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RENATA MEIRA VERAS

WILTON NASCIMENTO FIGUEREDO

Organizadores

FORMAÇÃO DOCENTE PARA ENSINO BÁSICO E SUPERIOR


NA CONTEMPORANEIDADE

Salvador-BA
2019
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO........................................................................................................... 5

PARTE 1 - FORMAÇÃO DOCENTE PARA O ENSINO BÁSICO

Capítulo 1 - A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA:


ASPECTOS HISTÓRICOS E DADOS SOBRE O CENÁRIO ATUAL ........................ 9
DAIANE DA LUZ SILVA
JUCILENE DIAS MARANHÃO
RENATA MEIRA VERAS

Capitulo 2 - A UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL APÓS 12 ANOS DE SUA


CRIAÇÃO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CAMINHOS TRILHADOS
ATÉ AGORA ................................................................................................................. 31
NORMA GONZAGA DE MATOS

Capitulo 3 - QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS NA FORMAÇÃO DE


PROFESSORES DE INGLÊS ....................................................................................... 45
FERNANDA MOTA
GISELE DIAS CARNEIRO
RENATA MEIRA VERAS

Capítulo 4 - MOTIVOS DE ESCOLHA PROFISSIONAL E EXPECTATIVAS DE


TRABALHO DOS ESTUDANTES DE LICENCIATURA DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DA BAHIA .................................................................................................. 55
HENRIQUE DE ALCÂNTARA LINHARES AMORIM
MARIANA GIULIA CHAVES PRATES
RENATA MEIRA VERAS
VITORIA BATISTA CALMON DE PASSOS

Capítulo 5 - A FORMAÇÃO DOCENTE NOS CURSOS DE LICENCIATURA DA


UFBA: A PERCEPÇÃO DOS ESTUDANTES............................................................. 72
ERIKA SILVA CHAVES
RENATA MEIRA VERAS

Capítulo 6 - OS CURSOS DE LICENCIATURA DO TURNO NOTURNO:


PERCEPÇÕES E EXPERIÊNCIAS ESTUDANTIS NA UNIVERSIDADE FEDERAL
DA BAHIA ..................................................................................................................... 88
ODONILTON LIMA LEMOS
RENATA MEIRA VERAS
VITÓRIA BATISTA CALMON DE PASSOS
Capitulo 7 - INITIAL TEACHER EDUCATION DEGREE PROGRAMS IN BAHIA,
BRAZIL AND IN NEWFOUNDLAND AND LABRADOR, CANADA .................. 105
DAIANE DA LUZ SILVA
DENNIS MULCAHY
ERIKA SILVA CHAVES
MARIANA GIULIA PRATES
RENATA MEIRA VERAS

Capítulo 8 - A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO


EM DIREITOS HUMANOS ........................................................................................ 115
DAIANE DA LUZ SILVA
RENATA MEIRA VERAS

Capítulo 9 - A FORMAÇÃO DOCENTE: UM DIÁLOGO SOBRE A EDUCAÇÃO


PARA AS RELAÇÕES ETNICORRACIAIS ............................................................. 129
ALDELICE NASCIMENTO SILVA
CLÁUDIO ORLANDO COSTA DO NASCIMENTO
RITA DE CÁSSIA PEREIRA DIAS DE JESUS

Capítulo 10 - O ENSINO DE PSICOLOGIA NA LICENCIATURA EM PEDAGOGIA:


UM ESTUDO DE CASO COM DISCENTES E DOCENTES ................................... 145
RENATA MEIRA VERAS
SAYURI MIRANDA DE ANDRADE KURATANI

Capítulo 11 - COLONIZAÇÃO/DECOLONIZAÇÃO DO CONHECIMENTO:


POLÍTICAS DE SENTIDOS NO CURRÍCULO E NA FORMAÇÃO DOCENTE... 166
CLÁUDIO ORLANDO COSTA DO NASCIMENTO
JESSICA SANTANA BRUNO

Capítulo 12 - PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA-


PIBID: POSSIBILIDADES E CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO INICIAL
DE PROFESSORES ..................................................................................................... 179
FRANCIELE SOARES DOS SANTOS
JANAINA DAMASCO UMBELINO

PARTE 2 - FORMAÇÃO DOCENTE PARA O ENSINO SUPERIOR

Capítulo 13 - OS PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR: QUEM SÃO, O QUE


FAZEM E ONDE SÃO FORMADOS? ....................................................................... 195
GILBERTO TADEU REIS DA SILVA
WILTON NASCIMENTO FIGUEREDO
Capítulo 14 - FORMAÇÃO E IDENTIDADE DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR
...................................................................................................................................... 203
CLÁUDIO ORLANDO COSTA DO NASCIMENTO
MARIGLÓRIA ALMEIDA SANTOS
RITA DE CÁSSIA DIAS PEREIRA ALVES

Capítulo 15 - A FORMAÇÃO DO/A PROFESSOR/A DA EDUCAÇÃO SUPERIOR:


QUESTÕES E DESAFIOS EM BUSCA DE UM PERFIL ......................................... 214
NILCELIO SACRAMENTO DE SOUSA
MÁRCIO RODRIGO VALE CAETANO
MARK CLARK ASSEN DE CARVALHO
MARY RANGEL
VALTEONES DA SILVA RIOS
VICTOR AUGUSTO GIRALDO

Capítulo 16 - CARACTERIZAÇÃO DE COMPONENTES CURRICULARES PARA


FORMAÇÃO DOCENTE NA PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM
EDUCAÇÃO FÍSICA .................................................................................................. 229
GILBERTO TADEU REIS DA SILVA
GUSTAVO MARQUES PORTO CARDOSO
MARCELLE ESTEVES REIS FERREIRA
WILTON NASCIMENTO FIGUEREDO
APRESENTAÇÃO

Os capítulos desse livro refletem os estudos desenvolvidos por grupos de


pesquisadores nacionais e internacionais em torno da temática sobre a Formação Docente.
Em função das variadas vertentes que podem ser empreendidas para analisar esse tema,
buscou-se entender melhor de que maneira os profissionais docentes estão sendo
formados, tanto para o ensino básico quanto para o ensino superior. A ideia, portanto, foi
de construir um corpo de conhecimentos básicos que permitissem elevar as discussões
sobre esse tema.
O capítulo 1 apresenta alguns dados históricos sobre o tema formação docente,
discutindo as principais leis e políticas que fundamentaram a atual conjuntura,
caracterizando o modelo de formação inicial de professores na atualidade. Também é
apresentado, sucintamente, o cenário atual dessa profissão no ensino básico no Brasil.
O capítulo 2 tratou de apresentar a Universidade Aberta do Brasil. Tendo
completado 12 anos desde sua criação, a autora situa o ensino a distância como um
principal meio de democratização do acesso ao ensino superior, aumentando o número de
professores no Brasil. No entanto, apontou como dificuldades os cortes severos nesse tipo
de ensino nos últimos anos.
O capítulo 3 versou sobre a formação do professor de inglês. A partir de uma
perspectiva crítica da pós-modernidade e pós-decolonização, as autoras defendem um
ensino baseado na consciência sócio-política, tendo como objetivo maior aprimorar a
competência comunicativa do aprendiz ancorado na participação social e política da
comunidade a qual faz parte.
Os capítulos 4, 5, 6, 7 e 8 desse livro apresentam resultados de uma pesquisa
ampla financiada pelo edital Universal do CNPq realizada na Universidade Federal da
Bahia. Tendo como principal objetivo analisar a formação docente nos cursos de
licenciatura nesta universidade, seus resultados foram apresentados nos seguintes
capítulos:
O capítulo 4 analisou os motivos de escolha pelos cursos de licenciatura dos
estudantes da Universidade Federal da Bahia como também a expectativa futura de
trabalho ao concluírem o curso. Demonstrou que o motivo mais frequente foi a escolha
pela área de conhecimento e não pela profissão docente. Além disso, os estudantes

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demonstraram interesse em trabalhar em mais de um local ao se graduarem. O interesse
pela pós-graduação também ficou evidente.
O capítulo 5 se debruçou na análise dos estudantes de licenciatura acerca da
formação acadêmica para a docência. Entre outros aspectos, a análise identificou queixas
dos estudantes no tocante à falta de integração entre teoria e prática no modelo formativo
ofertado.
No capítulo 6 foi apresentado um estudo acerca da situação dos estudantes de
licenciatura que cursam o turno noturno. Por ter havido recentemente um aumento do
número de vagas ofertadas de cursos de licenciatura no turno noturno, esse estudo
justifica sua relevância ao apontar as principais queixas dos estudantes acerca do ensino,
da pesquisa e da extensão.
O capítulo 7 é o produto de um intercâmbio realizado na Memorial University of
Newfoundland, Canadá em 2018. A partir de uma metodologia comparativa, os autores
realizaram uma análise das similaridades e diferenças entre o curso de pedagogia da
UFBA e o Bachelor of Education of Primary at Memorial University of Newfoundland.
A formação inicial de professores para Educação em Direitos Humanos foi
apresentada no capítulo 8, ampliando a discussão acerca da obrigatoriedade da elaboração
de propostas educacionais pautadas nos direitos humanos através da Resolução nº
02/2015 do Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação.
O capítulo 9 é resultado de pesquisa que versa sobre a formação de professores
direcionada às questões etnicorraciais. Os autores concluem que nos currículos dos cursos
pesquisados, apesar do progresso das políticas afirmativas, ainda são incipientes
temáticas e discussões voltadas ao combate ao racismo e à promoção da equidade racial
no Brasil.
O Capítulo 10 apresenta a temática do ensino da Psicologia na formação em
Pedagogia. Trata-se de um estudo que envolveu estudantes e docentes do curso de
Pedagogia de uma universidade pública no interior da Bahia.
O capítulo 11 é resultado de uma pesquisa realizada com estudantes cotistas dos
cursos de licenciatura da área de humanidades da Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia. São analisados os processos de formação, baseados na tendência de colonização
do conhecimento, sob a perspectiva da experiência, do diálogo e nas narrativas
emergentes dos sujeitos.

6
As autoras do capítulo 12 discutem o Programa Institucional de Iniciação à
Docência (PIBID) como política indutora da formação inicial de professores para o ensino
básico, destacando as últimas alterações e o Programa Residência Pedagógica.
Na segunda parte do livro encontramos pesquisas que versam sobre a temática da
formação docente no ensino superior, de modo geral, os trabalhos buscam compreender
a questão: Como e a quem cabe a formação do professor do magistério superior?
O capítulo 13 contextualiza os professores universitários na contemporaneidade,
seus vínculos empregatícios, o perfil quantitativo, as competências, funções, as
normativas atuais e algumas reflexões que incitarão a discussão dos próximos capítulos.
A formação e identidade do professor de nível superior são discutidas no capítulo
14. Os autores descrevem a importância da Pedagogia e Didática no ensino superior, e os
enfoques referenciais sobre a formação docente nas universidades.
O capítulo 15 destina-se a analisar aspectos referentes aos desafios e trajetórias da
formação do profissional que exerce à docência na educação superior, aponta e analisa
algumas características no que concerne à formação e ao perfil para o/a professor/a desta
nova era.
Os autores do capítulo 16 realizam uma pesquisa descritiva e exploratória para
caracterizar os componentes curriculares para a formação docente na pós-graduação
stricto sensu na área da Educação Física. Concluem que são poucos os mestrados e
doutorados que ofertam componentes curriculares obrigatórios sobre a formação docente.
Compreendemos que os textos trazidos nessa coletânea são diversificados, trazem
a importância da formação política, científica e sobretudo a competência pedagógica do
docente em nível básico e superior, para o exercício da profissão professor nos cursos de
graduação e pós-graduação.
Por fim, ensejamos que as pesquisas aqui relatadas possam incentivar novos
diálogos e que o exercício da docência possa abranger as diversas direções da educação
brasileira nesse século 21
Boa leitura!
Os organizadores

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PARTE 1

FORMAÇÃO DOCENTE PARA EDUCAÇÃO BÁSICA

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Capítulo 1
A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA:
ASPECTOS HISTÓRICOS E DADOS SOBRE O CENÁRIO ATUAL

Daiane da Luz Silva


Jucilene Dias Maranhão
Renata Meira Veras

1 INTRODUÇÃO

A temática formação de professores tem atraído a atenção dos estudiosos,


ampliando o número de publicações científicas nesse campo. Para Gatti (2014) a chave
do desenvolvimento pleno das capacidades humanas está nos processos educativos.
Portanto, a formação docente torna-se questão central nesses processos.
As licenciaturas são cursos universitários que visam especificamente a
formação acadêmica de professores da educação básica, diferentemente dos bacharelados
que visam formar academicamente para as demais atuações profissionais. Para Flores
(2015), tornar-se professor constitui um processo multidimensional, idiossincrático e
contextual que implica a articulação de diferentes tipos de práticas, desde o currículo até
as motivações individuais.
Para melhor compreender as atuais discussões a respeito da formação de
professores no Brasil, assim como as políticas que regulamentam essa atividade, é
importante apresentar o contexto histórico no qual se desenvolveu a profissão, assim
como as atuais condições da educação brasileira.
Sendo assim, esse capítulo tem como objetivo apresentar reflexões no campo
da formação de professores através da apresentação do histórico das políticas públicas
para a formação docente no Brasil como também o cenário atual da profissão no que tange
a participação desses profissionais no campo da educação e o modelo formativo vigente.

1.1 FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DADOS HISTÓRICOS

Para compreender o cenário atual é preciso conhecer o processo histórico da


educação brasileira e das políticas de formação de professores, uma vez que o histórico
legal e institucional dos cursos formadores de professores permite avaliar a força da

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tradição e de uma visão sobre o modelo formativo que, segundo Gatti (2014), se petrificou
no início do século XX, mostrando dificuldades de inovação.
A história da educação básica brasileira teve início com a colonização. Antes do
período republicano ela pode ser classificada de acordo com as seguintes fases: período
jesuítico (1549-1759), período pombalino (1759-1808) e o período joanino (1808-1822).
No período jesuítico, a educação não era prioridade, mas a metrópole portuguesa enviou
religiosos para realizarem o trabalho missionário e pedagógico, no intuito de converter os
gentios, difundir a crença na religião católica e, principalmente, utilizar a educação
jesuítica como instrumento de dominação, viabilizando a unidade política por meio da
uniformização da fé e da consciência (ARANHA, 1996), portanto, um importante recurso
de colonização. O ensino ficava ao encargo da Companhia de Jesus, ordem religiosa, cujo
ensino era dedicado à classe dominante, mas dentro dos objetivos da ação missionária dos
jesuítas no Novo Mundo, incluía também índios, para servirem aos propósitos da
Companhia. O acesso à educação era excluído dos escravos, da população sem posses e
das mulheres (MARTINS, 2009).
O período jesuítico durou 210 anos, nos quais houve uma ação intensa de
catequese dos índios, uma educação mais ampla para os filhos dos colonos, que se
estendia além da escola elementar de ler e escrever, a formação de novos sacerdotes e da
elite intelectual (ARANHA, 1996). Foi dividido em duas fases: O período heroico e o
Ratio Studiorum. No período heroico prevaleceu o plano de instrução elaborado pelo
sacerdote jesuíta português Manoel da Nóbrega, basicamente era dedicado ao ensino do
português (para os indígenas), à doutrina cristã, ao canto orfeônico e à música
instrumental, culminando, de um lado, com o aprendizado agrícola e de outro com a
gramática latina para aqueles que realizariam estudos superiores na Universidade de
Coimbra (MARTINS, 2009). O período do Ratio Studiorum (misto de código, programa
e lei orgânica aplicados nos colégios e universidades jesuíticas) foi marcado pelo ideal
pedagógico universalista e elitista: universalista, porque se tratava de um plano adotado
por todos os jesuítas, qualquer que fosse o lugar onde estivessem e elitista, porque se
destinou aos filhos dos colonos e excluiu os indígenas. Predominou até a expulsão dos
jesuítas pelo Marquês de Pombal, dois séculos depois (MARTINS, 2009). Os jesuítas
foram os primeiros responsáveis por formar professores e instruir pessoas (ARANHA,
1996).
O período pombalino foi instituído em 1759 pelo Estado Lusitano, com a criação
do sistema de ensino laico, que se contrapôs ao curso humanístico jesuíta, através de

10
Aulas Régias de disciplinas isoladas (ARANHA, 1996). As Aulas Régias são as origens
do ensino fundamental tal como ele é compreendido hoje (MARTINS, 2009). A principal
característica deste período era a oposição às ideias religiosas e a inserção dos ideais
portugueses no contexto do Iluminismo, pois buscavam através da educação, conformar
a ordem política, adequando cada um ao lugar que lhe fora reservado por sua origem de
classe (MARTINS, 2009). Porém, no Brasil, a reconstrução do ensino foi retomada
somente 1772 com a implantação do ensino público oficial e, por consequência, a
nomeação de professores pela coroa portuguesa (ARANHA, 1996). Para tanto, foi
elaborado um plano com a indicação das cidades, dos tipos de aula e do número de
professores necessários. Para o pagamento desses professores, o governo instituiu um
imposto, posteriormente denominado de subsídio literário (ARANHA, 1996).
No período pombalino implantaram duas reformas no sistema educacional que
não se efetivaram por inúmeras razões, entre elas: a escassez de mestres em condições de
imprimir a orientação às Aulas Régias (MARTINS, 2009), a falta de formação de mestres,
que gerou inúmeras queixas quanto à incompetência dos mestres leigos e mal pagos
(ARANHA, 1996), a insuficiência de recursos para comprar livros, o isolamento cultural
da Colônia motivado pelo temor de que, através do ensino, se difundissem no Brasil ideias
emancipacionistas (MARTINS, 2009). O ofício de mestre era comumente exercido por
profissionais liberais ou autodidatas, já que não havia escolas ou universidade para a
formação destes profissionais para a docência (AZEVEDO, 1944). Em suma, desde os
primórdios a educação básica e pública brasileira, por não ser prioridade para a Metrópole
Portuguesa, não foi implantada para atender aos ideais de eficácia e de qualidade para
toda a população, e isso se reflete na falta de políticas públicas para a formação e
capacitação de professores. Esse foi um dos fatores, que para Martins (2009) incentivou
a instituição de associações voltadas para a promoção da instrução e proliferação do
ensino particular, bem como, o cerceamento da emancipação intelectual.
O período joanino teve início com a vinda da família real para o Brasil em
1808. Contudo, a prioridade da família real foi a implantação do ensino superior em
detrimento do ensino fundamental (MARTINS, 2009). As medidas tomadas em relação
ao ensino básico foram desastrosas, de acordo com Aranha (1996) ao promover a
descentralização, delegando o ensino secundário e elementar às províncias.
Durante a vigência da primeira Carta Constitucional Brasileira (1834), foi
difundido o método lancasteriano ou monitorial/mútuo nas escolas primárias, em
decorrência da Lei das Escolas de Primeiras Letras (1827), que pode ser considerada a

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primeira LDB (MARTINS, 2009). No método monitorial a responsabilidade era dividida
entre professor e monitores, realizando todos os trabalhos com todos os alunos ao mesmo
tempo (MARTINS, 2009). Desta Lei destaca-se o descaso com a formação docente. Em
seu art. 5º está expresso, que os professores que não tivessem a instrução necessária para
aplicar o método monitorial deveriam instruir-se às próprias custas nas escolas das
capitais, deixando evidente que não havia investimento público destinado à formação
deles (BRASIL, 1827). De acordo com Martins (2009) este método enfrentou as mesmas
dificuldades do período pombalino e, mais uma vez, a função docente foi desvalorizada.
Além disso, o sistema de tributação precário inviabilizava a construção de escolas,
capacitação e remuneração decentes de professores, resultando em uma má qualidade de
ensino e professores despreparados e, por necessidade, dedicados a outras atividades ao
mesmo tempo (ARANHA, 1996). Desde os primórdios que, os programas de formação
de professores são destinados aos interesses do Estado, cuja função social é sustentar e
legitimar o status quo (GIROUX, 1997).
Na tentativa de melhorar esse quadro, fundaram as primeiras escolas de
formação de mestres, denominadas Escolas Normais. A primeira em Niterói (1835),
seguida da Bahia (1836), do Ceará (1845), mas que logo fecharam, a de São Paulo (1846)
e a do Rio de Janeiro (1880), que funcionavam de forma rudimentar, a exemplo da
paulista que foi fundada com apenas um professor formador, chegou a ofertar um curso
a nível secundário, com duração de dois anos, mas fechou em 1877, para reabrir em 1880
com um curso mais completo com duração de 3 anos (AZEVEDO, 1944).
Outras escolas foram abertas, fechadas e reabertas periodicamente, com
existências intermitentes (BORGES; AQUINO; PUENTES, 2011). O ensino nas Escolas
Normais era precário e irregular, distante das questões teóricas, técnicas e metodológicas
centrais e relevantes para a atuação docente (ARANHA, 1996). Por sua precariedade,
eram poucas vagas, inicialmente dedicadas ao público masculino, já que à época não
havia preocupação com educação feminina, posteriormente, mais precisamente no final
do século XIX, o público dessas escolas passou a ser predominantemente composto por
mulheres (ARANHA, 1996). Os progressos em relação às escolas normais somente
iniciaram depois de 1889, por decorrência dos ideais republicanos (AZEVEDO, 1944).
Nesse contexto surgiu a Primeira Constituição Republicana (1891), porém ela não
garantiu a proteção ao direito de acesso ao ensino e descentralizou o ensino primário, cuja
competência passou para os estados e, o ensino superior e secundário, ficaram ao encargo
da União, persistindo o sistema dual de ensino (ARANHA, 1996).

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Em 1892, ocorreu a primeira reforma de ensino primário e normal, que para
Azevedo (1944), foi a fase mais brilhante da história da formação de professores
primários. Com essa reforma, criaram três escolas normais, escolas complementares e
ginásios, também, inauguraram a Escola Normal de São Paulo, cuja oferta de curso tinha
a duração de quatro anos e foi inspirado pelas ideias e técnicas pedagógicas norte-
americanas, que perdurou até o início do século XX. Esse período foi denominado de
“Estabelecimento e expansão do padrão das Escolas Normais”, compreendeu os anos de
1892 até 1932, cujo marco inicial foi a Escola Normal paulista, tendo como anexo escolas
modelos (BORGES; AQUINO; PUENTES, 2011), nas quais haviam aulas práticas e
experimentação de modelos pedagógicos (AZEVEDO, 1944).
A partir da primeira década do século XX, o caráter reformador da Escola
Normal foi enfraquecendo, dando espaço para a ênfase no domínio dos conhecimentos a
serem transmitidos. Porém, uma nova era para as escolas de preparação de professores
iniciou com a Organização dos Institutos de Educação (1932-1939), que caracterizou
pelas reformas implantadas por Anísio Teixeira em 1932, no Distrito Federal e Fernando
Azevedo em 1933, em São Paulo, intelectuais do denominado movimento Escola Nova,
cujos ideais eram pautados pelo pensamento liberal de democracia e defesa da educação
pública, de qualidade e universal. Tais Institutos passaram a ter nível universitário, sendo
o paulista incorporado à Universidade de São Paulo e o carioca à Universidade do Distrito
Federal. (BORGES; AQUINO; PUENTES, 2011). De acordo com Aranha (1996), os
primeiros professores licenciados para o ensino secundário foram diplomados em 1937.
Os ideais escolanovistas surgiram após a Primeira Guerra Mundial e teve como legado
reformas pedagógicas implementadas por seus intelectuais em vários estados brasileiros:
Lourenço Filho, em 1923, no Ceará; Anísio Teixeira, em 1925, na Bahia; Francisco
Campos e Mário Casassanta em 1927, no estado de Minas Gerais; Fernando de Azevedo,
em 1928, no Distrito Federal e Carneiro Leão, em 1928, no estado de Pernambuco
(ARANHA, 1996).
A aplicação do ideário escolanovista, não se efetivou, devido às condições no
interior da escola para viabilizá-la, tais como professores despreparados, falta de recursos
didático-pedagógicos e os embates com a prática pedagógica tradicional (BORGES;
AQUINO; PUENTES, 2011).
Após a criação desses Institutos, foi promulgada a Constituição de 1934,
influenciada pela Constituição de Weimar, com avanços significativos aos direitos
sociais, entre eles a educação como um direito de todos, a ser ministrado pela família e

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pelos Poderes Públicos, também, impôs políticas de promoção de acesso ao ensino e ao
combate ao analfabetismo, instituindo tributos para a manutenção do ensino público e
compreendendo o ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória extensivo
aos adultos (BRASIL, 1934).
Contudo, seus efeitos foram cessados com a promulgação da Constituição de
1937. Conhecida como a Constituição Polaca, restringiu inúmeros avanços referentes aos
direitos fundamentais e aos direitos de acesso ao ensino positivados na Constituição de
1934. Retirou a vinculação de receitas para a educação, não estabeleceu imunidade de
tributos para as instituições educacionais, colocou o Estado como subsidiário da família
e do segmento privado na oferta da educação, o ensino primário apesar de gratuito, passou
a ter o dever dos menos para com os mais necessitados, fator em que passou também a
exigir uma contribuição módica para o caixa escolar, por ocasião da matrícula, aos que
não pudessem alegar escassez de recursos, estabeleceu como primeiro dever dos pais a
educação da prole, colaborando com o Estado de forma principal ou subsidiária. Nesse
ínterim, o ensino fundamental foi utilizado com a finalidade de preparar cidadãos para a
ditadura, por meio de uma formação ideologicamente política, com destaque ao culto ao
exercício físico inspirado na eugenia nazista e o acentuado privilégio à exploração da
educação pela iniciativa privada, colocando o Estado como agente suplementar, no que
tange à supressão das deficiências no ensino (MARTINS, 2009).
Na vigência desta Constituição, foi fundada, por meio do Decreto 1.190/1939,
a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil e os cursos que habilitavam
para o exercício da docência no ensino secundário (BRASIL, 1939). Para tanto, foi
adotado o modelo “3+1” (GATTI; BARRETO, 2009). Este modelo se caracteriza pelo
tempo de duração dos cursos, ou seja, foram instituídos os bacharelados com duração de
3 anos e um curso de didática com duração de 1 ano, para aqueles que ao término do
bacharelado quisesse a habilitação para lecionar, conforme previsto no artigo 49 do
Decreto-Lei supracitado: “Ao bacharel [...], que concluir regularmente o curso de didática
[...] será conferido o diploma de licenciado no grupo de disciplinas que formarem o seu
curso de bacharelado” (BRASIL, 1939). Cabe destacar-se que o acesso ao ensino superior
não era gratuito, pois eram cobradas taxas de inscrição, matrícula e frequência nos cursos.
Durante o regime getuliano, ocorreram várias reformas no ensino, entre 1942 e
1945, denominadas de Leis Orgânicas do Ensino. A ideologia política de ressaltar o
patriotismo e nacionalismo fascista foi acentuado por essas reformas. Foi também, um

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período marcado pela expansão do ensino técnico industrial, culminando com a
instituição do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI (ARANHA, 1996).
Em 1946, uma nova Constituição foi publicada e refletiu o processo de
redemocratização do país após o regime ditatorial (ARANHA, 1996). Esta Constituição
retomou os inúmeros direitos previstos na Constituição de 1934, quanto ao acesso ao
ensino fundamental e trouxe algumas novidades, entre elas, a imunidade aos impostos
para as instituições de educação que aplicassem integralmente suas rendas no país; a
obrigação das empresas com mais de 100 trabalhadores de manter o ensino primário
gratuito aos trabalhadores e filhos destes; retomou o percentual da receita da União
(10%), dos Estados e Municípios (20%) para a educação; deu autonomia aos Estados e
Municípios para organizar seus sistemas de ensino e criar fundos para a
educação. (BRASIL, 1946). Nesse período também foi apresentado o primeiro
anteprojeto de lei da primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que por atritos políticos
só foi publicada em 1961, com conteúdo ultrapassado e refletindo os interesses das classes
dominantes no poder (ARANHA, 1996).
Na Constituição posterior, publicada em 1967, houve poucos avanços no quesito
educação. Destaca-se dela o ensino obrigatório para todos e gratuito dos sete aos quatorze
anos, que anteriormente era destinado apenas para o ensino primário e o reconhecimento
da educação como direito universal (BRASIL, 1967a). Neste ano também foi instituída a
Lei 5.379, conhecida como a Lei do MOBRAL, dedicada a implementar a alfabetização
de jovens e adultos (BRASIL, 1967b). Para tanto, se apropriaram das teorias de
alfabetização do educador Paulo Freire, esvaziando-se o conteúdo ideológico que fora
considerado subversivo, no que resultou em baixo rendimento, com formação de
analfabetos funcionais (ARANHA, 1996).
Dez anos após a publicação da LDB de 1961, durante o governo Médici,
foram fixadas as diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, reformulando o sistema
educacional básico vigente à época, por meio da Lei 5. 962/1971. Conforme o art. 7º,
parágrafo único, desta lei, estas diretrizes tornaram obrigatória a inclusão de Educação
Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos currículos
do ensino básico e mantiveram facultativo o ensino religioso (BRASIl, 1971). As
alterações curriculares extinguiram a Filosofia no 2º grau e, no 1º grau, fundiu História e
Geografia em Estudos Sociais. Além disso, em seu art.20, permaneceu obrigatório e
gratuito o ensino de 1º grau, dos 7 aos 14 anos (BRASIl, 1971), integrou o ensino primário

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ao ginásio, excluindo-se os exames de admissão para este último e o ensino secundário
ao técnico, criando as escolas profissionalizantes de ensino médio (BRASIL, 1971).
Essas diretrizes também recomendaram a aglutinação do ensino técnico ao
médio para todos e impôs uma estruturação de carreira para o magistério de 1º e 2º graus,
exigindo como requisito mínimo para o exercício do magistério no ensino de 1º grau
primário, a formação de 2º grau e para a segunda etapa do ensino fundamental, formação
a nível de graduação em licenciatura, obtida em curso de curta duração. Para o exercício
do magistério no 2º grau, formação a nível de graduação em licenciatura plena. Com isso,
foi possibilitado aos professores, com apenas formação em 2º grau, lecionar na 5ª e 6ª
séries do ensino de 1º grau, se a sua habilitação fosse obtida em quatro séries ou, quando
em três, mediante estudos adicionais correspondentes a um ano letivo que incluiria,
formação pedagógica. Para os professores com licenciatura de curta duração, o art. 30
desta lei, permitiria lecionar nos dois primeiros anos do ensino de 2º grau, mediante
estudos adicionais correspondentes no mínimo a um ano letivo. (BRASIL, 1971).
Na prática, a profissionalização em nível técnico tornou-se ineficaz devido a
falta de professores especializados e escolas sem infraestrutura, que resultou na formação
de profissionais sem a devida preparação para atuarem no mercado de trabalho. Quanto à
obrigatoriedade em oito anos, não foram destinados recursos materiais e profissionais
capazes de atender a demanda, fatores que deixaram o país aquém em relação aos países
desenvolvidos. Na década de 80, já se reconhecia no cenário educacional o fracasso da
LDB de 1961, esse fator levou a publicação da Lei n. 7.044/82 que dispensou as escolas
da obrigatoriedade de profissionalização, sendo retomada a formação geral (ARANHA,
1996). Quanto à formação docente, houve, mais uma vez, falta de critérios e descasos que
resultaram na desativação das Escolas Normais, dando lugar a Habilitação em Magistério.
Outra situação esdrúxula, não justificável, mas compreensível, em consideração a falta
de pessoal para dar conta da demanda, à época, são os dispositivos descrito no artigo. 77
desta lei. Neles, permitia-se que nas localidades com carência de professores legalmente
habilitados na forma do art. 30, os diplomados com formação em magistério de 4 anos do
ensino médio lecionassem até a 8ª série, os que cursaram até a 3ª série do magistério
lecionassem até a 6ª série e, no ensino médio, poderiam lecionar os licenciados com
habilitação somente para o 1º grau. Contudo, se assim ainda não persistisse a falta de
candidatos para suprir a demanda, poderiam lecionar até a 6ª série, àqueles que tivessem
concluído a 8ª série; lecionar até a 5ª série, os candidatos habilitados em exames de
capacitação regulados, pelos Conselhos de Educação, e nas demais séries do ensino de 1º

16
grau e no de 2º grau, os habilitados pelo Conselho Federal, em ambos os casos, a lei não
previa escolaridade mínima (BRASIL, 1971).
Em 1986, o Conselho Federal de Educação, por meio do Parecer n. 161,
reformula o curso de Pedagogia, que era especificamente bacharelado, e inclui a
possibilidade de oferecer, também, formação para a docência de 1ª a 4ª séries do ensino
fundamental, o que algumas instituições já vinham fazendo experimentalmente (GATTI,
2010).
Os avanços significativos no que tange à garantia do direito de acesso ao
ensino básico só foram alcançados com a publicação da Constituição de 1988 (CF/88).
Marco da redemocratização do país, após a ditadura, a CF/88 foi denominada de
constituição cidadã devido a disposição de artigos com tutela aos direitos sociais. No que
diz respeito à educação, é definida como um direito social, com cerca de trinta
dispositivos, a maior previsão constitucional até então publicada, que individualizam a
Educação como bem jurídico e lhe atribuem papel fundamental no desenvolvimento
nacional (RANIERI, 2003). A Constituição, em seu art. 208 e incisos, dispõe de uma série
de deveres do Estado, que constituem um avanço em relação às normas anteriores, entre
elas: a ampliação da obrigatoriedade e gratuidade do ensino básico, dos 4 aos 17 anos de
idade; a progressiva universalização do Ensino médio (BRASIL, 1988), sob a égide da
equidade, dentre outros princípios que orientam a atividade educacional (RANIERI,
2003); atendimento educacional especializados para pessoas com deficiência; educação
infantil para crianças de até 5 anos de idade; oferta de ensino noturno regular; assistência
estudantil, no intuito de suprir as necessidades básicas dos mais carentes; acesso aos
níveis mais elevados de ensino; responsabilização do Poder Público em decorrência da
não oferta da educação básica pública; aplicação de 18% da receita de imposto para a
manutenção e desenvolvimento do ensino, pela União e 25% pelos estados, Distrito
Federal e municípios (BRASIL, 1988).
Este dever estatal está expresso também na LDB publicada em 1996 e em
vigência até os dias atuais. De acordo com Ranieri (2003), para o indivíduo a LDB de
1996 é compulsória, entretanto, para o estado ela é encargos e competências materiais e
legislativas, cabendo à família, os deveres de assistência e solidariedade. A função
cultural da escola também é um dever e o ensino formal também é um serviço, de natureza
pública, não privativa do Estado. Ao ser ofertada pelo Estado, está sob o regime de Direito
público, mas quando ofertada por particulares, está sob o regime de Direito privado, com

17
derrogação parcial deste regime, sendo que, na iniciativa privada há o controle e a
autorização estatal (RANIERI, 2003).
A atual Lei n. 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), publicada em 1996, incursionou mudanças para as instituições formadoras e para
os cursos de formação dos profissionais da educação. Em seu art.62, a LDB/1996 definiu
como exigência mínima para o exercício do magistério a formação em licenciatura plena,
em nível superior, exceto para a primeira etapa do ensino fundamental, mantendo a
exigência mínima em formação específica (magistério) de nível médio. Segundo Ranieri
(2003), ela assinalou um novo marco de organização, oferecimento e controle das
atividades públicas e privadas na área da Educação, ao ampliar o grau de atuação
autônoma dos sistemas e das instituições de ensino, mas pautada no controle de
resultados.
No ano seguinte à publicação da LDB de 1996, o Ministério da Educação
publicou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), documento orientador da atuação
docente, no que se refere aos conteúdos e práticas pedagógicas. Os PCN foram elaborados
por etapa: Educação infantil; 1ª a 4ª série; 5ª a 8ª série e Ensino Médio.
Motivados pelos debates e demandas sociais acerca da formação de
professores e dos princípios e normas positivadas na CF/88 e na LDB/96, a partir dos
anos 2000, o Conselho Nacional de Educação (CNE) elaborou vários pareceres e
diretrizes curriculares, que regulamentaram os cursos de graduação e com eles a formação
de professores. Entre esses pareceres, cabe destacar a Resolução n. 01/2002 (institui
princípios, concepções, formas de organização curricular, orientações para a elaboração
dos projetos pedagógicos de curso, entre outros), e a Resolução n. 02/2002 do CNE
(institui a duração e carga horária das licenciaturas), que contém as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do
Magistério para a Educação Básica. A partir de então, as licenciaturas deveriam se
adequar para ofertar cursos com, no mínimo, 2.800 (duas mil e oitocentas) horas. Destas,
400 (quatrocentas) horas de prática pedagógica, 400 (quatrocentas) horas de estágio,
1.800 (mil e oitocentas) horas de aulas para os conteúdos curriculares de natureza
científico-cultural e 200 (duzentas) horas de atividades acadêmico-científico-culturais
(BRASIL, 2002).
Os avanços foram significativos se considerar a forma ineficaz e desordenada
como estava centrada a formação de professores no país, porém, Gatti (2010) analisa que
nas licenciaturas permanece a prevalência da formação com foco na área disciplinar

18
específica, com pequeno espaço para a formação pedagógica que, segundo ela, na prática,
é o mesmo modelo do início do século XX.
Para o curso de Pedagogia, o CNE elaborou diretrizes específicas em 2006,
determinando o mínimo de 3.200 horas e, destas, são 2.800 horas dedicadas às atividades
formativas; 300 horas dedicadas ao Estágio Supervisionado, prioritariamente, em
Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental; 100 horas de atividades
teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos alunos
(BRASIL, 2006). Nota-se que para este curso o CNE escolheu reduzir o tempo de prática
pedagógica e de estágio supervisionado, em relação à regulamentação prevista na
Resolução 02/2002. Gatti (2010), também aponta como um problema nesta formação a
dispersão disciplinar que se impõe em função do tempo de duração do curso e sua carga
horária. Assim, a formação permanece aquém do que é desejável, pois permanece o
caráter curricular fragmentado entre as áreas disciplinares e níveis de ensino. A autora
atrela a esse fato a falta que há nas instituições de ensino superior de uma base comum
de formação pedagógica, tal qual há em países mais desenvolvidos (GATTI, 2010).
Nas mudanças que envolvem as licenciaturas nas últimas duas décadas,
incluem-se os programas de fomento à iniciação à docência, previstos na LDB/96. Por
meio da Portaria nº. 38, de 12 de dezembro de 2007 e, mais tarde do Decreto nº.
7.219/2010, o Ministério da Educação instituiu o PIBID, programa que fomenta a parceria
entre as Instituições de Ensino Superior (IES) formadoras de profissionais da educação e
a escola pública que oferta educação básica (BRASIL, 2010). O PIBID tem como um dos
princípios o incentivo à formação de docentes em nível superior para a educação básica.
Em 2017, o programa passou por reformulações, sendo as atividades restringidas para a
primeira metade da formação em licenciatura, cedendo espaço, nos últimos anos da
graduação, para outro programa de fomento à formação, denominado de Residência
Pedagógica. Porém, estes programas não são de caráter obrigatório e por ter recursos
escassos não atendem a todos os estudantes em curso.
As últimas e maiores reformulações nas diretrizes que regem a formação de
professores no país foram publicadas em duas Resoluções em 2015, pelo CNE: a
Resolução CNE/CP n. 02/2015 que instituiu as diretrizes para a formação inicial e
continuada e de profissionais do magistério para a educação básica (BRASIL, 2015) e
Resolução CNE/CP n. 01/2015, que instituiu as diretrizes para a formação de professores
indígenas. Essas normas refletem, também, as propostas previstas no Plano Nacional de

19
Educação, Lei nº 13.005/2014, que segundo Dourado (2015) inauguraram uma nova fase
para as políticas educacionais brasileiras.
No que se refere à Resolução CNE/CP n. 02/2015, ela uniformizou a
organização de todos os cursos de licenciatura plena. A carga horária total que era de
2.800 horas para as licenciaturas de professores especialistas, passou a ter o mínimo de:
3.200 (três mil e duzentas) horas no total de carga horária, com duração de, no mínimo,
8 (oito) semestres ou 4 (quatro) anos, e compreendem: 400 (quatrocentas) horas de prática
pedagógica (não se confundido com as práticas técnico-científicas), distribuídas ao longo
do processo formativo; 400 (quatrocentas) horas de estágio supervisionado, na área de
formação e atuação na educação básica, e outras áreas específicas, ao menos 2.200 (duas
mil e duzentas) horas dedicadas às atividades formativas e 200 (duzentas) horas de
atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos
estudantes, por meio da iniciação científica, da iniciação à docência, da extensão e da
monitoria, e outras definidas pela instituição.
Dourado (2015) afirma que as diretrizes buscam contribuir com a melhoria
da formação inicial e continuadas dos professores ao tempo em que sinalizam a
preocupação com a valorização do profissional do magistério.
A Resolução CNE/CP nº. 02/2015 é uma norma diretiva, um caminho a ser
traçado para a formação de professores, mas não é um instrumento capaz de corrigir todos
os problemas históricos anteriormente citados. Para tanto, Silva (2017) diz que é preciso
a implementação de políticas nacionais com investimentos efetivos que contemplem toda
as nuances da formação de docentes para a educação básica, em função não só da
abrangência quanto da complexidade da educação, entre elas, instituir o Sistema Nacional
de Educação e garantir o cumprimento da meta do PIB de 10%, previsto no PNE para a
Educação.

1.2 O CENÁRIO DA PROFISSÃO NO ENSINO BÁSICO

Atualmente, a educação básica está compreendida pelas etapas da educação


infantil, do ensino fundamental e do ensino médio e, de acordo com a Lei 9.394 de 1996,
que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em seus artigos 29, 32 e 35,
ficam estabelecidos os objetivos de cada etapa da educação básica.
A primeira etapa, a educação infantil (art. 29 da LDB/1996), tem por
finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos

20
físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da
comunidade (BRASIL, 1996).
A segunda, ensino fundamental (artigo 32 da LDB/1996), tem como objetivo
a formação básica do cidadão, mediante o desenvolvimento da capacidade de aprender,
tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo (Art. 32,
inciso I), a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia,
das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade (Art. 32, inciso II), o
desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de
conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores (Art. 32, inciso III) e o
fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância
recíproca em que se assenta a vida social (Art. 32, inciso IV).
Quanto à terceira etapa, o ensino médio, suas finalidades são: a consolidação
e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando
o prosseguimento de estudos (Art. 35, inciso I), a preparação básica para o trabalho e a
cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar
com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores (Art.
35, inciso II), o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação
ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico (Art. 35,
inciso III) e a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (Art. 35,
inciso IV).
Em seus incisos, estimula-se na LDB que a educação básica deva perder seu
caráter primordialmente propedêutico para assumir uma visão mais rica de aprendizagem
e desenvolvimento dos educandos. Na fase de desenvolvimento, cada idade tem
importância como fases de constituição de sujeitos, de vivências e socialização, de
processos de construção de valores e identidades.
Nesse sentido, para assumir a tarefa de coordenar processos de
desenvolvimento e aprendizagem de forma complexa, exige profissionais com formação
superior e de qualidade. É com base nessa compreensão que a partir da publicação dessa
lei, os professores da educação básica devem obter diploma de nível superior para o
exercício da sua profissão (BRASIL, 1996). Contudo, para lecionar na educação infantil
e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a formação mínima exigida é a nível
médio, na modalidade normal (BRASIL, 1996, art. 62).

21
Considerando a complexidade do processo educacional, é notório que as políticas
de formação de professores no Brasil está aquém do desejável para se alcançar a educação
de qualidade. Giroux (1997) aponta que a atividade docente é uma atividade intelectual e
que é preciso “encarar os professores como intelectuais transformadores”, por sua crucial
importância na formação de cidadãos ativos e críticos. Para tanto, subjaz repensar e
reestruturar a natureza da atividade docente, no sentido de considerar os/as docentes como
homens e mulheres livres, cuja dedicação laboral é especialmente voltada aos “valores do
intelecto e ao fomento da capacidade crítica dos jovens”. (GIROUX, 1997, p.161). Giroux
(1997, p. 196) ainda afirma que, “as instituições de formação de professores precisam ser
reconcebidas como esferas públicas”, pois precisam ser providas de consciência social e
desenvolver programas centrados na preparação dos futuros professores, como
intelectuais transformadores e capazes de afirmar e praticar o discurso da liberdade e da
democracia.
Dados recentes do último Censo Escolar (INEP, 2018) indicam que
atualmente no Brasil há 2,5 milhões de profissionais da educação em exercício no
magistério (Gráfico 1). Destes, cerca de 56%, está atuando no Ensino fundamental e os
44% restantes estão trabalhando com a Educação infantil (24%) ou Ensino médio (21%).
Neste estudo, a distribuição de professores atuando no país é de: 41% na Região Sudeste,
28% na Região Nordeste, 15% na Região Sul, 9% na Região Norte e 7% na Região
Centro-Oeste. A maior parte trabalha na zona urbana (85%). Cerca de 48% estão
vinculados à esfera municipal e pouco mais de 54% são concursados, com vínculo estável.
São majoritariamente mulheres (79,9%) e a maioria (homens e mulheres) com idade entre
30 e 49 anos.

Fonte: INEP/MEC, 2018. Gráfico elaborado pelas autoras.

22
O mesmo Censo apresenta um panorama do nível de escolaridade desses docentes
(Gráfico 2). A partir da análise destes dados é possível observar que, do total de docentes
em atividade, apenas 68,24% possui licenciatura e ainda há 2,8% (mais de 70 mil
docentes) sem essa formação. No que tange aos estudos de pós-graduação, há uma
expressiva parcela com Especialização (31%), porém, na modalidade stricto sensu,
apenas uma pequena parcela obteve o título de Mestre/a (2,33%) ou Doutor/a (0,45%).

Fonte: INEP/MEC, 2018. Gráfico elaborado pelas autoras.

A respeito da formação de professores, o INEP (2018) apresenta um decréscimo


de 6,4% para os cursos de licenciatura entre 2014 e 2016, enquanto nos cursos de
bacharelado e tecnológico houve um crescimento correspondente a 8,5% e 6,5%. Na
modalidade a distância houve um crescimento para os três graus acadêmicos:
bacharelado, 33,4%, tecnológico, 27,5%, e licenciatura, 11,4%. Na modalidade
presencial, por sua vez, destaca-se a queda de 7,8% no número de cursos de licenciatura
no período. Assim como observado em 2015 (INEP, 2018), a diminuição do total de
cursos presenciais de licenciatura responde pela queda verificada na licenciatura como
um todo.
Por outro lado, em relação aos cursos ofertados nas instituições de ensino superior,
em números totais, predomina a área de Ciências Sociais, Negócios e Direito (10.197
cursos de graduação, ou 29,7% do total), seguida da área de Educação (7.378 cursos de
graduação, ou 21,5% do total). Tomando-se as categorias pública e privada em separado,
tem-se que: na categoria pública, a área predominante é Educação (3.941 cursos de
graduação, ou 37,4% dos cursos públicos), seguida de Ciências Sociais, Negócios e
Direito (1.609 cursos de graduação, ou 15,3% dos cursos públicos); ao passo que, na
categoria privada, predomina a área de Ciências Sociais, Negócios e Direito (8.588 cursos

23
de graduação, ou 36,0% dos cursos privados), seguida de Engenharia, Produção e
Construção (3.805 cursos de graduação, ou 16,0% dos cursos privados) (INEP, 2018).
A respeito dos egressos em 2016, mantém-se a participação majoritária do
bacharelado (61,2%), seguido da licenciatura (20,4%) e, finalmente, do tecnológico
(18,4%). Especificamente para a modalidade presencial, a participação dos concluintes
segue ordenação similar segundo o grau acadêmico: bacharelado (69,9%), licenciatura
(15,9%) e tecnológico (14,2%). Diferentemente e na direção das matrículas, na
modalidade a distância, a licenciatura é o grau acadêmico com maior participação
(38,9%), seguido do tecnológico (35,3%) e, finalmente, do bacharelado (25,8%) (INEP,
2018).
Assim, verifica-se que existe uma tendência a se ofertar os cursos de licenciatura
na modalidade à distância e pelas instituições privadas. Diniz-Pereira (2015) indica vários
problemas a serem enfrentados pelo fato de que os cursos de licenciatura na atualidade
estejam sendo ofertados pelas instituições privadas de ensino superior na modalidade à
distância. Para esse autor, as instituições privadas de ensino superior têm lógicas de
funcionamento diferentes das universidades públicas. Para este autor, essas instituições
estão fundamentadas no discurso da sustentabilidade financeira, enxergando o estudante
não como um cidadão, mas sim como um cliente. Ademais, a educação a distância garante
lucros ainda maiores para os ‘empresários da educação’, como afirma Diniz-Pereira
(2015). Esse tipo de formação contribui, dentre outros fatores, para a desvalorização e
desprestígio da profissão de magistério hoje no Brasil, uma vez que a maior parte dos
professores são formados em um ambiente hostil onde os interesses financeiros
sobressaem aos pedagógicos.

2 À GUISA DE CONCLUSÃO...

A partir dos aspectos históricos e normativos da formação inicial de professores


da educação básica brasileira, bem como os dados quantitativos que refletem o cenário
atual, pode-se observar que prevalece ainda uma formação centrada num modelo
disciplinar, tal como era no início do século XX.
Historicamente, os cursos de licenciaturas não tinham uma base curricular
comum, mas houve um esforço de equalizá-los por meio da Resolução CNE/CP nº.
02/2015 que ainda não atingiu tal objetivo em sua totalidade. Nesse sentido, percebe-se
que ao invés de currículos disciplinares e fragmentados, seria a interdisciplinaridade que

24
poderia trazer alternativas de solução para a complexidade de fatores sociais e políticos
que se revelam na formação de professores desde o início do século XX e que se enfrenta
desde a época de colônia.
A educação colonizadora nunca deixou de existir completamente, mas convive
com a luta dos resilientes que sonham com uma educação libertadora, que rompa com
todas as amarras deixadas pelas oligarquias coloniais, pois se na época da colônia havia
um formalismo pedagógico que se contrapunha à realidade dos educandos, marcada pelo
ensino livresco, se ensinando à classe dominante a ser dirigente política e às classes
dominadas a obedecê-la e se preparar para o trabalho. Na atualidade, se vê que é desse
modelo que nasceram os principais fundamentos para os baixos índices da qualidade
educacional e as dificuldades para melhorá-los.
Alguns elementos desses antigos parâmetros de educação são ainda observados
no modelo atual através do ensino tradicional, com ênfase na transmissão de conteúdos e
quando a LDB/1996 não estabelece limites à presença do ensino religioso nas escolas
públicas. Recentemente, em 2017, o Supremo Tribunal Federal também considerou que
o ensino religioso não fere a laicidade do estado, reforçando a prática de muitas escolas
que difundem a fé cristã em detrimento das outras fés. Inclusive o governo bolsonarista
tem o apoio da bancada evangélica e nomeou como Ministra dos Direitos Humanos uma
pastora que apesar de afirmar que o estado é laico, o Brasil conta com uma ministra cristã.
Assim, percebe-se que o conteúdo religioso é de natureza privada, mas financiado
com recursos públicos. Nesse cenário, abre-se espaço para um recuo, pois enquanto
faltam professores para lecionar as disciplinas básicas e obrigatórias da formação cidadã,
o estado se preocupa em remunerar professor para lecionar na área do ensino religioso,
quando isto já acontece dentro das entidades religiosas, em centros e organizações
privadas e em outros espaços apropriados.
Com essas aberturas para o declínio da educação, movimentos que levantam a
bandeira dos retrocessos se sentem encorajados, como o que ocorre no movimento do
Projeto Escola sem Partido que, veementemente, defende a retirada dos conhecimentos
críticos, artísticos, políticos, filosóficos, históricos e sociológicos da educação brasileira,
escancarando o objetivo de retomar e manter a educação colonizadora, porém com uma
nova roupagem. Em certa medida, os defensores desse projeto sentiram que parte de seus
objetivos foram atingidos quando foi sancionada a Lei n.13.415/2017, que reformou o
currículo do Ensino Médio e desobrigou a efetivação de um currículo com conteúdo de
disciplinas como filosofia, sociologia, história, artes e geografia e passou a permitir que

25
outros profissionais, que não possuem licenciatura, ministrem aulas nas áreas de
formação técnica e profissional.
Observa-se ainda que há uma inclinação ao retorno de outras questões que
dificultam o avanço da formação de professores de forma mais qualificada e democrática.
É possível perceber isso quando se analisa os retrocessos do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), cujos ideais estão previstos desde 1996, na Lei
de Diretrizes e Bases da Educação, mas que só começaram a ser implementados em 2010
e, com sete anos depois, sofre reformulações que restringem sua realização plena ao ter
redução de recursos, impedindo a participação de muitos estudantes de licenciaturas que
serão futuros professores da educação básica.
O Movimento da Escola Nova, que se destacou com o Manifesto dos Pioneiros da
Educação, em 1932, denunciava que o Brasil era o último país da América Latina a definir
seus recursos financeiros para a educação pública. Seu questionamento foi validado no
final dos anos 1980, no término da Ditadura Militar e início da abertura política de um
regime democrático, sob influência de Paulo Freire, quando ficou definido que a União,
Estados, Municípios e Distrito Federal destinariam parte dos recursos à manutenção e
desenvolvimento da educação básica e à remuneração dos trabalhadores da educação.
Esse dispositivo está presente na Constituição Federal de 1988, na parte do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), no art. 60.
A Lei nº 9.424/1996 criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) e em seu art.7º, parágrafo único,
determinou que nos primeiros cinco anos após sua publicação seria permitida a aplicação
de parte dos recursos na capacitação de professores leigos, pois neste período era
baixíssimo o número de profissionais com graduação. Vários de seus dispositivos foram
revogados pela Lei nº 11.494/2007 que regulamenta o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(FUNDEB). O FUNDEB que, entre outros objetivos, visa implantar planos de carreira de
modo que contemple a capacitação profissional, especialmente voltada à formação
continuada, termina sua vigência em 2020 sem atender a toda essa demanda da formação
de professores e do modelo disciplinar.
Com a aprovação do Plano Nacional de Educação, sob a Lei nº 13.005/2014,
espera-se que em 2019, quinto ano de vigência do plano, sejam investidos 7% do PIB na
educação pública e até 2024, esse investimento chegue a 10%. Também conforme essa
lei, todos os professores da educação básica deveriam ter obtido até 2015 a formação em

26
licenciatura específica para a área que atuam. Mas o que se vê é que, conforme dados do
INEP (2018), de 2,5 milhões de docentes que atuam na educação básica, nem todos
atingiram o curso de formação inicial em licenciatura. Chegou-se em 2018 com 70.207
profissionais que ainda não possuem esse curso, havendo entre eles profissionais com
formação de ensino médio e fundamental.
Outra observação que se faz é sobre os motivos das licenciaturas entrarem em
decréscimo, principalmente as de cursos presenciais. Ao mesmo tempo, há o aumento da
busca pelos cursos de bacharelado e tecnológico nas instituições de ensino superior. Uma
possível resposta para tal fato pode ser encontrada na desvalorização profissional do
professor. Muitos estudantes, na atual conjuntura sociopolítica, nacional e internacional,
temem o trabalho precário na área de educação e preferem investir seus estudos em
profissões mais técnicas.
Por outro lado, aqueles que continuam se dedicando aos cursos de licenciaturas,
inclinam-se para cursos de educação à distância devido aos investimentos financeiros
mais baixos nas mensalidades e nas despesas com materiais de leitura e com os
deslocamentos para realização de atividades de campo.
Com relação aos investimentos do PIB, atualmente o Brasil destina cerca de 6% a
educação pública, porém os especialistas estimam estagnação desse valor e parlamentares
já discutem cortes de outras fontes, como o corte de 50% do Fundo Social do Pré-Sal
destinado a investimento em Educação e Saúde, aprovado pelo Senado Federal em 2018.
Essa decisão do Senado ainda será apreciada pela Câmara de Deputados, mas outros
retrocessos como esse seguem no sentido de discursos políticos que visam a venda ou o
enfraquecimento da estatal Petrobrás, de onde sai grande parte de recursos para a
educação.
Chega-se à conclusão de que o país retrocedeu de forma assustadora no que se
refere a projetos para a área de educação, principalmente para a formação de professores.
Discursos políticos inflamados de perseguição e retirada de direitos desta categoria
profissional passaram a ocupar o lugar de estratégias sobre investimento e ampliação da
formação de professores. Acredita-se que tal situação ocorra devido ao fato de o país está
passando por uma fase de autoritarismo que afronta as liberdades, sobretudo a liberdade
de pensamento crítico, expressa principalmente por professores e estudantes, pois são
estes quem mais discutem criticamente a situação histórica e política do país. Talvez seja
a hora da universidade pública repensar seu modelo atual, abrindo espaço para a
sociedade. Não apenas democratizando o acesso da camada popular no ensino superior,

27
mas integrando os diversos saberes. Só através da união de forças é que podemos
visualizar uma universidade fortalecida.
Nesse sentido endossamos que as políticas de formação de professores ainda são
insatisfatórias para atingir um nível de qualidade desejável e que é preciso perceber o
professor com o valor de um agente que transforma a realidade e forma para a cidadania,
principalmente a juventude cidadã que necessita ter uma formação com visão crítica para
realizar suas escolhas e construir um futuro melhor. Desse modo, a necessidade de se
investir na formação de professores ganha ainda mais relevância, pois dela sairá a
concretização dos objetivos da carta magna de 1988, como a construção de um país livre
e democrático.

REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. 2 ed. São Paulo: Moderna,
1996.

AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no


Brasil. 2 ed. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1944.

BORGES, Maria Célia; AQUINO, Orlando F.; PUENTES, Roberto V. Formação de


professores no Brasil: história, políticas e perspectivas. Revista HISTEDBR On-line,
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fev. 2019.

