Você está na página 1de 23

BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA DAN ISAAC SLOBIN

Série 5.a — Letras e Lingüística Departamento de Psicologia da Universidade da Califórnia


Berkeley
Volume 16

Direção:
ISAAC NICOLAU SALUM
(da Universidade de São Paulo)
PSICOLINGOSTICA
Tradução
ROSSINE SALLES FERNANDES
Revisão de originais:
Virginia Aoki

Capa: Revisão técnica de tradução


Haniel GERALDINA PORTO WITTER

Composição e paginação:
Só-Texto Ltda.

COMPANHIA EDITORA NACIONAL


EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Powklo -
I
2
O ESTUDO
PSICOLINGÜÍSTICO
DA GRAMÁTICA

A idéia mais excitante na Psicologia contemporânea é


que, finalmente, se pode começar a construir um menta-
lismo experimental: uma Psicologia que faz justiça à ri-
queza e complexidade dos processos mentais que produ-
zem o comportamento mas é, não obstante, empirica-
mente disciplinada como deve ser uma ciência.
Jerry A. Fodor, Thomas G. Bever
e Merrill F. Garrett
(1974, p. XI)
Os experimentos psicolingüísticos têm duas metas: ( 1 ) encontrar cabeça. Pelo contrário, meu interesse é delinear o pouco que sa-
RO comportamento da [íngua urna prova das espécies de ESTRUTURAS bemos a respeito do uso da língua na base da pesquisa experi-
propostas na teoria lingüística e psicolingüística, e (2) revelar os mental, mostrando uma parte da grande quantidade de técnicas
PROCESSOS envolvidos no uso da língua. Estimulada pelo trabalho de pesquisa psicolingüística..
de Chon-isky, a pesquisa na década de 60 procurou tomar a gra-
mática transforrnacional como modelo de estrutura e de proces-
so.( 1 ) Em retrospecto, grande parte desse programa foi mal orien- COMO OS PSICOLINGeISTAS
tado; o esforço, entretanto, produziu um bom número de aperfei- ESTUDAM A GRAMÁTICA
çoadas técnicas de pesquisa psicolingilistica e as origens de uma
teoria do uso da língua baseada tanto na Psicologia como na Por que os psicólogos fazem experimentos? Uma razão é para se
Lingüística, convencerem, segundo certos padrões de evidência, de que algum
Uma preocupação básica da antiga pesquisa era encontrar me- fenômeno mental ou comportamental é "realmente real". Ao leigo
didas de. desempenho de complexidade lingüística, avaliadas em tal pesquisa parece muita vez demonstrar o óbvio, mas o problema
termos de regras transformacionais. Alguns experimentos mostra- é que não podemos estar sempre certos de que o óbvio é verda-
ram que frases mais complexas lingüisticamente exigem mais tem- deiro. A pesquisa psicológica é, muitas vezes, mais interessante, e
po para serem entendidas; elas tendem a simplificar-se na memó- mais controversa, quando demonstra alguma coisa que contraria
ria; e assim por diante. Evidenciou-se logo, entretanto, que a com- ❑ senso comum.
plexidade lingüística é apenas urna das diversas variáveis que atuam
A relação entre o psicolingüista e o lingüista é um tanto se-
na facilidade de realização da frase. As frases são também produ-
melhante à relação entre o psicólogo e o leigo. Os psicolingiiistas
zidas e respondidas na base de fatores como a significação, a plau-
freqüentemente tomam o que para o lingüista é óbvio e tentam
sibilidade, a adequação ao contexto, etc. A contagem de regra tem
demonstrá-lo num ambiente controlado. Por exemplo, eles não se
aberto caminho à pesquisa de uma boa quantidade de fatores que
contentam em saber, com boa evidência lingüística, que as frases
podem influenciar o comportamento da língua.
passivas são mais complexas que as ativas, ou que certas frases
Atrás da pesquisa acerca de padrões de complexidade de de- tenham originado pressuposições ou implicações subjacentes. Eles
sempenho estava a convicção de que a própria gramática trans- querem ver traços de entidades lingüísticas para seu próprio uso,
forrnacion2.1 podia ser um modelo de como usamos a lingua, não como numa câmara escura, em que podemos medir o tempo de
obstante Chornsky insistir em dizer que não estava procurando reação, as curvas de aprendizagem, os erros de memória, as res-
construir tal modelo. Em geral, os experimentos voltados a refle- postas do sistema nervoso autônomo, e coisas semelhantes. Essa
xões psicológicas de estruturas lingüísticas têm descoberto evidên- posição poderia chamar-se "ideológica", ou talvez "temperamen-
cia cornportamental de muitas categorias e níveis de análise lin- tal". Os psicólogos geralmente não querem acreditar em "coisas
güística, conforme sugestão de várias teorias lingüísticas. Os lin- óbvias" antes de fazê-las acontecer em seus próprios laboratórios
güistas, contudo, não explicam como funcionam as estruturas na e sujeitá-las aos padrões de evidência que adotam. Talvez isso re-
produção, percepção, compreensão e recordação da fala. A meta flita as necessidades que eles têm de manipulação e controle;
principal da investigação psicolingüística tem sido integrar as des- ou talvez os psicólogos precisem de "aprender fazendo"; ou so-
crições estruturais nas explicações do processo da linguagem. Neste mente aceitem fatos apresentados num certo arcabouço de termi-
pequeno Livro introdutório, não quero aborrecer o leitor com os nologia e metodologia; ou talvez (como muitos deles gostariam
pormenores de como os psicolingüistas têm tentado, sem êxito, de acreditar) os psicólogos possuam critérios de verdade "mais
demonstrar, no laboratório experimental, que uma ou outra teoria altos" ou "mais válidos". Muitas vezes a ideologia cientifica da
lingüística é A gramática "psicologicamente real" que temos na Psicologia tem cegado seus representantes no tocante a importantes
assuntos e valiosas fontes de evidência. Talvez grande parte da
pesquisa em Psicolingliistica sirva apenas para "acalmar a cons-
(11 Para revisãe desta fase da Pslcolingülstica, ver Cairris e Cairos (1976}, podar, Bever
e Gauen {1974), e Skobin (1914). ciência científica", como disse Chornsky (1964, p. 81). Na ver-

4 49
Jade, o laboratório é um lugar limitado e artificial para se. estudar pupila, a resposta galvânica da pele, a percepção simultânea de
um comportamento tão rico e tão social corno a linguagem, e está estímulos lingüísticos e não-lingüísticos etc. Além do estudo de
crescendo o interesse pelo estudo sistemático da cognição em am- processos verbais contínuos, pode-se estudar a memória relativa
bientes naturais. Deixo ao leitor a tarefa de interpretar e avaliar à entrada escrita ou falada, marcando ou o RscoNBEcuvEENTo ou
nossas necessidades e motivos, bem corno o valor dos nossos re- a RECORDAÇÃO de materiais específicos. Um dos estimulantes resul-
sultados experimentais. Seja como for, podemos achar alguns ex- tados da vasta e recente literatura de pesquisa psicolingüística é
perimentos atraentes, em si — e talvez seja porque gastamos nosso a convergência de descobertas básicas, que empregam muitos mé-
tempo realizando-os. todos diferentes. A disponibilidade de urna porção de medidas de
Além de verificar modelos em laboratório (quer eles sejam estruturas e processos psicolingüísticos torna os modelos teóricos
derivados do senso comum, de teoria gramatical ou de especulação mais suscetíveis a uma confirmação ou rejeição experimental, e
psicológica), a experimentação psicológica visa também esclarecer alguns lingüistas estão começando a recorrer ao testemunho psico-
o que não é evidente por não se manifestar sem as técnicas de labo- lingüístico na criação e justificação de suas teorias. No próximo
ratório. No tocante à língua e ao pensamento, podemos olhar capitulo, discutirei os meios pelos quais as descobertas psicolingüís-
introspectivamente, e construir modelos lingüísticos e psicolingüfs- ticas explicam aspectos universais da estrutura lingüística. Antes,
ticos baseados na evidência introspectiva, mas não podemos ver porém, quero recapitular sucintamente diversas áreas importantes
introspectivamente os processos da percepção da fala, com a velo- da pesquisa psicolingüística, colhendo exemplos da literatura ex-
cidade do raio, ou as perdas e alterações sutis da memória, durante perimental dos dez últimos anos, aproximadamente.
algum tempo, ou os processos envolvidos a cada momento na fala. A maior parte dessa literatura trata da recepção e armazena-
Também não é claro à mente, nem ao autor da teoria, como um mento da fala. Três problemas sobressaem: (1) PERCEPÇÃO: Que
grande número de variáveis interagirão, no decorrer do tempo, nos acontece com as frases, enquanto as estamos ouvindo? (2) com-
indivíduos de diferentes tipos, em ambientes diversos. Desejando PREENSÃO: Como determinamos o sentido de uma frase? (3) ME-
uma DESCRIÇÃO mais precisa do comportamento da língua, é mister MÓRIA: Como armazenamos a informação recebida através da fa-
estudá-lo em situações cuidadosamente controladas. Grande parte la? Os pesquisadores têm dado mais atenção ao ouvinte que ao
da pesquisa psicolingüística não visa confirmar ou negar teorias, falante, por uma razão simples: é mais fácil controlar a entrada
mas fornecer descrições mais minuciosas de comportamento, descri- lingüística e medir a percepção, a compreensão e a memória, do
ções que devem figurar então em qualquer obra teórica, tanto lin- P
que aliciar sistematicamente a fala do indivíduo. No caso da pro-
güística quanto psicológica. Contudo, não é fácil traçar uma linha dução da fala, o estímulo inicial é a INTENÇÃO do falante de dizer
divisória entre descrição e explanação. alguma coisa, e as intenções só indiretamente podem ser manipu-
Como pode alguém conhecer, sistematicamente, os processos ladas. Na recepção, por outro lado, o estimulo inicial pode ser
subjacentes ao uso da língua? Pode-se registrar a fala em diferentes facilmente submetido a controle experimental. Todavia, à medida
ambientes, estudando-se a estrutura da comunicação natural. Po- que estudamos a produção, percebemos estruturas psicolingüísticas
demos conseguir muitos insights de dados naturalísticos; de. fato, similares, tanto na produção como na recepção da fala. (Ver Clark
para algumas questões de linguagem e Sociolingüística infantil, e Clark, 1977, p. 223-294; Fodor, Rever e Garrett, 1974, p.
esses dados constituem a fonte principal de informação. Para um 373-434; Garrett, 1975; Osgood, 1971; Osgood e Rock, 1977.
estudo mais sistemático, pode-se controlar o ambiente em que Rosenberg editou um livro sobre pesquisa e teoria da produção da
ocorre a fala ou a compreensão. O ambiente mais controlado é o frase, em 1977.)
laboratório de psicologia, onde podemos conseguir a fala e outras Qual é a tarefa do ouvinte? Ele deve transformar, rapidamen-
respostas a estímulos verbais e não-verbais específicos_ Há um te, uma seqüência de sons em uma mensagem interpretável. Quase
ponto negativo no controle de laboratório — é o artificialismo todo testemunho da experiência diz que o ouvinte realiza urna
do ambiente de comunicação; mas somente sob condições de labo- análise continua de entrada da fala, brotando da memória o teor
ratório é que podemos medir o tempo de resposta à fala e orientar exato, quase tão logo quanto se alcança o significado. O que resta
os contínuos processos não-lingüísticos, tais como a dilatação da na memória do ouvinte é algo corno uma série de proposições fun-

