdas as sociedades anônimas, a realização
da décima parte em dinheiro do capital.
(1) Os Códs. Coms. italiano, art. 182; alemão, art. 362; romeno, art.
184; português, art. 191; chileno, art. 263, e argentir.o, art. 363, as leis fran-
cesas, art. 38, e belga, art. 75, mandam instituir o fundo de reserva. Chama-se
por isso a reserva legal.
O Direito inglês deixa plena liberdade no estabelecimento do fundo de
reserva (lei de 7 de agôsto de 1862, art. 7 4) . No Direito federal suíço não é
obrigatório êste fundo (ROSSEL, Manuel de droit fédéral des obligations, nú-
mero 840).
(2) É o que se deduz das palavras "quando porventura instituído", do
art. 98, 2.ª alínea, do decreto n. 434, e do art. 42 do decreto n. 8.821.
(3) Decreto n. 5.072, de 12 de dezembro de 1903, art. 2. 0 , n. II (*,...).
No art. 6. 0 dispõe êste decreto: "Sempre que dos relatórios, balanços e
mais documentos publicados e enviados à Inspetoria de Seguros se verificar que
estão desfalcados o capital e as reservas de uma companhia, necesstlrios às
garantias de suas operações, o Ministro da Fazenda mandará notificar à mes-
ma companhia para, sob pena de ser cassada a autoriza~ão para funcionar,
integralizar um e outras no prazo que fixará".
( *) Hoje é obrigatório o fundo de reserva para assegurar a integridade
do capital, cessando essa obrigatoriedade quando o fundo atingir 20% do
capital. - Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 130, in princ.
(**) No vol. 4. 0 , n. 1.538, retificou o autor: "Dissemos em o n. 1.016
que o único fundo de reserva legal era o da sociedade de seguros". Corrigimos
o engano. Há outro: o das cooperativas. (Lei n. 1.637, de 5 de janeiro de
1907, arts. 14, n. 8, e 15, n. 2)" (*"'**).
( . . *) Decreto-lei n. 2.063, de 7 de março de 1940, arts. 57, 58 e 93.
(** **) As sociedades de capitalização têm também fundo de reserva
obrigatório. (Decreto n. 22.456, de 10 de fevereiro de 1933, arts. 39 e 42).
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 387

1017. O fundo de reserva destina-se a amparar os pre-


juízos sofridos pelo capital social, reforçando a garantia dos
credores e dos sócios; ampara os acontecimentos imprevistos
e tende a resistir aos abalos provenientes do infortúnio, man-
tendo a integridade do capital social. ~le é ainda necessário
para reparar os erros nas avaliações, muito fáceis nos balan-
ços, especialmente nos bancos. Embora não obrigatório, é
de reconhecida vantagem para a solidez da sociedade.
Em virtude do fim específico dêsse fundo, tem-se-lhe atri-
buído, a certos respeitos, o caráter de seguro (1). E, na ver-
dade, a sua função é a de garantir contra riscos o capital
social, o crédito da sociedade e os direitos de terceiros (2).
1018. Além dêsse fundo de reserva, freqüentemente es-
tabelecido a título permanente nas sociedades anônimas, às
vêzes se formam outros também permanentes até a sua dis-
solução, ou acidentais ou temporários, conforme o objeto da
indústria social, para amortização das desp:rns do primeiro
estabelecimento, renovação e conservação do material, garan-
tia dos dividendos nos exercícios passivos (3), amortização
das ações, etc.
Todos êsses fundos estatutários podem, modificando-se
os estatutos ou contrato social, ser distraídos da sua desti-
nação originária, integrando ações, ou dividindo-se entre os
acionistas. Não é lícito, porém, modificar o escopo do fundo
de reserva das companhias de seguros terrestres e marítimos,
visto terem o destino estabelecido por lei (4).
Porque as reservas propriamente ditas são fundos que
representam aumento do patrimônio social, em rigor, não se
consideram tais: os fundos de amortização que se inscrevem
no passivo para manter no justo valor a estimativa dos bens
sociais no ativo, os fundos destinados a fazer frente a débi-
tos a prazo já existentes e incluídos no balanço, etc. (5).

(1) Consulte-se THALLER, in A11nales de droit commercial, 1895, pág.


241, e PIC, Des sociétés commerciales, vol. 2. 0 , n. 1.186.
(2) Daí se conclui que êle pode ser penhorado por terceiros.
(3) A diminuição do dividendo por parte de uma sociedade anônima,
especialmente um banco, pode ser motivo de descrédito.
(4) Decreto n. 5.072, de 12 de dezembro de 1903, arg. do art. 6 °.
(5) VIVANTE, Trattato di diritto commerciale, 3. 8 ed., vol. 2. 0 , n. 583.
383 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

1019. Se se institui o fundo de reserva, os estatutos


devem determinar a espécie em que se o aplicará. No silêncio
dos estatutos, resolve a assembléia geral.
:E:ste fundo ordinàriamente se emprega em imóveis, títu-
los da dívida púbiica ou de companhias garantidas ou é dei-
xado no giro comercial ( 1) .
Pode êsse fundo ser constituído ou aplicado em ações
da própria companhia?
CARLOS DE CARVALHO, em parecer de 22 de julho de
1893, opinou: 'Sendo o fundo de reserva destinado especial-
mente a reintegrar o capital desfalcado por perdas e repre-
sentando as ações, em que se divide uma quota, parte ideal
dos bens sociais, as perdas sofridas pelo capital afetam cole-
tivarrcnte as ações, e, portanto, o fundo de reserva consti-
tuído por ações da própria companhia não poderia preencher
suas funções. E dado o caso de ser necessário reintegrar o
capital, a companhia estaria obrigada a dispor das ações, isto
é, a vendê-las, o que a lei proíbe. Assim, pois, não é permitido
às sociedades anônimas, bancos e companhias, constituir o
fundo de reserva em ações de propriedade da sociedade, em-
bora adquiridas com a importância em moeda no mesmo fun-
do, por isso que está virtualmente proibido pelos artigos 31 e
27 do decreto n. 164, de 17 de janeiro de 1890, e contraria a
índole jurídica e econômica do fundo de reserva".
O VISCONDE DE OURO PRÊTO, em parecer de 29 de
julho de 1893, acrescentou: "Nem se diga que, em caso de
necessidade, as ações não seriam vendidas, mas reemitidas,
porque a emissão ou reemissão tem por objeto constituir ou
aumentar o capital, coisa diversa de preencher capital des-
falcado.
Demais, a conseqüência imediata do desfalque do capital
social é a baixa das ações que o representam, baixa que se

NOTO SARDEGNA, Le società anonime, n. 327: "La riserva e indice di


benessere della società e proviene da ricchezza e tende all'arricchimento; l'am-
mortizzazione costata una perdita. Quella si costituisce per volontà dell'intra-
presa, questa e imposto dai bisogno".
( 1) Sôbre a aplicação nas companhia.e; de seguros terrestres e marítimos,
veja-se n. 1.016 supra.
- - - TRATADO
-- DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 389

agravaria pela reemissão de certo número dêsses títulos, o


que Eignifica que, longe de aproveitar aos int2ressados o fun-
do de reserva, aum2ntar-lhes-ia prejuízos. Nem a lei nem a
jurisprudência toleram semelhante absurdo" (1).

1020. É permitido à assembléia g2ral dos acionistas


alterar a cláusula dos estatutos ou do contrato social que
fixa o capital social, aumentando-o ou reduzindo-o (2) .

Em nenhum dêsrns casos se constitui nova sociedade.


Modifica-se, apenas, uma cláusula contratual (n. 517, supra).

A relevância do assunto obriga-nos a demorado estudo


que faremos nos artigos a seguir.

( I) No mesmo sentido manifestaram-se SOUSA RIBEIRO (parecer de


20 de julho de 1893) LAFAYETIE (parecer de 24 de julho), ANTONIO
EULÁLIO MONTEIRÓ (parecer de 7 de julho). Em sentido contrário: ULIS-
SES VIANA (parecer de 22 de julho). Todos êstes pareceres em O Direito,
vol. 67 e págs. 15-22, e no Jornal do Brasil de 7 de abril de 1895.
(2) Não se deve confundir o aumento com a reintegração do capital.
Esta reintegração dá-se quando o capital é diminuído e a assembléia geral
determina que seja completado com o fundo de reserva, ou com os meios que
a assembléia geral sugerir.
390 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

ARTIGO I

Do aumento do capital social

Sumário: - 1021 . Casos em que a lei autoriza o aumento


do ca,r>ital social. - 1022. Não é necessário qur o
capital originário esteja integrado. - 1023. Como
pode ser realizado o aumento do capital. - 1024.
A subscrição pública das novas ações. - 1025. Con-
tinuação. 1026. A sociedade não pode subscrever as
próprias ações. - 1027. Emissão das novas ações
abaixo e acima do valor nominal. - 1028. Direito
de pre~erência dos acionistas às novas ações. -
1029. O aumento do ca:iital social realizado em
bens. - 1030. O aumento realizado em lucros so-
ciais e reservas. - 1031 . Continuação. - 1032. O
aumento com a transformação do passivo em capital.
- 1033. Continuação. - 1034. Formalidades essen-
ciais para o aumento do capital social. - 1035.
Infração destas formalidades. - 1036. Direito Fis-
cal. - 1037. Continuação. - 1038. Continuação.

1021. Os estatutos das sociedades anônimas não po-


dem autorizar o aumento do capital, estabelecendo séries su-
cessivas de ações (1). Haveria ofensa à fixidez dêsse capital
(n. 933, supra) .
Casos há, porém, em que o capital pode tornar-se insufi-
ciente, em virtude do desenvolvimento normal ou imprevisto
das operações sociais .
A ld estabelece taxativamente os casos, nos quais é per-
mitido a essas sociedades aumentar o capital, a saber:
l.ºa insuficiência do capital subscrito para o objeto
da sociedade;
2.º o acréscimo de obras;
3.º a ampliação de serviços ou operações sociais (2) (º).
Defrontamns um dos pontos mais importantes do insti-
tuto das sociedade anônimas.

( I) Decreto n. 434, art. 84; decreto n. 8.821, art. 35 (*).


(2) Decreto n. 434, art. 93; lei n. 3.150, art. 6. 0 , n. 2; decreto n. 8.821,
art. 40; decreto n. 1_64, art. 6. 0 , n. 2.
(•) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 14, § 1.º.
( u) Depois de integralizado o capital é sempre permitido aumentá-lo.
CiL decreto-lei n. 2.627, art. 108.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 391

Procura-se manter a realidade do capital social, evitando


a sua aguagem, expediente infeliz a que poderiam recorrer
os acionistas e flagElo para as próprias sociedades, que, cain-
do em prcfunda anemia, caminhariam para a liquidação ou
falência.
se, não obstante as cautelas legais, aparecem por aí abu-
sos inqualificáveis, que se daria, ficando o aumento do capital
social ao livre alvedrio das assembléias?
A lei não foi completa. Muitas e difíceis qmstões surgem
da sua obscura e omissa redação.
1022. Para o aumento do capital, é indispensável que
as ações anteriormente emitidas tenham sido integradas?
Em regra, devia ser assim, visto a falta de capital ~ó se
sentir depois de realizado o originàriamente subscrito (1).
A severidade a ê~se respeito entorpeceria, porém, o desen-
volvimento das soci:;dades, que, podendo funcionar com mo-
desto capital, têm a parte não realizada do capital sub~crito
desempenhando função de garantia, como os bancos e com-
panhias de seguros. Se a extensão dos negócios exige o
aumento dos fundos, é preferínl ao seu crédito aumentar
o capital social, emitindo novas ações, ao invés de chamar as
entradas das antigas (2).
A nossa lei estabelece para o aumento o critério do capi-
tal subscrito (3) (*).
1023. Em que espécie pode ser realizado êsse aumento
do capital, sàmente em dinheiro, ou, também, em coisas ou
direitos?
O art. 96 do decreto n. 434, de 1891, parece à primeira
vista não permitir o aumento senão em dinheiro para apli-
car-se aos fins mencionados em o n. 1021, supra.

( 1) Assim dispõem expressamente os Códigos Coms. alemão, art. 278


(salvo quanto às companhias de seguros); italiano, art. 131, 2.ª alínea; hún-
garo, art. 162, e espanhol, art. 165. Na França, a doutrina é no sentido da
nossa lei. ( CÉLLERIER, ttude sur les sociétés anonymes, n. 504) .
(2) BING, La société anonyme en droit italien, págs. 166-167.
(3) Decreto n. 434, art. 93, "insuficiência do capital subscrito . .. "
( *) Hoje é necessário que o capital atual esteja realizado. Decreto-lei
n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 108, in principio.
392 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Não há dúvida, porém, que o aumento do capital pode


consistir, como o capital de fundação (n. 544, supra) em
dinheiro, bens ou coisas ou direitos. Verifica-se, não rara-
mente, o aumento realizado em coi~as ou direitos no caso da
fusão por via da absorção de uma por outra sociedade.
É êrro supor que o aumento do capital sàmente pode ser
realizado em dinheiro de contado, trazendo recursos novos à
sociedade.
Podemos dizer que êsse aumento se opera:
1. 0 com dinheiro, pela subscrição das novas ações;
2. 0 com bens, coisas ou direitos conferidos por um ou
mais subscritores;
3. 0 com a transformação das reservas disponíveis em
capital;
4. 0 com a transformação de todo ou parte do passivo
em capital.
Nessas duas últimas hipóteses, pode dizer-se que não há
realmente auxílio de recursos novos à sociedade, porém a
consolidação de um estado de fato ou a diminuição de com-
promissos e responsabilidades.
Em qualquer dêsses casos não se ofende o fim legal. O
capital não se agúa; representa a realidade (*).

1024. Se o aumento do capital se realiza em dinheiro,


a subscrição das ações correspondentes ao valor aumentado
pode ser particular ou pública .
~sse é o processo mais simples, mais usado e mais racio-
nal. Supõe-se, em regra, que a sociedade, que aumenta o
capital, precisa de recursos suplementares para os fins de-
clarados em o n. 1021, supra.
Tratando-se de subscrição pública, deve-se observar o que
ficou explicado em os ns. 939 e seguintes.
O papel que desempenham os fundadores na constitui-
ção originária da sociedade cabe, no aumento do capital à
própria sociedade, pelos seus órgãos, os administradores . :S:stes

(•) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 113, in princ.


TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 393

abrem subscrição pública, recebem as primeiras entradas dos


subscritores, cumprem as obrigações atribuídas aos funda-
dores.
Como, porém, já se acha constituída a sociedade, não
precisa que os novos subscritores se reúnam em as~embléia
com cs antigos para tomarem a deliberação a que se referem
os arts. 74 e 75 do decreto n. 434.
o aumento do capital por si só não importa constituir
nova sociedade; é sómente alteração nos estatutos (n. 931,
supra). A sociedade continua a mesma com mais recursos,
isto é, com o capital e o crédito aumentados ou mais desafo-
gada. o objeto da sociedade não sofre alteração (1).

1025. As subscrições das ações no caso de aumento do


capital é o mesmo contrato condicionado da subscrição origi-
nária da constituição da sociedade (n. 951, supra). Se, por-
tanto, não se completa a quantia que representa o aumento
do capital social, por outra, se a emissão sàmente é coberta
em parte,_ deve ficar sem efeito a subscrição e os administra-
dores da sociedade não se podem contentar com o que foi
subscrito, sob pena de nulidade. O art. 96 do decreto n. 434,
com a sua fonte no art. 40, § 3. 0 , do decreto n. 8.821, de 30 de
dezembro de 1882, dirime tôda a dúvida (2) . No citado art.
40, § 3.'>, do decreto n. 8.821, exige-se o depósito da décima·
parte do valor em dinheiro de cada ação. É êste o sistema
legal, conforme se demonstrou em o n. 953, supra (*).

( 1) GUILLERY, Des sociétés commerciales, vol. 2, n. 733, hi.r: "Le


capital n'est pas l'objet de la société; c'cst le moyen de réaliser l'objet; l'augmen-
tation permettra d't:mpêcher une ruine imminente qui n'est pas non plus l'objet
- l'objet essentiel - de la société". (ARTHUYS, Traité des sociétés commer-
ciales, vol. 2, n. 621) .
(2) Não pode, =onseguintemente, aparecer entre nós a questão que dis-
cutem escritores fran•eses t: bel&as e que se levantou em razões na Revista de
Jurisprudência, vol. 14. págs. 286 e segs.
Aos acionistas compete ação direta contra os administradores da sociedade
que dispuseram das q.iantias entradas por conta de aumento de capital não
devidamente preenchido. Os administradores respondem solidàriamente à socie-
dade e a terceiros pela violação da lei. (Acórdão da Câmara Cível da Côrte
de Apelação, de 21 de outub10 de 1901, confirmando a sentença do Juiz
CELSO GUIMARÃES, na Revista de Jurisprudência, vol. 14, págs. 284-286}.
(•) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de. 1940, arts. 108-112.
394 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

1026. A sociedade não pode subscrever as próprias


ações, pois seria pagar com o seu dinheiro o dinheiro que
devia receber. Não haveria entradas; fraudar-se-ia a lei.
1027. É proibida a Emissão das ações abaixo do valor
nominal, pelas razões já ditas em o n. 933, supra.
Achando-se a soci~dade em grande prosperidade e cota-
das as suas ações acima do par, tem-se entendido que se pode
exigir dos novos subscritores um prêmio ou ágio, a dizer,
preço mais alto que o valor nominal ( 1) . Essa diferença
(prêmio), considerada sup!~mento da entrada, acresce ao ca-
pital, revertendo Em benefício comum. Exemplo: a sociedade
aumEnta o capital de 100 para 200, mas encaixa 220 ou 250.
Se a sociedade, existindo durante certo tempo, conserva
intacto o seu capital, acumula reservas, adquire freguesia e
distribui bons dividendos, e ativo social representa valor su-
p:rior ao capital, valor que, de ordinário, é indicado pela
cotação das ações na Bôlsa; seria injusto permitir aos novos
acionistas, entrando com o valor nominal da ação, isto é,
com tanto quanto os primitivos acionistas pagaram quando
ainda se não firmara o êxito da sociedade, gozar as mesmas
vantagens dêstes. Indispensável é, para estabelecer a igual-
dade entre os antigos e os novos acionistas, exigir dêstes o
preço correspondente ao valor intrínseco das antigas ações,
o que se obtém pela emissão acima do par (2).
Em hipótese alguma, o prêmio pode ser distribuído pelos
antigos acionistas. Não se trata de lucro social, porém, de
suplemento das prestações dos novos acionistas. Ordinària-
mente, leva-se à conta do fundo de reserva estatutária ou a
outra especial.

( 1 ) A primeira vez que no Brasil se empregou êste processo foi em 1853,


por ocasião de fundar-se o 3. 0 Banco do Brasil. (Leia-se FELISBERTO FREI-
RE, História do Banco do Brasil, págs. 67 e 68). Veja-se BETTI e WEBER,
Operazioni di Banco, págs. 438 e segs.
(2) BING, La société anonyme en droit italien, págs. 84-85; ROUSSEAU,
Des sociétés commerciales, 4.ª ed., vol. t. 0 , n. 1.654; THALLER, Traité de'i
droit commercial, 4.ª ed., n. 597; MARIA, Des modifications du capital social,
pág. 150.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 395

