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CAPÍTULO 6 – FATO GERADOR

1. NOÇÃO. HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA E FATO IMPONÍVEL

- A expressão “fato gerador” consagrou-se no direito tributário brasileiro. A consagração do termo, entre nós,
deveu-se ao artigo de Gaston Jèze, intitulado “O fato gerador do imposto”, publicado na Revista de Direito
Administrativo, n. 2, p. 50.

- Com efeito, essa é denominação utilizada no direito francês (fait générateur). Em espanhol, utiliza-se hecho
imponible', no direito tributário alemão, steuertatbestand (suporte fáctico do tributo); e no direito italiano, a
expressão equivalente é fattispecie.

- A fenomenologia da juridicização (ou da incidência de normas jurídicas sobre fatos, transformando-os em fatos
jurídicos) ocorre no direito tributário exatamente como nos demais ramos do direito.

- Pela expressão única “fato gerador” a doutrina vinha se referindo a duas realidades distintas: a descrição legal e
hipotética do fato que geraria a obrigação de pagar tributo e a ocorrência concreta desse fato, do que
evidentemente redundava confusão terminológica.

- Becker, escrevendo em 1963, pioneiramente na ainda incipiente doutrina tributária brasileira, apontou: “Dissecada
em sua estrutura lógica, a regra jurídica se decompõe em duas partes: a) a hipótese de incidência (‘fato gerador,
suporte fáctico, fattispecie, Tatbestand')', b) a regra (a norma, a regra de conduta, o preceito).

- Filmada a regra jurídica em sua atuação dinâmica, verifica-se que acontece o seguinte:
a) realização da hipótese de incidência; isto é, a hipótese deixa de ser hipótese porque se realizou pelo
acontecimento de todos os fatos nela previstos
b) incidência da regra jurídica sobre a hipótese de incidência realizada
juridicização da hipótese de incidência. Por conta da incidência, a hipótese se juridiciza
d a) irradiação da relação jurídica, vinculando o pólo positivo (sujeito ativo) ao pólo negativo (sujeito passivo)
d b) irradiação do conteúdo jurídico da relação jurídica: direito à prestação e correlativo dever de prestá-la,
pretensão à prestação e correlativa obrigação de prestá-la, coação e correlativa sujeição

- Foi a partir da monografia de Geraldo Ataliba, publicada originalmente em 19735, que a distinção entre as duas
realidades diferentes, antes indistintamente nominadas pela doutrina tributária (e pela lei) com a expressão “fato
gerador”, generalizou-se na doutrina brasileira:

- Portanto, hipótese de incidência é a previsão legal abstrata do fato que gerará a obrigação de pagar tributo \fato
imponível é a ocorrência concreta, no mundo físico, daquele fato

- Há, porém, na doutrina a utilização de outras expressões de uso bastante correnteeu: fato gerador in abstrato
(para a hipótese de incidência) e fato gerador in concreto (para o fato imponível). Becker chamava-os “hipótese de
incidência” e “hipótese de incidência realizada

- A expressão “fato imponível”, adotada por Ataliba, é evidente tradução do espanhol hecho imponible que, aliás,
no direito espanhol é utilizada para designar indistintamente os dois momentos da dinâmica tributária: a previsão
legal e a ocorrência concreta do fato

- O Código não faz a distinção e usa apenas a expressão “fato gerador” para referir-se aos dois momentos da
dinâmica da lei tributária.

- Desta forma o art 114 pretendendo conceituar, fato gerador, diz: “a situação definida em lei como necessária e
suficiente à sua ocorrência”. Aqui se vê que a referência à situação definida em lei relaciona-se à hipótese de
incidência; já a menção à ocorrência aponta em direção ao fato imponível, deixando claro que o legislador não tinha
presente a distinção.

- A hipótese de incidência descreve, tipifica, determinado fato. Tal como em direito penal não há crime sem prévia
lei que o defina, em direito tributário não há tributo sem prévia lei que defina sua hipótese de incidência. Essa
descrição da hipótese de incidência (descrição normativa de um fato típico) deve ser precisa e determinada, como
pressuposto de segurança jurídica, para tornar efetiva a garantia assegurada ao contribuinte, pelo princípio da
legalidade. Este seria inefetivo se só a lei pudesse criar tributo, mas pudesse fazê-lo por descrição imprecisa, fluida, a
permitir ao fisco interpretação ampla para o fim de exigir tributos. Como no direito penal, a hipótese deve atender
ao requisito de tipicidade: descrição precisa e detalhada de todos os elementos do fato que, uma vez ocorrendo,
gerará a obrigação de pagar tributo

- O fato imponível é sempre um fato jurídico “stricto sensu”. Fatos jurídicos stricto sensu são aqueles que resultam
apenas de fato da natureza, independente de qualquer ato humano: nascimento, morte, maioridade, aluvião,
produção de frutos etc. . Atos-fatos jurídicos são aqueles que para se produzir o fato é necessário ato humano, mas
é irrelevante para a norma jurídica se houve ou não vontade de praticá-lo. E no ato jurídico, o cerne do seu
pressuposto fáctico é a vontade humana dirigida a fim lícito. Para sua prática, o elemento fundamental é a vontade
humana. São as declarações unilaterais de vontade e os contratos.