5.0 51
sons como mensagens portadoras de significado. Em qualquer ní-
damentais juntamente com alguma idéia do efeito que o falante
vel de realização, desde o acústico até o semântico, o ouvinte está
pretendia produzir pela transmissão dessas proposições. A cada empenhado na formação de unidades significativas, partindo de
passo, o ouvinte está ativamente CONSTRUINDO uma representação sons sem sentido. O importante de toda essa discussão é que a
interior da entrada, do nível fonológico ao nível dos elementos COMPREENSÃO DA FALA É UM PROCESSO ATIVO, ORIENTADO PELO
significativos, ao nível da combinação dos elementos significativos CONHECIMENTO.
dando como resultado a interpretação da mensagem. Aos psicolin-
güistas interessa cada passo do processo, e eles já propuseram
vários modelos para avaliar as realizações do ouvinte. Reflitamos Percepção fonológica
sobre o que acontece enquanto alguém está ouvindo uma fala e Comecemos ao nível da palavra. Vamos supor que temos uma
o que fica na memória depois de ter ele analisado e entendido fita com discurso gravado, e que desejamos seccioná-lo em pala-
mensagens lingüísticas. Primeiro trataremos da rápida análise da vras. (Para isso, precisamos conhecer a língua, é claro.) Como
fala em unidades lingüísticas no decurso da percepção. Indagare- soarão esses segmentos de fita? Pollock e Pickett (1964) levaram
mos então como o ouvinte, tendo segmentado a entrada, chega a efeito esse experimento. Eles tocaram palavras comuns, tiradas
a entender o seu conteúdo. E depois indagaremos o que resta da de uma conversa gravada em fita, e pediram aos ouvintes que as
mensagem lingüística numa estocagem mais prolongada, depois des- identificassem. Para surpresa geral, estes só conseguiram identifi-
se curto prazo, quando o processo contínuo seguiu o seu curso. car corretamente cerca de metade das vezes. No entanto, todas as
Examinaremos, assim, as duas maiores fases da atividade psico- palavras lhes eram perfeitamente inteligíveis quando escutavam
lingüística: o AVANÇO DO PROCESSO DA FALA (segmentação e Com- trechos mais longos da gravação. Tal descoberta reforça a obra
preensão) e a RECORDAÇÃO DAS MENSAGENS LINGÜÍSTICAS. Final- pioneira de George Miller sobre percepção. Em 1951, Miller, Hei-
mente, tendo reexaminado o trabalho experimental sobre o pro- se e Lichten pediram a algumas pessoas que identificassem uma
cesso e a memória, analisaremos, do ponto de vista psicológico, fala disfarçada por um ruído branco (uma espécie de som sibilan-
os problemas da natureza da gramática. te). Em alguns casos, essas pessoas ouviam palavras isoladas, en-
quanto em outros casos ouviam frases. Era muito mais fácil iden-
tificar palavras dentro de frases do que palavras separadas. Evi
SEGMENTAÇÃO DA ENTRADA DA FALA denteme quando escutamo,s,fazemos_mais qae processar sinais
acústicos. Procuramos encontrar sen,tido ~no que ouvimos, e essa
— —
Recepção tentaUiva modifica realmente a percepção acústica.
Quando ouvimos uma fala em nossa própria língua, parece evi- Warren e Warren ( 1970) provaram que os ouvintes até ima-
dente que há cadeias de sons separados que se reúnem em pala- ginam sons que não ouviram, se tais sons são prováveis no con-
vras, e seqüências de palavras que se reúnem em sintagmas e frases. texto. Eles fizeram pessoas ouvir frases em que o som duma pala-
Contudo, quando ouvimos uma fala num idioma que não conhe- vra foi tirado e substituído por uma tosse, como se mostra por
cemos, ela nos parece uma cadeia ininterrupta de sons. Os mapea- meio de um asterisco na frase abaixo:
mentos entre sons e significados são complexos e indiretos. Não
Lr moras found that the *eel was on the axie, "Descobriu-se que
há nada no sinal acústico per se que revele a existência de sons
a enguia estava no eixo".
da fala separados e palavras separadas, como também nada existe
numa série de palavras per se que revele o sentido da frase. Co- -
As pessoas ouviram o segmento *eel como se fosse wheel. roda",
nhecimento armazenado é necessário à segmentação de enuncia-
e não podiam dizer exatamente onde a tosse ocorrera. E se a mes-
dos e à interpretação do discurso. Não é possível haver compreen-
ma frase terminasse com a palavra °range, "laranja", em vez de
são, sem que falante e ouvinte conheçam o mesmo idioma. Em
axie, *eel seria ouvido como peei, "casca". Note que não é senão
primeiro lugar, veremos alguns dos meios pelos quais o ouvinte
no fim da frase que o som mascarado pela tosse pode ser imagi-
utiliza o conhecimento lingüístico para identificar sons da fala;
nado; todavia, mesmo assim, os ouvintes supõem tê-lo ouvido com
depois estudaremos os meios por que se percebem seqüências de
53
52
precisão. A percepção da fala não se realiza pedaço por pedaço, nica baseia-se na hipótese gestaltista de que uma unidade percepti-
mas é um processo "integrativo", como Lashley assevera. va tende a "preservar sua integridade resistindo a interrupções"
Mas os sons individuais da faia devem ter, sem dúvida, uma (Fedor e Dever, 1965, p. 415). Na experiência de Fedor e Bever,
clara base acústica. Contudo, essa nossa alegação, aparentemente os sujeitos ouviam uma frase, durante a qual ocorria um dique;
óbvia, não tem apoio na comprovação experimental. Suponha-se e, imediatamente depois, pedia-se a eles que escrevessem a frase
que alguém corte com uma tesoura una segmento de fita gravada, e indicassem onde tinham ouvido o clique. Se um sintagma é uma
contendo o som pee, "pi", e, depois, corte a consoante. Agora unidade perceptiva, os sujeitos deviam tender a ouvir um dique,
una este p a um segmento de fita com a vogal a, como em papa. que ocorreu no meio de um sintagma, como tendo ocorrido entre
Devia ouvir pa, mas soa nitidamente como kal Isso mostra que o sintagrrias.
modo pelo qual pronunciamos p é influenciado pela vogal seguinte. Uma das frases era esta: That he was happy was evident
O ruído que ouvimos como p, precedendo uma vogal aba como frorn the way he srniled, "Oue ele estava feliz era evidente pelo
ee, nós o ouvimos como k se ele precede uma vogal baixa como a. modo como sorria". Essa frase tem uma cesura maior entre happy
Os sons não existem isolados, porque a língua, os lábios e os e was. Colocou-se nessa frase um dique em várias posições, como
dentes estão se movendo constantemente de um som para outro; se vê pelos asteriscos abaixo:
sendo assim, cada som é influenciado peia silaba inteira em que (1) Thas he was happy was evident from the way he smiled.
ocorre, exatamente como o significado de cada palavra sofre in- *********
fluência de toda a frase em que ela aparece. Não se pode interpre-
tar a fala de um nível sem o conhecimento simultâneo de outros Cada sujeito ouviu a frase com apenas um dique.
níveis. Fedor e Dever perceberam que os sujeitos eram mais precisos
em localizar o dique que ocorria entre os dois sintagmas princi-
Não tentarei sumariar os fenômenos psicológicos espantosa- pais da frase, isto é, entre happy e was no exemplo acima. Os di-
mente complexos, envolvidos na formação de unidades significativas ques que ocorriam antes dessa cesura tinham a tendência a ser
a partir de sons não-significativos. Basta-nos dizer que não há deslocados para a direita (isto é, para a cesura); e os que ocorriam
correspondência simples e direta de entidades acústicas e entida- após a cesura tendiam a ser deslocados para a esquerda (isto é,
des lingüísticas. (Para discussão introdutória mais minuciosa, ver para a cesura outra vez). Fodor e Dever concluem que suas desco-
Clark e Clark, 1977, p. 175-221; Fodor, Dever e Garrett, 1974, bertas "parecem provar que a cesura sintática principal desem-
p. 297-313.) Para o resto da discussão sobre recepção da fala, penha um papel importante na determinação da localização sub-
cremos que o ouvinte pode dividir o fluxo da fala em palavras e jetiva de. ruídos percebidos durante a faia", apoiando assim a hi-
partes significativas de palavras ("morfemas"). pótese de que "a unidade de percepção da fala corresponde ao
constituinte". Na maior parte dessa pesquisa, o sintagma consti-
O avanço da análise em constituintes tuinte importante é a ORAÇÃO, isto é, um sintagma que corresponde
a uma proposição fundamentai.
Efeitos dos limites constituintes no Alguém poderia questionar esses resultados, suspeitando que
processamento da frase a cesura sintática principal seja assinalada por alguns meios acústi-
cos, tal como a pausa. Em pesquisa posterior, contudo, Garrett,
Um ponto básico em Lingüística, como já foi dito no capítulo 1, Bever e Fedor (1966) demonstraram não haver nenhuma pista
é que as frases não são apenas séries de palavras, mas séries ESTRU- acústica clara que marque as cesuras entre orações. A evidência
TURADAS de palavras que consistem em hierarquias de unidades. mais dramática desse fato surpreendente provém de uma experiên-
Essa noção de estrutura constituinte de frases foi levada pela pri- cia que compara pares de frases como:
meira vez a um laboratório de psicologia por Fodor, Bever e Gar-
rett, na M.I.T. (Fodor e Bever, 1965; Garrett, Bever e Fodor, (2) As a result of their invention's influence the cornpany was
1966). Esses pesquisadores projetaram uma técnica para revelar
a presença de limites sintagrnáticos na percepção de frases. A téc- given ara award, "Como resultado da influência da sua
invenção, foi dado um prémio à companhia".
54
55
(. 3) The chairman whose methods still influence the rompa- Demais, admite-se que unidades de análise da fala afetam direta-
* mente a atenção no tocante aos diques que ocorrem durante a
ny was siven an award, "Ao presidente, cujos métodos percepção da fala. Assim, tais estudos sustentam tanto (1) a
análise lingüística de frases em sintagrnas constituintes, como (2)
ainda influenciam a companhia, foi dado um prêmio". as teorias psicolingüistica.s de processamento continuo da fala.

Quando se perguntou aos sujeitos onde eles ouviram a pausa Outros tipos de estudos, igualmente, têm demonstrado uma
mais longa nessas frases, eles responderam — como se esperava análise contínua da fala em sintagrnas lingüísticos. Abrams e Rever
— que ouviram uma pausa em (2) entre inffuence e the, e em (3), (1969) fizeram os sujeitos pressionar uma chave, quando ouvis-
entre company e was. Assim, a pausa percebida corresponde aos sem um dique numa frase. Descobriram que o tempo de reação
li mites constituintes principais nas duas frases. para os diques que ocorrem logo antes dos limites da oração era
mais lento que o tempo de reação para os diques que ocorrem
A parte engenhosa do experimento vem a seguir. As duas
logo depois dos limites da oração. Isso mostra que o ouvinte com-
frases foram gravadas em fita, usando-se idêntica gravação para
pleta sua integração perceptiva de uma oração antes de notar um
os dois segmentos em itálico (isto é, as últimas porções de ambas cuque que se apresenta no fim da frase.
as frases). ENTRETANTO, A PERCEPÇÃO DA LOCALIZAÇÃO DA PAUSA
PELOS SUJEITOS NÃO SE ALTEROU. Pode-se dizer O mesmo em re- Naturalmente, alguns aspectos do fluxo da fala exigem atenção
lação ao deslocamento do dique. Como se vê pelos asteriscos nas mais profunda que outros. Tais pontos refletem decisões acerca
duas frases acima, ocorreu um dique ou durante company ou du- da estrutura lingüística. Uma outra técnica, a "tarefa de controle
rante was. Entretanto, a percepção da localização do dique foi de fonema" desenvolvida por Foss (1969), sustenta isso. Na re-
significantemente diferente para as duas frases. O dique na frase ferida tarefa, manda-se aos sujeitos que apertem um botão logo
(2) tendeu a ser ouvido entre influence e the, e na (3), entre que ouçam uma palavra iniciada com urn dado som. Se num certo
company e was. Mas lembrem-se: as frases eram acusticamente ponto da frase for difícil a realização, deverá haver um atraso
idênticas! Assim, parece que um ouvinte percebe uma frase ba- na resposta a um som-alvo (escolhido como meta) que ocorre
seado na análise da sua estrutura constituinte, e não por causa nesse ponto. Por exemplo, 1-lakes (1972) pediu aos ouvintes que
de uma pista acústica especial para a segmentação. apertassem um botão logo que. ouvissem uma palavra iniciada com
Tal resultado é extremamente significativo, e se reflete repe- d em duas versões da seguinte frase:
tidamente em estudos de percepção da fala (ver Liberman et al.,
1967). Parece que o ouvinte atribui uma estrutura perceptiva aos (4) Everyone who was ai Lhe party gaz. , (that) Ann's date had
sons da fala, com base no seu conhecimento das regras da língua. /nade a complete fool of himself "Cada um que estava
Percebe-se, uma vez mais, que o receptor (o ouvinte) é um intér- na festa viu que o namorado de Ana havia se comporta-
prete ativo dos sinais de fala acústicos que são recebidos. do como tolo".
A técnica do dique tem sido largamente. usada e também de-
batida (ver Carroil e Rever, 1976; Olson e Clark, 1976). Em geral, Numa versão, o "complementado?' that, "que", foi omitido (os pa-
os resultados mostram que erros na localização do dique aglome- rênteses supra o indicam). Note-se que nesta versão o d ocorre na-
ram-se nos pontos-chaves da análise interna da fala, especialmente quilo que se podia interpretar como a última palavra de uma
entre orações. Parece que se fazem algumas decisões preliminares oração e uma frase:
acerca da estrutura de uma frase, enquanto está sendo ouvida. Se
ocorre um dique antes que os ouvintes completem uma análise es- (4a) Everyone who was ai the party saw Ann's date, ..
trutural em andamento, de uma subparte da frase, eles aparente-
mente adiam a audição do dique até completarem essa parte da O tempo de resposta em examinar d foi mais longo nessas versões,
análise. A hipótese fundamental é que o dique e a percepção da mostrando que os ouvintes estão tentando terminar as ora-
frase lutam para processarem o espaço, transitoriamente. limitados, 95es e frases, à medida que prosseguem. Na versão (4a), o d
e que só a uma coisa se pode prestar atenção ao mesmo tempo. ocorre num ponto de pesada carga de realização. Na versão plena,