Há quem conteste êste direito da soci::dade anônima não


somente pela possibilidade de tornar-se fonte de abusos, pro-
vocando a alta das ações para iludir os novos subscritores,
como pela desigualdade de tratamento entre os acionistas
em face da sociedade.
Replica-se a êste último argumento dizendo que os novos
acionistas entraram para a sociedade, aceitando a convoca-
ção que lhes concede tratamento diferente do que gozam os
antigos. O aumento do capital importa sempre na desigual-
dade do tratamento entre sócios antigos e novos, porquanto
somente aquêles correram os riscos iniciais do êxito da em-
prêsa. Não seria justo, para respeitar princípio que não exist2,
ofender interêsses dos velhos acionistas (1).
O principal é que a sociedade receba integralmente o
prcduto da nova emissão. É o ponto jurídico que convém res-
peitar.
1028. A emissão com ágio das novas ações correspon-
dentes ao aumento do capital, substitui-se pela pr::ferência
garantida aos antigos acionistas de subscrever as novas ações
correspondentes à sua participação no capital primitivo (2).
Dêsse modo, o acionista ganha por um lado o que perde pelo
outro. Subscrevendo as novas ações ao par, compensa a de-
preciação possível senão natural das antigas ações. Se não
tem recursos, pode ceder o seu direito de subscrição.
É de uso freqüente entre nós a cláusula estatutária,
reservando aos acionistas em primeira linha aquelas ações a
emitir (3) (*) .
( 1) CÉLLERIER, 'Etude sur les sociétés anonymes, n. 505.
No Direito suíço, admite-se a emissão das novas ações com ágio. (ROS-
SEL, Manuel de droit fédéral, n. 829, in fine).
No Direito italiano, a doutrina admite: a jurisprudência é incerta. (Con-
sultem-se NA V ARRINI, Trattato di diritto commerciale, vol. 2, n. 1, pág. 140;
PATERI, La società anonima, n. 187; VIVANTE, Trattato di diritto commer-
ciale, 3.ª ed., vol. 2. 0 , n. 464).
(2) Consulte-se o Cód. Com. alemão, art. 282.
( 3) Sôbre êsse direito de preferência veja-se MARIA, Des modifications
du capital social, págs. 154 e segs. .
Os estatutos da Companhia Mogiana dispõem, no art. 7. 0 : "Quando, por
deliberação da assembléia geral, tiver de ser aumentado o capital social, as
ações serão distribuídas ao par e pro-rata entre os acionistas da companhia,
( •) Hoje é direito do acionista, de que nem os estatutos poderão pri-
vá-lo. Decreto-lei n. 2.627, arts. 78, d, e 111.
396
~~~~~~~~~~~
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

1029. Realizando - se o aumento do capital cm brrn;


(inclusive direitos), está claro, procede-se como na constitui-
ção da sociedade anônima, isto é, uma as~embléia nomeia os
louvados para a avaliação dos bens e outra toma conheci-
mento e aprova ou não a avaliação (1) (vejam-se ns. 976 e
segs., supra). Esta segunda assembléia pode ser aquela em
que se verifique o cumprimento dos requl~ltos legais: a subs-
crição integral do capital aumentado e o depósito da décima
parte dêste capital realizado em dinheiro.
1030. A sociedade, tendo acumulado reservas, deduzi-
das dos lucros anuais, sem destinação legal nem estatutária,
pode, em todo o tempo, distribuí-las aos acionistas.
Por que lhe proibir a faculdade de incorporá-las ao capi-
tal social?
Se a sociedade tem a liberdade de empregar as reservas
facultativas como entenda, se conta com recursos para a
remuneração de maior capital, não se lhe pode negar o di-
reito de aplicá-las ao aumento do capital para os fins previs-
tos em o n. 1021, supra. O capital forma-se efetiva, real, se-
riamente.
O processo a adotar é elevar o valor das ações já emiti-
das, exemplo: uma ação integralizada de 100$000 passa a ter
o valor nominal de 200$000; ou desdobrar as ações antigas,
exemplo: ao possuidor de certo número de ações se entrega
outra.
1031. Empregando a sociedade os seus lucros totais ou
parciais de muitos exercícios ou as suas reservas facultati-
vas no acréscimo de obras ou na ampliação de serviços, seda
injuríclico recusar-lhe o direito de aumentar o capital com
êsses lucros ou reservas já utilmente aplicadas em seu bene-
fício e representadas em outros bens que não dinheiro. A
sociedade cumpre apreciar a oportunidade do aumento do
podendo ser distribuídas livremente pela diretoria as que forem recusadas pelos
acionistas e aquelas cujas entradas não forem efetuadas no prazo estabelecido".
( 1 ) Decreto n. 434, art. 77.
Pareceres do Presidente da Câmara Sindical dos Corretores de Fundos
Públicos da Capital Federal e do VISCONDE DE OURO PR:e.To e MANUEL
I. GONZAGA (Relatório desta Câmara, 1905, pãgs. 13 e 14).
TH/'/f ADO DE DI R~ITO COMERCIAL BRASILEIRO 397

seu capital. A deliberação a êsse respeito pode ser tomada


ant::s ou dêpois de realizadas as obras e iniciados os serviços.
Que motives ou razões de ordem legal, Jurídica ou moral
podem vedá-la de exer::er tal direito em qualquer dêsses casos?
Se as obras e rnrviços são executados com os lucros
acumulados e reservas, não é natural que somente depois de
conhecjdo o que fôra efetivamente despendido, a soci2dade
aumente o seu capital? Não há nesse fato prudência digna
de aplauso?·
O fim da lei é evitar a aguagem do capital, por outra,
capital fictício, capital que não r2presEnte real e efetiva-
mente dinheiro ou outros bens.
Na hipótese figurada, tem-se o capital verdadeiro, ~ério.
Assim, também, se a sociedade contrai um grande em-
préstimo destinado a obras e serviços, que valorizam n?ces-
sàriamente o seu ativo e a sua produção, se amortiza êsse
empréstimo com os lu::rcs líquidos, como lhe negar o direito
de aumentar o capital efetivamente representado nessas obras
e serviços?
Nas emprêsas de obras públicas segundo o regímen da
concessão, a administração pública reconhece o capital das
obras para os efeitos do contrato. Estas obras são realizadas
com o capital social, com o produto de empréstimos ou ainda
com os lucros disponíveis da emprêsa concessionária. Resga-
tado o empréstimo ou verificados êsses lucros, não é razoável
que ela aumente o seu capital nivelando-o ao capital empre-
gado nas obras?
São coisas que não admitem dúvidas. O essencial é a
realidade, a seriedade do aumento do capital. Eis tudo.
1032. Achando-se a sociedade onerada de grande pas-
sivo, seria de conveniência e muitas vêzes de imprescindível
necessidade para evitar a falência, transformar os credores
em acionistas, aumentando o capital. Quem paga as suas
dívidas se enriquece.
Ela entende-se previamente com os credores, dispondo
de títulos líquidos, certos e exigíveis; se aceitam a proposta,
subscrevem novas ações até a concorrência dos seus créditos.
398 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

A dupla exigência legal é satisfeita, porque se realmente


a sociedade não recebe f.m dinheiro a prestação dos novos só-
cios, extingue a dívida que a on::ra. Achamo-nos em face do
duplo pagamento efetuado brevi manu.
Essa operação é verdadeira compenrnção entre ações
novas emitidas e as dívidas da sociedade para com os novos
acionistas (Código Comercial, art. 439). Tudo repousa, diz
MARIA, sôbre o princípio da compensação, que é "la clef de
voute de l'opération" (1) .

1033. Em face do art. 17 do d~creto n. 434 é necessária


a estimação por louvados do capital assim realizado?
Parece que sim, visto como se trata de direitos creditó-
rios. As entradas ou prestações em direitos só serão admiti-
das pelo valor em que forem estimadas nos têrmos expostos
em o n. 976, supra (2) .

1034. São condições essenciais para a validade do au-


mento do capital:
l.ª Que os administradores proponham a modificação
da cláusula dos estatutos ou do contrato social, que fixou o
capital, expondo as razões justificativas (3).
2.ª Que essa proposta e a respectiva exposição justifi-
cativa sejam submetidas ao exame e parecer dos fis~ais, antes
da reunião da assembléia geral, para interporem o seu pare-
cer, que será submetido a essa assembléia (4).
3.ª Que a deliberação dessa assembléia S·eja tomada
nas mesmas condições da que versa sôbre a modificação ou
alteração dos estatutos ou de contrato social (5).

( 1 ) Des modifications du capital social, pág. 198.


(2) Na doutrina e jurisprudência francesas entende-se que os credores são
verdadeiros subscritores em dinheiro. THALLER chega a dizer que "seria
ridículo submeter os créditos à verificação'". (Annales de droit commercial
1907, pág. 182). ,
(3) Decreto r.. 434, art. 96; decreto n. 8.821, art. 40, § l.º.
(4) Decreto n. 434, art. 95; decr~to n. ~.821, art. 40, § 2.º (*).
(5) Decreto n. 434, art. 131, princ.; lei n. 3.150, art. 15, § 4.º; decreto
n. 8.821, art. 65; decreto n. 164, art. 15, § 4. 0 •
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art 108, parágrafo
único.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 399-

A maioria legal não tem, porém, o poder de impor aos


acionistas novas cbrigações, nem exigir sacrifícios com os
quais não contavam. Se, por exemplo, o aumento do capital
se realiza elevando-se o valor das ações já emitidas, diga-se,
se uma ação de 100$000 passa a ser de 200$000 com a obri-
gação de ser int2grada, é indispensável o consentimento ex-
presso de todos os acionistas, salvo se nos estatutos já se
cogitara do caso (veja-se n. 543, supra) .
Essa é a assembléia que delibera sôbre o aumento do
capital e o processo a seguir.
A lei parece exigir uma segunda assembléia para verifi-
cação do cumprimento dos requisitos legais da subscrição·
integral e do depósito da décima parte do valor em dinheirG
do capital subscrito (1) .
4.ª Que o capital seja efetuado e integralmente subs-
crito e d2positada a décima parte do seu valor em dinheiro (2).
Dispensa-se êsse depósito, tratando-se:
a) de entradas consistentes em bens, cabendo aqui o-
que dissemos em o n. 958, supra;
b) da aplicação das reservas disponíveis em capi-
tal (3); e
e) da transformação do passivo em capital.
Os subscritores, no caso das letras b e e acima não con-
ferem dinheiro. A subscrição é necessária; o depósito, não.
Se não entram cem dinheiro, para quê a ficção do depósito?
A lei não pode autorizar a simulação.
( 1) Decreto n. 434, art. 96; decreto n. 8.821, art. 40, § 3. 0 •
Em regra, não se procede assim. A assembléia delibera o aumento: os
Administradores abrem a subscrição, fazem o depósito, arquivam a ata dessa
deliberação, eis tudo. A lei é, na verdade, obscura, e pela falta da segunda
assembléia não se poderia anular a deliberação da primeira e a execução que
lhe deram os administradores.
(2) O decreto n. 434, arts. 69 e 96; decreto n. 8.821, art. 40, § 3. 0 (*).
O depósito podia ser dispensado, pois o caso não é de organização da
sociedade. Assim se entende na Itália (VIVANTE, Trattato di diritto commer-
ciale, 3.ª ed., vai. 2. 0 , n. 487).
(3) O VISCONDE DE OURO PR.E.TO, em parecer de 20 de abril de
1906, opinou que no caso de realizar-se o aumento do capital mediante a trans-
ferência da importância acrescida da conta de lucros suspensos para a conta de·
capital, distribuindo-se a cada acionista o número de ações, não fracionadas,.
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 112, parágraro•
único.
400 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

5.ª Que a certidão da ata da assembléia geral seja


arquivada no registo do comércio e publicada, como se pro-
cedeu na constituição da sociedade (1).
Ocorre-nos fazer duas observações:
a) Qual a assembléia cuja ata se arquiva: a que deli-
bera o aumento (dEcreto n. 434, art. 91) ou a que verifica o
cumprimento da subscrição do capital e do depósito? (art.
96). Se se entende que são necessárias as duas assembléias,
devEm ser arquivadas as atas de ambas; se se pensa que é
suficiente a primeira assembléia, a ata que se lavrar.
b) A lei manda arquivar e publicar a certidão da ata
da assembléia a que nos temos referido.
Que certidão é essa? Quem a passa?
A certidão da ata deve ser passada pelo diretor ao qual
os estatutos conferem essa atribuição ou pelo funcionário da
sociedade encarregado do escritório e subscrita pela mesa da
assembléia. Não há inconveniente em que esta certidão seja
substituída pela ata autêntica, passada em duplicata, uma
no livro próprio e outra em avulso.

1035. As formalidades ou condições que ficam decla-


radas em o n. 1.034 supra são essenciais. A falta de uma,
que seja, anula o aumento do capital, sendo aplicáveis as mes-
mas regras que a respeito da nulidade da constituição da
sociedade estabelece a lei, visto se tratar de normas de ordem
·pública (2) . Não é a sociedade que fica imbuída de nulidade,
porque o ato válido '.lãa participa do vício dos subseqüentes.

correspondente à soma total do acréscimo, não era cabida a exigência da prova


da subscrição do aumento e da exibição do conhecimento do depósito de J 0%,
sob o fundamento de que o capital correspondente ao aumento já se achava
realizado e disponível nos cofres da sociedade. A realização pronta e a ime-
diata disponibilidade do capital integral, melhor satisfazem os intuitos legais do
que a mera subscrição e o depósito apenas da décima parte. (Relatório da
·Câmara Sindical dos Corretores de Fundos Públicos, 1906, págs. 30-32).
(1) Decreto n. 434, arts. 91 e 96; decreto n. 8.821, art. 40, § 3.º (*).
(2) A Câmara Cív~l da Relação de Minas Gerais, em acórdão de J 9 de
novembro de 1910, confirmado pelo de 15 de fevereiro de 1911 (na Revista
Forense, vol. 17, págs. 48-60), julgou de modo contrário, com alguns votos
vencidos.
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 50, parágrafo
único.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 401

É sàmente o aumento do capital que não produz efeitos (n.


999, supra).
Outra obscuridade da lei se nota quanto ao efeito da
omissão do registo e publicidade das atas das assembléias
que delib2rarem o aumento ou que verificarem o cumpri-
mento dos requisitos legais (subscrição do capital e depós:to):
a pena cominada é ora de não valer a deliberação contra ter-
ceiros (decreto n. 434, art. 91), ora de não se considerar
legal o aumento do capital (art. 96). Para andar com segu-
rança, convém não esquecer o registo e a publicidade da ata
ou das atas.
Determina, ainda, o decreto n. 434, art. 92, que a falta
de registo e publ;cidade não pode ser oposta pela sociedade
ou pelos sócios contra terceiros.
1036. Direito Fiscal. O aumento do capital das so:ie-
dades anônimas paga o sêlo proporcional por verba declarado
em o n. 995, supra, dentro de trinta dias contados da data
-fixada para cada uma das entradas, quando o capital se cons-
tituir por essa forma, de conformidade com o preceito do art.
39, § 1.º, e do dec. n. 3.564, de 22 de janeiro de 1900 (1) (*).
1037. Se o aumento do capital fôr constituído com re-
cursos retirados do fundo de reserva, além do sêlo sôbre o
capital, deve a soci2dade pagar mais o impôsto de dividendo,
pois êste impôsto incide também sôbre as quantias pagas a
título de bonificação ou outro por que se distribuam os l\.i-
cros (2) .
1038. A bonificação concedida aos acionistas, por meio
de ações integralizadas, é transferência de lucros acumula-
dos e importa na distribuição de dividendo· (3).
(1) Ofício n. 1, do Diretor da Diretoria da Receita Pública, de 16 de
janeiro de 1912, ao coletor das rendas federais de Barra Mansa. (Diário Oficial
de 17 de janeiro de 1912, pág. 867).
(2) Decreto n. 2.757, de 22 de dezembro de 1897, e despacho de 22 de
outubro de 1913 da Recebedoria do Distrito Federal, na reclamação da Com-
panhia Fábrica de Vidros e Cristais do Brasil. (Diário Oficial de 23 de outu-
bro de 1913). Contra: INGL~S DE SOUSA, que opinou não ser devido o
impôsto do dividendo. (Revista Jurídica, vol. V>, pág. 21).
(3) Decisão do Ministro da Fazenda, de 27 de julho de 1912, no recurs.
da Companhia América Fabril. Decidiu-se, também, que essa companhia não
(*) Decreto n. 32.392, de 9 de março de 1953, tabela art. llO.

26
402

ARTIGO II

Da redução do capital socicl

Sam4rlo: - 1039. A redução do capital soda!. - 1040. Em


que condições é possível. - 1041. Sistemas práticos
para a redução. - 1042. Recebimento de dívidas
mal paradas e ações. - 1043. A minoria dos acio-
nistas pode opor-se à redução? - 1044. E os cre-
dores?

1039. A lei não se referiu à redução do capital, como


fêz em relação ao aumento (1), o que tem levado a se dizer
que não é possível essa redução, sobretudo por implicar, em
regra, diminuição da garantia dos credores (*).
t certo, porém, que o quantum do capital é fixado nos
estatutos ou no contrato social e a assembléia geral tem a
faculdade de modificar ou alterar êstes estatutos ou con-
trato, respeitando o objeto principal da sociedade (2) . Não
proibindo supõe-se que a lei autorizou a redução do capital
social ressalvando, bem entendido, os direitos dos credores (3).
Essa redução é a modüicação estatutária no sentido inverso
à relativa ao aumento do capital.
Valiosos motivos podem aconselhar a redução ou dimi-
nuição do capital da sociedade anônima. Mudam-se as cir-
cunstâncias, malogram-se as previsões com que se contava
na época da sua constituição e que justificavam grande capi-
tal, diminuem permanentemente os lucros ou perde-se parte
dêsse capital.
A redução impõe-se para eliminar o pêso morto que onera
a sociedade, firmar o justo valor das ações na cotação da

incorrera em mora, desde que em tempo exibiu prova da operação realizada,


em virtude da qual a repartição fiscal deveria ter feito a cobrança do impôsto
do dividendo, além do capital aumentado pela emissão das ações integradas,
(Diário Oficial, de 28 de julho de 1912).
( 1) Decreto n. 434, arts. 91, 93, et pas.rim.
(2) Decreto o. 434, art. 128, 2.ª alínea; decreto n. 8.821, art. 63.
(3) Veja-se parecer de JOÃO MONTEIRO, na Revista Mensal, vol. 2.0 ,
pãa. 2S.
( •) Hoje dispõem sôbre a redução do capital os art!Ç. 114 e 11 S do do-
creto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940.
TRATADO DE DIREITO !,: ' - 403
-----

Bôlsa ou evitar a liquidação ou a r2·-'., :S ainda necessá-


ria essa redução, se a sociedade, er- -.--~ T,:;r das situações
expostas, precisa de novo capital. D:ve primeiramente dimi-
nuir o capital nominal até à concorrência da sua consistên-
cia real e depois aumentá-lo. Sem êsse processo de sanea-
mento não achará novos subscritores (1).
1040. Na redução do capital social dão-se ordinària-
mente graves abusos. Não é possível admiti-la ou jutisficá-la
com ofensa dos dois princípios fundamentais: a igualdade
entre os acionistas e os direitos adquiridos de terceiros (2).
A redução do capital não isentaria os acionistas de pre-
encher as suas ações emitidas anteriormente, no caso de fa-
lência da sociedade (3). A sociedade pode reduzir o capital;
não tem direito, porém, de espoliar terceiros, dissipando um
dos mais valiosos elementos do seu patrimônio, qual a dívida
dos acionistas pelo valor integral da ação subscrita ou adqui-
rida (veja-se n. 542, supra).
1041. Diversos são os sistemas adotados geralmente
para a redução ou diminuição do capital da sociedade anô-
nima:
1.0 A redução uniforme do valor nominal de cada ação.
Por êsse meio, a redução uniforme do capital social opera-se
sem influir ou repercutir sôbre o número dos acionistas, que
são tratados igualmente.
:l!sse processo consegue-se conforme as hipóteses;
a) Se há abundância de capital, restitui-se aos acionis-
tas uma parte do valor das ações integradas. A ação de

(1) Vejam-se as apreciações de THALLER, in DALLOZ, 93, 1.10,, e


no Traité de droit commercial, 4.ª ed., n. 695, e de MARIA, Dei modification1
du capital social, pág. 152. Fica bem acentuado que, não raras vêzes, a soei~
dade precisa reduzir previamente o seu capital, para aumentá-lo, garantindo o
êxito da nova emissão.
(2) O Código Federal Sutço das Obrigações, art. 670, manda fucr a
redução do capital conforme as regras prescritas para a partilha do ativo no
caso de dissolução, e os administradores da sociedade, que infringem esta dis·
posição, respondem pessoal e solidàriameote nos credores sociais .
(3) Códi110 Com., art. 289; lei n. 2.024, do 17 de dezembro de 1,08, u1.
111. S3 (').
'º·
(•) Decreto-lei o. 7.661, de ll-6-194,, IU'I.
404 J. X. CARVATJHO DE MENDONCA

200$000 passa a ser de 150$000. O acionista recebe 50$000


da sociedade .
b) Se se deseja simplesmente suprimir a cláusula esta-
tutária que fixou grande capital, exoneram-se os acionistas
de completar o valor integral das ações, que passam a ter o
valor nominal das entradas já realizadas (1). A ação do
valor nominal de 200$000, com 100$000 realizados, é trocada
por outra integrada do valor nominal de 100$000. Supõe-se
que tôdas as ações não se achem ainda integradas. ~sse pro-
cesso de redução está exposto a fraude, mas. . . em vão, por-
que, como dissemos em o n. 1040, supra, os acionistas não se
libertariam vis-à-vis de terceiros de integrar as suas ações.
e) Se há perda do capital, diminui-se o valor da ação,
co~-~!ejuízo do acionista, de modo que a ação venha a repre-
sentàr ·o que realmente vale.
A ?-Ç~_ integrada de 200$000 passa a ser ação integrada
de 100$000. É como diz CÉLLERIER, un mode d'amputation
(2) . Nerna hipótese, dá-se um processo de mera contabili-
dade. O capital não figurará no balanço anual com valor ori-
_.ginário, porém, com o reduzido.
2.º A diminuição proporcional ao número das ações
sem redução do seu valor nominal. A scciedade com o capital
de 400 contos, representado em 2.000 ações de 200$000 cada
uma, passa .a ter 300 contos de capital, representado por 1.500
ações de 200$000; Cada acionista terá certo número de ações
proporcional ao que possuía. Como, no exemplo figurado, a
redução de 1/4, o possuidor de quatro ações recebe três e ou
_embolsa o valor nominal da quarta (se há superabundância
.de capital) ou converte as suas quatros ações pelas três no-
~~as, perdendo uma.
:tst~ processo nem sempre é fácil. Se o acionista tem de
,:·p~t~Úr certo número de ações em proporção ao que possui,
-pode· não se dar a exata divisão, aparecendo frações. Que
·'fazer? A sociedade não pode comprar as suas ações. A lei
····___.;.---
(f) ~ste processo pode ser conveniente para as sociedades que de mo-
<.-:: ~,
mento se ~êe~ gr~vadas c~m ~ fo~midável impôsto sôbre o capital. Em São
A

Paulo•. ~x~~te o antM~conom1co imposto. ., ,


· :. (2) ce.LLERIER, !:.tude sur les soc1etes anonymes, n. 519.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 405

não obriga uns acionistas a venderem as frações e mui~&i


nos outros a comprarem-nas para c::Jmplemento dos seus lotes.
Mais: se o acionista não entrega as suas açõ~s~p~r~:i'
conversão, como agirá a sociedade?
L: .;

São incidentes sérios, de que a lei não cogitou ('l) ..~ · .;'

3.0 O resgate das ações. A soci2dade reduz o seu capi-


tal de 500 contos para 400 contos; adquire na Bôlsa ou pelo
sorteio as ações equivalentes a 100 contos (valer nominal>.';
anulando o correspondente ao valor do capital. Não há aferi~
sa em absoluto aos direitos dos acionistas, se as ações estãó.'
JJ
ao par ou abaixo do par, porque êstes acionistas se retirami
espontâneamente da sociedade. Se as ~ções estão cotadaf
abaixo do par, a sociedade tem reais vantagens; adquire Pºf,
menos o valor que vai reduzir do capital. _·,
:mste sistema, chamado por CÉLLERIER le suicide par
autophagie (2), que parece o mais simples,i encontra embar-
gos em nossa lei, que não permite às soc~des anônimas
comprar as próprias ações, salvo para a amQTtização destas,
que é coisa muito diversa da redução do capital, conforme
se dirá em o n. 1104, infra. É, conseqüEnMmente, um pro-
cesso condenado, porque não somente a socieçlade pode entrar
em operações especulativas das próprias.;.:_ações, como pode
operar o reembôlso do capital sob a capa da sua r~ução (*).
1042. Pode a assembléia geral de ~~ s,ocied~de anô-
nima autorizar a diretoria a reduzir o capitaj. so.ciaLparcial-
_ 1~ .... ~..!.,,, ~

mente, facultando-lhes receber em pagamento d~ .dividas mal


paradas as próprias ações, ficando destai:te só~~PQ o ativo?

(1) O Cód. Com. alemão dispõe, no art. 290: "Se, para a redução do
capital fôr deliberado que se diminua o número das aç~es pela tro_c~ de títulos
ou pela marca de um sêlo especial ou por processo analogo. a sociedade pode
declarar sem valor as ações, cujos portadores em mora..nãq,lh~ :í\Presentem.
Igualmente proced~rá. :om os títulos apresent~dos,~, cujo i:n4f1ler0:,~j~ ~ns,ufi­
ciente para a substltmçao pelos novos e que nao fosse posto à dís~os1Ção · da
sociedade para vendê-los por conta do interessado".
(2) C~LLERIER, P:tude sur les sociétés anonymes, n. 523 .-- , ~ :..
( •) Hoje, ·é· permitido à sociedade comprar suas próprias ações, para
reduzir o capital. Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 19.
4Uo J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
~~~~~~~~~~~

Absolutamente não, por ofender o artigo 4. 0 do decreto


n. 434, de 1891 (•).
Sôbre essa interessante questão foram ouvidos notáveis
advogados.
O Dr. ULISSES VIANA, em parecer de 22 de julho de
1893, disse muito bem: "Facultar receber em pagamento de
dívidas as próprias ações, o que importaria em uma dação
in solutum, seria negociar com elas ou sôbre elas, o que a lei
proíbe, e importaria em reduzir o capital social e conseqüen-
temente as garantias dos credores. Só por disposição expres-
sa dos decretos de 17 de dezembro de 1892, e 1.361, de 20 de
abril dêsse ano, que tiveram o caráter de atos legislativos para
um fim determinado, foi dada ao Banco da República do Bra-
sil e ao de Créãito Popular a faculdade de receber as próprias
ações em pagamento de dívidas, reduzindo assim por êsse pro·
cesso o capital social. A exceção confirma a regra" (1) .
SOUSA RIBEIRO, em parecer de 20 de julho de 1893: "o
pagamento figurado seria ato de liquidação disfarçada e da·
ria lugar a que fôssem alguns acionistas indiretamente em-
bolsados do capital representado pelas ações, antes de solvido
o passivo, contra a lei e as boas normas da partilha social" (2).