30
Capítulo 2
A UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL APÓS 12 ANOS DE SUA
CRIAÇÃO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS
CAMINHOS TRILHADOS ATÉ AGORA

Norma Gonzaga de Matos

1 INTRODUÇÃO

A docência no Brasil obedece à regulação amparada num lastro legal que vai
desde a Constituição da República e passando pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, pelo Plano Nacional de Educação de 2014 (Lei Nº 13.005, de 25 junho de 2014)
e demais legislações que regulamentam especificidades nacionais e locais de Estados e
Municípios. No escopo destas leis, destacam-se duas exigências importantes:
a) Professores da Educação Básica devem ter licenciatura plena. Tal exigência está
disposta na Meta nº 15 do Plano Nacional de Educação – PNE, que compromete a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a criarem, em 1 ano a partir da
aprovação do plano, uma política nacional de formação dos profissionais da educação,
“[...] assegurado que todos os professores e as professoras da educação básica
possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na
área de conhecimento em que atuam. ” (BRASIL, 2014). O texto do Plano atende a
exigência anterior, da LDB, que determina que “A formação de docentes para atuar
na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena. ”
(Brasil, 1996)
b) Governos deverão estimular a formação de professores, na medida em que “A União,
o Distrito Federal, os Estados e os Municípios adotarão mecanismos facilitadores de
acesso e permanência em cursos de formação de docentes em nível superior para
atuar na educação básica pública. ” (Brasil, 1996)

A exigência de formação adequada, em nível superior, para docentes no Brasil


reflete o anseio da sociedade de que a Educação Básica possa ser qualificada, que atenda
às reais necessidades dos educandos e que seja praticada por professores qualificados para
a tarefa de promover a aprendizagem nos seus diversos níveis. O MEC, através do

31
documento Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior
(cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de
segunda licenciatura) e para a formação continuada afirma que

A formação inicial e a formação continuada destinam-se, respectivamente, à


preparação e ao desenvolvimento de profissionais para funções de magistério
na educação básica em suas etapas – educação infantil, ensino fundamental,
ensino médio – e modalidades – educação de jovens e adultos, educação
especial, educação profissional e técnica de nível médio, educação escolar
indígena, educação do campo, educação escolar quilombola e educação a
distância (grifo nosso) – a partir de compreensão ampla e contextualizada de
educação e educação escolar, visando assegurar a produção e difusão de
conhecimentos de determinada área e a participação na elaboração e
implementação do projeto político pedagógico da instituição, na perspectiva
de garantir, com qualidade, os direitos e objetivos de aprendizagem e o seu
desenvolvimento, a gestão democrática e a avaliação institucional. (BRASIL,
2015, p. 3-4)

Adicionalmente, também significa a profissionalização dos professores


brasileiros, sua valorização e o seu acesso à pesquisa, aos estudos sobre metodologias e
base teórica compatíveis com os desafios que enfrentará na sala de aula.
Não obstante, o que se observa no país é que a demanda por formação inicial de
professores ainda é representativa, mesmo após os esforços empreendidos para tal
finalidade através dos programas governamentais, como se demonstrará no decorrer do
texto. Senão, vejamos: em 2011, de acordo com dados do Censo Escolar do Inep, havia
no Brasil 72,7% de professores em atividade com formação superior, tendo este número
crescido para 82,2% em 2018 (BRASIL, Inep, 2018). No entanto, este levantamento não
considera a especificidade do curso superior em questão, incluídos aqueles docentes que
possuem curso superior, mas não são licenciados.
Entre os docentes graduados, a situação em 2018 é de 52,6% destes em atuação
com formação superior em licenciatura (ou bacharelado com complementação
pedagógica) na mesma área da disciplina que lecionam (BRASIL, Inep, 2018). A
situação, que explicita atualmente a inadequação de 47,4% dos professores recenseados
à formação docente exigida pela legislação vigente, indica a necessidade de maior atenção
ao problema, não apenas na busca pelo cumprimento da legislação, mas pela importância
de se promoverem práticas educativas na Educação Básica que se estruturem a partir de
um lastro teórico e metodológico capaz de promover a melhoria da aprendizagem dos
alunos. Outras situações também indicam inadequação, como demonstra ao Gráfico 1,
abaixo.

32
G 5; 16,8

G 4; 4,5
G1
G2

G 1; 52,6 G3
G4

G 3; 24,9 G5

G 2; 1,2

Gráfico 1 Indicador da formação docente no Brasil. Fonte: Censo Escolar 2018

No gráfico, extraído dos dados do Censo 2018, são explicitados 5 grupos de


indicadores da adequação da formação docente: Grupo 1 - Docentes com formação
superior de licenciatura (ou bacharelado com complementação pedagógica) na mesma
área da disciplina que leciona, Grupo 2 - Docentes com formação superior de bacharelado
(sem complementação pedagógica) na mesma área da disciplina que leciona, Grupo 3 -
Docentes com formação superior de licenciatura (ou bacharelado com complementação
pedagógica) em área diferente daquela que leciona, Grupo 4 - Docentes com formação
superior não considerada nas categorias anteriores, Grupo 5 - Docentes sem formação
superior. É importante observar que 24,9% dos docentes, embora possuam formação
superior em Licenciatura, atuam em disciplinas para as quais não foram formados. Além
disso, 16,8% dos professores estão atuando sem nenhuma formação superior.
Os dados preliminarmente explicitados aqui estão a serviço da questão que
permeia este texto: Após 10 anos da criação do Plano Nacional de Formação de
Professores - PARFOR e da Plataforma Paulo Freire, em 2009, e ainda havendo, em 2019,
demanda por formação inicial de professores em exercício no Brasil, como a Educação a
Distância, especialmente a Universidade Aberta do Brasil, se insere hoje neste esforço?

2 A UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL

O Parfor é um programa criado emergencialmente para atender ao disposto no


artigo 11, inciso III do Decreto nº 6755, de 29 de janeiro de 2009 (posteriormente

33
revogado pelo Decreto nº 8.752, de 2016). Foi implantado em Regime de colaboração
entre a Capes, os estados, municípios, o distrito federal e as instituições de educação
superior – IES. Buscou estimular a oferta de formações para docentes, prioritariamente
em exercício, através do apoio técnico e financeiro a cursos de formação inicial em
licenciatura, segunda licenciatura, formação pedagógica para não licenciados, formação
continuada e programas de iniciação à docência.
Na ocasião da criação do Parfor, considerava-se que a valorização do professor
era fator indispensável para os avanços almejados na Educação Básica Pública. Tal
valorização se constituía, de acordo com a Capes, em quatro eixos importantes, que
deveriam ser atendidos com políticas públicas, a saber: Formação Inicial, Piso Salarial,
Diretrizes de Carreira e Formação Continuada. (ver figura 1)

Mais diretamente sobre a formação inicial a distância, tema deste artigo, importa
saber que entre as ofertas de formação viabilizadas através do Parfor estão os cursos na
modalidade a distância inseridos no Sistema Universidade Aberta do Brasil - UAB. A
Universidade Aberta do Brasil foi instituída através do Decreto Federal 5.800, de 8 de
junho de 2006, com o objetivo de expandir e interiorizar a oferta de cursos superiores no
Brasil, através da Educação a Distância. A UAB funciona através da aprovação, pela
Capes, do projeto de curso submetido pelas IPES – Instituições Públicas de Ensino
Superior, que formulam as propostas de cursos com base nos Planejamentos Estratégicos
realizados Fóruns Estaduais Permanentes de Apoio à Formação dos Profissionais da
Educação Básica. Quando aprovados, os cursos são então financiados pelo Governo

34
Federal e realizados através dos ambientes virtuais de aprendizagem e dos Polos de Apoio
Presenciais sob responsabilidades das Universidades e / ou dos governos locais.
A UAB, desde a sua implantação, teve como objetivo principal a formação de
professores, cuja demanda já foi citada neste artigo. Esta vinculação do Sistema UAB à
formação docente significou a oferta, preferencialmente pelo sistema, de cursos de
Licenciatura, embora também estivesse, à época da sua criação, o objetivo de
III - oferecer cursos superiores nas diferentes áreas do conhecimento;
IV - ampliar o acesso à educação superior pública;
V - reduzir as desigualdades de oferta de ensino superior entre as diferentes
regiões do País;
VI - estabelecer amplo sistema nacional de educação superior a distância; e
VII - fomentar o desenvolvimento institucional para a modalidade de educação
a distância, bem como a pesquisa em metodologias inovadoras de ensino
superior apoiadas em tecnologias de informação e comunicação. (BRASIL,
2006)

No entanto, foi entre os cursos de Licenciatura a distância que se observou o


maior crescimento das ofertas, como demonstra a Tabela 1, que expõe as matrículas
apenas entre os anos de 2014 e 2016.
É possível observar, a partir dos números de matriculados expostos na Tabela 1,
que no período destacado, entre os anos de 2014 e 2016, ocorreu um processo de redução
das matrículas nas Licenciaturas presenciais e, ao mesmo tempo, o crescimento das
Licenciaturas a distância. Esse dado conduz à necessidade de compreender onde estão
localizadas estas ofertas EAD. Estariam elas inseridas no sistema UAB?
Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira, a UAB tem reduzido suas ofertas de forma preocupante, considerando
que o sistema compõe a maior política pública para a Educação Superior Pública a
Distância do Brasil, sendo um importante equipamento para a democratização do acesso
à Universidade sem custos para seus estudantes, além de ter um vínculo direto com o
esforço por formação em serviço dos docentes da Educação Básica, como já foi
mencionado.
Apesar desta diretriz que vincula a oferta das Licenciaturas para professores em
exercício, o gráfico 2, que foi extraído de dados do Censo da Educação Superior,
demonstra que a UAB vem sofrendo queda gradual de ingressos, tendo caído de mais de
183 mil ingressos em 2008 para pouco mais de 23 mil ingressos, em 2016. (VIANNEY,
2017, p. 6)

35
Gráfico 2 – Ingressos na UAB de 2003 a 2016. Fonte: Vianney, 2017

Como demonstra o gráfico, as demandas ainda existentes por formação de


professores do Brasil não significaram, no decorrer desses anos, a ampliação das ofertas
de formação nas Licenciatura e a consequente ampliação dos ingressos de docentes no
sistema UAB. Tal esforço não atendeu ao que a Capes preconizava em 2007, ou seja, a

[..] previsão do estabelecimento de 1.000 polos até o ano de 2010,


estrategicamente distribuídos no território nacional. Até 2013, pretendia-se
uma ampliação da rede de cooperação para alcançar a totalidade das IPES
brasileiras e atender a 800 mil alunos/ano. (ASSUNÇÃO, Georgina et al. 2018,
p. 455)

Uma vez que “o Sistema UAB contempla atualmente 769 polos, 44 deles novos
(propostos no Edital 75/2014), sendo que 86 são na região Norte, 241 na região Nordeste,
143 polos da região Sul, 233 na região Sudeste e 66 na região Centro-Oeste. (BRASIL,
CAPES, 2017, p. 46)
Os dados apresentados acima demonstram que o momento desta política pública
– a UAB – é de estagnação ou, pelo menos, de grande timidez em relação ao que se
pretendia nos primeiros anos da implantação do sistema. É certo que os problemas
enfrentados no decorrer da gestão da política pelos mais diferentes gestores das IPES,
pelos mais diversos entes federados mantenedores dos polos, as dificuldades para resposta
aos editais, os preconceitos endógenos às instituições formadoras, a descontinuidade dos
governos e das equipes da Capes e do MEC são fatores que desestruturaram as
engrenagens da UAB, considerando a sua complexidade.
A problematização aqui apresentada não se propõe a ampliar o debate para
questões bastante importantes, para além dos números, como por exemplo, a qualidade
dos cursos oferecidos, os egressos e seu percurso após a formação a distância pela UAB
ou até o impacto destas formações nas práticas e metodologias utilizadas pelos docentes
nas suas escolas depois de graduados. No entanto, as questões aqui apontadas e os dados

36
obtidos buscam encontrar elementos para demonstrar a importância de se fortalecer a
UAB, ainda que signifique constatar que esta não atendeu, durante esses 12 anos, ao que
se propôs. Sobre isso, Vianney (2017), avalia:

A UAB funciona continuamente desde 2006, mas há uma queda contínua nos
recursos. Isso é inexplicável. A política pública mais econômica para expansão
da educação superior no Brasil vem sendo sabotada pelo Governo Federal. A
educação superior no Brasil vem sendo sabotada pelo Governo Federal.
Segundo ponto: ela é flexível em relação à mão de obra, porque se contrata
temporariamente por bolsas, mas não são criados quadros permanentes nas
universidades públicas. Isso é uma crítica das próprias universidades públicas.
Promoveu-se uma interiorização radical das instituições federais, mas com um
catálogo pequeno de produtos. Então, naquela pequena cidade, todos têm que
ser biólogos? Não. Tem que haver um catálogo amplo, para que a pessoa possa
escolher a carreira dela. Eu não concordo com a restrição da UAB para
formação apenas de professores. Não se faz uma cidade só com professores.
Tem que haver todas as carreiras profissionais de ensino superior à disposição.
A formação de professores é o foco, mas ainda falta professor de Matemática,
Química, Física e Biologia numa escala monumental para ser cumprida. Esse
programa tem que ser acelerado. (BRASIL, 2017, p. 13)

Evidencia-se aqui a necessidade de uma ampla avaliação desta política, uma vez
que após 12 anos de investimentos, as demandas iniciais ainda persistem, indicando que
seu alcance precisa ser redefinido e, talvez, o escopo das suas diretrizes. Senão, vejamos:
a UAB representa, para além de um amplo programa de formação de professores, uma
estrutura importante para a democratização do ensino superior. Então, como está sendo
feito o acompanhamento desta demanda social prevista em cada edital de abertura de
novas seleções para ingresso nos cursos? Esta demanda social tem atendido, em cada
Universidade inserida nas mais diversas comunidades, as reais necessidades e as vocações
locais, ou seja, os cursos oferecidos fora das Licenciaturas, atendem aos interesses da
população local? Esta preocupação encontra eco no que dizem Moore e Kearsley (2007),
quando consideram que o desenvolvimento de um sistema de educação a distância deve
ser estruturado a partir de algumas condições, entre elas a prospecção das necessidades
dos alunos.
Parece, então, que o sistema UAB encontra-se num momento em que a reflexão
e a avaliação dos seus resultados e do seu alcance são tarefas imprescindíveis, o que já
sinalizava a Capes em 2017, no seu Relatório de Gestão, (BRASIL, CAPES, 2017, p. 44)
quando afirma a intenção de implantar métodos e procedimentos mais eficientes e
transparentes para a coordenação do sistema UAB, o que inclui implantar novos modelos
de articulação dos cursos, das vagas e também da abertura e manutenção de polos. No
entanto, compreendemos que as intenções inseridas no relatório poderiam resolver grande

37
parte dos problemas do sistema UAB, embora muito do que tenha sido intencionado ainda
esteja “em suspenso” por conta da descontinuidade das ações e mudanças nas equipes e
das diretrizes governamentais, o que impacta diretamente nas ações do MEC e da Capes.
As medidas indicadas no referido relatório intencionam, entre outros resultados:
a) Interferir na evasão dos alunos nos cursos, reduzindo-a. Em relação a isso, é
importante saber que são maiores as taxas de evasão nas instituições públicas em
relação às privadas (CENSO EAD.Br, 2010). A evasão nos cursos a distância
possui inúmeras causas, tais como

[...] a qualidade da aula, fatores sócio econômicos, apatia, vida


pessoal/familiar, trabalho, problemas com a tecnologia, dificuldade de acesso
a um computador, velocidade de conexão lenta, falta de autonomia do
estudante, falta de apoio acadêmico/administrativo, resistência com a
tecnologia e renda familiar baixa são motivadores. No artigo de Adelina
Mezzari (2013), dificuldade de usar o sistema, de acesso a internet, de
organização pessoal, ausência de suporte técnico, velocidade de conexão lenta,
falta de confiança nas informações, de interesse, de tempo e de adaptação à
EAD, apresentação do conteúdo, dificuldade de interação com tutor, excesso
de conteúdo, problemas de saúde e tempo de resposta na comunicação entre
tutor e aluno (demorado), influenciam significativamente para aumentar o
quadro de evasão. O professor Ricardo Vitelli (2013) coloca em seu artigo, os
fatores sociais (idade superior a 30, portador de diploma, e admitido),
econômicos (não recebe ajuda financeira, matricula em 2 disciplinas por
semestre), de desempenho (média vestibular 3, reprovação constante nas
disciplinas) e de escolha (transferências internas de curso). (PORTAL E
SCHLEMMER, 2015, p. 4)

Interferir nos índices de evasão com vistas a obter maior número de estudantes
concluintes significa compreender estas causas e atuar na transformação dos fatores que
levam estes estudantes a desistirem dos cursos antes do seu final.
b) Garantir a articulação da oferta/demanda com a participação de todos os
atores do processo. Certamente este é um dos nós do sistema UAB: manter ou
ampliar as ofertas, a partir das demandas apresentadas, de modo a atender a real
demanda brasileira. No entanto, o que se observa é que as IES privadas têm
ampliado suas ofertas à medida que se tornam mais acanhadas as ofertas das IPES
(predominantemente pelo sistema UAB), como demonstra o gráfico 3.

Em particular, em 2013, 2015 e 2016, por falta de adequada autorização para


o financiamento de novas vagas por parte da Ded/Capes/MEC, as
universidades públicas ofereceram apenas 29.288, 29.444 e 22.771 vagas,
respectivamente, abaixo do patamar de cerca de 40.000 vagas alcançado
anteriormente no programa UAB/Capes, prejudicando a consolidação da oferta
de EaD pelo setor público). (BIELSCHOWSKY, 2018, p. 8)

38
Gráfico 3 Evolução das matrículas em EaD. Fonte: BIELSCHOWSKY, 2018.

Garantir a oferta da Educação Superior Pública a distância através do sistema


UAB tem grande relevância, no entanto, é necessário atentar para a necessidade de que
esta oferta precisa estar ancorada na ampliação das possibilidades de estudos destes
estudantes, na afiliação intelectual de Coulon, o que consiste na verdadeira inserção deste
aluno no modo de vida, de rotina e de relacionamentos próprios da Universidade, da sua
integração verdadeira à comunidade acadêmica, o que significa que “o aluno deve
adaptar-se aos códigos do ensino superior, aprender a utilizar suas instituições e assimilar
suas rotinas” (COULON, 2008, p. 32).
Observa-se que tal processo se torna mais complexo quando se trata da EAD,
considerando a já inevitável distância física entre os indivíduos envolvidos no processo,
e acrescendo-se aqui problemas específicos no caso do sistema UAB, tais como aponta
Arruda:
Os cursos fomentados pelo sistema UAB continuam sendo tratados como
cursos emergenciais e, essa definição acaba por direcionar as instituições a
uma interpretação sobre a não necessidade de se criar normas gerais que
considerem todos os direitos e deveres dos alunos da EaD equivalentes aos
alunos da educação presencial.
É razoavelmente comum nas instituições públicas de ensino superior as
seguintes situações: alunos da EaD que não podem participar de programas de
internacionalização – mesmo que aprovados em processo seletivo interno.
Estudantes EaD que não obtém documentação necessária para solicitar redução
no valor de transporte público (talvez pelo entendimento adverso de que
estudante a distância não se locomove para qualquer espaço pedagógico, como
polo de apoio presencial). (ARRUDA, Elcídio. 2018, p. 99)

c) Favorecer a mobilidade estudantil na própria Instituição e entre as IPES


partícipes da UAB e propiciar a portabilidade de cursos. As limitações
próprias desta política pública, que muitas vezes colocam o estudante da UAB
numa situação diferenciada dos estudantes dos cursos presenciais certamente
39
limitam ou dificultam a afiliação intelectual de que trata o item anterior. Sobre
isso, continua Arruda:

[...] estudante EaD que não pode obter pedidos de transferência, obtenção de
novo título, continuidade de estudos na mesma instituição em que estudou,
pelo fato da EaD não ser regulamentada internamente para permitir essa
movimentação direcionada à complementação ou aprimoramento de estudos
universitários. (ibid, p. 100)

O tratamento diferenciado dado por parte das IPES e da Capes aos alunos EAD
é uma das características do sistema que precisam ser avaliados pelos entes partícipes
desta política, uma vez que

[...] inexistem políticas públicas para manter o aluno matriculado em


instituições públicas – na verdade há o inverso -, uma proibição de utilização
de recursos financeiros para apoio ao aluno da EaD. Haja vista que o Programa
Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), não permite que os recursos
sejam direcionados aos alunos da EaD, conforme pode ser observado no
Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010. (ARRUDA, 2018a, p. 833)

d) Promover a institucionalização do Sistema UAB. A Educação a Distância,


especialmente a Educação Superior a Distância, ainda é alvo de inúmeros
preconceitos, especialmente dentro das próprias instituições de ensino superior,
ainda assim, se insere como modalidade na maioria das vezes alternativa à
presencial que atende demandas que não tinham sido resolvidas pelo ensino
presencial. A segregação das ações de formação a distância dentro das IPES,
muito comum após o incremento da EAD através de políticas públicas como a
UAB sinaliza a necessidade de institucionalização desta política.
Para tanto, constituiu-se, por meio da Portaria nº 03, de 5 de janeiro de 2017, um
grupo de trabalho para tratar da institucionalização da UAB, composto por:
ANDIFES - Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de
Ensino Superior, CONIF - Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal
da Educação Profissional, Científica e Tecnológica, ABRUEM - Associação
Brasileira dos Reitores das Universidades Estaduais e Municipais, CAPES -
Coordenação de Aperfeiçoamento de Ensino Superior / DED e MEC - Ministério
da Educação / SESu. O grupo elaborou documento com o nome de Referenciais
para o processo de institucionalização da Educação a Distância (EaD) no Sistema

40
Universidade Aberta do Brasil (UAB), que foi disponibilizado no sistema Atuab,
para coordenadores de polo e que estabelece “dez dimensões que podem ser
contempladas para uma institucionalização de alcance pleno para os propósitos da
UAB junto às IES (BRASIL, apud BARRERA, 2018). ”
Nesse sentido, cada instituição ofertante deverá realizar seus processos internos
de institucionalização da UAB a partir das orientações deste documento.

3 CONCLUSÃO

No decorrer dos 12 anos de existência do sistema UAB, são inúmeras as


transformações impulsionadas pela existência da maior política pública para a educação
superior a distância no Brasil. Entre elas, podemos destacar:
a) Muitos estados e municípios realizaram, pela primeira vez, uma análise
sistemática das suas demandas por formação de professores, impulsionadas
pela construção da Política Nacional de Formação de Professores (que inseria
no seu escopo a oferta de cursos a distância) uma vez que União demandou
aos demais entes estes levantamentos, com vistas às ofertas dos cursos;
b) As IPES tiveram suas estruturas mobilizadas em alguma medida para agregar
as ações da UAB, ainda que estas estejam, na maioria dos casos, desvinculadas
da estrutura tradicional e da cultura interna das Universidades, considerando
que a maior parte das equipes da UAB não pertence ao quadro docente destas
Ipes, inserindo-se no sistema por vínculo precário (tutores, conteudistas,
docentes e coordenadores são bolsistas).
c) As Ipes participantes tiveram, por força dos editais, o estímulo para a
realização de estudos e pesquisa sobre a modalidade EAD, a fim de construir
seus projetos de curso a serem submetidos à Capes;
d) Foram criadas estruturas presenciais para as atividades da UAB, os
denominados polos de apoio (atualmente 769), o que na prática significou a
distribuição de equipamentos públicos para regiões onde anteriormente não
havia a presença da Universidade. Estes polos em geral estão equipados com
laboratórios de ciências, acesso à internet, biblioteca.

41
e) Os entes federados estados e municípios tiveram a ampliação de licenciados
no seu quadro docente a partir da oferta das licenciaturas pela Plataforma
Paulo Freire e Sistema UAB;
f) A Educação a Distância teve investimentos efetivos de recursos públicos da
União, responsável por prover a remuneração das equipes dos cursos através
das bolsas, por descentralizar para as Ipes recursos para realização dos cursos,
por equipar os polos de apoio, provendo acervo de livros, equipamentos para
laboratório e até em alguns casos, estruturação física, a partir de editais
específicos;
g) Foi elaborada uma literatura sobre a Educação a Distância, que foi objeto de
estudo em inúmeras pesquisas, devido ao seu exponencial crescimento como
alternativa dentro da Educação Superior no Brasil;

As contribuições do Sistema UAB para a democratização do acesso à Educação


Superior são evidentes, ainda que pesem sobre o sistema diversas dificuldades estruturais
e acadêmicas. Compreende-se, pois, que o momento atual desta política deve ser de
avaliação, reestruturação e de mais investimentos. Consolidar a UAB como uma robusta
política de Educação Superior envolve a vontade política de ampliar seu alcance através
de uma potente rede de Ipes que institucionalizem a UAB e que a inscrevam em todas as
estruturas internas, possibilitando aos estudantes a necessária afiliação já mencionada
aqui. Além disso, as equipes de docência, coordenação e tutoria necessitam ser inseridas
nessas estruturas.
O modelo escolhido para a UAB, com estrutura formada por um consórcio de
Ipes, fundada na cooperação entre os entes federados e nos polos de apoio e financiada
principalmente pala União (por ser uma política pública federal) traz subjacente a ele
algumas limitações que devem ser alvo de avaliação pela comunidade acadêmica e pela
sociedade que se beneficia desta política.
Evidentemente, existe um risco de que, caso se findem os investimentos federais
específicos para a realização dos cursos de formação de professores, a UAB seja
estrangulada pela falta de recursos próprios e que fique adormecida na estrutura das
universidades. Nesse sentido, é importante que se encontrem formas de manutenção do
sistema, de ofertas de cursos que ampliem o escopo das graduações, não necessariamente
permanecendo vinculada à formação de professores, e sim ampliando a demanda social
para as comunidades em que estão inseridas.

42
REFERÊNCIAS

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Brasil como fundamento para o fortalecimento de políticas públicas em Educação
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43
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<http://bts.senac.br/index.php/bts/article/view/512> Acesso: 14/02/2019.

44
Capítulo 3
QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES DE INGLÊS

Fernanda Mota
Gisele Dias Carneiro
Renata Meira Veras

1 INTRODUÇÃO

Ao refletir sobre o tema “questões contemporâneas na formação de professores de


inglês”, que dá título a este texto, acionam-se aspectos outrora silenciados no campo do
ensino e que dizem respeito às reivindicações de grupos historicamente subalternizados.
Trazer esses aspectos à baila pode soar aos pensadores mais ortodoxos do campo da
Linguística Aplicada como um desvio em relação aos assuntos que concernem à área, por
escaparem do âmbito dos estudos centrados em aspectos linguísticos.
A menção à Linguística Aplicada se deve por ser essa a área do saber que versa
sobre os estudos relativos ao ensino e aprendizagem de língua materna ou estrangeira e
por ser o campo no qual se sedimenta o insumo acadêmico que substancia a reflexão
teórica e a prática de professores. Desse modo, a formação de um professor perpassa,
inevitavelmente, pelos estudos no campo da Linguística Aplicada e a retroalimenta ao
deslocar a dicotomia teoria e prática, pois se sabe que muitas das pesquisas realizadas
nesse campo do saber partem de situações identificadas na prática docente.
Apesar de haver um empenho na contemporaneidade para pensar a relação entre
teoria e prática como dinâmica, professores não são comumente vistos como sujeitos que
produzem as teorias das quais se revestem para planejarem e ministrarem suas aulas. A
dicotomia teoria e prática (KUMARAVADIVELU, 2003; BROWN, 2000) ainda se faz
notar e revela um olhar de desprestígio em relação à prática docente. Esse desprestígio é
extensivo à própria Linguística Aplicada, que é considerada uma área que coloca em
prática o que é desenvolvido enquanto teoria pela Linguística.
A ciranda de desprestígio que incide sobre a área de ensino de línguas não é
aleatória assim como não é contingencial o uso desta imagem. A ciranda sugere a noção
de círculo e, no mesmo eixo semântico, ciclo. Nesse sentido, é uma imagem
representativa do caráter cíclico de visões negativas em torno do ensino que resulta em
desprestígio em relação ao papel do professor. Esse modo de pensamento que hierarquiza

45
e opera na linha da inferioridade ou superioridade encontra-se na base da configuração
das epistemologias que orquestram a produção de saberes no campo de formação de
professores e que se situa no eixo Norte.
Para quebrar o ciclo e imprimir um modo de pensar e fazer educação de forma a
promover emancipação e rumos marcados pela diversidade que inclui, potencializa e
traduz variados matizes culturais, é necessário primar por uma epistemologia do Sul
(SANTOS, 2010). Nela, despontam temas que dissolveram as bordas da Linguística
Aplicada para que essa chegasse às margens. Dessa subversão que permite uma versão
diferenciada de ensino emergem temas, a serem tratados aqui, que envolvem a
importância de ensinar língua inglesa imbricada em assuntos de relevância social que não
desconsideram o contexto a que pertencem os sujeitos que a falam e as demandas relativas
à construção de uma sociedade pautada em princípios de solidariedade (MOITA LOPES,
2006). Aliam-se a esse tema a pertinência de pensar práticas de ensino que priorizem o
uso de recursos, temas, variedades que escapem ao imaginário delineado por uma retórica
colonialista e ao encapsulamento imposto pelo ensino orientado pela escolha de um
método.
Os temas elencados serão tratados nas subseções seguintes, compondo três motes
principais, orientados pelo objetivo de abordar questões contemporâneas na formação de
professores de inglês.

2 DO MÉTODO AO PÓS-MÉTODO: UMA TRANSIÇÃO NECESSÁRIA PARA


CONTEMPLAR DEMANDAS SOCIAIS NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES

Em suas reflexões sobre método, o pensador indiano Kumaravadivelu (2003)


delineou três categorias para classificar os diferentes tipos de método. São elas: métodos
centrados na língua, no aprendiz e na aprendizagem. Embora essa divisão possa ter seus
limites problematizados em virtude de sobreposições entre métodos que estariam
classificados em categorias diferentes, essa classificação promove uma reflexão sobre o
caráter lacunar da escolha de um único método ou de métodos análogos para o ensino de
língua estrangeira, haja vista a impossibilidade de abarcar nele os variados tons que
compõem o painel do ensino de línguas estrangeiras. Afinal, ao se pensar em tal painel, é
imprescindível considerar a língua que se ensina, os aprendizes e o próprio processo de
aprendizagem.

46
Diante da impossibilidade de uma pedagogia centrada em um método abarcar a
complexidade do ensino de língua estrangeira, Kumaravadivelu (2003) propõe uma
Pedagogia do Pós-Método alinhada ao que denomina de Macroestratégias. Esses dois
termos referem-se, respectivamente, a uma prática e abordagem de ensino que não se
atenham a um método exclusivo e que estejam atentas ao que ele define como três
parâmetros. O primeiro deles se refere às particularidades do contexto em que se
encontram os aprendizes dentro e fora de sala de aula, considerando suas idiossincrasias
no processo de escolha de materiais, assuntos e estratégias de ensino. O segundo aponta
para a relação que deve ser estabelecida entre teoria e prática em que os professores não
mais se limitam a serem reprodutores de um saber produzidos por teóricos alheios à sua
realidade. O terceiro parâmetro, de inspiração freireana, refere-se à importância de
considerar as implicações políticas e sociais da educação. As macroestratégias, por seu
turno, traduzem os princípios que fazem parte desses parâmetros e que encontram
ressonância em variados métodos ao longo da história do ensino de inglês. Entre as
macroestratégias, citam-se, por exemplo, a ampliação da participação dos aprendizes, a
promoção da autonomia, o ensino integrado de habilidades, a atenção a questões culturais
através da conscientização e o ensino de assuntos que abordem temas sociais.
É possível notar nas Macroestratégias propostas por Kumaravadivelu (2003)
procedimentos e objetivos que se alinham com métodos que as antecedem. Como
exemplo, cita-se a primeira Macroestratégia: “facilitar a negociação na interação”
(KUMARAVADIVELU, 2003, p. 39, tradução nossa), “ativar heurística intuitiva”
(KUMARAVADIVELU, 2003, p. 39, tradução nossa) e “promover consciência sobre a
língua” (KUMARAVADIVELU, 2003, p. 39, tradução nossa). Essas três
macroestratégias, entre as dez citadas pelo autor, podem ser facilmente relacionadas às
três categorias de método mencionadas.
A primeira macroestratégia apresenta forte relação com a guinada que ocorreu na
história de ensino de língua inglesa com a ascensão do Método Comunicativo,
considerado um método centrado no aprendiz, que tinha como um dos seus principais
propósitos promover situações de prática de inglês em que o aprendiz interagisse
negociando significados sem uma forte ênfase em correção, mas, sim, no
desenvolvimento da fluência e ampliação da comunicação (LARSEN-FREEMAN,
2000). A segunda, por sua vez, reforça a importância da intuição e da exposição a um
grande insumo, remontando aos métodos que privilegiam o processo de aprendizagem
sem que o professor tenha amplo controle sobre os insumos aos quais os aprendizes têm

47
acesso e que compõem o que precisam saber para se comunicar. Essa premissa alinha-se
com a Abordagem Natural, de acordo com a qual, muito do que faz parte do repertório
do aprendiz de língua estrangeira ocorre de forma espontânea e, para aprender, é
necessário ter acesso a um insumo que seja superior ao nível do aprendiz (BROWN,
2000).
A correlação entre as macroestratégias e os métodos que as antecedem enuncia o
empenho teórico feito por Kumaravadivelu (2003) para sistematizar uma história marcada
por transições. Essas transições foram motivadas pela tentativa de preencher lacunas entre
os métodos que surgiam em resposta a um aspecto não contemplado no método anterior
e que se considerava fundamental para o processo de aprendizagem em estágios
posteriores em virtude das mudanças em relação à concepção de língua e das questões
cognitivas atuantes no ato de aprender.
A contribuição de Kumaravadivelu, contudo, se expande para a reflexão sobre a
importância de abordar temas de relevância social e a atenção a questões culturais. Esses
dois itens que fazem parte de duas de suas macroestratégias representam uma inovação
em relação ao conjunto de princípios que perfizeram a história dos métodos do Método
de Tradução e Gramática ao Método Comunicativo.
É possível afirmar que apenas o deslocamento da noção de Método e a emergência
de Macroestratégias poderiam abrir caminho para pensar questões sociais no ensino de
inglês. Por mais que um método seja delineado para contemplar as demandas locais dos
sujeitos que participam do contexto de ensino-aprendizagem, o fato de ser definido com
base em pressupostos universalistas e, portanto, generalizantes, não abre espaço para se
pensar o local de forma ampla e atenta. As macroestratégias, por sua vez, redirecionam o
foco do ensino para as necessidades dos aprendizes. Além disso, elas não precisam ser,
necessariamente, aplicadas em blocos e, dada a abertura de sua natureza, permitem a
criação de novas macroestratégias e diferentes matizes que podem ser expressos nas
microestratégias. Nisso, elas se diferem da noção de Método, que pressupõe a aplicação
fidedigna de técnicas para que seja garantida a sua efetividade.
Para a autora norte-americana, Diane Larsen-Freeman (2000), as Macroestratégias
propostas por Kumaravadivelu são um método. Não é difícil entender a posição de
Larsen-Freeman em relação a esse ponto. Sendo autora de um dos livros mais consumidos
no campo de formação de professores, Techniques and Principles in Language Teaching,
que apresenta um amplo panorama de variados métodos, é compreensível que a autora
veja como método as mais diversas estratégias de ensino e propostas pedagógicas, pois o

48
método faz parte de uma orientação que rege seu olhar em relação ao que ocorre em sala
de aula e que se insere no que se pode conceber como prática pedagógica. Esse olhar
também assinala uma forma de pensamento muito alinhado com as epistemologias do
Norte (SANTOS, 2010) e com o discurso da modernidade (SANTOS, 2013; BAUMAN,
1999), que operam sob a lógica da classificação e do espelhamento. Kumaravadivelu, por
sua vez, é indiano e opera sob uma lógica do Sul ao pensar o ensino fora do
encapsulamento característico de um modo top-down de pensar a educação, afinada a
preceitos voltados à homogeneização e apagamento de diferenças, sobretudo aquelas
advindas de questões sociais.
Em reta linha com Kumaravadivelu, David Nunan (1999) também está atento ao
contexto em que a aprendizagem ocorre e reconhece diferentes tipos de educação, em
especial aqueles que escapam a uma lógica ocidental e, sobretudo, eurocêntrica. No que
se refere a essa lógica, acionam-se duas imagens que permitem pensá-la em contraste
àquela impressa pela proposta de Macroestratégias ou de um ensino que esteja
relacionado ao contexto social do aprendiz e considere seus saberes como parte do escopo
do que deve fazer parte da Educação. Essas imagens são discutidas por Félix Guatarri e
Gilles Deleuze (1995-1997), em Mil Platôs, são elas: a raiz e o rizoma. A primeira
imagem, a raiz, simboliza o conceito de Método e sua forma hierarquizada e linear de
constituição; enquanto o rizoma poderia ser associado às Macroestratégias por não definir
a superioridade de uma macroestratégia em relação às demais e formarem uma rede em
que cada ponto se movimenta dinamicamente nela.
É possível pensar que essa forma rizomática de conceber o ensino tem forte
relação com a forma como se configuram os saberes do Sul. Esses saberes apresentam
um caráter que não se limita nem se define em uma norma e abarca as mais diferentes
formas de construção do conhecimento bem como conhecimentos, anseios e modos de
existência que escapam a lógicas normatizadas (MOITA LOPES, 2006). Nesse exercício
de teoria e prática, a formação de professores desloca-se de um treinamento em técnicas
de ensino alinhadas a variados métodos para uma formação crítica e política que se
interessa pelas margens e pelo centro e se volta a descentrar esse centro para que haja
possibilidades plurais não hierarquizadas de se pensar o saber.
Entre os outros objetivos que norteiam a transição do método ao pós-método para
contemplar demandas sociais na formação de professores, figura a humanização do
processo de ensino aprendizagem. Tal humanização requer que professores e aprendizes
sejam vistos como sujeitos que possuem um corpo (PENNYCOOK, 2006; HOOKS,

49
1994) sujeito a afeições e afecções e que o esforço encenado em sala de aula sirva para
construir uma sociedade em que o exercício do aprender uma língua estrangeira seja
também de aprender a lidar com a diversidade com uma postura de respeito, compreensão
e solidariedade, sobretudo em relação a sujeitos cuja história é marcada pela violência
física ou simbólica por terem modos de existência não normatizados.
Entre temas pertinentes à formação de professores, destacam-se questões de
relevância social, que variarão de acordo com cada contexto de aprendizagem. Algumas
propostas para abordar essas questões na formação de professores de língua inglesa serão
tratadas na seção seguinte.

3 PROPOSTAS PARA CONTEMPLAR DEMANDAS SOCIAIS NA


FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Um dos objetivos mais frutíferos para a formação de professores de idiomas é o


desenvolvimento do pensamento crítico aliado à consciência social. A pensadora afro-
americana bell hooks (1994) define o pensamento crítico através da menção ao que
considera ser o seu ponto fulcral: “o desejo de conhecer – entender como a vida funciona”
(p. 7, tradução nossa). Parte da prolífica produção de bell hooks se dedica a pensar em
formas de desconstruir a estrutura hierarquizante existente nas aulas que reserva aos
aprendizes um papel passivo e promover uma forma de ensino transgressiva que resista e
problematize estruturas de poder voltadas ao silenciamento e apagamento da diversidade.
Hooks declara explicitamente as ressonâncias das reflexões do pensador brasileiro
Paulo Freire em seu projeto ético de pensar a educação. É facilmente possível identificar
tais ressonâncias e conceber as propostas de hooks como atravessadas pelas questões que
perfazem a Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 2006).
Pedagogia do Oprimido contempla alguns aspectos fundamentais para a
implementação de práticas pedagógicas atentas a demandas pautadas em questões de
classe social. Entre eles, destaca-se a formação do professor como pesquisador ou
investigador, que se debruça sobre a realidade social dos aprendizes e recolhe dela o
insumo que fará parte dos conteúdos a serem abordados em sala de aula. A pesquisa, para
Freire, seria desenvolvida a partir da imersão do professor na comunidade à qual os
aprendizes pertencem em cujas interações seriam feitas anotações sobre palavras,
expressões, modos de ser e conhecer, que seriam usadas em sala de aula de forma que o
aprendiz construísse uma identificação com os conteúdos aprendidos.

50
As reflexões de Freire denotam que o ato de aprender pode ser potencializado
quando o aprendiz vislumbra a relação existente entre sala de aula e seu entorno social.
Ao trazer esse entorno, outra forte contribuição vem à baila: o aprendiz se percebe
também como sujeito provido de conhecimento e esse fator opera um empoderamento no
aprendiz, que não mais se concebe como passivo diante do processo de aprendizagem.
Ao se falar em empoderamento do aprendiz, essa noção passa por uma atualização ao ser
aplicada ao pensamento freireano, mas a ele se afina por ser ele um dos pensadores que
ergue a discussão acerca das relações de poder que regem a educação e que reservam aos
sujeitos subalternizados um tipo de aula que reforça a subalternização já observada em
sociedade pela forma hierarquizante como os saberes são abordados.
As contribuições de Freire tomam a cena de reflexões na área de educação e
comumente são acionadas ao se pensar em Letramento. É importante pontuar, contudo,
que a epistemologia desenvolvida por Freire pode ser articulada aos mais diversos
propósitos de ensino, incluindo o ensino de inglês, uma língua de forte herança
imperialista e atravessada por propostas que a instauram como alternativa única ou
primeira ao se pensar em aprender língua estrangeira.
Seguindo a lógica freireana, para trazer à baila questões sociais, se faz necessário
acionar elementos presentes no cotidiano dos aprendizes. Para isso, a estratégia de fazer
perguntas sobre o tema da aula para ativar o conhecimento prévio permite não apenas
para introduzir a aula como também enriquecer a aula com o repertório de conhecimentos
dos aprendizes. Desse modo, é igualmente possível promover a construção de uma
comunidade de aprendizagem (HOOKS, 1994), pois os aprendizes passarão a conhecer
mais sobre o universo um do outro.
Costuma-se pensar no uso do conhecimento prévio em aulas de língua materna,
porque, comumente, a ênfase no desenvolvimento da competência comunicativa com o
uso de functions (LARSEN-FREEMAN, 2000; BROWN, 2000) atribui um caráter mais
pragmático às aulas que enfatizam a implementação de atividades voltadas para a prática
comunicativa da língua sem espaço para reflexões sobre questões sociais.
Na contemporaneidade, a emergência de reflexões em torno da abordagem
intercultural resignificaram o ensino ao apontar para a condição dos aprendizes como
sujeitos culturalmente implicados e das implicações culturais do uso de uma língua
estrangeira. Essa abordagem também possibilitou uma reflexão mais ampla acerca da
importância de fomentar atitudes de respeito e compreensão das diferenças.

51
Não obstante as contribuições da interculturalidade, nota-se uma lacuna, inerente
a qualquer episteme ou configuração teórico-prática, que se refere a ausência de um
debate sobre as implicações sociais, raciais e de gênero. Sabe-se que essas questões fazem
parte do que se entende por cultura, mas o ensino para a compreensão das diferenças
culturais por vezes não aprofunda as questões relativas aos mecanismos de poder que
enrijecem as possibilidades de mudança social por uma sociedade menos desigual e
mesmo ignoram práticas racistas que incidem até mesmo quando não se considera o
racismo presente nas mais diversas epistemologias e que pode ser respaldado pela própria
criação de termos como “raça”, que surgem de uma tentativa de categorizar o sujeito que
não é branco (MBEMBE, 2014). Por extensão, nem sempre as questões quando inseridas
no âmbito de discursos sobre a importância do respeito mútuo entre culturas dá o devido
relevo às questões de desigualdade no campo do gênero e de sexualidade, até mesmo
porque, se a competência intercultural pressupõe o respeito a diferentes formas que
estruturam a sociedade, a homofobia em alguns países africanos passa a ser compreendida
sob o prisma dos princípios que regem aquelas sociedades, o que é plenamente
compreensível, mas, por uma questão ética e social, não aceitável.
Assim, além de acionar o conhecimento prévio dos aprendizes, é necessário
instilar o desejo de questionar imagens e histórias que emergem nos discursos dos
aprendizes numa prática constante de indagação sobre a existência ou não de algum
preconceito. Essa estratégia pode ser materializada na técnica de perguntar quem?, o quê?,
quando?, para quê?, onde? diante dos mais diversos tipos de textos, incluindo os
aparentemente “neutros” diálogos nos livros-texto. Desse modo, objetiva-se descortinar
a gama discursiva atuante na composição de textos que, para além da língua e através
dela, ensinam modos de ser.
Entre outras estratégias a serem abordadas em sala de aula, menciona-se o uso de
materiais autênticos que engendrem reflexões sobre temas de relevância social e que
também expressem a diversidade da língua inglesa. Como exemplo, é possível pensar o
uso do Black English nas aulas como forma de apresentar aos aprendizes uma variedade
da língua inglesa que a desloca da dicotomia do inglês padrão norte-americano e britânico
e torna a visão de língua mais orgânica por considerar que essa é moldada pelos sujeitos
que a falam.

52
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o intuito de trazer a tona as implicações com o compromisso social no Ensino


de Inglês e enxergando a sala de aula como um espaço necessário para a formação de
seres pensantes e atuantes na sociedade, este trabalho desvela a importância de voltar o
ensino de línguas para a constituição de uma base sólida de conhecimentos, alicerçados
não somente nas teorias linguísticas, mas também no ato de repensar atitudes e valores
individuais como forma de empoderamento social com o uso também da língua-alvo.
Assim, pensar em uma formação que vá além das imposições conceituais e
ideológicas impostas, é primeiramente desmoronar as construções disciplinares e
ressignificar posicionamentos ideológicos de diferentes contextos (URZÊDA-FREITAS,
2012). Como também é reafirmar o posicionamento freiriano acerca do papel investigador
e pesquisador do professor, que precisará pautar sua prática num ciclo recorrente de
“observação, reflexão e ação”, visionados na consciência sócio-política (ABRAHÃO,
2015) e no objetivo maior de desenvolver a competência comunicativa do aprendiz
ancorado na participação social e política da comunidade a qual faz parte.

REFERÊNCIAS

ABRAHÃO. M. H. V. Algumas reflexões sobre a Abordagem Comunicativa, o Pós-


Método a prática docente. EntreLínguas, Araraquara, v.1, n.1, jan./jun. 2015, p.25-41.

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Editores. 1999.

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Oxford University Press, 2000.

53
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MBEMBE, A. Crítica da Razão Negra. Lisboa: Editora Antígona, 2014.

MOITA LOPES, LP. Lingüística Aplicada e Vida Contemporânea: Problematização dos


Construtos que Têm Orientado a Pesquisa. In MOITA LOPES, L. P. (Org.) Por uma
Lingüística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. 279 p.

PENNYCOOK, A. Uma lingüística aplicada transgressiva. In: MOITA LOPES, L. P.


(org.). Por uma lingüística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola, p. 67-84, 2006.

SANTOS, BSS. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de
saberes. In: SANTOS, BSS; MENESES, MP. (orgs.) Epistemologias do Sul. São Paulo:
Cortez Editora, 2010.

SANTOS, BSS. Pela mão de Alice. O Social e o Político na Pós-Modernidade. Coimbra:


Almedina. 9a Edição, 2013.

URZÊDA-FREITAS, M. T. Educando para Transgredir: Reflexões sobre o ensino


crítico de Línguas Estrangeiras/Inglês. Trab. Ling. Aplic., Campinas, n(51.1): 77-98,
jan./jun. 2012

54
Capítulo 4
MOTIVOS DE ESCOLHA PROFISSIONAL E EXPECTATIVAS DE
TRABALHO DOS ESTUDANTES DE LICENCIATURA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Henrique de Alcântara Linhares Amorim


Mariana Giulia Chaves Prates
Renata Meira Veras
Vitoria Batista Calmon de Passos

1 INTRODUÇÃO

Os motivos de escolha pelos cursos superiores são influenciados por diversos


elementos, entre eles a família, o status social, desejo de ascensão econômico e social,
entre outros (OLIVEIRA; MELO-SILVA, 2010; ISASA, 2010). Assim, a representação
de uma profissão passa a ser ancorada no subjetivo do estudante, sendo influenciada pela
lógica capitalista, pela opinião popular, pela influência familiar, amigos, professores, etc.
Silva, Ribeiro e Malta (2017) apontaram que em uma universidade pública na Bahia os
cursos de Medicina, Direito, Psicologia e Engenharia Civil foram os mais concorridos em
2016 enquanto que os de licenciatura tiveram os menores índices de concorrência neste
ano. Contraditoriamente, segundo Gatti (2010), os postos de trabalho de professores e
outros profissionais de ensino ocuparam o terceiro lugar no ranking dos empregos
registrados.
Esses dados trazem consigo uma reflexão a respeito da desvalorização do papel
social da profissão de professor em contraste com a ideia de que “para professor não falta
emprego”, contudo, na maioria das vezes com péssimas condições de trabalho. (BEGO;
FERRARI, 2018) Tais apontamentos podem evidenciar também os problemas
enfrentados na formação de professores na atualidade, destacando-se entre eles: a falta de
integração entre disciplinas de conteúdo específicos e de educação, fragmentação de
conteúdos, a discriminação de professores e colegas de cursos de bacharelado, falta de
perspectiva profissional devido à baixa remuneração e péssimas condições de trabalho,
entre outros. (VIANNA; AYDOS; SIQUEIRA, 1997; GATTI, 2017; MINDAL;
GUÉRIOS, 2013).

55
Nesse sentido, Bego e Ferrari (2018, p. 457) explicam que compreender “[...]
processos motivacionais é algo complexo e multifacetado, pois decorrem da integração
de elementos inerentes ao próprio sujeito e também externos a ele”. Visto isso, é sabido
que a investigação das motivações dos estudantes por cursos de licenciaturas demanda
cuidado e visão panorâmica dos interesses individuais e de ordem social nelas implicadas.
Entretanto, fazê-lo não deixa de ser algo fundamental dado o fato de que a profissão de
professor é essencial na sociedade devido ao seu papel de mediador de conhecimentos no
processo de aprendizagem.
Outra questão relevante a se atentar é explicada por Ristoff e Bianchetti (2012),
quando o autor afirma que não há uma disciplina sequer em que o número de professores
graduados contemple a demanda necessária. Além disso, o número de matriculados em
cursos de licenciaturas tem decrescido significativamente nos últimos anos, indo de
1.248.402 em 2005, 928.748 em 2010 chegando a 845.972 em 2017 (INEP, 2018).
Ademais, a evasão nos cursos de licenciatura é muito alta. (SANTOS et al., 2014) Essas
informações alarmantes são essenciais para justificar também a necessidade de se
compreender as expectativas profissionais dos estudantes de licenciaturas. Isto porque,
identificar em que espaços esses estudantes querem trabalhar e principalmente se eles
pretendem exercer a docência, pode contribuir significativamente para identificar as
possíveis causas das altas taxas de evasão e ainda, nortear o desenvolvimento de
estratégias para reverter esse quadro. Passos e Roma (2010, p.2)explicam que “a escassez
de pesquisas sobre as expectativas dos alunos dos cursos de licenciatura sobre a futura
profissão [...] tem posto em discussão o próprio conceito de profissionalidade”.
Diante desses fatos, esse estudo tem como objetivo analisar as motivações dos
estudantes pelos cursos de licenciatura da UFBA, assim como as expectativas
profissionais futuras dos mesmos. Compreende-se que tal investigação pode contribuir
significativamente para compreensão das construções sociais que norteiam o papel do
professor, atribuindo a ele um grau de importância. E como essas implicam também em
consequências materiais como baixos salários e alta carga horária de trabalho para esse
grupo. Ademais, tal reflexão permite o vislumbre de estratégias que promovam a
valorização desse profissional para a sociedade e também para o mercado.

56
2 METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, que se justifica pelo fato de que
“para [...] pesquisadores um fenômeno pode ser mais bem observado e compreendido no
contexto em que ocorre e do qual é parte” (GODOY, 1995). Bauer e Gaskell (2010)
complementam ainda que a pesquisa qualitativa é proveniente da pesquisa social, e possui
em seus objetivos a função de observar a expressão das pessoas e o que elas falam e
pensam sobre a suas ações e as ações dos outros. Assim, sendo o objetivo desse estudo
analisar as principais motivações e expectativas de trabalho dos estudantes de licenciatura
da UFBA, torna-se viável a utilização de uma perspectiva metodológica qualitativa.
O campo de estudo foi a Universidade Federal da Bahia, localizada em
Salvador, que teve como participantes 62 discentes dos seguintes cursos de licenciatura;
Matemática, Letras Vernáculas, Letras Português-Inglês, Biologia, Ciências Naturais,
História, Geografia, Química, Física, Dança, Pedagogia, Ciências Sociais e Teatro dos
turnos diurno e noturno, que estavam matriculados entre o segundo e o último período de
seus cursos.
Os instrumentos utilizados para coleta de dados na pesquisa foram as entrevistas
semi estruturadas e os grupos focais. Ao total foram realizados 11 grupos focais e 33
entrevistas individuais, cada entrevista com duração média de 10 a 15 minutos. Os grupos
focais tiveram uma média de 3 estudantes por grupo e duração média de 25 a 30 minutos.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da
UFBA (CAAE: 31687314.0.0000.5531).
Os tópicos que compuseram a estrutura da entrevista semi-estruturada e do grupo
focal foram elaborados de acordo com os objetivos do estudo e após a aplicação de um
roteiro piloto realizado com 10 estudantes de licenciatura foram selecionados os
seguintes: 1 - Perfil e motivos de escolha pela licenciatura; 2 - Perspectivas de trabalho
após a conclusão do curso. Os estudantes foram escolhidos de maneira aleatória nos
corredores dos institutos que alocam os cursos de licenciaturas e convidados a participar
da entrevista e/ou grupo focal. Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido ocorreram as entrevistas ou grupos focais registrados por meio da gravação
em celular. As entrevistas e grupos focais foram transcritas em Word. A etapa final desta
investigação fundamentou-se na análise de conteúdo, proposta por Laurence Bardin. O
método de Análise de Conteúdo consiste em três diferentes fases, a de pré-análise; a
exploração do material e o tratamento de resultados, inferência e interpretação (BARDIN,

57
1977, p. 125). Assim, as falas foram agrupadas em duas categorias criadas em acordo
com a problematização por partes dos estudantes: motivação e expectativa de trabalho.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

O perfil dos estudantes participantes dessa investigação foi o seguinte: a partir da


autodeclaração dos mesmos, caracterizou-se quanto à etnia por 50% negros, 24,2%
pardos, 24,2% brancos e 1,6% não brancos; quanto ao gênero por 56,5% feminino, 41,9%
masculino e 1,6% não declarado; com uma média de idade de 23 anos, com respondentes
variando de 18 a 53 anos; a renda familiar média de 58,1% dos entrevistados varia de 1-
3 salários mínimos, 30,6% tem renda entre 4 e 6 salários mínimos e, 11,3% tem renda
acima de 7 salários mínimos; referente a onde foi cursado o Ensino Médio, 56,5%
afirmaram a escola pública, 40,3% escola privada e 1,6% afirmou ter cursado períodos
em ambas; quanto ao ingresso na universidade 54,8% afirmaram ser cotistas; 80,3% não
recebem assistência estudantil; 85,5% não possuem outra graduação prévia; e 72,6%
alegaram já trabalhar na área.

3.1 MOTIVAÇÃO PARA ESCOLHA DO CURSO DE LICENCIATURA

Nesse estudo, os motivos elencados pelos estudantes para escolha do curso de


licenciatura foram: a identificação com a área de estudo (matemática, letras, geografia…)
(43,5%), o desejo de ser professor (21,1%); a influência de familiares e professores
durante o período escolar (17,7%); e finalmente, ter sido a segunda opção (17,7%).
Considerando-se a literatura e os dados deste perfil, entende-se que a escolha
profissional pode ser influenciada por inúmeros fatores. Silva, Ribeiro e Malta (2018, p.
743) afirmam que muitas vezes “[...] a escolha passa de uma dimensão pessoal para
ancorar-se na representação do curso construída pelo grupo social em que o sujeito está
inserido”. Dessa maneira, não apenas os desejos e sonhos do sujeito são considerados
nesse processo. Os autores explicam que “É o que se pensa de uma área, de uma profissão
e o que ela pode promover aos olhos da sociedade o que determina por vezes a escolha
de um curso.” (pg. 743)
A motivação apontada com maior frequência pelos discentes entrevistados nesse
estudo foi a identificação com o campo de estudo de suas respectivas graduações. Como
apresentado anteriormente, de acordo com 43,5% dos estudantes, ter identificação com

58
alguma área de conhecimento específica foi fator determinante para sua escolha
profissional:

“Letras foi por causa do idioma, que eu já tinha familiaridade com inglês, só
que como eu aprendi sozinho, eu queria algum documento que comprovasse
que eu sabia ler. Licenciatura foi porque, é o que entra, quando a gente entra
tá em licenciatura e eu não sabia disso [...] (Estudante n° 21, licenciatura em
Letras-Inglês, entrevista individual)

Afinidade na área e também porque eu já fiz pesquisa na área de geografia no


ensino médio e aí eu tive uma afinidade bem grande com essa área. (Estudante
n° 5, licenciatura em Geografia, grupo focal)

Bom, porque eu sempre gostei muito de história né? Desde que era mais novo...
E daí, a área de história a gente meio que não desvincula muito né? Trabalho
nosso como historiador, ensinar, pesquisar. Tá tudo muito
conectado. (Estudante n° 1, licenciatura em História, entrevista individual)

Destarte, é evidente no cenário atual a desvalorização da profissão de professor.