56 57
com that, é evidente que se seguirão mais palavras depois da pala- Em suma, a localização do dique e as experiências de con-
vra date. Nesta versão, o d aparece num ponto que demanda me- trole de fonema mostram que os ouvintes estão ativamente proces-
nos processamento lingüístico, podendo por isso ser respondido sando a fala, enquanto ela se produz, tentando determinar os limi-
mais depressa. Além disso, temos um quadro das flutuações fre- tes constituintes e as interpretações possíveis antes de uma frase
qüentes no grau de processamento da fala, com base nos traços chegar ao fim.
lingüísticos da frase de entrada.
A técnica de controle de fonemas pode até descobrir proble-
Efeitos dos limites constituintes na memória imediata
mas momentâneos que os ouvintes tenham no trato com palavras Até aqui, descrevi os ouvintes como pessoas que estão dividindo,
difíceis ou incomuns. Foss (1969) comparou os tempos de res- vivamente, a fala em orações, enquanto ela decorre. Eles utilizam
posta ao som-alvo que ocorre após as palavras que diferem em pistas sintáticas e semânticas para antecipar o final de uma oração
familiaridade ou freqüência. Por exemplo, pediu-se aos ouvintes e fazem um esforço mental especial no sentido de "acabar" cada
que respondessem ao b nas seguintes frases: oração, quando ela termina. Que é que acontece a cada oração
quando se completa a tarefa da memória a curto prazo, isto é,
(5) The traveling bassoon player found himself without funds depois de já estar determinada sua estrutura e significado? A pes-
in a strange town. " - O tocador viajante de fagote ficou quisa psicolingüística sugere que, uma vez decodificada uma ora-
sem recursos numa cidade estranha". ção, seu teor exato toma-se cada vez menos acessível à memória.
(6) The itinerant bassoon player found himself without funds Por exemplo, Caplan (1972) estudou a capacidade dos ouvintes
in a strange town, "O tocador itinerante de fagote ficou de reconhecerem se uma dada palavra havia sido ouvida ou não
sem recursos numa cidade estranha". numa frase. anterior. O sujeito ouviria frases como a (9) e a (10),
nas quais a segunda linha era um registro idêntico, ligado a duas
O tempo de resposta ao primeiro som de bassoon foi mais lento porções iniciais diferentes.
na frase (6), uma vez que itinerant é uma palavra menos comum
que traveling. É claro que todo processamento fonológico, léxico (9) When the sun warrns the earth atter the tara clouds soon
e sintático prossegue, simultaneamente, durante o curso da percep- disappear, "Quando o sol aquece a terra após a chuva,
ção da fala. as nuvens logo desaparecem".
claro também que alguma realização semântica é levada a (10) When a high-pressure front approaches raiar clouds soon
efeito ao mesmo tempo — na verdade, antes que uma frase inteira disappear, "Quando uma frente de alta pressão se apro-
tenha sido percebida. Num outro estudo, Foss fez que os ouvintes xima, as nuvens de chuva logo desaparecem".
examinassem sons em frases ambíguas e não ambíguas. Por exem-
plo, pediu-se aos sujeitos que examinassem o b em: Foi talvez mais fácil ler a (10) do que a (9), e isso porque as
duas linhas da (10) correspondem a duas orações lingüísticas, ao
(7) The merchant put his straw beside the machine, "O ne- passo que na (9) a palavra min é parte da primeira oração. (Essa
gociante pôs sua palha ao lado da máquina". mini-experiência que o leitor acaba de realizar é, em si mesma,
(8) The Pnerchant pia his hay beside the machine, "O nego- uma evidência a mais de que procuramos separar em orações a
ciante pôs seu feno ao lado da máquina". entrada lingüística.) Os sujeitos de Caplan ouviram a palavra rain
logo depois de terem ouvido (9) ou (10), e tinham que acionar
A resposta a beside na (7) demorou mais que na (8), mostrando uma chave para dizer se aquela palavra ocorrera ou não na frase.
que o ouvinte está procurando interpretar o significado da frase Como raia faz parte da última oração em (10) e da primeira ora-
enquanto ela está sendo enunciada, empregando um esforço men- ção em (9), o tempo de resposta deve ser mais lento no reconhe-
tal suplementar quando encontra uma palavra ambígua como straw. cimento de que raia ocorre em (9), do que em (10). Isto é o que
Muitas pesquisas sobre frases ambíguas confirmam isso (Clark e Caplan verificou. Em ambos os casos, a palavra está a igual distân-
Clark, 1977, p. 80-84). cia do final da frase, e não há diferenças de entonação, uma vez

58 59
que é igual o segmento acústico da fala. A diferença na acessibili-
teor exato da primeira oração. É a oração do meio que revela
dade da palavra em relação à memória resulta do fato de que os
uma importante diferença entre os dois itens. Na (12), onde a
ouvintes têm pouca necessidade de armazenar o teor exato, uma
oração do meio faz parte da frase que acaba de ser elaborada,
vez que se tenha decodificado uma oração.
recorda-se palavra por palavra mais de duas vezes, tão freqüente-
Há também evidência de que os ouvintes começam a "purgar" mente como na (11), onde ela pertence à frase anterior. Mas
a memória do conteúdo verbal, palavra por palavra, após concluída mesmo na (12), como no trabalho de Caplan, a penúltima ora-
uma FRASE. No exemplo supra, Caplan mostrou que leva mais tem- ção é menos acessível (54 por cento) do que a oração final (86
po para RECONHECER uma palavra da penúltima oração de uma por cento). A pesquisa de Jarvella mostra, assim, que a memória
frase, do que da última oração. Jarvella (1971) achou que a RECOR- decai um pouco, após os limites da oração, e até mais, depois dos
DAÇÃO palavra por palavra é também fortemente reduzida por ora- limites da frase. Parece que tanto as orações como as frases fun-
ções que ocorrem mais cedo do que a frase imediatamente elabo- cionam como unidades psicologicamente reais na segmentação da
rada. Tais estudos, em conjunto, provam: ( 1 ) que orações e fra- fala. Como veremos adiante com mais pormenores, o teor exato
ses são psicologicamente entidades lingüísticas reais; (2) que elas é apenas necessário durante a análise e decodificação momentâ-
também desempenham um papel em processos psicolingüísticos. Os neas da fala. A memória palavra por palavra desaparece rapida-
sujeitos de Jarvella ouviram um longo discurso e, de tempo a tem- mente, frase por frase (a menos que o teor de uma determinada
po, pedia-se-lhes que parassem e escrevessem, palavra por palavra, frase seja particularmente impressionante ou digno de nota).
tudo o que pudessem lembrar da matéria imediatamente anterior
à interrupção. A interrupção vinha sempre depois de uma série de Tal conclusão combina com a nossa abordagem no capítulo 1.
três orações, em que a oração do meio formava uma frase com As formas superficiais refletem significado fundamental, mas o sig-
a primeira ou a última oração, tal como: nificado está realmente nas estruturas que são mais abstratas do
que as seqüências palavra por palavra que ouvimos. A análise em
(11) The document ais° blarned him for [20%] orações e frases serve de ponte transitória entre som e significado.
having faited to disprove the charges, [21%] Uma vez que se apanha o significado fundamental, a forma super-
"O documento também o acusava de ter deixado ficial não é mais necessária, podendo ser removida da memória.
de refutar as acusações". Voltaremos, mais tarde, à questão a respeito do que acontece
Taylor was later fired by the President, [84%] à forma e significado na memória. Por ora, cumpre lembrar que
"Taylor foi mais tarde despedido pelo Presi- tanto a percepção quanto as experiências relativas à memória mos-
dente". tram que as orações e frases desempenham papel decisivo na seg-
mentação continua da fala em estruturas fundamentais interpre-
(12) The tone of the document was threatening, [12%] táveis. Vejamos com mais minúcias o processo de interpretação.
"O tom do documento era ameaçador". Não basta segmentar a fala. Que estratégias emprega um ouvinte
Having failed to disprove the charges, [54%] para chegar à COMPREENSÃO de mensagens lingüísticas?
Taylor was tater fired by the President, [86%1
"Tendo deixado de refutar as acusações, Taylor
foi mais tarde despedido pelo Presidente". COMPREENSÃO DA FALA
Se os indivíduos retêm na memória imediata o conteúdo, palavra Que pistas usa o ouvinte para criar constituintes e determinar seus
por palavra, até concluírem a análise de uma frase, a oração do significados? As gramáticas não descrevem processo em andamento,
meio deve ser melhor lembrada na (12) do que na (11). Os nú- embora seja claro que as unidades gramaticais, como orações, fra-
meros entre colchetes, depois de cada oração, representam a por-
se e outras, estão envolvidas neste processamento. Os campos
centagem de lembrança correta, palavra por palavra. Tanto na
da ciência da computação e do processamento da informação têm
(11) como na (12), recorda-se bem a última oração, ao passo
contribuído para que tentativas psicolingüísticas descrevam algu-
que apenas um entre cinco sujeitos, ou menos, consegue pegar o
mas das estratégias usadas pelos ouvintes na decodificação da fala.
60 61
A hipótese básica é que o ouvinte possui um conjunto de princípios A espécie mais simples de frase é um substantivo com um
"heurísticos" ou "operantes" que utiliza para formular a melhor verbo, ou dois substantivos com um verbo, como os equivalentes
hipótese sobre o que significa um enunciado, enquanto o está ou- do russenorsk de:
vindo. As estratégias representam o conhecimento de alguém de
como se formam as frases e sobre que assuntos se conversa na (13) Captain drink.
sua comunidade. (14) Drink tea.
(15) Naitor hit captain.
Estratégias de processamento da frase:
A frase (15) seria ambígua sem uma regra simples de ordem, se-
um exemplo simples gundo a qual uma seqüência de substantivo-verbo-substantivo de-
Um meio de conceituar a natureza de tais estratégias é imaginar ve interpretar-se como sujeito-verbo-objeto. A (13) e a (14) re-
uma língua bem simples, e determinar o que se deve saber a fim fletem partes dessa estrutura: sujeito-verbo e verbo-objeto. Portan-
de realizar essa língua. Em vez de criar um exemplo artificial, po- to, mesmo para funcionar esta língua básica, faz-se mister uma
demos apresentar um verdadeiro. As línguas simples, chamadas regra de ordem de palavras.
pinoiNs,(*) desenvolvem-se em situações nas quais há um con- No entanto, para aplicação dessa regra de ordem, deve-se po-
tato mínimo mas essencial entre dois grupos que falam línguas na- der identificar substantivos e verbos. Não se pode determinar uma
tivas diferentes. Tais línguas têm sido criadas repetidas vezes como parte da fala pela posição da frase: por exemplo, o verbo é a pri-
meio de relacionamento entre senhores e servos em ambientes meira palavra na (14), mas é a palavra do meio na (13) e na
coloniais, como linguagem comercial entre grupos diferentes, e (15). O significado de uma palavra pode, muitas vezes, revelar que
assim por diante. Meu exemplo favorito dessa língua é o russe- palavra é substantivo e que palavra é verbo, mas algumas palavras
norsk. ( 2 ) Como se pode adivinhar pelo nome, ela se baseia no podem ser ambíguas, como o inglês drink e hit, que podem ser ou
russo e no norueguês. Era uma língua comercial usada no Oceano substantivo ou verbo [bebida, beber; batida, bater]. Como que pa-
Ártico, durante os períodos de degelo do curto verão, quando os ra ajudar o ouvinte na identificação do verbo, o russenorsk desen-
pescadores da Noruega permutavam peixe por produtos agrícolas volveu um sufixo, -om, que só servia para mostrar que era um ver-
da Rússia, nos séculos anteriores à Revolução Russa de 1917. Aí bo a palavra em que ele figurava:
está uma língua com pouquíssima gramática e vocabulário, usada
para poucas finalidades. A gramática simples que se desenvolveu
(13') Captain drink-om.
nessa língua revela, claramente, o essencial que um idioma precisa (14') Drink-om teci.
ter para se realizar. A língua não deve funcionar apenas usando (15') Sailor hit-om captain.
seqüências desordenadas de palavras no contexto. Tem que haver
uma gramática, e esta deve fornecer ao ouvinte pistas para inter-
Do ponto de vista do ouvinte, por enquanto, devemos efetuar
pretação da frase. Para se compreender o russenorsk, é necessário diversas espécies de estratégias de processamento da frase. Uma
conhecer algo sobre ORDEM DE PALAVRAS e sobre MARCADORES GRA- delas é uma estratégia baseada conceptual ou semanticamente pa-
MATICAIS. Eis os guias básicos do significado que encontramos em
ra identificar substantivos. Um tanto inadequadamente, pod emos
todas as línguas, e tais fatores vão figurar na discussão que se
expressá-la como:
segue de estratégias para a realização do inglês.
(A) Uma palavra que se refere a pessoa, lugar, coisa, enti-
dade conceptual etc., é um substantivo.
(*) °Pèrigin- é", segunde Webster, "uma língua composta. desenvolvida como meio de
comunicação entre pessoas que falam idiomas diferentes, a qual resulta numa sim-
plificação e combinação de pronúncia. gramática e vocabulário das duas línguas.' Há, provavelmente, uma estratégia semântica similar para a iden-
<N. do T.1
(2) Informação sobre o russenorsk pode-se encontrar em Br-och (1927a, 1927h, 1930) tificação de verbo, mas ela é reforçada por uma estratégia mor-
e Nieurnann (1965). Para leituras sobre pjdgin e línguas crioulas, ver DeCamp e
Hancock (1974) e Hymes (1971).
fológica:

62 63
(B) Urna palavra terminada em -um é um verbo. Little money PO pocket. "Not much money in the pocket."
Master PO boa!? "Is the master on the boat?"
Notem que é preciso fazer referência a classes dos níveis da língua, What you business PO this day? "What are you doing on this
a fim de fazer atuar as estratégias de processamento da frase. Isso day [= today]?"
PO you wife? "Is there by you a wife?" [Do you have a wife?]
porque tais categorias têm seu papel nas estratégias sintáticas que
se fazem necessárias na interpretação de combinações de palavras. Steer PO shore. "Steer to shore."
A primeira estratégia sintática que encontramos é uma estratégia Speak PO master. "Speak to the master."
básica de ordem de palavras: How-many day PO sea you? "How many days were you at
sea?"
How-much weight flour PO one weight halibut? "What quan-
(C) O substantivo que precede o verbo é o agente. e o subs- tity of flour in exchange for what quantity of halibut?"
tantivo que se segue ao verbo é o paciente da ação
referida pelo verbo.
Percebe-se por esses exemplos que po não tem significado específi-
co; aliás, do ponto de vista do processamento da frase, ele funcio-
Tais estratégias não são entretanto suficientes, porque algumas na como uma pista perceptiva de que a relação entre dois substan-
relações existem entre seqüências de dois substantivos, onde nenhum tivos não é de posse. Urna estratégia para a interpretação de po
verbo ocorre, como em: poderia ser algo assim:
(16) Captain ship. (E) Interprete urna seqüência substantivo-po-substantivo co-
mo uma combinação semanticamente e contextualmente
Sem gramática, não se sabe se (16) deve ser interpretado como provável, exceto de posse.
uma relação de posse ("captain's ship", "navio do capitão"), ou
como uma relação locativa ("captain on ship", "capitão no na- Finalmente, poucas regras são necessárias para se determinar a
vio") ou como uma relação de meta ("captain to ship", "capitão função de uma frase:
para navio") e assim por diante. No russenorsk, (16) deve ser
interpretado como possessivo, exigindo assim outra estratégia de Uma. seqüência de palavras com uma entonação ascen-
ordem de palavras: dente é uma pergunta a que se pode responder "sim" ou
"não".
(D) Numa seqüência de dois substantivos, o primeiro é o Uma seqüência de palavras que começa com uma pala-
possuidor, e o segundo é a coisa possuída. vra interrogativa ("que", "quando", "quantos", etc.) é
uma pergunta informativa.
Para distinguir relações possessivas das de outros tipos que ocor- Uma seqüência de palavras terminadas com uma entona-
rem entre substantivos, o russenorsk usava um outro tipo de mar- ção decrescente é uma declaração.
cador gramatical, a palavra gramatical po, que funcionava como
preposição generalizada, podendo ser entendida como locativo, di- Essa visão esquemática do russenorsk mostra que, para uma língua
recional, dativo e assim por diante, como fundamento na combi- funcionar, ela precisa no mínimo de algumas regras referentes à
nação semântica provável dos dois substantivos. Por exemplo, cap- ordem de palavras, um indicador verbal geral, uma preposição ge-
min PO ship seria interpretado como "the captain is on the ship", ral, algumas palavras interrogativas, além de alguns meios para se
mas captain PO cabin significaria "the captain is in the cabin". Aí indicarem perguntas sim-não, perguntas informativas e declarações.
estão alguns exemplos reais do russenorsk (Broch, 1927), com Quanto ao russenorsk, tem-se podido falar de "regras gramaticais"
palavras lexicográficas traduzidas para o inglês. (De fato as pala- e de "estratégias de processamento de frases" alternadamente. Tal-
vras lexicográficas foram tiradas tanto do russo como do no- vez -om e po , e as regras de ordem existam para que o ouvinte
rueguês.) possa chegar aos significados fundamentais de combinação das pa-

64 65
lavras. Temos tratado somente da estrutura superficial, e em toda ocorrer? Várias tentativas preliminares têm sido feitas no sentido
língua os indicadores de estrutura superficial — prefixos, sufixos, de descrever as pistas que os ouvintes podem usar na identificação
partículas gramaticais, disposições, contornos de entonação — ser- de orações no inglês.
vem para orientar o ouvinte quanto à análise inicial apropriada da
Bever (1970; Carroll e Bever, 1976) sugeriu que algo como
fala. Contrastando com isso, as regras gramaticais que descrevem
a Estratégia C, por nós considerada no exemplo do russenorsk,
as estruturas SUBJACENTES e suas relações com a superfície são exerce papel importante na percepção do inglês. A idéia básica é
mais complexas, e não podem exercer diretamente uma função na
que o ouvinte admite que uma seqüência inicial de substantivo e
descrição das estratégias de processamento da frase. Toda língua,
verbo será sujeito e verbo da mesma oração, e que um substantivo
porém, requer análise superficial corno o primeiro estágio de re-
que se segue será objeto dessa oração. Seguindo essa estratégia,
cepção; e alguns psicolingiiistas e cientistas de computador têm ten-
frases como (17) e (18) serão difíceis de entender.
tado especificar essa análise com pormenores suficientes para pos-
sibilitar a compreensão da fala simples. E de fato já é possível (17) The man sold the painting admired
programar computadores com suficientes estratégias de processa- (18) The bornb rolled past the tent exploded.
mento, tanto sintáticas como semânticas, para manter conversas
simples entre homem e máquina (Winograd, 1972, 1973). Na (17), a seqüência inicial de substantivo-verbo-substantivo é
percebida como uma frase plena, com sujeito-verbo-objeto, e o
Estratégias de processamento da frase no inglês verbo e o substantivo restantes forçam uma re-análise ( The man
who was sold the painting adrnired it, "O homem a quem venderam
As estratégias para a compreensão do inglês são semelhantes às o quadro admirava-o"). De igual modo, na (18) The bomb rolled
oito estratégias que sugeri no tocante ao russenorsk, mas, natural- past the tent, "A bomba passou rolando pela tenda", é ouvida co-
mente, mais detalhadas e mais complexas. As combinações subs- mo frase plena.
tantivo-substantivo no inglês são mais diferenciadas, assinaladas por
inflexões possessivas (-'s), uma grande quantidade de preposições Chapin, Smith e Abrahamson (1972, p. 171-172) apresentam
(in, at, to, by, from etc.) e regras para substantivos compostos. uma estratégia geral para a imposição de limites lingüísticos. Eles
Mas a idéia básica de se observarem as regularidades de ordem lembram que o ouvinte está sempre tentando completar cada nível
de palavras e functores gramaticais (inflexões, preposições, sufi- de análise contínua, tão rápida e,naturalmente quanto possível. Em
xos, etc.) é a mesma no inglês e no russenorsk, e em todas as lín- suas próprias palavras:
guas. A complexidade de processar urna língua já desenvolvida
provém do largo domínio de estruturas lingüísticas que se usam, I mpondo uma descrição estrutural inicial sobre a frase, o .5 [sujeito
especialmente as que implicam a reunião de várias orações em uma do experimento] tenta, em cada ponto sucessivo, aproximar-se de um cons-
só frase (como nas frases acima apresentadas, provenientes de ex- tituinte do nível mais alto possível [isto é, numa estrutura hierárquical.
Assim, se uma série de palavras PODE ser um sintagma nominal, o .5 admite
perimentos psicolingüísticos). A colocação correta de limites de que É um sintagma nominal e que o elemento ouvido em seguida será
oração é sem dúvida um fator importante na compreensão de fra- uma parte de algum constituinte subseqüente.
ses com muitas orações. Vamos considerar primeiro as estratégias
de identificação dos limites de oração no inglês, partindo depois Eles apresentam o seguinte par de frases difíceis estudadas por
para estratégias de determinação do significado fundamental se- Dever (1970):
mântico e pragmático de frases.
(19) The editor authors the newspapers hired tiked laughed.
(20) The editor the authors the newspapers hired liked lau-
Identificação de limites constituintes ghed.
Já dissemos que os limites constituintes desempenham um impor-
tante papel na segmentação perceptiva da fala. Mas como pode o Essas frases duplamente auto-encaixadas são raras e difíceis de
ouvinte dizer onde ocorrem tais limites, ou estão na iminência de interpretar; mas, como o uso de ilusões perceptivas no estudo de