1043. A minoria dos acionistas pode opor-se à redução


do capital? Não, salvo se fôr privada de direitos que a lei
garante. A maioria obriga a minoria. Trata-se de reforma
estatutária.

1044. Os credores podem opor-se à deliberação da as-


sembléia, que reduz o capital da sociedade? Sim, os credores
anteriores, qualquer que seja a forma por que se opere a redu-
ção, desde que esta, direta ou indiretamente, enfraqueça ou
possa enfraquecer as garantias com que contavam. O ativo

(1-2) Em O Direito, vol. 67, pãgs. 16-19, e no Jornal do Brasil, de 7 de


abril de 1895. No mesmo sentido opinaram: CARLOS DE CARVALHO, VIS-
CONDE DE OURO P~TO e ANTÔNIO EULALIO MONTEIRO. Contra-
SILVA COSTA (parecer de 20 de junho de 1893) e LAFAYEITE (parecer
de 24 de julho de 1893), loco cito.
(•) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro •e 1940, art. 15.
TnATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEffiO 40'1

atual e futuro da sociedade (na primeira linha dêste ativo


figura o capital social) serve de garantia a terceiros. Inte-
grado, não pode ser diminuído, restituindo-se aos acionistas,
de: de que há credores; não integrado, não pode ser perdoado,
havendo credores ( •) .
Se fôsse lícito aos acionistas ou à sociedade lançar mão
do processo da redução para fugir das respectivas obrigações,
a redução assumiria o caráter fraudulento. Tanto os credo-
res como os liquidatários, no caso de falência, podem e têm
-0 dever de exigir dos acionistas o complemento das entradas
cem que prometeram entrar para o capital primitivo fixado
e comunicado ao público, sem se atender à sua redução pos-
terior (1).

SEÇÃO II
Das ações
SDJDúlo· - 104!!. Sentido da palavra ação. - 1046. A açlo
unidade de medida do capital. - 1047. A1J ac6ca
devem ter o mesmo valor. - 1048. Subdivisão da
ação em frações. - 1049. A indlvWbilldade ela
acão. - lOSO. A ação complexo de direitos e obri-
gações. - 10!!1. A ação documento. - lOSl. Cau-
telas de ações. - lOSJ. A ação tftulo de cr6dlto.

1045. A ação exprime a parte social, representada por


um título negociável e transmissível, no qual se materialim
o direito de sócio (2). (Veja-se n. 538, supra).

( 1) Consultem-se: na França, ARTHUYS, Traltl des sociétls comme~


ciales, vol. 2. 0 , n. 629; ROUSSEAU, Des sociltls commerciales, 4.• ed., vol
1. 0 , n. ~· .49~; GOIRAND, Traitl des sociétés par action.r, vol. J. 0 , n. 27.S;
MARIA, L~?·, :o ;· :a·rs du capital social, pág. 115. Na Itália: VIVANTE,
Trattato <.'i · i: ., ·1erciale, 3.ª ed., vol. 2. 0 , n. SIS. Na Alemanha, CO-
SACK, Lehr.' ·· h , ,, , Handelsrechts, § 120. Na Suíça, ROSSEL, Manuel d11
droit fédéra/, n. ô86. onde transcreve a seguinte decisão do Tribunal Federal:
..O capital-ações, for:i1ando a base do crédito da sociedade anônima, o funda-
mento em que ela repousa juridicamente, segue-se que os credores têm o direito
de exigir, de acôrdo com a lei, que êste capital seja mantido intacto e que não
seja anulado nem Jiminuído por votos arbitrários, tais como o seu reemb61so
aos acionistas".
(2) PIC. :.Je. ,.,, commercia/es, vol. 2.º, D. 715.
( •) Decr<.!lo lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 114, t l.º.
408 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Essa palavra emprega-se nos diversos sentidos incluídcs


nesta definição, usando a lei qualquer dêles, conforme o pon-
to de vista do qual se ocupe.
Assim, ela designa:
1. Uma das partes ou frações em que se divide o capi-
tal social (1), por outra, a unidade de medida dêsse capital.
Diz-se, nesse sentido: "O capital social é de mil contos de
réis, dividido em 5.000 ações de 200$000 cada uma".
2. O complexo de direitos e obrigações de caráter pa-
trimonial e pessoal de quem pagou ou prometeu pagar uma
das frações do capital social, habilitando o titular a fazê-lo
valer contra a sociedade e contra a coletividade dos sócios (2).
(Vejam-se ns. 591 e 593, supra) . Daí diz2r-se acionista ou
acionário o sócio destas sociedades .
3. O título ou documento que representa e prova êsses
direitos e obrigações. Sendo a sociedade propriEtária de tudo
quanto o compõe o seu capital, os acionistas obtêm um título
representando as somas ou valores, que servem de base para
o regulamento daqueles direitos e obrigações. A lei supõe êste
sentido, quando disciplina o conteúdo, a forma, a função e a
circulação do título de crédito, ação (3).

1046. I. Como a unidade de medida do capital so~ial,


a ação tem um valor nominal, representando uma fração dês-
se capital (4) . Decorre daí um fato para o qual devemos

(1) Decreto n. 434, arts. t. 0 , 18, 19 et passim; lei n. 3.150, art. 7. 0 et


passim; decreto n. 8.821, arts. 1.0 , 9. 0 et passim; decreto n. 164, art. 7. 0 et pas-
sim (*).
(2) Decreto n. 434, arts. 15, 21, 32, 136 et passim (**).
DELOISON, Des sociétés commerciales, vol. t. 0 , n. 253: "Nous serions
tentés de croire que de là lui vient son nom; elle est le principe de l'action que
son détenteur a sur la société".
(3) Decreto n. 434, arts. 23, 24, 30, 35 et passim ( ...,. ) .
(4) As ações têm um valor nominal, um valor real e um valor corrente.
O primeiro acha-se designado no título; o segundo é representado pelo valor
efetivo e realmente existente no patrimônio da sociedade e, portanto, só veri-
ficável exatamente na partilha; o terceiro é o da Bôlsa, onde aquêle título é
cotado e negociado.
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. t. 0 •
( .. ) Citado decreto-lei n. 2.627, arts. 74, in principio, e 78.
( • • •) Citado decreto-lei n. 2.627, art. 25.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 409

chamar a atenção: a ação não constitui capital diverso do


que se acha empenhado na indústria exercida pela sociedade.
A lei não Estabelece o valor mínimo ou máximo das ações.
~le é taxado livremente nos e~tatutos ou no contrato so-
cial (1), salvo nas sociedades cooperativas, cujas ações não
podem exceder de 100$000 (2) (*).
1047. Servindo de unidade de medida, devem as ações
ser do mesmo valor. A igualdade facilita o concurso dos subs-
critores na distribuição dos lucros (n. 557, supra), a cotação
dos títulos nas Bôlsas e a sua circulação (3). O decreto n.
434 não foi expresso, por se tratar de princípio decorrente do
sistema adotado . Ao estabelecer, porém, as declarações que
devem constar do livro de registo das ações, não contemplou
o valor de cada urna (4), significando, assim, que tôdas de-
vem ter o mesmo ou igual valor (**).
1048. Permite-se a subdivisão das ações em frações de
igual valor (5), a fim de facilitar o acesso de pequenos contri-

( 1 ) O Congresso Internacional das sociedades por ações, realizado em


Paris em 1900, adotou a deliberação seguinte: "3.ª - La loi doit déterminer un
minimum du taux des actions". O fim desta resolução é evitar pequenas ações que
trazem embaraços à sociedade, desinteressando os acionistas das assembléias
gerais.
Na França, a lei de 1893 fixou êsse mínimo em 25 francos se o capital
não excede de 200. 000 francos, e em 100 francos se superior desta soma. O
Código alemão (art. 180) estabelece, também, o valor mínimo das ações.
VIDARI censnra essas leis restritivas da liberdade contratual. (Corso di diritto
commerciale, 5.ª ed., vol. 2. 0 , n. 1.202).
(2) Lei n. 1.637, de 5 de janeiro de 1907, art. 21 (•).
(3) Na Itália, não obstante o silêncio do Código, VIV ANTE opina nesse
sentido, fundando-se em diversas disposições e no elemento histórico da lei.
(Trattato di diritto commerciale, 3.ª ed., vol. 2. 0 , n. 458). Na Bélgica a lei é
também silenciosa, ensinando NAMUR, Le code de commerce belge, 2.ª ed.,
vol. 2.º, n. 991, e GUILLERY, Des sociétés commerciales, vol. 2. 0 , n. 564,
que devem ser do mesmo valor. Na Alemanha e na Suíça. a sociedade pode
emitir ações de valores diversos.
(4) Decreto n. 434, art. 22; decreto n. 3.150, art. 7. 0 , § 3. 0 ; decreto
n. 8.821, art. 18; decreto n. 164, art. 7.0 , § 3.0 •
, (5) Decreto n. 434, art. 18, § 1. 0 ; lei n. 3.150, art. 7. 0 , princ.; decreto-
n. 8.821, art. 8. 0 , § l.º; decreto n. 164, art. 7. 0 , princ. ( .. •). .
( •) Decreto-lei n. 22.239, de 19 de dezembro de 1932 (revigorado pelo
de n. 8.401, de 19 de dezembro de 1945), art. 6, § 5. 0 , alterado pelo art. 12 do-
decreto-lei n. 581, de 1 de agôsto de 1938.
( ••) Hoje é expresso o art. 1. 0 do decreto-lei n. 2.627, de 26 de se-
tembro de 1940.
e•••) o vigente decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, não-
cogita da divisão da ação em frações.
-410 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

buintes. A fração representa a unidade de medida da ação,


do mesmo modo que esta a unidade de medida do capital
.social.
O acionista fracionário, se bem que responda pelo valor
nominal do seu título e não pelo da ação, participa, em nome
próprio, da distribuição dos dividendos e pode alienar ou cau-
donar as suas frações, etc. (1).
Não pode, porém, exercer os direitos que os estatutos ou
·O contrato social baseiam na ação como unidade (2).
A pessoa, que reunir essas frações em número ao valor
equivalente ao da ação, será tida como acionista com os direi-
tos que a lei confere à ação inteira (3).
A tolerância das frações dificilmente se justifica. A lei
não estabelece valor mínimo para as ações. Se é permitida
.a emissão de ações do mais reduzido valor, para que lançar
na circulação frações de ações?
Mediante êsse processo, "será fácil aos fundadores da
·sociedade conservar influência perpétua sôbre esta, guardan-
do para si a maior parte das ações inteiras e dividindo o resto
·em frações. Ter-se-iam, então, duas classes de acionistas:
uma a minoria talvez gozando todos os direitos e a adminis-
tração social, a outra composta de portadores de frações,
·completamente à disposição dos representantes da outra
oelasse" (4) •
1049. Tôda a ação é indivisível em relação à socieda·
<Cle (5), a dizer é proibido fracionar a ação, dividindo-a em
.muitos títulos correspondentes a uma quota parte do valor
(1) Decreto n. 434, art. 18, § 3.0 ; decreto n. 8.821, art. 8.0 , § 3.0 •
(2-3) Decreto n. 434, art. 18, §§ 2.º e 3.0 ; decreto n. 8.821, art. 8. 0 ,
-H 2.0 e 3.0 •
(4) BINO, La société anonyme en droit italien, pág. 140.
ROSSEL, Manuel de droit fédéral des obligations, 2.ª ed., n. 826, apresenta
-nestes têrmos os inconvenientes da subdivisão das ações: "d'abord, des gens
peu aisés retirent des caisses d'épargne leurs modestes placements pour les con-
fier à des entreprises aléatoires; ensuite, les porteurs de coupures ne sont pas
d'actionnaires, à mains que la loi ou les statuts ne prescrivent que des coupures
l'éunies en nombre suffisant donnant les mêmes droits que l'action".
(S) Decreto n. 434, art. 32; lei n. 3.lSO, art. 8.0 ; decreto n. 1J.821, art. 15;
:.decreto n. 164, art. 8.0 ( • ) .
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 13 .
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 411

(1/2, 2/3, 1/10, etc.) salvo o caso da divisão em frações,


permitida pelos estatutos e nos têrmos explicados em o n.
1048, supra.

Esta regra protege interêsses da sociedade e dos acionis-


tas: da primeira, evitando as naturais dificuldades do fracio-
namento em caso de morte, para não complicar a distribui-
ção dos dividendos e o cômputo dos votos; dos segundos, con-
servando a ação fàcilmente circulável (1).
Em relação aos acionistas, a ação pode ser e é divisível.
Uma só ação pode ser objeto da propriedade indivisa de duas
ou mais pessoas, de condomínio, quer em virtude de partilha
por herança ou liquidação de sociedade, quer por convenção.
Mas, nenhum dos condôminos pode reclamar título distinto
da sua parte, nem exigir da sociedade o pagamento da parte
que lhe cabe no dividendo.
Para manter, nesses casos, a indivisibilidade da ação rela-
tivamente à sociedade, a lei estabelece os seguintes princípios:
a) os condôminos designarão um dêles para junto à
sociedade figurar como proprietário. Enquanto não houver
essa designação ficará suspenso o exercício dos direitos con-
cernentes à ação (2) ;

- No Direito inglês existe a interessante figura da conversion nf sh11res


into stock, permitida pela lei de 1862, arts. 23 a 25 e hoje pela lei ele !C)03,
erts. 31 a 34 do anexo A. Esta conversão é uma forma do agrupamento ou
da consolidação de certo número de ações integradas de grande valor, de modo
que o acionista, ao invés de possuir certo número de ações e receber um divi·
dendo variável, é titular de uma parte correspondente no capital social e recebe
uma renda fixa, determinada. Seu título equipara-se a um título de fundos
públicos, podendo negociá-lo no todo ou em parte. A sociedade · 1 ~ :i0 °-'0-
nista o certificado do número total de ações que êle possui, podenfo ·~ntão
fracioná-lo. Cada um dos compradores faz-se inscrever na companhia. Di'!':;~
o art. 32 do anexo da lei de 1908: "Os portadores do s·nck podem t~1n- · ·
no todo ou em parte, do mesmo que se tratasse de ações convertidas an! - .a 0