Diante disso, não se verifica comumente em jovens o interesse pela docência. Tartuce,
Nunes e Almeida (2010) explicam que para os jovens, os baixos salários e a carga horária
excessiva são as principais causas dessa realidade. Entretanto, foi possível ainda perceber
em 21,1% dos estudantes o estímulo para os cursos de licenciatura baseados em
verdadeiro gosto pela atividade docente e em 17,7% dos mesmos, inspirações em
professores e familiares que compuseram a trajetória de vida de cada um:

Bom, ensinar sempre foi algo que eu desejei. Eu não sei dizer se era aptidão…
Predisposição, isso, predisposição para ensinar. (...) e agora eu estou em
história, o curso que realmente me contemplou. Era algo que eu sempre quis
fazer [...]” (Estudante n° 25, licenciatura em História, entrevista individual)

Eu na verdade comecei a pensar em ser professora no meu Ensino Médio. Eu


tive um Ensino Médio muito bom, uma relação muito boa com meus
professores e eu participava de todos os eventos de movimentos estudantis que
o governo tinha. (...) E eu sempre gostei dessa área da educação, gostava muito
da área da educação e sempre tive esse amor muito grande pela profissão, um
respeito. Então eu quis fazer licenciatura, foi minha primeira escolha e Letras
porque eu já escrevia, eu tinha uma afinidade muito grande com as línguas,
português principalmente, então eu escolhi essa área. (Estudante n° 16,
licenciatura em Letras Português-Inglês, grupo focal)

Silva e Oliveira (2017) explicam que a conduta do professor pode influenciar de


maneira positiva ou negativa a vida e o processo de ensino-aprendizagem dos discentes.
Tudo depende da iniciativa do próprio profissional de buscar despertar o interesse dos
estudantes - superando a ideia de agir como transmissor de conhecimentos - e buscando
compreender suas demandas e necessidades. Bego e Ferrari (2018) completam ao
esclarecer que fatores interpessoais, como o envolvimento com outras pessoas,

59
influenciam diretamente as motivações profissionais. Vivências inspiradoras fazem a
diferença:

É... Eu sempre gostei de geografia desde o período da escola, principalmente


por causa de um bom professor que eu tive que era professor de geografia, que
era um professor muito acolhedor, muito carinhoso com todo mundo aí isso
fez com que eu me aproximasse da geografia. E continuei gostando pela
geografia ser muito ampla... E como esse professor foi o diferencial na minha
vida, foi um marco na minha vida eu me apaixonei pela profissão de professora
e decidi ir pra licenciatura por conta disso. (Estudante n° 56, licenciatura em
Geografia, entrevista individual)

Então, desde quando eu era novinha eu gostei muito de ensinar, eu via os


professores ensinando e eu me via na posição deles, e eu achava que eu ia
gostar disso, e aí eu pensava sempre e desde então eu pensava em cursar
licenciatura e ensinar... ai no 9º ano eu me apaixonei por matemática, por causa
de um professor meu, eu já gostava, já sentia facilidade, mas aí me apegando
muito a disciplina e tô aqui. (Estudante n° 58, licenciatura em Matemática,
grupo focal)

Meus motivos foram bem familiares mesmo. Eu tenho uma tia formada em
pedagogia, professora até desta Universidade, aqui da Faculdade de Educação,
e um tio que é professor, também, universitário que fez outra licenciatura, que
foi História. Então o contato com essas duas pessoas, que eram muito presentes
na minha vida e que participaram efetivamente da minha formação,
principalmente escolar, me fizeram escolher por essa área. (Estudante n° 38,
licenciatura em Pedagogia, entrevista individual)

A fala de um dos estudantes evidenciou também um exemplo negativo que uma


professora empreendeu nele. Contudo, tal exemplo, segundo ele, estimulou o seu interesse
em se tornar professor:

Eu tive uma ‘richa’ com uma professora de português, porque eu ficava


desenhando na aula de português porque não me interessava , eu enfim, e aí
um dia eu tive uma discussão mais séria com ela e a discussão acabou com eu
falando que iria fazer Letras e que ia ser um professor melhor que ela. Então
por isso Letras e por isso licenciatura. Tô na jornada entendeu? E é isso aí.
(Estudante n° 45, licenciatura em Letras Vernáculas, grupo focal)

Outras justificativas para a identificação com a profissão podem ser atribuídas ao


entendimento da ideia de ensinar com um sentido de “missão” ou até mesmo de
instrumento de modificação de realidades. (BEGO; FERRARI, 2018; SILVA; RIBEIRO;
MALTA, 2018) Visões estas que também puderam ser percebidas entre as falas
analisadas:

Paixão pela educação. Eu não posso falar para você que é por causa de dinheiro
nem nada disso, porque a outra profissão que eu fiz, teoricamente, é uma
profissão muito mais rentável do que a licenciatura. É paixão mesmo. Eu hoje
faço licenciatura por gostar mesmo da educação e por acreditar que eu posso
transformar a minha realidade de certa forma. (Estudante n° 32, licenciatura
em Pedagogia, entrevista individual)

60
É... minha primeira opção não era fazer licenciatura [...] Só que eu queria fazer
algo que fosse, como é que eu posso dizer... Que tivesse o poder de
transformação para aquele local mais forte. Então eu queria fazer um curso que
tivesse assim... um poder de transformação mesmo, mais evidente na minha
sociedade, que no caso seria o local em que eu estava vivendo, naquele grupo
social, na minha família, na minha comunidade. E embora eu visse isso na
licenciatura, eu não via isso com tanta força, eu achava naquela época que o
professor, ele tinha mais dificuldade de transformar o ambiente que ele está ao
redor, por ser uma profissão pouco valorizada, como fica muito evidente pelo
salário, pela carga horária muito pesada de trabalho. [...] Como minha nota
estava alta para o curso eu fui chamado de imediato para o curso, perdi a vaga
de entrar em psicologia e aí eu vim fazer licenciatura em ciências naturais. [...]
Enquanto pobre, negro, do interior, para mim é vantagem estar no ambiente de
uma universidade, então eu vim fazer o curso. (Estudante n° 13, licenciatura
em Ciências Naturais, entrevista individual)

Este caso relatado pelo estudante de licenciatura em ciências naturais compreende


os 17,7% dos estudantes que informaram que a escolha pelo curso se deu por não ter
conseguido entrar no curso de primeira opção. Para Louzano, Rocha, Moriconi, &
Oliveira (2010), os dados do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2005
demonstraram que apenas 10% dos interessados na carreira docente estão entre os
melhores estudantes do ensino médio do país. Por outro lado, um terço dos estudantes
que escolhem as licenciaturas estão entre os piores nos resultados do exame.
Esses dados corroboram o fato de que em muitos casos, a licenciatura não surge
como primeira opção de curso para os estudantes, entretanto, a necessidade do ingresso
rápido no mercado de trabalho, ou a falta de sucesso no ingresso na primeira opção são
fatores determinantes na escolha por essa profissão. Ressalta-se que especificamente
nesse estudo a renda familiar média de 58,1% dos estudantes entrevistados variou de 1-3
salários mínimos. Assim, comumente a escolha perde a essência de ser construída na
subjetividade do estudante e passa a ter determinações outras, que podem se fundamentar
na lógica capitalista e mercadológica que visam prioritariamente a ascensão econômica.
(SILVA; RIBEIRO; MALTA, 2018; SOUZA, 2010) Entre as falas analisadas essas
motivações também ficaram evidentes:

Meu sonho é teatro e artes cênicas, porém aqui na Bahia fazer um curso é
morrer de fome, neste caso o mais próximo, principalmente porque minha mãe
é, minha avó é, minha tia é... eu tenho primas que são, professoras de português
e eu tinha uma facilidade enorme com português, reescrever gramática, então
eu liguei o que era ma... Menos desagradável, porque pra mim qualquer coisa
que não fosse artes cênicas é desagradável, o menos desagradável ao útil... Eu
tenho facilidade na área, fácil de ensinar de estudar.. E outra coisa, eu sou de
um campo que facilita a vida, que é libras, meus avós eram surdos e agora tem
um mercado super aberto pra isso e eu tenho essa facilidade que é uma a mais
[…] (Estudante n° 54, licenciatura em Letras, entrevista individual)

61
Então, biologia sempre foi minha segunda opção, na realidade. Eu queria
começar a fazer veterinária, mas acabou que eu não passei para o curso e aí eu
fui fazer ciências biológicas, mas eu sempre me interessei pela área. (Estudante
n° 31, licenciatura em Ciências Biológicas, entrevista individual)

Eu pensei que o bacharelado tinha mais oportunidade, mas quando eu entrei


no curso percebi que licenciatura era mais fácil de ingressar logo no mercado
do que o bacharelado. Isso pra mim seria uma vantagem, já que o financeiro
sempre implica, aí eu decidi fazer licenciatura depois. (...) Eu pretendo seguir
com licenciatura por uma questão de afinidade, eu tenho pegado matéria de
educação e tenho gostado muito do que é proposto, do que é tá em sala de aula
e do que é ensinar. Comecei a achar sensacional isso. (Estudante n° 23,
licenciatura em Física, grupo focal)

Essa baixa ou falta de atratividade pela docência identificada em alguns


estudantes é uma questão alarmante e que tem sido motivo de preocupação em muitos
países segundo o estudo de Tartuce, Nunes e Almeida (2010). As autoras revelam ainda
que o envelhecimento da força de trabalho docente é outro fator que torna isso ainda mais
complicado. O que aumenta a urgência da necessidade de se investigar a problemática
envolvida na desvalorização da profissão que contribui para o desinteresse dos jovens e
também a necessidade de se pensar estratégias que visem “atrair, formar e manter bons
professores nas escolas”. (SOUZA, 2010)
Outro fator importante a se atentar é que o acesso, a permanência na universidade
pode ser um desafio para muitos estudantes, sobretudo quando se soma a ela os custos
com os estudos. No caso de estudantes oriundos de camadas populares, arcar com as
despesas dos estudos torna-se dispendioso porque vai onerar ainda mais seu orçamento.
Conforme Zago (2006, p.235) “não raro, às dificuldades econômicas associam-se a
outras, relacionadas ao quadro complexo da condição estudante”. Comprar livros, fazer
fotocópias de materiais de leitura, fazer lanches, pagar transporte são algumas das
despesas que passam a fazer parte do orçamento do estudante universitário, o que implica
na sua permanência material (SANTOS, 2009), assim como enfrentar os rótulos, estigmas
sociais travados nas relações de poder dentro da universidade, bem como superar as
carências, as fragilidades e ter suas diferenças respeitadas são aspectos mais subjetivos
que implicam numa permanência simbólica (SANTOS, 2009).
Na verdade, o que acontece é o seguinte, eu entrei aqui trabalhando e ainda
trabalho. Como o curso noturno, que era o que eu podia fazer, era somente o
de licenciatura. Na verdade, eu queria fazer o bacharel antes de fazer a
licenciatura. (Estudante n° 12, licenciatura em Física, entrevista individual)

A experiência com a prática docente durante o curso também foi apontada pelos
estudantes como um determinante para uma mudança de pensamento quanto a ideia de
ser professor. Foi observado no perfil desses estudantes que 72,6% dos entrevistados já

62
atuam na docência. Além disso, dos 17,7% de estudantes que afirmaram que a licenciatura
não foi sua primeira opção de curso, 36,4% relataram tal mudança de pensamento a partir
das práticas vivenciadas dentro ou fora da universidade. A respeito disso, Nóvoa (1992)
explica que a formação para docência precisa equilibrar três dimensões essenciais:
preparação acadêmica, preparação profissional e prática profissional. Ele afirma ainda
que “A formação passa por processos de investigação, diretamente articulados com as
práticas educativas” (p. 16). Dessa maneira, a inserção dos estudantes nos espaços de
prática, contribui significativamente para a construção da identidade dos discentes como
professores. O autor acrescenta que “A formação passa pela experimentação, pela
inovação, pelo ensaio de novos modos de trabalho pedagógico. E por uma reflexão crítica
sobre a sua utilização” (p. 16). Essa valorização da prática como fator fundamental para
identificação com a profissão também foi evidenciada entre as falas:
Eu fiz o curso técnico em química integrado ao Ensino Médio no IFBA. (…)
Entrei pensando em fazer bacharelado, mas no meio do curso eu decidi fazer
licenciatura pois logo que eu entrei, eu entrei no PIBID, que é o Programa de
Iniciação à docência e fui tomando contato com grupos de estudo, com material
de licenciatura, e fui me, assim, gostando mais né? [...] (Estudante n° 26,
licenciatura em Química, entrevista individual)

Não foi de primeira, na verdade eu fiz vestibular três vezes para engenharia
química, e aí eu fui orientada por um professor do cursinho de que se eu
colocasse química seria mais fácil por conta da questão da concorrência. Pensei
em fazer química industrial e o bacharel, porém ao decorrer do curso acabei
me envolvendo com um projeto de extensão que trabalha com as escolas e me
interessei pela licenciatura. Então eu migrei do bacharel, fui para licenciatura
e me envolvi no PIBID, aí eu acabei criando essa relação, esse vínculo e acabei
resolvendo fazer licenciatura. (Estudante nº 29, licenciatura em Química,
entrevista individual)

Diante do exposto, reforça-se o entendimento das múltiplas causas que


influenciaram as motivações profissionais dos estudantes de licenciatura da UFBA.
Corroborando com a literatura que compreende que a escolha da profissão é direcionada
a partir de fatores tanto de ordem individual, intrapessoais, sobretudo aspectos subjetivos
(afetivos e cognitivos) dos sujeitos, quanto fatores de ordem social, interpessoais, como
o mercado e influências dos meios familiar e escolar. E que ambos os fatores precisam
ser reconhecidos e valorizados na compreensão desse processo. (CUSTÓDIO;
PIETROCOLA; CRUZ, 2013; BEGO; FERRARI, 2018; SILVA; RIBEIRO; MALTA,
2018; TARTUCE; NUNES; ALMEIDA, 2010)

63
3.2 EXPECTATIVAS DE TRABALHO APÓS A CONCLUSÃO DO CURSO

A quantidade de professores da educação básica no Brasil vem aumentando ao


longo dos anos. Entre 2009 e 2017 houve um aumento de 47,7% na educação infantil,
10,8% no ensino médio, 3,2% nos anos iniciais do ensino fundamental e um decréscimo
de 2,6% nos anos finais do ensino fundamental (CARVALHO 2018). Esses dados
comprovam que há um aumento na oferta e procura de emprego para docência na
educação básica. Assim, é importante identificar quais expectativas de trabalho os
licenciandos demonstraram interesse.
Nesse estudo, as expectativas de trabalho apontadas pelos estudantes foram: atuar
em mais de um desses espaços (40,4%); lecionar apenas em escolas públicas (17,7%);
seguir carreira acadêmica (16,1%); lecionar apenas em escolas privadas (1,6%); atuar em
outros espaços não relacionados a docência (4,9%). Alguns não souberam responder ou
não definiram preferência sobre nenhum dos espaços (19,3%).
Apesar do paradigma social e senso comum de que a prática docente não é tão
frutífera quanto outras carreiras mais tradicionais, alguns discentes demonstraram
grandes expectativas em relação ao trabalho após a conclusão do curso. A ideia de atuar
em mais de um espaço obteve maior frequência nas respostas dadas pelos estudantes em
relação aos espaços de interesse para trabalhar, contemplando a ideia de atuar em mais de
um deles. Isto foi percebido em 40,4% dos entrevistados. Dentre esses 40,4%, 22,6% dos
entrevistados apontaram o desejo de conciliar o estudo de uma pós-graduação
(mestrado/doutorado) com o trabalho em escolas públicas e para alguns, conciliar este
trabalho, posteriormente, com a carreira acadêmica:

Eu não quero ir pra escola particular, quero escola pública, e quero cursinho
também, eu gosto da didática de cursinho, quero levar a didática do cursinho
pro Ensino Médio. [...] É porque eu vim da escola pública, é minha parte social,
é minha contribuição social, eu tô estudando em uma universidade pública e
quero dar esse retorno, e esse retorno é dar aula na escola pública. (Estudante
n°56, licenciatura em Geografia, entrevista individual)

Inicialmente, fazer concurso, ser professora da educação básica e seguir


carreira acadêmica como professora. (Estudante nº 35, licenciatura em
Pedagogia, grupo focal)

Pretendo no começo dar aula pra ensino médio, pra depois com um mestrado,
um doutorado tentar dar aula em faculdade. Só por uma questão financeira.
(Estudante nº 42, licenciatura em Física, grupo focal)

Minha expectativa é passar em concurso público, no Estado, no Município e


também seguir com a formação continuada, mestrado, doutorado. Pretendo
voltar como professor da federal e quero trabalhar sempre na escola pública,

64
sempre, porque acredito que é a área que mais precisa e que tem mais demanda
de profissionais. (Estudante nº 10, licenciatura em Pedagogia, entrevista
individual)

Além disso, é importante relatar os percentuais dos demais interesses que muitos
estudantes demonstraram em atuar em mais de um desses espaços, muitos casos ao
mesmo tempo. Demonstraram interesse em lecionar em escolas públicas e privadas 9,6%
dos entrevistados e 8,1% afirmaram se interessar por atuar nos três espaços (escolas
públicas, privadas e carreira acadêmica). No entanto, esses dados vão de encontro aos
encontrados por Carvalho (2018). No estudo realizado no Brasil, demonstrou que 80%
dos professores lecionaram em apenas uma escola e cerca de 17% trabalharam em duas
escolas no ano de 2017.
Apesar de frequentemente mencionarem a pós graduação como um dos espaços
escolhidos (a escolha exclusiva pela pós será trabalhada posteriormente), trabalhar em
escola pública foi um local bastante citado pelos estudantes que informaram mais de um
espaço de interesse.
Dados estatísticos (CARVALHO, 2018) demonstraram que 78% dos docentes de
educação básica trabalham em escolas públicas. Observou-se também que a intenção de
atuação na educação básica pública exclusivamente foi bem enfatizada por boa parte dos
estudantes entrevistados (17,7%) nesse estudo. Uma possível justificativa para isso é o
fato de 56,5% dos discentes serem oriundos de instituições públicas. Isto porque, de
acordo com Tartuce, Nunes e Almeida (2010, p. 448) “deve-se levar em conta que os
contextos sociais [...] interferem nas relações entre o indivíduo e o social e, dessa maneira
nas identidades sociais e profissionais”. Portanto, a origem de educação pública foi
determinante para licenciandos que desejam atuar nessa área:

Trabalhar no ensino médio público, porque eu vim de lá e eu sinto uma


carência muito grande como professora. Muitos poucos professores de história
são motivados, muitos dão aulas em duzentas escolas, porque muitos
professores de história não vão para lá. (Estudante n° 25, licenciatura em
História, entrevista individual)

Eu já tenho em minha cabeça que eu quero trabalhar muito em escola, escolas


de E.M. principalmente, pública. Eu vim de escola pública, então eu tenho uma
vontade muito grande de ensinar na rede pública. (Estudante n°16, licenciatura
em Letras Português-Inglês, grupo focal)

Vale ressaltar que segundo Nóvoa (2007), a formação docente precisa ser
permeada pelo sentimento de responsabilidade social no sentido de beneficiar o espaço
público da educação através da participação profissional. Este é um ponto que fica

65
evidente em diversas falas de estudantes que dizem ter uma identificação ou afinidade
para atuar no ensino público:

Particularmente, eu gosto muito do campo público, da escola pública, não


porque seja mais fácil, mas porque é um campo que eu tenho identificação pra
ajudar, é mais uma questão social, porém sei também que a experiência no
campo privado é necessária, porque são mundos diferentes e eu acho que a
experiência enriquece […] (Estudante n° 54, licenciatura em Letras, entrevista
individual)

Eu entrei na faculdade com essa perspectiva, de trabalhar na escola pública,


com meu público... Mas na atual conjuntura do Brasil, o que vier a gente tá
aceitando... Mas tipo, se eu estiver bem socialmente eu vou trabalhar com
escola pública, que é com quem eu me identifico, de onde eu vim , de onde eu
conheço, sei dos percalços. (Estudante n° 57, licenciatura em Matemática,
grupo focal)

Como as metas de trabalho não se restringem apenas ao âmbito escolar, se


expandindo para outras fronteiras, existiu também o grupo (16,1%) que demonstrou
interesse pela carreira acadêmica provavelmente em decorrência de identificação com o
meio universitário e desenvolvimento de projetos e trabalhos em pesquisa e extensão.
Carvalho (2018) demonstrou que o número de professores com pós graduação vem cada
vez mais aumentando no Brasil. No entanto, apesar do aumento de 11,7 pontos
percentuais entre 2009 e 2017, ainda é preciso uma grande evolução para que atinja a
Meta 16 do Plano Nacional de Educação, que estabelece que pelo menos 50% dos
professores da educação básica devem ser formados em nível de pós graduação, lato ou
stricto sensu.
Um estudo de Alves (2016) buscou investigar as razões que levam os licenciados
a regressar ao ensino superior para cursar pós-graduações. Como resultado, a autora
demonstrou que essa procura é comum em indivíduos em situação de instabilidade
profissional, mas também, é justificada por outros fatores como o interesse pela formação
continuada como estratégia de aperfeiçoamento de conhecimentos e habilidades e ainda,
a percepção dessa formação como sendo um componente do percurso de inserção
profissional. Vale ressaltar ainda, que segundo tal estudo, variáveis como o gênero, a
classe social e área disciplinar dos estudos da licenciatura, tem influência direta nessa
procura de formação pós-graduada. Dessa maneira, acredita-se que pode ser decorrente
de tais fatores o interesse pela docência no ensino superior identificado entre os
entrevistados:

66
Eu quero atuar na universidade... Já tô encaminhando pra fazer mestrado. Não
tenho interesse de ensinar na rede pública de ensino médio. Nem na pública e
nem na privada. (Estudante n°48, licenciatura em Dança, entrevista individual)

Rapaz, eu penso, eu penso, em algum momento virar professora do Instituto


de Física da UFBA. Em algum momento da minha vida eu quero fazer isso.
(Estudante n°12, licenciatura em física, entrevista individual)

Assim, eu tenho vontade de experimentar o ensino médio que eu ainda não tive
a experiência, mas eu acredito que eu quero seguir o mestrado, a universidade
mesmo. Professora universitária, quero pesquisa também, quero os dois.
(Estudante n 33, licenciatura em Biologia, entrevista individual)

Corroborando esses fatos, de acordo com Soares e Cunha (2010), os estudantes


que aspiram à carreira acadêmica constroem suas representações acerca desse papel com
base na observação de seus professores, seus métodos de ensino-aprendizagem, além da
participação em projetos de pesquisa e na experiência como representante estudantil. As
autoras afirmam que “essas e outras vivências possibilitam ao futuro professor
universitário reproduzir estilos de ser professor” (p.34). Portanto, a influência dos
docentes da graduação também pode ser considerada nessa escolha.
A opção pelo ingresso no mercado de trabalho na iniciativa privada
exclusivamente, por sua vez, foi verificada em apenas 1 estudante, correspondente a
1,6%. Este dado chama atenção pelo fato de 40,3% dos entrevistados serem oriundos de
escolas particulares. Supunha-se, portanto, que a identificação com instituições privadas
fosse mais significativa, o que não foi confirmado:

Eu estudei a vida toda em escola privada, mas [...] eu não me identifico com
aquele público, e outra coisa, eles têm muitas oportunidades, eu tive muitas
oportunidades... Claro que não foi fácil, [...] mas tem muitas pessoas lá que foi
muito fácil estar lá, e eu não me identifico com isso e aí eu sempre pensei
“vamos dar oportunidade pra quem não tem oportunidade” investir na minha
formação e dar oportunidade a quem não tem [...] (Estudante nº 58, licenciatura
em Matemática, grupo focal)

Concurso público pela estabilidade de fato financeira, só que também pela


questão de tá em... É o retorno que eu falo... Estar em um ambiente público,
como nós estamos aqui em pesquisa e tudo. Acreditamos que vamos ser
profissionais qualificados, então dar esse retorno é importante. (Estudante nº
44, licenciatura em Letras Vernáculas, grupo focal)

A precariedade da iniciativa pública, exibindo em muitos casos estruturas


sucateadas, falta de recursos, falta de investimento em infraestrutura e baixo investimento
em capacitação de professores (IOSIF, 2007; MENDES, 2010), seriam prováveis
justificativas para o interesse pela atuação em instituições particulares. Interesse apontado
por uma estudante:

67
Eu pretendo trabalhar mais em cursos de Inglês. Não em escola pública, escola
particular em geral, porque eu gosto mais de um ambiente mais controlado
teoricamente. (Estudante n° 15, licenciatura em Letras Português-Inglês, grupo
focal).

O que foi evidenciado, assim, é que mesmo os estudantes oriundos de escolas


particulares demonstraram um senso de compromisso social ou vontade de contribuir com
a melhora da educação pública, mas também o interesse em alcançar estabilidade
profissional através de concursos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com tudo que foi discutido anteriormente, foi possível entender o processo que
incita a escolha do curso de licenciatura pelos estudantes da Universidade Federal da
Bahia e suas expectativas de trabalho após a conclusão do curso; e de que forma se dá o
impacto disso na formação desses profissionais de licenciatura, do ponto de vista
acadêmico e social.
Nesse sentido, mostrou-se plausível a investigação sobre a trajetória da escolha
dos cursos de licenciaturas, para a identificação dos reais motivos que levaram os
estudantes a optarem por seus respectivos cursos e quais seriam suas expectativas
profissionais após a graduação; sendo elas condizentes com a carreira docente ou não.
Esta investigação pode, portanto, servir como um instrumento de reflexão para os cursos
de licenciatura em relação aos seus licenciandos; enriquecendo-os e consolidando-os
como cursos geradores de profissionais democráticos, formadores de opinião e
educadores bem preparados para exercer a docência
As entrevistas direcionadas aos estudantes dos diversos cursos de licenciatura na
UFBA serviram como um ‘termômetro’, ajudando-nos a entender a percepção do corpo
discente acerca da pauta trabalhada. Foram identificadas nas falas como principais razões
de escolha da licenciatura; sentimento de vocação ou ideia de ‘missão’, no sentido de
transformar e impactar positivamente a vida de outros; não alcançar nota de corte
suficiente para cursar sua formação de preferência, tendo a licenciatura como segunda
opção e, por último, devido a grande e rápida absorção do mercado de trabalho desses
profissionais, o que garante proteção contra instabilidade financeira. Como expectativa
de trabalho o estudo apontou que os estudantes, em sua maioria, pretendem trabalhar em

68
mais de um local. Além disso, a intenção de buscar a pós-graduação também ficou
evidente nas falas dos licenciandos.
Empregando a técnica de saturação de dados aliada à metodologia aplicada,
encontrou-se um resultado suficientemente satisfatório para justificar os questionamentos
que nortearam a pesquisa. Ademais, estes questionamentos permitiram constatar a
necessidade de mais estudos acerca desta pauta que possam contribuir para uma auto-
reflexão e consequentemente melhoria efetiva da realidade dos cursos de licenciatura.

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71
Capítulo 5
A FORMAÇÃO DOCENTE NOS CURSOS DE LICENCIATURA
DA UFBA: A PERCEPÇÃO DOS ESTUDANTES

Erika Silva Chaves


Renata Meira Veras

1 INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, ganharam destaque no Brasil estudos sobre a formação de


professores, acompanhando a tendência mundial de investigações em torno deste tema,
originados em boa parte de organismos internacionais como a Organização de
Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), Organização das Nações Unidas
para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Organização Internacional do Trabalho
(OIT) e Banco Mundial, chegando a constituir o maior número de ensaios e pesquisas no
campo da educação. (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2015)
Para Simão et al. (2009) a qualidade do ensino ministrado é um fator
determinante, o que confere um papel central aos processos de educação e formação e
uma responsabilidade acrescida a professores e formadores, já que da qualidade da sua
formação acadêmica e profissional e do serviço que desempenham, em muito, resultam
em melhor ou o pior desempenho dos estudantes.
Reconhecendo que a principal habilitação das licenciaturas é formar professores
para atuarem na educação básica, deve ser imperativo, então, que a formação inicial na
universidade esteja condizente com os objetivos dessa educação. Portanto, conhecer as
perspectivas e posicionamentos dos estudantes de licenciatura acerca do modelo atual de
formação docente torna-se um desafio necessário para o campo educacional.
Destaca-se que projetos de investigação que versam sobre a formação docente
permitem refletir não apenas sobre o tipo de formação que está sendo realizado nas
instituições de ensino superior, mas também possibilita a reconstrução da proposta de
formação desses docentes. Sendo assim, esse estudo tem como objetivo analisar a
percepção dos estudantes acerca da formação docente nos cursos de licenciatura da
Universidade Federal da Bahia.

72
1.1 FORMAÇÃO DOCENTE

O número de estudos acerca da formação do professor vem crescendo e tendo


destaque em vários países nos últimos anos. Esses estudos se concentram, principalmente,
na tentativa de compreender a passagem de estudante a professor e de professor
principiante a professor experiente (FLORES, 2015; MENSLIN, 2012).
Saviani (2009) se apoia em dois modelos para explicar a formação de professores
no Brasil: a primeira se refere ao modelo dos conteúdos culturais cognitivos, onde a
formação se situa na cultura geral e no domínio específicos dos conteúdos na área de
conhecimento para a qual o docente está sendo formado. O segundo modelo é o
pedagógico-didático, no qual se considera que a formação só é considerada completa com
o preparo pedagógico-didático do professor. No primeiro modelo destaca-se a
aproximação com o modelo do bacharelado, enfatizando o ensino técnico. Já o segundo
modelo dá ênfase às práticas, valorizando as matérias mais voltadas para a formação
didática.
Para Tardiff (2002), o saber do professor está ancorado em seis fios condutores.
O primeiro deles diz respeito ao saber e trabalho, argumentando que o saber do professor
deve ser compreendido em íntima relação com o trabalho na escola e na sala de aula. O
segundo fio é denominado diversidade do saber e justifica-se pelo fato de que o saber dos
professores é plural e heterogêneo. O terceiro é a temporalidade do saber, já que o saber
é adquirido num contexto de uma experiência de vida e profissional temporal. O quarto
fio condutor é denominado a experiência de trabalho enquanto fundamento do saber,
focaliza os saberes oriundos da experiência do trabalho cotidiano como alicerce da prática
e da competência profissionais. O quinto fio condutor são os saberes humanos a respeito
de saberes humanos. Esse fio condutor expressa a ideia de que o trabalhador e objeto de
trabalho estão em constante relação dialógica. O último fio condutor é definido por
Tardiff (2002) como os saberes e formação profissional. Este é decorrente dos demais
fios condutores já que expressa a necessidade de repensar a formação docente.
Esses saberes são provenientes de diversas fontes para Tardiff (2002): saberes
da formação profissional que se caracteriza pelo conjunto de saberes transmitidos pelas
instituições de formação de professores; os saberes disciplinares, correspondentes aos
diversos campos de conhecimento incorporados na prática docente; os saberes
curriculares, que são os discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a

73
instituição escolar categoriza a partir de modelos de cultura erudita; e, por fim, os saberes
experienciais que brotam da experiência e são por ela validados.
De acordo com Gatti (2016), as condições formativas iniciais contribuem
fortemente para a construção identitária do professor, que vão conduzir as formas de
atuação educativas e didáticas no seu processo de trabalho. Assim, deve haver
componentes curriculares na formação dos professores que foquem o fazer docente, o
processo educativo e as práticas pedagógicas (CANDAU et al., 2013). Porém, Gatti
(2017) aponta que os problemas mais evidentes dos currículos se referem ao pouco espaço
concedido aos estudos de didática, das metodologias e práticas de ensino, assim como da
psicologia do desenvolvimento.
Entende-se que ensinar não pode se limitar a transmissão de conteúdos uma vez
que envolve diversos saberes. Para Perrenoud (1999), o desenvolvimento das
competências de um professor só é possível a partir da relação entre prática e teoria.
Sendo assim, o estágio é configurado por Pimenta e Lima (2005) como um espaço de
pesquisa nos cursos de formação. Além de contribuir para a construção da identidade dos
professores, permite a ampliação e aprofundamento do conhecimento pedagógico e da
práxis educativa docente, principalmente quando acontece em escolas públicas. Nesse
sentido, a reflexão acerca da práxis docente deve ser um componente necessário no campo
epistemológico da didática requerendo estudos e análises teóricas mais aprofundadas.

2 METODOLOGIA

Esse estudo é um recorte de uma pesquisa maior que se propõe analisar a


formação docente dos cursos de licenciatura da UFBA. Trata-se de um estudo de caso,
com abordagem qualitativa, por meio de narrativas orais, obtidas por meio de entrevistas
semiestruturadas. Optou-se pelo estudo de caso devido à relevância de compreender as
características únicas da problemática em uma universidade pública da Bahia, desvelando
as potencialidades e demandas próprias desse espaço com relação ao objeto em análise.
A pesquisa foi realizada no campus da Universidade Federal da Bahia. Os
estudantes foram escolhidos aleatoriamente nas dependências das faculdades e institutos
que abrigam os cursos de licenciatura. Eram estudantes matriculados entre o 2º e 10º
semestres dos cursos de licenciatura. Após consulta sobre a participação voluntária no
estudo, os estudantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e

74
se dispuseram a dar depoimento acerca de suas percepções sobre a formação para o
magistério.
Participaram do estudo 62 estudantes em onze grupos focais e trinta e três
entrevistas individuais, com um tempo médio de 15 minutos. Destes, 8 entrevistados são
do curso de Pedagogia, 1 de Teatro, 5 de Letras Vernáculas, 2 de Dança, 5 de História,
10 de Geografia, 6 de Biologia, 1 de Letras-Português, 8 de Física, 2 de Ciências Naturais,
4 de Letras-Inglês, 5 de Química, 1 de Ciências Sociais, 3 de Matemática e 1 de Letras
Português-Inglês. Dos estudantes participantes, 20 estavam matriculados no turno
noturno e 42 no diurno. O método de saturação das respostas foi a técnica utilizada para
montar o banco de dados.
Por meio de tópicos previamente elaborados e validados em teste piloto, foram
realizadas as entrevistas e os grupos focais com a gravação de áudio e transcrição
fidedigna no programa de textos Microsoft Word 2013. As entrevistas duraram,
aproximadamente, 20 minutos. Os grupos focais tiveram a duração média de 40 minutos.
As falas transcritas foram analisadas à luz da Análise de Conteúdo (AC), a partir da
sistematização proposta por Bardin (1977). O método proposto por Bardin é composto
por três fases, a saber: (1) a pré-análise, uma análise preliminar do material e organização
do mesmo, envolvendo a leitura exaustiva do material, atentando-se para as questões de
exaustividade, representatividade e homogeneidade que devem ser observadas nesse
primeiro momento; (2) a exploração do material, com a administração sistemática dos
dados, realizando a codificação e organização, baseando-se nas decisões resultantes da
primeira etapa, e o (3) tratamento dos resultados e interpretação, que se referem a
significação dos resultados, possibilitando as inferências e interpretações. Em cada etapa
há um processo cauteloso e exaustivo de organização e discussão dos dados com o
problema de pesquisa e a teoria adotada.
Nesse estudo foi realizado a AC categorial temática, que busca o tema como
definição central, e “consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem a
comunicação e cuja presença, ou frequência de aparição podem significar alguma coisa
para o objetivo analítico escolhido” (BARDIN, 2016). O tema revela-se enquanto
unidade de registro, sendo um recorte dos sentidos evidenciados no conteúdo, ou seja, é
uma unidade de significação, que mantém relação com os pressupostos teóricos que
orientam a pesquisa.

75
Após a transcrição das entrevistas e leitura exaustiva das mesmas, entendendo a
pré-análise como momento crucial para uma rigorosa categorização temática, iniciou-se
a identificação e organização dos temas emergentes nas entrevistas.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de
Enfermagem da UFBA (CAAE; 31687314.0.0000.5531), e para assegurar e preservar o
anonimato dos entrevistados, os mesmos assinaram um Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

As licenciaturas são cursos, que pela legislação, têm como propósito formar
profissionais na área da educação seja ela: básica, infantil; fundamental; médio e ou
profissional. Mas o que se percebe é a fragilidade da formação deste profissional pelo
currículo que as instituições formadoras oferecem. Essa é a grande preocupação que
aparece nos debates em organizações tanto mundiais quanto nacionais (GATTI, 2010).
Para Scheibe (2010) um dos grandes problemas na formação de professores é a
forte tradição disciplinar presente no Brasil que impedem que envolvam um caráter
interdisciplinar e transversal na formação. Desse modo, a relação entre os dois modelos
não parece acontecer na formação de professores, conforme é percebido pelos estudantes:

[...] Eu também acho que a gente deveria ter uma parte da licenciatura voltada
pro nosso curso, é interessante as matérias de licenciatura abrangerem todos os
cursos de licenciatura, a gente chega nas matérias e tem gente de sociologia e
tal, mas seria interessante a gente trabalhar a didática dentro da nossa área, saber
como trabalhar uma didática dentro da geografia. Não tem um diálogo entre um
e outro, seria interessante uma matéria focado na nossa licenciatura, não sei se
em todas as licenciaturas é assim, mas em geografia é assim. São coisas bem
distantes, a gente que se vire pra fazer um link[...]. (Discente 56, Noturno,
Geografia)

[...] Mas eu acho que ainda tem muito a melhorar, principalmente aqui, que o
foco maior não é a educação mesmo que você vá para a área de licenciatura,
como a maior parte da grade é em comum com o bacharelado, acaba dando um
enfoque muito mais para a área de docência acadêmica e não para a área que a
licenciatura lida mais que é para escolas e tudo mais[...]. (Discente 30, Diurno,
Ciências Biológicas)

Gatti (2010) se aprofunda na questão curricular indicando que, em geral, a


formação acadêmica no Brasil se apresenta insuficiente para o professor vir a planejar,
ministrar e avaliar atividades de ensino tanto no ensino fundamental quanto na educação
infantil. Essa autora oferece como argumento para essa afirmação o fato de que o

76
currículo proposto é fragmentado, apresentando um conjunto disciplinar bastante
disperso; que as disciplinas geralmente apresentam ementas que se preocupam em
justificar porque ensinar e não como ensinar; além de grande desequilíbrio na relação
teoria-prática. Nesse sentido, encontra-se como reflexo dessa falta de integração a
dificuldade relatada pela estudante em adequar a didática aos conhecimentos técnicos
acerca da cartografia:

[...] no meu curso há um distanciamento, as disciplinas de educação elas não são


no IGEO, elas são na FACED. O problema que eu vejo nisso é que a gente, não
sei se só em geografia, às vezes a gente não consegue trabalhar os conteúdos
que a gente aprende em geografia de maneira didática. Então acho que se as
disciplinas de educação fossem integradas a geografia seria bem melhor.
Exemplo a cartografia, que tem que tem a didática de ensinar, às vezes a gente
foge da linguagem da escola, entendeu? Eu acho que há um déficit em relação a
isso[...]. (Discente 51, Diurno, Geografia)

Para Dias-da-Silva (2006), é notório que os cursos de formação de professores, na


maioria das vezes organizados e coordenados por bacharéis, não reconhecem nas
disciplinas de natureza educacional seu papel decisivo para a compreensão dos dilemas
da sociedade contemporânea em que pese estar fundamentada nos fundamentos
filosóficos e sociais da educação, essenciais para a formação política dos futuros
professores. Assim, Gatti (2010) conclui que a formação de professores não pode ser
estruturada com ênfase nas ciências e seus diversos campos disciplinares, mas sim a partir
da função social inerente à escolarização, ou seja, transmitir às novas gerações o
conhecimento acumulado e consolidar valores e práticas coerentes com a vida social.
Nesse sentido, ao passo em que os professores valorizam mais as demandas
provenientes da sua área específica de conhecimento ao invés das demandas gerais da
escola básica, por conseguinte isso contribui para a falta de incentivos para tornar o
currículo interdisciplinar. Essa estratégia de valorizar mais as demandas da escola já vem
sendo aplicada em outros países com sucesso, a exemplo da Finlândia (SAHLBERG,
2015). Entretanto, um estudante relatou que o curso de pedagogia se mostra diferenciado
nesse quesito:
[...] O curso de pedagogia, por muito tempo foi um curso voltado para a gestão.
Depois das duas últimas reformas curriculares, ele se voltou à docência dos anos
iniciais da educação. Então, 90% do meu curso é todo voltado a isso. Não tenho
do que reclamar, de fato, em relação ao preenchimento de grade voltado para a
docência. Então, todos os atributos que você pensar, em licenciatura, na área da
pedagogia, você vai ter. Você tem estágio de observação, estágio de
coordenação, são quatro estágios obrigatórios. Nós de pedagogia não somos
obrigados a pegar estágio por fora, como carga horária complementar, nós temos
quatro estágios dentro da nossa grade curricular. Então, a gente tem todas as
possibilidades de desenvolver a docência, de fato, em todos os nossos

77
componentes, exemplo; didática na prática do professor[...]. (Discente 38,
Diurno, Pedagogia)

O curso de pedagogia é destinado à formação de professores para atuar na


educação infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental. Para Scheibe e Aguiar
(2005), o debate acerca da formação do professor no curso de pedagogia expressa na
atualidade o conflito de posições teórico-metodológicas e epistemológicas. Para Gatti
(2010), o curso de Pedagogia tem uma complexa grade curricular, pois dele se exige,
segundo a Resolução n. 1, de 15/05/2006, do Conselho Nacional de Educação, que
instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, mais de
dezesseis incisos do artigo 5º, várias habilitações contidas no artigo 4º, dentre elas,
“habilidades de planejamento, execução, coordenação, acompanhamento, avaliação de
tarefas próprias do setor da educação”, em um curto espaço de tempo de formação para
esses profissionais (BRASIL, 2006, p.2).
Assim, como resultado da complexa grade curricular a ser cursada em pouco
tempo, observa-se as queixas de outros estudantes de pedagogia acerca da formação
docente:

[...] Eu acho que assim, aqui na UFBA precisa ter essa relação entre teoria e
prática, que a gente não tem. A gente tem os estágios. Estágios 1, 2, 3 e 4.
Estágio 1 direcionado para educação infantil, 2 para educação infantil também,
3 espaços não formais e 4 coordenação. Só que a nossa atuação, é.. essa relação
entre teoria e prática nos estágios, a gente não tem [...]. (Discente 6, Diurno,
Pedagogia)

A fala desse estudante corrobora com os achados da pesquisa de Gatti (2010)


que examinou uma amostra da estrutura curricular e das ementas de disciplinas de 165
cursos presenciais de licenciatura, dentre estes, 71 de pedagogia. Esse estudo demonstrou
que os cursos de pedagogia possuem uma estrutura curricular dispersa e fragmentada. Os
componentes que compreendem a formação docente, que deveriam propiciar o
desenvolvimento de habilidades profissionais específicas para atuação em salas de aula,
representaram em torno de 30% do total dos componentes. Assim, por mais que sejam
ofertados estágios no curso de pedagogia, é necessário também que haja na proposta
curricular elementos que integrem a teoria e a prática.
Segundo o entendimento do Conselho Nacional de Educação (CNE), contido no
Parecer 28/2001, “a prática na matriz curricular dos cursos de formação não pode ficar
reduzida a um espaço isolado” (BRASIL, 2002).

78
Para Silva (2000), é importante que o profissional de formação inicial não se
forme apenas com o domínio dos conhecimentos adquiridos no percurso de sua formação,
mas que ele também desenvolva habilidades para o exercício da mesma, dentre elas estão
as relações interpessoais e competências pedagógicas, “por isso, três dimensões são
fundamentais para o aperfeiçoamento do profissional: a do saber (conhecimentos
específicos), a do saber fazer (desempenho profissional, e atitudes perante o ato
educativo) e a do saber ser e saber tornar-se (relações interpessoais, auto percepção,
motivações, expectativas)” (SILVA, 2000, p. 103).
Assim, ciente da deficiência na formação destes profissionais da área de
educação, o Ministério da Educação (MEC) vem estimulando o desenvolvimento destes
profissionais através de programas de iniciação para aperfeiçoar a formação para a
docência, por exemplo, o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID) e a Residência Pedagógica. Inserir os licenciandos no cotidiano e prática escolar
é um fator que contribui para a melhoria na qualidade da educação básica. Segundo
Paniago (2016), programas como estes têm dado contribuições à formação de professores,
pois favorecem uma efetiva relação teoria-prática e integração entre as IES e as escolas
públicas de educação básica.
O PIBID possibilita preencher a lacuna dos conteúdos pedagógicos práticos, pois
esse programa desenvolve e estimula os estudantes dos cursos de formação inicial de
professores. Todavia, o PIBID não abrange todos os licenciandos em formação, por ser
atividade curricular não-obrigatória e depender de recursos financeiros limitados. Ele foi
criado em 2007, por meio da Portaria n. 38/2007 (BRASIL, 2007), e posteriormente
ampliado através do Decreto n. 7.219/2010. Dentre os objetivos aprovados neste decreto,
vale destacar: “VI – Contribuir para a articulação entre a teoria e prática necessárias à
formação dos docentes, elevando a qualidade das ações acadêmicas nos cursos de
licenciatura.” (BRASIL, 2010). Percebe-se na fala dos discentes a presença dos
resultados concretos do Programa citado:

[...] O PIBID era um programa de iniciação a docência em que a gente sempre


tava muito acompanhado dos professores tanto da própria escola que a gente
tava, como dos professores daqui da universidade e eles meio que ensinavam
a gente como fazer planos, como ensinar uma educação que fosse significativa
pro aluno... E a gente via projetos de pesquisa, conhecia os autores e tentava
ajustar isso de uma forma que desse pra fazer na escola. A gente teve muitas
dificuldades, mas a gente também aprendeu como caminhar nessas
dificuldades. Por exemplo, o projeto que eu participei, havia como ensinar
ciências naturais através de filmes. E é uma coisa muito estranha, que os
meninos nunca viram isso, e a gente conseguiu trazer uma educação
significativa pra os meninos através de filmes que eles nunca veriam, poxa,

79
aprender através filmes, que legal! A gente teve problemas, mas conseguiu
contornar. Acho que a melhor experiência que eu já tive na universidade foi o
PIBID. É o que a faculdade não dá, o PIBID consegue contemplar[...]
(Discente 14, Diurno, Licenciatura Ciências Naturais)

[...] No PIBID a gente tem contato, porque é uma parceria né? Entre a escola
pública, de nível médio, escola estadual e a universidade. Onde nós, estudantes
das licenciaturas, das diversas licenciaturas, não só em química, podia
participar do projeto, ia pra escola e desenvolvia uma atividade que…estava
vinculado a algum tema do ensino de química. Então assim, contribui bastante
com as escolas, porque a gente ajudava os alunos, trazia coisas novas, a
presença de um universitário na escola ajuda, até pela questão de influenciar
os estudantes a estudarem para cursar um nível superior, pra adentrarem numa
universidade [...] (Discente 26, Diurno, Química)

[...] Acho essencial, eu faço o PIBID e já to indo pra escola toda semana e já
to tomando aquele choque de realidade no meio da graduação, porque a gente
vai sair daqui formado, saber o que a gente vai encontrar o mercado de
trabalho, saber o que a gente vai encontrar....Na teoria é tudo mais bonito, mais
poético, quando você chega na prática é tudo mais diferente [...] (Discente 8,
Diurno, Biologia)

Para Santos e Powaczuk (2012) é de suma importância que o profissional


docente se forme para além do ensino em sala de aula, é essencial uma formação com
competências interpessoais, que o profissional seja capaz de trabalhar com as políticas
públicas e com todas as realidades sociocultural ao qual essa profissão é submetida. Os
estudantes têm percepção da realidade ao se defrontar com os estágios. Ficou destacado
nas falas dos estudantes a difícil realidade pelas quais as escolas enfrentam:

[...] Porque essa escola que eu to agora, é uma escola que não chega verba,
uma escola que os professores quase sempre estão pedindo demissão, é no
meio do tráfico é uma escola é dividida, metade de uma escola é de uma facção
e a outra metade é de outra, a gente até foi fazer um trabalho de campo antes
de ontem e metade da nossa turma não pode ir pra rua atrás da escola, porque
ficaram tudo louco, porque é proibido irem pra rua de trás da escola...ontem
mesmo eu tava em sala e várias pessoas de cara baixa, principalmente quando
morre alguém ali no povoado deles ali, principalmente quando morre alguém
ali é impossível de dar aula, então, cadê aquilo de trabalhar com indivíduo?
(Discente 61, Noturno, Geografia)

Para Dias-da-Silva (2006) é necessário pensar um sistema de ensino que conte


com escolas parceiras da Universidade, de modo a participarem como corresponsáveis do
processo formativo dos licenciandos. Esta autora cita a prática de países desenvolvidos
em remunerar os professores tutores (professores da escola básica) das escolas parceiras
da universidade, reconhecendo seu papel formador. Porém, nos cursos analisados, alguns
estudantes demonstraram insatisfação com a formação ao iniciar as atividades de estágios,
por considerarem que o curso não os capacita para atuar em sala de aula. Atrela-se a esse
fator, a falta do acompanhamento de um supervisor, que seria o profissional responsável

80
por avaliar o desempenho deles no estágio e orientá-los sempre que houver dúvidas ou
insegurança durante essa fase do percurso formativo. Essa realidade é demonstrada no
relato a seguir:

[...] E eu acredito que o curso mesmo tendo essas disciplinas, mesmo tendo o
PIBID, ele não oferece essa formação de forma segura pra o aluno chegar na
sala de aula e dizer assim: “Eu estou capacitado verdadeiramente para lidar
com essa situação...Ajudaria muito se o estágio, por exemplo, que é o programa
de... pra inserção dessa pessoa que ta saindo da universidade para o mercado
de trabalho, sem ser “jogada” diretamente nos seus empregos né? É... fosse
mais fiscalizado. Porque, por exemplo, o que mais acontece é de o professor
estagiário assumir a turma sozinho, sem o professor que no caso seria o
supervisor, acompanhar. E isso prejudica porque o momento do estágio seria
o momento de aprendizado, então ele teria que estar aprendendo com esse
professor [...] (Discente 13, Diurno, Licenciatura em Ciências Naturais)

Adicionalmente, Pimenta e Lima (2005) consideram que o estágio se configura


como um espaço de pesquisa nos cursos de formação. Assim, além de contribuir para a
construção da identidade docente, também amplia e aprofunda o conhecimento
pedagógico e de práxis educativa docente, principalmente quando é vinculado a escolas
públicas.
Um profissional pesquisador está diretamente ligado a informações e situações
que irão problematizar o seu objeto de pesquisa, e para isso o profissional deve estar apto
a ter uma boa escuta e desenvolver um bom diálogo com o outro, essa troca cria novas
possibilidades de resoluções sobre um determinado problema. (BENGOZI, 2011). Os
estudantes entrevistados, por sua vez, reconhecem a importância da pesquisa para a
formação docente:

A pesquisa foi muito importante nesse período pra mim, porque eu não tinha
noção do que seria, primeiramente, uma sala de aula. Não tinha mesmo eu
entrei na faculdade muito nova, entrei quando tinha 17 anos. Então eu era uma
menina, não sabia muito bem o que seria do curso e ai quando eu entrei na
Universidade, logo no segundo semestre eu fui aceita no projeto, então o que
foi a base teórica para trabalhar em sala de aula, porque às vezes falam; ‘ah,
na prática é muito diferente da teoria’. Realmente, em cada local há uma
realidade, porém a teoria é que nos ajuda a saber como lidar com cada situação
na prática. Então isso é muito importante para mim e também me deu a certeza
de que eu quero trabalhar de fato com Pesquisa, e não com licenciatura em
sala de aula. Então foi muito importante essa contribuição da área de pesquisa,
de fato, na minha formação. (Discente 38, Diurno, Pedagogia)

A pesquisa é muito importante enquanto uma futura profissional da área da


educação, porque possibilita uma compreensão maior da realidade em que eu
pretendo estudar, lecionar, enfim. Na graduação eu realizo pesquisa na área
da sociologia da arte e isso tem me ajudado muito enquanto futura
profissional, como trabalhar com outros seres humanos também, como estar
lecionando, como trabalhar a pesquisa com meus futuros alunos. É uma forma

81
de conhecer o mundo e eu acho que a pesquisa traz essa possibilidade.
(Discente 28, Diurno, Ciências Sociais)

Portanto, André (2012) discute acerca da importância de formar um professor-


pesquisador para que o mesmo entenda que a própria profissão exige questionamentos
constantes, e através da pesquisa pode-se buscar soluções criativas para os problemas
levantados.
Entretanto, nem sempre os coordenadores, professores e estudantes percebem o
valor formativo da pesquisa. Isso ficou destacado no fato de que, apesar de reconhecer a
importância da pesquisa na formação, a maioria dos estudantes entrevistados afirmou não
haver participado de projetos de pesquisa, principalmente os estudantes do turno noturno.
Pimenta e Lima (2005) questionam, portanto, se a escola realmente tem sido um espaço
de questionamento, investigação, sistematização e produção de conhecimentos
decorrentes da reflexão sobre a realidade.
Ainda nessa celeuma, Pimenta (1999) aponta que são os saberes da experiência,
os saberes do conhecimento (referente aos saberes técnicos) e os saberes pedagógicos
(entendidos como os que viabilizam a ação do ensinar) que definem a construção da
identidade do professor (PIMENTA, 1999). O que incorpora os saberes da experiência
são as experiências enquanto estudantes e os saberes da experiência produzidos pelos
professores no trabalho pedagógico cotidiano. Ficou destacado nas entrevistas que os
estudantes reconhecem o papel dos seus professores na construção dos saberes da
experiência:

[...] Eu acredito que não estou sendo bem preparado. Sendo bem sincero,
porque existe aqui muita teoria, eu vejo muita teoria no curso de pedagogia e
pouca prática. Os professores têm uma fala muito bonita da sociedade, de
tudo, de que tudo é muito bonito, as leituras são excepcionais, mas na vida
prática eles não aplicam isso. Dentro de sala de aula eles não são nem um
pingo didático, continuam trabalhando com aulas tradicionais, as quais eu
acho que não seja uma metodologia interessante, então eu não acredito que
enquanto formação docente, na graduação, eu esteja tendo uma boa
formação[...] (Discente 3, Diurno, Pedagogia)

Para Hobold e Menslin (2012), tanto o professor quanto o estudante, numa


relação dialógica, se interrelacionam e se modificam mutuamente. A sala de aula se
constitui, dessa forma, em um local de aprender e ensinar ao mesmo tempo. Alguns
estudantes entrevistados apontaram alguns desestímulos à docência por causa do
professor formador:

82
[...] mas a didática é horrível, porque a maioria dos professores de geografia
não são graduados em geografia, eles fizeram uma pós graduação em
geografia, mas não são formados em geografia, e os poucos formandos em
geografia não são licenciatura não são graduados em licenciaturas, são
bacharéis, então a didática dos professores que a gente tem é ruim... tem muios
com a didática péssima. (Discente 35, Diurno, Geografia)

Segundo Shulman (2004), o professor possui responsabilidades especiais em


relação ao conhecimento do conteúdo, servindo de fonte primária do entendimento do
aluno em relação ao componente. Isso significa que o modo como esse conhecimento é
compartilhado com o estudante é essencial para a formação docente. Ao enfrentar a
diversidade dos estudantes, o professor deve demonstrar flexibilidade e compreensão
multifacetada, adequada para relação dialógica. Essa atitude também é esperada pelos
estudantes, conforme relato a seguir:

[...] Assim, o que a gente recebe em sala de aula são professores ainda
engessados que não pensam...é ...uma sala diversa, uma sala ampla, com
vários tipos de realidades, subjetividades… é ...pessoais. Eu acho que isso é
algo para ser pensado é … começando pelos embates das novas propostas de
gênero, sexualidade e relações étnico-raciais… Então, se a gente ver a
metodologia...às vezes , muitas falada na sala de aula e que não é aplicada. E
a gente fala; se você não aplica isso, como eu vou aplicar isso com meus
alunos? … em contrapartida, a gente também encontra professores diferentes
que aplicam na prática aquilo que trazem para a sala de aula e que nos
possibilitam ter um pensamento crítico, né, nos estimulam a ter esse
pensamento crítico[...] (Discente 36, Diurno, Pedagogia)

[...] Mas eu acho que o peso não é só da matéria assim, vai também do aluno
que tem que ter o interesse em querer aprender a ensinar, para não ficar
repetindo coisa que a gente viu errado a vida toda. É isso, a gente aprendeu
errado dos professores que tivemos, não repetir isso lá na frente, mas formar
pessoas e não passar conteúdo, mas estimular o conteúdo na pessoa[...]
(Discente 21, Diurno, Letras em inglês),

Tendo em vista as queixas dos estudantes acerca dos seus professores, é


importante destacar que a chave para uma boa formação docente repousa na intersecção
de conteúdos e pedagogia, ou seja, na capacidade que um professor possui de transformar
o conhecimento do conteúdo em formas que sejam eficaz e possíveis de adaptação às
variações de habilidade e contexto apresentados pelos alunos (SHULMAN, 2004).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A percepção dos estudantes das licenciaturas da UFBA, eixo central dessa


pesquisa, obtida por meio das entrevistas, favoreceu o alcance dos resultados, de acordo
com a análise da realidade educacional estudada.