66 67
processos visuais, elas revelam algo sobre o processamento normal Aplicando esta estratégia à frase (20), chegaremos a uma seqüên-
da fala. E quase impossível aos sujeitos interpretar (19), porque cia inicial de dois sintagmas nominais (the editor the authors), im-
eles tendem a interpretar authors como verbo, levando-os isto a pedindo assim a aplicação da estratégia substantivo-verbo-substan-
terminar a frase após newspapers. Na (20), entretanto, a seqüência tivo.
the authors mostra que authors não pode ser verbo, tornando um Outras estratégias, naturalmente, devem ser realizadas no trato
pouco mais fácil entender a frase. Chapin e outros (p. 172) pro- com frases dessa espécie. A frase (20) seria mais fácil de entender,
curam explicar a relativa dificuldade da (19) como exemplo par- se lhe fosse acrescentado um pronome relativo para indicar o iní-
ticular de sua estratégia geral: cio de uma nova oração:
The editor authors the newspapers, "O editor produz os jornais", é (20') The editor that the authors that the newspapers hired
uma frase potencial do inglês, e a frase é o mais alto nível possível de
unidade sintática. Assim, nossa hipótese prediz corretamente que os sujei- liked laughed, editor de quem gostaram os autores
tos se inclinarão a estabelecer um limite de frase no final dessa porção (que) os jornais empregaram riu".
da frase [19].
Como o artigo marca o início de um sintagma nominal, um pro-
Que é que torna mais fácil a frase (20) do que a (19)? O artigo nome relativo marca o começo de uma oração. Clark e Clark
the mostra claramente que the authors é um substantivo, impedin- apresentam-no como outro exemplo específico de sua estratégia
do assim a estratégia substantivo-verbo-substantivo, que nos deixa geral de palavra gramatical (p. 59):
perdidos na (19). O emprego do artigo para indicar um substan-
tivo é semelhante ao -om do russenorsk para indicar um verbo. As Sempre que achamos um pronome relativo (that, which, who, whom, "que";
línguas usam uma variedade de artifícios para sugerir a parte de "que", "o qual"; "quem", "que" [sujeito]; "quem', "que"), começamos
participação do discurso das palavras — prefixos, sufixos, partí- uma nova oração.
culas gramaticais, e assim por diante. Esses marcadores são essen-
ciais à operação de estratégias de processamento da frase. Tais Tal estratégia tem sido investigada em toda extensão, em muitos
marcadores desempenharão um papei em outras estratégias, que experimentos psicolingüísticos_
devem atuar em harmonia com a estratégia de ordem de palavras Na primeira experiência dessa série, Fodor e Garrett (1967)
que acabamos de examinar. pediram aos participantes que parafraseassem, ou seja, dessem o
Vejamos algumas das estratégias específicas que têm sido de- significado de frases complexas, medindo o tempo gasto na solu-
senvolvidas para explicar a de.codificação de frases no inglês. Por ção do problema e exatidão da solução encontrada. Para darmos
exemplo, Clark e Clark (1977, p. 59), seguindo Kimball (1973), um exemplo simples, comparemos as duas frases seguintes:
apresentaram uma estratégia geral:
(21) The man the dog bit died, "O homem que o cão mor-
Sempre que encontramos uma palavra gramatical [ou de semântica gra- deu morreu".
matical], começamos urna nova constituinte maior que uma palavra. (22) The man whom the dog hit died, "O homem a quem
o cão mordeu morreu".
Palavras gramaticais são coisas assim como artigos, preposições,
conjunções, pronomes e quantificadores. A interpretação da frase As frases são sinônimas e ambas são gramaticais. O pronome re-
(20) é facilitada por um exemplo específico dessa estratégia geral, lativo whom, "que", a "quem", que aparece na (22), pode ser
que Clark e Clark (p. 59) exprimem como: suprimido facultativamente, na formação de frases como a (21).
O pronome relativo fornece um indício superficial das relações fun-
Sempre que encontramos um determinador (a, an, the, "um", "uma"; "um", damentais, a saber, que o substantivo man que precede o pronome,
*uma"; "o", "a", "os". "as"), ou quantificador (sorne, ali, many, two, six, é o objeto fundamental de uma relação em que o substantivo se-
etc., "algum". "alguma', "alguns', algumas"; "todo", "toda", "todos", "to-
das"; "muitos", "muitas"; "dois", "duas"; "seis"; etc.), começamos um no- guinte, dog, é o sujeito subjacente. Fodor e Garrett conjeturaram
vo sintagma nominal. que o pronome relativo deve formar frases como (22), perceptiva-

68 69
mente menos complexas que frases como (21), "porque o pro- Fodor e Garrett (1967, p. 290) apresentam uma estratégia
nome relativo fornece um indício de estrutura superficial às rela- de realização que conta com os pronomes relativos, não só para
ções estruturais profundas semanticamente decisivas". Para testa- analisar, mas também para interpretar seqüências de palavras com
rem essa hipótese, eles apresentaram aos participantes frases com- sintagmas nominais (SNs) e pronomes relativos (rei):
plexas com pronomes relativos ("plenas") ou sem tais pronomes
("reduzidas"). Eis algumas dessas frases, tendo entre parênteses Dada a seqüência SN, rei SN 2 , admita que os SNs estão relacionados entre
si como objeto e sujeito, respectivamente, do mesmo verbo.
os pronomes que se podem suprimir:
Como exemplo, consideremos outra vez a frase (22):
(23a)• The pen (which) the author (whom) the editor liked
used was new, "A caneta que o autor [de quem o (22) The man whom the dog bit died.
editor gostava] usava era nova".
(23b) The tiger (which) the liou (that) the gorilla chased Segundo essa estratégia, logo que ouvimos The man whom lhe
killed was ferocious, "O tigre que o leão [que o go- dog. .., esperamos que imediatamente um verbo relacione dog a
rila perseguiu] matou era feroz". man, como sujeito a objeto. O pronome relativo toma parte impor-
(23c) The man (whom) the girl (that) my friend married tante nessa estratégia porque ele é um vestígio da relação subja-
knew died, "O homem a quem a menina [com quem cente. Mas que dizer do verbo? É mais importante entender uma
meu amigo se casou] conhecia morreu". frase que identificar seus constituintes. Pistas como artigos e pro-
nomes relativos ajudam o ouvinte a dividir as frases em segmentos.
Os participantes saíram-se melhor em relação às frases plenas (com- Mas ele está também atento aos significados. Os verbos exercem
papel importante na atribuição de significado.
pletas), do que em relação às suas versões reduzidas. Isto é, res-
ponderam mais rapidamente, e perceberam com mais precisão as
relações sujeito-objeto entre os sintagmas nominais das frases, quan- Determinação dos significados subjacentes
do ocorriam os pronomes relativos. Foi de fato assim, se as frases Até aqui, as estratégias de realização por nós estudadas não dis-
foram lidas com entonação natural ou com prosódia própria, ou pensaram atenção ao significado. No entanto, Fodor, Garrett e
se elas se apresentaram por escrito, ou se as frases plenas ficaram Bever (1968) salientaram que a estratégia do pronome relativo
mais extensas do que as reduzidas pelo acréscimo de dois adjeti- acima referida funciona somente em relação aos verbos transitivos
vos, ou mesmo se as frases reduzidas se tornaram mais lentas pelo (isto é, verbos que podem pedir objeto). Ela seria falha quanto
encaixe de uma ponta de fita em branco na posição do pronome aos verbos que pedem complemento (p. ex., want, "querer"),
relativo suprimido. Em resumo: é muito mais fácil calcularmos o quanto aos verbos tipo "middle veros" (p. ex., cost, "custar"), e
sentido de tal frase, se tivermos pronomes relativos que nos orien- quanto aos verbos que pedem objeto indireto (p. ex., give, "dar"),
tem. Tais palavras servem de pistas para uma identificação mais como acontece em frases assim:
clara dos constituintes da frase.
(24a) The boy that the man wanted Julie to meet was iit, "O
A maior dificuldade relativa das frases reduzidas foi também menino que o homem queria que Júlia encontrasse
demonstrada por Hakes e Cairns (1970), usando a técnica de con- estava doente".
trole de fonema. Por exemplo, em frases como (23b), gasta-se mais (24b) The amouru that the book cost was excessive, "A quan-
tempo em descobrir o g de gorila na versão reduzida, do que se tia que o livro custou foi excessiva".
estiver presente o pronome relativo that, "que", para dizer ao ou- (24c) The girl that the boy gave the book to was prelly, "A
vinte que se iniciou uma nova oração. Temos, assim, dois sinais de menina a quem o menino deu o livro era bonita".
desempenho psicolingüístico mostrando a maior complexidade das
frases reduzidas em relação às frases plenas desse tipo. Que é que Aplicando as estratégias mencionadas até aqui, chegaríamos a in-
poderia contar a favor de tais descobertas? terpretações errôneas:

70 71
(24a') The man wanted the boy ., "O homem queria o me- perfície), e assim por diante. Uma estratégia de análise semântica
nino. " combinatória ou 'contextuai ajuda a descobrir preposições suben-
(24b') The book cost the amount ., "O livro custou a quan- tendidas. Conseqüentemente, as estratégias de processamento de-
tia. . ." pendem do conhecimento lingüístico, tanto de estruturas sintáti-
(24c') The boy gave the girl "O menino deu a meni- cas superficiais, quanto de suas relações sistemáticas com estru-
na. . ." turas semânticas fundamentais.

Precisaremos de outras estratégias que levem em conta os tipos de Significados convenientes ao discurso
configurações em que podem entrar certos verbos. O leitor por
certo se lembra de que os verbos são indispensáveis às descrições Determinar as proposições subjacentes, contudo, é apenas uma par-
gramaticais, em termos de gramática de caso e semântica gerativa. te do alvo do ouvinte, pois ele deseja também saber por que o fa-
Inúmeras experiências psicolingüísticas demonstram também que lante deve comunicar um certo conteúdo proposicional. Como uni
as possibilidades dos verbos de se combinarem desempenham fun- pedaço de informação se ajusta à interação entre falante e ouvinte?
ção importante nas estratégias de processamento da frase. Clark O falante organiza sua fala de modo a realçar alguns - pontos e subes-
e Clark (1977, p. 64) sugerem uma estratégia especial nestas ba- timar outros: informar, ou interrogar, ou pedir, ou ameaçar, ou
ses elogiar, ou o que quiserem. O ouvinte deve determinar qual a
ATITUDE do falante em relação a cada oração e estabelecer a fun-
Encontrando um verbo, procure o número e espécie de argumentos apro- ção de cada uma delas. Muita obra teórica em voga na Filosofia
priados a esse verbo. (p. ex., Cole e Morgan, 1975; Grice, 1975; Searle, 1969, 1975) e
em Lingüística (p. ex., Gordon e Lakoff, 1971; Li, 1976; MacWhin-
Por exemplo, deparando-nos com give, "dar", esperamos encontrar ney, 1977) trata dos meios pelos quais a lingua expressa os signi-
um agente, um objeto e um recebedor; put, "pôr", implica agente, ficados relativos à conversação e à vida social. Algumas dessas
objeto e lugar; e assim por diante. Por isso, realizando frases, não idéias têm sido levadas a laboratórios de psicolingüística.
estamos apenas fazendo uma análise superficial de estrutura, mas
tentando relacionar essa análise com as configurações semânticas Por exemplo, Haviland e Clark (1974) estudaram o fato de
que procuramos I MPLICAÇÕES numa frase que podem relacionar isto
fundamentais. O conhecimento de tais aspectos encaminha nossa
com o que foi dito antes. Eles mediram quanto tempo se levava
antecipação do significado do falante. As estratégias de processa-
para ler e compreender pares de frases como:
mento da frase estão, assim, constantemente envolvidas nas relações
entre estruturas superficiais e fundamentais de comunicação. Isso
porque estamos tentando encontrai- SENTIDO na fala, a todo instan- (25a) Mary gol some beer out of the cor. The beer was warrn,
"Maria tirou do carro cerveja. A cerveja estava quen-
te extraindo o conhecimento dos significados da palavra e as estru-
te"
turas semânticas relacionadas, a fim de formar proposições sub-
(25b) Mary got some picnic supplies out of the car. The
jacentes possíveis. Clark e Clark (p. 76) apresentam, por isso, beer was warm, "Maria tirou do carro provisões de
uma outra estratégia geral: piquenique, A cerveja estava quente".
Procure constituintes que se ajustem às exigências semânticas da função
relativa a proposição, função essa subjacente a todo verbo, adjetivo, advér- A segunda versão exige mais tempo para se processar porque o
bio, preposição e substantivo. leitor precisa notar a implicação de que os petrechos para o con-
vescote incluem a cerveja. Clark e Clark salientam o seguinte
Por exemplo, assim como os verbos exigem certas configurações (1977, p. 97): "Os falantes não se podem aborrecer contando
de sintagmas nominais, também os advérbios exigem certos tipos todos os minúsculos pedaços de informação dada, e, assim, deixam
de verbos (p. ex., inteligentemente requer um verbo de comporta- ao ouvinte a tarefa de suprirem as partes mais óbvias {. . .1" O
mento psicológico); as preposições exigem certos tipos de sintag- ouvinte só poderá fazê-lo, se conhecer o mundo a que se refere o
mas nominais (p. ex., on, "sobre", exige um objeto e uma su- falante.