conversão: mas o conselho administrativo pode fixar o mínimo transferível do


stock e restringir ou proibir a transferência de frações dêste mínimo. Contudo,
o núnimo não pode exceder a importância do valor nominal das ações a c0n-
verter".
(1) VIVANTE, Trattato di diritto commerciole, 3.ª ed., vol. 2. 0 , n. 469.
(2) Decreto n. 434, art. 32, 2.ª alínea; lei n. 3.150, art. 8. 0 , 2.ª alfoea;
decreto n. 8.821, art. 15, 1.ª alínea; decreto n. 164, 8.0 , 2.ª alínea (•).
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, arL 79.
412 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
~~~~~~~~~~~~-

b) se os condôminos não satisfizerem as obrigações ine-


rentes à ação, a sociedade pode su~pend~r o exercício dos di-
reitos dela decorrentes até que as cumpram (1).
Como consEqüência da indivisibilidade das ações, indivi-
sível solutione é a obrigação do acionista ou dos seus suces-
sores de entrar cem uma ou mais quotas, no interêsse da
integralização das ações que lhe pertencem (2).
Essas regras prevalecem somente quanto às ações nomi-
nativas. Quanto às ações ao portador, são donos os que com
elas se apresEntam.
1050. II. Considerada como o complexo dos direitos e
obrigações de c2.ráter patrimonial e p2ssoal do possuidor (nú-
mero 1045, supra), a ação confere os direitos e obrigações de
que falamos Em cs ns. 591, 593 e 594, supra.
1051. III. Como documento, a ação é o título pelo qual
rn prova a qualic!ade de sócio, sendo então a sua função eco-
nômica a de transferir o direito que representa (3). A incor-
poração c:!o direito em um instrumento de papEl, escreve
THALLER, torna-se necessária ao tráfico. Para que a ação
circule é mister que se materialize, que se converta em mer-
cadoria (4) .
f!ste título nveste formas diversas, das quais diremos
adiante.
1052. Ao invés de ações, as sodedades anônimas po-
dem emitir cautelas, que as representem, gozando de todos
os direitos pertencentes aos títulos definitivos até que sejam
por êstes substítuídas (5). Estas eautelas que são certificados
extraídos do livro de registo relativamente ao nome do acio-

( 1) Decreto n. 434, art. 32, 3.ª alínea; decreto n. 8.~'?1. art. 15, 2.ª alí-
nea (*).
(2) Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 8 de agôsto de
1916, na Revista dos Tribunail, vol. l.º, págs. 94 e 95.
(3) A ação, sob êste ponto de vista, dá-se o nome, na Alemanha de
Aktientitel, Aktiendokument: na Inglaterra, share certificate, lharewarrant stock-
certificate. '
( 4) Traité de droit mmmercial, 4. ª ed., n. 599.
(5) Decreto n. 370, de 2 de maio de 1890, art. 292, parág. único ( .. ).

(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 85, combinado


com o art. 79.
( .. ) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 21.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 413

nista, devem ter os me~mos requisitos legais das ações (1).


Em cada transferência dá-se cautela ou certificado dife-
rente.
Não vale a cautela com o número englobado de ações
de propriedade do titular; déve, sim, conter a declaração do
, número de ordem de cada uma das ações que representa,
para que se verifique se a soma da emissão corresponde ao
capital.
1053. A ação é título de crédito (*) não sàmente sob
o ponto de vista dos direitos patrimoniais que lhe são ine-
. rentes (veia-se n. 591, supra), como sob o ponto de vista da
sua circulação, sendo objeto de transações e suscetível de
alta e baixa na cotação da Bôlsa. Ainda que a sociedade
esteja em liquidação, é negociável a ação. O capital represen-
tado é sempre vinculado ao fim social, mas os possuidores
dos títulos representativos dêste. capital podem livremente
mudar-se em cada instante, como se em cada instante cou-
b~ s~e aos sócios um incondicional direito de retirada da so-
ciedade.
As ações são bens móveis (2). (Veja-se n. 592, supra).

(1) Decreto n. 434, arts. 35 e 36.


As cautelas sem os requisitos que a lei exige para as ações (arts. 35 e 36
do decreto n. 434) p.ão privam o possuidor da qualidade de acionista, desde
que vem a juízo demandar as próprias pessoas que emitiram êstes títulos. Se
assim não fôsse, os fundadores e administradores teriam como o mais eficaz
dos meios para escapar ao corretivo do Poder· Judiciário, quando infringissem
a lei e os estatutos, a transgressão da própria lei no tocante ao preenchimento
das formalidades dos títulos representativos do capital realizado, e, ai_nda que
· às omissões obedecessem ao propósito de impossibilitar a· prova da legitimidade
-de acionistas (Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 27 de agôsto
de 1907, na Revista de Direito, vol. 6, págs. 687'."691). .
(2) Código Com., arts. 191, 2.ª alínea, 271 e 273, CARLOS DE CAR-
VALHO, Nova Consolidação, art. 179, d.
O acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 9 de agôsto de 1897,
declarou que "as ações de companhias não se podem considerar imóveis nem
por natureza nem por disposição de lei", acrescentando: "não podem as ações
de companhias (uma vez que a lei· não declare o cohtránci), pertencer à classe
dos. imóveis e, pelo DireitQ Comercial, tratando-se de penhor mercantil, podem
ser objeto do contrato pignoratício as ações de companhias, o que equivale dizer
que êsses títulos, por disposição de lei, pertencem à classe dos móveis, porque
só e como tais podem ser objeto do contrato de penhor". (Rev. Mensal, vol. 6. 0
:.pâgs; 171-172).
(*) No vol. 5. 0 , parte 2.ª, n. 463, explicou o autor o sentido em que
deve ser entendida a sua afirmação de que ação é tf tu lo de crédito.
J. X. CARVALHO DE MENDONCA

A entrega das ações ou das suas respectivas cautelas


ser.rindo para provar a qualidade de acionista, somente se
realiza depois de constituída definitivamente a sociedade,
quando ela tiver personalidade jurídica e já possuir o livro
do registo das ações, onde estas são inicialmente inscritas
(n. 1070, supra).

Na ocasião da subscrição entregam-se simples recibos pro-


visórios (n. 955, supra).
As sociedades trocam ou substituem, muitas vêzes, as
ações emitidas, como nos casos de aumento ou redução do
capital, de modificação estatutária, etc. Restituem-se os títu-
los antigos em troca de novos.

ARTIGO I

Das espécies de ações em relação ao valor da emissão


S1•'1101 - 10,4. Ações quanto ao valor da emissão. -
10'5. Ações reconhecidas pelo nosso Direlto.

1054. Quanto ao valor, em troca do qual as ações são


emitidas, costuma-se estabelecer as seguintes espécies: ações
de capital, de indústria, de gôzo, de prêmio ou favor, de prio-
ridade (preferenciais), etc.
As ações de capital, ações tipo, ações ordinárias, ações
própriamente ditas, são aquelas cuja importância integral ou
parcialmente, depois da primeira entrada, se realiza em dl·
nheiro ou em valores móveis ou imóveis. 1l o verdadeiro tipo
do valor móvel.
Se o acionista faz a entrada em bens ou direitos é mister
estimá-los em dinheiro a fim de conseguir o mesmo deno-
minador e representá-los por meio das ações.
Salvo essa diversidade de proveniência ou origem, este.a
ações são iguais às realizadas em dinheiro sob todos os pon-
tos e sujeitas às mesmas regras.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 415

As ações industriais são as que têm como correlativos o


trabalho, a indústria, a competência técnica, conferidos na
sociedade a título de quota.
Estas ações dão, ordinàriamente, direito aos lucros so-
ciais e não ao capital, de modo que o seu proprietário, na·
dissolução da sociedade, não figura na partilha do fundo
social (1).
As ações de gôzo são as que se podem emitir em substi-
tuição às de capital, que se amortizam. (Veja-se o art. VIll
desta seção) .
As ações de prêmio ou de favor são as emitidas em pa-
gamento de serviços prestados por terceiros aos fundadores-
na constituição da sociedade .
As ações de prioridade são as que conferem aos possui-
dores o direito de preferência sôbre os lucros, ou sôbre o pa-
trimônio social por ocasião da partilha, ou sôbre ambos. Os
seus possuidores colocam-se em grau superior ao dos outros-
sócios. Não deixam de ser sócios, e só se distinguem dos de-
mais pelo privilégio, pela prioridade que têm as suas ações
de receber dividendo maior ou anteriormente aos outros ou·
de participar em primeiro lugar por ocasião da liquidação·
social.
1055. Em nosso direito, temos sõmente as ações de
capital (•).
As ações industriais não se justificariam em vista do que
dissemos em o n. 544, supra (2), e as de favor em face do
art. 19, decreto n. 434. (Veja-se n. 914, supra).
As ações de gôzo podem ser admitidas em face do art.
40, do decreto n. 434.
( t) Para evitar a agiotagem e com o fim de exercer pressão sôbre 05
seus titulares, quando não cumprem as obrigações que assumiram para com a
sociedade, as ações industriais ficam geralmente depositadas na caixa social.
(BING, La société anonyme en droit italien, pág. 153; FLOUCAUD-PaNAR-
DILLE, Les sociétés par action, vol. t. 0 , n. 10). HOUPIN considera as ações.
industriais verdadeiras partes beneficiários. (Traité des sociités, vol. 1.º.
D. 284).
(2) O mesmo no Direito italiano, ut VIVANTB, Trattato di diri«o com~
merciale, 3.ª ed., vol. 2.0 , n. 429.
(•) Hoje o decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940 reçouhece-
as ações ordinário•. as de propriedadtJ ou pre/erenciaia e u de 16:.0 'ou /ruiçlo...
(Art. 9.0 ). .
416 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

E as ações preferenciais? Para uns, elas são permitidas


no silêncio da lei, que deixa aos interessados a maior liber-
dade em regular a repartição dos lucros sociais (1). Pensam
cutros de modo contrário, ju~tamente porque a lei delas não
falou. A questão entre nós é duvidosa, e para solvê-la a Co-
missão de Constituição, Legislação e Justiça, apresentou à
Câmara dos Deputados, em sessão de 7 de novembro de 1903,
o projeto de lei permitindo às scciedades anônimas emitir
ações preferenciais (2) .

ARTIGO II

Das espécies de ações em relação à sua forma externa


e dos seus requisitos internos

Sumário: - 1056. Ações quanto à forma do título. - 1057 ·


Livro de talão. - 1058. Conteúdo das ações. -
1059. Ações nominativas. - 1060. Ações transferí-
veis por endôsso e ao portador. - 1061. Como ~e
designam as ações ao portador. Cupões. - 1062 ·
As lições não integradas devem ser nominativas· --
1063. Emissão de títulos múltiplos. - 1064. Direito
Fiscal.

1056. As ações, quanto à forma externa dos re!pecti-


vos títulos que as representam, ou, melhor, relativamente ao
.modo da sua emissão e da sua transferência, podem ser como
os títulos de crédito, nominativos, à ordem e ao portador (*) ·
As ações nominativas são aquelas, cuja propriedade se
estabélec pela inscrição do nome do seu titular no livro de

( 1) Veja-se o parecer do Dr. MANUEL 1. GONZAGA, na Revista de


Jurisprudência, vol. 17, pág. 214, confuso nas idéias fundamentais e carecendo
de retificação em alguns pontos.
(2) Diário do Congresso, de 8 de novembro de 1903.
Aquela comissão emitindo aliás alguns conceitos errôneos, como o de supor
que a lei admite ações de valor desigual (veja-se n. 1.407 supra) afirma a legi-
timidade dessas ações .
( •) Hoje nominativas e ao portador. - Decreto-lei n. 2.627, de 26 de
setembro de 1940, art. 23, in principio.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 417

registo de que falamos em os ns. 1069 e segs., infra. Esta


inscrição firma autênticamente o direito do respectivo acio-
nista.
As ações à ordem são aquelas onde se declara serem
fmitidas à ordem da pessoa indicada, c:nsEguintemente, são
endossáveis, como a letra de câmbio, a nota promissória, etc.
l\. lei as denomina ações transferíveis por endôsso; para isso,
precisa serem passadas à ordem (*).
Es:as ações oferecem a vantagem de poderem ser trans-
missíveis mais expeditamente que as nominativas, propor-
cionando maior segurança que as ações ao portador, visto
como do título consta o nome do proprietário.
As ações ao portador, forma por que elas atingem ao
máximo da mobil~dad::, são aquelas que não dependem da
inscrição no livro acima mencionado, distinguindo-se umas
das outras pelo respectivo número de ordem (1).
A Eociedade pode emitir ao mesmo tempo aquelas três
espécies de ações, ou duas ou uma só (2).
1057. As ações são extraídas de um livro de talão,
constando dêste o número do título, a data da emissão e o
nome do proprietário, se não são ao portador.
1058. A lei determina o conteúdo de cada uma das
ações de acôrdo com a forma, facilitando o conhecimento
( 1) Manifesta-se atualmente pronunciada má vontade contra as ações ao
portador, não só porque evitam o pagamento do impôsto de sucessão, como por-
que servem para iludir tôdas as disposições proibidas das leis civis. Podem
também, ser dadas em empréstimo para a formação de maiorias artificiais, que
dispõem da sorte social. Vejam-se as considerações de VIVANTE, na Rivista
dei diritto commerciale, vol. 11 (1913), pág. 157.
(2) Nas cooperativas que assumem a sociedade anônima não são permi-
tidas ações ao portador. (Lei n. 1.637, de 5 de janeiro de 1907, art. 18) (**).
( *) Em nota ao n. 465, do 5.º vol., 2. 3 parte, retificou o autor: "Modifi-
camos assim o que escrevemos no n. 1.056, do 3. 0 vol. dêste Tratado, a res-
peito das ações à ordem conforme o ensino da escola francesa. (LYON-CAEN
et RENAULT, Traité de droit commercial, vol. 2. 0 , 597, e ROUSSEAU, Des
sociétés, 4. a ed., 1.º vol., n. 1.47 5) . Melhor estudo nos convenceu do êrro em
que laborávamos. As ações são nominativas, ainda que transferíveis por endôsso.
Não há necessidade de mencionar a cláusula à ordem".
(**) Ao associado entrega-se um "título nominativo", em forma de ca-
derneta. - Decreto-lei n. 22.239, de 19 de dezembro de 1932 (revigorado pelo
de n. 8.401, de 19 de dezembro de 1945) art. 17, § 1.0 •

27
418 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

das garantias patrimoniais, do objeto e da função econômica


da sociedade.
1059. As ações nominativas e as respectivas frações,
se emitidas, devem conter:
a) o número de ordem;
b) o valor, que cada uma representa;
e) a designação ou denominação da sociedade;
d) o direito que conferem aos dividendos e capital;
e) a data da constituição da sociedade e da publicação
dos atos constitutivos;
f) a assinatura, pelo menos, de dois administrado-
res (1) .

1060. As ações transferíveis por endôsso e as ações ao


portador, além das declarações constantes das ações nomi-
nativas (n. 1059, supra) devem ter mais as seguintes:
a) a soma total do capital subscrito, com especificação
da parte em dinheiro e da parte em bens, coisas e direitos;
b) o número das ações, em que se divide o capital;
e) a duração da sociedade;
d) o dia e o lugar da reunião anual da assembléia ge-
ral (2).

Essas exigências visam "obrigar os administradores à


exposição da verdade e permitir a fiscalização dos acionis-
tas" (3).
1061. Cada uma ação ao portador é especialmente de-
signada pelo seu número de ordem, que serve para a indi-
(1) Decreto n. 434, art. 35; decreto n. 8.821, art. 16 ( *).
(2) Decreto n. 434, art. 36; decreto n. 8.821, art. 17 (**).
( 3) Palavras de PIRMEZ no relatório de 9 de fevereiro de 1866, sôbre a
lei belga de 1873.
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 20.
( • •) Quanto às ações ao portador, art. 20 do cit. decreto-lei n. 2.627. Não
há mais ações à ordem.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 419

vidualizar e assinalar nos casos de perda ou furto, depósito,


penhor, resgate, pagamento final, etc.
A estas ações anexam-se cupões (1), para serem desta-
cados por meio de corte. Cada cupão relativo ao número de
ordem da respectiva ação, corresponde a um dividendo .

1062. As ações devem ser nominativas até a sua inte-


gração. Não podem ser emitidas ao portador ou transferíveis
por endôsso sem que estejam integralmente pagas (2) .
Sendo o capital social uma das garantias de terceiros,
como se poderia obrigar o dono da ação ao portador, desco-
nhecido, a integrá-la? No caso de falência, como se poderia
cumprir o disposto no art. 53 da lei n. 2.024, de 17 de dezem-
bro de 1908?

1063. Não há inconveniente na emissão de títulos múl-


tiplos, isto é, títulos compreendendo cada um certo número
de ações, cinco, dez, vinte, etc. (**).
Procura-se mediante êsse processo não só evitar despe-
sas com a impressão dos títulos, como simplificar a escritura-
ção do livro de registo e tornar mais fáceis a guarda e a cir-
culação das ações, e, ainda, evitar o abuso da divisão das

( 1) A palavra cupão do francês coupon está hoje admitida em português


(CÂNDIDO DE FIGUEIREDO, ed. 1913) . A palavra francesa coupon foi
empregada nas leis n. 149-B, de 20 de julho de 1893, art. 9. 0 , n. 177-A, de 15
de setembro de 1893, art. 2. 0 , § 1. 0 , e n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908,
art. 1. 0 , parág. único, n. 3.
- Não há inconveniente em que à ação nominativa acompanhem cupões
ao portador, para o recebimento dos dividendos. A propriedade da ação e a
qualidade de acionista, com os direitos e deveres inerentes, permanecem no
proprietário da ação, mas o possuidor dos cupões tem o direito de receber os
dividendos mediante a sua simples apresentação. Por meio dessa combinação,
facilita-se o uso das ações e cria-se um meio expedito de fazer dinheiro. (Vl-
DARI, Corso di diritto commerciale, 5.ª ed., vol. 2. 0 , n. 1.212; ROUSSEAU,
Des sociétés commerciales, 4.ª ed., vol. 1.0 , ns. 1.451 e 1.452; LYON-CAEN et
RENAULT, Traité de droit commercial, 4.ª ed., vol. 2. 0 , P. I, n. 602).
(2) Dec. n. 434, art. 21; lei n. 3.150, art. 7. 0 , § 1. 0 ; Dec. n. 8.821.
art. 10; decreto n. 164, art. 7. 0 , § 1. 0 ( • ) .
(•) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 23, § l.º.
( .. ) Hoje a remissão está expressa no art. 21 do cit. decreto-lei n. 2.627.
4'.?0 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

ações por testas de ferro nas vésperas das assembléias ge-


rais (1).
Essa práti~a não está adotada entre nós, porque se tor-
na quase desn2cessária, em vista da faculdade que têm as
sociedades anôn mas de emitir, Em vez de ações, cautelas que
as representam (2).
Os estatutos da sociedade podem dispor a êste respeito,
estabelecEndo a emissão de títulos múltiplos.
Não vemos em que ofenda à lei e aos seus cardeais prin-
cípios a cláusula estatutaria qu~ tal coisa dispusesse (3).

1064. Direito Fiscal. As ações ao portador são absur-


damente taxadas.
O capital representado em ações ao portador paga o sêlo
de verba de 300 réis por 100$00, sendo desprezada a fração
desta importância se existir na soma (4) . Se o capital fôr
Em moeda estrangeira, o valor será calculado ao câmbio do
dia do pagamento do sêlo (5) ( *) .
Para determinar êste capital, toma-se a média da cota-
ção de um ano publicada no anterior ao da contribuição; se
não tiver havido cotação nesse tempo, toma-se o valor nomi-
nal das ações (6) .
O pagamento faz-se pela metade ou pela quarta parte do
impôsto devido, dentro de trinta dias contados da primeira

( 1) VIVANTE, Trattato di diritto commerciale, 3.ª ed., vol. 2. 0 • n. 462.


(2) Decreto n. 370, de 2 de maio de 1890, art. 292, parág. único.
( 3) No Direito italiano, VIV ANTE ( Trattato di diritto commerciale, 3.ª
ed., vol. 2. 0 , n. 462), e no Direito francês, CÉLLERIER (Étude sur les sociétés
anonymes, n. 169) entendem que os estatutos sociais ou o acôrdo dos adminis-
tradores com o acionista podem autorizar a entrega de títulos múltiplos.
(4) Decreto n. 3.564, de 22 de janeiro de 1900, Tab. A, n. I, § 7. 0 , n. 3.
( 5) Decreto n. 3.564, de 1900, art. 4. 0 , parág. único.
(6) Decreto n. 3.654, de 1900, art. 4. 0 , n. 13.
(•) Dispõe o art. 2. 0 do decreto n. 23.501, de 27 de novembro de 1933:
"A partir da publica;ão dêste decreto, é vedada, sob pena de nulidade, nos
contratos exeqüíveis no Brasil, a estipulação de pagamento em moeda que não
seja a corrente, pelo seu valor legal".
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 421

publicação do anúncio para o pagamento semestral ou tri-


mestral dos dividendos. Se o pagamento fôr feito sem anún-
cio, o prazo será contado do dia 15 do mês subseqüent~ ao
semestre ou trimestre vencido, conforme o ano social desig-
nado nos estatutos.
O pagamento far-se-á acompanhado de guias em dupli-
cata, firmadas pelo gerente e rubricadas pelo presidente ou
sómente assinadas pelo gerente; quando se tratar de com-
panhia estrangeira, deverão conter as declarações nec:ssá-
rias para se conhecer o valor tributável e o número de ações
ao portador e debêntures exist2ntes no último dia de cada
semestre ou trimestre do ano social ( 1) .
Não se confunda êsse impôsto com o do sêlo sôbre o capi-
tal da companhia (veja-se n. 995, supra), pago de uma só
vez. o sêlo ~ôbre as ações ao portador é devido anualmente
por metade ou pela quarta parte, na forma acima declarada.
Nem também se o confunda com o impôsto sôbre dividendos,
regulado pelo dec. n. 3.757, de 23 de dez2mbro de 1897 (2) (•).
(1) Decreto n. 3.564, de 22 de janeiro <!~ 1900, art. 39.
(2) Despacho do Diretor da Recebedoria do Distrito Federal de 26 de
janeiro de 1914, na consulta da Companhia Brasileira de Jmóveis e Constru-
ções (Diário Oficial de 27 de janeiro de 1914, pág. 1.221).
Contra êste despacho reclamou outra sociedade anônima, a Companhia
Luz Steárica, alegando que importava na incidência de dois impostos, o que
era inconstitucional. O Diretor da Recebedoria, em 10 de fevereiro de 1914,
declarou: "O despacho a que se refere a requerente foi proferido consoante os
têrmos da consulta dirigida pela Companhia Brasileira de Imóveis e Constru-
ções, e a questão ora levantada no presente requerimento, foi colocada sob
outro aspecto, qual o da incidência de dois impostos sôbre o mesmo ato.
Não procedem os argumentos da requerente, em face das disposições regu-
ladoras da espécie, como passo a demonstrar. A lei n. 25, de 30 de dezembro
de 1891, que criou o impôsto de dividendos (art. !.º) estabeleceu, em seu art.
3. 0 , o modo da cobrança do sêlo sôbre as ações e obrigações (debêntures) ao
portador, emitidas pelos bancos, companhias e sociedades anônimas, sendo a
respeito expedida a circular n. 12, de 20 de fevereiro de 1892; e, como dúvidas
ainda ocorressem na execução do citado dispositivo, a decisão n. 141, de 27 de
junho de 1892, declarou que as diretorias respectivas, deviam recolher à Rece-
bedoria a importância total do sêlo, cabendo-lhes descontar dos dividendos que
competissem às ações ao portador o impôsto a elas relativo e dos juros a pagar
das debêntures o que recaísse nestas obrigações.
O impôsto sôbre dividendos, que figurava conjuntamente com o do impôsto
do sêlo na lei n. 25 citada, foi desmembrado para constituir impôsto à parte
pelas leis orçamentárias ns. 126-A, de 30 de setembro de 1893 e segs., até a de
( •) A consolidação das leis do impôsto de sêlo (decreto n. 32.392 de
9-3-53) não sujeita ao pagamento do sêlo as ações emitidas pelas socied~des
anônimas.
422 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

ARTIGO III

Da conversão das ações

Sumário: - 1065. Mudança de forma das ações. - 1066.


Em que caso depende da aprovação da assembléia
geral. - 1067. Processo de conversão. - 1068. Ca-
pacidade para a conversão.

1065. Pode-se mudar a forma das ações. É o que se


chama conversão das ações (1). A conversão das ações no-
minativas em ações ao portador ou transferíveis por endôsso
não é permitida sem que aquelas se achem integradas (n.
1.062, supra).

1066. Os estatutos sociais podem permitir expressa-


mente a conversão das ações, proibi-las ou silenciar a êsse
respeito.

Se permitem a conversão eventual ou se a proíbem ou


ainda se determinam número certo de ações ao portador,
não há mister a intervenção da assembléia geral. Para que

n. 489, de 15 de dezembro de 1897, que o tornou extensivo aos Estados, sendo


regulamentado pelo decreto n. 2.757, de 23 do mesmo mês e ano; mas perma-
neceram as taxas de sêlo sôbre as ações e obrigações ( debêntures) ao portador,
que passaram a figurar no regulamento respectivo, baixado com o decreto n.
1.264, de 11 de fevereiro de 1893, art. 2. 0 , n. 12, disposição que, alterada pelo
decreto n. 2.673, de 3 de agôsto de 1897, foi restabelecida pelo vigente regula-
mento, anexo ao decreto n. 3.564, de 22 de janeiro de 1900, art. 4. 0 , n. 13, nêle
estando consolidadas as circulares ns. 12, de 20 de fevereiro de 1892, precitada
e 20, de 29 de junho de 1895, a primeira explicada pela decisão n. 141, de 1892,
que subsiste. Assim sendo, a requerente está sujeita ao pagamento de que se
trata, observados os têrmos da já citada decisão n. 141, não se verificando,
portanto, a hipótese argüida na petição". (Diário Oficial de 11 de fevereiro
de 1914).
( 1) Consulte-se a interessante monografia de SAMUEL MARTINS, Con-
versão das ações nominativas em ações ao portador no Direito Comercial, Re-
cüe, 1909.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 423

a manifestação dessa assembléia se lhe não é dado modificar


os estatutos, nem a êstes se opor? (1).
Os administradores, operando a conversão, autorizada
pelos estatutos e nos têrmos dêstes, devem, no relatório anual,
...;u1~,unicar à assembléia o que a êsse respeito se passar.

Se, porém, os estatutos são omissos, prevalece o que a lei


dispõe. A conversão, em princípio facultativa, tanto para a
sociedade como para o acionista, depende da deliberação da
assembléia geral. Sendo esta o poder soberano da sociedade,
cumpre-lhe manifestar-se sôbre a oportunidade da conversão,
regulando a fixidez da massa dos acionistas e evitando os
perigos da especulação sôbre os seus títulos (2) .

1067 . O processo da conversão é facílimo . Fazem-se os


devidos lançamentos no livro do registo (n. 1070, infra) e
substituem-se os títulos (*).

1068.Para a conversão do título nominativo em título


ao portador, exigem-se da pessoa que pede a conversão, a
capacidade de alienar e a livre disponibilidade da ação.
Não se quer dizer que a conversão seja ato de alienação,
pois o título convertido fica no mesmo patrimônio, mas se
equipara à alienação, para evitar o desvio de bens dos inca-
pazes e para garantir direitos de terceiros (3). Assim, a so-
ciedade não poderia converter em ações ao portador as nomi-
nativas pertencentes a menores, sem autorização judicial, as
que contivessem a cláusula de inalienabilidade, as que esti-
vessem oneradas com usufruto sem o consentimento expresso

' ( 1) Contra: INGL~S DE SOUZA, Títulos ao portador, n. 425.


(2) Decreto n. 434, art. 21; lei n. 3.150, arL 7. 0 , § 1. 0 ; decreto n. 8.821,
art. 10; decreto n. 164, art. 7. 0 , § 1. 0 •
(J) Em França, a lei de 27 de fevereiro de t 880 (art. 10) exige para a
conversão dos títulos nominativos em títulos ao portador as mesmas condições
e formalidades necessárias para a alienação dêsses títulos.
VIVANTE, Trattato di diritto commerciale, 3.ª ed.; vol. 2. 0 , n. 467, entende
que o tutor não tem poderes para a conversão.
( • ) Os estatutos devem prescrever a forma da conversão. - Decreto-lei
n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 24.
424 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

do proprietário e usufrutuário, as caucionadas sem o con-


sentimento do credor pignoratício, etc.
O mesmo rigor não se exige na conversão da ação ao
portador em nominativa, pois a sfgurança é completa.

ARTIGO IV

Do registo das ações

Somárlo: - 1069. O livro de registo das ações e seus requi-


sitos externos. - 1070. Seus lançamentos. - 1071 .
Divisão dêste livro cm dois. - 1072. Exame dêsses
livros. - 1073. Direito Fiscal.

1069. Na sede das sociedades anônimas devz haver um


livro de registo das ações com as formalidades externas exi-
gidas para o diário (art. 13 do Cód. Com.), isto é, com os
tênnos de abertura e encerramento, numerado, rubricado e
selado (1) (*).

1070. Nesse livro lançam-se:


o nome de cada acionista, com indicação do nú-
l.º
mero das suas ações;
2.º as entradas realizadas por conta do capital social;
3.º as inscrições da propriedade e as transferências das
ações com a respEctiva data, assinadas pelo cedente e ces-
sionário ou por seus legítimos procuradores (veja-se n. 1089,
infra);

( 1) Decreto n. 434, art. 22; lei n. 3.150, art. 7. 0 , § 3. 0 ; decreto n. 8.821,


e.rt. 18; n. 164, art. 7. 0 , § 3. 0 •
O art. 22, do decreto n. 434, reproduzindo o art. 18 do decreto n. 8.821
diz: "as conversões das ações em títulos ao portador e transferências por en~
dôsso". A palavra transferência devia ser transferíveis.
( "') Livro de registro das ações nominativas. - Decreto-lei n. 2.627, de
26 de setembro de 1940, art. 56, 1.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 425-

4.º as conversões das ações nominativas em ações ao


portador ou em ações transferíveis por endôsso (1) (*).
As transferências e conversões sàmente se procedem de-
pois de constituída definitivamente a sociedade, e de reali-
zados 40% do capital subscrito, porque sàmente então é lícita
a negociação das ações (n. 1087, infra).

1071. N8o é possível a regular escrituração dêsse livro


de acôrdo e;om os lançamentos supra indicaãos, como a lei
exige.
A clanza desapareceria se ao lado das im:crições figuras-
sem os têrmos de transferência. Para obviar o inconveniente,
divide-se aquêle livro em dois, revestidos das mesmas forma-
lidades externas: o livro de registo e o livro de transferência
das ações (**).
tste é destinado especialmente ao lançamento dos têr-
mos de transferência (podendo ser impressos os seus dizeres
uniformes) e dos têrmos de penhor ou caução (2) (*º).

1072. O exame dêsses dois livros é facultado aos acio-


nistas em qualquer tempo (3), permitindo-lhes conhecer a si-
tuação exata do capital subscrito ( .... ). Cert:dões ser-
lhes-ão dadas, se o exigirem.
Terceiros, ainda que aleguem interêsse, não podem exa-
minar os livros de registo e transferência; pod2m sàmente
pedir certidões dos têrmos de inscrição e transferência (4).

(1) Decreto n. 434, art. 22; lei n. 3.150, art. 7.0 , § 3. 0 ; decreto n. 8.821,
art. 18; decreto n. 164, art. 7. 0 , § 3. 0 •
(2) Decreto n. 434, art. 37; decreto n. 8.821, art. 19.
(3) Decreto n. 434, art. 22, in fine; decreto n. 8.821, art. 18, in fine.
( 4) Decreto n. 434, art. 23, última alínea; decreto n. 8.821, art. 11
in fine ("""* .. ).
( •) No vol. 4. 0 , n. J .539, acrescentou o autor: "Nesse livro ainda se
lançam os penhôres constituídos pelos acionistas em favor de terceiros e as cau·
ções dos administradores".
( **) Hoje há um livro especial de Transferência de ações nominativas.
- Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 56, II.
(***) A caução é lançada no livro de Registro de ações nominativas -
Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 56, I, f.
("'* .. ) O vigente decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de· 1940, per·
mite apenas dar-lhes certidões. (Art. 56, parág. único).
("'"'* 0 ) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 57, parág. único.
426 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

1073. Direito Fiscal. O Livro do Registo de Ações ou