83
Mediante o estudo realizado, ficou evidenciado que ainda existem muitos
impasses e desafios na construção do perfil profissional docente, alinhado às teorias
pedagógicas contemporâneas e inovadoras, e que o currículo dessas licenciaturas ainda
está demarcando por uma vertente de formação tradicional, no qual se optou por dar
ênfase maior na teoria em detrimento da prática pedagógica.
As lacunas na formação apontadas pelos estudantes evidenciam que apesar de
existirem normas legais que garantam a esses profissionais um mínimo exigido na sua
formação, a efetividade da implementação de tais normas na instituição permanece
incipiente. Essa percepção pode ser constatada por meio dos depoimentos que
demonstraram a insuficiente conexão entre o tripé formativo, que são: ensino, extensão e
pesquisa.
O estudo também apontou que os programas como o PIBID, dedicados ao
fomento da iniciação à docência, contribuem para preencher as lacunas curriculares no
que tange às práticas pedagógicas e à imersão no campo do trabalho, contudo, por não
haver oportunidade para que todos os licenciandos participem dessa experiência, devido
às limitações de acesso ao programa, alguns estudantes com experiência no PIBID
concluem sua formação com maior preparo para a docência em detrimento dos demais
que não obtiveram a mesma experiência formativa.
Outro fator preocupante é a falta de supervisão apontada pelos discentes durante
os estágios. Além de infringir a Lei 11.788/2008 (Lei que regulamenta os estágios), essa
situação resulta na insegurança relatada por parte dos discentes, em relação ao
desempenho deles no estágio.
É notório que os estudantes têm uma visão segmentada de sua formação inicial
a docência, a universidade precisa contemplar seus currículos com as normas e leis
vigentes a fim de oferecer a esses estudantes uma excelente qualidade do ensino e das
aprendizagens adequadas.
Partindo destes obstáculos e das vozes dos discentes, se constata a pouca
valorização na formação inicial desses futuros profissionais da educação, o que leva a
uma formação inicial de professores inadequada frente à importância e complexidade da
profissão docente.

REFERÊNCIAS
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pesquisa na formação e na prática dos professores. Campinas: Papirus, 2012.

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2002.

87
Capítulo 6
OS CURSOS DE LICENCIATURA DO TURNO NOTURNO:
PERCEPÇÕES E EXPERIÊNCIAS ESTUDANTIS NA
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Odonilton Lima Lemos


Renata Meira Veras
Vitória Batista Calmon de Passos

1 INTRODUÇÃO

A formação universitária, no turno noturno em especial, apresenta-se como um


campo necessário de estudos na atualidade, tendo em vista seu crescimento nos últimos
anos. Em 2016 o número de matrículas nesse turno alcançou 61,5% enquanto o diurno
contou com 38,5% do número total de matriculados (INEP, 2018). Estes dados
evidenciam o fato de que a expansão das vagas para estudantes no turno noturno foi
fundamental para inclusão social de muitas pessoas que trabalham ou realizam outras
atividades durante o dia, dando-lhes a oportunidade de obter uma graduação (OLIVEIRA;
BITTAR; LEMOS, 2010).
Os cursos de formação de professores foram responsáveis por um grande número
de matrículas nesse turno, principalmente em instituições privadas (INEP, 2018). Diante
disso, compreende-se que com características diferentes do período diurno, os cursos de
licenciatura noturnos se apresentam de maneira não tão conhecida nas universidades
federais brasileiras, haja visto que ao longo do tempo sua oferta ficou quase que restrita
ao setor privado da educação (TERRIBILI FILHO; NERY, 2009).
Por outro lado, estudos vêm apontando as diversas dificuldades e limitações
encontradas nos cursos noturnos em instituições federais que os estudantes driblam para
conseguir obter o título acadêmico superior.(MARANHÃO; VERAS, 2017; VIANNA;
AYDOS; SIQUEIRA, 1996). Fato este que vai de encontro a lei n. 10.172/01, que institui
o Plano Nacional de Educação e trata da necessidade das vagas no período noturno,
considerando que seja garantido o acesso a laboratórios, bibliotecas e outros recursos que
assegurem ao estudante-trabalhador o ensino de qualidade a que se tem direito nas
mesmas condições que dispõem os estudantes do período diurno.
Um exemplo dessas carências é apontado pelo estudo de Maranhão e Veras (2017)
que identificou uma baixa participação dos graduandos do turno noturno em pesquisa e

88
extensão, haja vista que estas funcionam prioritariamente no período diurno, horário em
que os estudantes-trabalhadores e trabalhadores-estudantes estão no trabalho. Assim, as
autoras explicam que após a ampliação no número de vagas, por meio dos cursos
noturnos, de fato as universidades passaram a ficar mais próximas da parcela social que
trabalha, mas ainda carecem de atendê-la com igualdade social e respeito às suas
especificidades pedagógicas.
Considerando tudo isso, para Furlani (2004) é necessário que sejam realizados
estudos acerca da percepção dos estudantes do turno noturno, contribuindo para investigar
se os objetivos educacionais da formação universitária estão sendo cumpridos e se
precisam ser ajustados, bem como compreender os processos internos de inclusão e
exclusão relativos ao ensino superior.
Nesse sentido, a questão norteadora desta investigação é: De que maneira os
estudantes de licenciatura do turno noturno da Universidade Federal da Bahia percebem
e avaliam o ensino, a pesquisa e a extensão? Destaca-se que projetos de investigação que
versam sobre a formação docente permitem refletir não apenas sobre o tipo de formação
que está sendo realizado nas instituições de ensino superior, mas também possibilita a
reconstrução da proposta de formação desses futuros docentes. Assim, esse estudo tem
como objetivo analisar a percepção dos estudantes dos cursos de licenciatura noturnas
acerca do ensino, da pesquisa e da extensão na UFBA.

1.1 O ENSINO NOTURNO

O ensino superior brasileiro ainda apresenta algumas questões específicas quando


é analisado por turnos de funcionamento. O período noturno teve sua criação mais
tardiamente em comparação ao período diurno, consequentemente, os direitos
educacionais encontraram ainda mais entraves para se concretizar. Arroyo (2004) discute
a situação dos cursos noturnos e dos estudantes trabalhadores que os frequentam e
questiona acerca da função social do Estado e da universidade para as classes
trabalhadoras que adentraram o ensino superior:

Os cursos noturnos colocam ao sistema de ensino como um todo, e


especificamente à Universidade, a urgência de rever modelos caracterizados
pela rigidez, o centralismo, a falta de pluralismo, a excessiva uniformidade do
sistema escolar. Caminhar para uma pluralidade institucional seria a pré-
condição para que o espírito criador presente nos profissionais da educação
inventasse propostas mais flexíveis e de melhor qualidade para o aluno-
trabalhador [...]. O encaminhamento dos cursos noturnos tem de situar-se em

89
uma concepção mais séria da criatividade e da flexibilidade. Terá de
acompanhar uma reflexão amadurecida sobre a urgência de repensar a
Universidade frente às novas exigências da sociedade e frente à nova função
social do Estado, exigências concretas, advindas de setores sociais bastantes
diferenciados (ARROYO, 2004 p.92)

A oferta de ensino superior no turno noturno tem base legal no artigo 47 da LDB,
parágrafo 4, no qual é regulado que as instituições de ensino superior têm a
obrigatoriedade de ofertar cursos noturnos, devendo manter o mesmo padrão para esses
cursos e os diurnos, sendo garantida a necessária previsão orçamentária (BRASIL, 1996).
No que se refere ao turno das matrículas presenciais no ensino superior brasileiro,
do total de 2.142.463 ingressantes em 2016, a parcela majoritária de 61,5% frequentava
o turno noturno. Essa prevalência do noturno é observada tanto na categoria pública
municipal (71,4%) como na categoria privada (68,5%). Diferentemente, na categoria
pública em seu conjunto, a maioria dos ingressantes frequenta o turno diurno (60,9%), o
que é observado nas categorias federal (66,5%) e estadual (55,5%) (INEP, 2018).
De acordo com o Censo 2016 (INEP, 2018), 21,4% do número de matrículas no
ensino superior em 2016 se deu em cursos de licenciaturas, enquanto 58,7% ocorreram
em cursos de bacharelado e 19,9% em cursos tecnológicos. Apesar da queda de 7,8% do
número de cursos de licenciatura entre 2014 e 2016, a área de educação concentrou a
segunda maior quantidade de matrículas em 2016.
Os autores Terribili Filho E Nery (2009) consideram que o maior número de
matrículas no noturno simboliza a estrutura econômica atual do país, já que um curso
nesse turno possibilita que os estudantes continuem ou iniciem uma atividade profissional
remunerada durante o dia, viabilizando os recursos necessários a sua manutenção dentro
e fora da graduação. Esse estudante busca, através da graduação, a formação profissional,
almejando a entrada no mercado de trabalho na área que formou ou uma qualificação
superior, frente a concorrência estabelecida no mundo do emprego.
Santana (2013) mostra que na UFBA o percentual de trabalhadores (28,7%) que
ingressaram na Universidade Federal da Bahia em 2012 foi ainda menor que o conjunto
das universidades federais, mas que esse percentual cresce quando se analisa
separadamente o período noturno, sendo 52,5% o total de estudantes-trabalhadores e
trabalhadores-estudantes. Mas, contrariamente às demais universidades federais, a média
do fator socioeconômico dos aprovados para o noturno indica que a maior parte desses
estudantes (52,3%) pertence às classes B e C, embora o indicador para essas classes

90
sociais não seja igual para todos os cursos, alguns também pertencem às classes menos
elevadas.
No entanto, independentemente do tipo do estudante universitário, o ingresso em
um curso superior sempre está associado a projetos de ascensão social e financeira, o que
não exclui outras motivações como exercer determinada profissão ou desejo por
conhecimento. (G. ROMANELLI, 1995 p.456). Assim, para Terribili Filho (2007) esses
conceitos podem ser ampliados diante das novas configurações de apoios financeiros e
financiamentos para os estudantes do ensino superior.
Mesmo assim, considera-se que o ensino noturno tem se tornando uma estratégia
de inclusão social nas universidades brasileiras, considerando o aumento significativo das
matrículas nessas graduações (TERRIBILI FILHO; NERY, 2009), e possibilitando o
acesso do estudante-trabalhador ao ensino superior.
O estudante em tempo integral é aquele que é totalmente mantido pela família,
que usufrui melhor de sua condição de estudante, sem precisar absorver-se com os
problemas de seu sustento, porém precisa prestar conta de seus estudos à família, o que
gera limitação na sua autonomia (ROMANELLI, 1995; FORACCHI, 1977)
O estudante-trabalhador é mantido pela família apenas parcialmente. Embora sua
conduta seja ainda controlada por familiares, transfere parte de sua responsabilidade para
eles com a contribuição no orçamento familiar. Além da parcialidade de manutenção da
família, esse estudante tem parcialidade também na sua condição de estudante
(ROMANELLI, 1995; FORACCHI, 1977)
O trabalhador-estudante não depende financeiramente da família e colabora para
sua manutenção. Ao contrário do estudante-trabalhador, ele é também responsável pelo
orçamento doméstico e seu sustento é retirado de seu trabalho, assim como a continuidade
de seus estudos depende de si próprio. Os estudos são vistos como algo que irá agregar
na sua qualificação profissional, estabilidade financeira e realização pessoal
(ROMANELLI, 1995; FORACCHI, 1977)
Estudos apontam que os cursos de licenciatura noturnos são bastante procurados
tanto em instituições públicas quanto privadas. Contudo, esse aumento crescente do
número de matrículas em cursos de licenciatura no turno noturno leva alguns autores
(DINIZ-PEREIRA, 2015; GATTI e NUNES, 2009) a questionarem a qualidade do ensino
noturno, devido à dificuldade na realização de estágios, participação em projetos de
pesquisa e extensão, como também às especificidades dos estudantes na condição de
trabalhadores.

91
Soma-se isso à tendência mundial de investigações em torno deste tema,
originados em boa parte de organismos internacionais como a Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), UNESCO e Banco Mundial,
chegando a constituir o maior número de ensaios e pesquisas no campo da educação
(LIBâNEO, 2015).
Independentemente do turno de funcionamento, observa-se que os cursos
universitários enfrentam inúmeros desafios, entre eles a desvalorização social do grau de
licenciatura e da remuneração na atuação profissional. Atrelados a tais desafios há
também equívocos do imaginário social de que se a atuação profissional do licenciando
será exclusivamente no ensino, não lhe cabe participar dos setores de pesquisa e extensão
da universidade, ficando estes reservados aos bacharelandos (GATTI, 2016).
De acordo com Pereira (1999), é necessário que a formação de educadores ocorra
através da pesquisa e da extensão. Dessa forma, o docente passa a assumir o papel de
produtor de conhecimento, tendo a condição de ultrapassar a mera função de mediadores
entre a ciência, o conhecimento, os produtos da pesquisa e o licenciando. Maranhão e
Veras (2017) evidenciam que se inclui às necessidades pedagógicas a participação em
pesquisa e extensão, pois, de acordo com as autoras, as três funções da universidade
acontecem de forma dissociada entre os turnos: para o noturno só há a universidade de
ensino.
Segundo Ferreira et al. (2016) a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão deve acontecer na Universidade para que possa contribuir no estreitamento da
relação com a sociedade e, assim, promover a construção de um conhecimento mútuo na
formação do estudante e na transformação da universidade e da sociedade.
Assim, questiona-se se as instituições de ensino superior, sobretudo as
universidades, estão preparadas para atender esse estudante ou se já o fazem de modo
satisfatório. Conciliar a condição de estudante e a condição de trabalhador pode se tornar
um desafio não só para os discentes do noturno, mas também para os docentes que atuam
diretamente na sua formação.

2 METODOLOGIA

Esse estudo é um recorte de uma pesquisa maior desenvolvida na Universidade


Federal da Bahia que envolveu vários subtemas acerca da formação docente. A
metodologia escolhida se justifica através do objetivo da pesquisa que é analisar as
experiências que os estudantes das licenciaturas noturnas da UFBA vivenciam no ensino,

92
na pesquisa e na extensão. Para se atingir esse objetivo a metodologia qualitativa foi a
mais adequada, pois ela permite conhecer as razões e os motivos que dão sentido às
aspirações, às crenças, aos valores e às atitudes dos homens em suas interações sociais
(FRASER; GONDIM, 2004 p. 151). Bauer e Gaskell (2002) acrescentam ainda que a
pesquisa qualitativa é oriunda da pesquisa social, e tem em seus objetivos a função de
observar a expressão das pessoas e o que elas falam e pensam sobre a suas ações e as
ações dos outros.
Nesse sentido, o presente estudo pretende compreender uma realidade particular
do período noturno na sua complexidade. Assim, se apoia na etnometodologia de
Garfinkel (2009), devido ao fato desta ter tido significativa importância para pesquisas
que investigam o que os sujeitos percebem, descrevem e propõem em situações cotidianas
que envolvem grupos e relações. Para Garfinkel (2009 p.119), a etnometodologia se refere
“[...] à investigação das propriedades racionais de expressões indexicais e outras ações
práticas como realizações contínua e contingentes de práticas engenhosas da vida
cotidiana”.
Assim, foi realizada uma pesquisa de campo com estudantes matriculados nos
seguintes cursos de licenciatura do turno noturno: Física, Geografia, Matemática,
Química, Ciências Biológicas, História, Pedagogia, Letras Vernáculas, Língua
Estrangeira Inglês/Espanhol, Computação e Dança. Inicialmente foi elaborado um roteiro
piloto para a entrevista e aplicado em 6 estudantes. Esse roteiro foi alterado de acordo
com o feedback recebido e a última versão contou com questões acerca de três eixos
temáticos: a) Perfil e motivos de escolha pela licenciatura noturna b) Avaliação das
práticas de ensino e participação estudantil; c) Avaliação das experiências na pesquisa e
extensão universitária. O segundo e terceiro eixo foram selecionados para este estudo.
Utilizando a técnica de saturação de dados, ao total participaram 62 estudantes,
sendo 33 em entrevistas individuais e 29 em grupos focais, com uma média de 03
estudantes por grupo. Especificamente neste trabalho, o foco foi dado aos estudantes do
noturno, um total de 20 entrevistados. As informações prestadas foram gravadas e
transcritas e contaram como complemento com um pequeno questionário de identificação
dos pesquisados, contendo informações sobre sexo, idade, cor/etnia, renda e trabalho.
A escolha dos estudantes ocorreu de forma aleatória, sendo convidados a
participarem da pesquisa aqueles que circulavam nas unidades de ensino dos cursos
analisados. Os textos transcritos formaram um corpus, isto é, um material com funções
simbólicas (BAUER; AARTS, 2002 p.45) e não uma amostragem. O tamanho do corpus

93
é restrito e intencional. Ainda de acordo Bauer e Aarts (2002), a construção do corpus é
outra proposta funcionalmente equivalente ao valor da amostragem, embora
estruturalmente diferente porque leva em consideração as diversas nuances dos
pesquisados. Nesse sentido, as vivências e experiências particulares apresentadas na
pesquisa representaram uma tipificação de representações ainda desconhecidas acerca de
estudantes das licenciaturas noturnas da UFBA.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de
Enfermagem da UFBA (CAAE: 31687314.0.0000.5531). E a fim de assegurar a sua
idoneidade, bem como garantir o compromisso dos pesquisadores em preservar o
anonimato dos atores envolvidos no processo, os sujeitos da pesquisa assinaram o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido. Neste estudo, os sujeitos são identificados pelo
número atribuído a cada entrevista.
As falas transcritas foram analisadas à luz da Análise de Conteúdo (AC), a partir
da sistematização proposta por Bardin (1977). O método proposto por esse autor é
composto por três fases, a saber: (1) a pré-análise, uma análise preliminar do material e
organização do mesmo, envolvendo uma leitura exaustiva do texto; (2) a exploração do
material, com a administração sistemática dos dados, realizando a codificação e
organização do conteúdo; e (3) tratamento dos resultados, que se referem à significação
dos dados, o que possibilita as inferências e interpretações (BARDIN, 1977). Em cada
etapa há um processo cauteloso e exaustivo de organização e discussão dos dados com o
problema de pesquisa e a teoria adotada.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesse estudo, os entrevistados do turno noturno apresentaram o seguinte perfil:


55% são do sexo feminino, com idade entre 19 e 35 anos. A maioria (40%) são negros,
em seguida brancos (35%) e por fim os pardos (25%), sendo que, somente 35% são
cotistas e 15% recebem algum auxílio estudantil. Em relação ao ensino médio, 50% são
oriundos de escola privada, 45% de escola pública e 5% teve uma formação híbrida entre
pública e privada.
Para Vaidergorn (2001) a educação superior no Brasil vem passando por
questionamento e pressão para adaptar-se ao mundo moderno a fim de suprir as demandas
advindas da globalização. A globalização impôs um paradoxo ao ensino universitário.
Uma vez que a universidade deveria educar os estudantes por meio da universalidade e

94
formação geral para formar o cidadão ético, assim, tende a abandonar o seu caráter
universal e humanista para se tornar instrumental (FURLANI, 1998). Segundo Oliveira,
Bittar e Lemos (2010) desde a década de 1980, o ensino superior noturno vem
possibilitando a entrada da população de menores condições socioeconômicas na
universidade, principalmente com o apoio de recursos públicos em instituições privadas.
O prolongamento dessa situação se deu devido ao fato de os estudantes de classes menos
favorecidas quererem “[...] romper o ciclo vicioso da posição de classe e de exclusão
social” (OLIVEIRA; BITTAR; LEMOS, 2010 p.249-250), vislumbrando mais
oportunidades no mercado de trabalho e melhoria do poder aquisitivo, a partir do diploma
de nível superior.
Dessa maneira, a graduação numa licenciatura assume o papel de uma garantia de
emprego e, portanto, de proteção contra situações de vulnerabilidade social, mas
justamente essa vulnerabilidade faz com que muitos estudantes sejam obrigados a optar
pelo ensino noturno:
Porque proletariado tem que estudar de noite, por conta que tem que trabalhar
de dia e a noite tem essa...que dizer a dificuldade de poder conciliar trabalho e
estudo e a facilidade também de poder conciliar os dois. Então, noturno é por
conta disso. Porque...acho que todo mundo optaria se fosse...é...pelo tempo
integral, ficando matutino por conta das oportunidades que são mais fáceis. A
gente sabe que aqui na instituição tem uns professores elitistas que acham que
o ensino noturno não dá em nada, é uma coisa obsoleta, é, tem alguns
professores com essas idéias tradicionais que não gostam de priorizar o
noturno, e também às vezes o noturno, como ele falou, fica defasado, porque
visita de campo, muitos colegas não podem por conta do trabalho, então, acho
que a maioria das pessoas que optam por estudar de noite é por conta que
coloca o trabalho em primeiro lugar, então, é por conta disso. (Estudante 04,
Licenciatura em Geografia, grupo focal)

Porque minha mãe sempre falou “você é preto, você é pobre, você vai ter que
trabalhar e se você fizer um curso diurno a UFBA não vai deixar você
trabalhar” entendeu? Então eu sempre tive isso muito claro na minha cabeça,
desde que eu comecei a estudar, eu já tinha na cabeça que qualquer curso tinha
que ser noturno porque eu sabia que minha mãe não ia poder me manter...
Óbvio que a gente se aperta aqui, se aperta ali, dá pra segurar um tempo, mas
não tem como, vai ter um momento que não vai dar... Estar na faculdade
pública é o jeito mais caro de se estudar de graça, é xerox ali, o dia todo na
faculdade, é transporte... (Estudante 57, Licenciatura em matemática, grupo
focal)

As dificuldades socioeconômicas podem se associar a outras, relacionadas ao


quadro complexo da condição estudante (ZAGO, 2006). Assim, comprar livros, fazer
fotocópias de materiais de leitura, fazer lanches e pagar transporte são algumas das
despesas que passam a fazer parte do orçamento do estudante universitário, o que implica
na sua permanência material (SANTOS, 2009), bem como enfrentar os estigmas sociais
encravados nas relações de poder dentro da universidade, assim como superar as

95
carências, as fragilidades e ter suas diferenças respeitadas são aspectos mais subjetivos
que implicam numa permanência simbólica (SANTOS, 2009).
Furlani (1998) afirma que até o final dos anos 1960 os estudantes ginasiais,
colegiais e universitários pertenciam aos estratos médios e altos da sociedade, já os jovens
trabalhadores, os subocupados ou os provisoriamente desocupados pertenciam aos
estratos populares e pobres. A maioria dos estudantes do noturno reflete essa situação,
pois, segundo Furlani (1998) “a necessidade de melhorar o orçamento familiar e pressões
do consumo, entre outros fatores, impulsionam milhares de crianças e adolescentes dos
segmentos inferior e médio a ingressar, precocemente, no mercado de trabalho”,
postergando o estudo.
Segundo Filipak e Hennerich (2017) a educação superior sempre foi privilégio da
elite que possui poder político-econômico e, apesar do aumento no número de vagas nas
universidades nos últimos anos e da criação das ações afirmativas, isso não é suficiente
para que se tenha uma democratização no acesso ao ensino superior, é preciso que existam
condições adequadas para a permanência do estudante. “Garantir o acesso, a permanência
e o êxito acadêmico dos estudantes devem ser considerados aspectos indispensáveis para
a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e democrática” (p.1244).
Assim, são muitos os desafios que se apresentam para os estudantes do período
noturno, entre eles a conciliação do trabalho e estudo que aponta para a presença do
estudante-trabalhador e do trabalhador-estudante. Além disso, obstáculos relacionados à
motivação, cansaço, uso do transporte coletivo, trânsito, segurança, alimentação,
circundam seu cotidiano, indicando que uma assistência estudantil poderia ser uma
possibilidade para ajudar no enfretamento desses desafios. Isso foi constatado na fala da
estudante:

Olha... eu escolhi o noturno porque quando eu vim pra cá eu fiquei com muito
medo de não conseguir os auxílios, ai antes de passar eu já tava cadastrada na
PROAE, ai botei a noite porque se eu não conseguir eu trabalho de dia e estudo
a noite (Estudante 61, Licenciatura em Geografia, entrevista individual)

Alguns estudantes apresentaram como queixas constantes o fato de as disciplinas


optativas serem ofertadas predominantemente no turno diurno, limitando as escolhas e
preferências dos estudantes. No momento em que são distribuídos os horários das
disciplinas obrigatórias durante o dia e/ou as deixa de ofertar durante a noite e/ou as oferta
com menor intensidade, não só se cria um obstáculo para o estudante cursá-las, como

96
também se ignora que o curso em que este está matriculado deve funcionar integralmente
no período noturno:

Assim... O noturno é um tapa buraco pra mim. Mas... Não investem no curso
noturno, ao menos em geografia... Por exemplo, a gente pega matérias
optativas, e tem um determinado momento do curso que você é obrigado a
pegar matérias optativas, e as optativas não tem a noite. As optativas são só a
tarde... Palestras, projetos com o que tá tendo agora, que é uma feira da
América Latina superinteressante, é durante o dia, Não tem eventos a noite, até
porque a noite só tem geografia, os outros cursos não tem a noite, que é
Geologia, oceanografia e Geofísica. Ai fica vazio, você já perde a experiência
do convívio com outras pessoas... E eu escolhi o noturno porque quando eu
cheguei aqui, meu projeto era trabalhar pra conciliar com o curso, mas graças
a Deus eu consegui a residência e consigo me dedicar a universidade, então
apesar do meu curso ser noturno eu to na UFBA quase o dia todo (Estudante
56, Licenciatura em Geografia, entrevista individual)

Eu conheço pouco sobre o noturno, porque apesar de ser do noturno eu pego a


maioria das matérias no diurno, porque eu tenho esse privilégio de poder estar
aqui o dia todo, o que a maioria das pessoas não pode. As poucas disciplinas
que eu tenho do noturno, lá no Instituto de Física, é metade-metade, eu acho
que alguns professores têm essa sensibilidade, por entender que a turma do
noturno é uma turma diferente. A turma do noturno são as pessoas que
trabalham, são as pessoas que têm família, são um pessoal que não pode estar
aqui o dia inteiro fazendo nada. (Estudante 17, Licenciatura em Física,
entrevista individual)

Esses estudantes podem ser considerados em tempo integral, já que não trabalham
e participam de outras atividades na universidade. Assim, apesar de serem matriculados
no turno noturno eles cursam disciplinas e participam de atividades no turno oposto
devido às dificuldades enfrentadas no noturno. Fica bem evidente que o estudante que
consegue cursar matérias à noite obtém mais chances de se formar em menor tempo, como
é o caso de física:

Se a gente fizer uma estatística do curso de Física, do noturno quantas pessoas


formam, quantas pessoas completaram o curso todo no noturno... É tipo, sei lá,
duas, três pessoas? Primeiro que Física forma 5 pessoas por semestre, quando
forma, juntando licenciatura e bacharelado. E desses cinco, talvez um tenha
feito o curso inteiro no noturno, não mais do que isso. E as pessoas do noturno
que formam, pegaram matéria com o diurno, até porque o segundo problema
do noturno é a quantidade de vagas nas disciplinas e a questão das disciplinas
anuais. Porque acaba que isso atrasa as pessoas, tipo, desesperadamente...
(Estudante 17, Licenciatura em Física, entrevista individual)

A universidade não pode se eximir de seu papel de procurar conhecer as condições


socioculturais do estudante, buscar meios para dinamizar as aulas (TERRIBILI FILHO;
NERY, 2009) e se adaptar a realidade desse público que resolveu acolher. Se a
universidade se eximir desse papel estará caindo no discurso negador da humanização,

97
como destaca Freire (2007) O estudante relata a desumanização sentida por parte dos
professores do noturno:

Se é do noturno e perde a disciplina, só vai pegar no outro ano, não é semestre,


é de ano em ano ... E isso é difícil, além de optativa que a gente não tem, é
difícil ter uma optativa pro noturno. Tudo que você imaginar de ruim, pro
noturno é pior... Não tem oferta de disciplinas, os professores não gostam de
dar aula pro noturno. Eu já passei por situação do professor entrar na sala e
falar que tava fazendo um favor pra gente dando aula, então... (Estudante 33,
Licenciatura em Biologia. Entrevista individual)

Para Furlani (2004), o estudante anula sua participação no processo ensino-


aprendizagem quando o professor não exerce os papéis de didata vivenciando modelos
democráticos de participação. Esse tipo de relação repete, dentro da universidade, a
desigualdade em relações mantidas fora dela, na sociedade. Essas relações são observadas
pelos estudantes:

Eu acho que a universidade em si tem que olhar mais pro trabalhador que não
pode se dedicar exclusivamente pro curso, os professores querem que você se
dedique exclusivamente, eles passam uma carga enorme de texto pra ler e...
Eles não pensam no trabalhador, e pra mim isso reflete um pensamento elitista
ainda, de que a universidade é praquela pessoa que tem dinheiro e que pode
dar a exclusividade pra isso aqui, e que vai chegar em casa e vai ter tudo pronto.
E é isso, a Universidade tem que olhar essa parte social, essa questão
socioeconômica das pessoas. (Estudante 56, Licenciatura em Geografia,
entrevista individual)

Outro ponto interessante trata da relação entre ensino e pesquisa, que atualmente
tem sido discutida nos cursos de formação de professores. Perrenoud (2001) defende a
ideia de que, fazendo uso de práticas reflexivas, o professor pode representar uma
renovação da formação desse grupo e se constituir em fonte de informação e de estratégias
para seu trabalho didático. A prática de pesquisa, portanto, é o caminho para se formar
um professor questionador, investigador, reflexivo e crítico. Ideias essas que corroboram
com as falas dos estudantes acerca da importância da pesquisa na formação do professor:

Eu acho que um bom professor também tem que ser um bom pesquisador. Eu
acho que a pesquisa é a questão do abrir mentes realmente. Você se interessar
por algo e ir lá pesquisar, ir em busca de seja o que for, resolução de questões...
Então eu vejo a pesquisa como... é o que motiva, é o que faz surgir algo novo,
teorias e tudo mais, então pra mim o professor completo, ele tem que ser
pesquisador também, não pode ficar estagnado. É eu vejo a pesquisa como esse
movimento. (Estudante 44, Licenciatura em Letras Vernáculas, grupo focal)

Para Luckesi et al. (1991), uma universidade sem pesquisa não deve ser chamada
de universidade, pois se constitui como tal, exatamente, por portar os atributos desse triplo

98
papel social: o ensino, a pesquisa e a extensão. Assim, as falas dos estudantes retrataram
também as dificuldades em participar de projetos de pesquisa, uma vez que a maioria
funciona no turno diurno:

Enquanto as pessoas que trabalham, no noturno só vem apenas pra aula e ir pra
casa, é basicamente isso. Então os alunos do noturno que trabalham, eles não
estão tão dentro da universidade, não participam muito da pesquisa e extensão
na universidade. (Estudante 43, Licenciatura em Química, entrevista
individual)

Outra questão é que os grupos de pesquisa não funcionam a noite, então como
não funcionam a noite, a gente entende que dentro da universidade o noturno
tem uma cara, ele tem uma cor e um social, diferente do curso diurno, como os
grupos são diurnos a gente não tem muita oportunidade... As reuniões
acontecem a tarde, pela manhã… (Estudante 57, Licenciatura em matemática,
grupo focal)

Sim, geralmente as reuniões dos grupos de pesquisa são durante o dia, então,
se você está no curso noturno por questão de trabalho, trabalha durante o dia,
você não pode participar de uma pesquisa. Porque geralmente... As que eu
tenho conhecimento, lógico, deve ter algum grupo de pesquisa que tem
encontros a noite, só que também aí vai chocar com disciplinas. Você tem que
escolher, ou você cursa disciplina ou você participa do grupo. Então, também
os grupos de pesquisa são formados por um público mais jovem, que dedicam
seu tempo exclusivamente... (Estudante 44, Licenciatura em Letras
Vernáculas, grupo focal)

Para Ludke (2012) a participação em pesquisas pode contribuir para a formação


de professores tanto no domínio da teoria, já que ele vai se familiarizar com as questões
básicas pertinentes ao problema estudado, como também no campo da metodologia,
reconhecendo os recursos que o permitam escolher os caminhos apropriados para
enfrentar o desafio de construir conhecimento a respeito dos problemas cotidianos.
As atividades de extensão também foram caracterizadas como
predominantemente diurnas. O único estudante que afirmou participar de extensão
universitária destacou a luta para ser ofertada no turno noturno:

Eu já participei do PREVEST da UFBA, que é o único projeto que é à noite,


eu sou um dos fundadores, e eu sempre briguei para que seja a noite porque é
quem mais precisa, quem mais precisa de um cursinho social é a galera da
noite, porque como eu falei o curso noturno tem cara, tem cor, tem classe
social... Tem toda uma política pública por trás. (Estudante 57, Licenciatura
em matemática, grupo focal)

Manchur; Affonso e Cunha (2013) explicam que “A extensão universitária é um


dos caminhos para desenvolver uma formação acadêmica completa, que integra teoria e
prática numa comunicação com a sociedade e possibilita uma troca de saberes entre
ambos.” Dessa maneira, a evidente falta de oportunidades de participação em atividades
99
de extensão que vivenciam os estudantes do noturno, contribui ainda mais para a
defasagem na formação dos mesmos. Sobretudo quando esta formação é comparada à do
período diurno. Além disso, nega a esses discentes o direito de aproveitar as experiências
que a universidade deveria ofertar de maneira equitativa.
Na formação dos professores o momento mais importante é o da reflexão crítica
sobre a prática, que leva a uma práxis, ou seja, ação-reflexão-ação no trabalho docente,
sendo o professor mediador, articulador e formador de competências, e o educando o
provocador de mensagens diante das muitas formas de conhecimento (FREIRE, 1996).
Portanto, justifica-se que os cursos de licenciatura tenham em seus currículos carga
horária dedicada à prática, pois conforme Perrenoud (2001) propõe o desenvolvimento de
competências de um professor profissional, o saber se dá no fazer, na prática imbricada
com a teoria. O Ministério da Educação desde 2010 tem fomentado essa iniciação à
docência por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID,
instituído pelo Decreto 7.219/2010.
O Programa, executado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior – CAPES tem por finalidade “[...] fomentar a iniciação à docência,
contribuindo para o aperfeiçoamento da formação de docentes em nível superior e para a
melhoria de qualidade da educação básica pública brasileira” (BRASIL, 2010). No
entanto, a possibilidade de participar do PIBID é reduzida para os estudantes do noturno:

“É muito difícil... PIBID ele não vai entrar porque tem que dar aula durante o
dia, não tem aula durante a noite... Pesquisa tem reunião semanal durante o dia,
só se a pessoa tiver muita sorte de ter um trabalho que de muita flexibilidade...”
(Estudante 56, Licenciatura em Geografia, entrevista individual)

“Rapaz, eu só passei a ter conhecimento sobre, quando eu comecei a pegar


matéria no diurno. Nenhum professor da época falava, eu não tinha
conhecimento sobre isso. PIBID, não sei... É tanto que eu tô formando agora e
nunca fiz PIBID. Imagine eu tô formando em uma licenciatura e nunca fiz
PIBID! Por quê? Porque eu nem sabia o que que era PIBID, não sabia que
PIBID existia. Eu fui descobrir o que era PIBID, quando eu comecei a pegar
matéria no diurno.” (Estudante 01, Licenciatura em Física, entrevista
individual)

De acordo com Tardif (2000) são os saberes pessoais, de formação profissional


(provenientes de sua formação escolar e acadêmica), saberes disciplinares, saberes
curriculares e os da experiência que constituem o saber docente.

100
Seguindo essa ideia, o autor defende que a constituição do saber profissional se dá
durante a sua formação, como também durante a sua inserção no ambiente de atuação, a
partir das reflexões sobre a prática educativa. Assim, além dos saberes produzidos pela
ciência da educação, a prática docente cria condições para a construção de saberes sociais.
De forma que a instituição de ensino não se resume a um espaço de aplicação de saberes,
mas se refere a uma arena de produção de saberes relativos à atuação profissional. Os
sujeitos devem ser “sujeitos do conhecimento”, detentores de um saber específico relativo
ao seu fazer pedagógico. Se os estudantes do noturno são privados da participação em
programas que propiciam a inserção da prática na formação acadêmica, é necessário criar
espaços de reflexão acerca da formação de professores para que seja possível equacionar
os cursos noturnos e a condição social dos estudantes desse turno em políticas públicas.
(FILHO; NERY, 2009; MIGUEL GONZALES ARROYO, 2004)

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta investigação demonstrou a importância de se compreender as percepções dos


estudantes dos cursos de licenciatura do turno noturno acerca do ensino, da pesquisa e da
extensão na universidade. A relevância disso está na evidente necessidade de se
compreender melhor o funcionamento dos cursos noturnos e sobretudo, a formação de
professores nesses cursos diante das diferenças de oportunidades de experiências
observadas em relação ao turno diurno.
Dessa maneira, observou-se a partir da análise das falas que para muitos discentes,
cursar uma licenciatura é uma garantia de emprego e portanto, uma estratégia de proteção
contra vulnerabilidade socioeconômica. Além disso, foram relatadas diversas
dificuldades enfrentadas pelos estudantes com relação ao curso e à sua permanência nele.
Sendo elas a dificuldade de conciliar o trabalho com os estudos, problemas de
infraestrutura da instituição, insegurança, cansaço, a escassez ou mesmo inexistência de
disciplinas optativas, as quais são majoritariamente ofertadas no período diurno.
Ademais, a falta de humanização principalmente notada na insensibilidade de muitos
professores e na estrutura curricular dos cursos ao não entenderem e respeitarem as
particularidades do perfil do estudante da noite.
Outro ponto que chamou atenção diz respeito à falha relação entre ensino,
pesquisa e extensão, haja visto que o primeiro já é afetado pelas inúmeras problemáticas

101
relatadas acima, e os demais, apesar de serem obrigação da universidade e fundamentais
para a formação, também são raramente ofertados para o noturno. E ainda, observou-se a
carga horária prática obrigatória que os cursos de licenciatura devem ter, mas que na
prática também tem deixado a desejar. De modo que a estratégia para amenizar esse
problema que tem sido aproveitada por aqueles que conseguem é participar do PIBID.
A metodologia adotada foi satisfatória porque permitiu a investigação criteriosa e
embasada dos apontamentos elucidados pelas falas dos estudantes diante do que a
legislação e a literatura propõem a respeito do ensino, da pesquisa e da extensão nos
cursos de licenciatura no turno noturno. Além disso, permitiu identificar a necessidade de
mais estudos nesse sentido que possam contribuir para uma mudança e consequentemente
melhoria efetiva dessa realidade. Todas essas questões são alarmantes e expõem
fragilidades das licenciaturas noturnas que precisam ser discutidas e sanadas.

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104
Capítulo 7
INITIAL TEACHER EDUCATION DEGREE PROGRAMS IN
BAHIA, BRAZIL AND IN NEWFOUNDLAND AND LABRADOR,
CANADA

Daiane da Luz Silva


Dennis Mulcahy
Erika Silva Chaves
Mariana Giulia Prates
Renata Meira Véras

1 INTRODUCTION

This chapter is the result of an exchange by students of the Federal University of


Bahia at the Memorial University of Newfoundland in Canada through the Emerging
Leaders in the Americas Program (ELAP), with support from the Canadian government.
Canada and Brazil are western countries, although they present distinct cultural,
political and historical aspects, above all, in what concerns to higher education, thus, the
promotion of a comparative study in institutions of higher education, in the area of initial
formation of teachers, is a way to open new horizons, open the borders so that we can
discuss how we can improve the training of these professionals in both countries.
It will be used for comparative study analysis in education, the Pedagogy courses
of the Federal University of Bahia (UFBA), and the Bachelor of Education of Primary of
the Memorial University of Newfoundland (MUN).
At the first moment the study shows the contexts of admission of the two countries
and their insertion policies, in order to present their current policies in higher education,
followed by an analysis of the curricula of each institution, presenting their hours of
training, as well as their time of training and completion of the course, next which is the
incentive of the government of both countries for the training of these professionals in
their universities. Finally a comparative analysis, showing the similarities and differences
of the initial formation of teachers of each country, presented the reality of each one.
It is understood that this study is an international cooperation of both countries,
which shows us the importance of discussing both similarities and differences in
education, and seeking an explanation for them.

105
According to Bereday (1964, p.6) "The knowledge of education of other nations,
provided by comparison, is a question not only of curiosity but also of necessity" and
continues "For this reason, comparative education can not be treated simply as a history
of education, or educational thinking, but rather as a current history of education”.

1.1 CANADIAN CONTEXT


The Canadian educational system is provincial and encompasses 10 provinces and
2 territories. The Constitution of Canada delegates to the provinces sole responsibility for
education as provided in section 93 of the Constitution of Canada: "In and for each
Province the Legislature may exclusively make Laws in Relation to Education".
Therefore, each provincial system, reflecting the cultural and historical characteristics of
each region (CANADÁ, 2019). The Memorial University of Newfoundland (MUN)
follows the educational policies adopted by the province of Newfoundland and Labrador,
in which it is located.
Memorial University of Newfoundland has 3 undergraduate degree courses in
Education: The Bachelor of Education (Primary/Elementary) as a First Degree, The
Bachelor of Music Conjoint with Bachelor of Music Education, The Bachelor of
Education (Post-Secondary) as a First Degree , from which only Primary/Elementary as
a first degree was used as the focus of study in this article. It is not possible to enter
directly from high school for the Primary/Elementary as a First Degree program at MUN.
Applicants who wish to enter in this program must have completed 2 years of
prerequisites equivalent to 60 University credits. The Primary/Elementary as a first
degree program has 150 credits, and lasts for 3 years. Five years of University study are
required for the degree: two years of academic courses; 3 years of professional courses
(MUN, 2019a).
The option to make a comparison between Primary/Elementary, with the only
Initial Teacher Program in Brazil, was due to the compatibility of the syllabus of both
programs. The Primary/Elementary program menu, offered at the Memorial University
of Newfoundland website, provides that this course is designed to prepare teachers who
will be qualified to teach kindergarten through sixth grade and are also prepared to hold
leadership positions in other areas of education (non-school), industry and business.

106
1.2 BRAZILIAN CONTEXT

The Brazilian program of the Initial Teacher Education, called Pedagogy,


provides the same, so the student graduated in the course of pedagogy in Brazil, should
be able to perform teaching duties in Early Childhood Education and Elementary School,
as well as management, planning, pedagogical coordination, research, inspection,
evaluation in school networks, public and private school units, companies, programs,
projects and any other institutions or situations where teaching-learning activities take
place (BRASIL, 2006).
As Brazil is a federalized country, it follows the Brazilian legislation1 CNE / CP
2/2015, for the Initial Teacher Program. It is organized through the guarantee of common
national basis of curricular guidelines, which provides for 3200 hours of academic
activity in the minimum, with the course of minimum duration of 8 semesters or 4 years.
Within these 3200 hours, 400 hours of practice should be understood as curricular
components, 400 hours dedicated to the supervised internship, 2200 hours dedicated to
the training activities and 200 hours of theoretical-practical activities, with deepening in
areas of student interest.
At UFBA, for admission to the Initial Teacher Education program, it is necessary
to complete the secondary education and provide the National High School Examination
(ENEM), since what was envisaged in the ENEM announcement provides that the results
of ENEM 2018 may be used as a single, alternative or complementary access mechanism
to higher education, provided that there is membership by Higher Education Institutions
(HEI) (BRASIL, 2019a). Besides that, the student who wants to apply to this institution
must have obtaining the minimum score, which will be the cut-off point analyzed by the
institution. In 2018, the cut off point is 527 points.

2 METHODOLOGY
The methodology used in this study is part of the comparative method of
education, and the main focus of this methodology is to analyze the educational contexts,
as well as the education systems developed by MUN and UFBA. The methodology used

1
National Council of Education (CNE) (MP No. 661, dated 10/18/94, converted into Law No. 9.131/95).
The current National Education Council-CNE, a collegiate body part of the Ministry of Education, was
instituted by Law 9,131, dated 11/25/95, with the purpose of collaborating in the formulation of the
National Education Policy and exercising normative, deliberative and advisory assignments to the
Minister of Education. CNE/CP 2/2015.

107
is based on the model presented by Bereday (1964). This author has developed a method
of comparative research in mass education, which has led to the development
of "Internationalization among nations", where it promotes exchanges of information so
that there is a narrowing of borders and common and joint actions, according to different
interests in the area of education (WOJNIAK, 2018).
Thus, the key stages of our comparative methodology study, created by Bereday
(1964), is divided into 4 phases:
Descriptive: it establishes a theoretical framework from which the research must
be developed, making the systematic collection of pedagogical information in each
country, with the purpose of presenting the data collected and analyzing them separately.
Interpretive: interpret the data that was surveyed and analyzed for the purpose of
the study, and review all the information concomitantly in order to compare them.
Juxtaposition: to confront the presented data, analyzing the differences between
the educational systems and their origins.
Comparative: presents the draft comparative conclusions. Determine the issues
and then verify the overall importance of the information collected. Demonstrate a
broader view on education, the similarities between educational processes.
The sources of information used were mainly secondary sources to obtain many
publications of information, reports and official sites: government of Canada, government
of Brazil and consultation to the Ministries of Education of the countries involved.
To achieve the defined objectives, we used a comparative approach to contrast the
variables raised for this study.

3 RESULTS
The results presented here show the differences and similarities between initial
teacher training programs in UFBA and MUN pedagogy, in which the relevance of
admission, its conclusion and analysis of the study program of both are highlighted. It can
be verified that both universities in Canada and in Brazil have their autonomy to do their
study programs, however, MUN follows the provincial jurisdictions related to education
while UFBA follows the federal jurisdictions related to this.
After analysis of admission and conclusion Table 1, different admission processes
were verified for both universities. The candidate who wishes to join the Federal
University of Bahia must obtain a satisfactory grade in the National High School
Examination, so that he can apply for and obtain approval at UFBA. However, a candidate
108
wishing to enter the College of Education at Newfoundland Memorial University must
first graduate in high school and meet the prerequisites established at Memorial Canada,
which includes two years of preparatory studies and accreditation in non-educational
areas. become eligible to enter the initial teacher education program.

Table 1 Comparison of Admission and Conclusion


Initial Teacher UFBA MUN
Education
Admission ENEM (National Successfully complete high school and an applicant must
High School Exam) have successfully complete 60 preadmission credits with a
cumulative average of at least 65% or an average of at least
65 % on the last attempted 30 credit hours.
Workload 3313 hours 5400 hours
1 credit = 17 hours 1 credit = 36 hours
195 credits 150 credits plus two years of preadmission credits (60)
Duration of the 5 years (average time) 5 years (2 years of preadmission courses plus 3 years of
program program)
Funded by Federal Government Canada Government Students pay $2550.00 Tuition. Per
year for Five years Other Canadian students pay more
(3330.00 per year and international students pay
considerably more 11,460.00 per year.
Requirements Undergraduate degree Undergraduate degree
for teaching
Source: Data taken from the Academic System of the Federal University of Bahia and the website
of the Memorial University of Newfoundland.

In any case, what happens is that the training of teachers for basic education is
done, in all types of undergraduate programs, in a fragmented way, between the
disciplinary areas and levels of education, not counting Brazil , in institutions of higher
education, with a faculty or institute of its own, a trainer of these professionals, with a
common training base, as observed in other countries (GATTI, 2010) as in Canada.
For the purpose of understanding the university hours, 1 credit at UFBA is
equivalent to 17 hours of subjects studied, already at MUN, 1 credit is equivalent to 36
hours studied. At MUN one credit is twelve hours 36 hours are three credits. It can be
seen that the UFBA has half the study time in the Initial Teacher Education program
compared to MUN. For the completion of the Initial Teacher program, at UFBA it is
necessary to complete a workload of 3313 hours of study, equivalent to 195 credits to be
completed by the students, while in MUN the hours of training for these students are of
5400 hours, which in turn amounts to 150 credits. (UFBA, 2019; MUN, 2019a)
Both institutions are public, but with different funding definitions for their
students to complete initial teacher education. At UFBA, the government covers all
student expenses, and students do not have any book costs since the federal government

109
provides free and good libraries for their students, from enrollment in the desired course
to completion (BRASIL, 2019b). However, at MUN students need to pay an annual fee,
and book expenses are also paid for by the students themselves (MUN, 2019b).

Table 2 Comparative Discipline and Stage


UFBA equivalent education courses MUN equivalent education courses
Currículo Curriculum, Instruction and Assessment in the
Primary/Elementary 1 and 2
Filosofia da educação Philosophy of teaching and learning
Sociologia da educação Sociological Perspectives of teaching and leaning
Educação de pessoas com necessidades An Introduction to Exceptional Learner
educativas especiais
Matemática para o ensino fundamental Mathematics in Primary and Elementary Grades
Estágio 1 Undergraduate Teaching Internship
Ciências Naturais no Ensino Fundamental Science in the Primary/ Elementary Grades
Linguagem e Educação Language Arts in the Primary/Elementary school
Estágio Internship is divided into two phases: observation and
practice 540 hours
Source: Data taken from the Academic System of the Federal University of Bahia and the website of the
Memorial University of Newfoundland

It was analyzed the curricular components of both institutions totaling 43 subjects


studied in the UFBA curriculum and 44 courses studied in the MUN, and it was verified
that only 5 subjects are similar in the initial formation of the teachers, which are:
Philosophy of education, Sociology of education, Education of children with special
needs, Mathematics for elementary education, Natural sciences in elementary education,
Language and Education, and Internship. However, after analysis we have seen that in
both institutions require extensive field experience.
At UFBA, the internship is compulsory from the third semester of university,
making up an 85 hours semester load, in total the student will have two years of internship
with a workload of 400 hours making a total of 20 credits. This internship is subdivided
into 4: observation; aiding and development of activities in the classroom; internships at
informal places such as churches, charities, NGOs; and, lastly, pedagogical management
phase. Of which only the first and second division will be discussed, since they resemble
the Internship period of the Initial Teacher Education course of MUN (UFBA, 2012).
At the observation internship, the student should be attentive to the school
dynamics, its planning and its administration. The student should also know the main
planning documents of the school unit, such as regiments, political-pedagogical projects,
as well as the work that teachers have been developing in school. At the end of the
internship, the intern must prepare a report as part of the avaliative method proposed by

110
this first phase of internship. In the phase of aiding and developing the activities the
student must continue the work developed in the previous phase(observation). Since the
participation is more engaged in the dynamics of the class, at the end the student must
prepare a report, which it will be the object of evaluation proposed by this phase of the
internship (UFBA, 2012).
While in MUN the field or school experience is divided into two phases: the first
phase is the observation phase in the classroom and the second phase is the internship.
Classroom observation days require students to spend a total of ten days in the classroom
over two terms. This first stage of the field experience (observation phase) expects the
student to begin their transition from student to professional teacher. The student will be
introduced into the educational system and is expected to develop an appreciation for the
role of the teacher. The internship requires students to be in full-time at the school for 13
weeks (a full semester), where they will work in the classroom, alongside teachers,
making it possible to articulate theory and practice and develop their teaching skills.
Before MUN students can get involved in field experiments, they must obtain a
Certificate of Conduct and a Test of the Vulnerable Sector (MUN, 2019a).
At MUN after the observation period, the student must take a semester of aiding
and developmenting phase. In this phase the student observes his teacher in his activities,
and in the last four weeks the student becomes regent in the classroom and therefore he
applies his knowledge as process of evaluation of the internship (MUN, 2018).
At the end of the study and conclusion of the initial training of teachers at UFBA
the student is already able to work in the classroom, without having to train in another
specialization. However in MUN, the student, in order to be considered fit to teach, must
obtain the certification granted by the Province of Newfoundland and Labrador according
to the Law RSN1970 c103 s1. This certification does not require additional training
(CANADA, 2019).

4 CONSIDERATIONS ABOUT SIMILARITIES AND DIFFERENCES

After the above studies, it was verified that in both countries to enter the
universities it is necessary to finish high school, and thus to qualify for university
entrance, but the forms of admission of the universities are very different, in Brazil, the
student can qualify for the entrance of public universities through the national high school
competition (ENEM), where all Brazilian students must enroll and participate in the

111
selection; already at MUN, the college entrance applicant must have successfully
completed 60 pre-admission credits with a cumulative average of at least 65% or an
average of at least 65% on the last attempt of 30 credit hours.
Regarding the study program of both universities, although there are laws and
sectors of Education in both countries: such as ministries or departments of Education,
which standardize some standards through their own legislation (course hours, course
duration and internship) , initial teacher education is ultimately adjusted by universities
because in both countries they have the autonomy within their jurisdictions to draw up
their syllabus.
In this sense, Gatti (2014) says that the new paths for initial teacher education
depend on educational policy actions in a more coherent and integrated way and, as
executives and legislators, to rely on research for decision-making , within a broader
vision of educational and social context.
The funding of the two universities are public, but there are different visions of
investment in your student. At UFBA the course is free, the student does not have to pay
any additional fees for university costs, from beginning to end, including all the necessary
material for his studies through the excellent libraries offered to students. In MUN, the
course is partially paid by the university student, they must pay today, US $ 2550,00. per
year for five years, other Canadian students pay an additional $ 3330 per year (MUN,
2019c).
The internship in both courses: Pedagogy at UFBA and Primary/Elementary at
MUN differ in the way in which they are structured. The internship at Memorial
University consist of two phases: phase of observation and aiding and developing phase.
In the first phase, students have the first contact with the school environment and are
introduced for the first time into the educational system. After this phase, the introduction
of the students to the classroom begins acting in partnership with the school teachers. At
UFBA, the pedagogy course only offers a single phase of internship, in which students
have direct contact with the classroom.

5 CONCLUSION

With these approaches, we note that educational policies in both Canada and
Brazil are moving towards equal opportunities, integration and social cohesion,
competitiveness and economic competition, but they still need to plan their strategies for
major changes in both countries.

112
After analyzing the documents it was noticed that the curriculum for Initial
Teacher Education Program in Newfoundland is out of date, and that the same is true of
the initial teacher education curriculum in Brazil. It is necessary for both countries to
better plan to regain the competitiveness and qualification of their students, thus giving
them the opportunity to seek better employability positions, as well as to have a better
education.

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114
Capítulo 8
A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES PARA A
EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

Daiane da Luz Silva


Renata Meira Veras

1 INTRODUÇÃO

A prática educativa é capaz de viabilizar a formação cidadã e consolidar a


democracia de um país, desde que esteja centrada no reconhecimento dos direitos e
deveres humanos (TREVISAM, 2011). Atualmente, o direito a educação é reconhecido
como um direito humano fundamental, tanto nas normas constitucionais quanto nas
infraconstitucionais.
De acordo com Martins (2009) os direitos humanos correspondem a uma
categoria prévia, legitimadora e informadora dos direitos fundamentais e devem ser
compreendidos como um conjunto de faculdades e instituições que, contextualizado em
seu respectivo momento histórico, concretizam as existências da dignidade, da igualdade
e da liberdade humanas, as quais devem ser reconhecidas nos ordenamentos jurídicos a
nível nacional e internacional. Ele também considera que por ser um direito humano, o
direito da educação é direito público e possui um conjunto próprio de princípios e regras,
que se coadunam em instrumentos jurídicos sistematizados e objetivam disciplinar o
comportamento humano relacionado à educação.
É por meio da educação que se formam sujeitos de direitos, conhecedores dos
processos e construções históricas em relação à efetividade dos seus direitos e deveres
(SILVA; TAVARES, 2013). Portanto, é necessário que as instituições educativas
fomentem uma educação em direitos humanos (EDH) e, para tanto, inserir a EDH nos
currículos dos cursos de licenciatura é um caminho para a formação inicial de professores,
com atuação cidadã, comprometimento ético e promotores dos direitos humanos e
fundamentais. (BRASIL, 2003), considerando a responsabilidade social desses
profissionais enquanto agentes formadores. Deste modo, “para que a escola seja um
modelo de aprendizagem e de prática dos direitos humanos, é necessário que todos os

115
professores e demais profissionais da educação possam transmitir os valores dos direitos
humanos que servirão de modelos para a sua prática” (BRASIL, 2012a, p. 6).
Em razão da importância desse tema no currículo das licenciaturas, o objetivo
deste capítulo é analisar como a EDH foi inserida nos currículos das licenciaturas
ofertadas pela Universidade Federal da Bahia e o que os estudantes destes cursos dizem
a respeito.

2 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS NO BRASIL: ASPECTOS


PERTINENTES À FORMAÇÃO DOCENTE

O Conselho Nacional de Educação por meio do Parecer n. 08/2012 aponta dois


fatores que possibilitaram a instituição da educação em direitos humanos no Brasil, entre
estas estão: "a retomada da democracia e a promulgação da Constituição Federal de 1988
“[...] marco jurídico para a elaboração de propostas educacionais pautadas nos Direitos
Humanos, surgidas a partir da década de 1990”. (BRASIL, 2012b, p. 05). Acrescenta-se
a esses fatores, a LDBN/96 que curricularizou a EDH na educação básica, as três versões
do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), entre os anos de 1996 a 2013, que
criou um “[...] eixo orientador destinado especificamente para a promoção e garantia da
Educação e Cultura em Direitos Humanos” (BRASIL, 2012b, p. 05), houve também a
instituição do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), a Resolução
01/2012 do CNE/MEC que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação
em Direitos Humanos e o novo Plano Nacional de Educação (2014-2024) que manteve
como uma das diretrizes a “promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos”
(BRASIL, 2014, art. 2º, X).
A Resolução n. 02/2015 do CNE/MEC que definiu as diretrizes nacionais para a
formação inicial de professores para a educação básica também reafirma em seu texto que
os currículos das licenciaturas devem contemplar a EDH, por considerar uma ação
estratégica educativa e por se alinhar ao que já estava preconizado pelas Diretrizes
Nacionais para EDH (BRASIL, 2015)
Ao colocar a Educação em direitos humanos como um eixo fundamental,
reafirma-se a centralidade deste tema na formação dos educandos e educadores, que deve
ser incorporada na constituição do curso como um todo e deve mobilizar ações e projetos
de caráter interdisciplinar (CANDAU et al, 2013).