72 73
As línguas têm diversos artifícios sintáticos para n....fiiar os ACORDO ENTRE CONHECEDO (gilPen, "dado") E Novo: A falante concorda
processos de obter implicações, desprezando algurnP .- proposições em (a) usar a informação dada, no sentido de referir-se ao informe que
-dl
ela supõe possa o ouvinte exclusivamente identificar em relação ao que
corno DADAS ( Oen) e apresentando outras corri (Chafe, ele já sabe; e (b) usar a nova informação para se referir à informação
1974, 1976). Veja-se, por exemplo, esta seq -liélIcia de frases: que ela crê seja verdadeira, mas ainda não conhecida do ouvinte.

(26a) The balierina captivwed a musician during her perfor- De modo geral, o que é dado e o que é novo não se comunicam
irumee, "A bailarina cativou um músico durante seu diretamente, mas sim pelo emprego de várias formas sintáticas,
desempenho". como vemos no Quadro 2-1, abaixo
(26b) The one who the ballerina captivated 1.4.'as the from-
Quadro 2-1. Contrato entre Conhecidos 0)
bonist, "Foi o trombonista que a bailarina cativou".
Cinco tipos de frases e sua informação dada e nova
A expressão indefinida a inusician, "um músico", da frase (26a)
é substituída pela expressão definida the trombonist, "o trombo- FRASE INFORMAÇÃO DADA E NOVA
nista.", da (26b). Nosso conhecimento do mundo nos diz que o
trombonista é músico; o artigo definido the na (26b) mostra que 1. It is "É
the BOY who is petting the Dada: X is petting the cal, "X
tal músico é o músico apresentado como nova informação na frase cat, o MENINO quem está está acariciando o gato"
(26a). A estrutura sintática da (26b) apanha tudo da (26a), con- acariciando o gato". Nova: X the = boy, "o menino"
densando-o numa declaração de estrutura geral da informação da- 2. it is Me CAT which lhe boy is Dada: the 110 1,1 is petting X, "o
petting, 'É o GATO que o me- menino está acariciando
da: The arte who the ballerina captivated. A oração restante, was nino está acariciando". "
the trombontst, acrescenta uma nova quantidade de informação, Nova: X = Me cal, "o gato"
especificando que músico foi cativado. Carpenter e hist (1977) 3. The ene who is petting the cai Dada: X is petting the cai, "X
is the BOY, "Quem está acari- está acariciando o gato"
fizeram com que algumas pessoas lessem frases como (26a) e (26b) ciando o gato é o MENINO". Nova: X Me = boy, "o menino"
numa história, com variado material aparecendo entre as frases. 4. What the boy is petting is the Dada: the boy is pettirrg X, "o
Eles calcularam quanto tempo se gastava para ler e entender cada CAT, "O que o menino está aca- menino está acariciando
frase. Quanto mais próximo (26b) estivesse de (26a), mais facil- riciando é o GATO". X"
Nova: X = the cai, "o gato"
mente isto se processava. Isso mostra que usamos pistas sintáti- 5. The BOY is petting the cal, "O Dada: X is petting the cal, "X
cas para identificar o que é informação nova numa frase, e que MENINO está acariciando o está acariciando o gato"
sondamos a memória a fim de encontrar o elo da informação re- gato". Nova: X the = boy, 'o menino"
levante dada. Se. (26b) é substituída por uma frase com uma orga-
nização diferente com informação antiga e nova, como (26b'), (1) Quadro extra[do de Clark e Clark (1917, p. 931.
processamento se torna mais lento

(26b') The arte who captivated the trofnbonist was the baile- Assim, necessita-se de estratégias de realização da frase, não so-
Pina, "Quem cativou o trombonista foi a bailarina". mente para identificar orações, mas também para avaliar o papel
de cada oração em relação a outras.
A estrutura dessa frase apresenta como informação dada que so- Até aqui conceituamos o ouvinte (ou leitor) como alguém que
meone captivated the trombonisii, "alguém cativou o trombonista", está tentando determinar os significados fundamentais de proposi-
mas o informe prévio não se apresentou desse modo em (26a). ções e ajustá-los ao discurso, imaginando o que o falante (ou es-
Clark e Haviland (1977) resumiram esse aspecto da estrutura de crevente) deixou implícito, extraindo implicações e adaptando no-
frase ligado ao discurso, como um acordo implícito entre falantes va informação aos arcabouços de informação dada e do referencial
e ouvintes a respeito do uso da língua para propósitos de comu- informativo. O ouvinte deve também determinar o EFEITO que o
nicação (Clark e Clark, 1977, p. 92): falante está querendo produzir. A forma superficial e a função

74 75
do enunciado nem sempre se harmonizam, porque, como dissemos (27a) The dog is chasing the cat, "O cão está perseguindo
no capítulo 1, usa-se a língua freqüentemente indiretamente. Uma o gato".
interrogação pode ser urna ordem ou um pedido (Can you be quiefi, (27b) The cot is being chased by the dog, "O gato está sen-
"Você pode ficar quieto?", Couid you lend me ten dollars?, "Você do perseguido pelo cão".
poderia me emprestar dez dólares?") . Urna promessa pode fun-
cionar como ameaça (I promise rever to can you again, "Prometo O resultado geral foi que as passivas, como (27b), requeriam mais
não chamá-lo nunca mais"). Uma declaração ( You're a ENE sfu- tempo para resposta que as ativas, como (27a).
dent, "Você é um belo estudante") pode ser um elogio ou um
insulto sarcástico, ou o começo de uma desaprovação, e assim por Contudo, não é somente a sintaxe que se envolve no pro-
diante, Esses aspectos do significado indireto são estruturados igual- cessamento da frase, na realidade. O papel da sintaxe pode alte-
rar-se, dramaticamente, manobrando-se os propósitos de significa-
mente, devendo ser processados simultaneamente com estruturas
ção a que se podem restringir as frases. Por exemplo (Slobin, 1963, -
de proposição e de discurso.
1966a), a distinção entre ativas e passivas, em termos de dificul-
Não estamos em condição de exibir todas as estratégias de dade. de realização, pode ser eliminada pela apresentação de fra-
realização usadas por um competente falante de inglês [ou de por- ses em que somente um significado fundamental é possível, como
tuguês], ou mesmo por uma criança, em tal matéria. Mas este breve em:
estudo já dá ao leitor uma idéia dos diferentes níveis de conheci-
mento a que precisamos recorrer durante o processamento contínuo (28a) The boy is raking the 'caves, "O menino está revol-
da fala. O ouvinte atenta para os marcadores gramaticais, a fim de vendo as folhas".
segmentar os enunciados numa hierarquia de constituintes, atribuin- (28b) The leaves are being raked by the boy, "As folhas es-
do sentido àquelas unidades na base de fatores verbais e situacionais. tão sendo revolvidas pelo menino".

As duas versões de (28) são igualmente fáceis de entender, porque


Compreensão e conhecimento só uma interpretação é possível, ao passo que a versão passiva em
O ouvinte, então, está constantemente tentando formar uma repre- (27b) pode ser mal interpretada pela aplicação precipitada da es-
sentação interna para as frases que recebe, apoiando-se em toda tratégia substantivo-verbo-substantivo. Os ouvintes usam, assim, evi-
informação disponível: estrutura gramatical, significado, conheci- dentemente, todo tipo de informação disponível para descobrir os
mento do mundo, conhecimento do falante, conhecimento das re- significados das frases. Isso significa que um modelo psicolingüís-
gras de conversação, e assim por diante. Nenhum desses aspectos tico completo de compreensão deve incluir muito mais que uma
do conhecimento estruturado é suficiente para explicar os proces- gramática, embora deva certamente aproveitar regras e categorias
gramaticais.
sos de compreensão. Por exemplo, nas primeiras pesquisas psico-
lingüísticas baseadas na gramática transforrnacional, muito esforço Muita discussão atual em Lingüística e Psicolingüística gira
se fez na tentativa de demonstrar que a complexidade sintática em torno do papel do "conhecimento do mundo" (conhecimento
podia ser espelhada ria dificuldade de realização (como medida de acontecimentos possíveis, de interações sociais, da personalidade
no tempo de resposta, erros etc.). Diversos estudos mostraram humana etc.) na construção de modelos de competência lingüística
que as frases passivas são mais difíceis de processamento do que e comportamento lingüístico. As estratégias que aqui temos estu-
as ativas, refletindo sua complexidade relativamente maior no to- dado são incompletas e informais. Todavia, os cientistas de com-
cante às bases formais definidas pela gramática transformacional. putação têm programado os computadores com regras muito mais
Em diversas experiências anteriores (Gough, 1965, 1966; McMa- detalhadas, que tornam possível manter conversas simples com um
hon,_1963; Slobin, 1963, 1966a), pedia-se aos sujeitos que disses- computador acerca de um tópico limitado (por exemplo, planos de
sem se uma determinada frase era verdadeira ou falsa a respeito viagem, circulação ao redor de um conjunto de blocos de várias for-
de uma situação. Eles recebiam uma figura de um cão perseguindo mas e cores, histórias médicas de pacientes). Verifica-se que mes-
um gato, e deviam verificar frases como: mo tarefas simples como essas são impossíveis de levar a cabo, se