os dois mencionados em o n. 1071, supra, pagam de impôsto
do sêlo:
a) pelos têrmos de abertura e encerramento: 3$300 sêlo
de verba) (1) (*).
b) por fôlha que não exceda 33 cms. de comprimento
e 22 de largura, excluídas as fôlhas adicionais para índice ou
qualquer fim diverso da respectiva escrituração, $044 (sêlo
de verba).
Excedendo qualquer dessas medidas, pagará o dôbro da
taxa (2).
O impôsto do sêlo paga-se antes de rubricados os livros
e de se começar a escrituração (3) (**).

ARTIGO V

Do pagamento das ações e da mora dos acionistas

Sumário: - 1074. A obrigação de completar o valor da ação.


- 1075. A integração das ações com lucros líqui-
dos. - 1075-bis. Libertação dessa integração. -
1075-ter. Majoração do ativo. Caso das Docas da
Bahia. - 1076. Ações liberadai. ou integradas. -
1077. Meios de defesa da sociedade para obter a
integração das ações, no caso de mora do acionista.
- 1078. O comisso. - 1079. A perda das ações. -
1080. No caso de falência da sociedade.

1074. A principal obrigação do acionista é entrar para


o capital social com o valor das ações de que é titular (nú-
lil.ero 1110, infra).

(1) Decreto n. 3.564, de 22 de janeiro de 1900, tabela B, 2.ª classe, § 4.º,


n. 34.
(2) Decreto n. 3.564, cit., tabela B, 2.ª classe, § 2.0 , n. 4.
(3) Decreto n. 3.564, cit., art. 38, § 5. 0 • ..
(*) Pelo decreto n. 32.392, de 9-3-1953, pagam êsses termos Cr$ 10,00
{n. 75 da tabela).
("'*) Decreto n. 32.392, de 9-3-1953, tab., art. 75, n. 3.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 427

Antes da constituição da sociedade anônima, êle contri-


bui com 10% pelo menos sôbre o valor de cada ação subscrita
(n. 953, supra). O restante poderá ser realizado mediante
prestações ou entradas proporcionais, em prazos determina-
dos, conforme se estipular nos estatutos ou no contrato so-
cial (1) e, no silêncio dêstes, nos prazos e à proporção que
a assembléia geral resolver.
Não é lícito aos acionistas realizar as suas entradas ante-
cipadamente, salvo se os estatutos permitem. O prazo da
exigibilidade não é exclusivamente em favor do acionista;
tem por fim evitar a sobrecarga de grande capital indispo-
nível nos cofres sociais (2).
As entradas ou prestações devidas pelos acionistas cons-
tituem o pagamento das ações (n. 551, supra).
O convite para essas entradas, que se denomina chamada
(n. 551, supra), cabe aos administradores ou liquidantes da
sociedade, como executores das cláusulas dos estatutos ou
das deliberações das assembléias gerais.
No caso de falência da sociedade, incumbe aquêle dever
aos liquidatários.

1075. Os acionistas podem deliberar que as ações sejam


integradas com os lucros líquidos, à medida que se apura-
rem ou que porventura existam nos cofres sociais ou que
real e efetivamente tenham sido aplicados em obras, servi-
ços ou bens da sociedade.

1075-bis. É lícito à assembléia considerar integradas as


ações se a prosperidade dos negócios sociais manifesta a inu-
tilidade das chamadas complementares do capital? Não:
1.0 , porque importaria admitir a emissão das ações abaixo do
seu valor nominal, o que é contra a lei; 2. 0 , porque, em face
do art. 19 do decreto n. 434, não são permitidas ações que
( l ) Cód. Com., art. 289.
(2) LYON CAEN et RENAULT, Traité de droit commercial, 4. 8 ed.,
vo). 2. 0 • P. II, D. 736.
428 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

não representem efetivam2nte dinheiro, bens ou direitos que


entrem efetivamente para a conta do capital social.

1075-Ter. Podem os acionistas valorizar o ativo social


e integrar o capital com es~a majoração, libertando-se da dí-
vida para com a sociedade?
A ass2mbléia gera! dz uma companhia concessionária de
obras públicas (Docas da Bahia), mandou proceder à avalia-
ção do "acréscimo do valor dos bens e direitos atuais con-
cernentes à sua concessão e ativo" e, por essa forma, inte-
grou tôdas as ações, então, com 50% realizados (1) .
Solicitada a admirnão dêsses títulos na Bôlsa, a Câmara
Sindical dos Corretores de Fundos Públicos teve dúvidas sô-
bre a legalidade dêsse processo de integrar ações com a ma-
joração dos bens da própria sociedade, libertando-se os acio-
nistas de uma dívida valio~a. garantia dos credores sociais e
Especialmente dos obrigacionistas.
O Presidente daquela Câmara resolveu con~ultar o Mi-
nistro da Fazenda, expondo, além de outros motivos, que ao
nosso caso nãJ aproveitam, o seguinte: "o capital das socie-
dades anônimas é farmado pelas prestações ou entradas dos
acionistas. As sociedades não podem constituir o seu próprio
capital. O processo adotado pela companhia, dando valor ao
aumento do seu ativo e integralizando as suas ações com êsse
valor, importa verdadeira bonificação aos acionistas e parece
estar sujeita ao impôsto de dividendo (decreto n. 2.757, de
23 de dezembro de 1897, art. 2.º). Seja em dinheiro, seja
em bens a integralização das ações, fora de dúvida é que se
trata de lucros, vantagens distribuídas aos acionistas" (2).
Em Aviso de 20 de maio do mesmo ano, o Ministro da
Fazenda, depois de aludir à ilegalidade do processo adotado
por aquela companhia já em 1907, já agora em 1913, decla-

(1) Ata no Diário Oficial, de 12 de fevereiro de 1913.


(2) Relatório da Câmara Sindical dos Corretores de Fundos Públicos do
Distrito Federal, 1913, págs. 10-12.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 429

rou que o ato de integração do capital não importava bonifi-


cação sujeita ao impôsto de dividendo (1).
Em vista desrn denúncia ofic:al (não tem outro nome o
Aviso do Ministro), a Câmara Sindical negou a admis~ão na
Bôlrn das ações integradas da aludida companhia.
Sôbre essa questão foram ouvidos eminentes ,iuriscomul-
tcs. Os Drs. RUI BARBOSA, INGL~S DE SOUSA, SILVA
COSTA e LAFAYETTE entenderam legal o proces:o adotado
pela companhia.
Os seus pareceres assentam, em nosso modo de ver, na
confusão de patrimônio social com capital social. Em o n.
536 supra, deixamos firmada a distinção. O patrimônio so-
cial podia ter aumentado com os novos favor:s concedidos
pelo govêrno; a prosperidade da companhia podia ser muito
grande.
O acréscimo do valor dos bens ou a desnecessidade de
chamadas, nenhuma influência exercem sôbre o capital so-
cial fixado nos estatutos, visto como êste d:ve ~er formado
pela quota ou prestação dos acionistas e não pelos bens so-
ciais. A majoração do ativo nunca se considera lu~ro ou
benefício adquirido, não autoriza a distribuição de dividen-
dos. A companhia não podia abrir mão de um crédito valioso
(a metade do seu capital social), garantia dos seus credores,
sàm::nte porque teve o seu ativo valorizado pelos próprios
acionistas, interessados em se libertarem da obrigação de
completar o valor das ações.
O processo da companhia incorre na censura indicada
em o n. 1.075-bis, supra. Afinal ficariam as ações emitidas
por preço inferior ao seu valor nominal. Se se tratasse de
acréscimo de obras, realizado com as economias ou lucros
da sociedade, retidos nos sms cofres, seria justificável a inte-
gração com o valor realmente despendido nessas obras. Os
acionistas fizeram o sacrifício de não receber dividendos du-
rante certo tempo; os lucros sociais tiveram aplicação útil.
Justo é que se anexem ao capital para a devida compensação.

(1) Diário Oficial, de 22 de maio de 1913.


430 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Mas. s~ a sociedade nunca apurou um vintém de lucro líquido,


desobrigar os acionistas da integração das ações é ato gratuito
e injustificável.
O parecer de CLóVIS BEVILAQUA a êsse respeito é irres-
pondível pela clareza e lógica: "Tese: A integração das ações
por meio da valorização do ativo social, como efetuou a com-
panhia, não se conforma com a lei das Sociedades Anônimas.
Justificação: a) os sócios são responsáveis pela quota de
capital, que subscreveram (decreto n. 434, arts. 15 e 33).
Essa obrigação contraída no ato da subscrição e tornada irre-
vogável com a constituição da sociedade anônima pela pró-
pria natureza das coisas, não pode ser remetida. Realmente,
sendo a sociedade anônima uma sociedade de capitais, o capi-
tal, que se associa, para formá-la, é o subscrito e não somente
o realizado. tsse entra em atividade e aquêle permanece em
reserva, para cooperar, quando se apresentar o momento opor-
tuno. Eliminar da sociedade o capital de reserva, constante
das entradas ainda não realizadas, é modificar a sociedade
em suas bases, em sua essência, o que importaria extingui-la
para outra pôr em seu lugar. Esta é uma razão de ordem
teórica. Vem corroborá-la uma outra de ordem prática. O
capital subscrito é patrimônio social, e, na parte não reali-
zada, garante os compromissos da sociedade, desde que o
acervo dos bens que constitui o capital ativo, se mostra insu-
ficiente para saldá-los. Por isso determina a lei n. 2.024, de
17 de dezembro de 1908: "os acionistas das sociedades anô-
nimas e outras sociedades de responsabilidade limitada, são
obrigados a integrar as suas ações ou quotas que subscreve-
ram para o funde social, não obstante quaisquer restrições
ou condições estabelecidas nos estatutos ou contratos sociais"
(art. 53). Aludindo a restrições e condições, a lei as admite;
certamente e na prática se vê que a integração se opera, de
ordinário, por prestações de prazos vários, podendo ser espa-
çadas e até definitivamente adiadas, segundo as necessida-
des. O que a lei não permite é que desapareça a obrigação de
integrar. O que a lei veda é que acionistas, por ato seu, se
exonerem dêsse cargo, sôbre o qual repousa uma excelente
TRATADO DE DffiEITO COMERCIAL BRASILEIRO 431

garantia dos credores sociais. Portanto, se, por deliberação


da assembléia geral, os acionistas se isentarem da obrigação
de completar as suas entradas, real e efetivamente, contra-
riam não somente o conceito econômico-jurídico da sociedade
anônima, como ainda, se afastam do espírito e da letra do
decreto n. 434, do qual o art. 53 da Lei das Falências é, nessa
parte, simples aplicação. b) Dizer-se que o ativo social, ten-
do aumentado por fato superveniente, imprevisto no mo-
mento da constituição da sociedade, pode a assembléia geral
ordenar que se aplique êsse acréscimo ao pagamento das
entradas ainda não efetuadas, é supor: 1.º, ou que a socie-
dade anônima tem a faculdade de perdoar aos acionistas a
dívida contraída pela subscrição, o que já vimos ser inadmis-
sível teórica e legalmente; 2. 0 , ou que, contra todos os pre-
ceitos do direito e da economia política, pode fazer aos acio-
nistas uma doação correspondente às entradas cuja realiza-
ção dispensa; 3. 0 , ou que, entre o capital social e os haveres
dos acionistas existe uma comunhão de bens, o que é uma
impossibilidade jurídica, em face da natureza da sociedade
anônima. e) Invocar o processo do art. 73 do decreto n. 434
para a avaliação das entradas consistentes em bens, coisas
ou direitos, é contraproducente porque os acionistas não po-
dem votar quando se trata de avaliação dos seus quinhões
(decreto n. 434, art. 142), e, no caso da consulta, estenden-
do-se o benefício a todos, estando em causa o interêsse de
todos, nenhum poderia votar. Nem se diga que por ser o
interêsse de todos os acionistas, é, necessàriamente, interêsse
social, porque, neste caso, o fundo social tem que perder
aquilo que os acionistas lucrarem".
1076. Escrituram-se as entradas no Livro do Registo
das Ações (1).
Quando as entradas chegam ao valor nominal, as ações
dizem-se liberadas ou integradas. O subscritor ou o seu suces-
sor fica, então, quite com a sociedade. Não é mais obrigado

(1) Decreto n. 434, art. 22, n. 2; lei n. 3.150, art. 7. 0 , § 3.0 , n. 2; decreto
n. 8.821, art. 18, n. 2; decreto n. 164, art. 7. 0 , § 3.0 , n. 2 (*).
(•) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 56, l, b.
43~ J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

a fornecer fundos. Por isso, dizem os alemães que a socie-


dade por ações é uma sociedade com riscos limitados, mil
beschrankten Risko (1).

1077. Se o acionüta, convidado para efetuar as entra-


das no prazo devido não cumpre a obrigação, a soci~dad2,
além da faculdade de suspender o exercício dos direitos da
ação enquanto o seu titular não paga as prestações (2), pena
esta de ordinário cominada nos estatutos, tem dois meios
-à e::colha (veja-se n. 553, supra):
demandar o acionista remisso pelo pagamento (ação
1.º
de pagamento) ;
requerer a venda judicial das ações por conta e
2. 0
risco do dono (3).
A sociedade exercita o primeiro meio nos têrmos do di-
reito processual comum. Grave lacuna da lei, que deveria
:ter estabelecido a ação executiva (***).
O processo do segundo explicar-se-á em seguida.

1078. Preferindo o segundo recurso acima indicado


(n. 1076, supra), a sociedade requer ao Juiz do Comércio da

(1) COSACK, Lehrbuch des Handelsrechts, § 114.


(2) Decreto n. 434, art. 32, 2.ª alínea; decreto n. 8.821, art. 15 (*).
(3) Decreto n. 434, art. 33, 1.ª alínea; decreto n. 850, de 13 de o'.!tubro
·de 1890, art. 4. 0 , 1.ª alínea ( .. ).
A lei n. 3.150 e o decreto n. 8.821, não autorizavam a pena de comisso.
~te decreto, no art. 15, permitia apenas a suspensão dos direitos da ação
enquanto não fôssem satisfeitas as obrigações inerentes à mesma. Não obstante,
.as sociedades constituídas sob o regímen destas leis, estabeleciam a pena de
~omisso, fundando-se no art. 44 do decreto n. 2.711, de 19 de dezembro de 1860.
Consultem-se sôbre o Direito antigo, a monografia de ARISTIDES SPf-
~OLA, em O Direito, vol. 45, pág. 321, a Imperial Resolução de 24 de abril
1e 1877, em consulta da Seção de Fazenda do Conselho de Estado e o aviso
de 3 de maio do mesmo ano na coleção das Consultas dessa seção, vol. 9. 0 ,
,pág. 77. (Veja-se, também, o aviso do Ministro da Justiça, de 6 de dezembro
de 1879, em O Direito, vol. 21, pág. 380).
( *) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 85.
( .. ) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 7 6.
(*U) Hoje a ação é executiva. - Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 76, a.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 433

sua sede que, mediante editais, publicados por dez vêzes, du-
rante um mês em duas fôlhas das de maior cirulação na-
quela sede seja notificado o acionista remisso para cumprir
a obrigação, dentro dêsse prazo, sob pena de serem as ações
vendidas em Bôlsa, por conta e risco do seu dono, à cotação
do dia (1).

uma das manifestações do jus distrahendi, uma das


É
formas de garantia creditéria (2).

Tem-se adotado por analogia com êsse caso o processo


da excussão do penhor, disciplinado nos arts. 282 e segs. do
reg.º n. 737, de 1850 (3). Acusa-se a notificação em audiên-
cia e assinam-se cinco dias para embargos.

( 1) Decreto n. 434, art. 33; decreto n. 850, art. 4. 0 , alínea !.ª; decreto
n. 2.475, de 13 de março de 1927, art. 116 (*).
Os estatutos de uma sociedade autorizaram a diretoria a resolver o comisso
das ações no caso de mora dos acionistas. Decidiu o Tribunal Cível e Criminal
do Distrito Federal, em acórdão de 11 de fevereiro de 1896, que se não podia
dispensar o processo judicial da notificação, especialmente criado pela lei para
a realização e garantia do comisso. O comisso, ainda que condição resolutória
do contrato, não se opera pleno jure, pelo único fato do retardamento das
entradas. A resolução é direito acessório, que, originado da inexecução do con-
trato, deve ser, como é, demandado judicialmente. Trata-se de um dispositivo
legal calcado no interêsse público, que não pode ser revogado pelos estatutos
sociais (em O Direito, vol. 69, págs. 572-576). ~te acórdão foi reformado
pelo da mesma Câmara, de 23 de março de 1897, mas a questão aqui refe-
rida foi reconhecida por ambos (MONTENEGRO, Trabalhos Judiciários, vol.
2. 0 , págs. 343-350).
No mesmo sentido rnanife~tou-se a i.a Câmara da Côrte de Apelação, em
acórdão de 12 de junho de 1908 (na Revista de Direiro, vol. 9. 0 , pág. 116).
(2) BOLCHINI, na Revis:a dei Diritto Commerciale, vol. 6. 0 , Parte I,
pág. 436.
( 3) Assim decidiu a Câmara Comercial do Tribunal Cível e Criminal,
em acórdão de 16 de dezembro de 1892, confirmado pela Côrte de Apelação,
em acórdão de 1O de junho de 1893. Aquêle acórdão contém ê.5tes consideran-
dos: "devendo ser regulados pelo decreto n. 737 as ações e processos por fatos
provenientes da aplicação da legislação das sociedades anônimas (decreto n.
8.821, de 1882, art. 23, 2.ª alínea), a conclusão é que, na falta de declaração
das respectivas formas, cada espécie deve ser regulada pela forma mais con-
sentânea à natureza do ato; e, portanto, a notificação prevista no art. 33 do
decreto n. 434, de 1891, pela sua identidade com a excussão do penhor, deve
ser regulada pela ação prescrita nos arts. 282 e segs. do decreto n. 737 citado".
Resolveu-se mais, que a natureza especial dê.5te processo não admite recon-
venção (em O Direito, vol. 62, págs. 58-69).
( *) O art. 76 do decreto lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, esta-
belece o processo da venda.
434 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Se o acionista notificado não apresenta embargos, a no-


tificação é julgada por sentença, mandando o Juiz vender
as ações na Bôlsa por intermédio do corretor de fundos pú-
blicos (1) e, na falta dêste, por intermédio de leiloeiro (2),
pela cotação do dia (3).
Se o acionista notificado oferece embargos, procede-se
nos têrmos dos arts. 314 a 316 do reg. 0 n. 737, de 1850. Jul-
gados improcedentes, é ordenada a venda nos têrmos acima
expostos.
"Os adonh:tas, diz o Dr. AFONSO DE MIRANDA, são
r€sponsáveis pela quota do capital das ações, que subscrevem
ou que lhes são cedidas. Por isso, só podem opor contra o
comi5so o pagamento ou a ilegalidade da chamada. É a~sim
que se tem negado como fundamento para excluir a realiza-
ção das entradas, não somente a compensação, como tam-
bém a nulidade de pleno direito da constituição da socie-
dade (4).
A apelação da sentença que, neste processo, decreta a
venda das a.ções, é recebida no efeito devolutivo sàmente (5).
Ao comprador dar-se-á novo título com o número da ação
vendida e registar-se-á o nome do comprador no respectivo
livro, convidando-o em seguida para entrar com as quotas
devidas.
Não se efetuando a venda por falta de compradores, a
sociedade pode: a) requerer ao Juiz, exibindo certidão ne-
gativa do corretor, que declare perdida a ação, para quP ela

(1) Lei n. 354, de 16 dr; dezembro de 1895, art. 3. 0 , e; decreto n. 2.475,


de 13 de março de 1897, arts. J 12 a 116.
(2-3) Decreto n. 434, art. 33, I.ª alínea.
( 4) Estudo na Revi\"fa do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros,
vol. 14, 1893, píÍg. 335. (Consulte-se também o Dr. SALVADOR MONIZ, na
Revista de Juri::.prudência, vol. 16, págs. 116-122),
(5) Acórdão da 2.ª Câmara da Côrtc de Apelação, de 1 de agôsto de
l 911, na Revista de Direito, vol. 21, pág. 361 . A sociedade não poderá apro-
riar-se das entradas feitas ou receber o produto da venda das ações, sem
~restar fiança (SALVADOR MONIZ, na Revista de Jurisprudência, vol. 16,
;ág. 121).
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 435

se aproprie das entradas realizadas, ou b) acionar o subs-


critor ou acionista pela sua responsabilidade (1).

No primeiro carn, a ação pode ser reemitida e isso é


indispensável para que o capital social se integre. O antigo
acionista perde todos os direitos decorrentes da ação, des-
liga-se da sociedade.

1079. Admitir que a impontualidade do acionista re-


misso ou retardatário o faça incorrer ipso facto em com isso,
extinguindo a sua responsabilidade mediante o abandono das
prestações realizadas, é admitir o absurdo, o injusto e o imo-
ral, como bem disse o Cons. TITO FRANCO DE ALMEIDA:
"transformar-se-ia a pena ae comisso em proveito do acio-
nista, transformar-se-ia um direito e garantia legal da com-
panhia em seu prejuízo e de terceiros, que nela confiaram e
com ela contrataram" (2).

O comisso deve ser uma pena e não um favor, como é o


abandono em direito marítimo.

1080. No caso de falência da sociedade, os liquidatá-


rios devem exigir dos acionistas a integração das ações que
possuem, não obstante quaisquer restrições, limitações ou con-
dições estabelecidas nos estatutos ou no contrato social (3).
Não rntisfazendo amigàvelmmte, os liquidatários proporão

(1) Decreto n. 434, art. 34; decreto n. 850, de 13 de outubro de 1890,


art. 4. 0 , 2.ª alínea.
(2) O Direito, vol. 4. 0 , págs. 241-247.
(3) Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 53, princ. (*). Um
banco de custeio rural (sociedade anônima) declarou em seus estatutos que os
acionistas ficariam isentos de novas chamadas de capital, desde que houvessem
realizado 40% sôbre cada ação de l :000$000. Falindo o banco, foram os acio-
nistas condenados a completar os 60% restantes (acórdão do Tribunal de Jus-
tiça de São Paulo, de 27 de novembro de 1914, na Rev. dos Tribunais, vol. 221
págs. 154-155).
(*) Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. SO.
436 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

contra êles a ação executiva regulada nos arts. 310 a 317 do


reg. 0 n. 737, de 1850 (1) .

Os liquidatários poderão propor a ação antes de vender


os bens da sociedade e apurar o ativo e sem necessidade de
justificar a insuficiência dêste para a solução do passivo da
falência (2). É conseqüência do princípio exposto em o nú-
mero 542 supra: o sócio é devedor à sociedade da importân-
cia da quota prometida ou subscrita (3).

O Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão de 2 de


outubro de 1914, relator o Ministro MEIRELES REIS, justi-
ficou brilhantemente a disposição legal: "os acionistas da
sociedade anônima são responsáveis pelo valor total das suas
ações para com a sociedade e para com terceiros; não se
achando integradas as ações, são êles considerados devedores
da sociedade e são obrigados a fazer as prestações das quan-
tias que faltarem para completar as entradas das açõ2s que
adquiriram (decreto n. 434, de 4 de julho de 1891, art. 15).
Sem essa responsabilidade não haveria a menor garantia
para os terceiros, que contratassem com as sociedades, pois
fácil seria aos acionistas de uma sociedade insolvável eximi-
rem-se ao compromisso tomado e aceito de realizarem as
entradas a que se obrigaram. Decretando a responsabilidade
dos acionistas pela integração das suas ações, a lei atendeu
a uma razão de ordem pública, porquanto o crédito das socie-
dades anônimas é puramente real e os acionistas não respon-
dem pelas dívidas sociais, senão até a importância do total
das suas ações e é essencial para os credores sociais que pos-

(1) Lei n. 2.024, de 1908, art. 53, § 1.º ("').


(2) Lei n. 2.024, de 1908, art. 53, § 2. 0 ("'*).
( 3) O fundamento dêsse direito não está na exigibilidade das dívidas em
virtude da declaração da falência, exigibilidade que prevalece somente com rela-
ção ao falido (lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908, art. 26 princ.) ("'**).
Ela não se refere aos créditos do falido. (Das Falências, vol. 1.0 , n. 211).
(*) Decreto-lei n. 7.661, de 21-6-1945, art. 50, § 1.0 , comb. com o art. 76
letra a do decreto-lei n. 2.627, de 26-9-1940.
(**) Cit. art. 50, § 1.º do decreto-lei n. 7.661.
( . . *) Cit. decreto-lei n. 7 .661, art. 25.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 437

mm contar não só com a parte do capital realizado, mas


também com a cobrança integral das entradas a que poste-
riormente se obrigaram a fazer os acionistas" (1).
A ação pode compreender todos os acionistas ou ser espe-
cial para cada devedor so!vente (2). Temos aqui a aplicação
do outro princípio que formulamos em o n. 543, n. 3, supra.
Não constituem matéria de defesa do acionista, para se
eximir da dívida que assumiu para com a sociedade falida,
exigida pelos liquidatários, as alegações seguintes:
1. 0 vício na organização da sociedade (3);
2.0 doação das ações pelo acionista a filho (4);
3. 0 atos de má ou culposa gestão dos liquidatários (5);

4. 0 nulidade da aquisição das ações por não terem


sido realizados 40 %, porque essa nulidade, por sua vez, de-
pende da ação de nulidade (6);
5.0 simulação das entradas realizadas (7).

( 1) Na Revista dos Tribunais, vol. 1J, pág. 232; na Rf'vista do Supremo


Tribunal, vol. 3. 0 , P. 2.ª, págs. 44-46.
(2) Lei n. 2.024, de 1908, art. 53, § 3. 0 (*).
(3-4) Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 9 de outubro de
1914, na Revista dos Tribunais, vol. 12, pág. 49.
(5) Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 2 de outubro de
1914, na Revista dos Tribunais, vol. 11, págs. 232-233: "Não procedem as ale-
gações do apelante, porque o acionista nada tem que ver com a realização do
ativo da falência, nem com as medidas e atos tomados ou deliberados pelos
liquidatários, sôbre a resolução, rescisão ou liquidação dos contratos a têrmo
em que fôra parte o banco falido; válidos ou nulos êsses contratos, bem ou mal
liquidados pelos representantes da massa, proveitosa ou não a liquidação, certa
ou errada a verificação de créditos, tudo isso escapa à discussão e apreciação do
acionista devedor no processo a que se refere o art. 53 (§ 1.0 , da lei n. 2.024).
(CARVALHO DE MENDONÇA, na Revista dos Tribunais, vol. 10, pág. 47).
No mesmo sentido acórdão de 13 de novembro de 1914, confirmado em embar-
gos pelo de 28 de maio de 1915, na Revista dos Tribunais, vol. 12, pág. 160 e
vol. 14, pág. 99. ·
(6-7) Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 27 de outubro de
1916, na Revista dos Tribunais, vol. 20, pág. 96.
(•) Decreto-lei n. 7.661, de 21-6-1945, art. 50, § 2.º.
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

ARTIGO VI
Da propriedade e da transmissibilidade das ações em virtude
de negociação ou de outros casos
Sumário: - 1081. Prova da pro:;iriedade das ações nomina-
rivas. - 1082. Dono das ações ao portador. - 1083.
Dono das ações transferíveis por endôsso. - 1084.
Perda das ações nominativas e desapossamento das
ao por!aclor. - 1085. Transmissibilidade das ações.
- 1086. Restrições à transmissibilidade das ações no-
minativas. - 1087. Ccndições para a transmissibilidade
\!essas ações. - 1088. Nulidade dos contratos tendo
por objeto ações sem os requisitos legais. 1089.
Como se opera a transferência das ações. - 1090.
Intervenção da sociedade na trans~erência. - 1091.
Transmissão "mortis causa" ou em virtude de arre-
matação ou adjudicação judicial. - 1092. Transfe-
rência de ordem. - 1093. Responsabilidade do
cedente. 1094. Direito Fiscal. - 1095. Continua-
ção. - 1096. Da transmissibilidade das ações ao
portador. - 1097. Da transmissibilidade das ações
por endôsso.

1081. A propriedade das ações nominativas prova-se


pela inscrição do seu titular no Livro de Registo (1) . Somen-
te quem se acha inscrito na qualidade de titular das ações,
exerce os direitos, goza as vantagens de sócio e responde por
tôdas as obrigações correlativas.
Se as ações forem transferidas por instrumento público
ou particular ou por meio de procuração em causa própria,
os acionistas constantes do Livro de Registo são os respon-
sáveis perante a companhia e perante os credores no caso de fa-
lência pelas entradas ainda não realizadas.
Se nas relações entre o .cedente e o cessionário, opera-se
a transmissão, a sociedade e terceiros não conhecem o acio-
nista senão pela matrícula do seu nome no respectivo
livro (••).

(1) Decreto n. 434, art. 23, in principio; decreto n. 8.821, art. 11, in
princípio ( *).
( *) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 25.
(**) A margem dos dois últimos períodos dêste número escreyeu o autor:
"Emendei 0 que escrevi aqui, no. vol., 5 ..º, 2.ª part_:, ,,quando tratei dos títulos
nominativos . Seria admitir a teoria class1ca da cessao .
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 439

1082. Se a ação é ao portador, o seu possuidor se pre-


sume dono, enquanto não fôr provado o contrário (1). O
portador d2ssa ação ~erá aceito como acionista para todos os
e.feitcs de direito (2), como: assistir e votar nas assembléias,
receber dividendos, promover ações individuais, etc.
1083. Se se trata de ações transferíveis por endôsso,
reputa-se dono para todos os efeitos aquêle que o último
endôsso indica, salvo prova em contrário (3) (***).
1084. Perdendo-se a ação nominativa, o registo social
faz fé.
Para a emissão de nova ação, costuma o dono anunciar
pela imprensa a perda e, depais, a sociedade lhe entrega novo
título com o mesmo número e a declaração de ser duplicata.
Se o proprietário das ações ao portador é das mesmas
desapossado por motivo estranho à sua vontade e à disposi-
ção de lei, pode obter novos títulos e impedir que a outrem
sejam pagos o capital e os dividmdos, observando o processo
da lei n. 149-B, de 20 de julho de 1893.
1085. A transmissibilidade das ações é um dos caracte-
rísticos das sociedades anônimas (n. 882, supra). Sob a ex-
pressão transmissibilidade, designam-se tôdas as fonnas pos-
síveis da passagem da ação do patrimônio de uma pessoa
para o de outra, seja em virtude de negociação, de cessão, de
tradição manual, ou de transmissão causa mortis (4).
1086. Os estatutos não podem proibir em absoluto a

(1 ) Decreto n. 434, art. 24; decreto n. 8.821, art. 12 ( •).


(2) Decreto n. 434, art. 135; decreto n. 8.821, art. 69, in principio (**).
(3) Decreto n. 434, art. 135; decreto n. 8.821, art. 69.
( 4) THALLER estabeleceu e justificou a doutrina da delegação para
explicar o que entendemos por cessão de ações. Aquela, diz êle, supõe a par-
ticipação da sociedade ,ia operação. O alienante dá ordem ao seu devedor a
uma substituição de crdor. No mesmo sentido: PIC, Des sociétés commer-
ciales, vol. 2. 0 , ns. 724 e 726.
A nulidade da sociedade, em virtude de vícios na sua constituição, não
traz a nulidade da transmissibilidade das ações, operada depois dessa consti-
tuição (HOUPIN, Des sociétés, vol. 1. 0 , n. 324).
(*) Decreto-lei n. 2.6i7, de 26 de setembro de 1940, art. 26.
(0 ) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 91.
( • • •) O vigente decreLo-lei o. 2.627 não cogita de ações dêsse tipo.
440 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

transmissibilidade das ações. Seria atentar contra um dos


caracteres íntimos d&. ação. Tem-se admitido como válidas
as restrições c0nvencionais a esta transn1issibilidade, desde
que não importem em disponibilidade indefinida dos títulos.
Exemplo: a não transferência antes da integração (*).

Nas sociedades cooperativas, sob a forma anônima, a


ação é intransferível, salvo autorização da administração ou
da assembléia geral, conforme prescreverem os estatutos e
sàmente depois de integradas (1) •

Deve-se concluir daí que sàmente neste tipo de .;ociedade


é permitida a restrição à transmissibilidade?

A questão é interessante e deixamo-la aqui simplesmente


esboçada (2).

Nas sociedades em liquidação, os acionistas


1086-A.
continuam com o direito de negociar as suas ações. O direito

(1) Lei n. 1.637, de 5 de janeiro de 1907, art. 21, 2.ª alínea (**).