116
Destaca-se, portanto, a intenção do Conselho Nacional de Educação em afirmar a
responsabilidade das instituições formadoras, quanto à obrigatoriamente de formar
educadores em direitos humanos. Esta preocupação com a formação dos profissionais da
educação também está prevista como ação programática no PNEDH (BRASIL, 2013).
Nestes termos, englobam todos os “trabalhadores (as) da educação, nas redes de ensino e
nas unidades de internação e atendimento de adolescentes em cumprimento de medidas
socioeducativas, incluindo, dentre outros (as), docentes, não-docentes, gestores (as) e
leigos (as). No Parecer n. 08/2012 do CNE também estendem esta formação para os
profissionais da educação em todos os níveis e modalidades de ensino. Entretanto, neste
estudo, o delineamento da pesquisa foi direcionado à formação de professores para a
educação básica.
Mediante o exposto, considera-se que para uma efetiva inserção curricular de
direitos humanos, é preciso repensar o currículo e os posicionamentos tanto institucionais
quanto político-educativos. Nesse entendimento, é uma educação emancipadora que faz
o professor repensar suas práticas e se posicionar como sujeito de direitos e deveres,
politicamente engajado com as questões políticas e capaz de influenciar mudanças sociais
significativas (MARREIRO et al., 2017).
A inserção da educação em direitos humanos na educação básica requer que a
escola seja revista em seus modelos de aprendizagem, especificamente, no que se refere
às práticas de promoção de uma cultura de direitos humanos. Nesse sentido, os
professores, “são os principais responsáveis pelo currículo, [e] desempenham uma
função-chave na comunidade escolar para alcançar esse objetivo” (UNESCO, 2012a, p.
50).

3 METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, com estudo de caso realizado


em duas etapas: a primeira, uma pesquisa exploratória do tipo documental, na qual foram
analisados os currículos de 38 cursos de licenciaturas da UFBA, no período entre abril e
maio de 2018. Após a análise dos programas curriculares das disciplinas de todos esses
cursos, foram selecionados apenas aqueles cujos programas contêm conteúdos referentes
à temática direitos humanos, um total de 17; a segunda, entrevistas semiestruturadas com
62 discentes, com matrícula regular nesses mesmos cursos, que ocorreram no período
entre setembro e dezembro de 2018, combinando entrevistas individuais e grupos focais

117
(com até 4 participantes). Essa pesquisa obteve a aprovação do Comitê de Ética em
Pesquisa da Escola de Enfermagem da UFBA (CAAE: 31687314.0.0000.5531).
Os dados extraídos dos programas curriculares e das entrevistas foram
processados no IRAMUTEQ. Este software possibilita diferentes formas de
processamentos e de análises estatísticas de textos (KAMI, 2016). As vantagens em
utilizá-lo estão na disponibilidade de acesso gratuito e na lógica open source (código
aberto). Dentre as opções de análise, elegeu-se para este estudo o tipo “nuvem de
palavras”. A nuvem de palavras é um recurso do software no qual as palavras são
agrupadas e organizadas graficamente, conforme a sua frequência (CAMARGO, 2013).
De acordo com Camargo (2013, p.1), por meio da nuvem de palavras é possível “[...] uma
análise lexical mais simples, porém graficamente bastante interessante, na medida em
que possibilita rápida identificação das palavras-chave [...]” e da frequência em estão
dispostas no corpus (conjunto de textos), fator que viabiliza ao pesquisador interpretar os
sentidos dos discursos presentes nos elementos textuais (KAMI, 2016).
A partir deste recurso, foi possível identificar a frequência de conteúdos de
direitos humanos presentes no texto curricular e na fala dos entrevistados, o tipo de
conteúdo que é mais evidenciado tanto no currículo documental, quanto na percepção dos
estudantes destes cursos sobre a formação para a educação em direitos humanos.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados foram obtidos com base em duas fontes de pesquisa:


a. O currículo dos cursos de licenciatura, documentado por meio dos
programas curriculares disponibilizados pela UFBA no sítio eletrônico institucional e de
livre acesso. Elegeu-se somente os programas das disciplinas cujos conteúdos evidenciam
o tema direitos humanos. O conteúdo textual foi analisado de forma criteriosa no intuito
de identificar qualquer conteúdo pertinente a EDH. Após esta triagem, identificou-se 17
componentes curriculares:

118
Tabela 1 - Componentes curriculares com conteúdo de EDH
Código e nome dos componentes curriculares
1. BIO007 - Introdução a Biologia
2. BIO130 - Ecologia Geral.
3. EDC219 - Higiene, Educação e Saúde
4. EDC267 - Educação Ambiental
5. EDC273 - Antropologia da Educação
6. EDCB85 - Alfabetização e Letramento
7. EDCB89 - Educação de Pessoas com Necessidades Educativas Especiais
8. EDCD51 - Educação e Saúde
9. EDCD59 - Educação, Identidade e Pluralidade Cultural
10. FCH124 - Antropologia I
11. FCH192 - Historiografia II
12. FCH280 - Filosofia Política
13. FCHG06 - História Indígena e do Indigenismo
14. ICS001 - Biofísica I
15. LETE46 - LIBRAS: Língua Brasileira de Sinais
16. LETE48 - LIBRAS I: Língua Brasileira de Sinais Nível I
17. MATA68 - Computador, Ética e Sociedade
Fonte: Elaborado pelas autoras

Foi analisado o perfil de cada componente descrito em forma de ementa, além dos
objetivos e conteúdos programáticos, dos que estavam disponibilizados para acesso.
b. a transcrição das falas dos 62 estudantes dos cursos de licenciatura em:
Ciências Biológicas, Ciências Naturais, Ciências Sociais, Dança, Física, Geografia,
História, Letras, Matemática, Pedagogia, Química e Teatro. Após serem escolhidos
aleatoriamente no campus da UFBA, as entrevistas foram gravadas em áudios. As
entrevistas foram obtidas por livre consentimento e os critérios de seleção foram: ser
estudante das licenciaturas, a partir do 2º semestre e estar regularmente matriculado. Os
entrevistados tinham entre 18 e 53 anos, destes 67% cursando no turno diurno, entre o 2º
e 10º semestres, 56% do gênero feminino, 56% oriundos de escolas públicas, somente 9
já haviam cursando outra graduação, 72% se declararam negros ou pardos e os demais
brancos ou não informaram, mais da metade com renda familiar entre 1 e 3 salários
mínimos (58%), sendo 30% com renda entre 4 e 6 salários e 11% com renda per capita
acima de 7 salários. Considera-se importante conhecer ao perfil dos licenciandos, para
compreender a realidade em que estão inseridos e o quanto ela corresponde às
preconcepções sobre as quais se constroem as políticas educacionais, principalmente, no
que diz respeito à formação, à admissão de novos professores e à valorização desses
profissionais, além de que essas informações auxiliam a identificar fatores que afetam a

119
qualidade do ensino e os eventuais ajustes necessários às políticas analisadas
(CARVALHO, 2018).

4.1 O IRAMUTEQ COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE QUALITATIVA DO


CURRÍCULO

O corpus textual dos programas curriculares foi organizado em um único arquivo


.txt e processado via IRAMUTEQ. O resultado da análise está demonstrada na Figura 1.

Figura 1 - Conteúdos mais frequentes no texto curricular

Fonte: Nuvem de palavras obtidas por meio do IRAMUTEQ, elaborado pelas autoras.

As palavras em maior tamanho são aquelas que aparecem com mais frequência
no texto dos programas curriculares, das quais as principais ênfases estão expressas nas
seguintes palavras: evolução, sociedade, história, antropologia/antropológico, cultura,
educação, saúde. Esses termos justificam o perfil dos componentes curriculares, que tem
como temática principal os estudos sobre antropologia, saúde, biologia e educação.
Infere-se desses dados que o enfoque dos componentes curriculares não é a temática
direitos humanos, mas alguns conteúdos que estão contidos dentro do conjunto de
direitos, tais como, direito à saúde e à educação. Todavia, o termo direitos humanos não
aparece na nuvem, pois somente é citado duas vezes e o software registra os termos com
frequência a partir de três repetições. Os conteúdos que aparecem em segundo plano e

120
que possuem correlação direta com a EDH, são: diversidade cultural, ambiental,
educacional, social, ético, políticas de saúde e surdo.
A interpretação dada após a análise documental é que estes termos abrangem as
discussões relativas ao reconhecimento das pluralidades de identidade étnico-racial e
cultural, o direito à saúde, direitos e deveres políticos e civis, direito à educação e inclusão
social, a ética no exercício profissional, direito e educação ambiental. Apesar disso, a
abordagem desses conteúdos é secundária, ou seja, a EDH não está posta como central na
formação desses futuros professores.
Segundo Delors et al (1998) uma das finalidades essenciais da formação de
professores é desenvolver neles as qualidades de ordem ética, intelectual e afetiva que a
sociedade espera deles de modo a poderem em seguida cultivar nos seus alunos o mesmo
leque de qualidades. Esse perfil formativo dificilmente se alcançará se não houver a
centralidade da EDH nos currículos dos cursos de formação inicial de professores.
Contatou-se, portanto, a ausência da ênfase do tema EDH, com baixa
representatividade de conteúdos de direitos humanos nesses currículos e de componentes
curriculares que contêm esses conteúdos. Essa lacuna vai na contramão dos processos
formativos alinhados às questões da contemporaneidade, que exige, juntamente com a
aprendizagem das disciplinas curriculares e tradicionais, discutir ética, liberdades
públicas, direitos sociais e os direitos difusos (SIMÕES; RIBEIRO, 2014).
Quanto ao conteúdo das entrevistas, o processo de organização dos textos para o
uso do software foi o mesmo utilizado na etapa anterior. A representação gráfica da
análise textual está contida na Figura 2.
Figura 2 - Conteúdos mais frequentes na fala dos entrevistados

121
Fonte: Nuvem de palavras obtidas por meio do IRAMUTEQ, elaborado pelas autoras.

Após definidas as configurações e realizado o processamento do software, obteve-


se como ênfase maior, nos depoimentos dos entrevistados, as seguintes expressões:
direitos, educação, humanos e respeito. As três primeiras expressões se justificam pelo
conteúdo central das questões das entrevistas que se concentraram em duas perguntas: a
primeira, se o tema Direitos Humanos e/ou Educação em Direitos Humanos era abordado
na formação deles, e a segunda, sobre a importância deste tema para a formação de
professores. Portanto, extraiu-se da representação lexical algumas palavras-chave que são
intrínsecas ao conjunto de direitos humanos previstos em lei, são eles: respeito,
diversidade, cidadania, empatia, igualdade, inclusão, dignidade, bem como, os termos
legislação e Constituição, que se referem aos direitos humanos no ordenamento jurídico;
cor, pele, negro, negra, minorias, gênero, quando se referem às questões étnico-raciais e
de tutela dos direitos humanos em prol da justiça social, contra discriminações e
preconceitos.
A frequência destes vocábulos é reflexo da percepção dos entrevistados quanto à
compreensão da temática direitos humanos relacionada ao acesso à educação, ao
exercício da cidadania, a inclusão social, ao reconhecimento da diversidade étnica e
cultural do país e o entendimento de que são direitos com previsão legal. Desta forma,
apesar do currículo formativos desses estudantes não enfatizarem a EDH, percebe-se que
os conhecimentos sobre o tema e o reconhecimento da importância deste na formação
docente é pertinente às concepções vigentes sobre direitos humanos e suas implicações
nos processos educativos, ou seja, a maioria demonstrou entender que educar para os
direitos humanos é favorecer o desenvolvimento de pessoas que compreendem seus
limites e sabem respeitar a pluralidade de orientações religiosas, sexuais, políticas e a
diversidade cultural, racial, de gênero e outras possibilidades que possam surgir no âmbito
social (SIMÕES; RIBEIRO, 2014).
Destaca-se também da nuvem o termo Optativa. A frequência desse termo nos
discursos se justifica, pois 91% dos entrevistados informaram não ter no currículo
obrigatório o conteúdo de EDH, 62% confirmaram que já viram em componentes
curriculares optativos e uma parcela de 8% informaram que já viram em algum momento
de sua formação como conteúdo obrigatório. Esses dados demonstra a desconexão entre
o que está documentado no currículo oficial dos cursos sobre a EDH e a percepção dos
estudantes, no que tange à abordagem da EDH em sala de aula. Revela, também, a

122
defasagem dos currículos em relação às Diretrizes Curriculares Nacionais para EDH.
Essas diretrizes orientam que, a EDH deve ser abordada como componente curricular
obrigatório nos currículos dos cursos de formação inicial dos profissionais da educação
básica (BRASIL, 2012a), por ser parte fundamental do conjunto do próprio direito à
educação, devendo ser uma educação integral, com vistas ao respeito mútuo e pelas
diferentes culturas e tradições (BRASIL, 2012b).
Outro termo em destaque na nuvem de palavras é “Organização da Educação
Brasileira” que foi citado por quatro estudantes como uma disciplina que aborda o tema,
apesar de que na descrição documental desta não há referência à EDH. Esta ocorrência
pode ser devido à dedicação ao tema do professor responsável pelo componente na
período em que esses discentes estavam matriculados nessa disciplina, também pode ser
justificado, pelo interesse dos discentes em discutir temas pertinentes à EDH durante o
curso, conforme pode ser percebido nos fragmentos a seguir:

Não está presente no currículo. Alguns professores que defendem e aí traz essa
discussão para sala de aula, mas não está presente no currículo. Eu acho que
tem alguns componentes que não são obrigatórias que trás essa proposta, mas
que não é muito válida porque é optativa, né, as vezes você quer ter essa
discussão, quer...trabalhar isso em sala de aula e não tem, só optativa mesmo,
então é uma coisa que não é obrigatória. (Discente n. 06, Pedagogia)

É, às vezes até parte dos alunos...Eu só vi isso em Organização da Educação


Brasileira II e foi assim bem por cima. (Discente n. 42, Física)

Em algumas disciplinas surgem esporadicamente discussões sobre racismo,


machismo e tudo que a gente sempre discute aqui, mas não é o foco. São
discussões que surgem dos próprios alunos [...] e que são eventuais. Não é algo
que é corriqueiro, pelo menos nas disciplinas que eu peguei. (Discente n. 41,
Física)

De acordo com, Oliveira, Moura e Pereira (2014), a ausência do tema no currículo


obrigatório pode ocorrer porque os professores são, na maioria das vezes, conservadores
e conformistas, característica de uma formação docente que reproduz os modelos
tradicionais, em detrimento da inovação, que, segundo os autores, é um dos pilares da
formação acadêmica, proporcionada através da pesquisa.
Do comparativo de dados entre as duas análises, observou-se a recorrência
concomitante dos termos: Libras, surdo, que é uma referência aos dois componentes
curriculares obrigatórios LETE48 e LETE46, cujos conteúdos são intrinsecamente
vinculados à efetivação dos direitos humanos para pessoas surdas. Essa compreensão tem

123
se confirmado por meio da experiência dos discentes com tais disciplinas, conforme
relatado por alguns dos entrevistados:
[...] Libras, que tem uma função dupla: ensinar o básico de Libras, [...] mas
tem um cunho social e político muito importante. [...] E Libras, só pra
acrescentar, é uma matéria obrigatória no curso de Letras. [...] Sendo que
Libras, na minha opinião, é muito mais importante, no caso, pro professor, que
é um curso de licenciatura, eu acho muito mais importante você poder falar um
oi, um bom dia pra uma pessoa surda, do que você saber as declinações do
Latim. (Discente n. 46, Letras)

[...] Libras, porque você dá uma igualdade para todo tipo de pessoa, porque os
surdos falam outra língua que é língua oficial do país. Esse é um direito que
eles têm que entra em pauta a discussão justamente porque tem esse direito e
ele não é cumprido, não é exercido. (Discente n. 54, Letras)

Incluir conteúdos de Libras no currículo é uma medida política para possibilitar a


efetivação de direitos das pessoas surdas. É direito à inclusão, à educação e à dignidade.
Assim, “o direito à educação deve estar em consonância com outros direitos humanos.
Deve ser conduzido de uma forma que não infrinja a integridade física dos alunos, a
liberdade de pensamento e assim por diante” (McCOWAN, 2015, p. 30).
Outros termos dispostos no currículo também aparecem de forma recorrente nas
falas, tais como: cultura/cultural; educação/educacional; diversidade; social, que denota
uma conscientização mais ampla sobre o tema, como é possível identificar nos trechos
anteriores e no relato a seguir:

[...] eu acho super importante, de fato a gente tá em uma sociedade em que é


diversa mas que muitas pessoas não reconhecem essa diversidade. Então a
partir do momento que temos desde a educação básica discussões de direitos
humanos, do que são nossos direitos e o que são nossos deveres, a sociedade
avançaria de maneira melhor. (Discente n. 51, Geografia)

Eu acredito que é de extrema importância [...] pra o professor saber como lidar
com o aluno, porque tem situações que tipo, o professor vai estar se deparando
com o aluno que pertença a uma comunidade negra, ou uma comunidade
LGBT ou de alguma minoria que tem pouca voz e representação, mas que
precise desse apoio, então é importante. é de extrema importância na
educação.. porque os alunos são seres humanos, eles precisam disso, deles se
sentirem acolhidos e respeitados dentro das suas diferenças (Discente n. 34,
Geografia).

Contudo, de acordo com Santos et al (2016), para a construção, consolidação e


afirmação da cultura dos direitos humanos, faz-se necessário que esta prática esteja visível
no currículo, bem como na formação dos profissionais da educação. Para que a mudança
educacional aconteça, depende dos professores e da sua formação (NÓVOA, 1992).
É dever das instituições que ofertam cursos formação inicial para a docência
informar os educandos quanto ao seu próprio potencial em comportamentos que violem

124
os direitos humanos, por exemplo, fazê-los refletir sobre suas atitudes ou comportamentos
quanto aos preconceitos racial e de gênero. Se omitir a essa missão, permitirá que as
violações de direitos, o racismo, as discriminações de toda espécie se perpetuem
(UNESCO, 2012b).

5 CONCLUSÃO

O uso do software IRAMUTEQ, por meio da análise lexical, que apontou as


frequências nos vocábulos das fontes da pesquisa, viabilizou identificar os aspectos mais
relevantes contidos nos currículos e na percepção dos estudantes das licenciaturas da
UFBA. Portanto, considera-se ser esse um recurso eficaz para potencializar o rigor
científico nas pesquisas qualitativas.
O estudo apontou, com base nas análises tanto do currículo quanto da percepção
dos discentes, que apesar do currículo documental não deixar muitas evidências, o tema
EDH pode ser trabalhado no percurso formativo dos licenciandos, seja por motivação do
professor ou por interesse dos próprios estudantes, que suscitam as questões relacionadas
ao tema em sala de aula. Também foi possível extrair dos relatos que a maioria
compreende a importância do tema em sua formação e percebe a falta de uma abordagem
mais complexa sobre o tema no currículo.
Tanto os relatos quanto às evidências identificadas por meio da frequência de
repetição de vocábulos, viabilizada através do uso do software IRAMUTEQ, denotam
que o registro do currículo não evidencia o tema EDH, sendo abordado em poucos
componentes curriculares de forma secundária e superficial, além de não compreender a
complexidade de conteúdos que envolvem a temática e que são necessária para a formar
professores/as, capazes de promover os direitos humanos, principalmente das minorias e
das pessoas em situação de vulnerabilidade social, como, combater todos os tipos de
preconceitos e discriminações. Fatores corroborados por meio nos relatos dos
entrevistados.
Urge uma reformulação curricular que retrate a realidade e necessidade dos cursos
de formação de professores da educação básica. É preciso que a Universidade assuma sua
função ativa de agente pública, em que a responsabilidade social objetiva esteja presente
tanto nos documentos normativos e diretivos, quanto nas ações efetivamente pedagógicas.
Os direitos humanos são universais e inerentes à pessoa humana, mas educar para os
direitos humanos é um dever fundamental de toda instituição educativa, principalmente,

125
as universidades públicas, que têm sido historicamente espaços de lutas e resistências
contra o poder hegemônico e opressor.

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2018.

128
Capítulo 9

A FORMAÇÃO DOCENTE: UM DIÁLOGO SOBRE A


EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ETNICORRACIAIS

Aldelice Nascimento Silva


Rita de Cássia Pereira Dias de Jesus
Cláudio Orlando Costa do Nascimento

1 INTRODUÇÃO

Nas últimas três décadas, o Brasil tem enfrentado profundas mudanças


sociopolíticas e econômicas que têm impulsionado transformações em diversos
segmentos da sociedade, contribuindo, também, para delinear um novo modelo de
educação superior brasileira. Neste contexto, a universidade pública vem alterando não
apenas a sua estrutura, como também suas relações, passando, inclusive, a ser questionada
quanto à sua função social. Instituição, que ao longo de sua história, prestou-se à formação
das elites nacionais, deixou de fora de seus “muros” grande parcela da sociedade,
notabilizando-se pela reduzida presença de negros e negras brasileiros/as neste universo.
Atualmente, o Estado tem sido levado a promover medidas visando à promoção de
políticas públicas de reparação e igualdade racial, pela via da educação, atendendo às
demandas sociais por equidade e justiça cognitiva.

Como consequência da III Conferência Internacional contra o Racismo,


Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida em 2001 na África do
Sul, intensificou-se a necessidade de implantação de ações afirmativas, que assegurassem
a inserção diferenciada da população negra na educação superior pública. Nessa
conjuntura, algumas medidas foram adotadas, tais como: em 09 de janeiro de 2003, foi
sancionada a Lei Federal nº 10.639, alterando, desta forma, a lei nº 9394 de 20 de
dezembro de 1996 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDB),
tornando obrigatória a inclusão da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” nos
currículos oficiais da rede de ensino no Brasil. Então, a referida lei passou a vigorar
acrescida do artigo 26-A que inclui o conteúdo da história da África, dos africanos, a luta
dos escravos no Brasil, a cultura negra brasileira e suas contribuições social, econômica
e política, pertinentes à História do Brasil, a serem ministrados no âmbito de todo
currículo escolar, em especial nas áreas de Artes, Literatura e História. (BRASIL, 2003).

129
Em maio de 2004, foi instituído o Sistema Especial de Reserva de vagas para estudantes
egressos de escolas públicas, em especial negros e indígenas, nas instituições federais de
educação superior.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais


e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2004)
justificam e fundamentam a inserção da Lei Federal nº 10.639/2003, que visa a corrigir
injustiças, eliminar discriminações e promover a inclusão social no sistema educacional
brasileiro. Ao incorporar o estudo das relações etnicorraciais nos currículos escolares da
rede oficial de ensino, realizou-se um ato importante em direção à equidade no sistema
educacional brasileiro. Desse modo, passou a vigorar uma proposta de uma educação que
privilegia a diversidade de saberes e valores, o respeito aos/às portadores/as das diferentes
heranças culturais, e que contribui para o fortalecimento de uma identidade negra
positiva, podendo concorrer para reposicionar essa enorme parcela da população que, ao
longo da história, teve seus conhecimentos subalternizados e invisibilizados através da
educação formal.

Em face desse novo contexto de práticas pedagógicas, faz-se necessário o


redimensionamento dos espaços formadores, como a universidade, que tem enfrentado o
desafio de proporcionar uma educação que atenda não só à produção do conhecimento e
aos dispositivos legais, mas também às demandas sociais, fazendo com que o
conhecimento concorra para o desenvolvimento individual, coletivo, local e para a
promoção da equidade como meta social. Sendo assim, é oportuno questionar como a
universidade tem contribuído, no sentido de problematizar os seus currículos de
formação, de modo que venha a impactar positivamente na educação básica, através da
atuação dos/as profissionais por ela formados/as, de modo a considerar no processo
formativo, as desigualdades educacionais que são impostas a partir das relações de
gênero, raça e etnia. A formação, em especial, na formação de professores/as que atuarão
na educação básica, torna-se um ponto central dos questionamentos sobre as
epistemologias utilizadas, as metodologias de ensino e aprendizagem, e as concepções
que envolvem temas centrais como políticas afirmativas, racismo e justiça cognitiva, de
modo a tornar capazes de contribuir para a inserção social justa das pessoas negras,
conscientes da sua importância para a sociedade.

O papel desempenhado por professoras e professores ganha novas dimensões, pois


extrapola a mera transmissão dos conhecimentos, para o exercício de uma atuação social

130
consciente, reconhecendo que as suas concepções políticas, culturais e pedagógicas, tanto
podem contribuir para a emancipação de uma sociedade, quanto podem atuar no sentido
de manutenção da exclusão de grupos sociais, historicamente, oprimidos. Dessa forma, o
currículo desenvolvido nos processos de formação docente, em especial nas
universidades, pode se constituir em um aliado na luta contra o racismo, a discriminação
e o preconceito raciais.

Nesse sentido, consideramos relevante conhecer o que tem sido realizado nos
cursos de Licenciatura em Letras Vernáculas e de Licenciatura em Desenho e Plástica,
cursos de graduação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), para adequar os seus
currículos ao disposto no artigo 26A da Lei Federal nº 9.394/1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional.

A pesquisa foi desenvolvida através de uma abordagem qualitativa por oferecer


um suporte maior para compreender as práticas sociais que tem, via de regra, caráter
dinâmico e complexo (GOLDENBERG, 2004). Realizou-se assim, uma prospecção da
realidade, da cultura de formação vivenciada, a partir da teia de significados atribuídos às
realidades vividas pelos/as estudantes (GEERTZ, 2008), à guisa do que propõe o
interacionismo simbólico, ao defender a importância do indivíduo como intérprete de sua
realidade, pois são suas atividades interativas que produzem as significações sociais.
Dessa forma, pesquisadores/as também integram o universo pesquisado uma vez que a
concepção que os indivíduos têm das suas próprias histórias em interação no universo
social, constitui-se o próprio objeto de estudo. Portanto, a pesquisa teve inspiração na
abordagem etnometodológica à luz da etnografia, buscando compreender, por meio da
interpretação, a complexidade dos fatos sociais. Tal abordagem se interessa,
preponderantemente, pela continuidade dos eventos, pelo processo práticas sociais, e pela
dinâmica do acontecimento. Nessa direção, Coulon (2008, p. 56) salienta: ela “se
interessa mais pelo ‘social se fazendo’ que pelo ‘social consolidado’.” É um estudo
dedicado a analisar o quê e como os atores sociais constroem seus próprios etnométodos
dessas atividades cotidianas, quer sejam triviais ou eruditas, considerando que a própria
sociologia deve ser considerada como uma atividade prática (COULON, 1995).

2 MARCO TÉORICO

A formação docente é perpassada por uma discussão política, na qual se faz


necessário emergir escolhas epistemológicas e curriculares. Assim, neste estudo foi

131
proposta uma reflexão sobre a formação na perspectiva epistemológica multirreferencial
(Ardoino, 1998; Macedo, 2007), uma vez que esta abordagem sugere a quebra das
fronteiras que separam as disciplinas, e que fragmentam o conhecimento, sem privilegiar
um único paradigma epitemológico. Em oposição ao estatuto cartesiano, é um suporte
teórico que permite trabalhar com uma diversidade de referenciais que oportuniza uma
leitura plural do problema investigado, a partir de diferentes ângulos, admitindo uma
heterogeneidade, sem a necessidade de reduzir um ponto de vista ao outro. Nessa direção,
Ardoino argumenta:

A abordagem multirreferencial: vê a educação como uma função


social global perpassando o conjunto dos campos das ciências do
homem e da sociedade e interessando tanto ao psicólogo, ao
psicólogo social, ao economista, ao sociólogo, ao filósofo, ao
historiador etc., a apreendemos na sua complexidade
(ARDOINO, 1990 apud, BORBA 1998, p.15).
Assim, Macedo (2007), afirma que consenso, realização, descontinuidade,
heterogeneidade, turbulências de conflito fazem parte de um mesmo processo, aliando-se
aos intelectuais que criticam a lógica disciplinar que, por muito tempo, tem se mantido
nos currículos sob a ótica de representar a última fronteira do real, senão a própria
realidade, uma ação que gerou a colonização do conhecimento, o apagamento das
contribuições das diferentes culturas e, por consequência, o alijamentos das pessoas
detentoras de conhecimentos não validados pelo status quo do conhecimento
estandardizado nos currículos de formação.

O currículo, na sua versão atual, consolidou-se na virada do século XIX para o


século XX, em torno da reunião de saberes eleitos como coerentes, bem como da
organização de uma estrutura didática para sua transmissão. Conforme Antônio Nóvoa,
apesar das inovações, esse currículo e essa estrutura se apresentam incapazes de atender
às novas demandas educacionais (MACEDO, 2007), apresentadas não só pela diversidade
de pessoas que ascendem aos processos formais de escolarização, mas também pela
pluralidade de modos de ver o mundo, suas relações, e as formas de nele atuar, que estas
pessoas trazem e aportam às instituições de formação, e aos processos formativos. A partir
da experiência da diversidade e da pluralidade promovidas pelos sujeitos do
conhecimento, as instituições e seus currículos são compelidos à adaptação, à
reformulação, e à adequação. Processos que são políticos, epistemológicos e éticos, e que
demandam posicionamento face às desigualdades que são impostas em nossa sociedade.

132
Para este estudo, os currículos são analisados sob a ótica das concepções das
teorias pós-críticas. O currículo como uma questão de saber, de identidade e poder, no
qual os temas sobre raça e etnia configuram seu espaço na própria teoria curricular. Uma
perspectiva que trata a diferença como uma questão histórica e política, que considera a
diversidade um valor a ser promovido nos processos educacionais, que, sobretudo,
questiona a égide dos conhecimentos impostos, selecionados sem os atores/atrizes dos
cenários de construção do conhecimento. Uma ótica que visa a conhecer os mecanismos
de construção das identidades nacionais, raciais e étnicas, bem como entender a
vinculação entre as relações de poder e a construção dessas identidades, buscando
compreender como a identidade dominante tornou-se referência, bem como se forjaram
os processos de construção de identidades em condição de subordinação (TADEU, 2011).

Assim, conhecer as estruturas curriculares e as concepções que as norteiam, bem


como as políticas de sentido que direcionam os atos de currículo (MACEDO, 2007) nos
seus conteúdos, formas, métodos e perspectivas praticadas nos cursos de formação
docente para educação básica se articulam com as demandas sociais, e com o pensamento
de Roberto Sidnei Macedo (2007) ao dizer que o Brasil constrói uma sensibilidade
pública, até mesmo oficial, no que diz respeito à emergência da diversidade cultural como
princípio de organização da educação nacional.

3 A REALIZAÇÃO DO ESTUDO

A pesquisa desenvolvida integrou a análise dos documentos oficiais dos cursos


de Graduação (currículo, programas de curso e projeto político-pedagógico), no Instituto
de Letras da UFBA (ILUFBA), e na Escola de Belas Artes da UFBA (EBA-UFBA),
acesso ao Sistema Acadêmico (Siac) e às pastas de documentos, bem como a realização
de entrevistas com os coordenadores dos colegiados dos cursos de Licenciatura em Letras
Vernáculas e de Licenciatura em Desenho e Plástica , com os chefes do departamento
de Vernáculas e o de História da Arte e Pintura e com os/as professores/as dos
componentes curriculares que mantêm alguma relação com a temática em estudo.
Vivenciando o ambiente, respirando a cultura local, em uma abordagem de observação
participante muito enriquecedora que intercalou entrevistas semiestruturadas com
professores/as e a aplicação dos questionários fechados com os/as estudantes concluintes
dos cursos em análise.

133
Além dos/as coordenadores/as dos colegiados e dos chefes de departamento,
foram entrevistados/as 08 professores/as que ministram as literaturas (brasileira,
portuguesa e africana), no curso de Letras Vernáculas, uma vez que o texto da legislação
diz que a temática será estudada, em especial, nas áreas de literatura e educação artística,
representando. Vale ressaltar que nesse grupo encontra-se um/a professor/a que
participou da comissão do projeto de reformulação curricular do curso de Letras que
entrou em vigor em 2005 e outros/as que, embora não fizessem parte da comissão,
participaram das discussões, conferindo informações importantes sobre aquele momento.

Já no curso de Licenciatura em Desenho e Plástica para definir os/as


professores/as a serem entrevistados/as, seguimos a ideia de elegê-los/las a partir da
ementa e/ou dos programas de cursos que apresentassem alguma relação com a temática,
uma vez que o texto da lei fala, de modo geral, em educação artística. Desse modo, foram
identificadas, apenas, 03 disciplinas do departamento de História da Arte e Pintura,
ministradas por 04 docentes, estando 01 deles/as afastado/a para realização de estudos.
Então, conseguimos entrevistar 02 professores/as dos docentes em atividade.

Em relação aos/às estudantes, participaram aqueles/as considerados/as prováveis


concluintes, por terem uma visão mais integral dos componentes do curso. Na
Licenciatura em Letras Vernáculas (LLV)2, esse universo correspondia a 31 estudantes e,
28 responderam ao questionário, configurando 90,32% do total. Enquanto na Licenciatura
em Desenho e Plástica (LDP)3, 06 era o quantitativo de prováveis concluintes, e todos
responderam ao questionário.

Importante ressaltar que a permanência no campo durante grandes períodos do


dia, possibilitou a ampliação da observação das rotinas, um conhecimento mais próximo
do/as participantes, permitindo o registro no diário de campo, diálogos ricos, e a
participação em atividades como, por exemplo, o evento “EtniCidades: Vertentes e
desafios de/para vozes negras. Essa realidade contribuiu para descrever melhor as
diversas percepções, os diferentes pertencimentos e, os vários sentidos que configuram
um dado contexto, a partir das experiências e do lugar de fala de cada sujeito.

2
Para facilitar o entendimento, criamos o código LLV para nos referirmos à
Licenciatura em Letras Vernáculas.
3
Com a mesma intenção, foi criado o código LDP para nos referirmos à Licenciatura
em Desenho e Plástica.
134
A partir dos elementos selecionados, buscamos compreender por meio dos
depoimentos, alicerçado no fundamento teórico e nos documentos analisados, o mosaico
das percepções dos/das docentes e discentes sobre a formação acadêmica, de futuros/as
educadores/as, no que se referia ao acervo do qual iriam poder dispor em suas práticas
docentes, para abordar de forma qualificada, na Educação Básica, a Educação para as
Relações Etnicorraciais, a História da África e Cultura afro-brasileira.

4 PERCEPÇÕES SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-


BRASILEIRA E AFRICANA E EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES
ETNICORRACIAIS

Ao buscar saber dos/as estudantes que responderam ao questionário sobre o que


conheciam da Lei Federal nº 10.639/2003, que trata da obrigatoriedade do ensino de
história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica, bem como se estavam
inteirados/as a respeito da temática da educação das relações etnicorraciais, constatamos
que essa não é uma temática desconhecida dos/as estudantes, apesar de muitos afirmarem
que o seu conhecimento era superficial, embora pensassem que seria interessante que essa
discussão ocorresse de forma mais sistemática. Quanto à educação das relações
etnicorraciais, a posição se inverte, onde a maioria, composta de 57,1%, declarou não
conhecer a referida temática.

Estudante 25(LLV): Em Organização da Educação Brasileira,


fala-se de muitas leis, mas não falou da Lei 10.639/2003 e,
deveria falar. Então, eu sei bem superficialmente.
Estudante 02(LLV): Eu já ouvi falar da lei, porém muito pouco.
Aqui nas disciplinas de Educação. Assim, em discussões em
Antropologia da Educação, mas muito pouco.
Professor(a) 08(LLV): Olha, para falar a verdade, eu nunca vi
nenhuma discussão sobre a necessidade de implementar a lei
10.639 no Instituto de Letras, eu não sei nas disciplinas de
educação, mas nas disciplinas daqui do Instituto de Letras...

Interessante notar que nos depoimentos, quando a lei é mencionada, ela aparece
apenas associadas às disciplinas de educação oferecidas na Faculdade de Educação, o que
poderia representar um trabalho em conjunto entre as duas unidades com o objetivo
explícito e sistemático de tratar da temática. No entanto, não foi o que pudemos deduzir,
pelo menos, tomando como referência o documento apresentado como Projeto Político-
Pedagógico do curso de Letras Vernáculas, visto que o mesmo não se encontra atualizado
135
de acordo com o Parecer CNE/CP nº 03/ 2004 e com a Resolução CNE/CP nº 01/2004,
que institui as diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações
etnicorraciais, e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, uma vez que
não faz menção dessa legislação entre os dispositivos que constituem a base legal do
referido documento.

Vale acrescentar que não basta inserir os conteúdos e as orientações da educação


para as relações etnicorraciais nos currículos, tornando-os meramente conhecidos, pela
obrigatoriedade, mas incorporá-los de maneira crítica e reflexiva, principalmente nos
cursos de formação docente, onde essa conduta deve estar associada às discussões e
práticas pedagógicas que contraponham questões, como: a democracia racial, a ideologia
do branqueamento, as condições socioeconômicas e a naturalização do apagamento
histórico-cultural de grupos sociais que foram marginalizados com as representações
estabelecidas no imaginário da sociedade brasileira. Nesse sentido, torna-se importante
observar o que Nilma Lino Gomes (2012, p. 105) alerta a esse respeito: a “[...] introdução
da Lei nº 10.639/03 – não como mais disciplinas e novos conteúdos, mas como uma
mudança cultural e política no campo curricular e epistemológico – poderá romper com
o silêncio e desvelar [...] rituais pedagógicos a favor da discriminação racial.”

Quando questionados os/as professores/as sobre as iniciativas desenvolvidas no


curso de Licenciatura em Letras Vernáculas para promover a educação das relações
etnicorraciais, bem como para contribuir com a efetiva implementação da Lei nº
10.639/2003, obtivemos respostas, tais como:

Professor(a) 08 (LLV): [...] a discussão da lei 10.639 aqui, eu vi


poucas vezes com professores individualmente. Não é uma
preocupação do currículo. Não há preocupação dessa proporção
na discussão do currículo. Pelo contrário. O curso de Letras tem
uma tradição elitista, por incrível que pareça, porque são
professores que, teoricamente, vão trabalhar no sistema público,
no nível básico, no serviço público ou no serviço privado.

A realidade a respeito das iniciativas desenvolvidas no curso de Licenciatura em


Desenho e Plástica para promover a educação das relações etnicorraciais, bem como para
contribuir com a efetiva implementação da Lei nº 10.639/2003 não é muito diferente
daquela encontrada no curso de Letras Vernáculas. No entanto, no último é perceptível a
existência de ações voltadas para a inserção da temática, mas que ainda ocorrem no

136
âmbito da prática pessoal de alguns/algumas docentes, sem constituir-se, portanto, em
uma política institucional.

Professor(a) 02(LDP): Praticamente certeza de que isso não


aconteceu [...] a reserva técnica do Museu Afro que é também da
universidade. E nós temos ali um acervo, não posso dizer que foi
o melhor museu de arte africana que eu conheci na vida, seria
hipocrisia, mas tem um acervo que merece ser preservado, tanto
que tem suas políticas, mas é muito pouco utilizado aqui mesmo
dentro da escola, nós não vemos esse intercâmbio tão fortalecido,
seriam uma das medidas importantes [...]Então, o museu é meu
segundo lugar de sala de aula, então, por exemplo, cadê o Museu
Afro? Aqui, eu não vejo os colegas utilizando, é um museu que
tem lá seu espaço, é tão UFBA quanto a nossa escola e poderia
ser reforçado.

Professor(a) 04 (LDP): Desconheço qualquer inciativa


formalizada no âmbito da EBA-UFBA. Apenas sei que no Curso
de Especialização em Arte-Educação (pelo menos em sua
primeira edição creio que em 2008 e na segunda em 2013) foram
oferecidas duas disciplinas [...]Arte Indígena e as Poéticas
Artísticas e, Arte Africana, Saberes e Herança Cultural [...]
embora desconheço o formato e detalhes da oferta.

Da mesma maneira como ocorreu na pesquisa deste item na LLV, foi unânime
entre os/as docentes que foram entrevistados (as) na EBA, de que nenhuma medida
sistemática foi realizada, a época da pesquisa, em relação ao currículo, no sentido de
incorporar as abordagens da questão racial e da diversidade cultural. Entretanto na LDP,
verificamos a menção recorrente, como forma de suprir essa lacuna, do Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID)4 e das atividades da
especialização, apesar, de ainda assim, considerarem insuficientes.

Estudante 02(LDP): O PIBID foi muito importante para


trabalhar as questões raciais. Até o ano passado tinha como base
as duas leis para trabalhar: 10.639 e 11.645.
Estudante 05(LDP): Eu tenho compreensão a partir de minha
experiência com projetos. O projeto piloto do PIBID eram as leis
10.639 e 11645.

4O programa foi criado em 2007 pelo MEC e implementado pela Capes e o Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), “com vistas a fomentar a iniciação à docência de
estudantes das instituições federais de educação superior e preparar a formação de docentes
em nível superior, em cursos de licenciatura presencial plena, para atuar na educação básica
pública” (Brasil, 2008).

137
Professor(a) 03(LDP): Atender, não atende ao todo, mas ajuda.
Eu acredito que a gente poderia realmente ter uma matéria que
tratasse, que encaminhasse. A gente fica só no... Eu vejo que são
um complemento esses projetos. Os ACCS5, a própria
especialização, ela vai [estar suprindo] a lacuna que a própria
graduação [não] tem enquanto matéria, enquanto disciplina. Já
é uma força, mas não é a força total que necessitaria.

A maioria dos/as estudantes do curso de LDP, além de atestar que o seu


conhecimento é superficial, declarou que o mesmo não foi adquirido por meio da proposta
curricular da sua formação. Alguns/algumas mencionaram a importância do PIBID para
a construção do conhecimento em torno da temática. De fato, até 2014 as Leis nº
10.639/2003 e a nº 10.645/2008 eram estruturantes das propostas de trabalho do PIBID:
Arte, Cultura e Linguagens. Entretanto, a partir de 2015 o conteúdo dessas leis passou a
ser trabalhado como tema. A justificativa apresentada foi que tal mudança ocorrera
porque, às vezes, o planejamento das escolas em relação à temática não coincidia com o
momento de aplicação do projeto, o que gerava problemas para a viabilização do trabalho.
Acreditamos que essa mudança, retirando as leis da centralidade do programa, pode
concorrer também para o esvaziamento da questão dentro do projeto.

5 A DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO AMBIENTE ESCOLAR

A respeito da discriminação racial na escola e/ou na universidade, é possível


observar que, entre os/as estudantes da pesquisa da LLV foram quase unânimes no
reconhecimento da existência desse tipo comportamento nos ambientes citados. Enquanto
na LDP foi consenso reconhecer a existência dessa prática nos ambientes citados. Já os/as
docentes, em sua maioria afirmou que já ter ouvido falar, mas presenciar, não. Muitos/as
reconheceram uma mudança nesse tipo de conduta, que tem deixado de acontecer de
forma mais explícita, passando ocorrer por meio de comportamentos mais sutis, por isso
mais difíceis de serem detectados. No entanto, é importante assinalar que essa mudança
de comportamento não diminui os danos para quem é vítima dessa ação e, muitos/as

5Ação Curricular em Comunidade e em Sociedade (ACCS) é um componente curricular de


cursos de graduação e de pós-graduação, com carga horária mínima de 17 horas semestrais,
no qual estudantes e professores da UFBA, em uma relação com grupos da sociedade, realizam
atividades de extensão, visando a estabelecer a troca, a reelaboração e a produção de
conhecimento sobre a realidade com o objetivo de transformação. (UFBA, 2013).

138
participantes, por meio de gestos, expressões fisionômicas e tom de voz, deixaram
transparecer que repudiam o racismo e, consequentemente, o preconceito e a
discriminação raciais.

Professor(a) 08(LLV): Na UFBA, já ouvi vários relatos de


estudantes bolsistas meus, outros estudantes que, na graduação,
por exemplo, muitos professores falam a respeito dos bairros
onde as pessoas vieram e dizem que essas pessoas teriam grande
dificuldade de assimilar a norma culta. Isso, eu ouvi vários
relatos de alunos de primeiro semestre, que, no primeiro
semestre, ouviram professores de primeiro semestre falarem isso.
Na pós-graduação, também eu já ouvi relatos de que professores
dão menos importância àqueles estudantes negros que trabalham
com assuntos relativos à questão étnica. Em geral, não fazem
comentário dos projetos, dão aquela evasiva, aquele “Ah...”
evasivo e passam adiante. Quer dizer, muitas vezes, esses
professores não reconhecem isso como uma atitude racista, mas
é uma atitude racista.
Professor(a) 04(LDP): Sim. Infelizmente no âmbito da EBA-
UFBA em dois casos: um de preconceito de aparência, sobre
“vestimenta inadequada” de um professor que usava cabelo
grande, sandália, bermuda e camiseta; outro caso, este sim de
preconceito racial, sobre problemas profissionais que um
estudante afrodescendente encontraria no mercado laboral de
Design por conta da cor de pele.

A discriminação racial se manifesta de várias maneiras, perpassando as situações


explícitas de agressão contra as diferenças do outro, as brincadeiras de mau gosto, as
formas de ocultação e silenciamento de representações positivas do negro, até a expressão
do preconceito arraigado no imaginário social por meio de determinadas falas e atitudes
consideradas despretensiosas. Ações que, muitas vezes, estão encobertas pela dita relação
harmoniosa entre diferentes grupos etnicorraciais estabelecida na sociedade brasileira.

6 PERCEPÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO DOCENTE NA PERSPECTIVA DAS


RELAÇÕES ETNICORRACIAIS E DA DIVERSIDADE CULTURAL

De acordo com a opinião dos/as docentes participantes da pesquisa, existe uma


hierarquização de saberes e conhecimentos nos currículos da formação docente em Letras
Vernáculas. Já na Licenciatura em Desenho e Plástica, com exceção de um/a professor/a,
os demais coadunam com o mesmo pensamento.

139
Assim, é consenso entre os/as professores/as da LLV que determinados
conhecimentos são mais valorizados em detrimento de outros, que são considerados de
menor importância. Alguns/algumas se referiram à hierarquia entre os componentes de
Língua e Literatura, enquanto outros(as) mencionaram a hierarquização dos
conhecimentos dentro da própria Literatura, conforme relato a seguir:

Professor(a) 03 (LLV): Olha, há hierarquização sim, sem


sombra de dúvida, diria que sempre vai haver hierarquização,
seja para aqui ou para lá, leste, oeste, para o norte ou para sul.
[...] Vou dar um exemplo, [...] as Literaturas Portuguesas são
obrigatórias no currículo de Letras, não vou dizer desde sempre,
mas há décadas, e as africanas estão começando agora a botar a
cabecinha dentro e aparecer e ganhar espaço, isso mostra, talvez
não precisa nem explicar porque as portuguesas são tão
tradicionalmente obrigatórias e as africanas começam agora a
ganhar relevância. Se a gente pensar socialmente isso no Brasil,
o país foi colonizado por Portugal, onde os africanos foram
escravizados, então há uma hierarquização social historicamente
construída e isso reflete no currículo.
Percebemos que alguns/algumas docentes se mostravam contrários à
hierarquização dos conhecimentos; enquanto outros (as), embora reconhecessem a
sobreposição de privilégio de certos saberes, pareciam confortáveis com a situação.
Apesar dos diferentes pontos de vista, pudemos observar, de modo geral, que a
hierarquização, neste contexto, está relacionada com a questão de poder, que secciona o
currículo como se fossem capitanias herdadas de uma tradição, onde grupos hegemônicos
tentam manter sua condição de privilégio. Assim, segregam-se conhecimentos e,
consequentemente, segregam-se indivíduos que têm seus saberes invisibilizados. Nessa
perspectiva, Tomaz Tadeu da Silva (1995, p. 190) infere: “Aquilo que divide o currículo
– que diz o que é conhecimento e o que não é – e aquilo que essa divisão divide – que
estabelece desigualdades entre indivíduos e grupos sociais, isso é precisamente o poder.

Necessário se faz reavaliar essa situação, de maneira a conferir um espaço mais


democrático ao campo do currículo e ao campo da educação, onde a produção de sentidos
e significados se faça, também, a partir da arte, da poesia, da ética, da religião, e do senso
comum das diversas culturas, sem sobreposições ou posições binárias que fixam lugares
para os conhecimentos, onde a cultura do dominador é a cultura a ser estudada, valorizada
e absorvida. Nessa direção, autores e autoras como Oliveira e Candau (2010) e Gomes

140
(2008) defendem, respectivamente, a pedagogia decolonial e a descolonização do
currículo.

A descolonização do currículo implica conflito, confronto,


negociações e produz algo novo. Ela se insere em outros
processos de descolonização maiores e mais profundos, ou seja,
do poder e do saber. Estamos diante de confrontos entre distintas
experiências históricas, econômicas e visões de mundo. Nesse
processo a superação da perspectiva eurocêntrica de
conhecimento e do mundo torna-se um desafio para a escola, os
educadores e as educadoras, o currículo e a formação docente
(GOMES, 2008, p. 527).

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo sem a intenção de estabelecer verdades totalizantes, tampouco traçar


uma generalização sobre todas as propostas curriculares da UFBA, foi possível observar,
no contexto da pesquisa, a abordagem minimizada da presença das culturas africana e
afro-brasileira, como aporte epistemológico de valor nos currículos de formação docente,
nas áreas diretamente relacionadas com a implementação das Leis Federais 10.639/03 e
11.645/08, mesmo diante da força executória exigida pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, Lei 9394/96. Na universidade, nos cursos analisados não houve uma
atuação eu assegurasse a reformulação dos currículos, e sua consequente transposição
para as práticas de formação, através dos componentes curriculares que integram a
proposta de formação dos referidos cursos. Diante de uma necessidade, cada vez mais
crescente, de se ofertar uma formação de docentes comprometidos/as com o social e,
consequentemente, espelhar as relações etnicorraciais que são estabelecidas na sociedade,
e na universidade como parte dela, esta é uma lacuna relevante quando falamos de
estratégias de combate ao racismo, e de promoção da equidade racial no Brasil.

Identifica-se pela pesquisa que, apesar dos avanços alcançados devido à


implementação de políticas afirmativas no âmbito educacional, em especial no nível
superior, ainda há um descompasso entre os currículos praticados nos cursos de formação
de professores/as e os ideais preconizados na legislação que trata sobre o tema. Desse
modo, verificamos a hierarquização de saberes com presença marcante da cultura
europeia nos currículos de ambos os cursos, mantendo-se, assim, a colonização do
conhecimento, práticas que perpetuam a homogeneidade cultural, que silenciam

141
diferentes formas de expressão, de olhares, de identidades e saberes culturais social e
etnicamente referenciados.

Ressaltamos a necessidade de que a universidade oferte currículos mais


democráticos6, em que o debate sobre as questões raciais e a diversidade cultural
configure-se como referente conceitual dos pressupostos do currículo, de modo a ser parte
integrante da matriz curricular. Assim, possibilitar, na experiência da formação para a
carreira docente, referenciais, abordagens e práticas que ampliem na educação básica, o
trato emancipatório e afirmativo das questões de identidade étnico-racial, e todos os
demais dela decorrentes, em especial no que se refere às lutas antirracistas, à promoção
da diversidade, e o respeito à liberdade religiosa de práticas de matriz africana, de modo
que os/as professores/as se sintam confiantes para ampliar as referências dentro do
currículo das escolas, e para lidarem de forma libertadora com os problemas advindos de
anos de ocultação das culturas afro-brasileira e africana.

Para promover uma mudança com possibilidades reais de êxito, precisamos contar
não somente a força da legislação, mas também com a transformação de certos valores
que conduzam à mudança das atitudes. Segundo Edgar Morin (2000, p. 74), há que se
estabelecer também a reforma do pensamento humano, “não se pode reformar a
instituição sem ter previamente reformado os espíritos e as mentes, mas não pode
reformá-los se as instituições não forem previamente reformadas”.

Desse modo, é importante salientar a necessidade emergencial de alinhamento dos


currículos dos centros formadores de professores e professoras para atuar na educação
básica com a nova realidade e com os novos desafios formativos. Uma abordagem
curricular e uma política de currículo e formação que conduzam e pratiquem uma reflexão
crítica em torno da diversidade cultural, dos conhecimentos até então tidos como válidos,
da necessidade de reposicionamento dos conhecimentos e dos/as detentores/as deles, em
uma ágora mais democrática, em roda de saberes, em uma formação que inclua a
diversidade como valor educativo, como princípio formador. Uma proposta que
contemple a pluralidade de saberes, a conexão entre saberes e fazeres diversificados, que

6 No curso de LLV, não só por contar com mais professores envolvidos com a questão, mas
também por ter em andamento uma proposta para incorporação de uma disciplina obrigatória no
currículo como forma de atender ao previsto no Parecer CNE/CP nº 03/2004 e na Resolução
CNE/CP nº 01/2004. Enquanto no curso de LDP a discussão da temática tem ocorrido,
majoritariamente, por meio dos projetos como o PBIB e as ACCS.

142
vise à formação antirracista, ética, solidária e mutualista como um projeto de construção
social.

REFERÊNCIAS

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formativas. In: BARBOSA, J. G. (org.); revisão da tradução Sidney Barbosa.
Multirreferencialidade nas ciências sociais e na educação. São Carlos: Editora da
UFScar, 1998, p. 24-41.

BORBA, S. da C. Aspectos do conceito de multirreferencialidade nas ciências e nos


espaços de formação. In: BARBOSA, J. G. (org.) Reflexões em torno da abordagem
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de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e
Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm>. Acesso em: 12 mar.
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_____________. MEC. Parecer nº 03 de 10 de março de 2004. Regulamenta a Lei nº


10.639/2003 e estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/003.pdf>. Acesso
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COULON, A. Etnometodologia. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis:


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_____________. A condição de estudante: a entrada na vida universitária; tradução


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2008.

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. 1ªed. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

GOLDENBERG, M. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em


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GOMES, N. L. Descolonizar os currículos. Um desafio para as pesquisas que articulem


a diversidade étnico-racial e a formação de professores. In: Trajetórias e processos de
ensinar e aprender: sujeitos, currículo e culturas. Texto apresentado no XIV
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Currículo sem Fronteiras, v. 12, n.1, pp. 98-109, Jan/Abr 2012. ISSN 1645-1384
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<http://www.curriculosemfronteiras.org/vol12iss1articles/gomes.pdf> Acesso em: 20
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MORIN, E. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. Brasília, Ed. Cortez,


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e interculturalidade no Brasil. Educação em Revista. Belo Horizonte, v.26. n. 01 p.15-
40, 2010.

144
Capítulo 10
O ENSINO DE PSICOLOGIA NA LICENCIATURA EM
PEDAGOGIA: UM ESTUDO DE CASO COM DISCENTES E
DOCENTES

Renata Meira Veras


Sayuri Miranda de Andrade Kuratani

1 A PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO E O ENSINO DE PSICOLOGIA

A Psicologia da Educação constitui-se como um campo complexo da Psicologia,


no qual a sua conceituação, história e processos de atuação profissional possuem
contornos não-lineares, que envolvem aspectos característicos da área da Psicologia e da
Educação (GATTI, 2010).
Desde o século XIX, essas duas áreas vinham desenvolvendo uma relação
caracterizada pela definição das diferenças individuais, buscando resultados em termos
de aprendizagem e de sucesso escolar, cabendo à Psicologia a mensuração e a
padronização das habilidades relacionadas à inteligência. Nesse sentido, o
desenvolvimento da Psicologia da Educação (e da própria Psicologia científica)
atravessou a conjuntura do crescimento das sociedades industriais, que demandavam
especificidades em recrutamento de pessoas e aptidões, o que tornava a Psicologia uma
ciência que buscava selecionar e adaptar os sujeitos frente às novas exigências
socioeconômicas, tanto no âmbito da escola, como do trabalho (PATTO, 1984; MALUF;
CRUCES, 2008).
Essa característica histórica da Psicologia deixou heranças nas suas mais diversas
áreas, teorias e métodos, o que contribuiu para a reprodução dessa ideologia nas escolas,
hospitais e indústrias. No âmbito da educação, observa-se que as práticas dos psicólogos
educacionais/escolares foram imbuídas das quantificações e avaliações das aptidões de
inteligência e de personalidade, como denunciado por Patto (1984), que argumentou
sobre a necessidade dos profissionais psicólogos tomarem consciência desse papel e
abandonarem a identidade técnica, assumindo uma identidade política.
A Psicologia da Educação atuou em prol de uma psicologização das questões
educacionais, reduzindo estas a explicações estritamente psicológicas, ou seja,

145
justificavam-se os comportamentos como efeito unicamente de processos psicológicos e
subjetivos. Para Libâneo (1984, p.156) esse tipo de reducionismo “[...] ignora o efeito das
condições sociais e políticas sobre o comportamento, tornando subjetivos os problemas
gerados pela estrutura social e econômica”. Essa visão reducionista, que naturaliza os
fenômenos psicológicos e educacionais, tem forte influência do liberalismo, no qual o
individualismo é fundamental (PATTO, 1984). Há, assim, uma ênfase nas capacidades
individuais, em detrimento ou nulidade das circunstâncias e complexidades sociais, como
por exemplo, na questão do fracasso escolar, na qual havia uma culpabilização do
indivíduo, devido a compreensão de que as dimensões psicológicas eram as causas das
dificuldades de escolarização, excluindo os aspectos históricos e políticos envolvidos.
Patto (1996) ressalta também a influência da “Teoria da Carência Cultural” no
campo da Psicologia da Educação, que entende que as causas das diferenças educacionais
estão no ambiente social e cultural das classes dominadas. Nessa teoria, a pobreza social
e econômica justificam determinadas características cognitivas e psicológicas dos
indivíduos, inclusive as dificuldades de escolarização (CHECCHIA, 2015). A Psicologia
da Educação caracterizava-se, desse modo, como um campo de saber marcado pela
psicologização, focada no indivíduo e amparada por parâmetros oriundos das classes
socialmente privilegiadas.
Contudo, a construção de uma identidade política vem sendo promovida no Brasil
desde as décadas de 70/80, principalmente a partir do debate levantado por Patto (1984)
e do desenvolvimento da Psicologia Escolar Crítica, na qual a atuação e a práticas
psicológicas são referenciadas por um modelo crítico e de compromisso social
(MARTÍNEZ, 2009; SOUZA, 2010).
Dentre as diversas áreas em que a Psicologia da Educação participa e com as quais
contribui está a formação de professores, participação que se dá principalmente através
do ensino nos cursos de Licenciaturas. No Brasil, no início do século XX, os cursos de
formação de professores ocuparam um papel fundamental na consolidação de um projeto
de nação voltado à educação. Diante do triste cenário da alfabetização no país, uma
reestruturação da profissionalização docente era exigida, e a Psicologia pôde compor esse
cenário. Essa ciência em conjunto com a biologia e com as ciências sociais constituíram-
se como bases científicas da Pedagogia nas escolas normais e, desse modo, a Psicologia
se estruturou como fundamental nesses cursos, o que colaborou para sua difusão
(ANTUNES, 2003; SGANDERLA; CARVALHO, 2010).