76 77
o computador é programado apenas com um conjunto de estraté-
gias de realização de frase. Até para o controle de conversas e sim-
1 Um importante e empolgante campo da "ciência cognitiva" está
se desenvolvendo na interseção da Psicologia, da Lingüística e da
ples instruções, faz-se necessário um conhecimento surpreendente- inteligência artificial (ver Norman e Rumelhart, 1975; e o perió-
mente grande do mundo. O computador deve poder tratar, harmo- dico Cognitive Science). Eventualmente, poder-se-á ser bem mais
niosamente, com informação sintática e semântica, junto com a preciso e minucioso em relação às espécies de estruturas e proces-
capacidade de formular hipóteses acerca tanto dos significados co- sos envolvidos na inteligência humana. Alimento a esperança de
mo das funções de enunciados (p. ex., Winograd, 1972, 1973, que este breve estudo deixe o leitor impressionado com a comple-
1974), xidade do processamento da fala. E claro que precisamos recor-
rer, constantemente, a muitos níveis de conhecimento e habilidade
Por exemplo, instruímos um computador a agir num mundo- na trajetória aparentemente simples e fácil de ouvir e entender.
robô simulado de blocos e caixas móveis, dizendo: Pui the bkeck Deve ser evidente a todos nós que o estudo das estruturas lingüís-
in the box, "Ponha o bloco na caixa". O computador deve poder ticas nos leva a debates sobre a estrutura do conhecimento e da
concluir que isso é urna ordem, e que eia somente poderá ser cum- memória. Já vimos algo sobre como tais questões influenciam a
prida de modo adequado, se, no "mundo" relevante, houver um compreensão contínua da fala. Para onde vão as mensagens depois
bloco e uma caixa (dado, naturalmente, que ele "sabe" acerca de de as termos compreendido? ( 4 )
objetos, receptáculos, movimentos etc.). Se há dois blocos, ele deve
poder argumentar que a instrução foi insuficiente, e pedir mais
informação. Esse procedimento simples não é possível, a menos LEMBRANDO MENSAGENS LINGUÍSTICAS
que o computador possa analisar a frase sintaticamente, determinar
seu significado e função, e relacioná-la à situação presente. Peio Discutindo a memória para a forma lingüística no começo deste
menos, essa estrutura, que influi bastante, deve existir nos que capitulo, sugeri que, como o ouvinte apanha os significados subja-
usam a língua humana também. Um trabalho cada vez mais minu- centes, as formas superficiais não mais são necessárias, podendo
cioso com computadores satisfará as complexidades dos modelos ser afastadas da memória. A experiência diária mostra que, enquan-
de processamento da língua; mas, para os nossos propósitos, o que to nós geralmente rios lembramos muito bem do que acabamos de
importa é o resumo básico desse esforço. Terry Winograd, a quem ouvir, habitualmente não podemos repeti-lo com as mesmas pala-
muito deve a obra pioneira nesta área, resume os componentes vras ouvidas. Poder-se-ia mesmo RECONHECER O teor exato, logo
mínimos necessários a uni compigador-modelo (e, implicitamente, após ter-se ouvido e entendido uma comunicação? Jacqueline Sachs
modelo humano) de uso da língua (1973, p. 154): ( 3 ) (1967), num estudo agora clássico, dedicou-se a investigar exata-
mente essa matéria. Seguindo a linha de raciocínio de que os ou-
Os programas podem-se dividir, aproximadamente. em [...] três dorní• vintes desentranham rapidamente o significado e esquecem a sinta-
nios [_ .1: Há um analisador sintático que opera com uma gramática in- xe, eIa predisse: "A forma que não é relevante ao significado não
glesa de larga escala; há um conjunto de rotinas semânticas que incorporam se retém, normalmente".
o tipo de conhecimento necessário à interpretação do significado de pala-
vras e estnituras; e há um sistema dedutivo cognitivo para explorar as Os sujeitos da experiência de Sachs ouviram 28 passagens de
conseqincias de Fatos, fazendo planos para a execução de ordens e achando um discurso corrido. Após cada passagem, o sujeito recebia uma
as respostas a perguntas. Existe, ainda, um conjunto relativamente simples frase como teste, que ou era igual a urna frase que ele ouvira na
de programas que visam à criação de respostas adequadas em inglês [ou
em português etc.] -
(4) Seguindo uma tradição em Lingüística e Psicolingii Estica, nassa obra vem salien-
tando a compreensão de frases individuais. Contudo, é evidente que na vida real
a maioria das frases se encontram na fala contínua de várias espécies. Ultimamente
(3) Para exemplos de como os computadores podem realizar frases, ver os estudos de tem-se dedicado mu ita atenção às estruturas de virias espécies de discurso (conver-
R. Kap] art sobre 'redes de transição aumentadas' (1972, 1973). E-asa abordagem à sação, narraç45es, histórias, contos de fada, etc.) e aos modos pelos quais os ouvintes
realizaçã.o da frase foi aplicada à Psk-bl'Mgilistica por Eric Wanner e Mich ael M a- processam tais temos aparentados. Pode-se encontrar em Kintsch (1977, p. 356.382)
muos (1978Y. Os psicólogos e os cientistas de computação, em YaLe, desenvolveram um estudo de assuntos referentes ao "processamento de texto". Fredriksen (19751
uma importante !cosia geral sobre os modos pelos quais se usa o conhecimento estudou os efeitos do contexto na realização lingüística. Estudos psicotingilisticos
na compreensão, com base em programas de computador para compreensão e pro- de histórias podem encontrar-se cm BOWeT (1977), Van Dijk e KIntsch (19771,
dução de histórias (siories). Boa parte dessa obra vem resumida no livro Scripts, Kintsch e Van Di]k (1975), )use e Carpen ter (1977) e Rurnelhart (1975, 1977).
piam, ,g ouls and trraderstartdirrgr, de Roger Se ha nk e Robert A belson (1977). lima produção continua podemos Et-COM pontear na nova revista Discourse Processes.

78 79
passagem, ou fora mudada na forma ou no significado. Havia três [, ..1 mudanças mínimas nas palavras de urna frase tiveram efeitos muitís-
simo diferentes na tarefa experimental, dependendo de as mudanças afeta-
intervalos de demora entre a frase original e a frase-teste: sem ne- rem ou não o significado [...].
nhum intervalo, 80 sílabas (cerca de 27 segundos) e 160 sílabas Os dados [...I são consistentes com a teoria da compreensão que
(cerca de 46 segundos). O sujeito nunca sabia a frase em que se- sustenta que o significado da frase deriva da série original de palavras,
ria testado. Eis alguns exemplos das mudanças empregadas na per um processo ativo e interpretativ❑. Aquela frase original que se per-
cebe é rapidamente esquecida, e a memória então se volta para a infor-
experiência: mação contida na frase.

FRASE ORIGINAL: Fie sent a letter abata it to Galileo, rhe great afobam scien-
riso., - Ele mandou uma carta sobre isso a Galiteu, ❑ grande cientista italiano". Pesquisas psicolingüísticas mais recentes mostram que os ou-
MUDANÇA SEMÂNTICA: Galileo. the great sele-tuim', seta him a ietter vintes não se lembram simplesmente dos significados fundamentais
about it, "Galileu, o grande cientista italiano, mandou-lhe [a ele -I uma de cada uma das frases isoladas que ouviram. Como salientei acima,
carta sobre isso". quando nós ouvimos uma fala, tentamos atribuir-lhe sentido em
MUDANÇA DE ATIVA PARA PASSIVA: A letter about it usas Sena to Galifeo, the
great Italian scientisi. "Urna carta sobre isso foi mandada a Gatileu, o
termos do que sabemos sobre o falante e a situação e o mundo
grande cientista italiano". em que vivemos. O que resta na memória é uma versão abreviada
MUDANÇA FORMAL: He sem Galileo, the great Italiar2 setentist, t letter about e esquematizada daquilo que ouvimos, com alguns pormenores que
it, "Ele mandou a Galileu, ❑ grande cientista italiano, uma carta sobre isso". se destacam e, muitas vezes, com detalhes e interpretações que po-
dem ser plausíveis (a nós), mas que não foram explicitamente de-
Quando a frase-teste era ouvida sem nenhum intervalo interme- clarados na mensagem original. Exatamente como as orações e fra-
diário, os sujeitos podiam reconhecer tanto as mudanças semân- ses são estações intermediárias entre som e significado, assim os
ticas quanto as sintáticas. Somente após 80 silabas (cerca de 27 significados que "subjazem" às orações e frases individuais são esta-
segundos) de intervalo, o reconhecimento de alterações sintáticas ções ao longo da estrada para a memória a longo prazo. O traba-
( mudanças da ativa para a passiva, e outras mudanças formais) lho de Sachs demonstra o que se pode chamar de "memória como
estava próximo do acaso, enquanto o reconhecimento de altera- subtração". Os pormenores são omitidos numa decodificação a
ções semânticas continuava forte, mesmo depois de 160 silabas curto prazo. Ao mesmo tempo, pode-se investigar a "memória co-
( mais ou menos 46 segundos). Num outro estudo (1974), Sachs mo adição". Os ouvintes interpretam a fala preenchendo elementos
notou que o reconhecimento de mudanças formais baixava até o prováveis e esquematizando mensagens de acordo com as expecta-
nível do acaso, após um breve intervalo de 40 sílabas (7,5 segun- tivas. Alguns desses processos interpretativos têm sido provados
dos). Ë claro que a estrutura formal das frases é armazenada por em laboratório.
pouco tempo apenas. No entanto, uma pequena mudança no vo-
cabulário que se relacione com o significado, é facilmente detecta- Bransford, Barclay e Franks (1972) e vários colaboradores fi-
da. Por exemplo, os sujeitos reconheceram facilmente a seguinte zeram numerosos experimentos para demonstrar que os indivíduos
mudança no significado, após 80 sílabas de material interpolado: "não consideram espontaneamente como objetos livres, para arma-
There he met ar! archaeo)ogist, Howard Carter, who urged him zenarne_n.to, os conjuntos de frases individuais semanticamente rela-
o join ire the search for the tomb of King Tut, "Ali ele encontrou cionadas. Pelo contrário, a informação provinda de várias frases
um arqueólogo, Howard Carter, que insistiu com ele para juntar-se é integrada para formar estruturas semânticas globais que contêm
à busca do túmulo do Rei Tut", passou para There ihe met are mais informação, do que qualquer frase de entrada expressa" (p.
archaeologist, Howard Carter, and urged him to foin in the search
241). Num trabalho, Bransford, Barclay e Franks (1972) deram
for rhe tomb of King Tut, " • .. e insistiu com ele para...". Con-
a algumas pessoas frases como (29a) ou (29b) :
tudo, a seguinte mudança formal da frase original quase nunca foi
notada: There he met ais archaeobgist, Howard Carter, who ur-
ged that he join ire the search for the faraó of King Tut, "Ali ele (29a) Three turtles rested beside a jloating log and a fish
encontrou um arqueólogo, Howard Carter, que insistiu para juntar- rwam beneath them, "Três tartarugas descansavam ao
se. à busca do túmulo do Rei Tut". Sachs conclui que (1967, p. lado de uru tronco flutuante e um peixe nadava de-
422): baixo delas".

80 81
(29b) Three turties rested on a floating iog and a fish swarn (30') John was using the hammer to fix the bird hoase when
beneath them, "Três tartarugas descansavam sobre um his father carne aut to watch him and to help him do
tronco flutuante e uni peixe nadava debaixo delas". the work, "João estava usando o martelo para pregar
o alçapão quando seu pai saiu para vê-lo e ajudá-lo
As frases são semelhantes na forma superficial e nas proposições a fazer o serviço".
fundamentais, diferindo apenas numa preposição — beside ou 071-
Mas (29b) nos torna possível ir além da informação dada, basea- Esse falso reconhecimento ocorreu cinco vezes mais freqüentemen-
dos no conhecimento de relações espaciais: se as tartarugas esti- te com as pessoas que tinham lido a construção pounding, do que
vessem sobre o tronco de árvore e o peixe nadasse por baixo delas, CM as que leram a construção tooking for. claro que pequenas
então o peixe deve ter nadado debaixo do tronco também, Num diferenças superficiais podem dar como resultado grandes diferen-
subseqüente teste de reconhecimento, as pessoas que haviam re- ças de memória, desde que os indivíduos tendem a lembrar-se de
cebido (29b) podiam pensar ter ouvido (29W): suas inferências e interpretações, em vez da forma exata da entrada
origi.nal.( 5 ) Outra vez, como na discussão de estratégias de pro-
(29bl Three turtles refted on a floating fog and a fish swarn cessamento da frase, chegamos à conclusão de que o conhecimento
beneath it, "Três tartarugas descansavam sobre um do mundo e o conhecimento da língua atuam nos processos de
tronco flutuante e um peixe nadava por baixo dele". compreensão e de lembrança daquilo que ouvimos e lemos.

Uma comparação com (29a) raramente levava a confundir com


(29a') no teste de reconhecimento: QUE É GRAMÁTICA?
(29a') Three turves rested beside a floating log and a fish Depois de havermos refletido sobre alguns estudos psicolingüísticos
swarn beneath it, "Três tartarugas descansavam ao la- de processamento da linguagem e da memória, é hora de voltarmos
do de um tronco flutuanté e um peixe nadava por à pergunta formulada no princípio do capítulo 1: Que é gramática?
baixo dele". Naquele capitulo, falamos de regras, estruturas superficiais, si
cados subjacentes, além de outras coisas, observando que tais enti-
Muitos aspectos do conhecimento do mundo podem desempe- dades desempenham um papel na competência lingüística. No pre-
nhar uma função na construção de estruturas semânticas na me- sente capítulo, vimos falando de coisas como estratégias de realiza-
mória. Num outro experimento, Johnson, Bransford e Solomon ção da frase, programas de computador e memória para significado.
(1973) apresentaram seqüências assim: Como essas várias abordagens se ajustam à gramática ao mesmo
tempo? Será que existe relação entre regras de processamento e
(30) John was trying to fix the bird pouse. He was pounding/ descrições lingüísticas?
looking for the nau/ when his father carne out to watch
him and to help him do the work, "João estava tentan- Uma relação é óbvia: Há uma considerável transvariação de
do pregar o alçapão. Ele estava batendo/procurando o vocabulário entre explicações lingüísticas e psicolingilisticas relati-
prego, quando seu pai saiu para vê-lo e ajudá-lo a fa- vas à língua. As estratégias apresentam-se em termos de unidades
zer o serviço". como frase, oração, verbo, pronome relativo, e coisas semelhantes.
Isto é, consideramos como dada muita análise lingüística. Todavia,
A construção que usa o verbo pounding, "batendo", sugere mar- nem todas as unidades lingüísticas desempenham um papel em mo-
telo, ao passo que a construção com looking for, "procurando", delos psicolingüísticos, nem a gramática especifica como devem ser
não sugere. Embora a palavra martelo não apareça em nenhuma
das versões, as pessoas freqüentemente imaginam tê-la ouvido na
(5) Tais resultados ps-leolingiisticos são de grande importância para questões tradicionais,
construção cem pounding. Num teste de reconhecimento, algumas coma a psicologia do testemunho (Stern, 1902), a psicologia do boato (Aillpart e
delas concluíram erradamente que haviam lido o seguinte: Postman, 1947) e B psicologia de mern45ria (Bardett, 1932). 5. claro que as lem-
branças são CONSTRUI DAS (sobre isto, veja-se mais no capitulo 6).