(2) Há emprêsas em que os seus fundadores não querem que percam o
caráter íntimo e diremos pessoal, não obstante a forma anônima que assumem,
já para manter os elementos de vida e prosperidade que apresentavam quando
eram exploradas por sociedades em nome coletivo ou em comandita simples, já
para permanecerem os destinos sociais e as ações nas mãos do fundador, seus
herdeiros ou parentes (sociedades ditas de família), já para evitar a especula-
ção sôbre os títulos, o açamharcamento das ações por outro indivíduo ou por
outra sociedade adversa ou concorrente, já para inspirar confiança ao público,
que conhecerá as pessoas abonadas ou solventes titulares das ações não inte-
gradas (como bancos, companhias de seguro, etc.), já para manter a tradição
de estabelecimentos de ensino ou educação, já, finalmente, para garantia da
própria emprêsa, como acontece com as emprêsas jornalísticas de propaganda,
de órgãos de partidos políticos, que de outro modo passariam para rivais.
Consulte-se ESCARRA, Les restrictions conventionnelles de la transmissi-
bilité des actions, monografia nos Annales de droit commercial, 1911, págs. 333
e seguintes, onde se estuda minuciosamente o assunto.
A jurisprudência francesa rev~la a tendência de admitir as cláusulas restri-
tivas do direito de transferência. (FLOUCAUD-PÉNARDILLE, Les sociétés
par actions, vol. 1.0 , n. 94) e nesse sentido se manifestam THALLER, Traité
de droit commercial, 4.ª ed., n. 613, e PIC, Des sociétés commerciales, vol. 2.º,
D. 748. j
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 27, § 2. 0 •
("'*) Decreto-lei n. 22.239, de 19-12-1932 (revigorado pelo de n. 8.401,
de 19-12-1945), art. 8.0.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 441

dos acionistas é o mesmo, ainda que limitado à nova condi-


çi;.o jurídica da sociedade.
1087. I. Da transmissibilidade das ações nominativas.
Para a transmissibilidade válida das ações nominativas é
mister:
l.ºQue a sociedade se ache definitivamente consti-
tuída (1) .
Somente depois de constituída a sociedade, têm as ações
valor econômico e jurídico. Antes não há pràpriamente ações,
porque não existe sociedade para emiti-las. As negociações
versariam sôbre título3 aleatórios. A lei proíbe terminante-
mente a transferência dos ceJtificados e promessas de pa-
gamentos parciais de ações (2) .
Os têrmos da lei excluem a distinção que se tem feito
entre ces:;ão em forma comercial e cessão em forma civil. A
lei não admite que sejam vàlidamente negociadas. Logo,
proíbe a negociação sob qualquer forma (3). A nulidade é
absoluta. A proibição funda-se em motivo de ordem pública,
qual evitar a agiotagem.
Os contratos necessários à constituição da sociedade,
tendo por objeto as futuras ações, não estão proibidos. Por
exemplo, a divisão de ações entre os fundadores ou auxilia-
res ou membros de sindicatos de emissão.
2.º Que as ações tenham realizado 40% do respectivo
valor (4) (**).

(t) Decreto n. 434, art. 25; decreto n. 8.821, art. 13 ("').


(2) Decreto n. 434, art. 29; decreto n. 8.821, art. 13, § t. 0 .
(3) Não é sàmente a venda que a lei proíbe, porém, qualquer transação
sôbre as ações. (Veja-se acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 8 de
março de 1913, e a discussão nesse Tribunal, na Revista dos Tribunais, vol. 5.0 ,
págs. 156-157). Sste acórdão foi confirmado pelo de 5 de junho de 1914, na
mesma Revista, vol. 10, pág. 169).
( 4) Decreto n. 434, art. 25; decreto n. 850, de 13 de outubro de 1890,
art. 2.º; decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891, art. 10.
- O art. 25 do decreto n. 434, de 1891, refere-se a capital subscrito, mas.
evidentemente no sentido de capital subscrito pelo acionista, relativamente ª'
(•) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 14.
( .. ) Hoje 30%. - Cit. decreto-lei n. 2.627. art. 14.
442 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

São proibidas as transferências dos certificados, promes-


sas ou cautelas de pagamentos parciais, ou prestações por
conta do valor das ações (1), antes do preenchimento des~a
entrada, salvo no caso de transmissão por legado, sucessão
universal, doação, arnmatação, adjudicação ou venda em
leilão público, por ordem do Juiz (2) .
Há, porém, sociedades cujas ações podem ser excepcio-
nalmente objeto de negociações e transferidas desde que te-
nham realizado um quinto do seu valor, a saber:
a) As ações das sociedades tendo por objeto a exe:::ução
de melhoramentos materiais concedidos pelo Govêrno Federal,
sob garantia de juros (3) .
b) As ações das sociedades constituídas nos Estados
para explorar concessões, garantidas pelos respectivos gover-
nos locais. Se, porém, essas sociedades forem constituídas na
Capital Federal, as suas ações ficam sujeitas à regra comum,
isto é, devem ter 40 % para que possam ser negociadas (4).
E as companhias de seguros? A lei 1.177, de 9 de setem-
bro de 1862, no art. 21, estabeleceu uma exceção para as com-
panhias de seguros, dispensando a entrada de um quarto do
valor (exigência da lei n. 1.083, de 22 de agôsto de 1860, art.
5.º, § 2.º) para a negociação das ações.
Aquela exceção foi respeitada ainda depois da lei n. 3.150,
de 4 de novembro de 1882, e o Ministro da Agricultura, em
Aviso de 21 de dezembro de 1886, declarou que, não tendo
sido revogada especialmente pela lei n. 3.150 o art. 21 da lei
n. 1.177, a referida exceção se mantinha em vigor, podendo
as ações das companhias de seguros ser negociadas indepen-
dentemente da realização do quinto do seu valor .

.cada ação. ~. pois, ao capital representado em cada ação que se refere a lei.
Nesse sentido julgou o Tribunal de Justiça de São Paulo, no acórdão de 27 de
outubro de 1916, de acôrdo com o que explica LAFAYETIE, no discurso na
Câmara dos Deputados, em 4 de maio de 1897, quando se discutia o projeto
da lei de 1882. (Revista dos Tribunais, vol. 20, pág. 96) .
(1) Decreto n. 434, art. 29, l.ª alínea; decreto n. 8.821, art. 1. § 1.º.
(2) Decreto n. 434, art. 29, 2.ª alínea; decreto n. 8.821, art. 13, § 2.º.
( 3) Decreto n. 434, art. 27; decreto n. 997, de 11 de novembro de 1890,
art. l.º; decreto n. 164, art. 7. 0 , § 2. 0 •
(4) Decreto n. 434, art. 28; decreto n. 997, de 11 de novembro de 1890,
art. 2. 0 ; decreto n. 164, art. 7. 0 , § 2. 0 •
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 443

Veio de novo à baila o assunto em face dos decretos ns.


164, de 17 de janeiro de 1890 e outros, consolidados no decreto
n. 434, de 4 de julho d2 1891.
O Mirn.stro da Fazenda, pelos despachos d2 1.º e 30 de
maio de 1905, decidiu que as compaii!1ias de seguros somente
podiam ter as suas ações negociadas depois de realizados
40% do capital subscrito, e, por despacho de 24 de julho do
mesmo ano, resclveu que aquela deci~ão se referia unicamen-
te às soci~dades instituídas depois dos decretos ns. 1.083, de
22 de agôsto de 1860, e 3.150, de 4 de novembro de 1882 ! (1).
Certo é que as leis subseqüentes à de n. 1.177, de 9 de se-
tembro de 1862, não e~tabeleceram exceções para a negocia-
bilidade das ações daquelas companhias. Parece que ficaram
elas sujeitas à regra geral. Devia ter sido mantida a exceção;
porém~ não foi.
3.º Que as ações não estejam caucionadas em garantia
da responsabilidade da gestão dos administradores (2).

1088. São nulos de pleno direito os contratos que tive-


rem por objeto ações sem os requisitos declarados em o nú-
mero 1087, 1. 0 e 2. 0 supra, e conseguintemente sem valor é a
respectiva transferência (3).
A nulidade prevalece ainda que a venda ou cessão se faça
com cláusula "vale quando a sociedade seja constituída", ou
outra equivalente (4), pois seria fraudar a lei.

1089. A transmissibilidade das ações nominativas inter


vivos opera-se vàlidamente em relação à sociedade e a tercei-
ros, mediante têrmo lavrado no Livro de registo, e assinado

(1) Veja-se Relatório da Câmara Sindical dos Corretores de Fundos Pú-


blicos da Capital Federal, de 1902, págs. 36-39, e de 1905, págs. 14 e segs.
(2) Decreto n. 434, art. 105 (*).
(3) Decreto n. 434, art. 26; decreto n. 850, de 13 de outubro de 1890,
art. 3.º. Acórdãos do Tribunal de Apelação da Bahia de 23 de novembro de
1894 e de 13 de março de 1895, na Revista dos Tribunais da Bahia, vol. 4. 0 ,
págs. 37 a 42. Em sentido contrário resolveu o Tribunal de Justiça de S. Paulo,
no acórdão de 8 de agôsto de 1916, na Rev. dos Tribunais, vol. 19, págs. 94.9 S.
( 4) Nesse sentido é expresso o Cód. Com. italiano, art 137.
( •) Decreto-lei n. 2.627, de 1940, art. 117.
444 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

pelo cedente e pelo cessionário ou por seus procuradores, re-


vestidos dos poderes necessários (1) . tste mandato ou pro-
curação deve ser exibido e arquivado no escritório da socie-
dade.
Os administradores da.s sociedad2s anônimas costumam
apresentar ao cedente uma proposta ou boletim impresso para
que encham os claros com as declarações necessárias, assinan-
do com o corretor, para se passar o têrmo da transferência.
Não obstante a lei exigir que o têrmo seja assinado pelo
cedente e pelo cessionário ou pelos procuradores de quaisquer
dêstes, sómente é essencial a assinatura do cedente ou do seu
procurador especial. Pelo cessionário pode assinar o corretor
ou qualquer pessoa por aquêle autorizada.
Esta é a forma pela qual se transmite vàlidamente por
ato inter vivos a propriedade das ações nominativas. E a cha-
mada transferência real. Não a supriria a declaração judi-
cial (2).
Assinado o têrmo de transferência, firma-se entre o ce-
dente e o cessionário uma relação jurídica reconhecida pela
lei. tste torna-se proprietário e é investido de todos os direi-
tos e obrigações inerentes à ação, inclusive o direito de per-
ceber os dividendos já vencidos e retidos no cofre social (3).
1090. Não precisa encarecer o cuidado que os adminis-
tradores das sociedades anônimas devem prestar ao serviço
do registo da convenção ou contrato entre o cedente e o ces-
sionário. tste último não tem outra fonte para conhecer a
propriedade das ações nominativas senão o registo da socie-
dade, e nas vendas em Bôlsa, que é o meio comum de aquisi-
ção dêstes títulos, muitas vêzes o segrêdo impôsto ao corretor
não permite revelar o nome dos clientes, senão no ato da
transferência. A intervenção ativa da sociedade nessa trans-
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 445

ferência justifica-rn pela conveniência da verificação da pro-


priedade disponível das ações de acôrdo com a inscrição exis-
tente no respectivo livro, da identidade do cedente, dos pode-
res das procurações apresentadas, da incapacidade do czdente
quando constante do registo ou de docummto judicial de que
tenha sido notificada a mesma sociedade, etc. Tudo isso é
necessário para garantir a boa-fé dos cessionários e evitar
discussões e dúvidas futuras (1).
1091. Nas transmissões mortis causa (sucessão ou le-
gado) ou em virtude de arrematação ou adjudicação, o têrmo
de transferência para o nome de herdeiro, legatário, arr2ma-
tante ou adjudicatário, deve ser lavrado à vista do alvará
do juiz competente, ou do formal de partilha ou da carta de
arrematação ou adjudicação (2).
Esta transferência é chamada formal, pois se trata da
simples substituição dos nomes dos causantes pelos suces-
sores.
1092. Há outra espécie de tranferência, dita de ordem,
qual a que realizam os corretores de fundos públicos a título
provisório, quando a negociação das ações nominativas vai
ser feita por seu intermédio.
Sendo os corretores obrigados ao segrêdo profissional,
não podendo revelar os nomes do vendedor e comprador, para
evitar que se conheçam, fazem a transferência para o seu
próprio nome.
A lei não cogitou dessa forma de transferência.
1093. Negociada a ação não integrada, subsiste a res-
ponsabilidade do cedente pelas entradas ou pagamentos; se a

( 1 ) Relativamente ao Direito francês, vejam-se WAGNER, De la respon-


sabilité des sociétés en matiere de transferi d'actions et obligations nominatives,
in Journal des sociétés, 1910, págs. 481-511, THALLER, Traité de droit com-
mercial, 4.ª ed., n. 601, e PIC, Des sociétés commerciales, vol. 2. 0 , n. 741. Se
a partilha é feita no exterior, a sentença deve ser homologada. (Acórdão do
Supremo Tribunal Federal de 23 de agôsto de 1922, na Revista dos Tribunais,
vol. 47, pág. 128) . O meio mais prático é o chamado inventário fiscal.
(2) Decreto n. 434, art. 23, 3.ª alínea; decreto n. 8.821, art. 11, 3.ª
alínea (*).
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 27, § 1.º.
446 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

sociedade se torna insolvente por culpa ou dano ocorridos ao


tempo em que êle era acionista (1).

Essa responsabilidade do transmitente cessa desde que a


assembléia geral aprove as contas anuais e prescreve no prazo
de cinco anos se a assembléia geral não se reunir ou não apro-
var as rcferidas contas (2) .

As comissões reunidas de Legislação e de Fazenda do Se-


nado, no parecer de 17 de abril de 1882, diziam sôbre o artigo
do projeto da lei n. 3.150, que estabelecia em todo o caso a
responsabilidade do cedente para com a sociedade pelas quan-
tias que faltassem para completar o valor das ações transfe-
ridas: "As comi~sões reconhecem a necessidade desta provi-
dência como meio de impedir um gênero de fraude muito
usual. Mas o fim de uma tal providência evidentemente é res-

(1) Decreto n. 434, art. 30; lei n. 3.150, art. 7. 0 , § 2. 0 ; decreto n. 8.821,
art. 14; decreto n. 164, art. 7. 0 , § 2. 0 , n. 1 (*).
( 2) Decreto n. 434, art. 31; decreto n. 164, art. 7. 0 , § 2. 0 , n. 2 comb.
com a 2.ª alínea do § 2. 0 , do art. 7. 0 , da lei n. 3.150, e § 2. 0 do art. 14 do
decreto n. 8.821 (**).
Donde se conta o prazo para a prescrição? O decreto n. 434, art. 31, es!a-
belece como partida a data da publicação da cessão. Mas as cessões das açoes
não se purlicam. Basta que trinta dias antes da ssembléia geral ordinária fi'!_ue
à disposição dos acionistas, no escritório social, a cópia da lista das transferen-
cias àas ações em algarismos, realizadas no decurso do ano (decreto n. 434,
art. 147, n. 3).
Parece, pois, que é dessa data em diante que corre a prescrição.
A lei n. 3.150 (art. 7. 0 ), e o decreto n. 8.821 (art. 76, § 1.0 ) mandavam
publicar pela imprensa as transferências do ano anterior, um mês antes da
reunião da assembléia geral ordinária. Esta providência fôra, porém, substituída
por aquela outra do decreto n. 434.
Em face do decreto n. 164, art. 7. 0 , § 2. 0 , n. II, a questão estaria solvida:
a responsabilidade do cedente somente cessaria no caso da aprovação das con-
tas pela assembléia ordinária. Ocorreu, porém, que o decreto n. 1.362, de 14
de fevereiro de 1891, art. 13, mandou que subsistissem a par daquele decreto
n. 164, a lei n. 3.150 e o decreto n. 8.821. Temos, portanto, de conciliar os
textos legais. O aviso do Ministério da Fazenda, de 7 de julho de 1891 (em
O Direito, vol. 56, pág. 344), aliás obscuramente redigido, inclinou-se para a
primeira solução, a do decreto n. 164, mas o decreto n. 434, consolidando as
leis relativas às sociedades anônimas, em data posterior àquele aviso, conciliou
os textos, se bem que deixando a dúvida que tratamos de esclarecer na pre-
sente nota.
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 75, in principio.
( **) Cessa a responsabilidade no fim de dois anos. - Decreto-lei D.
2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 75, parág. único.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 447

guardar as garantias do credor. f:sse fim se consegue plena-


mente desde que se limita aquela responsabilidade ao caso
de se tornar insolvável a sociedade, marcando-se um prazo
razoável para a prescrição (a lei n. 3.150, adotou 5 anos). A
providência não deixa de embaraçar a circulação das ações,
o que é um mal. É intuitivo, pois, que se deve circunscrevê-la
nos limites da necessidade".
O decreto n. 164 modificou nesta parte a lei n. 3.150, que
no art. 7, § 2. 0 , adotara o substitutivo do Senado.
Atualmente, a responsabilidade do transmitente quase
desapareceu; é meramente fictícia.
Se o transmitente vem a pagar alguma coisa tem o di-
reito de indenização contra o cessionário, com quem transi-
giu, e os cessionários ulteriores, os quais todos são solidària-
mente obrigados (1).
1094. Direito Fiscal sôbre a transmissibilidade das ações
nominativas.
Os têrmos de transferência de ações de companhias ou
sociedades anônimas e em comandita por ações estão sujei-
tos ao impôsto do sêlo proporcional da tabela A, § 1.º, n. 12,
do decreto n. 3.564, de 22 de janeiro de 1900.
O valor para o pagamento do sêlo é o preço da negocia-
ção ou transmissão; se o preço não fôr declarado, a média
da cotação é publicada no dia em que se lavrarem os mesmos
têrmos (2) (*).
Em falta de cotação nesse dia, servirá de base para co-
brança do impôsto a do anterior, regressivamente até um
semestre; se ainda nesse tempo não tiver havido, o valor
nominal dos títulos (3).

(I) Veja-se nota 1, da pág. 446.


(2-3) Dec.reto n. 3.564, de 22 de janeiro de 1900, art. 4. 0 , n. 7.
Certa sociedade anônima nos consultou: "Nos têrmos de transferência de
( *) Calcula-se o sêlo pela última cotação em bôlsa, dentro dos 180 dias
anteriores e, na falta, pelo valor nominal. - Decreto n. 32.392, de 9-3-1953,
art. 43, n. 2 da Tabela.
44S J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

Estão isentas dêste impôsto:


a) a transferência, em conseqüencia de transmissão por
título oneroso ou gratuito, de que se tenha pago sêlo propor-
cional ou impôsto de transmissão ao Tesouro Federal ( 1) ;
b) a transferência para serem as ações recebidas em
penhor (2).

1095. O sêlo deve ser inutilizado nos têrmos de trans-


ferência das açõr.s pelo transferente; sendo estas transferi-
das por endôsso, o endossante (3).

1096. I. Da transmissibilidade das ações ao portador.


As ações ao portador, que são sempre integradas, transmi-
tem-se pela simples tradição dos títulos (4), isto é, opera-se,
pela mera convenção, sem nenhuma formalidade ou escrito.

ações nos livros desta companhia, tem-se cobrado o sêlo proporcional segundo
a cotação dos títulos, publicada no dia da transferência.
Pergunta-se: a companhia deve continuar a assim proceder ou deve cobrar
o dito sêlo de conformidade com o valor da transação dado pelos interessados?
Respondemos: "O valor das ações para o pagamento do sêlo proporcional
federal nos têrmos de transferência é o preço da negociação ou transmissão.
Como não é a companhia que negocia ou transfere, ela deve limitar-se a
.aceitar a declaração das duas partes.
Se não declaram o preço, é pela média da cotação da bôlsa que se deve
exigir o sêlo (decreto n. 3.564, de 22 de janeiro de 1900, art. 4. 0 , n. 7). A
companhia não pode consentir no têrmo de transferêfü·ia sem o sêlo, inutilizado
pelo transferente (decreto n. 3.564, de 1900, art. 19, § 1. 0 , n. 4) .
Se houver fraude na declaração, não é a companhia que responde pda
revalidação, porque não é ela quem paga o sêlo. Quando muito a companhia
tem a simples fiscalização (decreto n. 3.564, de 1900, art. 41) e esta os seus
limites naturais. A companhia não é parte na transação da qual resulta a trans-
ferência; não pode, conseguintemente, responder pelos atos fraudulentos de
terceiros.
A praxe adotada pela companhia é salutar e comete imprudência de graves
conseqüências todo aquêle que procura lesar o fisco nessas transferências. O
Tesouro tem meio facílimo, simplíssimo de descobrir o embuste, pois desde que
um título se acha cotado na bôlsa oficial por certo preço, a presunção é de não
ter sido negociado por preço inferior".
(1) Decreto n. 3.564, de 22 de janeiro de 1900, art. 12, n. 15 (*).
(2) Decreto n. 3.564, de 1900, art. 12, n. 14 (**).
(3) Decreto n. 3.564, de 1900, art. 19, § 1.º, n. 4.
(4) Decreto n. 434, art. 24; decreto n. 8.821, art. 12 (***).
(*) Decreto n. 32.392, de 9-3-1953, art. 43, n. 3 da Tabela.
(**) . O -:,igente decreto-lei n. 4.655, de 3 de setembro de 1942, não man-
teve essa 1Sençao .
(***) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 27, b.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 449

O detentor do título é o legítimo proprietário; não tem


necessidade de provar a sua qualidade e a origem da sua
detenção.

1097. II. Da transmissibilidade das ações por endôsso.


As ações transferíveis por endôsso, que também devem ser
integradas, transferem-se pela tradição dos títulos com o
endôsso (1) . Os estatutos podem, entretanto, exigir que o
endôsso seja registado no livro da sociedade (2).

ARTIGO VII

Do penhor das ações

Sumário: - 1098. Penhor das ações. - 1099. Quanto às


ações nominativas. - 1100. O penhor não modifica
os direitos de sócio. - 1101. Continuação. - 1102.
Quanto às ações ao portador ou transferíveis por
endôsso. - 1103. Continuação.

1098. As ações das sociedades anônimas podem ser


objeto de penhor (3).

Estas sociedades não podem, porém, aceitar em penhor


as próprias ações (4).

Os administradores que, em garantia de créditos sociais,


aceitarem penhor de ações da própria companhia incorrerão
nas penas do art. 340, do Código P.enal (****).

(1) Dec. n. 434, art. 21, 2.ª alínea; dec. n. 8.821, art. 10, 2.ª alínea ("').
(2) ROUSSEAU, Des sociétés commerciales, 4.ª ed., vol. 1.0 , n. 1.475.
(3) Cód. Com., art. 273; decreto n. 434, art. 37, princ., lei n. 3.150, art.
7. 0 , § 4. 0 ; decreto n. 8.821, art. 19, 1.ª; decreto n. 164, art. 7. 0 , § 4.0 (**).
(4) Decreto n. 434, art. 39; lei n. 3.150, art. 27, n. 4; decreto n. 8.821,
art. 19, § 2. 0 ; decreto n. 164, art. 27, n. 4 (***).
( •) O vigente decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, não cogita
dessa espécie de ação.
( •"') Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 28.
(***) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 28, parág. único.
(**"'*) Art. 177, § 1.0 , V. do Código Penal. V. art. 168, 5. 0 , do citado
decreto-lei n. 2.627.
450 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

1099. O penhor das ações nominativas constitui-se por


meio da averbação nos têrmos de inscrição e de transferên-
cia, constantes dos respectivos livros (1).
Parece haver nesse caso excrção à norma do art. 271,
do Cód. Com., que exige a entrega dos títulos ou cautelas
representativas das ações ao credor.
Na verdade, se há a inscrição do penhor no registo da
sociedade, o acionista fica impossibilitado de alienar as ações,
desaparecendo a razão de ser da tradição destas ao credor.
Na prática, outro é o sistema. Os credores pignoratícios
exigem que se passe têrmo de transferência por penhor ou
caução, e recebem os títulos. Esta transferência chama-se de
garantia (2) .

1100. A constituição do penhor não inibe o acionista


de exercer os direitos decorrentes da ação, não incompatíveis
com a função da garantia, como: o de receber dividendos,
tomar parte e votar nas deliberações das assembléias, etc. (3).
O Cód. Com., no art. 277, autoriza o credor pignoratício a
receber o principal e reditos do título empenhado em sua mão
sem serem necessãrios poderes gerais ou especiais do devedor.
Temos assim, que, tanto o próprio acionista como o cre-
dor pignoratício têm o direito de receber dividendos das ações
caucionadas.
Como se sabe, os recibos de dividendos são previamente
lançados em livro especial. Comparecendo o credor pignora-
tício, conhecido da sociedade pela inscrição no registo, poderá
receber o dividendo, declarando a sua qualidade (4), salvo
prévia oposição do acionista .
(1) Decreto n. 434, art. 37, 2.ª alínea; lei n. 3.150, art. 7. 0 § 4. 0 ; decreto
g 821 art. 19, 2.ª; decreto n. 164, art. 7. 0 , § 4.º (•).
0
· · (2 / Esta transferência não paga sêlo. Decreto n. 3.564, de 22 de janeiro
de 1900, art. 12, n. 14.
(3) Decreto n. 434, art. 38; lei n. 3.150, art. 7. 0 , § 4. 0 , 2.ª alínea; decreto
g 821, art. 19, § 1.0 ; decreto n. 164, art. 7. 0 , § 4. 0 , 2. 8 alínea ( .. ).
n. · ( 4) Eis a fórmula que convém adotar na assinatura do credor: "Na qua-
•dade de credor pignoratício do acionista F .... e nos têrmos do art. 277 do
J1 "
c6d. <~~moecreto-Iei n. 2.621, de 26 de setembro de t 940, art. 28, in principio.
( .. ) Quanto ao direito de votar nas assembléias, veja-se o art. 83 do
decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 451

Este expediente nem sempre vence dificuldades. Supo-


nhamos que o acionista de mil ações cauciona 200 a um cre-
dor, 200 a outro e mantém desoneradas 600. O rtcibo do divi-
dendo é um só, correspondente ao proprietário das ações que
figura no registo. Neste caso, somente o acionista ou seu
procurador com poderes especiais poderá receber o dividendo.
Reputar-se-ia não escrita a cláusula dos estatutos ou do
contrato social, na qual se privasse o acionista do exercício
do direito de voto pelo fato de caucionar as suas ações, ou a
cláusula contratual em que êle cedesse o seu direito de voto
ao credor pignoratício. tste direito é inerente à propriedade
da ação (1). A sub-rogação que o penhor confere acha-se de-
finida e limitada no art. 277, do Código Comercial.

1101. O acionista com as ações caucionadas ou dadas


em penhor continua diretamente responsável para com a rn-
ciedade pelas obrigações assumidas. A sociedade nada tem
com o credor pignoratício.

1102. Se as ações são ao portador ou transferíveis por


endôsso, o devedor entrega os títulos ou cautelas ao credor,
acompanhadas do escrito de penhor assinado por ambos, e o
credor entrega, por sua vez ao devedor a declaração de fica-
rem em seu poder aquêles títulos ou cautelas (2).
O decreto n. 434, no art. 37, 2.ª alínea, reproduzindo o
disposto no art. 19, 2.ª alínea, do decreto n. 8.821, chama
cautela êste documento entregue pelo credor ao devedor.

Há casos, porém, em que a caução das ações ao portador


se efetua por outro modo, como o da caução dos diretores,
em que as ações ao portador quase se convertem em ações
nominativas.

( 1) Nesse sentido, veja-se a apreciação de ARNALDO LUCCI, na Rivista


dei diritto commerciale, vol. 8. 0 , P. II, pág. 88.
(2) Decreto n. 434, art. 37; lei n. 3.150, art. 7.ª, § 4. 0 ; decreto n. 8.821,
art. 19, 2.ª alínea; decreto n. 164, art. 7. 0 , § 4. 0 ; Cód. Com., arts. 271 e 272 (•).
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 28.
452 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

1103. Tratando-se de ações ao portador em que a- qua-


lidade de acionista se prova com a apresentação do título ou
cautela, se estão em mãos do credor a título pignoratício, a
sociedade, não conhecendo o dono, reconhece como acionista
e paga dividendos a quem apresenta o título ou os cupões.

ARTIGO VIII

Da amortização das ações


Somárlo: - 1104. Que significa amortização das ações. -
1105. Condições legais para essa amortização. -
1106. Deliberação da assembléia geral. - 1107.
Processos da amortização. - 1108. Ações de gôzo.
- 1109. Amortização nas sociedades concessioná-
rias de obras públicas.

1104. Permite a lei que a sociedade anônima amortize


as próprias ações (1) .

Amortizar as ações não quer dizer reduzir o capital; evi-


te-se a confusão a êsse respeito. Ao contrário, supõe o capital
social intacto, existente no patrimônio da sociedade.
A sociedade, que dispõe de grandes economias provenien-
tes dos lucros apurados e acumulados em um fundo de re-
serva extraordinário, tendo a faculdade de dispor dêste fundo,
como lhe convenha,· destina-o a distribuir pelos acionistas a
título de reembôlso das ações pela taxa nominal da subscri-
ção . O acionista reembolsado não se retira nem é excluído
da sociedade; os seus direitos se mantêm, salvo certas restri-
ções de que diremos adiante.
Não é o capital social que se restitui aos acionistas, pois
êste permanece inalterado; são as economias acumuladas ou
entesouradas pela sociedade que se partilham entre êles, até
à soma correspondente àquele capital.

J,
(1) Decreto n. 434, art. 40, 2.ª alínea; lei n. 3.150, art. 3 2;ª alín;a;
decreto n. 8.821, art. 20, ?. a alínea; decreto n. 164, art. 31, 2. almea ( ) .
("') Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940. art. 18.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 453

Se em relação aos acionistas há de fato o reembôlso do


valor com que entraram para o capital social, relativamente
a terceiros não se dá mais do que a distribuição de lucros
reais, verdadeiros, ou, como se tem dito, a distribuição de
um dividendo P-xtraordinário, com uma prévia destinação.
Esta é a operação na sua última simplicidade.
Aquêle fundo de economias, dada a liquidação da socie-
dade, seria distribuído pelos acionistas. Antes ainda desta
liquidaçã1J, poderia ser distribuído como dividendo. A socie-
dade del~bera entregá-lo aos acionistas, para amortizar o que
empregaram nas ações. Eis o que se diz amortização das
ações (1) •

110~. A vista do exposto, explica-se por que a lei exigiu


duas condições essenciais para a amortização das ações:
1.ª Que o capital social não sofra ofensa (2).
:t!:ste capital deve existir e permanecer íntegro. Não é
absolutamente tolerável que se diminua o capital social, ga-
rantia de terceiros, em benefício dos acionistas.

( 1) Diversas teorias têm aparecido sôbre a natureza dessa operação.


Diz-se consistir em simples distribuição de lucros (MOREL), num préleve-
me111 des bénéfices (THA..:..LER, PIC), num adiantamento de sucessão (V A-
LERY), uma "remise antécipée de sommes qui normalement n'auraient du être
distribuées q11'à la liquidation de la société" (RJPPERT) . A doutrina clássica é
a do reembôlso real da ação amortizada, doutrina que ainda recentemente teve
em seu favor a brilhante exposição de PERROUD, nos Annales de droit com-
mercial, 1907, p2.gs. 435 e segs. Consulte-se: nos me>mos A nnales, 1907, págs.
372 e seguintes: Quelques mots sur la nature juridique de famortissement des
actions, de RIPPERT, e na Rivista dei diritto commerciale (V ALLARDI), vol.
5. 0 (1907), P. 1., pág. 181, Les azioni digodimento secando la recente dottrina
f rancese, de NA VARRINI.
LYON-CAEN et RENAULT, Traité de droit commercial, 4. 8 ed., vol. 2.º,
P. 1., n. 560, parece terem razão dizendo que, para explicar a amortização das
ações, não hã necessidade de recorrer a construção especial. Quando a amor-
tização se opera pelo sorteio, as entradas correspondentes às ações amortizadas,
permanecem na sociedade cujo capital continua intacto. A sociedade retira dos
lucros, para entregar aos acionistas cujas ações são sorteadas, a quantia igual
ao valor destas. Se a sociedade assim não procedesse, qualquer acionista poderia
reservar anualmente uma fração do dividendo recebido para reconstituir a sua
entrada no fim de certo tempo. A sociedade faz, quando se opera a amortiza-
ção, o que os acionistas poderiam fazer espontâneamente.
(2) Decreto n. 434, art. 40; lei n. 3.150, art. 31; decreto n. 8.821, art. 20;
decreto n. 164, art. 31 (•).
(•) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 18, in principío.
454 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
~~~~~~~~~~~-