146
O ensino de Psicologia tem sido objeto de estudos há aproximadamente três
décadas, tratando das contribuições e dos desafios com que as disciplinas de Psicologia
têm lidado na formação de docentes do ensino básico. Os desafios são diversos e ainda
reproduzem as dificuldades enfrentadas pela Psicologia da Educação, como a
fragmentação do conhecimento e da prática, a falta de articulação com a realidade social
e escolar, e a interdisciplinaridade (LAROCCA, 1999; AZZI; BATISTA; SADALLA,
2016).
Na formação de professores, a Psicologia e as demais ciências da educação
compõem o currículo das Licenciaturas através – principalmente – das disciplinas
previstas na matriz curricular dos cursos, participando, a priori, da dimensão do ensino.
Dessa forma, o ensino de Psicologia tem ocorrido através das disciplinas de
Psicologia da Educação (podendo ter variações na denominação, como Psicologia
educacional, Psicologia e educação, etc.) e/ou de Psicologia da aprendizagem e
desenvolvimento (podendo serem vistas separadas ou também com variações de
nomenclatura). Esses componentes compõem o elenco de disciplinas da área pedagógica
(GUERRA, 2016), sendo no mínimo uma delas componentes de caráter obrigatório.
Estudos sobre o ensino de Psicologia nos cursos de formação de professores têm
sido realizados há algumas décadas, com pesquisas nos extintos cursos de Magistério de
2º grau (PUTTINI, 1988) e nas Licenciaturas de áreas diversas, como na de Ciências
Naturais (LUCION; FROTA, 2009), Matemática (ALMEIDA, 2005), Educação Física
(IAOCHITE et al., 2004) e Pedagogia (LEVANDOVSKI, 2008).
Buscando contribuir com essa temática, o presente capítulo buscou descrever o
ensino de Psicologia ofertado em um curso de Licenciatura em Pedagogia de uma
universidade pública do interior da Bahia, destacando contribuições, desafios e sugestões
dos licenciandos, das docentes de Psicologia do curso e de uma docente representante do
colegiado acadêmico. Esse capítulo foi produto de uma pesquisa de mestrado realizada
entre os anos de 2017 a 2018. O estudo justifica-se pela necessidade de desvelamento das
problemáticas relacionadas a Psicologia na formação de professores, de modo a contribuir
para a formação desses profissionais e para repensar o papel da Psicologia na educação.

2 OS CAMINHOS DA PESQUISA

A pesquisa teve caráter qualitativo, exploratório, caracterizando-se como um


estudo de caso. Foi escolhida a entrevista semiestruturada como técnica qualitativa.

147
Como o objetivo do estudo referia-se a buscar as opiniões, críticas e sugestões dos
estudantes, das docentes-psicólogas e da coordenadora do curso de Licenciatura em
Pedagogia sobre o ensino de Psicologia, foi realizado um recorte a partir das disciplinas
de Psicologia que compõem a matriz curricular dessa graduação.
As disciplinas são “Psicologia e educação” e “Psicologia da aprendizagem e
desenvolvimento”, e são ofertadas no primeiro e no segundo semestres do curso,
respectivamente. São consideradas como componentes de caráter básico e de natureza
teórico-prática, com carga horária de sessenta e oito horas cada uma, com metade da carga
horária destinada à teoria e a outra para a prática, como especificado no projeto político
pedagógico do curso. Essa graduação possui uma carga horária total de 3.194 horas,
ocupando as disciplinas de Psicologia 4,2% desse total.

2.1 OS COLABORADORES
Os colaboradores do estudo foram vinte estudantes e quatro docentes (três
docentes-psicólogas e uma coordenadora acadêmica da graduação) do curso de
Licenciatura em Pedagogia. Nas subseções abaixo são descritas como ocorreu o contato
e a colaboração dos mesmos à pesquisa:

2.2 OS ESTUDANTES
Devido o estudo possuir um foco para o ensino de Psicologia do curso, optou-se
por convidar somente estudantes que já tivessem concluído as disciplinas de Psicologia
no curso (estudantes que estavam estudando a partir do terceiro semestre letivo). Para a
apresentação da pesquisa aos estudantes, foram solicitados à coordenação do curso os
horários das turmas de Pedagogia, a fim de que os alunos pudessem conhecer a proposta
da pesquisa e pudessem ser convidados a participar. Com a autorização dos professores,
foi feita essa apresentação, utilizando os horários iniciais, finais ou intervalos das
disciplinas. Posteriormente, anotou-se o contato dos alunos que se mostraram
interessados em participar e, assim, agendado um momento para a realização da
entrevista. Desse modo, o critério de participação dos colaboradores foi o interesse e a
disponibilidade dos mesmos.
Nesse momento inicial verificou-se a existência de oito turmas de Pedagogia,
sendo quatro turmas no turno diurno. Das oito classes, duas não foram visitadas por serem
o primeiro e o segundo semestre do curso, e uma não possuía aula na universidade nos
dias em que ocorreu a pesquisa de campo. Desse modo, foram visitadas cinco turmas:

148
duas do noturno e três do diurno. No mesmo período foi solicitado ao setor acadêmico da
universidade o número total de estudantes matriculados na Licenciatura em Pedagogia,
que indicou a totalidade de 471 estudantes, sendo 245 no turno diurno e 226 no noturno.
Participaram da pesquisa vinte estudantes dos turnos noturno e diurno da
Licenciatura em Pedagogia, sendo sete estudantes do noturno. Todos os participantes já
haviam concluído o primeiro ano da graduação, sendo que dez alunos estão distribuídos
entre o terceiro, o quarto e o quinto períodos do curso, e dez entre o sétimo e oitavo
períodos. Esses períodos indicam o semestre curricular, e não o tempo da trajetória
acadêmica do aluno, ou seja, existiam alunos que estavam dessemestralizados ou até
mesmo já haviam ultrapassado o tempo previsto de formação, que são oito semestres
letivos.
A definição do número de participantes ocorreu a partir da análise de saturação
dos conteúdos das entrevistas (FONTANELLA; RICAS; TURATO, 2008), na qual foi
observado uma repetição frequente de assuntos desde a oitava até a décima quinta
entrevista. Optou-se por realizar mais cinco entrevistas para garantir essa constatação,
compreendendo que os temas emergentes nas vinte entrevistas foram capazes de
caracterizar o objeto de estudo e atender aos objetivos da pesquisa, possibilitando
discussões teóricas apropriadas à literatura.

2.3 AS DOCENTES
Com relação às docentes definiu-se entrevistar apenas as docentes psicólogas e as
coordenadoras do curso, visando o aprofundamento do tema a partir de quem leciona as
disciplinas e administra o curso. Atualmente, essa graduação conta com três docentes
psicólogas. Inicialmente, foram convidadas a participar da pesquisa as três docentes e as
duas representantes da coordenação do colegiado do curso. Elas foram contatadas através
de endereço eletrônico. No e-mail foi realizado o convite à participação e explicitado o
objetivo do estudo.
Não foi possível o agendamento com uma docente do componente “Psicologia e
educação” e uma das representantes do colegiado não retornou o contato.
Durante o processo da pesquisa, alguns colaboradores sugeriram a importância de
uma ex-professora compor esse cenário, devido ao tempo prolongado por que esta
permaneceu lecionando as disciplinas. Considerando a relevância dessa indicação, a
mesma também foi convidada a participar.

149
Desse modo, participaram do estudo quatro docentes, sendo: uma professora que
leciona a disciplina “Psicologia e educação” e uma docente que ensina “Psicologia da
aprendizagem e desenvolvimento”; uma ex-professora do curso, que já havia lecionado
essas duas disciplinas; e uma representante da coordenação do colegiado. A primeira tinha
um ano de exercício na instituição e possui graduação e pós-graduação na área de
Psicologia, a segunda ingressou na universidade em 2009 e possui graduação em
Pedagogia e Psicologia, com doutorado em educação, e a terceira colaboradora esteve no
curso durante seis anos e tem graduação em Psicologia e doutorado em educação, com
foco em Psicologia da Educação. A coordenadora está na universidade desde 2015 e ainda
não havia completado um ano na gestão do colegiado, quando da realização da pesquisa,
que ocorreu no ano de 2017. Ela é pedagoga e possui mestrado e doutorado em educação.

2.4 O MÉTODO E A ANÁLISE


Com a resposta positiva dos participantes, foi agendado um encontro para as
entrevistas. Antes de iniciá-las, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi lido e
discutido com os colaboradores.
As entrevistas foram gravadas por um aplicativo de gravação de áudio no aparelho
celular. Depois, as mesmas foram transcritas na íntegra. As falas transcritas foram
analisadas à luz da Análise de Conteúdo (AC), a partir da sistematização proposta por
Laurence Bardin (1977). A AC se institui como um método capaz de analisar o discurso
e seus diversos aspectos constituintes, destacando a fala e o seu contexto. Para Bardin
(1977, p. 39) “o analista tira partido do tratamento das mensagens que manipula, para
inferir (deduzir de maneira lógica) conhecimentos sobre o emissor da mensagem ou sobre
o seu meio, por exemplo”.
Nesse estudo foi realizado a AC categorial temática, que busca o tema como
definição central e “consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem a
comunicação e cuja presença, ou frequência de aparição podem significar alguma coisa
para o objetivo analítico escolhido” (BARDIN, 1977, p. 105). O tema revela-se enquanto
unidade de registro, sendo um recorte dos sentidos evidenciados no conteúdo, ou seja, é
uma unidade de significação, que mantém relação com os pressupostos teóricos que
orientam a pesquisa (BARDIN, 1977).
Após a transcrição das entrevistas e a leitura das mesmas, iniciou-se a
identificação dos temas emergentes nas entrevistas. Foram identificados sessenta temas:
vinte e três temas derivados das entrevistas com os docentes e vinte e oito temas dos

150
discentes, sendo que nove temas são comuns aos dois grupos. Todos os temas surgiram
mais de uma vez em todas as entrevistas. Desse modo, eles não foram considerados pelo
número de aparições, mas pelo fato de apenas terem se apresentado.
Considerando a quantidade de temas como extensa, optou-se por agrupá-los em
categorias abrangentes. Foi possível construir três categorias, considerando o critério
semântico dos temas, ou seja, uma afinidade de sentido definiu o agrupamento dos temas.

2.5 ASPECTOS ÉTICOS


A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob os pareceres de
números 2.505.379 e 2.659.507. O nome da instituição não foi revelado devido a questões
éticas, contudo a fim de contextualizar o espaço onde ocorreu a pesquisa, é importante
apontar algumas características regionais e sociais, que quando observadas tornam-se
referenciais essenciais para a discussão do estudo. A universidade é localizada em uma
cidade do interior da Bahia, com uma população estimada de 38 mil habitantes e está a
aproximadamente a 200 km da capital. Sua economia é baseada na agricultura, pecuária
e comércio. A comunidade acadêmica discente é majoritariamente negra e no campus
onde foi realizada a pesquisa há a presença de muitos estudantes advindos da zona rural
de diversas cidades da região.

3 O ENSINO DE PSICOLOGIA: O QUE PENSAM OS DISCENTES E


DOCENTES DO CURSO?
As entrevistas com as docentes e discentes foram organizadas em três categorias,
que serão discutidas a seguir:

3.1 AS DISCIPLINAS “PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO” E “PSICOLOGIA DA


APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO”: COMO ACONTECE ESSE ENSINO?

No curso analisado, as disciplinas de Psicologia que constam no currículo são:


“Psicologia e educação” e “Psicologia da aprendizagem e desenvolvimento”. O primeiro
componente propõe em sua ementa o estudo da relação entre Psicologia e educação, as
epistemologias e as teorias da Psicologia e suas implicações para a aprendizagem e a
docência. O outro componente visa ao estudo do desenvolvimento humano, destacando
suas relações com a educação.

151
Nessa categoria pretende-se caracterizar esse ensino de Psicologia, discutindo a
percepção dos estudantes e docentes quanto às ementas, metodologias, práticas, teorias e
demais aspectos curriculares dessas disciplinas.

3.1.1 As ementas
As ementas curriculares regulam e orientam o ensino ofertado nas disciplinas,
reunindo os elementos teóricos, metodológicos e normativos dos componentes.
Entendendo a relevância desse instrumento, questionamos aos participantes suas
impressões sobre as ementas das disciplinas de Psicologia. Ressalta-se que os discursos
dos colaboradores quanto a esse aspecto se referem tanto a proposta curricular de ementa,
tanto como ao processo de desenvolvimento dessa ementa em sala de aula, ou seja, como
acontece tal proposta.
As docentes e estudantes relataram a necessidade de ampliação e de modificações
nas ementas das disciplinas, retratando a relevância de trazer novos autores e temas que
não se fazem presentes nos documentos. O excerto que segue indica a necessidade de
mudanças nessas ementas, que devem ser consideradas como dispositivos políticos e
históricos do conhecimento:
Eu acho que o problema principalmente tá na ementa. O professor da
Psicologia não tem uma pegada muito violenta política, pra dizer “olha, vou
botar fogo no diabo dessa ementa, e bora fazer outra coisa aqui nesse
componente”. Não, ele segue à risca. [...], tá aquele negócio velho, maçante,
arcaico, dando aquela puxada somente pra aquela velha guarda, não tá fazendo
novas interpretações. [...] Isso fica a cargo do docente que vai ofertar a
disciplina, se ele vai ter essa coragem política pra fazer uma outra interpretação
dessa ementa. (Estudante 4)

O conservadorismo relatado pelos graduandos pode ser traduzido pelo desafio da


Psicologia em se colocar como crítica, desafio que está relacionado ao nascimento dessa
ciência, que buscou atender a interesses econômicos, através da classificação das
diferenças individuais, buscando adequação aos princípios de produtividade e eficiência,
tanto em contextos industriais, como escolares.
Essa marca histórica repercute nos modelos de formação em Psicologia, que
reproduzem de forma descontextualizada as teorias e métodos tradicionais da área. A
necessidade de apresentar o campo tradicional da mesma não é questionada pelos
licenciandos, mas, sim, de apresentá-lo como produto de um determinado contexto
histórico, somado a novas possibilidades epistemológicas que se articulem com as
desigualdades e singularidades da realidade que os graduandos enfrentam.

152
A adoção de um posicionamento político é reclamada nesse contexto,
recomendando que os professores e as ementas de Psicologia possam atualizar-se frente
às novas exigências da vida escolar, buscando novos referenciais teóricos e
problematizando os aspectos políticos que compõem a realidade escolar, dando destaque
a temas como gênero, etnias e classes sociais, por exemplo.
Os estudantes revelaram a importância de rever o modo como as teorias da
Psicologia vêm sendo reproduzidas e interpretadas no cenário da formação de
professores, e a indispensabilidade de indicar autores e teorias correspondentes à
realidade local:
[...] o que teve muito, que é o normal das universidades... nós trabalhávamos
muito os escritores europeus, que é o que a gente reclama aqui, a gente não vê,
por exemplo, eu queria trabalhar alguns autores africanos, mas não eram
trabalhados, autores brasileiros [...]. Então a gente ficava basicamente em
Wallon, Vigotski e Piaget, só, os três. [...] A gente não consegue enxergar a
realidade brasileira, nem a baiana [...]. (Estudante 6)

Observa-se no trecho supracitado uma predominância das teorias clássicas do


desenvolvimento, como Piaget, Wallon e Vigotski, mostrando o grande espaço que essas
disciplinas conferem a tais teorias. Novas pesquisas na área da Psicologia da Educação,
como os estudos sobre queixas escolares, violência na infância e medicalização por
exemplo, parecem estar prejudicadas frente à valorização das abordagens tradicionais do
desenvolvimento psicológico, segundo o relato dos estudantes entrevistados.
Quanto a esse aspecto, as docentes afirmam que utilizam as teorias clássicas
(Piaget, Vigotski, Wallon, Freud e Skinner), mas sem a predominância de uma teoria. O
ensino das teorias tradicionais parece ser basilar nas disciplinas e majoritário para as
docentes. Nesse sentido, é necessário discutir a atualização dos referenciais teóricos, de
modo a buscar epistemologias que tratem da complexidade dos fenômenos escolares,
evitando uma abordagem apenas desenvolvimentista, focada nos aspectos cognitivos.
Ressalta-se que todas as docentes relataram que discutem amplamente os temas
atuais relacionados à escola e à educação, incluindo a questão da medicalização, violência
e diversidade sexual, por exemplo. Nesse aspecto parece haver dois pontos-de-vista entre
docentes e alunos, já que os últimos destacaram que não há valorização dessas discussões,
enquanto os primeiros apontaram o inverso. Pondera-se que a maioria dos entrevistados
não compartilham a mesma temporalidade no curso, o que pode indicar movimentos
distintos nas disciplinas, o que inviabiliza o confronto de informações.
Com relação aos aspectos normativos das ementas, os graduandos foram
questionados sobre o que acham da carga horária, se é ou não suficiente. A maioria dos

153
alunos (com exceção de uma estudante) descreveu como insuficiente, contudo há um fator
que influencia isso de forma mais contundente: o planejamento do professor: a forma
como este vai utilizar e aproveitar o tempo disponível.
O planejamento de como as disciplinas ocorrerão possui grande relevância no
processo de aprendizagem dos estudantes, colaborando para que os conteúdos possam ser
discutidos amplamente, articulando-se com as mesmas. Torna-se necessário a busca de
um planejamento dialogado entre professores e estudantes, que possam expressar as
expectativas e sugestões desses dois grupos frente às disciplinas, e, principalmente, como
defendido por Lima (2006), permitindo que essas disciplinas atendam às necessidades
profissionais e sociais. Destaca-se que esse planejamento pode e deve ser feito durante
todo o curso da disciplina, estando sensível aos movimentos que ocorrem nessas
interações, pois, como compreende Tardif (2014), o ensino é uma atividade humana, na
qual fazer escolhas baseia-se na interação entre professores e alunos.

3.1.2 Metodologias utilizadas

Com a finalidade de caracterizar quais os métodos utilizados nessas disciplinas,


os entrevistados foram convidados a descrevê-los e avaliá-los, conforme as suas
experiências e aprendizagem. A metade dos participantes indicaram que as metodologias
nas disciplinas foram muito boas, tendo resultados significativos à aprendizagem. As
principais metodologias citadas por docentes e discentes foram: seminários sobre os
principais teóricos da Psicologia do Desenvolvimento, oficinas/dinâmicas que deviam ser
embasadas a partir dessas teorias, avaliações escritas, aulas expositivas com o recurso das
apresentações no formato de slides e aulas dialogadas, que retratavam e articulavam as
experiências dos licenciandos e docentes com as teorias.
Os seminários e oficinas foram as metodologias mais citadas pelos alunos, e
consideradas como muito reforçadoras. Nesses seminários há uma avaliação do processo,
que parte da professora para os alunos-apresentadores, dos alunos-ouvintes para os que
apresentam e dos que apresentam para os colegas ouvintes. Esse método parece ter grande
importância nesse processo, tanto para tornar os estudantes mais sensíveis à apresentação,
como uma forma de modelo para as futuras práticas pedagógicas dos professores em
formação. Os critérios da apresentação são previamente definidos e isso colabora no
planejamento e na execução da atividade.

154
Outro tipo de metodologia empregada nas disciplinas refere-se a um processo
contínuo de avaliação da disciplina, mostrando a possibilidade de diálogo e inovação do
componente, que oferece possibilidades de mudanças e críticas.
A valorização da construção processual da disciplina relaciona-se com a abertura
de diálogo nesse espaço, constituindo-se como algo espontâneo nas interações
professores-alunos, mas que possui formas e finalidades educacionais. Enquanto tal, esse
diálogo abre possibilidades para a valorização das experiências dos alunos, saberes que
os mesmos possuem, muitas vezes advindos das suas práticas e vivências escolares e
profissionais, e que somam às interpretações dos conteúdos ditos científicos ou
pedagógicos.
Podemos levantar a hipótese de que o uso dos seminários como metodologia
possui relação com a possibilidade e a ampliação do diálogo em sala de aula,
oportunizando o protagonismo dos licenciandos, que se sentem responsáveis e ativos
sobre os processos de aprendizagem seus e dos seus colegas. Da mesma forma, a
avaliação contínua da disciplina se traduz como diálogo nessas interações, indicando que
“viver a abertura respeitosa aos outros e, de quando em vez, de acordo com o momento,
tomar a prática de abertura ao outro como objeto da reflexão crítica [...]” é fundamental
na docência (FREIRE, 1996, p. 136).
Como sugestões, alguns entrevistados, em torno de três estudantes, resgataram a
necessidade de metodologias que utilizem os recursos audiovisuais e metodologias
lúdicas, associando os conteúdos da Psicologia com jogos e brincadeiras, dispositivos
fundamentais para a atuação do professor de Pedagogia nas séries iniciais.

3.1.3 A natureza teórico-prática das disciplinas

Inicialmente, ressaltamos que a ideia de prática que concebemos neste estudo é


inspirada na concepção de Zeichner (1993, p. 53), que entende, de forma genérica, o
“practicum” como “todos os tipos de observação e práticas de ensino num programa de
formação inicial de professores”, tais como estágios, vivências e experiências em
instituições educacionais ou nas próprias disciplinas do curso. Inclui-se também as ações
em pesquisa e extensão e outras situações em que o estudante possa exercer habilidades
exigidas na sua atuação profissional. Destaca-se também que tal concepção vincula-se à
ideia de indissociabilidade entre teoria e prática. Esclarecemos isso, porque esse foi o

155
ponto de partida nos roteiros das entrevistas e, ao longo da pesquisa, os alunos
demonstraram diferentes opiniões sobre a prática.
Os dois componentes curriculares em análise possuem natureza teórico-prático,
possuindo trinta e quatro horas para a prática e trinta e quatro horas para os conteúdos
teóricos. A díade teoria-prática tem sido frequentemente problematizada no âmbito do
ensino superior e caracteriza-se como uma das principais questões a serem solucionadas
para a formação profissional e científica. Para a formação de professores, essa conjuntura
não é diferente e todos os participantes da pesquisa relataram sobre o excesso de teoria e
sobre a falta de articulação entre teoria e prática. Apesar da metade dos estudantes
apontarem os seminários como metodologias que realizam essa articulação, todos os
licenciandos ressaltaram a necessidade de ampliação dessa “prática”.
A busca dos estudantes refere-se, principalmente, à necessidade de vinculação da
prática com a realidade, e essa realidade compreende os espaços de atuação profissional.
Para umas das docentes a questão teórico-prática também é um desafio, já que a
mesma possui dificuldades em considerar metodologias novas, que fujam da dicotomia e
do excesso de teoria.
A necessidade dessa articulação também foi resultado de outras pesquisas na área
do ensino de Psicologia, configurando-se como um tema-problema na formação de
professores (LAROCCA, 1999; LIMA, 2006). Essa dicotomia existente nas Licenciaturas
foi influenciada diretamente pela herança do “modelo 3+1” de formação inicial de
professores, no qual três anos eram reservados para os conteúdos específicos e o último
ano para as matérias de caráter pedagógico. Esse tipo de formação reproduziu o modelo
da racionalidade técnica, que tem a fragmentação dessa relação como pressuposto,
entendendo que deve haver primeiro a teoria e posteriormente a aplicação da prática
(SADALLA et al., 2002). Zeichner (1993) analisa que essa racionalidade também
compreende a fragmentação dos espaços de conhecimento: as teorias ocorrem nas
universidades e as práticas, nas escolas, sendo necessário o entendimento de que as
práticas e teorias ocorrem em ambos os espaços.
Ainda que algumas concepções de práticas dos alunos possam estar ligadas a ideia
da racionalidade técnica, entendendo a prática como aplicação na escola, é preciso
compreender a valorização que eles dão ao contato com essas instituições, o que
demonstra a necessidade de maior vinculação das disciplinas com essa realidade.
Além disso, um estudante destacou a importância da Psicologia compor os
cenários de estágio, articulando conhecimentos diversos à prática pedagógica. Larocca

156
(2016) concorda com essa opinião, ressaltando que as disciplinas de prática de ensino e
estágio supervisionado não precisam ser as únicas responsáveis pela articulação da teoria
e prática pedagógica, tendo a Psicologia da Educação aporte necessário para colaborar
com as práticas e conhecimentos pedagógicos.
A opinião defendida por todos os estudantes entrevistados indicou o desejo de que
a prática se torne um referencial à formação, como defendido por Pereira, Almeida e Azzi
(2002, p. 183), que compreende a prática como “uma instância permanente de
aprendizagem do futuro professor e como referência para a organização curricular”. Os
cursos devem desenvolver um planejamento curricular que preveja situações didáticas
nas quais os graduandos possam “mobilizar conhecimentos de diferentes naturezas e
oriundos de diferentes experiências” (PEREIRA; ALMEIDA; AZZI, 2002, p. 185), de
modo a envolver os diferentes atores e campos de conhecimento.

3.2 O PAPEL DA PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DE


PROFESSORES: CONTRIBUIÇÕES DAS DISCIPLINAS

Na tentativa de compreender de que forma os participantes da pesquisa percebem


o papel da Psicologia da Educação à formação do pedagogo, buscou-se conhecer quais as
contribuições que as disciplinas “Psicologia e educação” e “Psicologia da aprendizagem
e desenvolvimento” ofereceram aos discentes.
Cerca de dezesseis alunos entrevistados destacaram que a relevância das
disciplinas em Psicologia se deu pela compreensão dos processos de aprendizagem dos
alunos, possibilitando o planejamento adequado das práticas pedagógicas, adaptando-as
à diversidade dos processos que ocorrem na sala de aula, como pode ser observado na
fala da entrevistada:
Então poder entender esses processos de aprendizagem é a gente compreender
o tempo de aprendizagem da criança, pensar também os nossos métodos...
quando eu te falei da questão da concentração, a gente sabendo que a criança
tá naquela fase, que ela não tem tanto domínio da concentração, a gente tem
que pensar em métodos, não é culpa da criança se ela não se concentra, é culpa
do método que eu levei, que a fase dela não se encaixa pra aquele método,
então é eu pensar em atividades que eu possa conseguir que ela se aproprie de
alguma coisa no tempo dela, no tempo que a fase dela propicia [...]. (Estudante
10)

Nesse relato observa-se uma sensibilidade do futuro professor frente ao aluno,


demonstrando a preocupação com a diversidade e especificidades do desenvolvimento
humano.

157
O professor deve estar disposto a compreender essas singularidades, buscando
sensibilidade e discernimento, a fim de evitar generalizações e ações pedagógicas
inadequadas. A sensibilidade é um dos aspectos fundamentais do trabalho docente e deve
ser desenvolvida juntamente com as reflexões e saberes provenientes das experiências
dos docentes (TARDIF, 2014).
Essa sensibilidade supera o caráter metodológico ou teórico das práticas
pedagógicas, e pode ser vista como forma de recepção e percepção de afetos e emoções,
que ocorrem nas interações professor-aluno. Para Tardif (2014), uma outra característica
do objeto de trabalho do docente é a afetividade, que se relaciona com o
compartilhamento das emoções e sentimentos vividos nessas interações. Ilustra-se esse
argumento com o trecho de uma entrevista:

[...] eu acho que quando o professor tem um conhecimento ligado a essa área,
consegue perceber que o tempo daquele aluno não é o tempo do outro, perceber
que o aluno chegou na sala, não tá interagindo, essa questão da sensibilidade
tem, e a gente viu muito isso, essa questão da interação do sujeito, em
Psicologia. (Estudante 8)

O desenvolvimento desses afetos e interações pode promover essa sensibilidade,


facilitando a autopercepção dos sentimentos. Nesse sentido, e de acordo com
Fenstermacher (1999 apud TARDIF, 2014), essas relações podem desenvolver no
professor o seu autoconhecimento, identificando suas próprias emoções e valores.
Consonante com isso, foi observada nas entrevistas a valorização das disciplinas como
instrumento de autoconhecimento para o futuro professor, o que favoreceu a ampliação
do conhecimento psicológico e da produção de sentido.
Quanto aos objetivos e implicações do ensino de Psicologia para a formação do
pedagogo, as docentes-psicólogas argumentaram sobre uma Psicologia da Educação e
Aprendizagem que tenha como perspectiva o estudo do homem na sua constituição social
e subjetiva. Uma das docentes destaca que a intencionalidade formativa da disciplina que
leciona – “Psicologia da aprendizagem e desenvolvimento” – refere-se ao estudo da
diversidade humana, compreendendo os diferentes processos de subjetivação dos sujeitos
e o respeito a estes. Outra docente destacou que seu objetivo na disciplina é a
compreensão da relação aluno-sociedade e o continuum existente entre estes.
Observa-se que as docentes empreendem um discurso preocupado com a
vinculação do conhecimento psi à realidade social e escolar, que por vezes é minimizada
por algumas abordagens da Psicologia. Mesmo que o ensino de Psicologia ainda não
responda à exigência de uma formação de caráter crítico-reflexivo, vinculada às escolas
158
e aos objetivos educacionais (LAROCCA, 2000), acredita-se que muitos esforços vêm
sendo realizados nessa perspectiva, criando espaços para atualização desse ensino, com
abertura dialógica e questionadora da realidade (MARTÍNEZ, 2009; SOUZA, 2010).
Dessa maneira, é válido ressaltar que as principais contribuições da Psicologia da
Educação e do Desenvolvimento e Aprendizagem referem-se não somente ao arcabouço
teórico sobre infância e adolescência, mas ligam-se principalmente ao estudo do homem
e das suas condições sócio-históricas. Entender a complexidade desse sujeito permite que
a formação de professores possa estar sensível aos vínculos sociais, históricos, culturais
e psicológicos que o formam, principalmente em um contexto como o analisado neste
estudo. Uma universidade no interior do estado demanda a compreensão das
especificidades dessa realidade, de modo a mapear e definir os espaços urbanos, rurais,
indígenas e quilombolas pertencentes a esse território, espaços que compõem e interferem
diretamente em tal formação.

3.3 SUGESTÕES E POSSÍVEIS MUDANÇAS PARA O ENSINO DE PSICOLOGIA


NO CURSO

Nesta categoria disserta-se sobre sugestões que os participantes ofereceram como


proposta para a melhoria desse ensino. Muitas dessas sugestões partiram
espontaneamente do discurso deles, como visto em trechos anteriores, mostrando que os
mesmos já carregavam reflexões e posicionamentos sobre esse ensino.
Algumas sugestões indicam um caminho de discussão a nível curricular, mais
abrangente, que possa ser articulado com o colegiado do curso, os docentes e os
estudantes. A interdisciplinaridade foi uma dessas questões, que implica uma profunda
reflexão, com mudanças estruturais na concepção curricular do curso:
Porque por exemplo, se a gente pegar as três ciências, Filosofia, Ciências
Sociais e a Psicologia, que ajudam a construir essa base do curso de Pedagogia,
eles infelizmente não conversam, infelizmente não dialogam, é cada um na sua
caixinha, não tem uma compreensão disciplinar, uma totalidade, de formação
do sujeito como uma totalidade, porque fica parecendo “olha, a Psicologia
contribui com isso, a sociologia contribui com isso, a filosofia contribui com
isso”, mas não entende que tá formando um profissional [...]. (Estudante 4)

Uma das principais problemáticas nos cursos de formação de professores refere-


se à falta de um trabalho interdisciplinar de articulação com todas as disciplinas
(PEREIRA; ALMEIDA, AZZI, 2002), o que está relacionado também com a histórica
fragmentação desses cursos, nos quais os conhecimentos específicos e pedagógicos
mantinham limites bem definidos. Almeida (2016) enfatiza que a Psicologia da Educação

159
não pode dar conta sozinha da multidimensionalidade da educação, devendo ter como
princípio a vinculação com as outras áreas, o que permite o trabalho coletivo, como
defendido pelos participantes da pesquisa.
Outra questão defendida por algumas estudantes (três alunas) refere-se à presença
de conteúdos sobre Psicologia da Educação e os comportamentos do professor, as
emoções e as características psicológicas deste nas suas relações com os alunos.
Tardif (2014, p. 143) argumenta que o trabalho do professor tem caráter
“envolvente” e, enquanto tal, trabalho e docente não se dissociam, o que dificulta a análise
dos limites em que começa e termina seu trabalho: “[...] ele não pensa somente em seu
trabalho (o que a maioria dos trabalhadores faz), mas seu pensamento é, em grande parte,
seu trabalho”. O autor destaca que o professor é um ator carregado de experiências
próprias e de uma subjetividade que se faz presente em todas as suas ações educativas.
Compreendendo as necessidades que os graduandos observam e sentem nos estágios, a
sugestão de um componente curricular nessa proposta garantiria a valorização das suas
experiências subjetivas, favorecendo o autoconhecimento do futuro docente.
O acréscimo de disciplinas de Psicologia foi uma defesa dos entrevistados, tanto
no que se refere a temas específicos relacionados à Psicologia, como para o
aprofundamento das teorias e práticas. É interessante a sugestão de disciplinas de caráter
optativo, pois permitem uma maior flexibilidade curricular ao graduando, que vai
realizando suas escolhas ao longo do curso, na medida em que reconhece seus interesses
e intenções nessa trajetória.
A necessidade de trabalhar temas sociais de caráter interdisciplinar foi frequente
nos relatos dos alunos e isso aparece como uma sugestão no campo da extensão
universitária, com eventos acadêmicos, por exemplo.
Há nas falas dos entrevistados uma valorização da realidade escolar, e a busca por
uma Psicologia da Educação teórico-prática, na qual a universidade tem papel
constituinte, através da criação de espaços de ensino-pesquisa-extensão, em que se
possam planejar, executar e avaliar práticas e conhecimentos relacionados à formação de
professores.
A escola e a universidade como espaços sociais precisam unir forças em prol de
um projeto educacional, que, ainda que complexo e contraditório, possa produzir efeitos
significativos no desenvolvimento social. Essas duas instituições ainda se conhecem
pouco e, certamente, ainda não sabem a potência que podem produzir conjuntamente
(TARDIF, 2014; ZEICHNER, 1993).

160
Cerca de quinze estudantes descreveram que a oferta das disciplinas nos primeiros
semestres não é tão produtiva devido à sua falta de amadurecimento no ingresso do curso,
já que só posteriormente eles irão entender melhor as proposições teóricas. Sugerem que
esses conteúdos possam ser ofertados concomitantemente aos estágios, possibilitando as
articulações necessárias à prática docente. Porém, as docentes e a coordenadora do curso
relataram que as disposições das disciplinas no curso fazem com que os alunos articulem
os conhecimentos pedagógicos com os psicológicos desde o início da graduação,
realizando associações e interpretações derivadas dessa rede de saberes.
É interessante notar o movimento da fala dos alunos quanto à necessidade da
vinculação dos conteúdos psi com as suas práticas nos estágios (que ocorrem a partir do
terceiro semestre), o que possibilita atualizar esses saberes e realizar a associação teoria-
prática.
Nas pesquisas de Almeida (2005) e Bergamo (2004), foram encontrados
resultados semelhantes, nos quais professores da educação básica e professores
formadores indicaram a necessidade de rever o semestre em que são ofertadas as
disciplinas de Psicologia. Acreditam que a disciplina deveria ser ofertada no final do
curso, pois no início é pouco aproveitada pelos graduandos, que ainda não concebem a
relevância desse conhecimento (ALMEIDA, 2005), além de dificultar a articulação com
a prática pedagógica, já que os estágios normalmente irão ocorrer nos semestres finais da
graduação (BERGAMO, 2004).

4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando os resultados, conclui-se que houve uma valorização do conhecimento


psicológico nesse curso e qualificação do mesmo quanto às contribuições para o exercício
profissional de professores. O posicionamento crítico dos alunos nas entrevistas mostrou
que, ainda que haja esse reconhecimento, eles não se contentam com as práticas
desenvolvidas e mostram-se engajados em analisar e propor novas possibilidades teórico-
metodológicas para as disciplinas de Psicologia, principalmente quanto à articulação
destas com a realidade escolar e social em que estão inseridos. Suas narrativas apontam
que a Psicologia ainda demanda consolidar seu espaço curricular e político no curso e na
universidade, fazendo uso de recursos articuladores na área do ensino, extensão e
pesquisa.

161
Ressalta-se que a região onde está localizada a universidade é marcada por
características únicas, que são percebidas pelos graduandos e avaliadas como
fundamentais para a sua formação, através da valorização e compreensão das demandas
locais, como a questão da violência na infância e da medicalização na educação, temas
importantes citados por estudantes entrevistados.
Observa-se também que algumas falas dos alunos demonstram que os mesmos
ainda não conhecem todas as possibilidades que a Psicologia da Educação pode oferecer
à formação deles, e ainda que valorizem e apontem sugestões interessantes ao ensino,
limitam-se ao que é mais óbvio e ao que tem sido discutido nas disciplinas, mostrando
muitas vezes, uma visão aplicacionista e psicologizante.
Nesse sentido, a avidez dos licenciandos na busca por uma formação atrelada a
sua realidade pode indicar que a formação em Psicologia nesse curso não tem
contemplado plenamente as necessidades emergentes no ensino básico, o que dificulta a
tão almejada relação teoria-prática.
As mudanças correntes na área da Psicologia da Educação (MARTÍNEZ, 2009)
estão representadas nessa Licenciatura, que parece estar buscando uma concepção mais
crítica na formação. Essa mobilização é demonstrada pelos desafios narrados pelos
colaboradores da pesquisa, porém o curso ainda carece de um debate institucional mais
sólido, que possa garantir uma Psicologia da Educação e do Desenvolvimento mais
atualizada, vinculada ao cenário da educação brasileira, criando, assim, uma relação de
compromisso social entre as ciências e entre a formação de professores e a escola. Deve-
se garantir, especialmente, que essa formação esteja sensível ao espaço onde ela ocorre,
buscando acessar as diferentes realidades em que os futuros professores podem atuar e
das quais a universidade é partícipe.
A formação de professores deve ser vista como uma das funções da universidade,
que pode estruturar esse debate, possibilitando as mudanças curriculares necessárias e
colaborando para a formação continuada dos docentes. A instituição universitária se faz
relevante ainda na ampliação dessa relação com a escola, como analisado por autores
como Gatti (1992) e Tardif (2014), que criticam o deficiente papel social que as
universidades têm desempenhado quanto à formação de professores e quanto ao ensino
básico. As desarticulações institucionais, teórico-práticas e a consolidação do
compromisso social parecem ser questões comuns aos campos sociais e científicos que
estão em jogo na educação brasileira, o que indica a importância da contínua
problematização e da mobilização destes.

162
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ZEICHNER, K. M. A formação reflexiva de professores: ideias e práticas. Lisboa:


Educa, 1993.

165
Capítulo 11
COLONIZAÇÃO/DECOLONIZAÇÃO DO CONHECIMENTO:
POLÍTICAS DE SENTIDOS NO CURRÍCULO E NA FORMAÇÃO
DOCENTE

Jessica Santana Bruno


Cláudio Orlando Costa do Nascimento

1 INTRODUÇÃO

O acesso de estudantes de camadas sociais que historicamente foram privadas do


direito à educação superior vem contrariando a lógica meritocrática e excludente
presentes na educação do Brasil. A entrada destas/es estudantes nas Universidades vem
rompendo a frequente tradição de baixa escolaridade a qual estes grupos sociais vêm
sendo sistematicamente submetidos. A nova realidade das Instituições de Ensino Superior
(IES) evidencia a obrigatoriedade de estratégias de formação que atendam às
necessidades de transformação, que altere suas ações de maneira a acolher e afiliar
essas/es novas/os estudantes. Uma educação democrática, emancipatória e de excelência
vai além do acesso à Universidade, as ações e programas sociopedagógicos
complementares têm relevâncias substanciais.
O texto apresenta um tensionamento concernente a essa questão. Uma dialética
(composta de denúncia/anúncio) relativa à compreensão dos estudantes cotistas dos
cursos de licenciatura da área de humanidades, da Universidade Federal do Recôncavo
da Bahia - UFRB, no que tange aos seus próprios processos de formação, baseados na
tendência de colonização do conhecimento, ao tempo que destaca também a perspectiva
da experiência e do diálogo – centrando-se nas narrativas emergentes das itinerâncias dos
sujeitos.
Este trabalho baseia-se nos estudos multirreferenciais (ARDOINO, 1998) e
complexos (MORIN, 2005), na Etnometodologia Implicada (MACEDO, 2012), adotando
uma defesa epistemológica que assume um discurso emancipador, a partir da perspectiva
do conhecimento-emancipação (SANTOS, 2002), e tomando a implicação como um
modo de criação de saberes, que assume uma postura política e social consciente,

166
produzindo uma pesquisa que não compartilha da indiferença de um conhecimento
supostamente neutro.
Daí justifica-se a escolha por um tipo de investigação que toma a implicação como
um modo de criação de saberes, assumindo o posicionamento de não deixar de fora da
pesquisa as tradições socioculturais, os fatores estruturantes e propositivos das
experiências e vínculos existenciais. Colocando-nos diante de uma condição inarredável,
de que todos nós subjetivamos e vinculamos as situações por nós vividas, as nossas
motivações, crenças e intenções. E assim, fazemos opções e constituímos nossos mundos,
sem deixar de fora dessa composição o mundo dos saberes. Esses referenciais dialogam
com os objetivos do estudo:
• Descrever a compreensão dos estudantes das Licenciaturas na Área de
Humanidades da UFRB (que acessaram a Universidade a partir da política de
reserva de vagas étnico-racial), acerca do processo de colonização do conhecimento
e das tensões na sua trajetória de formação;
• Compreender as estratégias de formação dos estudantes no ambiente acadêmico,
em contraste com saberes e experiências não disciplinares.
Eleger temas vinculados às pautas emancipacionistas no âmbito da educação
colonizadora é uma opção político-formativa, reparatória, decolonial. Nesses sentidos,
abordar a temática da formação docente na perspectiva decolonial, no âmbito da
Universidade, é problematizar de forma propositiva a realidade formacional que nos
desafia. Nesses termos, as opções epistemológicas e metodológicas deste estudo se
nutrem a partir de uma decisão política implicada, que nos propõe realizar uma caminhada
complexa e esperançosa na construção de um “conhecimento prudente para uma vida
decente” (SANTOS, 2002).

2 COLONIZAÇÃO/DECOLONIZAÇÃO DO CONHECIMENTO: Uma breve


contextualização

Um dos acontecimentos mais marcantes da história da humanidade é a expansão


colonial dos povos europeus pelo mundo. Trata-se de uma expansão que conduziu à
submissão, quando não, ao desaparecimento da quase totalidade dos povos ditos
atrasados, arcaicos ou primitivos que tiveram seus territórios invadidos pelos europeus.
A ação colonial, ao longo do século XIX, foi a circunstância mais importante e que gerou
mais consequências da expansão europeia. Atualmente seus efeitos se reverberam nos

167
mais diversos âmbitos da sociabilidade mundial.
O fim do colonialismo no aspecto das relações políticas, sobretudo, formais e
explícitas, não findou esse sistema enquanto relação social que os países colonizados
vivenciavam. O colonialismo em seu sentido formal – onde algumas sociedades exercem
dominação política sobre outras – parece assunto do passado, no entanto a matriz de poder
colonial configurou-se “a partir de estruturas complexas de níveis entrelaçados”
(MIGNOLO, 2010, p. 12).
O colonialismo, após os processos de emancipações políticas, reinventou-se e
manteve-se sustentado por novas formas de dominação e exclusão que continuaram a
gerar violência e segregação. Até os dias de hoje, faz-se largamente opressor ao
determinar mentalidades e formas de sociabilidade. Identidades culturais continuam
sendo exploradas e dominadas pela transposição violenta dos pensamentos hegemônicos
do mundo eurocêntrico colonizador, que impôs e continua impondo seus conhecimentos,
saberes, culturas e práticas aos povos e nações colonizadas.
Há um vasto conjunto de contribuições de diferentes áreas do conhecimento que
compartilham elementos na tentativa de teorizar sobre as continuidades e as
descontinuidades das relações coloniais imperiais. Trata-se, sobretudo, do estudo das
relações de poder que continuaram a se reproduzir em meio aos diversos campos da vida
social, nas esferas culturais, políticas, epistêmicas e econômicas.
Os estudos seminais – acerca das sociedades após o fim dos processos políticos de
colonizações do chamado “Terceiro Mundo” – foram denominados por estudos pós-
coloniais. Tiveram evidência a partir das publicações de Franz Fanon, “Pele Negra,
Máscaras Brancas” (1952), “Os Condenados da Terra” (1961) e, posteriormente, de
Edward Said, “Orientalismo” (1978).
A teoria pós-colonial – formulada com relação ao imperialismo francês e inglês na
África e na Ásia, que persistiu durante o século XX – apresentava determinados
problemas quanto a sua aplicação ao colonialismo ibérico na América Latina. Este havia
terminado no século XIX, apesar de persistir estruturalmente em termos das
colonialidades de poder, conhecimento, e de ser.
Na década de 1970, formou-se, no sul-asiático, o Grupo de Estudos Subalternos –
liderado por Ranajit Guha – dissidente do marxismo indiano, cujo principal projeto era
analisar criticamente não apenas a historiografia colonial da Índia – produzida por
ocidentais europeus – mas também a historiografia eurocêntrica nacionalista indiana. Este
movimento teve como consequência o reforço do pós-colonialismo como um movimento

168
epistêmico, intelectual e político (GROSFOGUEL, 2008).
No final dos anos 1990, constituiu-se o Grupo Modernidade/Colonialidade (M/C)
composto por intelectuais latino-americanos – entre estes, dissidentes do Grupo Latino-
americano de Estudos Subalternos – situados em diversas Universidades das Américas.
Estavam nomes como Walter Mignolo, Enrique Dussel, Aníbal Quijano, Boaventura
Santos, María Lugones, Edgardo Lander, Catherine Walsh, Arturo Escobar, Fernando
Coronil, Ramón Grosfoguel, dentre outras/outros.
O coletivo M/C promoveu a radicalização do argumento pós-colonial na América
Latina por meio da noção de “giro decolonial”, movimento epistemológico fundamental
para a renovação crítica e utópica das ciências sociais no continente no século XXI.
Promovendo amplas influências teóricas, atualizando a tradição crítica de pensamento
latino-americano, oferecendo releituras históricas e problematizando questões antigas e
atuais para o Continente.
O grupo M/C “defende a 'opção decolonial' – epistêmica, teórica e política – para
compreender e atuar no mundo marcado pela permanência da colonialidade global nos
diferentes níveis da vida pessoal e coletiva” (BALLESTRIN, 2013, p. 92).
O movimento de descobrimento e de revalorização das teorias e epistemologias do
Sul tem crescido nos últimos anos em diversas áreas e Universidades do mundo. Como
defende Mignolo (2003), não se trata da substituição de um novo paradigma, mas do
surgimento de paradigmas outros (BALLESTRIN, 2013).
A utilização da expressão “decolonização” e não “descolonização” (MIGNOLO,
2008, 2010), sugestão feita por Catherine Walsh, trata-se de um detalhe da identidade do
Grupo Modernidade/Colonialidade que marca sua distinção entre o projeto Decolonial e
a ideia histórica de descolonização, via libertação nacional durante a Guerra Fria. Além
disso, o M/C insere-se em outra genealogia de pensamento, como salienta Mignolo
(2010). “Basicamente, a decolonização e um diagnóstico e um prognostico afastado e não
reivindicado pelo mainstream do pós-colonialismo, envolvendo diversas dimensões
relacionadas com a colonialidade do ser, saber e poder” (BALLESTRIN, 2013, p. 108).
Como projeto mais extenso que permanece envolvendo-se criticamente com a
dialética Modernidade/Colonialidade, a Decolonialidade busca romper com a
universalidade do conhecimento que o colonialismo originou. Ao analisar a colonialidade
presente na modernidade, os Decoloniais expõem as marcas deixadas pelo colonialismo
na sociedade contemporânea de forma a desenvolver a diversidade dos conhecimentos.

169
3 IMPLICAÇÕES E COMPREENSÕES “OUTRAS” NAS POLÍTICAS DE
SENTIDOS DE FORMAÇÃO DOCENTE

Os sujeitos da pesquisa são as/os estudantes que acessaram a Universidade por


meio do programa de reserva de vagas através da identificação étnico-racial negra, e que
cursavam os últimos semestres de graduação dos cursos: de Licenciatura em História, do
Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL); de Licenciatura em Filosofia, Pedagogia
e de Letras, Libras e Língua Estrangeira, do Centro de Formação de Professores (CFP).
Neste trabalho, foram realizadas oito pesquisas-biográficas acerca das histórias de
vida e formação das/os estudantes negras/os que compartilharam o fato de estarem
vivenciando processos de formação acadêmica em uma sociedade racista e de hegemonia
branca – que paradoxalmente, veicula a ideologia de democracia racial – em contradição
com a prevalência de práticas discricionárias racistas.
O estudo possibilitou o contato com os estudantes, sujeitos atrizes/atores da
pesquisa, reconhecendo-as/os como seres ”não imbecilizados”, valorizando os aspectos
humanos, socio-culturais das suas condições individuais, singulares e coletivas que –
através de suas experiências e trajetórias – constroem saberes e formas de teorizar o
conhecimento e o mundo (MACEDO, 2012).
As narrativas e os sentidos produzidos no estudo evidenciam como os cursos de
graduação na grande área de humanidades da UFRB reproduzem formativas
colonizatórias, por meio de práticas de ensino invisibilizadora das diferenças,
silenciadora das diversidades, que em grande medida, asseguram silêncio e ausência de
debates críticos a respeito do processo de colonização, tanto no âmbito epistemológico
como metodológico, sendo esses traços marcantes de um tipo de racismo didático-
educacional.
Destacam-se também nessas narrativas a ausência de compreensão crítica:
• a respeito dos processos de colonização epistemológica, que lhes permitissem antes
da proposição deste estudo, avaliar as experiências de formação vivenciadas;
• a respeito das problemáticas relacionadas ao racismo epistêmico e as estratégias
para lidar com o racismo institucional –, que se instaura na dimensão estrutural,
deslocando-se da dimensão individual, correspondendo assim às formas
organizativas, políticas, práticas e normas que resultam em tratamentos e resultados
desiguais nas instituições. Certamente uma das dimensões mais difíceis de ser
revelada e, que tem sido descortinada a partir das discussões de implantação de

170
políticas afirmativas, da problematização da hegemonia da produção e reprodução
de conhecimentos eurocentrados.
Tal compreensão evidenciou-se principalmente a partir das reflexões acerca:
• da ausência, apagamento, menosprezo de referências de intelectuais negras e negros
na produção e reprodução dos conhecimentos vivenciados e compartilhados na
formação;
• dos silêncios e usurpações de creditações científicas à inovações teóricas e
tecnológicas que tiveram como berço o continente africano mas que foram
apropriadas e disseminadas como berçadas no continente europeu;
• da observação de que a sociedade brasileira vivencia – ainda de modo intenso – as
heranças do período colonial;
• da observação da limitada presença de referências de pesquisadoras/es
brasileiras/os e/ou que produzam estudos a partir de contextos próximos às suas
realidades;
• dos relatos das ausências de referências que as/os façam sentirem-se acolhidas/os e
pertencentes aos contextos produzidos na formação;
• e da indignação pelo silêncio e pelo desconhecimento de problemática tão
fundamental para a construção de percursos formativos emancipatórios.
Esses foram alguns marcadores da identificação da vivência de formações
eurocentradas e colonizadoras, e descrevem o modo como as/os estudantes sentem a
colonização epistemológica nas suas trajetórias de formação acadêmica.
Um dos relatos destaca a supervalorização da produção de conhecimento, das
referências intelectuais atribuídas ao continente europeu, fazendo uma comparação da sua
própria experiência de formação no Brasil e em Portugal, demonstrando que, diferente do
que é comumente considerado, a formação brasileira, nesta comparação de experiência,
mostrou-se com maior qualidade.

A gente é levado a acreditar que tudo que vem da Europa é melhor. E não é!!!
Outra coisa que eu vi lá [em Portugal] é que os jovens não participam de
eventos. Eu ia participar dos eventos, de congressos e só tinha pessoas mais
velhas, eu era a única jovem às vezes. E teve autor brasileiro que eu fui
conhecer lá, que lá eles valorizam, na área da educação mesmo... Que aqui é...
nunca nem tinha ouvido falar. Paulo Freire mesmo, lá é um Deeeeus! E aqui,
a gente só trabalha em pedagogia. (Estudante do curso de Licenciatura em
Pedagogia, 7º semestre)

171
Também no âmbito dos dados produzidos na formação acadêmica, destaca-se a
ausência de abordagens que reconheçam e valorizem os referenciais e as relações
ancestrais, bem como a produção de conhecimento do continente africano. Com críticas,
por exemplo, a ausência de diálogos e apagamento da Filosofia africana na academia, que
tem conferido sistematicamente às Filosofias europeia e norte-americana como únicas
existentes.
Nesse contexto, é importante ressaltar que essa pretensa meta de universalidade
do pensamento filosófico escamoteia relações de hierarquização do conhecimento. E
diante destas políticas de silenciamentos é importante destacar que, sim, existe filosofia
africana e é uma filosofia que dialoga com as cosmovisões do seu povo, com modos de
pensar particulares que refletem modos de reprodução das existências também próprios.
Um exemplo de processo semelhante também pode ser elucidado a partir da ideia
largamente disseminada de que os povos africanos eram ágrafos e só deixaram de ser a
partir da influência do contato com povos árabes/asiáticas e europeus. Argumento que
silencia os fatos de que, de acordo com estudos arqueológicos, a escrita mais antiga do
mundo é africana e que nossos ancestrais africanos não só desenvolveram escrita como
também desenvolveram idiomas e tradições orais. Desse modo, para a potencialização da
construção de justiça epistemológica, é importante desconstruir o mito que os povos
africanos eram analfabetos e que se alfabetizaram após influências de outros povos.
No desdobramento das narrativas das/os estudantes também foi possível perceber
compreensões que apontam, com crítica refinada, posturas violentas e invasiva de práticas
acadêmicas que interferem, modificam e usurpam tradições, conhecimentos populares e
reforçam o entendimento do papel de manutenção e reprodução de colonização social
exercido pelas instituições universitárias.

A capoeira regional, ela tem uma ascensão dentro da academia, no qual


distorce várias coisas, né? E, ao longo do tempo, a gente pode perceber isso,
né? Com a questão das graduações, da questão das falas do que se chama
“batizados”, né? Essas coisas tudo surge pela academia, e não por um mestre
de capoeira, e isso é uma guerra dentro da capoeira porque os acadêmicos, eles
querem falar que a capoeira não mudou nada, mas a gente percebe, a gente
sabe historicamente o que é que se passou, quem tava por trás, né? (Estudante
do curso de Licenciatura em Filosofia, 6º semestre).

Percebe-se, portanto, que, embora a Universidade seja reconhecida socialmente


como símbolo de inteligibilidade, lócus privilegiado e socialmente autorizado para

172
promoção e produção de conhecimento, esta também produz e reproduz ideias e ações de
um pensamento ainda em rota civilizatória, calcado nas ideias de modernização e
assimilação, assim, também exercem a função de produtora e reprodutora de injustiças
sociais que promovem o que Santos (2010) denomina por epistemicídio, ou seja, à
destruição ou inferiorização de formas de saber locais, desperdiçando-se, em função dos
desígnios do colonialismo, a riqueza de perspectivas presente na diversidade cultural e
nas diversas visões do mundo por elas protagonizadas.

Nesse sentido, é importante problematizarmos o fato de que, as instituições


universitárias, como parte de uma sociedade que é estruturada por desigualdades sociais,
econômicas e culturais não estão isentas destas práticas que permeiam as relações
estabelecidas e, atentarmos principalmente para o fato de que a Universidade constitui-se
em um espaço onde a violência se reproduz através da propagação de discursos
dominantes que são legitimados pela autoridade do conhecimento que lhe é atribuído.
Outro aspecto importante presente na narrativa das/os estudantes, que revelam
problemáticas relacionadas à produção e reprodução de conhecimentos colonizadores,
apresentou-se a partir da crítica ao direcionamento coercitivo do pensamento crítico.

Você não tem voz! Ou você tem a voz de um pensador da academia, ou você
tem que falar a partir de um professor. Você não pode falar sozinho do que
você realmente entendeu. É ou através de uma pesquisa de alguém que já
passou por vários e vários estudos de outras pessoas, ou então você não pode
falar sozinho. Você não tem autonomia pra falar sozinho. Você tem que falar
atrás de alguém, ou no caso, alguém tem que tá atrás de você pra falar, sabe?
Ou um professor, que é o seu orientador, e, muitas vezes é aquele que fala tipo:
“Não... Olha, faz sobre isso aqui que é melhor!” Sabe? Mas você queria fazer
sobre outra coisa, e aquela outra coisa era o que estava lhe mexendo a cabeça.
Assim... Falando assim: “Não, eu quero fazer sobre isso!”, só que tem muito
professor que diz: “Não, é melhor fazer sobre outra coisa”. Isso acaba tirando
autonomia, sabe? E aí a gente não inova, produz sempre a mesma coisa só que
com poucas diferenças, acréscimos, mas o pensamento é o mesmo no fim das
contas. (Estudante do curso de Licenciatura em Filosofia, 6º semestre).

