3.6. A Methodenstreit, ou a polêmica sobre os métodos Grande deve ter sido a frustração causada a Menger pelo fato de a sua contribuição não só não ter sido entendida pelos catedráticos da Escola Histórica Alemã, como, para além disso, ter sido por estes considerada como um perigoso desafio ao historicismo. De fato, em vez de se darem conta de que a contribuição de Menger era o suporte teórico de que necessitava a concepção evolucionista dos processos sociais, eles consideraram que o seu caráter de análise abstrata e teórica era incompatível com o estreito historicismo que propunham. Surgiu assim a primeira e talvez a mais famosa polêmica em que se viram implicados os austríacos, a Methodenstreit, que haveria de ocupar as energias intelectuais de Menger durante várias décadas. ` Os historicistas da Escola Alemã encabeçados por Schmoller, da mesma forma do que viria a suceder depois aos institucionalistas americanos da escola de Thorstein Veblen, foram vítimas do hiper-realismo, ao negar a existência de uma teoria econômica de validade universal, e ao defender a tese de que o único conhecimento válido era o que podia extrair-se da observação empírica e do recolhimento de dados de cada caso histórico. Contra eles Menger escreve o seu segundo livro importante intitulado Investigações sobre o método das ciências sociais com especial referência à Economia Política (Menger, 1883) no qual, partindo de Aristóteles, considera que o conhecimento da realidade social exige duas disciplinas igualmente importantes mas que, apesar do seu caráter complementar, são radical e epistemologicamente distintas. A teoria é, de alguma maneira, a "forma" (no sentido aristotélico) que recolhe as essências dos fenômenos econômicos. Esta forma teórica é descoberta por introspecção, ou seja, por reflexão interior do investigador, que se torna possível pelo fato de a economia ser a única ciência na qual o investigador tem o privilégio de compartilhar a mesma natureza do observado, o que lhe proporciona um valiosíssimo conhecimento em primeira mão. Além disso, a teoria elabora-se de forma lógico-dedutiva a partir de conhecimentos evidentes do tipo axiomático. Distinta da teoria é a história, que de alguma maneira seria constituída pela "matéria" (no sentido aristotélico) que se concretiza nos fatos empíricos de cada acontecimento histórico. Para Menger, ambas as disciplinas, teoria e história, forma e matéria, são igualmente necessárias para conhecer a realidade, mas ele nega enfaticamente que seja possível extrair a teoria da história. Mais correto seria afirmar que as relações entre uma e outra são ao contrário, no sentido de que a história só pode interpretar-se, ordenar-se e tornar-se compreensível se se dispõe de uma teoria econômica prévia. Desta forma, Menger, apoiando-se em posições metodológicas que já haviam sido intuídas,em grande parte, por J. B. Say, estabelece os fundamentos do que depois se haveria de converter na metodologia "oficial" da Escola Austríaca de Economia. É preciso ainda clarificar que existem pelo menos três sentidos diferentes para o termo "historicismo". O primeiro, identificado com a escola historicista do direito (Savigny, Burke) e oposto ao racionalismo cartesiano, é o defendido pela Escola Austríaca na sua análise teórica sobre o aparecimento das instituições. O segundo sentido é o da Escola Histórica da Economia dos professores alemães do século XIX e dos institucionalistas americanos do século XX, que negam a possibilidade da existência de uma teoria econômica abstrata de validade universal, tal como a que defendia Menger e desenvolveram depois dele o resto dos economistas austríacos. O terceiro tipo de historicismo é o que se encontra na base do positivismo metodológico da escola neoclássica, que pretende recorrer à observação empírica (ou seja, em última instância, à história) para falsear ou comparar teorias o que, de acordo com Hayek, não é senão uma manifestação mais do racionalismo cartesiano que os austríacos tanto criticam. É curioso notar como Menger e os seus seguidores, na sua defesa da teoria frente aos historicistas alemães, contaram como aliados conjunturais com os teóricos do paradigma neoclássico do equilíbrio e, entre eles, com Walras e Jevons de entre os marginalistas matemáticos, e com os já neoclássicos Alfred Marshall na Inglaterra e John Bates Clark nos Estados Unidos. Ainda que os defensores austríacos da tradição subjetivista e dinâmica da análise dos processos de mercado estivessem conscientes das grandes diferenças que a sua visão tinha comparativamente à destes teóricos do equilíbrio (geral ou parcial), em muitas ocasiões consideraram que o objetivo de derrotar os historicistas e de defender o correto status científico da teoria econômica justificava a sua aliança temporária com os teóricos do equilíbrio. O elevado custo desta estratégia só se manifestaria quando, várias décadas depois, nos anos trinta do século XX ("the years of high theory", na feliz expressão de Shackle) o triunfo dos defensores da teoria frente aos historicistas foi interpretado pela maioria dos economistas como o triunfo da teoria de equilíbrio formalizada matematicamente, e não da teoria dos processos sociais dinâmicos que, desde o princípio, Menger e os seus seguidores haviam se esforçado por desenvolver e impulsionar. Em todo o caso, e contra as versões mais comuns dos manuais de economia, que geralmente qualificam a Methodenstreit, ou polêmica sobre os métodos, como tendo sido um infrutífero desperdício de esforços, consideramos que na mesma se depararam e perfilaram conceitualmente as inevitáveis diferenças metodológicas que existem entre as ciências da ação humana e as ciências do mundo da natureza, de maneira que as graves confusões que todavia continuam a perdurar hoje neste campo se devem, sem dúvida alguma, ao fato de a maioria dos economistas de profissão não ter prestado suficiente atenção às importantes contribuições realizadas por Menger a propósito desta polêmica.