Essa rxigência é tão séria que se porventura o capital


se achar desfalcado, é impossível a amortização das ações, e
conseguintemente, ilegal e nula a ope1ação (1).
2.ª Que a amortização se r-ealize com fundos disponí-
veis (2).
Os fundos disponíveis para êss~ fim são os provenientes
de lucros líquidos; êles supcem a sociedade em prosperidade,
sem compromissos, ou, se tiver credores, com dinh~iro à dis-
posição para poder satisfazê-los quando exigidos os créditos.
Não constituem, portanto, fundo3 disponíveis os fundos
de reserva, que, pelos estatutos sociais, tenham outro destino
certo (3) nem os lucros suspensos.
A amortização, portanto, deve ser apreciada como meio
de aplica~ão da renda. Seria ilegal e nula a amortização com
o produto de um empréstimo. São os lucros líquidos da socie-
dade que se distribuem sob outra forma que a do dividendo.
Como o acionista recebe o que realmente representa lucro
da sociedade, a amortização é definitiva, a dizer, o acionista
não é obrigado à restituição r.lo caso de falência da sociedade.
A restituição sàmente caberia se houvesse fraude à lei,
tendo-se como fundo disponível o que realmente não o era ou
· ofendendo-se a integridade do capital social.

1106. A amortização deve ser deliberada pela assem-


bléia geral da sociedade anônima, estando presente número
de acionistas que represente, pelo menos, dois terços do
capital (4) .

(1) No Jornal do Brasil de 7 de abril de 1895, foram publicados parece-


res de SOUSA RIBEIRO, TEODORO MACHADO, FERREIRA VIANA,
OLIVA MAIA, MANUEL 1. GONZAGA, BATISTA PEREIRA e L~FA~E~­
TE sôbre a interpretação do art. 40, do decreto n. 434, notando-se d1vergenc1a
entre êles. (Vejam-se êstes pareceres, também err. O Direito, vol. 67, pág. 5).
(2) Decreto n. 434, art. 40, 2.ª alínea; lei n. 3.150, art. 31, 2.ª alínea;
decreto n. 8.821, art. 20, 2.ª alínea; decreto n. 164, art. 31, 2.ª alínea ( •).
(3) No Direito belga, a lei de 22 de maio de 1886 permite o resgate
das ações pelos lucros líquidos ou pela parte do funrto de reserva.
(4) Decreto n. 434, art. 40, 3.ª alínea; decret<' n. 8.821, art. 20, 3.ª
alínea( •)( .. ).
Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro d e 194C , art · 18 , in
· princ1p10.
· · ·
( .. ) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 18, § 3.º.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 455

A deliberação é tomada por maioria de votos.

1107. A amortização faz-se por meio de resgate ou


sorteio.

A lei permite que, para êsse fim, a .súciedade adquira as


próprias ações ( 1) .

1108. Em substituição das ações amortizadas costuma-


se entregar ações de gôzo (veja-se n. 1055, supra) . O seu pro-
prietário é um acionista a quem se re~titui a entrada, e par-
ticipa nos lucros sociais. Na liquidação da sociedade, man-
tém o seu direito proporcional sôbre o líquido partilhável
depois de embolrndas ao par tôdas as outras açõ~s não amor-
tizadas (**).

Se o líquido não é suficiente para pagar as ações não


amortizadas durante a vida social? Os acionistas, que tive-
ram as suas ações amortizadas, ficam em melhor situação;
resultado da sorte que favoreceu a uns e não a outros (2).