82 83
empregadas as unidades lingüísticas na realização da fala. Por (32) The hedge was trirnmed by the gardener, "A sebe foi
exemplo, é um fato descritivo da gramática inglesa que o prono- aparada pelo jardineiro".
me relativo pode iniciar uma oração relativa. Ë um fato PSICO- (33) The hedge was trinuned, "A sebe foi aparada".
lingüístico que o ouvinte espera uma oração relativa quando ouve
um pronome relativo, e que a supressão do pronome, embora gra- Uma gramática lingüística de inglês deveria, sistematicamente, rela-
matical, pode representar um peso para o processamento em anda- cionar essas três frases. Uma gramática eficiente deveria ter um
mento. conjunto de regras para produzir uma estrutura fundamental co-
mum, de algum nível, para as ativas e as passivas, com regras adi-
De algum modo, a utilidade de uma unidade lingüística ou cionais para as diferenças na forma superficial. As três frases aci-
descrição lingüística como elemento num modelo de processamento ma podem incluir um agente que age sobre um objeto. Seria ina-
é um teste do status psicológico dessa entidade lingüística. Como ceitável uma gramática que produzisse esses três tipos de frase
psicólogos, esperamos que. as estruturas mentais tenham efeitos por conjuntos de regras separados e sem conexão. A maioria das
comportamentais. Se não podemos encontrar um meio pelo qual gramáticas poderia relacionar a passiva reduzida de (33) à pas-
uma determinada estrutura lingüística se possa refletir no compor- siva plena de (32) por alguma espécie de regra de supressão do
tamento lingüístico, relutamos em considerar seja a estrutura parte agente. Resultado: as passivas reduzidas deveriam ser mais com-
de nosso mecanismo mental, embora possa ela desempenhar papel
plexas que as passivas plenas, por abrangerem mais regras lingüís-
importante na teoria lingüística de algum autor. Assim, conquanto
ticas.
usemos entidades lingüísticas em nossos modelos, temos critérios
diferentes para avaliar tais entidades. Psicolingüísticalaaente, porém, as passivas reduzidas não pa-
Esse ponto merece reflexão demorada, porque revela diferen- recem ser mais difíceis de serem processadas que as passivas ple-
tes metas por parte dos lingüistas e psicolingiiistas. Em ambos os nas. Cada uma das três frases acima tem suas próprias funções
terrenos, os modelos são avaliados em relação aos dados. Em am- a preencher, e pode-se recorrer a elas quando necessário. Por exem-
bos, existem padrões de conformidade de modelos em relação aos plo, (33) é a resposta mais plausível à pergunta: Why does your
dados. O lingüista atenta para padrões de elegância e eficiência. garden look different than it used to?, "Por que o teu jardim pa-
Ele prefere regras que abarquem muitos fenômenos aparentemente rece diferente do que costumava ser?". Respondendo com a for-
separados numa única estrutura. Avalia seu modelo em termos da ma sem agente expresso de (33), põe-se em evidência a mudança
sua capacidade de. descrever uma língua ou parte delimitada de de estado da sebe, e a menção do agente seria secundária. Um mo-
uma língua. Seus dados principais são as opiniões dos falantes na- delo Pswolingüístico eficiente permitiria ao falante expressar essa
tos acerca de formas lingüísticas: sua aceitabilidade, seus signifi- noção diretamente, sem fazer operar o maquinismo associado a
cados, suas relações mútuas. Ou então ele pode trabalhar com construções plenas passivas e ativas. O falante pode ter o conhe-
"textos" lingüísticos — documentos escritos ou transcrições de cimento teórico de que os três tipos de frase estão relacionados,
fala. e mesmo assim não recorrer nunca a esse conhecimento no decurso
da fala e da compreensão.
O psicolingiiista opera com as regras do uso da língua. Ele
deseja ter explicação para coisas tais como o tempo gasto para Fazendo tal proposta, entretanto, declaro haver uma conside-
uma pessoa entender certas formas, o que acontece a elas na me- rável diferença entre competência do ponto de vista lingüístico e
mória, e assim por diante. Ele não está preocupado com uma competência do ponto de vista psicolingüístico. As estratégias de
descrição elegante da língua per se, mas com o usuário da língua. processamento utilizam-se do conhecimento gramatical, mas abran-
Vejamos um exemplo concreto (seguimos Watt, 1970). Con- gem mais que considerações gramaticais, porque são orientadas pelo
sideremos estas frases ativas e as suas correspondentes passivas e tempo e pela situação. De novo, temos a distinção entre comporta-
passivas reduzidas: mento temporal e estruturas aternporais, assunto já tratado em
nossa Introdução. As estratégias de realização incorporam um co-
(31) The gardener trintmed the hedge, "O jardineiro aparou nhecimento organizado para uso — o uso particular do falar e en-
a sebe". tender. Uma gramática escrita por um Lingüista é organizada com

84 85
um propósito diferente, que é descrever uma língua, efetiva e efi- "gramática de interação humana" não foi formalizada. Se real-
cientemente, para fins de análise e estudo, É evidente que haverá mente as cabeças estão cheias dessas teorias gerais, o que os lin-
uma considerável transvariação entre esses dois esforços no estudo güistas fazem é explorar essa parte de suas cabeças onde está arma-
da natureza da língua. Como já salientei anteriormente, a Psico- zenado o conhecimento sistemático e implícito da língua. (Natu-
lingüística começou (Miller, 1962) com a tentativa de reduzir ralmente, por outro lado, pode ser somente os lingüistas, ou os
esses dois esforços a um só, tornando regras transformacionais em futuros lingüistas, que se envolvem na construção desses sumários
operações mentais. Movimenta-se agora o pêndulo em outra dire- gerais do conhecimento lingüístico!)
ção, e alguns lingüistas e psicolingiiistas estão perguntando se se
pode descrever toda competência lingüística em termos de estraté- Fodor, Bever e Garrett (1974, p. 370-372) têm uma argumen-
gias de processamento, Será que um conjunto inteiramente elabo- tação não convincente sobre o problema da relação entre gramáti-
rado de estratégias de processamento — em todos os níveis, da ca e "o sistema de codificação-decodificação da frase". Uma das
fonologia à pragmática — constituiria uma descrição completa do possibilidades por eles apresentadas é que a gramática é uma espé-
conhecimento da língua por parte do ser humano? Ou temos nós, cie de arquivo de informação lingüística usado na criação e uso da
guardada num canto da mente, uma representação mais sistemática heurística de realização da frase:
de nossa língua, abstraída das exigências do uso de toda hora?
A função da gramática é fornecer uma "biblioteca' de informação sobre
Possuirá nossa mente uma "gramática de referência" que possa in- as estruturas de uma língua, e o funcionamento da heurística (algumas)
formar sobre o fato de que existe uma relação sistemática entre é tornar a gramática acessível, isto é, indagar o que a gramática diz a
frases ativas, passivas e passivas reduzidas; que os vários verbos respeito da estrutura da série especial de morfemas a que o ouvinte está
auxiliares exercem funções similares em declarações e interroga- atentando.
ções, e que do pode desempenhar ❑ papel de um auxiliar geral; e
assim por diante? Necessita o usuário da língua possuir um con- Tal proposta é sugestiva, mas atualmente não sabemos o sufi-
junto assim organizado de conhecimgto lingüístico, ou será isso ciente sobre gramáticas ou sistemas de desempenho da língua para
uma entidade criada pelos lingüistas com o propósito de descrição resolver os problemas referentes a suas relações. Por ora, pode-se
e comparação abstratas e gerais de línguas? apenas afirmar que os sistemas de desempenho abrangem muitas
noções gramaticais, mas não funcionam como as gramáticas escritas
A resposta não é clara. Talvez não se possa deixar de resu- pelos lingüistas. (Para um debate atual e vigoroso entre lingüistas
mir as categorias e estruturas sistemáticas inerentes ao conjunto e pesquisadores da inteligência artificial sobre esses assuntos, ver
de estratégias de processamento, e, como resultado, todos nós edições da revista Cognition, anos 1976-1977: Dresher e Horns-
carregamos uma gramática que cabe aos lingüistas descobrir. Tal- tein, 1976; 1977; Schank e Wilensky, 1977; Winograd, 1977.)
vez sejamos todos lingüistas implícitos e temos, inconscientemente,
O sucesso limitado dos modelos de processamento em Psico-
criado gramáticas no processo de aprendermos línguas. Com efeito,
lingüística e inteligência artificial levou alguns lingüistas a propo-
em todas as áreas da vida formamos teorias gerais implícitas que
rem um sério estudo de tais modelos, em vez da análise lingüística
dirigem o comportamento. Por exemplo, cada um deve possuir uma
tradicional. Por exemplo, George Lakoff e Henry Thompson escre-
teoria complexa da personalidade, construída sobre uma vida toda
vem (1975, p. 295):
de experiência de interação social. Tal teoria é concebida na for-
ma de "heurística para encontros" ou "estratégias de processamen- 1.. .1 nós cremos haver uma relação direta e íntima entre gramáticas e
to para as relações humanas". Quando encontramos uma pessoa mecanismos de produção e reconhecimento. De fato, sugerimos que AS
pela primeira vez, antecipamos um certo tipo de relacionamento na GRAMÁTICAS SÃO OPORTUNAS COLEÇÕES DE ESTRATÉGIAS PARA ENTENDER E
base de pistas de comportamento e aparência; implicitamente, de- PRODUZIR FRASES. Deste ponto de vista, as gramáticas abstratas não têm
nenhuma realidade mental distinta; elas são apenas ficções convenientes
cidimos sobre que distância devemos guardar, que assuntos venti- para a representação de certas estratégias de processamento.
lar, que estilo de linguagem usar, a que atividades nos entregarmos,
e assim por diante. Todas essas "estratégias" vêm de alguma No principio, sugeri que uma abordagem dessas pode refletir
teoria geral da personalidade, mas, diferentemente da língua, tal os fatos a respeito do russenorsk, Não se sabe com clareza se é

86 87
necessário ir além de uma súmula de estratégas de realização para
tal caso, ou para as línguas mais complexas. Em qualquer eventua-
lidade, contudo, a fonte e a natureza das categorias e estruturas
lingüísticas empregadas por essas estratégias continuam sem expli-
cação.
A questão da natureza psicolingiiistica da gramática pode ser
claramente proposta em relação à aquisição da linguagem por parte
da criança. Voltaremos em breve a esse problema. O modo pelo
qual a língua é adquirida lança luz sobre os meios por que ela é
armazenada e usada pelos adultos. A pesquisa em laboratório e as
aplicações de computador deixaram claro que se pode pensar mui-
ta coisa do uso da língua em termos de estratégias de realização.
Além disso, o conjunto de estratégias, em certo sentido, abrange
o conhecimento gramatical e várias outras espécies de conheci-
mento. As questões sobre uso e aquisição da língua estão assim in-
timamente vinculadas às questões da estrutura e desenvolvimento
do conhecimento em geral.
Antes de examinarmos o desenvolvimento da linguagem, no
entanto, temos mais coisas a dizer sobre possíveis relações entre
gramáticas e uso da língua. Havendo encarado a gramática do
ponto de vista lingüístico e psicolingüístico, estamos numa posição
melhor para estudar a gramática como entidade psicológica. Uma
vez que as gramáticas provavelmente existem para possibilitar a
realização da frase, não pode acontecer que elas sejam, universal-
mente, constrangidas a assumir certas formas por causa dos meios
pelos quais a língua deve ser usada? As limitações da percepção,
da memória a curto prazo, da comunicabilidade etc., realmente
moldam a gramática? No próximo capitulo. estudaremos até que
ponto a própria forma da língua pode ser determinada por fatores
psicológicos.

88

Você também pode gostar