Estas compreensões direcionam-nos à necessidade de estarmos atentas/os ao lugar


que a Universidade ocupa como instituição social que reproduz no seu interior as mais
diversas injustiças sociais. Mantermo-nos vigilantes quanto à impressão equivocada que
a ideia de intelectualidade dos espaços universitários disseminou, de que estes seriam
espaços isentos da prática e reprodução de injustiças.
No contexto das ações afirmativas é importante compreendermos que uma
173
educação democrática, emancipatória e de excelência vai além do acesso à Universidade,
suas ações sociopedagógicas têm relevância substancial. Por esse motivo é
imprescindível que nos mantenhamos atentas/os às políticas de currículo e formação dos
cursos de graduação, pois, assim como nos apontou (MACEDO, 2012), nem toda
aprendizagem é boa! E questionar de forma provocativa se a aprendizagem é boa, faz
parte de uma inquietação legítima, bem como se faz legítimo questionar se algumas
aprendizagens podem deformar.
A compreensão destes processos revelam que as/os estudantes investigadas/os
compreendem e percebem o quanto estamos subordinadas/os a uma epistemologia
dominante que, sendo dominante, afirma-se como exclusiva, universal e neutra,
assumindo assim a condição de colonizadora.
Nesse processo de descrição das compreensões, objeto desta etnopesquisa
implicada, foi possível perceber, a partir das narrativas de algumas/alguns estudantes, que
este estudo, em decorrência da apresentação das questões da pesquisa, ainda nos contatos
estabelecidos para convida-las/los a fazer parte, ao tratar da temática da colonização do
conhecimento para explicá-las/os o que seria abordado, possibilitou reflexões e
avaliações nunca antes acessadas.
“A pesquisa implicada tem preocupação com seus efeitos” (MACEDO, 2012, p.
45). Nesse sentido, os efeitos da pesquisa necessitam ser levados em consideração
pelas/os pesquisadoras/es. Macedo (2012) ao falar de validade catalítica, aponta para a
intensidade com que a pesquisa pode interferir no modo como – aquelas/es que ela e com
ela estudam – podem compreender o mundo e como este é moldado, para que o
transformem.
Importa, portanto, que a pesquisa tenha um caráter, para além de epistemológico,
propositivo, no sentido de trazer possibilidades de transformação da realidade colonizada,
em um processo de (re)invenção de estratégias que conformam a capacidade de agência
dos indivíduos, através da criação de mecanismos de insubordinação aos diversos fatores
de opressão que os/as sujeitam.
Nesses termos, em relação direta, depreende-se que a cultura atravessa a
construção das subjetividades ou, de uma forma geral, da formação das/os estudantes e
são essas trajetórias histórico-culturais de cada pessoa que servirão de base para suas
capacidades de agência. Portanto, a agência, enquanto processo subjetivo que se
materializa como possibilidade de rasura no sistema colonizador, também se desenvolve
por meio das trocas culturais. Apesar de existirem fatores opressores que limitem e

174
atravessem as construções de subjetividades ou a formação dos indivíduos, estes podem
ser transformados em força motriz para a ação que se contrapõe intencionalmente ao
processo colonizador da vida e do conhecimento.
Assim, de forma propositiva, com o objetivo de colaborar com a construção de
conhecimentos e experiências formativas críticas e emancipatórias, as/os estudantes
compartilharam experiências que apresentam-se como estratégias singulares para
construção de trajetórias de formação ligadas aos pertencimentos e às experiências não
disciplinares.
Tais estratégias, que conformam a agência dos/as estudantes, traduzem a
capacidade de processar a experiência social delineando formas de enfrentamento às mais
diversas coerções próprias do processo colonizador, especialmente por serem esses atores
sociais detentores de conhecimento e, portanto, capazes de intervir na realidade social.
Ao trazermos à cena deste estudo a relevância dos saberes e experiências não
disciplinares, narradas a partir do compartilhamento de experiências repletas de
significados que apontam de forma objetiva sua potência consolidada em experiências
vivenciadas e em curso, com valores simbólicos já refletidos e compreendidos como
fundamentais para o êxito da formação, as/os estudantes confirmam de forma prática o
que as teorias críticas e pós críticas da educação também defendem: que a promoção de
educação de qualidade e construção de um mundo verdadeiramente justo só pode ser
construída a partir da diversidade, do pluralismo epistemológico que reconheça a
existência de múltiplas visões e que contribuam para o alargamento dos horizontes, de
experiências e práticas sociais e políticas alternativas.
Na minha comunidade do terreiro também busco esse diálogo com os mais
velhos, pra gente tá... "colocando na balança", vamos dizer assim. Então...
Esse conhecimento... Não-academicista, né? [...] é de extrema importância pra
gente não ficar engessado numa única ideia, num único padrão de
conhecimento. (Estudante do curso de pedagogia, 6° semestre).

As experiências de formação relatadas possibilitaram compreender a relevância


das experiências não disciplinares, não apenas para a compreensão do racismo
epistêmico, objeto central deste estudo, mas para a formação de modo amplo e ampliador.

Então acho que essa experiência além da Universidade, essa formação além da
Universidade é muito forte, até porque é uma formação mais significativa, e ai
quando se torna significativo, você interioriza mais. (Estudante do curso de
Licenciatura em Pedagogia, 7º semestre).

Essas articulações promovem não somente a articulação genérica da vida

175
universitária com a sociedade, mas também a articulação dos saberes universitários e não-
universitários tratados simetricamente, exercendo um grande poder transformador da
própria vida universitária, ao que é possível acrescentar das próprias formas de produção
de conhecimento, o que Santos (2010) denomina de “ecologia de saberes”.
Com uma força propositiva, “alguns segmentos sociais já não pedem licença para
tratar sobre conhecimentos eleitos como formativos: o currículo. Entram em cena,
debatem, criticam e propõem, seja de dentro ou de fora das tradicionais organizações
educacionais” (MACEDO, 2013, p. 429-430).
No contexto das lutas por reconhecimento, direito e afirmação cultural na
educação é importante salientar que não basta apenas afirmar autonomias curriculantes,
é imprescindível mobilizar competências criadoras de autonomias emancipacionistas
fundamentadas em aportes filosóficos, epistemológicos, antropológicos, estéticos e
político-pedagógicos. Inserções em práticas capazes de auxiliar o empoderamento de
atrizes e atores sociais, sobretudo aquelas/es historicamente silenciados por uma
educação autocentrada e excludente.

4 CONSIDERAÇÕES

Destaca-se a problematização da formação. Pois currículo e formação são vistos,


majoritariamente, conforme ideais democráticos de um pensamento ainda em rota
civilizatória, calcado nas ideias de modernização, assimilação; e comumente valendo-se
de discursos sobre uma pretensa igualdade que delineia violências simbólicas aos que se
desviam do padrão branco hegemônico. Tomam como medida sempre esse “eu-
hegemônico”, blindando os símbolos coloniais e transformando-os em medida, pois não
apenas são vistas/os como figuras centrais da humanidade, mas são também utilizados
como símbolos de inteligibilidade que marca o que é ou não humano.
Com caráter propositivo, includente, além de epistemológico, a Pesquisa constrói
perspectivas de transformação dos instituídos colonizados, de (re) invenção de estratégias
que conformam a capacidade de agência dos indivíduos, através da criação de
mecanismos de insubordinação aos diversos fatores de opressão que os/as sujeitam. Nesse
sentido, esse estudo descortina outras políticas de produção de sentidos por meio das
experiências e das narrativas da/dos estudantes, com ênfase nas trajetórias de formação
ligadas à busca de pertencimento, a valorização das experiências de formação não
disciplinares, não apenas para a compreensão dos processos de colonização do

176
conhecimento, objeto central do estudo, mas para a formação de modo amplo e ampliador
da condição existencial do ser.
Conforme a abordagem do lugar das experiências não disciplinares, necessitamos
realizar uma inclusão generalizada dos indivíduos de grupos sociais historicamente
marginalizados – negras/os, indígenas, oriundas/os de bairros periféricos, pequenas
cidades do interior – em todos os espaços do ensino superior, atentando para o
acolhimento, reconhecimento e valorização dos seus saberes e experiências. Assim,
rompendo a lógica assimilacionista para que os seus saberes, há muito negados, tenham
espaço para desenvolve-se e influenciar os parâmetros de saberes das Instituições
universitárias.
Assim, ao trazermos à cena deste estudo a relevância dos saberes e experiências
não disciplinares constatamos que as/os estudantes confirmam de forma prática o que as
teorias críticas e pós-críticas da educação também defendem: que a promoção de
educação de qualidade e construção de um mundo verdadeiramente justo só pode ser
construída a partir da diversidade, do pluralismo epistemológico que reconheça a
existência de múltiplas visões e que contribuam para o alargamento dos horizontes, de
experiências e práticas sociais e políticas alternativas.
Conhecemos, efetivamente, muito pouco sobre o cotidiano das/os estudantes
negras/os e de como personifica-se o racismo nas suas mais variadas formas e
manifestações no interior das Universidades brasileiras, nesse sentido, esse estudo
apresenta-se como importante lente de compreensão da experiência destes estudantes, em
processo de formação docente no Recôncavo da Bahia.

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178
Capítulo 12

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA-


PIBID: POSSIBILIDADES E CONTRIBUIÇÕES PARA A
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES

Franciele Soares dos Santos


Janaina Damasco Umbelino

1 INTRODUÇÃO

No ano de 2018 o Ministério da Educação em conjunto com a Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, lançou uma nova edição do
Programa Institucional de Iniciação à Docência – PIBID. Este com novas regras e
propostas diferentes das edições anteriores, trouxe muitas discussões sobre a importância
do PIBID para os cursos de licenciatura no Brasil, bem como a defesa para a sua
continuidade e consolidação, pelos professores e estudantes envolvidos.

Nos anos de 2016 e 2017, as escolas e universidades vinculadas ao Programa,


realizaram manifestações nas redes sociais, uma delas conhecida como “#ficapibid”.
Estas mobilizaram os participantes para a luta pela abertura de novos editais e a
possibilidade de que estudantes dos cursos de licenciatura pudessem entrar em contato
com os futuros locais de trabalho já na graduação, numa perspectiva diferente dos estágios
obrigatórios dos cursos. Esse movimento garantiu que em março de 2018 fosse lançado
um novo edital, junto com um novo programa, o Residência Pedagógica.

As novas regras colocadas pelo edital previam que seriam distribuídas 45.000
bolsas do PIBID, para estudantes da primeira metade do curso, que corresponde a 60%
da carga horária total do currículo. Também os projetos institucionais deveriam estar
organizados em subprojetos, compostos por núcleos de áreas. Cada núcleo deveria ser
formado por três supervisores (professores da instituição de ensino da Educação Básica),
um coordenador de área, 24 bolsistas de Iniciação à docência e até 6 voluntários.

Com a abertura simultânea de dois programas, muitas discussões nos cursos de


graduação, Pró-reitorias de graduação e entre os estudantes. O programa Residência
Pedagógica apresentou resistência entre as instituições, a expectativa, pelo MEC e
179
CAPES, por um grande número de inscrições das instituições, resultou frustrada. Segundo
dados do Fórum Nacional do Coordenadores do PIBID – FORPIBID, quando comparado
o número total de inscrições, o PIBID atingiu a meta de 61%, em relação ao Residência
Pedagógica, que somou um total de 31%. Assim o total de bolsas destinadas ao PIBID
não foi suficiente para a demanda apresentada pelas IES, tendo uma diferença de 21.528
bolsas entre a cota destinada e a solicitação das instituições.

Ainda, segundo os dados do FORPIBID (05/2018), o interesse das instituições


está direcionado à manutenção e permanência do PIBID, justificado por questões
ideológicas e políticas, já que o Programa foi muito bem avaliado pelos participantes, o
que descaracterizaria a necessidade de um novo Programa direcionado à segunda metade
dos cursos de licenciatura.

Os Programas iniciaram em agosto de 2018, com muitas adequações e correções


por parte do MEC e da CAPES, quanto das instituições proponentes. O que nos permite,
nesse momento, pensarmos em uma avaliação de sua contribuição para a formação dos
estudantes dos cursos de licenciatura, já que são 11 anos de implantação do Programa em
instituições de ensino superior públicas e privadas, realizando ações formativas em
escolas públicas de todo o país.

Neste sentido, o texto foi elaborado na tentativa de responder algumas questões


orientadoras: Quais as contribuições do PIBID para a formação inicial de professores em
nível superior? Como estudantes da primeira metade dos cursos, por meio da atuação no
programa, podem superar suas dificuldades em relação à compreensão das
especificidades do trabalho pedagógico? Em que medida a participação das atividades
realizadas possibilitam uma análise do contexto escolar na perspectiva de contribuir para
o processo educativo das crianças, adolescentes e jovens participantes dos subprojetos?

Nosso objetivo nesse artigo é realizar uma análise geral das contribuições
formativas do PIBID para os futuros professores. Para tanto, inicialmente foi necessário
apresentarmos os objetivos e a quem se destina esse programa de formação dos
professores. Num segundo momento, destacarmos a necessidade da compreensão do
processo de desenvolvimento dos estudantes por parte dos pibidianos, para o
planejamento da atividade pedagógica independentemente do nível de ensino. Ao final,
debatemos como o programa possibilita por meio de suas ações o entendimento da
educação como uma prática social, compreensão do contexto escolar, bem como o a
apropriação das distintas situações que fazem parte da atividade docente, para assim
180
contribuir para que façam sua interpretação e análise, avançando qualitativamente na
sua formação e inserção futura nas escolas.

2 AS CONTRIBUIÇÕES FORMATIVAS DO PIBID

Desde sua primeira edição, os objetivos do PIBID estiveram relacionados à


melhoria na qualidade de formação inicial de professores em nível superior; valorização
do magistério, articulação entre a escola e a universidade por meio dos cursos de
licenciatura; proporcionar experiências diferenciadas na atividade docente e,
principalmente, valorização da escola pública. Para os cursos de licenciatura, esses
objetivos são inerentes às suas propostas de formação, no entanto, as condições objetivas
para a aproximação entre seus estudantes e as escolas, se davam, principalmente, por meio
de projetos de extensão, pesquisa e estágios obrigatórios. Nesse sentido, o PIBID, veio,
desde sua primeira edição em 2007, contribuindo para a consolidação dessa relação, desde
o primeiro ano dos cursos de licenciatura.

Um diferencial do Programa, ao longo de seus 11 anos de edições, foi o fomento


destinado não somente às bolsas, mas destinado à compra de materiais e pagamentos de
serviços para o desenvolvimento das ações dos projetos institucionais, o que
proporcionou a criação de estratégias de ensino e materiais pedagógicos para uso nas
escolas parceiras.

Outra ação que merece destaque é a possibilidade de permanência dos estudantes


na Universidade por meio do pagamento das bolsas. As bolsas pagas pelos projetos, além
de incentivar a participação dos estudantes nas ações desenvolvidas, também permite aos
estudantes de licenciatura – que na grande maioria são trabalhadores ou oriundos da classe
trabalhadora – possam ter ajuda financeira para sua permanência no curso.

Além dessas, a grande contribuição é o formato de articulação entre escolas e


universidades. A possibilidade de um professor escola ser supervisor, participando na
formação dos estudantes permitiu a mudança na relação entre as instituições de educação
básica e as universidades. Se antes a relação entre as instituições se dava pelos estágios,
que possuem uma carga horária limitada, a partir do PIBID, a relação se amplia, já que a
carga horária anual, dividida em três ou quatro dias por semana, permite maior

181
participação e inserção dos licenciandos e da própria universidade nas instituições de
ensino.

Essa organização permite que o estudante, futuro professor, vivencie experiências


dentro do espaço educativo, orientado por seus professores e pelo supervisor (professor
da escola), com a ampliação das discussões sobre o papel da educação escolar na
formação humana e a dimensão pedagógica e política da atividade docente. Também
tornando mais complexo os conteúdos discutidos nas aulas no contexto dos cursos de
graduação. Segundo N. Z. Kuzmina (1987, p.46)

A prática pedagógica reorganiza a percepção das disciplinas teóricas. Coloca


aos estudantes na necessidade de resolver tarefas pedagógicas concretas (e isto
requer a mobilização de todos os conhecimentos práticos y teóricos), de
perceber de modo más ativo a teoria, y tratar de encontrar nesta a respostas às
próprias perguntas. Isto eleva a qualidade dos conhecimentos pedagógicos,
forma a habilidade para aplicar os conhecimentos teóricos na prática, forma a
atitude interrogativa em direção a esses conhecimentos. (tradução nossa)

Ao ir à escola e vivenciar situações de ensino, observando a atividade do professor


supervisor e participando de ações os licenciandos poderão pensar na relação teoria e
prática sem dissociá-las, contribuindo para o processo de aprender a ser professor. Esse
“aprender” passa a acontecer no próprio contexto escolar, observando e vivendo as
contradições existentes no dia-a-dia da escola, enriquecendo sua formação. Com isso, a
educação passa a ser apropriada como uma prática social e como síntese de múltiplas
determinações.

Com efeito, por meio das diferentes ações nas escolas campo, o programa permite
que os estudantes entrem em contato com a realidade das escolas públicas, levando suas
observações, inquietações e experiências para a sala de aula na universidade, para assim
organizar propostas de intervenção e inserção nas escolas que atuam como bolsistas de
iniciação à docência e futuros profissionais da educação, que por sua vez contribuem para
a produção de conhecimento sobre a prática pedagógica e o trabalho docente na educação
básica. Este processo representa possibilidades efetivas de qualificar a formação docente,
pois por meio da inserção dos licenciandos no cotidiano escolar oportuniza a criação e a
participação em experiências metodológicas, tecnológicas inovadoras desenvolvendo
habilidades e competências, como por exemplo, de leitura, de escrita e fala, que os
auxiliarão, posteriormente, em sua prática pedagógica.

182
Proporciona, também, condições para o futuro docente enfrentar e refletir sobre
os desafios da docência, principalmente no que se refere à educação básica pública, no
sentido de superar obstáculos relacionados a práticas pedagógicas dissociadas, isto é,
marcadas pela ruptura entre prática e teoria, entre universidade e escola.

Somando-se a isso, enfatizamos que a organização do Programa permite que o


estudante de licenciatura efetive de forma concomitante a unidade existente na atividade
pedagógica, ou seja, ao mesmo tempo que realize a atividade de estudo, por estar em
formação docente, também realiza a atividade de ensino, ao realizar ações com os
estudantes da educação básica. Nesse sentido estamos compreendendo a atividade
pedagógica como a unidade entre atividade de ensino, aquela realizada pelo professor e
a atividade de estudo realizada pelo estudante.

Moretti (2017, p.101), nos auxilia na compreensão dessa relação quando afirma
que a atividade de ensino do professor inicia no momento do planejamento, da seleção de
materiais, no momento em que ministra suas aulas, mas continua após pensar nos
materiais utilizados, nos objetivos alcançados e nos materiais produzidos pelos alunos.

No âmbito do PIBID os futuros professores têm a possibilidade de compreender


os elementos constitutivos da organização didática do trabalho pedagógico e avançar no
entendimento do ensino como uma prática social, complexa e laboriosa. (VEIGA, 2012).
De fato, o domínio do conhecimento da didática é fundamental para o exercício da
docência, na direção do entendimento do ato de ensinar como um ato intencional, e que
o professor tem como responsabilidade planejar o ensino de forma que ocorra a
correspondência entre objetivos, conteúdos, e metodologias, tendo em vista nesse
movimento os sujeitos do processo de ensino aprendizagem. Pois, de acordo com Veiga
(2012, p.282)

[...] as ações de ensinar e aprender implicam a realização de atividade de


natureza distinta, como, por exemplo, o professor motiva, orienta, explica,
pesquisa, argumenta, dialoga, avalia; o aluno presta atenção, pergunta,
questiona, pesquisa, argumenta, avalia, etc. Então, é possível falar em método
de ensino e aprendizagem.

Logo, outra contribuição formativa do PIBID implica no reconhecimento dos


métodos de ensino composto por diferentes técnicas de ensino que devem fundamentar
as mediações presentes no campo da relação pedagógica composta pela tríade professor-
aluno-conhecimento. Portanto, a nosso ver, no PIBID o estudante continua em seu
processo de atividade de estudo, pois ainda permanece em formação. Assim, atividade de
183
estudo e de ensino se encontram, proporcionando a relação entre teoria e prática,
permitindo que o estudante reflita e analise sua prática, as ações planejadas com os
professores, a partir dos fundamentos teóricos estudados.

Nessa condição acontece um salto qualitativo na formação dos estudantes, ou seja,


a escola deixa de ser um plano abstrato e passa a ser concreto para o estudante, assim
como quem é a criança, o jovem ou o adulto para quem direcionará sua atividade de
ensino.

No processo de formação de professor, compreender o desenvolvimento do


estudante é de fundamental importância, já que ao organizar a atividade pedagógica
requer compreender as características do desenvolvimento do sujeito que aprende e, com
isso, propor ações adequadas de forma intencional com vistas a promover o máximo
desenvolvimento humano apoiando-se na atividade dominante de cada período.

Quando o Programa permite que os estudantes de um mesmo grupo possam atuar


em diferentes níveis da educação básica – educação infantil, anos iniciais e finais do
ensino fundamental e ensino médio – permite que eles entre em contato direto com o
sujeito que aprende, identificando, no campo de trabalho, na realidade objetiva, as
características das idades e dos anos da organização curricular.

Em cada idade, ou nível escolar, o estudante realiza atividades específicas. A


partir dos fundamentos da Teoria Histórico-cultural, compreendemos que essas atividades
estão diretamente relacionadas ao seu processo de aprendizagem e desenvolvimento.
Segundo Elkonin (1987, p. 122), o desenvolvimento pode ser dividido nos seguintes
períodos: comunicação emocional direta (primeiro ano de vida); atividade objetal
manipulatória (a partir do primeiro ano de vida); jogos de papéis sociais; atividade de
estudo; comunicação íntima pessoal (adolescência); atividade profissional de estudo
(adulto). Em cada período há uma atividade que orienta o desenvolvimento, chamada de
atividade guia ou atividade principal, e ao usá-la para planejar as aulas garante que o
desenvolvimento, aprendizagem e ensino estejam articulados para que os objetivos do
processo educativo sejam alcançados. Para o autor, compreender esses períodos e sua
influência no ensino, permite uma continuidade entre os diferentes níveis da educação
básica, evitando uma ruptura do processo educativo e do desenvolvimento do sujeito que
aprende.

184
Em relação a atividade de comunicação emocional direta esta é a atividade guia
do desenvolvimento da criança no seu primeiro ano de vida. Nos primeiros meses de vida
desencadeia-se a necessidade de o bebê comunicar-se emocionalmente com adulto, ou
seja, “o bebê necessita estar em relação com o outro, mais experiente, com intervenções
adequadas para explorar, conhecer e descortinar o mundo a sua volta”. (LAZARETTI,
2018, p. 121). Dessa forma, a comunicação constitui-se com a forma principal para o
educador impulsionar o desenvolvimento da criança, caber considerar também que é por
meio desta que a criança pequena passa a dar significado ao mundo dos objetos e
fenômenos do mundo físico e social por meio das experiências e vivencias proporcionada
pela mediação do outro.

Quando a criança completa seu primeiro ano de vida é impulsionada a necessidade


de experimentar o mundo de outras formas, pois apenas a comunicação limitada com o
adulto não é mais suficiente. De acordo com Martins (2016) no primeiro ano de vida, o
adulto é visto como o centro das atenções para as crianças, pois a criança estabelece uma
relação de dependência do adulto. Ao final do primeiro ano, a criança já apresenta grandes
avanços em relação ao seu desenvolvimento, por meio da marcha, por exemplo, são
capazes de ir até os objetos. Dessa maneira, os objetos que antes eram apresentados a
criança, agora podem ser livremente explorados, constituindo-se então a atividade
objetal-manipulatória. Para Pasqualini (2013, p. 85),

o que está em questão é assimilar os modos socialmente elaborados de ações


com os objetos. Se anteriormente tinha centralidade a relação criança-adulto
social, mediada pelos objetos, agora ganha destaque a relação criança-objetos
social (mundo das coisas), mediada pelo adulto.

Destaca-se ainda, o papel da linguagem na atividade objetal manipulatória, por


meio dela a percepção da criança vai sendo organizada, convertendo-se em percepção
generalizada do mundo: com surgimento das primeiras generalizações no campo da
linguagem, a criança passa a perceber os objetos no interior de um todo que possui, para
além de suas propriedades físicas, um determinado sentido social”. (PASQUALINI,
2013, p. 85). Assim, o professor para esse nível começa a organizar sua atividade
pedagógica, propondo ações que permitam às crianças reconhecer e se apropriar da
cultura e conhecimento por meio dos objetos e dos jogos.
A criança enquanto sujeito de capacidades, tem interesses e necessidades de
experiências novas, e utiliza-se da brincadeira de jogos de papéis como uma forma de
agir sobre o mundo que a rodeia e apreendê-lo. De acordo com Martins,
185
Ao brincar a criança reproduz as relações sociais e as atividades dos adultos
num processo de exteriorização determinantes de mudanças qualitativas em
sua personalidade. Brinca não apenas porque é divertido, embora também o
seja; mas o faz acima de tudo, para atender um dos fortes apelos humanos: o
sentido da pertença social. (MARTINS, 2006, p. 40).

Sabemos que, desde muito cedo a criança brinca. A brincadeira pertence à


infância, não como uma atividade instintiva, mas sim objetiva; por meio dela a criança se
apropria do mundo real, dos objetos, das situações sociais. Ela é uma atividade
especificamente humana. Em certos tipos de animais superiores podemos encontrar
atividade lúdica, no entanto, a brincadeira infantil difere da atividade animal. A
brincadeira da criança é objetiva, pois apresenta como referência sua percepção do mundo
dos objetos e símbolos humanos, o que determinam o conteúdo do brincar. (LEONTIEV,
2001).

A brincadeira é, desde cedo, a forma pela qual a criança começa a aprender. De


acordo com Vigotski (2007, p. 45) “[...] as maiores aquisições de uma criança são
conseguidas no brinquedo, aquisições que no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação
real e moralidade”. Traduz-se como atividade privilegiada para aprendizagem das
crianças, que permite ao mesmo tempo mudanças importantes no desenvolvimento
psíquico. O brincar realiza os desejos infantis que não são satisfeitos de forma imediata.
Nas crianças de 0 a 3 anos a brincadeira se revela nas experimentações que precisam ser
propiciadas a essa faixa etária. Tocar, mexer, molhar, misturar, apalpar, movimentar são
ações que perpassam o brincar das crianças.

Na idade pré-escolar “[...] o pensamento está separado dos objetos e a ação surge
das ideias, e não das coisas: um pedaço de madeira torna-se um boneco e um cabo de
vassoura torna-se um cavalo”. (VIGOTSKI, 2007, p. 115). A criança passa a aprender o
uso social dos objetos, bem como seus significados na brincadeira, e por meio do faz de
conta, as crianças imaginam, expressam e assumem papéis sociais. A simulação de papéis
e/ou situações contribui para o desenvolvimento cognitivo e afetivo-social das crianças.
Além disso, as crianças aprendem a lidar com situações reais em que encontram
dificuldades, como o medo de ir ao médico, de tomar injeção. No entanto, a brincadeira
de faz de conta é característica das crianças que já sabem falar, e são capazes de
representar simbolicamente e de criar uma situação imaginária, pois a criança bem
pequena necessita da presença do objeto para desenvolver uma ação, sendo somente na
idade pré-escolar que a criança começa, pela primeira vez, reger seu pensamento pelas

186
ideias, passa a utilizar objetos que representam uma realidade ausente. Quando a criança
inicia sua atividade de estudo, ela não acontece de forma natural, espontânea, mas é
proporcionada pela atividade docente. A criança aprende a estudar e a realizar ações
necessárias para a etapa de estudo. Assim como a outra, o papel do mais experiente é
fundamental para que ela perceba como realizar essa atividade. Nesse período, o
estudante aprende a realizar novas tarefas, passa a ter novas responsabilidades, também
alterando sua posição social (Leontiev, 2001). Aprender a auto-organizar-se, para a
criança que entra na escola não é tarefa fácil, assim como ao professor, que ao
compreender a necessidade de proporcionar essa nova etapa do desenvolvimento do
estudante, passa a não preocupar-se somente com os conceitos a serem ensinados, mas
também com sua formação integral, que terá grande influência na formação de sua
personalidade. Conforme nos explica Ashbar (2016, p.173):

[…] a entrada na escola representa um marco importante no desenvolvimento


da criança, que pode modificar de forma radical sua personalidade. Uma das
transformações mais importantes refere-se à mudança de sua posição social. É
exigido que o estudante em formação assuma novas obrigações, organize seu
trabalho de forma sistemática, assuma novos deveres e direitos. Essas
condições fazem com que a escola se torne potencialmente o centro da vida
das crianças.

Ao compreender que o ensino passa pela compreensão dessa nova atividade,


licenciandos, orientadores e supervisores, discutem a prática, organizam suas ações, tendo
como ponto de partida a formação dos motivos para estudo na criança. Para Ashbar (2017,
p.174), “é preciso preparar a criança para a organização da sua atividade cognoscitiva,
(…), ou seja formar a postura de estudante (…) E, nesse processo, um dos elementos
centrais é a formação dos motivos para o estudo”.

No trabalho com os adolescentes, a atividade que orienta seu desenvolvimento é


a comunicação íntima pessoa. Essa atividade, concomitante à atividade de estudo, o
adolescente se apropria, além dos conteúdos escolares e de habilidades de estudo,
enfrenta, segundo Anjos e Duarte (2016), um período de transição, na qual não é criança
e também não é adulto, mas está em desenvolvimento de suas características pessoais e
de sua personalidade. Nesse momento, o grupo é o principal elemento de relação entre o
estudante e a aprendizagem. Segundo os autores:

Diante da primeira atividade-guia na adolescência, a comunicação íntima


pessoal, Elkonin (1960) enfatiza que o trabalho pedagógico deve pautar-se no
grupo de adolescente, e não apenas no indivíduo isoladamente, considerando
que a opinião do adolescente sobre si e sobre suas qualidades coincide mais
com a valoração que seus colegas fazem, e não no que pensam seus pais ou

187
professores. A educação escolar deve trabalhar sobre o grupo, pois é de acordo
com ele que adolescente vai agir. Vale frisar que a opinião social da
coletividade escolar adquire uma importância significativa para os
adolescentes. A princípio ele se vê “como os olhos dos outros”. Portanto, se o
processo educativo estiver bem organizado pelo professor, será um potente
meio para uma educação desenvolvente. (ANJOS E DUARTE, 2016, p. 201).

Nesse período, o adolescente passa a tomar consciência dos conhecimentos


científicos, e uma nova característica do pensamento surge: formação dos conceitos. Essa
nova formação é essencial para a apropriação dos conhecimentos necessários para as
atividades posteriores, principalmente para a atividade profissional de estudo.

Para o professor em formação inicial, identificar esses elementos do


desenvolvimento do estudante, torna-se distante e abstrato, sem relação com a sua própria
vivência como estudante. Analisar esses aspectos na prática, no cotidiano da escola,
relacionando-as com as discussões da psicologia da aprendizagem estudadas nos cursos
de licenciatura, consequentemente ampliam as discussões sobre didática, pois, novas
formas de ensinar serão organizadas.

Alguns conhecimentos necessários à atividade docente e discutido em aulas


teórica, podem tornar-se visíveis quando o estudante de licenciatura tem sua atenção
dirigida para considerá-los em suas participações junto aos estudantes e a escola. Nossos
estudantes de licenciatura, encontram-se, também nesse período em sua atividade de
estudo profissional, e nesse momento estão se apropriando dos conteúdos e
conhecimentos necessários à prática docente. Assim como todo processo de
aprendizagem, o papel dos sujeitos mais experientes faz-se necessário, e esse é o papel
do coordenador de área, seu professor orientador, e do supervisor, professor da escola na
qual o projeto é desenvolvido.

Esses fazem as mediações necessárias e orientam a atenção para que os


licenciandos, observem além dos comportamentos aparentes dos estudantes da educação
básica e busquem compreender como se dá seus processos de auto-organização dos
estudos. E caso eles ainda não tenham desenvolvido esse nível de organização, buscar
recursos teórico-metodológicos para alcançá-la.

Cabe ainda ressaltar, que as contribuições do Programa não se limitam ao


estudante futuro professor, mas também interferem na escola. Ao auxiliar o outro a
“aprender a ensinar” (SERRÃO, 2006), o professor supervisor passa a pensar como ele
mesmo organiza sua atividade de ensino. Ele passa a estudar e pensar teoricamente sua

188
prática, assim atividade de ensino se integra à atividade de estudo que realiza, a medida
que analisa, discute, questiona e busca respostas para as suas inquietações sobre a
docência e as condições de trabalho.

Professor e estudantes de licenciatura atuam conjuntamente na busca em uma


atividade de aprendizagem e de ensino, mediados pelas condições objetivas da escola e
da atividade de ensino e fundamentos teóricos-metodológicos apresentados pelos
professores das licenciaturas. Isso amplia na compreensão da atividade pedagógica e sua
intencionalidade, e o papel do professor no processo de formação do estudante,
indiferente do nível de ensino que ele esteja.

Além disso, o exercício da docência exige a compreensão do contexto escolar,


bem como o a apropriação das distintas situações que fazem parte da atividade docente.
Por meio do PIBID são proporcionados estudos e análises do Projeto Político-pedagógico,
Regimento escolar, participação nas instâncias colegiadas, bem como a realização de
diagnósticos da comunidade escolar com intuito de levantar as necessidades das escolas.
O estudo dessas questões move os estudantes para compreensão de questões basilares da
realidade escolar e do significado da escola na sociedade de classes.

Sabemos que a escola, de um lado, constitui-se historicamente como um espaço


específico de formação humana, organização e sistematização e transmissão do
conhecimento científico. E por outro lado, assume o papel de produção, reprodução,
transformação da sociedade, sendo assim, acaba por ser um lugar onde estão presentes
diversas contradições que refletem as relações sociais do seu tempo histórico. Logo, a
escola é uma instituição social, responsável por um determinado tipo de educação
(ALGEBAILE, 2009).

Nesse cenário a prática pedagógica não é neutra, reflete significados e


determinações sociais. Nela está presente o objetivo de formar o sujeito, mas ainda fica
a dúvida de qual sujeito formar? Quais as condições se têm para formar esse sujeito? Há
unidade entre o que os professores desejam na formação dos estudantes e o que
preconizam os documentos oficiais? Como as condições objetivas das escolas permitem
que se efetive uma educação de qualidade e que garanta a apropriação dos conhecimentos
científicos pelos estudantes?

Essas questões fazem parte das dúvidas de profissionais e estudantes dos cursos
ligados às áreas de educação. Ao fazer-se professor, ao aprender a ser professor, o

189
estudante dos cursos de licenciatura identifica as dificuldades inerentes a profissão e
busca compreendê-las. O que inicialmente são discussões realizadas a partir dos
documentos e estudos dos autores que compõe os cursos de licenciatura, ao entrar em
contato com a escola, por meio do PIBID, vivencia como essas dificuldades influenciam
o contexto escolar e repercutem na aprendizagem dos estudantes.

As condições estruturais das escolas não atraem professores, estudantes e futuros


professores. Com poucos recursos para oferecer materiais didáticos atualizados e de
qualidade aos professores, aliado a alta carga horária de trabalho, que resulta em pouco
tempo para planejamento e formação, o professor organiza e planeja suas aulas a partir
das condições que tem. O que representa uma parte do conhecimento científico produzido
e sistematizado para a educação escolar.

As formações em serviço, realizadas de forma fragmentada e tempo reduzido,


dificultam que os profissionais discutam e reflitam para além das questões do dia-a-dia
da escola. As respostas são destinadas a situações imediatas, impossibilitando um projeto
educativo voltado à formação dos estudantes em sua totalidade.

Também, passam a ser observadas as lutas políticas presentes no interior da


escola. Essas acabam evidenciando o desconhecimento da função social da escola pelos
próprios sujeitos que fazem parte dela. Para os estudantes é um tempo que passam para
aprender algo para o mercado de trabalho, para alguns professores, um campo que busca
fazer muitas coisas, mas não se alcança os objetivos colocados. Há ainda a compreensão
de que a escola alcança seus objetivos, sim, principalmente a escola pública que mantém
a dualidade da educação e como afirma Algebaile (2009, p.325), tem como objetivo
atenuar “os conflitos potenciais vinculados ao quadro de intensificação da pobreza,
redução dos diretos e desmonte de horizontes”. Ao deparar-se com essa realidade o futuro
professor se depara com uma realidade que lhe parece distante podendo ser é afetado por
ela

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do lançamento o PIBID, as contribuições para a formação inicial dos


professores têm sido enfatizadas por diferentes meios acadêmicos. A relação mais

190
próxima entre escola e universidade, a mudança de compreensão da escola em relação a
universidade e vice-versa, bem como a compreensão dos estudantes de licenciatura sobre
o contexto escolar são mudanças qualitativas para o processo formativo.

Nesse sentido, o PIBID, caracteriza-se como uma possibilidade de diálogo entre


escola-professores-estudantes, no qual a melhora qualitativa do trabalho se dá nas
instituições de ensino, pois a escola e o professor da educação básica são campo de estudo
e realizam uma atividade de estudo ao responsabilizar-se pela formação de novos
professores. Ao mesmo tempo em que a Universidade e os cursos de licenciatura se
aproximam do contexto diário da escola, observam seu movimento cotidiano e atualizam
suas informações sobre ela. E ao estudante futuro professor, que ao realizar sua atividade
de estudo profissional desenvolve sua atividade docente, resultado de sua formação
universitária.

Essa condição produz no sujeito que “aprende a ensinar” a orientação do seu olhar,
na atividade docente, e para o desenvolvimento do sujeito que aprende. Possibilita, como
destacamos anteriormente, a compreensão das características do desenvolvimento desses
sujeitos, para orientar a organização do ensino aproximando aprendizagem e
desenvolvimento de forma a garantir a formação humana de máxima qualidade. Portanto,
a formação no âmbito do programa conecta a relação teórico-prática, podendo almejar a
formação de um docente com comprometimento ético-político com a educação e
formação humana.

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(orgs.). A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos
superiores. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

193
PARTE 2

FORMAÇÃO DOCENTE PARA O ENSINO SUPERIOR

194
Capítulo 13
OS PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR: QUEM SÃO, O QUE
FAZEM E ONDE SÃO FORMADOS?

Wilton Nascimento Figueredo


Gilberto Tadeu Reis da Silva

Esse capítulo tem o objetivo de contextualizar a profissão do professor do ensino


superior numa perspectiva contemporânea, abordando aspectos descritivos do perfil do
docente, da profissionalização, competências e formação. Por fim, não temos a pretensão
de analisar minuciosamente tais abordagens, mas introduzir o assunto para que subsidie
às demais temáticas que serão debatidas pelos próximos capítulos dessa coletânea.

1 QUEM É O PROFESSOR DE ENSINO SUPERIOR?

Nas universidades brasileiras federais e estaduais, essas últimas resguardadas suas


particularidades e estatutos locais, o professor de magistério superior quando aprovado
em concurso público é regido pela Lei nº 12.772, de 28 de dezembro de 2012. Para fins
de plano de carreira, são classificados progressivamente em classes e denominados,
hierarquicamente, de acordo com sua titulação, em titular, associado, adjunto, assistente
e auxiliar.
As denominações titular, associado e adjunto exigem a titulação de doutorado;
assistente, quando mestre, e por fim, auxiliar os professores com especialização ou apenas
graduação (BRASIL, 2012).
No ensino superior privado brasileiro, o professor é regido pela Consolidação das
Normas de Trabalho (CLT) (BRASIL, 1943) e assim segue as normas e plano de carreiras
estabelecidos pela empresa contratante. De forma geral, o professor é contratado como
horista, ou seja, está disponível conforme a demanda de componentes curriculares que
lhe são ofertados pela instituição de ensino superior (IES).
Em outras partes do mundo, como por exemplo na América do Norte, o professor
de ensino superior possui a classificação similar à brasileira em quatro níveis de categoria:
titular (full professor), associado (associate professor), adjunto (assistent professor) e
assistente (lecturer). Divergindo das titulações brasileira, em todas as categorias, salvo

195
poucas exceções, as universidades norte-americanas e canadenses, em suas contratações,
exigem doutorado.

2 QUANTOS SÃO OS PROFESSORES DE ENSINO SUPERIOR?

Recorremos ao censo do ensino superior brasileiro, do Instituto Nacional de


Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), Ministério da Educação
(MEC) para descrever o perfil de professores do ensino superior.
A partir do trabalho de Locatelli (2017) atualizamos os dados do quantitativo,
regime de trabalho e grau de instrução (titulação), para o período de 2003 a 2017 dos
profissionais em exercício da docência em território brasileiro. Assim como a autora,
justificamos a escolha cronológica por acreditar que um período superior a 10 anos é o
tempo adequado para se perceber mudanças, além de incluir o último ano vigente.
Infelizmente, os dados do ano de 2018 não entraram nessa pesquisa, pois, conforme o
INEP só estarão disponíveis no segundo semestre de 2019, sendo, portanto, posterior a
escrita desse capítulo
Para o quantitativo de docentes em atividade durante o período de 2003 a 2017,
observamos um aumento de mais de 126 mil novos professores, o que representa um
crescimento significativo de quase 50% em 14 anos.
A categoria regime de trabalho do tipo integral também evidenciou um
crescimento de aproximadamente 40%, quase 57 mil professores com dedicação
exclusiva a uma única instituição. Contudo, quando somados os professores em tempo
parcial e horistas esse aumento é pouco significativo (LOCATELLI, 2017).
O número de professores com título de doutorado aumentou entre o período
analisado, em detrimento dos demais graus de instrução, como mestrado, especialização
e graduação. Esse aumento pode ser justificado pela expansão do ensino superior, criação
de novas universidades e consequentemente ao incentivo à criação de novas vagas nos
cursos de doutorado implementadas durante os governos Lula (2003-2011) e Dilma
(2011-2016).
Por fim, para melhor visualização, o quadro 1 descreve o quantitativo de docentes
em atividades, o regime de trabalho e o grau de instrução durante o período de 2003 a
2017.

196
Quadro 1 – Professores do ensino superior em atividade no Brasil 2003-2017: quantitativo, regime de trabalho e grau de instrução. Salvador, BA,
2018.

ANO 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Quantitativo de professores
Feminino 109.617 122.341 129.640 134.326 142.387 144.405 152.800 154.983 161.035 163.869 165.683 173.513 176.115 174.606 174.418
Masculino 144.536 156.717 162.864 167.680 174.654 177.088 188.017 190.352 196.383 198.863 201.599 209.873 211.889 209.488 206.255
Total 254.153 279.058 292.504 302.006 317.041 321.493 340.817 345.335 357.418 362.732 367.282 383.386 388.004 384.094 380.673
Regime de trabalho
Integral - - - - - - 143.963 156.370 167.714 171.815 179.410 188.863 194.262 199.290 201.437
Parcial - - - - - - 73.059 77.088 85.295 92.013 93.173 107.631 104.158 104.795 103.768
Categorias

Horista - - - - - - 123.795 111.877 104.409 98.904 94.699 86.892 89.584 80.009 75.468
Total - - - - - - 340.817 345.335 357.418 362.732 367.282 383.386 388.004 384.094 380.673
Grau de instrução
Graduação 35.641 38.302 37.156 34.672 36.304 33.702 27.921 17.150 14.061 10.745 9.005 7.964 6.571 5.388 4.362
Especialização 74.714 83.496 86.893 90.739 94.722 96.004 99.406 99.318 99.231 95.589 91.240 90.384 85.331 78.328 70.475
Mestrado 89.288 98.664 105.114 108.965 112.987 114.537 123.466 130.291 137.090 141.218 145.831 150.533 154.012 150.530 148.427
Doutorado 54.487 58.431 63.294 67.583 72.931 77.164 89.850 98.195 107.013 115.087 121.190 134.494 142.078 149.837 157.399
Sem graduação 23 165 47 47 97 86 174 381 23 93 16 11 12 11 10
Total 254.153 279.058 292.504 302.006 317.041 321.493 340.817 345.335 357.418 362.732 367.282 383.386 388.004 384.094 380.673

Fonte: INEP (2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018)
Nota: O quantitativo para a categoria regime de trabalho para os anos de 2003 a 2008 não foi encontrado nos arquivos disponibilizados pelo
INEP.

197
3 O QUE FAZ UM PROFESSOR DO ENSINO SUPERIOR?

No Brasil, como já discutido, os professores do ensino superior público e privado


possuem diferenciação quanto ao regime de trabalho e contratação. Geralmente, os
docentes do ensino superior privado são contratados tão somente para sala de aula, sendo
responsáveis por ministrar componentes curriculares, deixando a extensão e a pesquisa à
margem das suas funções docentes (LOCATELLI, 2017).
Contrariamente, os professores das instituições públicas brasileiras abarcam
diversas funções. Para Balbachevsky (1999) as atividades acadêmicas do professor de
nível superior se resumem em cinco categorias: ensino, pesquisa, serviços, administração
e outras atividades acadêmicas. Contudo, nesse trabalho consideramos quatro: ensino,
extensão, pesquisa e gestão; e citaremos aqui, algumas delas, a partir de nossa experiência
e vivência, mas não temos a intenção de rotular as atividades e tampouco alcançar todas
as atividades docentes.
Entre as atividades de ensino a que mais se destaca é ministrar aulas para o ensino
técnico, a exemplos dos institutos federais, para a graduação e para a pós-graduação.
Ainda dentro dessa atividade a elaboração e correção de avaliações de aprendizagem.
Participação como membro de comissões de avaliação em concursos públicos, elaboração
de pareceres de artigos e livros científicos. Outras incumbências relativas ao ensino são
as orientações ou acompanhamentos de estudantes de iniciação científica, mestrado e
doutorado.
As atividades de pesquisa são fundamentalmente focadas para a condução da
coordenação de grupos de estudos, com a elaboração de projetos de pesquisa, criação,
desenvolvimento de métodos, conceitos e protocolos. Trabalho de campo ou de
laboratório, produção de artigos e relatórios.
Para as atividades de extensão são aquelas onde o professor universitário se
envolve, por exemplo, com assessoria a movimentos sociais, associações profissionais,
produção de eventos, cursos, oficinas, material técnico audiovisual e artístico voltados
para a sociedade, assim como para a universidade.
Por fim, as atividades de gestão são caracterizadas como a atuação do professor
universitário exercendo a função de administrador nas diversas instâncias da
universidade. Entre essas destacamos, a participação como diretores de departamentos,
participação das decisões em conselhos universitários, coordenação de cursos e reitoria
universitária.

198
4 QUAIS AS ATUAIS NORMATIVAS PARA A FORMAÇÃO DO PROFESSOR
DE ENSINO SUPERIOR?

A necessidade de docentes qualificados surge como prioridade para a


consolidação da educação superior brasileira, nesse sentido as principais bases legais que
sustentam a formação de professores de ensino superior são o Parecer nº 977/1965 do
Conselho Federal da Educação (CFE), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), o
Plano Nacional de Educação (PNE) e o Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG).
O primeiro documento legal que menciona a pós-graduação como espaço
“imperativo da formação do professor universitário” e local de “formar professorado
competente para que possa atender à expansão quantitativa do ensino superior garantindo,
ao mesmo tempo, a elevação dos atuais níveis de qualidade” é o Parecer Sucupira nº
977/1965 do CFE (ALMEIDA JÚNIOR et al., 2005, p.165).
A LDB, Lei 9.394/1996 é a principal legislação que aborda sobre a formação de
docentes e o ensino superior no Brasil. Particularmente são os artigos 13 e 66 que versam
sobre o magistério superior. No artigo 13 constam as incumbências dos professores e no
artigo 66 regulamenta que “[...] a preparação para o exercício do magistério superior far-
se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado”
(BRASIL, 1996).
Em relação ao atual PNE, vigência de 2014-2024, Lei 13.005/2014, estabelece 20
metas estruturantes para o desenvolvimento e alcance da qualidade da educação. Para a
formação de professores, instituiu nas metas 13 e 14, respectivamente, “a ampliação da
proporção de mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício no conjunto do
sistema de educação superior para 75% (setenta e cinco por cento), sendo, do total, no
mínimo 35% (trinta e cinco por cento) doutores” e a elevação gradual do “número de
matrículas na pós-graduação stricto sensu” (BRASIL, 2014, p.14).
Neste sentido, em consonância ao Parecer Sucupira nº 977/1965, à LDB
9.394/1996 e ao PNE 2014-2024, cabe ao atual PNPG 2011-2020 traçar estratégias para
fortalecer a pós-graduação. É na meta 15 do PNE que se abordam as iniciativas para a
formação de professores. Contudo, conforme nos declara Hypolito (2016, p. 526) o PNE
é pouco preciso, repetitivo, redundante, prioriza a educação básica e assim como as outros
documentos “[...] vem ensaiando políticas para a formação docente e não há definições
quanto a um sistema nacional de formação docente”

199
5 ALGUMAS REFLEXÕES ...

A formação pedagógica do professor da educação superior não é concebida como


prioritária na pós-graduação brasileira, o que pode fragilizar a identidade do profissional
professor do magistério superior. Essa afirmação é respaldada em grandes pesquisadores
da educação superior no Brasil, como Almeida (2012), Masetto (2012), Pimenta e
Anastasiou (2014) que são categóricos em afirmar que as atuais legislações e documentos
são confusos, não ensejam mudanças efetivas na prática docente e não concebem a
docência universitária como um processo formativo pedagógico. Além disso, não há
critérios consolidados para que a pós-graduação direcione seus esforços para a melhoria
dessa competência.
Os dados trazidos nesse capítulo evidenciam uma preocupação pelo aumento dos
profissionais com titulação de doutorado. Mas será que esse crescimento está preocupado
com o desenvolvimento da competência pedagógica dos docentes? E ainda nos
questionamos: os mais de 380 mil professores do ensino superior, em exercício da
docência no Brasil, começaram suas atividades profissionais sem uma formação
pedagógica para exercer as diversas competências que exige o magistério superior?
Marosini (2000, p.19) alerta que “a pedagogia universitária no Brasil é exercida
por professores que não têm uma identidade única” e por isso os desafios do ensino
superior podem ser tornar difíceis de serem superados, pois muitas vezes esses
profissionais precisam se dedicar a outras atividades além do labor da docência.
Por fim, fragilidade da formação pedagógica, precarização do trabalho, falta de
identidade profissional fazem com o que o professor do ensino superior na atualidade
brasileira seja tema de pesquisas nos mais diversos campos da ciência.

REFERÊNCIAS

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políticas institucionais. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2012.

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Plano de Carreiras e Cargos de Magistério FederalBrasil, 2012. Disponível em:
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HYPOLITO, Á. L. M. Trabalho docente e o novo Plano Nacional de Educação:


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INEP. Sinopse Estatística da Educação Superior 2008. INEP: 2009. Disponível em:
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http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-educacao-superior. Acesso
em: 15 mar.2019.

201
INEP. Sinopse Estatística da Educação Superior 2010. INEP: 2011. Disponível em:
http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-educacao-superior. Acesso
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LOCATELLI, C. Os professores no ensino superior brasileiro: transformações do


trabalho docente na última década. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 98,
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MAROSINI, M. C. Professor do Ensino Superior: Identidade, Docência e


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Teixeira, 2000.

MASETTO, M. T. Competência pedagógica do professor universitário. 2. ed. São


Paulo: Summus, 2012.

PIMENTA, S. G.; ANASTASIOU, L. das G. C. Docência no ensino superior. São


Paulo: Cortez, 2014.

202
Capítulo 14
FORMAÇÃO E IDENTIDADE DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR

Mariglória Almeida Santos


Cláudio Orlando Costa do Nascimento
Rita de Cássia Dias Pereira Alves

1 INTRODUÇÃO

O trabalho docente constitui uma das chaves para a compreensão das


transformações atuais das sociedades, sendo a docência uma das mais antigas ocupações
modernas. O trabalho, a profissão, aqui tratados, estão relacionados com objetivos,
processos e resultados, o que implica em perceber o trabalho docente como práxis de
formação, de conhecimento, de criação tecnológica e métodos diferenciados.
Autores como Pimenta e Anastasiou (2002), Veiga (2006), apontam que parte
considerável dos professores universitários, oriundos de “programas de pós-graduação
que se voltam para a formação de pesquisadores em seus campos específicos e sem
exigência quanto à formação pedagógica” (VEIGA, 2006), são confrontados com o
desafio da docência, que requer conhecimentos específicos não abordados nas suas
formações.

As reflexões introdutórias corroboram para definição de questões que buscam


compreender como se dá a construção da identidade do docente do ensino superior? Nesse
sentido, o estudo se voltou para, compreender quais experiências o professor assume
como significativas na construção da sua identidade profissional; identificar as
implicações que constituem a identidade desse professor; conhecer as concepções
epistemológicas que servem de referência para a construção da identidade docente do
professor do ensino superior; analisar a dimensão pedagógica no processo de
compreensão da identidade docente do professor do ensino superior. Conforme os
requisitos e dimensões estabelecidos para esse artigo, alguns desses enfoques serão
contemplados parcialmente.
O trabalho se baseou nos estudos de cunho qualitativo, na abordagem
(auto)biográfica, atentando especificamente para as narrativas docentes, no intuito de
analisar a trajetória de vida de professores do ensino superior e suas construções
identitária e de profissionalização.

203
Os cinco professores convidados a colaborarem com a pesquisa iniciaram o
exercício da profissão há mais de três anos em instituições universitárias públicas do
estado da Bahia.
A escolha pela abordagem metodológica envolvendo narrativas (auto) biográficas
é reforçada pela compreensão de que a vida do sujeito é singular, apesar da forma como
é contada não ser linear ou a-histórica. Podemos considerar que todos nós, ao longo de
nossa existência, estivemos ou estamos imersos em papéis e lugares sociais carregados
de significados. Nessa análise, Catani e Vicentini (2003) corroboram sobre esse aspecto,
quando afirmam:

Ao construir uma narrativa autobiográfica, os sujeitos criam uma


imagem de si próprios que constitui uma instância da realidade relativa
à sua maneira de representar a própria existência, sobretudo no tocante
às escolhas efetuadas no decorrer da vida e aos valores que cultuaram
em sua prática docente (CATANI e VICENTINI, 2003, p. 153).

De um modo geral, uma experiência apresentada vem permeada de sentidos, que


são potencializados como processo de (auto) formação. É relevante considerar que,
embora “recente”, o recurso da abordagem autobiográfica, pelo menos na área da
educação, é “[...] tanto um fenômeno, quanto uma abordagem de investigação-formação,
porque parte das experiências e dos fenômenos humanos advindos das mesmas”
(SOUZA, 2006, p. 97). Em outras palavras, as autobiografias nos levam a perceber os
modos particulares, o significado dos percursos de (auto) formação, bem como, a forma
que nos propomos a transformá-los através das nossas práticas.

2 IDENTIDADE DO DOCENTE DO ENSINO SUPERIOR

Os professores têm um grande trabalho a realizar, que é proceder a mediação entre


a sociedade da informação e os alunos, a fim de possibilitar que, pelo exercício da
reflexão, adquiram a sabedoria necessária à permanente construção do humano”
(PIMENTA, 2007). Refere-se aos envolvidos nas ações educativas, entre eles a
universidade e os professores do ensino superior.

2.1. PEDAGOGIA E DIDÁTICA NO ENSINO SUPERIOR

204
Para dar sequência, proponho inicialmente uma análise sobre o papel da
pedagogia no ensino superior, compreendendo-a como uma ciência da educação, que
abarca estudos relacionados ao projeto pedagógico institucional, currículo, avaliação,
perfil de estudantes, finalidades do ensino, entre outros. Assim sendo, essa abordagem
auxiliará na construção da identidade docente do professor do ensino superior,
contribuindo para uma postura crítico-reflexiva na sua atuação no processo de ensino-
aprendizagem, que de acordo com Pimenta e Almeida,

Na docência, como profissional que realiza um serviço à sociedade, o


professor universitário precisa atuar de forma reflexiva, crítica e
competente no âmbito de sua disciplina, explicitando seu sentido, seu
significado e sua contribuição no percurso formativo dos estudantes e
no projeto político-pedagógico dos cursos, coletivamente consensuado
e vivido no cotidiano do ensino e da pesquisa. Projeto esse que é
estabelecido a partir do diálogo com o Projeto Político-Pedagógico
Institucional, a partir da identidade de cada curso, considerando as
demandas da sociedade contemporânea em geral e no contexto do
campo e da ação próprios das áreas de saber envolvidas. (PIMENTA
e ALMEIDA, 2009, p. 18-19)

Nessa perspectiva, trazemos uma reflexão proposta por Cunha (2006), que
enfatiza a possibilidade de adoção de metodologias mais integrativas no ensino
universitário, promovendo o ensino também através de pesquisa. Para tanto, a autora
aponta a necessidade de superação de paradigmas sobre o ensino-aprendizagem por parte
dos professores quando reconhece que,

[...] o ensino só será indissociado da pesquisa quando for


construído um novo paradigma de ensinar e aprender na
universidade. Um ensino que seja realizado com pesquisa, isto é,
incorporando os processos metodológicos dessa atividade, e
tendo a dúvida como referência pedagógica. Nesse caso, o aluno
deverá ser o autor principal da ação e é nele que deverá acontecer
o processo indissociável. (CUNHA,2006, p. 32)

Portanto, a pedagogia e a didática podem assumir um lugar fundamental para


contribuir com as mudanças universitárias emergentes, trazendo um novo olhar sobre as
ações do fazer docente, buscando formas de articular ensino, pesquisa e extensão,
mediando um processo de formação de cidadãos para uma sociedade mais democrática.
Contudo, nesse processo de mudança de paradigmas, o docente precisará se apropriar de
conhecimentos relacionados às questões de ensino-aprendizagem no ensino superior, ou
seja, reflexões sobre proposta pedagógica da instituição, constituição do currículo, o

205
perfil dos alunos, metodologias para lidar com esse contexto plural, construindo assim
uma identidade profissional numa perspectiva crítico-reflexiva, de forma que consiga se
situar como cidadão promotor de transformações a partir da sua área de conhecimento.