1109. Há, ainda, outra forma de amortização nas socie-


dades que executam obras públicas sob o regímen da con-
cessão (veja-se n. 201 do 1. 0 vol., 2.ª ed.) . No fim de certo
prazo, a obra reverte para a União ou o Estado concedente,
sem indenização. Deve a sociedade constituir em tempo opor-
tuno o fundo de amortização do capital reconhecido oficial-
mente como empregado nessas obras, para que no dia da re-
versão não assista ao completo desaparecimento do seu capital.

(l) Decreto n. 434, art. 40, 2.3 alínea; lei n. 3.150, art. 31, 2.ª alínea;
decreto n. 8.821, art. 20, 2.ª alínea; decreto n. 164, art. 3.0 , 2.ª alínea (*).
(2) LYON-CAEN et RENAULT, Traité de droit commercial, 4.ª ed.,
vol. 2. 0 , P. I, n. 559.
'
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 15, parágrafo
único.
(º) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 18, § 3.º.
456 J. X. CARV ALfíO DE MENDONÇA

SEÇÃO III

Dos acionistas

Sumário: - 111 O. A maioria e a minoria dos acionistas. -


1111 . As deliberaçl'ies da maioria devem ser de
acôrdo à lei e aos estatutos. - 1112. Direitos indi-
viduais dos acionistas. - 1113. Quais sejam. -
1114. Continuação. - 1115. Considerações sôbre
êsses direitos .

1110. Quando se considera o mecanismo das sociedades


anônimas com os seus três órgãos, a assembléia geral, a dire-
toria e o conselho fiscal, tem-se a impressão do desapareci-
mento da pessoa do acionista.
A sua principal, pode-se dizer, a sua única obrigação é
entrar com o valor das ações, obtendo em compensação o
direito de participar nos lucros e na partilha do fundo co-
mum na dissolução e liquidação da sociedade (n. 591, supra).
Os acionistas não dispõem de poderes diretos para admi-
nistrar nem para fiscalizar a administração (n. 593, supra).
Entregam à maioria a defesa comum dos seus interêsses. O
acionista é "uma fração do poder encarnado na assembléia
geral" (1). Esta assembléia o absorve. A vontade da maioria
prevalece em tudo e por tudo. De outro modo, a desordem
substituiria a unidade essencial à sociedade.
Enganar-se-ia, entretanto, quem com tanto rigor apre-
ciasse os fatos.
É certo que a maioria vincula a minoria; há, porém, certo
número de pontos irredutíveis na situação do acionista . e
intangíveis pela assembléia geral.

1111. A assembléia geral representa a vontade social


nos limites da lei e dos estatutos. É nessa medida, que o di-
reito do acionista é absorvido pela maioria. Tal subordinação
cessa se a maioria viola a lei e os estatutos. Surge, então,
em sua fôrça, a influência da minoria.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 457

1112. O acionista, além dos direitos que xerce como


membro da sociedade em comum com os outros acionistas
no interêsse social, exemplos: o de compor as assembléias (1),
de votar (2), etc., tem direitos individuais, definidos em
lei (3) .
A maioria da assembléia não os pode limitar nem tirar.
Os estatutos ou o contrato social devem respeitá-los.
A caracte:rística dêsses direitos é não estarem subordina-
dos em sua existência ou função à vontade da maioria.

1113. A lei reconhece os seguintes direitos individuais


do acionista:
1.º O direito de conhecer o estado da sociedade. Um
mês antes da data marcada para a reunião da assembléia
ordinária, o acionista pode tomar conhecimento, na sede so-
cial, do balanço com tôdas as particularidades, da lista dos
acionistas e da transferência das ações e, até à véspera, do
relatório da sociedade e do parecer da comissão fiscal (4).
Daí os seguintes direitos especiais com fundamento
neste: (****).

(1) Decreto n. 434, arts. 129 e 130 (*).


(2) Decreto n. 434, art. 132 (º).
(3) Os alemães estabelecem três categorias de direitos pertencentes aos
acionistas:
1.3 Os direitos sociais, direitos da coletividade (Mirg/iedschaftsrcchte So-
zialerechte, Kollectiverechte). São os que o acionista exerce como membro da
sociedade, em virtude da lei ou dos estatutos, em comum com os outros acio-
nistas no interêsse social.
2.ª Os direitos individuais (lndivid11alrec/1te). São os direitos sociais,
que a lei confere aos acionistas (exercício individual) em certos casos e sob
certas condições. De ordinário, êstes direitos são conferidos a grupos de acio-
nistas.
3. 3 Os direitos próprios, particulares, privativos (Sonderrechte), especial-
mente ligados à qualidade de acionista e que êste exerce vis-à-vis da sociedade
não como terceiro, porém na qualidade única de acionista. Há Sonderrechte
legais e estatutários.
( 4) Decreto n. 434, art. 147; decreto n. 164, art. 16; decreto n. 8.821.
art. 76 (*"'*).
(*) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 86.
(**) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 94.
( • • •) Cit. decreto-lei n. 2.627, art. 99.
( º º ) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 78.
458 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
-------
a) o de exigir dos administradores a reunião da assem-
bléia geral ordinária, se retardam a convocação por mais de
três meses além da época designada nos estatutos (1);
b) o de convocar êle próprio a assembléia, se não fôr
atendido pela administração, declarando esta circunstância
no anúncio (2) .
2. 0 O direito de ser tratado no mesmo pé de igualdade
de todos os outros acionistas. ~le pode, portanto, opor-se a
todos os atos e deliberações da assembléia que ofendam êsse
princípio.
3.º O direito de promover a anulação da sociedade
constituída sem &.s condições e formalidades que a lei consi-
dera e;;senciais (3J, e de haver dos fundadores a devida inde-
nização pelos danos que sofrer por êsse fato (4). THALLER
diz que êsse é o direito adquirido do acionista, tratar com
uma sociedade regular (5).
4.º O direito de promover a anulação da deliberação
da aJsembléia geral que aprovar o balanço e as contas dos
administradores, se a aprovação fôr devida a êrro, fraude ou
simulação (6).
5.º O direito de promover a anulação das deliberações
da assembléia geral ordinária ou extraordinária, que infrin-
girem a lei ou os estatutos (7) .
6. 0 O direito de haver dos administradores a indeniza-
ção das perdas e danos resultantes da violação da lei e dos
estatutos (8). Não lhe é dado o direito de promover a res-
ponsabilidade dos administradores pelos atos de gestão, con-
forme diremos oportunamente.

(1-2) Decreto n. 434, arts. 139 e_l40; decreto n. 164, art. 15, § 9, n. 2 (*).
(3-4) Vejam-se ns. 1.005 e 1.006 supra.
( 5) ln DALLOZ, 1901, 1, págs. 105 e segs.
( 6) Decreto n. 434, art. 146; decreto n. 8.821, art. 14.
(7) Decreto n. 434, art. 146; decreto n. 8.821, art. 7 5.
(8) Decreto n. 434, arts. 109, n. 3, e 110; lei n. 3.150, arts. 10 e 11, pará-
grafo único; decreto n. 164, art. 11 .
Nesse direito compreende-se o da indenização pelos prejuízos resultantes
da distribuição de dividendos indevidos, sôbre o qual dispôs especialmente o
art. 115 do decreto n. 434. ~,....
( *) Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 89, parágrafo
único, b.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO 459

A aprovação pela ass2mbléia dos atos e operações que


importam violação da lei ou dos estatutos não derime a ação
dos sócios aw:entes e dos que não houverem concorrido com
os seus votos para tal aprovação (1).
7.º O direito de pedir, por ação ordinária, a dissolução
da sociedade, quando não puder esta pretncher o seu fim, por
insuficiência do capital ou por qualquer outro motivo (2).
8.º O direito de pedir a exibição integral dos livros da so-
ciedade nos casos e têrmo.s expostos em o n. 277 do 2. o vol. dês-
te Tratado. (3).
9. 0 O direito de dar queixa contra os fundadores,
.administradores e membros do com:elho fiscal pelos crimes
definidos nos art.s. 200 e 203 no decreto n. 434, de 4 de julho
de 1891 (4).
10.º) O direito de requerer a falência da sociedade, no
.caso de perda de três quartos ou mais, do capital social (5) .

1114. Podem, também, os acionistas em número não


menor de s~te, representando, pelo menos, um quinto do capi-
tal social, convocar a assembléia geral extraordinária, se os
administradores não o fazem no prazo de oito dias, a contar
da apresentação do pedido daqueles acionistas, devidamente
motivado (6) (*).

( 1) Decrc-to n. 434, arts. 109, n. 3, e 11 O; lei n. 3.150, arts. 1O e 11,


parágrafo único; decreto n. 164, art. 11 .
Nesse direito compreende-se o da indenização pelos prejuízos resultantes
da distribuição de dividendos indevidos, sôbre o qual dispôs especialmente o
art. 115, do decreto n. 434.
( 2) Decreto n. 434, art. J 54; decreto n. 8.821, art. 83.
(3) Veja-se a nossa monografia Dos livros dos comerciantes, ns. 180 e
seguintes, onde o assunto é amplamente estudado. ( **)
(4) Decreto n. 434, art. 205; decreto n. 8.821, art. 139.
(5) Lei n. 5.746, de 9 de dezembro de 1929, art. 9. 0 , § 6. 0 • (•••)
(6) Decreto n. 434, arts. 137, 138; decreto n. 164, art. 15, § 9. 0 •
(•) ~ste número também saiu tru~cad~ na l.ª edição. _A correção é ~o
próprio autor, ~o _yol. 4, n. I.541., Hoie, ,s~bre a convocaçao ~a assembleia
pelo acionista d1spoe o art. 89, paragrafo umco, b, do decreto-lei n. 2.627, de
26 de setembro de 1940.
( • •) A exibição integral dos Códigos está regulada pelo art. 57 do cit.
.decreto-lei n. 2.627 de 1940.
(***) O sócio, por qualquer dos fundamentos legais, pode requerer a fa.
Jência da sociedade. Decreto-lei n. 7.661, de 21·6-1945, art. 9. 0 , n. II.·
460 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

1115. Tem-se entendido que mais se não pode dar aos


acionistas individualmente considerados, para não perturba-
rem os negócios sociais .
Se a soc..iedade não lhe agrada, venda as suas ações e dela
se desligue .
Em caso algum se admite a retirada do acionista dissi-
dente, mediante o reembôlso d.a sua ação pela sociedade (1).
Se isso se desse, teríamos a violação do princípio da integri-
dade do capital, a presunção fortuita de não estar onerado
por compromissos êste capital, ou de se achar êle sem apli-
cação nos cofres da sociedade. Não falamos no incentivo à
obstrução que a medida traria.
Se os direitos de sócio são respeitáveis, não menos im-
porta conservar a sociedade e preservá-la dos ataques de uma
minoria turbulenta ou facciosa. Seria estabelecer a ruína da
sociedade se se não garantisse à administração a tranqüili-
dade tão necessária no exercício das suas funções . É mister
muita cautela na conciliação dos interêsses da sociedade com
os dos acionistas individualmente considerados, e tem sido
tema difícil definir o papel dos acionistas como tais, em face
dos órgãos da administração.

( I) O C6d. Com. italiano, no art. 158, permite a retirada do acionista,


reembolsado das sua~ ações em proporção do ativo social conforme o último
balanço, se êle não concorda com as deliberações da assembléia sôbre fusão,
reintegração ou aumento do capital social e mudança do objeto. E. o único
Código que trata disso e são justas as críticas de ce.LLERIER, com os argu-
mentos acima iaduzidos. (t.1udtts sur /ttJ J'Ociété:r anonyme:r, u. 558).
A V 1SO

Motivos imperiosos, independentes da nossa vontade, for-


çam-nos a interromper a impressão dêste terceiro volume,
que se acha pronto.
Completariam o Título IV os seguintes capítulos:
Capítulo IV - Dos órgãos das sociedades anônimas (A vida
social).
Capítulo V - Dos empréstimos em obrigações ao porta-
dor.
Capítulo VI - Da dissolução e liquidação das sociedades
anônimas.
Capítulo VII - Da fusão e da incorporação das sociedades
anônimas.
Seguir-se-iam:
Título V - Das sociedades em comandita por ações.
Título VI - Das sociedades em conta de participação.
Título VII - Das sociedades cooperativas.
Título VIII - Das sociedades estrangeiras no Brasil.

Essa matéria, o índice alfabético e a relação dos autô-


res, jurisconsultos e magistrados citados no volume, ocupa-
riam muito mais de 200 páginas.
Logo que as circunstâncias permitam terminaremos o
presente volume, integrando a parte relativa às sociedades
comerciais e se anexando um apêndice com aditamentos, no-
tas e correções.

Rio, setembro de 1914.

José Xavier Carvalho de Mendonça.


ÍNDICE GERAL
LIVRO SEGUNDO

Dos comerciantes e seus auxiliares

PARTE III

Das sociedades comerciais


Págs.
TíTULO I. Dos princípios preliminares e bási-
cos sôbre as sociedades comerciais 13
CAPÍTULO I. Das noções gerais sôbre o contrato
de sociedade comercial .......... . 14

CAPÍTULO II. Das condições fundamentais do con-


trato de soci2dade comercial ..... 18

SEÇÃO I. Das condições comuns a todos os


contratos ...................... . 18

SEÇÃO II. Das condições especüicas do con-


trato de sociedade ....... · .. · . · · . 22

Da cooperação ativa dos sócios ... 22


ARTIGO I.
Da formação do capital social .. · · 27
ARTIGO II.
ARTIGO III.
Da participação dos sócios nos !u-
cros e da contribuição correlativa
42
nas perdas .. · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·
Da distinção entre as sociedades co-
CAPíTULO III. merciais e as civis ............. . 51
464 fNDICE GERAL
1
Págs.
CAPÍTULO IV. Das formas das sociedades comer-
ciais. Da sua tran~formação e fu-
sao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
SEÇÃO I. Das formas das sociedades comer-
c1a1s . • . . • . • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 56
:SEÇÃO II. Da transfarmação das sociedades
comerciais ...................... 63
SEÇÃO III. Da fusão das sociedades comerciais 67
·CAPfTULO V. Dos direitos e obrigações dos sócios
em conjunto .................. . 69
TfTULO II. Da personalidade jurídica das so-
ciedades comerciais ............. . 76
,CAPITULO I · na justificação da personalidade
jurídica das sociedades comerciais
77
Das conseqüências decorrentes d
. . jurídica das socieda~
'CAPíTULO II·
personalidade
des comerciais . . . . . . . . . . . ....
... 98
Do nome das sociedades co:rner . .
SEÇÃO I. c1a1s
98
Da nacionalidade das socied
sEÇÃ0 II. · ·
Corn erc1a1s · · · · · · . . . . . . .
ades . . . ..
Da sede ou. domicílio das . ··· 99
. soc1ed
.sEÇÃ0 1n. deS co:rnerCialS . . . . . . . . . . . a....
00 patrimônio das sociect ··· 100
.sEQAº rv. rnereia.is . · · · · ·.... · · . . . ªdes
. co..
capacidade contratu. .
~a.d des comerciais a1 ela • 104
SEÇÃO v. me a ··•.. s s
·epresentação jurh . · · · • CJ..
P a I des comerc1a1s
. . '-l.l.C1a1
~

cieda . . . . '-las 109
J,.O 'Vl· sociedades elll. que · · . . S(J..
s~ Ç pas coJll responsabil. figq · · .
ciOS lqaq l'q_h.. • '
~Jll· ~ • '·l.l
llth.. S() 110
'o(~l ..
t~. .
ÍNDICE GERAL
465

da, excluídas as sociedades em co- Págs.


mandi ta por ações ............. .
114
CAPfTULO I.
Da constituição das sociedades co-
merciais em nome coletivo, em co-
mandita simples e de capital e in-
dústria ....................
119
SEÇAO I.
Das formalidades do contrato de
sociedade comercial .............
120
ARTIGO I.
Da escritura do contrato de socie-
dade comercial ................ . 120
ARTIGO II. Do registo e da publicidade do con-
trato de sociedade comercial .... . 128
SEÇÃO II. Das sociedades irregulares ...... . 130
SEÇÃO III. Das alterações e modificações con-
vencionais do contrato de sociedade 140
CAPfTULO II. Das sociedades em nome coletivo . 151
SEÇÃO I. Das noções fundamentais sôbre as
sociedades em nome coletivo ..... 152
SEÇÃO II. Da firma ou razão das sociedades
em nome coletivo .............. . 155
SEÇAO III. Da administração das sociedades
em nome coletivo ............. . 158
SEÇÃO IV. Das relações dos sócios entre si e
dos sócios para com terceiros e
vice-versa nas sociedades em nome
coletivo ...... · · · · · · · · · · · · · · · · · · 169
CAPÍTULO III. Das sociedades em comandita sim-
ples ................... · ·. · · · · ·. 172
SEÇÃO I. Das noções fundamentais sôbre as
sociedades em comandita simples 174

30
:lNDICE GERAL

Págs.

Da firma ou razão das sociedades


SEÇAO ll.
em comandita simples .... · · ·.... 182

SEÇAO III.
Da administração das sociedades
em comandita simples . . . . . . . . . . 184

SEÇAO IV. Das relações dos sócios entre si e


dos sócios para com terceiros e vi-
ce-versa nas sociedades em coman-
dita simples . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . 191

CAPtTULO IV. Das sociedades de capital e indús-


tria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196

SEÇAO I. Das noções fundamentais sôbre as


sociedades de capital e indústria 197
SEÇAO II. Da firma ou razão das sociedades
de capital e indústria . . . . . . . . . . . . 200
SEÇAO III. Da administração das sociedades de
capital e indústria . . . . . . . . . . . . . . 202
SEÇAO IV. Das relações dos sócios entre si e
dos sócios para com terceiros e vi-
ce-versa nas sociedades de capital
e indústria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203
CAPfTULO V. Da dissolução e da liquidação das
sociedades em nome coletivo, em co-
mandita simples e de capital e in-
dústria .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 204
SEÇAO I.
Da dissolução .................. 204
ARTIGO I.
Da dissolução de pleno direito ... 206
§ l.º Da exp1raçao
· - do prazo ajustado
207
§ 2.º
Da morte de um dos sócios ...... 209
ÍNDICE GERAL
467

§ 3.º Da vontade de um dos sócios nas Pãgs.


sociedades com prazo indetermi-
nado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215
§ 4.º Da falência da sociedade . . . . . . . . . 216
§ 5.º Da falência de um dos sócios . . . . 217

ARTIGO II. Da dissolução promovida conten-


ciosamente pelos sócios . . . . . . . . 218

§ 1.º Da impossibilidade de preencher a


soci2dade o seu intuito e fim . . . . 220

§ 2.º Da inabilidade ou incapacidade de


qualquer sócio . . . . . . . . . . . . . . . . . . 220

§ 3.º Do abuso, prevaricação, violação ou


falta de cumprimento das obriga-
ções sociais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221
§ 4.º Da fuga do sócio .............. . 223

ARTIGO III. Da dissolução convencional .... . 223

SEÇÃO II. Dos efeitos e conseqüências da dis-


solução ....................... . 224

Da liquidação ............. · · . · · 234


SEÇÃO III.
ARTIGO I. Dos liquidantes, sua nomeação e
240
destituição ... · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·
ARTIGO II. Das atribuições, deveres e respon-
sabilidades dos liquidantes . · · · · · · 243
248
SEÇÃO IV. Da partilha ... · · · · · · · · · · · · · · · · ·
Da intervenção judicial na dissol.u-
SEÇÃO V. - li'quidação..e partilha das soc1e-
çao, 251
dades comerciais . · · · · · · · · · · · · • · ·
254
Da dissolução judicial ..• · · · · · · · ·
ARTIGO I.
468 ÍNDICE GERAL

Págs.
ARTIGO II. Da liquidação judicial . . . . . . . . . . . 260
ARTIGO III. Da nomeação, atribuições e desti-
tuição dos liquidantes na liquida-
ção judicial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 262
ARTIGO IV. Da partilha judicial . . . . . . . . . . . . . 268
TíTULO IV. Das sociedades anônimas . . . . . . . . 270
CAPÍTULO I. Das noções fundamentais sôbre as
sociedades anônimas . . . . . . . . . . . . 285

SEÇÃO I. Dos caracteres jurídicos das socie-


dades anônimas ................ 285

SEÇÃO II. Do objeto das sociedades anônimas 290


SEÇÃO ill. Da denominação, sede e duração
das sociedades anônimas . . . . . . . . 292

SEÇÃO IV. Das sociedades anônimas que care-


cem de autorização do govêrno para
a sua organização .............. 297

CAPÍTULO II. Da constituição das sociedades anô-


rumas ..................... · · · · · 304

SEÇÃO I. Dos fundadores ou incorporadores


das sociedades anônimas .•.•.... 306

SEÇÃO. II. Do concurso de sete sócios pelo me-


nos ........................... . 318

SEÇÃO m. Dos estatutos .................. . 320

SEÇÃO IV. Da subscrição integral do capital


das sociedades anônimas ....... . 324

ARTIGO úNICO. Da subscrição pública . . . . . . . . . . . 329


469
íNDICE GERAL

------
sEÇAO V.
Da entrad a in
e do aep
. icial dos subscritores
, .
, sito prévio da dec1ma p
O
ar-
PÁG S •

337
te do capital · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·
Das formas da constituição das so-
sEÇAO VI. ciedades anônimas . . . . . . . . . . . . . .
345

Da constituição por escritura pú-


346
blica . ......................... .
ARTIGO I.

Da constituição pela assembléia dos


ARTIGO II. 349
subscritores .. · · · · · · · · · · · · · · · · · ·
SEÇÃO VII. Da avaliação dos bens móveis e
imóveis, corpóreos e incorpóreos,
conferidos pelos subscritores, além
do dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 354
SEÇÃO VIII. Do registo, publicidade e início das
funções das sociedades anônimas.
Da admissão das ações à cotação
da Bôlsa. Do Direito Fiscal ..... 361
SEÇÃO IX. Da nulidade da constituição das
sociedades anônimas e seus efeitos 366
CAPíTULO III. Do capital das sociedades anôni-
mas, das ações e dos acionistas ... 384
SEÇAO I.
Do capital social do fundo de re-
serva ........................... 385
ARTIGO I.
Do aumento do capital social . .. . 390
ARTIGO II.
Da redução do capital social . ... 402
SEÇAo II.
Das ações ......................
ARTIGO I. 407
Das espécies de ações em relação
ao valor da emissão ..
ARTIGO II. 414
Das espécies de ações ·~.:n· ·r~~~ ·: ·
àb~~ ç~
t os. internos
. erna e dos seus requisi-
.......... .. . . . . .. . . 416
•70 iNDICE GERAL

PÁGS.

ARTIGO m. Da conversão das ações .......... 422


ARTIGO IV. Do registo das ações ............. 424
ARTIGO V. Do pagamento das ações e da mora
dos acionistas .................. 426
ARTIGO VI. Da propriedade e da transmissibili-
dade das ações em virtude de nego-
ciação ou de outros casos ........ 438
ARTIGO VII. Do penhor das ações ............ 449
ARTIGO VIII. Da amortização das ações •...... 452
SEÇAO m. Dos acionistas .................. 456
AVISO. . ......................... ' ..... 461

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