2.2 FORMAÇÃO DO DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR

Considerado como um dos principais fatores que pode levar à melhoria da


qualidade do ensino ministrado pelas instituições educacionais, a formação de professores
universitários, bem como do professorado em geral, tem estado em evidência nos últimos
anos. No entanto, alguns aspectos têm se mostrado como alvo de preocupações nesse
processo de formação, a exemplo das fragilidades na formação inicial dos profissionais
de educação, bem como na construção do pensamento pedagógico crítico. Segundo
Pimenta e Anastasiou:

A formação de docentes para o ensino superior no Brasil não está


regulamentada sob a forma de um curso específico como nos outros
níveis. De um modo geral, a LDB admite que esse docente seja
preparado nos cursos de pós-graduação tanto stricto como lato sensu,
não se configurando estes como obrigatórios. (PIMENTA e
ANASTASIOU, 2002, p.23)

Conforme a perspectiva da multirrefenrencialidade, em Ardoino (1998), a


formação implica numa postura compreensiva, interpretativa e explicativa da realidade,
cujo caráter interdisciplinar orienta para a produção do saber; sendo fundamental nesse
processo de formação e no ofício do professor, conhecer e debruçar-se sobre a
complexidade da realidade, construindo estratégias para trabalhar com diversidade,
fazendo os ajustes técnicos e pedagógicos necessários na prática docente.

A participação de professores na pesquisa de sua própria prática tem sido apontada


no discurso acadêmico-científico brasileiro como uma estratégia significativa. A partir da
década de 1990, já se percebe estudiosos mais preocupados com a temática formação
continuada de professores universitários. Mesmo nos poucos trabalhos produzidos
percebe-se as influências e fundamentações apoiadas nas teorias estruturadas por autores
como: Masetto, (1998), Nóvoa, (1992), Pimenta, (1998), Pimenta e Anastasiou, (2002),
Vasconcelos, (1996) além de outros, e ainda a execução de projetos respaldados nessas
teorias. Para Rosemberg,

206
Os relatos dessas experiências demonstram que tais projetos, quando
implantados, proporcionam reais condições de desenvolvimento
pessoal e profissional dos agentes envolvidos, propiciando mudanças
qualitativas das práticas docentes e inovações educacionais nas salas de
aula universitárias. (ROSEMBERG, 2002, p. 40)

Portanto o exercício e a formação do docente universitário abrangem a vida


educacional em seus múltiplos aspectos: as práticas pedagógicas, os fundamentos
teóricos, os projetos de pesquisas, vivência e troca entre seus pares, dentre outros. E tudo
isso é impactado pelo contexto e condições que desencadeiam a atuação desses
profissionais no ensino superior, definindo inclusive sua contribuição sócio-político-
econômica na realidade social em que estão inseridos, bem como a compreensão de si e
do processo de autoformação no seu percurso profissional.

2.3 CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR

A construção da identidade do professor universitário, segundo Nóvoa, deve partir


do conhecimento das realidades do ensino de suas representações e saberes. É um trabalho
de reflexão sobre as práticas de ensino quando afirma que:

Na cultura da escola são mantidos os aspectos menos educativos: a


dependência da opinião de especialistas externos, as inseguranças, a
incapacidade para adotar características públicas, a negação de interesses
pessoais, vinculada à alienação do trabalho, a utilização ambígua do
isolamento como máscara de autonomia, a eliminação de emoções, a
desconfiança de outros professores, a tendência estreita de concentrar-se
exclusivamente nos recursos de ensino, negando-se a discussão dos
objetivos educacionais. (NÓVOA, 1992, p.25),

Diante disso vem a compreensão de que nesse processo de formação, o professor


vai se profissionalizando e, ao mesmo tempo, construindo sua identidade profissional.
Libâneo diz que, “num primeiro momento, a identidade profissional pode ser definida
como um conjunto de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que definem a
especificidade do trabalho do professor” (2005, p. 20). Segundo ele, o professor vai
assumindo determinadas características de acordo com as exigências educacionais que
são colocadas em cada momento histórico e em cada contexto social.

Seguindo essa linha de raciocínio, Pimenta (2005) entende que o saber do


professor se fundamenta na tríade saberes das áreas específicas, saberes pedagógicos e
saberes da experiência. É na mobilização dessa tríade que os professores desenvolvem a

207
capacidade de investigar a própria atividade e, a partir dela, constituírem e transformarem
seu saber-fazer docente.

Vale ressaltar que o processo de avaliação do professor, conforme a Universidade,


a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ainda outros
órgãos governamentais que financiam a pesquisa e a extensão, normalmente não
reconhecem a docência na mesma medida dessas outras atividades. De um modo geral, o
professor que se dedica mais à docência, alcança menor pontuação no seu desempenho,
em comparação ao colega que se dedica à produção de pesquisa e extensão.

Ao longo do estudo, das negociações de sentidos relacionados à identidade


docente, essa formação se caracteriza por uma criticidade decorrente do reforço contínuo
do modelo que esse professor considera ser o correto e o mais adequado para atender suas
demandas diárias. Um modelo que traz consigo suas experiências como estudante. Nessa
visão pedagógica, temos mais representações do que há na “memória” sobre uma prática
pedagógica ideal, e menos referências crítico-investigativas de práticas inovadoras.

Na obra sobre a construção do professor reflexivo no Brasil, Pimenta e Ghedin


(2005) apresentam uma discussão da relação entre prática docente, teoria e reflexão,
contribuindo para a definição do conceito de professor crítico-reflexivo. Portanto, Ghedin
afirma que:

Isto quer nos dizer que o horizonte da reflexão no ensino é a


potencialidade ou deve ser potencializador do questionamento radical
de si mesmo e da educação como possibilidade de rompimento da
exploração, reproduzido ideologicamente por meio da escola. Tal
situação não se dá de forma mecânica, mas é um processo de luta que
começa com a reflexão e se traduz em ação concreta, imprimindo nova
reflexão e um novo fazer diferenciado. (GHEDIN, 2005: 149)

De um modo geral, será na compreensão das contradições que o docente atuará


criticamente, cabendo a este professor crítico-reflexivo uma reflexão sobre sua atuação
em um contexto complexo, no sentido de fortalecer ações para a promoção práticas
emancipatórias e transformadoras da sociedade na qual está inserido, em direção a uma
construção de um mundo mais justo e igualitário.

208
3 ENFOQUES E REFERENCIAIS EMERSOS DAS NARRATIVAS DOCENTES

As narrativas (auto) biográficas permitem perceber como o sujeito põe em prática,


por meio do discurso narrativo e de sua maneira particular de rememorar experiências, as
associações simbólicas entre passado, presente e futuro. Dessa maneira, para além de
sistematizar a lembrança do tempo vivido, apresentando suas marcas, impressões e
significações oriundas das incidências dos contextos sociais, políticos, culturais e
educacionais, revela como o narrador situa-se, compreende-se e expressa as
representações e o conhecimento que tem de si mesmo, nesses cenários, ao debruçar-se
sobre sua trajetória existencial, formativa.

Conforme o recorte do estudo, as narrativas docentes fizeram emergir os seguintes


enfoques:

a) sobre a docência e formação inicial;

b) imagens da docência – imagens de si e do outro;

c) docência no contexto universitário.

As narrativas instituintes do primeiro enfoque, evidenciam:

 a compreensão da complexidade dessa função, ressaltando a responsabilidade e


preocupações sócio-ético-políticas para com o exercício dessa profissão;
 a angústia em administrar a ênfase na pesquisa em detrimento ao ensino e ainda traços
afetivos com o uso das palavras “privilégio” e “orgulho” caracterizando a satisfação ao
exercer essa profissão.

As narrativas relacionadas ao segundo enfoque apresentam:

 a compreensão de construção processual da identidade do professor, com a formação


inicial e continuada, além das experiências e ressignificações ao longo do fazer docente;
 além da reflexão sobre a fragilidade da formação inicial em pós-graduação (mestrado e
doutorado) no que se refere a construção de conhecimentos pedagógicos, tendendo a
formar pesquisadores e não necessariamente professores.

Por fim, as narrativas do terceiro enfoque revelaram:

 reflexões sobre a finalidade do ensino superior transcender a formação profissional,


contemplando também a formação crítico-reflexiva;

209
 dificuldades enfrentadas diante de um currículo compartimentado / multidisciplinar, mas
que ainda assim percebe-se mudanças significativas em boa parte dos discentes;
 e ainda a sustentação na epistemologia da multirreferencialidade no fazer docente, mesmo
que de forma não tão consciente, por compreender que as ciências humanas necessitam
de perspectivas plurais.

4 CONSIDERAÇÕES

O artigo contempla parcialmente um trabalho amplo de pesquisa, desta forma em


atendimento às exigências da publicação foram recortados enfoques e referenciais de
formação e identidade originários das narrativas (auto) biográficas docentes.

A partir da problemática dos questionamentos sobre como se dá a construção da


identidade do docente do ensino superior, aliado ao crescimento e fortalecimento da
abordagem (auto) biográfica, foi possível compreender que o processo de formação
identitária profissional se dá ao longo do percurso realizado/vivenciado pelos sujeitos,
mediante a atribuição de sentidos e significação às várias experiências pessoais e
profissionais, bem como suas construções sócio-histórico-políticas.

As histórias de vida são auto-reveladoras, possibilitam a percepção de uma


autoimagem da pessoa do professor, potencializando ainda a construção do seu processo
formativo, esse trabalho permitiu compreender como esses diferentes sujeitos constroem
conhecimentos sobre os saberes e identidade docente, bem como as dificuldades
enfrentadas por esses sujeitos ao desenvolverem seu processo de inserção profissional
evidenciados nas narrativas.

O entendimento sobre o desenvolvimento profissional docente como processo


contínuo que se dá ao longo da vida, significa conceber a formação como iniciação de um
percurso de trabalho que se estenderá por toda a carreira a qual é fruto das experiências,
conhecimentos, atitudes, saberes e temporalidades, com as quais o professor se depara ao
longo de sua existência. E é a partir dessa “bagagem” que sua prática se desenvolve,
adaptando-se com as condições de trabalho, a relação construída com a profissão e os
sentidos que vão sendo atribuídos. Portanto, esse estudo permitiu também refletir acerca
da necessidade de articulação entre vida, formação e profissão para o aprofundamento no
desenvolvimento profissional do professor, contribuindo para a compreensão dos

210
desafios atuais da docência, bem como a importância do seu comprometimento com os
resultados do seu fazer enquanto profissional e cidadão crítico-reflexivo.

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213
Capítulo 15
A FORMAÇÃO DO/A PROFESSOR/A DA EDUCAÇÃO
SUPERIOR: QUESTÕES E DESAFIOS EM BUSCA DE UM PERFIL

Nilcelio Sacramento de Sousa


Márcio Rodrigo Vale Caetano
Mark Clark Assen de Carvalho
Mary Rangel
Valteones da Silva Rios
Victor Augusto Giraldo

1 INTRODUÇÃO

“Se planejar para um ano, plante arroz! Se planejar para 10 anos plante árvores! Se
planejar para 100 anos eduque as pessoas!” provérbio chinês.

O ensino é tarefa cada vez mais árdua em nossa sociedade - nunca foi fácil - afinal
são diversas as queixas ouvidas e/ou vivenciadas por tantos profissionais que se
embrenham na difícil tarefa de assumir a docência e sua complexidade nos diferentes
níveis da educação fazer a educação acontecer com tão pouco em mãos e com em meio a
tantas adversidades políticas, sociais, laborais, institucionais e de formação. Por outro
lado, percebe-se que, com o passar do tempo, começaram a emergir nascer olhares mais
críticos dos sujeitos envolvidos com a docência propriamente, aspecto que tem
contribuindo para fomentar uma compreensão igualmente crítica quanto ao descaso por
parte de muitos, inclusive de determinados segmentos de professores, dos gestores e de
toda a sociedade, especialmente quando tratamos da educação em nível superior e da
questão da formação específica para atuar nesse nível de educação.
O/a profissional da educação em qualquer nível que esteja, detém em suas mãos
ferramentas que podem, em conjunto com outras, modificarem o rumo de toda uma
sociedade, proporcionando o ato de pensar, de (re) construir conhecimentos e reflexões
oportunas, abrindo portas para novos caminhos, horizontes telúricos e cognoscitivos em
que se é preciso, muitas das vezes, “pôr os pés no chão” e “sorver novo fôlego” em face
de tantas agruras.

214
Nesse cenário em que se manifestam diferentes problemas e diversas questões,
cabe-nos indagar qual é a formação, qual/is seria/m o/s perfil/is desses/as profissionais
ligados/as ao ensino superior e por quais desafios, nesse século “líquido”, passam e ainda
passarão?
Sabemos, desde já, que no trajeto pessoal e profissional pelos quais todos esses sujeitos
passam, surgem ineficiências, lacunas e atonicidades com as quais uma (auto)formação
perene e crítica poderia contribuir para dar cabo e trazer luz a estas tônicas, para, a partir
das descobertas tidas nesse solo, encontrar alternativas mais viáveis e possíveis para as
diversas problemáticas que surgem durante o processo de formação quase sempre
marcado sem a exigência de formação pedagógica específica para atuar na educação
superior, aspecto bem distinto da própria educação básica que exige, no mínimo, curso
de graduação em licenciatura na área do componente curricular no qual se dará a atuação
no magistério.
Não obstante, sabemos, também, que esse processo não pode e nem deve ser
individual, mas nascer e pertencer a uma coletividade, pois, como já nos disse Paulo
Freire “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam
entre si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1981, p.79), somos, pois, seres que
permutam conhecimentos, construindo, ressignificando e deslocando saberes a partir de
outros saberes, fazeres e falares.
A par das considerações postas, este artigo tem por finalidade analisar material
bibliográfico, sob a luz de diversas contribuições no campo da formação do/a professor/a,
visando tecer considerações e produzir reflexões pertinentes e importantes no tocante ao/s
perfil/is do/a professor/a do Ensino Superior. Levando-se em conta alguns dos vários
desafios encontrados por estes /as em suas práxis, além de suas trajetórias de formação,
serão discutidos e analisados o/s perfil/is do/a docente do Ensino Superior. Para poder dá
provimento a essas análises e reflexões a serem tecidas sobre uma temática recorrente e
de formas de abordagens tão acaloradas como é o campo da formação de professores/as,
far-se-ão presentes as tão importantes e pertinentes contribuições de autores como
Masetto (2003), Veiga (2010), Libâneo & Pimenta (1999), Gatti (2010), Tanuri (2000),
Bauman (2007), Rangel (2014), dentre outros/as.
Para tanto, parte-se do princípio de que para esses novos tempos, faz-se necessário
repensar muito determinadas posturas e práticas que envolvem o ato de ensinar no ensino
superior, buscar delinear os traços para construir uma identidade que seja cada vez mais
plural, proativa e cônscia da liquidez e da multifacetação dos conhecimentos, das

215
diversidades, pluralidades e diferenças humanas que perpassam o contexto das
instituições de formação, da produção e pluralidade dos saberes que são mobilizados para
configurar as práticas pedagógicas.

Somos todos plurais e precisamos entender, respeitar e valorizar o outro dessa


mesma forma, como seres plurais e humanos cheios de conhecimentos, informações e
diferenças. De igual forma, à docência e a formação do/a docente para atuar na educação
superior precisam ser resguardadas desta mesma compreensão no afã de não se
superestimar a titulação ou mesmo a posse do saber específico oriundo de determinado
campo do conhecimento mas que na prática pedagógica se apresenta desconexo da
multidimensionalidade e complexidade do fazer docente.

2 METODOLOGIA

Para organização e sistematização do estudo optou-se por realizar uma pesquisa


bibliográfica na perspectiva de que esta fornecesse as bases teórica e conceitual
necessárias à problematização da temática, à produção de reflexões e o apontamento de
questões que se interpõem no debate sobre formação de professores/as.
Pois, conforme esclarece Boccato (2006),

a pesquisa bibliográfica busca a resolução de um problema (hipótese) por meio


de referenciais teóricos publicados, analisando e discutindo as várias
contribuições científicas. Esse tipo de pesquisa trará subsídios para o
conhecimento sobre o que foi pesquisado, como e sob que enfoque e/ou
perspectivas foi tratado o assunto apresentado na literatura científica. Para
tanto, é de suma importância que o pesquisador realize um planejamento
sistemático do processo de pesquisa, compreendendo desde a definição
temática, passando pela construção lógica do trabalho até a decisão da sua
forma de comunicação e divulgação (p. 266).

Assim, partimos do (re)conhecimento de que a pesquisa bibliográfica tem como


uma de suas principais finalidades proporcionar aos/as pesquisadores o contato direto
com obras, artigos ou documentos que tratem do tema em estudo: “o mais importante
para quem faz opção pela pesquisa bibliográfica é ter a certeza de que as fontes a serem
pesquisadas já são reconhecidamente do domínio científico” (OLIVEIRA, 2007, p. 69).

Neste sentido é que a abordagem do tema e a aproximação com questões que


margeiam sua reflexão está ancorado nos estudos de Masetto (2003), Veiga (2010),
Libâneo & Pimenta (1999), Gatti (2010), Tanuri (2000), Bauman (2007), Rangel (2014),
dentre outros/as. Nesse particular se ressalta, portanto, que os autores/as e textos

216
selecionados deram suporte e embasamento na construção de uma reflexão crítica frente
às mudanças educacionais da contemporaneidade, os debates e as demandas postas ao
campo da formação de professores/as no Brasil, indicando para a existência de dilemas e
de indefinições relativas à formação docente, sobretudo em se tratando da formação do/a
professor/a para atuar na educação superior.

3 O/A PROFESSOR/A DO ENSINO SUPERIOR

Consultando o dicionário virtual Aurélio o verbete “professor/a”, podem ser


vislumbrados sete significados distintos, aqui, cabe-nos analisar pertinentemente dois
deles: “1 Aquele que ensina uma arte, uma atividade, uma ciência, uma língua etc.” e “2
Pessoa que ensina em escola, universidade ou noutro estabelecimento de ensino.”. É
perceptível o quão o termo “professor/a” está ligado a expressão “ensinar”, pois em
verdade estes dois são indissociáveis.

No entanto, é relevante lembrar que a função do/a professor/a, em qualquer nível


de educação, não deve estar atrelada apenas à prática do ensino, mas também à produção,
(re)construção e (res)significação dos conhecimentos. O/a professor/a, enquanto ser
problematizador/a e educador/a, precisa levar em conta aspectos diversos sejam pessoais,
sociais, históricos, psicológicos..., assim como a formação do outro, a construção cidadã,
crítica, reflexiva e social, a identidade de outrem, também faz parte desse processo. Por
isso, os espaços de formação, precisam ser lócus

[...] privilegiados de formação para a vida cidadã, estão politicamente


comprometidas com os vários temas da diversidade e, percebendo-os mais
amplamente, podem inseri-los em seus currículos, programas, atividades e
projetos pedagógicos, com atenção a seus efeitos e implicações para a vida
social, a cidadania e a paz (RANGEL, 2014, p. 165).

Franco (1984) corrobora com essa visão de Rangel (20114), ao firmar, que o/a
educador/a é um sujeito social do mundo, não deve estar dissociado dessa ótica, visto que
“não é um indivíduo isolado, uma individualidade à parte que emite pareceres limitados
numa relação unívoca como a escola e a sociedade” (p.12).
Guimarães Rosa (1994) em sua obra “Grande Sertão: Veredas” traz à tona
importante pensamento, o qual deve ser levado em consideração quando tratamos do
sujeito professor/a: “Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende"
(p. 436). Aqui, surge mais um aspecto importante a ser mencionado, o/a professor/a,
precisa não apenas “ensinar”, mas “aprender”. Para que isto acontece é mister reconhecer

217
que a continuidade de sua formação/certificação precisa ser constante e significativa,
pois, o/a profissional da área de educação necessita, ser professor/a-pesquisador/a,
inquiridor/a e inquietado/a durante toda sua trajetória.
Quanto a este ponto – professor/a-pesquisador/a – é merecido o abrir de parêntesis
para recordar a importância da indissociabilidade desse binômio, além de tantos outros
referentes às práticas de pesquisa e as práticas docentes, tão defendidos e difundidos por
autores/as como Pedro Demo (1996) (ensino e pesquisa), Corinta Geraldi (1996)
(pesquisa-ação), Marli André (1995) (prática da pesquisa docente), Veiga (2010) dentre
tantos outros. As práticas de ensinar e pesquisar, devem estar atreladas a toda sorte de
conhecimentos (re)construídos nas mais diversas áreas cognoscitivas, levando em conta
saberes, dizeres e fazeres numa constante permuta entre os diversos sujeitos envolvidos
neste infindo processo.
O/A professor/a, precisa ser pesquisador/a não somente quando adentra no solo
dos cursos de mestrado e doutorado, mas a qualquer prática e instância de formação, pois
o conhecimento é cíclico e as práticas que elevam e façam chegar até ele/a, precisam estar
em constante procura. Como ressalta Nunes em seu artigo “Teoria, pesquisa e prática em
Educação: a formação do professor-pesquisador”: “Nesse contexto, é também
imprescindível que os cursos de magistério repensem suas práticas, enfatizando a
importância da pesquisa científica na formação do professor.” (2008, p.103).
A este ponto, sabemos da existência das cada vez mais tectônicas ausências e
descasos se considerarmos que muitos dos cursos de (de)formação superior visam o lucro
fácil e não a produção, (res)significação dos saberes, por outro lado, há também o
aumento da desídia e descaso por parte do/a ingressado/a. Na prática a junção desses dois
fatores respondem, em grande parte, pela ausência de uma formação docente fincada em
sólidas bases teórico e metodológicas, marcada ainda por uma incompreensão acerca da
especificidade, complexidade e pluralidade da formação docente.
A estes tão pesarosos pontos, discute Demo (1996):

Com isso, não se instala em tais instituições ambiente de estudo e pesquisa, em


grande parte porque o professorado não pesquisa e elabora. Apenas dá aula.
Autoria não é critério importante. Bastam título ou designação. Muitas vezes
alega-se que as universidades não podem pesquisar, porque seria atividade
cara, superior, elitista, sem se alertar que pesquisa não significa apenas
produção elitista de conhecimento, mas principalmente procedimento dos mais
exitosos de boa aprendizagem (p. 66).

218
Grosso modo pode-se dizer, pelas questões apresentadas até então, que temos em
nossas mãos grandes impasses que impossibilitam a continuidade e prática dessa tão
importante ação dentro das escolas e universidades, a pesquisa deve ser desenvolvida
sempre, despertada e tida como habilidade e capacidade a serem desenvolvidas nos/as
alunos/as e docentes “a habilidade e a capacidade de pesquisar”, assim, teremos sujeitos
mais envolvidos nos saberes e fazeres do conhecimento, rasgando os véus da ignorância
e dos preconceitos perpetuados pela elite e atitudes eurocêntricas.
A Lei 93.94/ 96, - LDB - de Diretrizes e Bases no título VI, Dos Profissionais da
Educação, inciso III, artigo 66, dispõe sobre a preparação do profissional de ensino
superior para o exercício do Magistério, ponderando que este/a deve ser pós-graduado em
programas de mestrado e doutorado, sendo assim, há a exigência de uma titulação
necessária para garantir ao profissional, a atuação no ensino superior.
No entanto, é importante destacar que essa titulação “acadêmica”, principalmente
em cursos e/ou áreas mais técnicas que não tem como foco da formação a educação e/ou
o exercício profissional da docência propriamente dita, não pode ser vista como tendo um
fim em si mesma devendo buscar se aproximar de alguma forma do trabalho docente, ou
seja, não deve ser a única, pois, ao/a professor/a em qualquer instância, vale também a
formação pessoal, a construção de uma personalidade e perfil docente. Não basta ter sido
graduado/a, logrado os títulos de mestrado ou doutorado em uma instituição (sabemos
que muitas das vezes apenas isso basta), mas é preciso desenvolver habilidades,
competências e capacidades para o ofício da docência.
Veiga (2014) traz importante contribuição a este respeito:

A docência requer formação profissional para seu exercício: reconhecimentos


específicos para exercê-la adequadamente ou, no mínimo, Formação de
professores para a Educação Superior e a diversidade da docência a aquisição
das habilidades e dos conhecimentos vinculados à atividade docente para
melhorar sua qualidade (p. 333).

O/a profissional do ensino superior é aquele/a, portanto, que precisa ponderar


diversos fatores pelos quais trará luz e conhecimento, será caminho para a formação do
outro e de si mesmo, possibilitando a árdua tarefa de ajudar ao outro a aprender guiando-
os/as por um percurso menos brusco e tortuoso, é aquele/a que faz do ofício de ensinar,
veredas que descortinam em mananciais propícios para a (re)construção/ressignificação
de saberes, reflexões e crescimentos multilaterais, pois, como disse Coêlho (1996):

219
Ensinar não é, pois, encher a mente dos indivíduos com as últimas novidades
da ciência e da tecnologia. Mais do que exercer uma perícia técnica específica,
é necessariamente convidar os jovens à reflexão, ajudá-los a pensar o mundo
físico e social, as práticas e saberes específicos, com o rigor e a profundidade
compatíveis com o momento em que vivem (p. 40).

O/a professor/a, em qualquer nível de educação, precisa atentar-se para seu papel
enquanto ser formador, mas também para si enquanto ser em formação, tornando-se um
ser plástico e plural, capaz de (res)significar conhecimentos, promover deslocamentos
cognoscitivos e, muito além de sua própria construção enquanto mediador/a, ser
pessoal/plural, conseguir fazer com que os/as discentes sejam capazes de desenvolver e
utilizar a autonomia, alçar voos contínuos, partindo de conhecimentos (re)construídos por
gerações em diacronia e sincronia com a realidade deles, tornando seres mentores do
próprio desenvolvimento e evolução crítica, pessoal, cidadã e profissional.

3.1 O/A PROFESSOR/A DO ENSINO SUPERIOR: PERCURSO E TRAJETÓRIA DE


FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Ao tratarmos do tema da formação de professores/as no Brasil é pertinente


ressaltar que a trajetória e o processo de formação dos/as professores são permeados por
avanços e retrocessos que remontam à gênese do movimento que resultou na absorção
pela Universidade da formação de professores/as idealizada primeiramente como
formação bacharelesca para, na sequência, advir a licenciatura quando da aprovação da
primeira LDB, a Lei nº 4.024/61. Baseada em um sistema francês, depois inglês, a (falta
de) formação dos sujeitos envolvidos na educação era eminentemente prática, voltada
para suprir as necessidades de um mercado já em defasagem.
Com a aprovação da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação, LDB 9394/96,
que em princípio estabeleceu a exigência de formação superior para atuar em qualquer
etapa da educação básica, houve uma corrida desenfreada nas diferentes instituições de
ensino superior, em busca de formação no afã de a todo custo suprir a carência e atender
as exigências da lei que dispunha da obrigatoriedade, dentro do prazo de dez anos, da
formação em nível superior dos/as profissionais envolvidos/as na educação para atuarem
nas áreas específicas e séries correspondentes à educação básica.
Além dessa determinação, como vimos anteriormente, a mesma Lei dispõe de
requisito necessário para atuação nas instituições superiores de ensino, isto é, com
formação em cursos de pós-graduação Stricto Sensu, mestrado e doutorado. A este
respeito discorre Gatti (2010) “[...] a partir da Lei n.9.394 de 1996, postula-se a formação

220
desses docentes em nível superior, com um prazo de dez anos para esse ajuste.” (GATTI,
2010, p.1356)
Nesta corrida desenfreada para suprir a necessidade de um mercado em expansão,
saem em disparada as Instituições de Ensino Superior (IES) particulares, nas quais a
importância era dada apenas ao ofertar cursos de formação específicos para suprir uma
exigência mercadológica, sem, em muitos dos casos, haver preocupação com a formação
do indivíduo.
Ainda tomando por base as palavras de Gatti (2010) observamos que:

Mesmo com ajustes parciais em razão das novas diretrizes, verifica-se nas
licenciaturas dos professores especialistas a prevalência da histórica idéia de
oferecimento de formação com foco na área disciplinar específica, com
pequeno espaço para a formação pedagógica. Adentramos o século XXI em
uma condição de formação de professores nas áreas disciplinares em que,
mesmo com as orientações mais integradoras quanto à relação “formação
disciplinar/formação para a docência”, na prática ainda se verifica a
prevalência do modelo consagrado no início do século XX para essas
licenciaturas [...] (p.1357).

Para encorpar este cabedal de discussão, é pertinente trazer as palavras de Tanuri


(2000)

Tudo indica que, apesar da conquista legal, a formação em nível superior


continua a ser um desafio para os educadores, até porque a recente
regulamentação dos Institutos Superiores de Educação (Res. CNE 1/99) tem
trazido incertezas acerca de suas consequências para a qualificação de
docentes. Por parte de educadores, de instituições de ensino superior e de
associações de docentes, embora se reconheça que eles podem ser um avanço
nos locais onde inexistem cursos superiores de formação, teme-se um
nivelamento por baixo em face da ênfase numa formação eminentemente
prática, desvinculada da possibilidade de pesquisa, e devido aos padrões de
qualificação docente inferiores àqueles exigidos nas universidades (p.85).

Percebe-se, dentro desse cenário, o árduo caminho enfrentado nessa corrida, num
caminho tortuoso embalsamado por interesses distintos. Por um lado, a oportunidade de
expansão do mercado, em que as empresas viam (e veem) lucro fácil, pois detinham em
mãos de uma oportunidade ímpar com investimentos grandes, com retorno certo e, por
outro, a necessidade imperativa de profissionais da educação básica especialmente
capacitados para atuarem em um solo já castigado pelos estigmas do passado e por
interesses desvinculados com a ideologia da educação como prática libertadora.
Nascida de tantas acaloradas e acirradas discussões, a educação libertária vem
tentando dar voz a aqueles/as esquecidos/as ou deixados/as de lado, as minorias que vêm
gritando surdamente durante toda a nossa história. Nessas práticas, tenta-se, num mesmo

221
espaço geográfico, amalgamar as diversas classes visando as trocas de conhecimentos, os
amadurecimentos, os deslocamentos cognoscitivos, visto que, nos terrenos contestados
da educação, somos seres políticos e detentores de informações capazes de deslocar
saberes e fazer-nos sair das zonas de conforto que a ignorância tanto tenta nos engendrar.

3.2 O/A PROFESSOR/A DO ENSINO SUPERIOR: QUAL O PERFIL/IS?

No tocante ao ensino, é esperado que o/a profissional tenha domínio daquilo que
vai lecionar, faz parte de seu perfil profissional conhecer profundamente a respeito dos
temas e conteúdos dos quais se debruçará. Contudo, a esta construção de perfil, é
necessário levar em conta a construção de uma identidade profissional não apenas pautada
em dominar aquilo que será discorrido, mas também, de métodos, habilidades e
competências que tornarão o/a profissional um sujeito capaz de imputar no/a outro/a o
desejo ardente de conhecer e construir-se constantemente. É preciso levar em conta a
formação humana.
Gatti (2010) diz que “não há consistência em uma profissionalização sem a
constituição de uma base sólida de conhecimentos e formas de ação” (p.160), assim,
pode-se ponderar o quão é extremamente necessário que o/a profissional embrenhado/a
nesse caminho, burile não apenas sua capacidade em conhecer e dominar saberes e
informações atreladas a seu campo, mas em como mediar todo esse arsenal para o/a
outro/a, não sendo mero transmissor/a de informações, mas um ser que desperta no/a
outro/a, a partir de seus meios e métodos baseados numa ação-reflexão-ação, o desejo de
aprender, compartilhar e refletir.
Segundo Masetto (2003):

Docentes de Educação Superior atualmente devem estar ocupados, sobretudo


em ensinar seus estudantes a aprender e a tomar iniciativas, ao invés de serem
unicamente fontes de conhecimento. Devem ser tomadas providências
adequadas para pesquisar, atualizar e melhorar as habilidades pedagógicas, por
meio de programas ao desenvolvimento pessoal. (p. 16).

O/a docente em qualquer instância precisa ser inquiridor, ser atuante em sua
construção identitária, profissional e pessoal, não estanque diante dos conhecimentos e
da própria profissão.
Nas palavras de Veiga (2010) “docência universitária exige a indissociabilidade
entre ensino, pesquisa e extensão. Faz parte dessa característica integradora a produção
do conhecimento bem como sua socialização. A indissociabilidade aponta para a
atividade reflexiva e problematizadora do futuro profissional” (p. 333)

222
Destarte, nessa tríade, o/a professor/a precisa levar em conta durante sua
construção identitária, profissional e humana, a necessidade de saber não apenas aquilo
que faz parte de seu nicho de pesquisa, de sua área de atuação e produção, mas em como
(re)construir e incentivar no outro/a o desejo de (auto)formar-se.
Para Libâneo & Pimenta (1999) “[...] as transformações das práticas docentes só
se efetivam na medida em que o professor amplia sua consciência sobre a própria prática,
a da sala de aula e a da escola como um todo, o que pressupõe conhecimentos teóricos e
críticos sobre a realidade” (p. 260).
Dessa forma, é preciso repensar o perfil do/a profissional do ensino superior, o
qual não deve ser reducionista e monovisionário, pois, o sujeito professor/a não lida
apenas com seu “eu” enquanto profissional, mas carrega em si outros seres que pululam
e urgem em desenvolver-se e aflorar-se, além de diversas outras funções dentro e fora das
instituições, sendo assim, é preciso haver perfis profissionais, numa tomada e visão plural.
Benedito, Ferrer e Ferreres (1995) discorrem a respeito dessa visão reducionista
no que concerne à docência, pois, as atividades desenvolvidas pelos/as professores/as em
sala de aula com seus/suas alunos/as são as únicas consideradas atividades docentes, no
entanto, como apontam, há diversas outras funções que fazem parte da prática do/a
professor/a universitário/a, são as seguintes:

o estudo e a pesquisa; a docência, sua organização e o aperfeiçoamento de


ambas; a comunicação de suas investigações; a inovação e a comunicação das
inovações pedagógicas; a orientação (tutoria) e a avaliação dos alunos; a
participação responsável na seleção de outros professores; a avaliação da
docência e da investigação; a participação na gestão acadêmica; o
estabelecimento de relações com o mundo do trabalho, da cultura etc.; a
promoção de relações e intercâmbio departamental e interuniversitário, e a
contribuição para criar um clima de colaboração entre os professores (p. 119).

O que é esperado, portanto, é uma polivalência, uma formação humana e holística


do profissional de educação do ensino superior, os/as quais se vêm diante de tamanhos
obstáculos e adversidades quando levamos em conta as diversas práticas e realidades. Nas
palavras de Pachane e Pereira (2004) “o professor universitário não se forma, hoje, para
atuar necessariamente em uma universidade, porém, num complexo sistema de ensino
superior, que envolve diferentes instituições e tipos de cursos” (p. 7).

3.3 O/A PROFESSOR/A DO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS!

Os desafios pelos quais o/a profissional do ensino superior embate-se são diversos
e tamanhos, visto que, para lograr a formação exigida para atuar nesses espaços, precisa

223
percorrer longo e árduo caminho em busca de, não apenas possuir uma comprovação
acadêmica, mas de saberes e fazeres que o outorguem a atuar sem empecilhos nesse solo
cada vez mais contestado.
Por um lado, o desejo, os obstáculos encontrados pelo caminho, por outro, as
dificuldades e as carências dos próprios cursos, os quais, não preparam o profissional para
o mercado que o espera.
Gatti (2010, p. 1375) pondera que:

No que concerne à formação de professores, é necessária uma verdadeira


revolução nas estruturas institucionais formativas e nos currículos da
formação. As emendas já são muitas. A fragmentação formativa é clara. É
preciso integrar essa formação em currículos articulados e voltados a esse
objetivo precípuo. A formação de professores não pode ser pensada a partir
das ciências e seus diversos campos disciplinares, como adendo destas áreas,
mas a partir da função social própria à escolarização – ensinar às novas
gerações o conhecimento acumulado e consolidar valores e práticas coerentes
com nossa vida civil. A forte tradição disciplinar que marca entre nós a
identidade docente e orienta os futuros professores em sua formação a se
afinarem mais com as demandas provenientes da sua área específica de
conhecimento do que com as demandas gerais da escola básica, leva não só as
entidades profissionais como até as científicas a oporem resistências às
soluções de caráter interdisciplinar para o currículo, o que já foi experimentado
com sucesso em vários países.

Demo (1992) traz relevante consideração a este mesmo ponto quando destaca que:

A universidade não tem assumido desafios modernos típicos, como tecnologia


educacional, os temas relativos ao engate entre educação e tecnologia, os
desafios da qualidade formal e política. Pululam cursos arcaicos, entre eles os
de pedagogia, signo típico da posição de mera retaguarda. Com isto, torna-se
praticamente impossível construir um educador capaz de elaborar e efetivar
projeto próprio pedagógico. Vive de cópia e só ensina a copiar (p.30).

No entanto, os desafios que os/as profissionais da educação enfrentam não ficam


apenas no âmbito da (de)formação, (des)crença e da carência, mas a outros voltados para
o dia a dia da profissão. São salas cada vez mais lotadas, é falta de condições humanas de
trabalho, pouca ou quase nenhuma valorização, dentre outros vários aspectos.
Pachane e Pereira (2004) discorrem a este respeito afirmando que:

Além disso, os professores passam a ter necessidade de aprender a lidar com


turmas cada vez mais numerosas, pois a baixa correlação do número de alunos
por professor, antes tomada como índice de qualidade de um curso, hoje passa
a identificar a “ineficiência do sistema” (p. 7).

Há ainda uma visão mercantilista na educação, em especial no nível superior, e


pouca preocupação dada ao ensino ou a aprendizagem. É preciso destacar, também, as
deficiências que os novos/as ingressos/as possuem, muitos apresentam dificuldades

224
básicas na escrita e nas conexões efetivas realizadas nos processos de (re)leituras e
reflexões a respeito de diversos assuntos, bem como na (re)construção dos
conhecimentos, além disso tudo, o universo tecnológico que reluta, por diversos fatores,
a fazer parte do solo acadêmico, ainda tímido com relação ao mundo lá fora.
Os/As professores/as têm sido mão de obra procurada e rechaçada por séculos a
fio, neles/as recaem a árdua e importante tarefa de trazer luz a uma sociedade muito
escurecida pelos medos e ranços dos passados, endurecida pelos desvelos e estigmas
nascidos de nossas escolhas e ações em diversos tempos de nossas construções históricas.
Parece que tem sido esquecido durante este trajeto na história, o lado humano, o
lado gente de cada um desses indivíduos que entram nessa árdua estrada que passa pelo
ofício e pela guilhotina. Muito tem sido cobrado e, como se pode vislumbrar no transcurso
da própria história, pouco ainda tem sido proporcionado a estes e a estas profissionais que
elevam o país e ajudam a soerguer esta sociedade já tão dilacerada, em comparação ao
fardo e aos afazeres cada vez mais ampliados e delegados
Bauman (2007) diz que:

Em primeiro lugar, a passagem da fase "sólida" da modernidade para a


"líquida" - ou seja, para uma condição em que as organizações sociais
(estruturas que limitam as escolhas individuais, instituições que asseguram a
repetição de rotinas, padrões de comportamento aceitável) não podem mais
manter sua forma por muito tempo (nem se espera que o façam), pois se
decompõem e se dissolvem mais rápido que o tempo que leva para moldá-las
e, uma vez reorganizadas, para que se estabeleçam (p.7).

Nesses tempos líquidos em que a informação, a velocidade, a globalização


negativa e tantos outros fatores impõem ferrenhamente as regras, tomam as rédeas da
sociedade e criam padrões que estigmatizam a todos nós em qualquer rincão do mundo,
vemo-nos acuados e escravos de padrões que se diluem a todo instante, pois, a solidez
não consegue enraizar-se devido à agressiva velocidade em que tudo parece ocorrer.
Bauman (2007) em seu trabalho “Tempos líquidos” pondera a este respeito:

Em primeiro lugar, num planeta atravessado por "auto-estradas da informação", nada


que acontece em alguma parte dele pode de fato, ou ao menos potencialmente,
permanecer do "lado de fora" intelectual. Não há terra nulla, não há espaço em branco
no mapa mental, não há terra nem povo desconhecidos, muito menos incognoscíveis
(p.11).

Nessa era da informatividade e das informações rápidas, urge por um/a


profissional que saiba lidar com tantas realidades, estigmas e pessoalidades num espaço
cada vez mais plural e multifacetado. Destarte, o/a professor/a precisa ser polivalente e

225
versado não só nas áreas de conhecimentos que ousa lecionar, mas carregar em si grande
senso de respeito e responsabilidade, com perfis cada vez mais humanos, holísticos,
plásticos, um ser forjado nas forjas da compreensão que entenda os diversos mundos e
processos e seja capaz de conviver com os interesses conflitantes, que entenda o processo
de ensino-aprendizagem como caminho e não como fim em si, aquele que entenda o outro
como ser plural, humano, rico de saberes, experiências, capazes de (re)construir espaços,
tempos e ressignificar saberes.

4 TECENDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES (NÃO) FINAIS

“E o mundo vai girando cada vez mais veloz/ A gente espera do mundo e o mundo
espera de nós” já disse Lenine em sua música “Paciência” e assim tem sido o que temos
feito durante tanto tempo, ter tido paciência, ter lutado e esperado que resultados melhores
surjam.
Não obstante, sabe-se que é do caos que nascem as tormentas e as transformações,
é desse farfalhar de “talvezes” e solos movediços que de sobressalto irrompem mudanças,
rasgando os céus da ignorância e das farsas criadas historicamente.
Nestes tempos de cólera e liquidez, é imperativamente necessário aprender a lidar
com interesses conflitantes e a caminhar em solos cada vez mais tortuosos e movediços.
No tocante ao/a profissional do ensino superior, sobre o qual este artigo discorreu
analisando a trajetória de formação, o perfil e os desafios, faz-se necessário recordar do
binômio “interesses” e “necessidades”, visto que, esses dois universos interagem e
extirpam de nós aljôfares cada vez mais tenros de nossa paciência e crenças.
Por um lado, entendemos o mundo de forma voraz e mercantilista, em que
interesses ferozes e mercadológicos lutam por espaço e sobrepõem-se cravando suas
garras afiadas em nossa pele calejada e estremecida por tantas vicissitudes, intempéries e
estigmas. Por outro, há sede de mudança, brados que rasgam nossas gargantas e
refrigeram nossas almas cansadas com um novo sopro, um novo frescor ideológico. O
que não se pode ser feito é estagnar e fazer da inércia cognoscitiva moto de vida.
É gritante o que se vem enfrentando e percebendo no cotidiano das escolas e das
próprias faculdades e universidades, os cursos de formação que deveriam dar suporte
teórico, prático e reflexivo aos ingressos, está cada vez mais deficiente e capengando de
tal forma a deformar os sujeitos que lá adentram.
As formações são cada vez mais aligeiradas e infrutíferas, há grande escassez
dentro dessa formação de veias pulsatórias teóricas/filosóficas, ontológicas... que façam

226
dos/as estudantes, futuros/as profissionais, pensadores/as, ressignificadores/as e
criadores/as de conhecimentos, seres que consigam construir pontes capazes de, na práxis
diária, associar teoria e prática, incentivando nos demais seres em contato, possibilidades
de trocas e deslocamentos cognoscitivos preciosos.
O/a profissional da educação do novo século tende a ter posturas proativas, ser
capaz de analisar e levar em conta interesses conflitantes, fazendo das “sopas caóticas”
molas propulsoras para continuar desempenhando seus tantos papéis de maneira cada vez
mais precisas e humanas, ponderando interesses, realidades, culturas, necessidades,
identidades e tantos outros mecanismos individuais e sociais que nos tornam únicos,
capazes de (re)construir conhecimentos, de partilhar e refletir diante da tamanha
complexidade de tudo o que está ao nosso redor.
O/a novo/a profissional precisa entender que não é dono do saber, muito menos
detentor/a dos meios que fazem o outro aprender, é preciso levar em consideração que o
outro ou a outra são seres individualizados/as, plurais e cheios de conhecimentos e
informações, sendo assim, o/a profissional que atuará nas instâncias superiores precisa
saber extrair de si próprio os melhores resultados, fazer com que o outro, partindo de
pontos iniciais, consiga alçar voos inéditos e rasantes em busca de um ponto de chegada
pessoal e intransponível. Para sujeitos cada vez mais plurais, faz-se extremamente
necessário e urgente a existência de profissionais com perfis, também, plurais.

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Acesso: 22/12/2018.

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228
Capítulo 16
CARACTERIZAÇÃO DE COMPONENTES CURRICULARES
PARA FORMAÇÃO DOCENTE NA PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO
SENSU EM EDUCAÇÃO FÍSICA

Gustavo Marques Porto Cardoso


Wilton Nascimento Figueredo
Marcelle Esteves Reis Ferreira
Gilberto Tadeu Reis da Silva

1 INTRODUÇÃO

A origem das universidades no Brasil se deu de forma tardia em comparação aos


demais países da América Latina (COELHO; VASCONCELOS, 2009). O modelo de
instituição que conhecemos hoje só teve sua origem em terras brasileiras em 1934, com
a Universidade de São Paulo – USP (ALMEIDA FILHO, 2007). Coincidentemente, o
curso de Educação Física se inicia no mesmo ano na Escola de Educação Física do Estado
de São Paulo, tendo como característica principal a formação de professores para
ministrar e gerir aulas nos colégios e clubes desportivos daquela época (DE SOUZA
NETO, 2004).
Os cursos de pós-graduação stricto sensu no país têm sua gênese no início da
década de 1960, a partir dos acordos firmados entre o Brasil e os Estados Unidos, com o
intuito de trazer uma versão ajustada do modelo norte-americano, tendo como principal
função formar pesquisadores e docentes para a graduação (BRASIL, 1965). Porém, foi a
partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), instituída em
1996, ainda em vigência, que se teve a idealização que cursos desta natureza deveriam
contemplar em seus currículos a formação docente como parte importante do processo
para a docência.
Conforme o artigo 66 da LDB “a preparação para o exercício do magistério
superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado
e doutorado” (BRASIL, 1996, p.72). Contudo, esta lei não traz como seria realizada esta
formação, como observado no artigo anterior, que preconiza o mínimo de trezentas horas
de práticas de ensino para se tornar docente da educação básica, deixando a cargo de cada

229
programa de pós-graduação (PPG) stricto sensu a regulamentação desta formação
(BRASIL, 1996).
Segundo Soares e Cunha (2010) os programas de mestrado e doutorado, apesar de
ter a incumbência de formar professores para o ensino superior, concentram-se em uma
formação para a pesquisa, assumindo a ideia de que os saberes advindos da investigação
seriam suficientes ou se transformam automaticamente em saberes para a docência,
levando a considerar que seria consequência proveniente da formação enquanto
pesquisador, possivelmente havendo uma dificuldade no entendimento da
indissociabilidade do ensino e pesquisa.
Ademais, apesar da história recente da Educação Física, essa realidade não se
caracteriza de forma diferente. Para Pelegrini (2008) a Educação Física no Brasil se
consolida enquanto área de conhecimento a partir do Decreto-Lei 705, de 25 de julho de
1969, quando ocorre uma intensificação do uso ideológico deste componente curricular
dentro das Instituições de Ensino Superior (IES), entendendo-se a obrigatoriedade da
mesma em todos os setores e níveis de ensino.
Por fim, nos aponta Gaya (2017, p.72) os cursos de pós-graduação em Educação
Física “se incharam de tantas fisiologias, bioquímicas, biomecânicas, psicologias,
antropologias, estatísticas e, por outro lado, esvaziaram-se de seu conteúdo pedagógico
[..]” (grifo nosso).
Nesse sentido, esse estudo buscou responder ao questionamento: como estão
caracterizados os PPGs de Educação Física em relação aos componentes curriculares para
o exercício da docência?
Assim, o estudo tem como objetivo caracterizar os PPGs stricto sensu em
Educação Física quanto aos componentes curriculares relacionados à formação docente.

2 PERCURSO METODOLÓGICO

2.1 TIPO DE ESTUDO


Trata-se de uma pesquisa documental, do tipo descritiva.

2.2 LOCAL DO ESTUDO

O local do estudo acontece nos PPGs stricto sensu brasileiros, na área de avaliação
da Educação Física, em IES públicas e privadas.

230
2.3 COLETA DOS DADOS
Os dados foram coletados na plataforma Sucupira no período de 10 a 14 de março
de 2019. A plataforma Sucupira é uma ferramenta de gestão da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) disponível para acesso gratuito
e online.
Os dados foram consolidados em uma planilha do Microsoft Excel para favorecer
posteriormente a análise. Foram criadas colunas categóricas como PPG, IES, modalidade,
parcerias, categoria administrativa, área de avaliação, área básica, componente curricular
obrigatório e/ou optativo.

2.4 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO


Foram incluídos os cursos de mestrado e doutorado dos PPGs sob a modalidade
acadêmica, excluindo, assim, os profissionais. Essa exclusão se deve ao fato que, essa
última modalidade, possui regimento e objetivos diferenciados, sobretudo voltados à
prática profissional de intervenção institucional.
Os cursos de mestrado e doutorado interunidades foram contabilizados apenas
uma vez, levando em consideração a instituição coordenadora.
Foram excluídos os cursos desativados ou em processo de desativação.
Por fim, os componentes curriculares foram incluídos e analisados, conforme os
elementos descritos por Libâneo (2013) acerca da relação aluno-professor, as estratégias
metodológicas e o contexto da aprendizagem.

2.5 ANÁLISE DOS DADOS


Os dados foram analisados quantitativamente por meio de frequência simples e
absoluta e dispostos em gráficos para melhor visualização dos achados.
Após a seleção dos PPGs, respeitando-se os critérios de elegibilidade, foram
identificadas e classificadas as áreas de concentração, linhas de pesquisa e as disciplinas
que oportunizavam a formação docente.

2.6 ASPECTOS ÉTICOS


Por fim, por se tratar de dados de domínio público, disponíveis para acesso
gratuito online, não foi necessária a apreciação deste estudo ao Comitê de Ética em
Pesquisa.

231
3 RESULTADOS

Foram encontrados 87 programas em funcionamento na área de concentração da


Educação Física, destes 72 são na modalidade acadêmico e os demais profissionais.
Conforme critérios definidos na metodologia, analisaremos 37 cursos stricto
sensu da modalidade acadêmica. Destes, 6 (seis) destes são oferecidos em rede,
contabilizando, como dito anteriormente, apenas as IES coordenadoras, tendo então um
quantitativo de 34, os quais possuíam área de avaliação e área básica em Educação Física
no Brasil. Destes, foram encontrados 1 (um) Mestrado Interinstitucional (Minter) e 1 (um)
Doutorado Interinstitucional (Dinter), que foram incluídos na pesquisa, conforme gráfico
1, este descreve o nível do programa de Educação Física em que a pós-graduação stricto
sensu está inserida.

Gráfico1. Distribuição das modalidades de cursos nos programas de pós-graduação em


Educação Física nas universidades brasileiras, 2019.

30
22
20
12
10
0
0

Apenas Mestrado Apenas Doutorado Mestrado e Doutorado

Fonte: Plataforma Sucupira, 2019

A representatividade de região brasileira ao qual os cursos stricto sensu estão


alocados são descritos no gráfico 2. Observa-se que grande parte dos cursos se
concentram nas regiões sul e sudeste do país, com atenção para a última que tem maior
quantitativo de cursos, enquanto que a região norte não apresenta nenhuma pós-
graduação stricto sensu, demonstrando uma disparidade em relação à oferta de cursos na
área da Educação Física nas regiões brasileiras.

232
Gráfico 2. Distribuição percentual dos cursos por região brasileira, 2019.

16 44,11%

14
12
24,41%
10
8
17,65%
6
4
8,82%
2
0%,
0
Sudeste Sul Nordeste Centro-Oeste Norte

Fonte: Plataforma Sucupira

O gráfico 3 demonstra a quantidade total de componentes curriculares ofertados


nos cursos, quantos destes estão ativos e quantos estão voltados para a formação docente.

Gráfico 3. Número total de componentes curriculares, números de componentes ativos e


número de componentes relativos à formação docente, 2019.

70

1222

1630

0 500 1000 1500 2000


Componentes Formação Docente
Componentes Ativos
Total de componentes

Fonte: Plataforma Sucupira

233
Gráfico 4. Número de componentes curriculares e sua obrigatoriedade nas instituições
pesquisadas, 2019.

70
60 56

50
40
30
20 14
10
2
0
Não Possuem Obrigatória Optativa

Fonte: Plataforma Sucupira

O gráfico 4 evidencia a quantidade de componentes curriculares dos programas


que possibilitam aos discentes a formação docente em cursos de mestrado e doutorado
acadêmico, sendo que, na maioria das instituições, estes componentes são optativos e em
algumas delas não estão presentes. Dentre 70 componentes curriculares voltados para a
prática docente, apenas 14 destes são obrigatórios, sendo 56 optativos e, em 2 (duas) IES,
não existiam disciplinas desta natureza.

4 DISCUSSÃO

Os cursos stricto sensu surgem da necessidade de formação continuada para


atender a carência de docentes do mercado de trabalho no ensino superior, pois uma
formação no ensino médio não mais assegurava a empregabilidade desses indivíduos no
país, gerando, assim, a expansão das Instituições de Ensino Superior (IES) e,
consequentemente, a necessidade da criação de cursos que possuíssem também status de
formação permanente para docentes (PORTO, 2003).
Apesar destes cursos terem como um dos seus objetivos a formação de docentes
capacitados para atuarem nos cursos de graduação, o que se tem visto nas instituições que
oferecem este tipo de ensino é que há uma fuga desta perspectiva, quase que
exclusivamente, para a formação de pesquisadores. Isso ocorre devido, principalmente, à

234
grande cobrança das agências de fomento brasileiras para uma alta produtividade
científica, não apenas baseada na qualidade dos textos, objetivando, portanto, o
quantitativo de produções em detrimento da formação e capacitação de novos docentes
para o ensino superior (BARRETO, 2007). Corroborando, Castiel et al. (2007) afirmam
que isso demostra que a produção científica se tornou objeto de comercialização no meio
científico, fazendo com que a formação de novos docentes ficasse em segundo plano.
Na grande área de avaliação de Educação Física este cenário não se apresenta de
forma diferenciada. Segue a teoria dos campos de Bordieu, com objetivo de demandas e
interesses próprios que ocorrem em todas as outras áreas da ciência, que se caracteriza
como objetivo de disputa e de status científico (BORDIEU, 2003).
Pode-se notar nos dados desta pesquisa que, em todos os cursos de pós-graduação
stricto sensu em Educação Física, são oferecidos como parte obrigatória de formação as
disciplinas relacionadas ao aprendizado das técnicas e normas para a produção científica,
sendo, em todos eles, de cunho obrigatório. A grande oferta de disciplinas meramente
tecnicistas relacionadas às áreas de biomecânica, esportes, dentre outras, também pôde
ser observada, distanciando da preparação para a formação docente e se aproximando
mais de Mestrado na modalidade Profissional e de cursos de pós-graduação lato sensu,
os quais não possuem a formação acadêmica como foco.
Não obstante, em apenas 10 deles as disciplinas de formação docente se
apresentam como obrigatórias, tendo sido encontrados 14 componentes curriculares,
demonstrando, assim, a necessidade de maior quantitativo de disciplinas que elejam a
formação docente como motor principal de conhecimento para construção de
competências e habilidades, ressaltando que a pesquisa envolveu apenas mestrado
acadêmico.
As outras instituições que possuem disciplinas com este cunho formativo são de
caráter optativo, podendo inferir que a formação de professores (prática docente) por estes
espaços é pouco valorizada.
Outra observação que se faz significativa é que, na Educação Física, a
concentração dos mestrados de nível acadêmico possui como característica predominante
a produção científica, ratificando o que fora mencionado anteriormente. Estes cursos
estão localizados, principalmente, na região sudeste do país, provavelmente pela condição
de oferta-procura ou por alocação de maiores incentivos fiscais do governo para esta
região.

235
Os programas aqui relacionados estão inseridos na sua quase totalidade na área de
avaliação da Educação Física, mas a pesquisa apresentou nos seus resultados um curso
de Terapia Ocupacional. Importante destacar que, apesar do referido se encontrar,
segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), na área
básica de Educação Física e ser avaliado na mesma área, não possui qualquer relação com
o campo de conhecimento deste campo do saber. Acredita-se que isso ocorra pelo fato da
grande área da Educação Física, segundo a Capes, estar composta também pelos campos
de conhecimento da Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional (CAPES, 2017).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se perceber que, com as discussões relatadas nesta pesquisa, os cursos stricto
sensu da área de Educação Física no Brasil estão voltados para a qualificação de
profissionais para a pesquisa e/ou para o mercado de trabalho e pouco enfoque à formação
e profissão docente. Isso ocorre observando que a prática docente nos referidos cursos
não é tida como prioritária e, quando acontece, não são de formato obrigatório e/ou
assistido.
Os resultados desta pesquisa demonstram que componentes curriculares relacionados
à prática docente estão presentes em poucas instituições como obrigatórias e a grande maioria
delas ofertam disciplinas optativas voltadas à prática docente, o que não garante a realização
dos créditos pelos estudantes.
Sendo assim, a não realização de componentes voltados ao elemento pedagógico
podem comprometer umas das funções da pós-graduação stricto sensu, que é a formação
de docentes comprometidos e aptos ao exercício da docência nos cursos de graduação e
pós-graduação, isto ainda influenciará de tal maneira na educação dos sujeitos que estão
sendo formados por estes docentes e consequentemente na qualidade da educação
superior brasileira.

REFERÊNCIAS

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DF: Ed. Da UnB; Salvador: EDUFBA, 2007.

BARRETO, M. O; MARTÍNEZ, A. M. Possibilidades criativas de professores em


cursos de pós-graduação stricto sensu. Estudos de psicologia, v. 24, n. 4, p. 463-473,

236
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