- o fato imponível é sempre um fato jurídico “stricto sensu”. Isso significa que não pode ser fato imponível, fato em
que relevante a vontade humana, como uma compra e venda, por exemplo? Não. Significa que se a lei tributária
escolher uma tal situação como hipótese de incidência, o que releva para fins tributários é o fato resultante (que
como veremos é indiciário de capacidade contributiva), sendo irrelevante para o direito tributário a exteriorização
de vontade para sua prática

- O fato imponível é um fato de significado econômico. Mais: nos Estados em que foi constitucionalizado o princípio
da capacidade contributiva, como entre nós15, o legislador só pode criar hipóteses de incidência que contemplem
fatos indiciários de capacidade contributiva. “Na escolha dos fatos signos presuntivos de renda ou capital, o
legislador ordinário está juridicamente obrigado a escolher fatos que sejam presuntivos de uma espécie de renda ou
de capital acima do mínimo indispensável, por exemplo: automóvel, aparelhos elétricos, fumo, bebidas (exclusive
água pura),

2. CLASSIFICAÇÃO

- A doutrina costuma classificar os fatos imponíveis, tendo em vista o momento em que se completam (ou sua
duração de tempo), em instantâneos, complexivos e continuados. A classificação por esse critério foi primeiro
aventada por Amílcar Falcão

- Assim, fatos geradores instantâneos são aqueles que se completam numa só unidade de tempo ou em curto
intervalo de tempo. Neles, o fato imponível se constitui de um só fato. Exemplo é o fato gerador do ICMS que ocorre
no momento da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte

- Fato gerador complexo ou complexivo é aquele cuja formação se completa durante determinado período de
tempo e que “consiste num conjunto de fatos, circunstâncias ou acontecimentos globalmente considerados”19. É o
fato gerador cuja realização não se dá em um só momento ou em certo intervalo de tempo, mas, ao contrário, se
protrai durante determinado período. O exemplo característico é o imposto de renda

- Fatos geradores continuados são fatos instantâneos que se repetem a determinados intervalos de tempo ou em
datas fixadas em lei. São aqueles impostos que se renovam a cada exercício financeiro, como IPTU, IPVA e ITR. A
legislação respectiva fixará a data em que toma a ocorrer (repetir-se) o fato imponível, criando nova incidência da
regra de tributação

3. ELEMENTOS

- Os elementos da hipótese de incidência são o pessoal, temporal, espacial e material

- O elemento pessoal (ou subjetivo) da hipótese de incidência é a determinação dos sujeitos da obrigação tributária,
ou seja, que pessoas figurarão nos seus pólos ativo e passivo. O sujeito ativo deve ser determinado na hipótese de
incidência. Pode a norma fazê-lo explicitamente ou de forma implícita: se a lei nada disser será a pessoa jurídica de
direito público que promulgou aquela lei.
- O sujeito passivo é determinável pela hipótese de incidência. A norma legal fixa os critérios para determinação do
sujeito passivo; sua determinação concreta só pode se fazer após a ocorrência do fato imponível: será a pessoa que
concretamente realizou tal fato.

- Quando a norma não for explícita sobre o sujeito passivo, o o legislador só pode fixar critérios que levem à
determinação do sujeito passivo em pessoa de que o fato imponível revele, ainda que indiciariamente, capacidade
contributiva. Isso porque o princípio da capacidade contributiva é constitucional.

- Já no caso dos tributos vinculados (taxas e contribuições de melhoria), o sujeito passivo necessariamente terá de
ser o destinatário do serviço ou ato de polícia que é hipótese de incidência de taxa, ou o titular do bem imóvel
valorizado por obra pública

- O elemento temporal da hipótese de incidência é relevante para se identificar a lei aplicável ao fato: será aquela
vigente quando ocorrer o fato imponível, como, aliás, é expresso o art. 144, caput, do CTN

- A indicação do elemento temporal na hipótese de incidência pode ser explícita ou implícita.

- No entanto, a lei pode não conter disposição a respeito. Como o elemento temporal é essencial à hipótese, deve-se
considerar como tal o momento em que ocorre o fato nela descrito

- Paulo de Barros Carvalho sugere inclusive que, quanto ao elemento temporal, classifiquem-se os fatos geradores
(hipóteses de incidência) — em vez de em instantâneos, complexivos e continuados como faz a doutrina tradicional
— em hipóteses que prevêem momento exato para ocorrência do fato imponível e que não o prevêem

- A importância prática de identificar o elemento temporal da hipótese de incidência é manifesta: determinará a lei
aplicável (será aplicável a lei vigente quando se tiver por ocorrido o fato imponível — ante previsão legal expressa ou
pelo acontecimento do fato descrito na hipótese de incidência) e para correta observância dos princípios de
irretroatividade e anterioridade da lei tributária

- Também o elemento espacial da hipótese de incidência é relevante, pois esta só pode incidir sobre fato (gerando a
conseqüência da obrigação de pagar tributo) que ocorra no âmbito espacial de competência do legislador que editar
a norma tributante.

- Quanto à definição do âmbito espacial de competência do legislador, aplica-se, como regra geral, o princípio da
territorialidade: a lei vigora e produz efeitos dentro do território da pessoa jurídica de direito público que a
promulgou

- O STJ, por seu turno, na vigência do art. 12 do Decreto-Lei n. 406, de 31 de dezembro de 1968 (hoje revogado pelo
art. 10 da LC n. 116, de 31-7-2003), pacificara jurisprudência no sentido de que embora o art. 12, a, exprimisse
considerar-se local da prestação do serviço, para fins de ISS, o do estabelecimento prestador, o elemento espacial,
no caso, para se verificar qual a lei incidente e a que Município cabe o tributo, era o local da prestação efetiva do
serviço, ainda que o estabelecimento estivesse situado em outro Município25. Agora, o ISS está disciplinado pela Lei
Complementar n. 116, que, em seu art. 3£, faz longa enumeração casuística do local onde se considera ocorrido o
fato gerador: em princípio, nos termos do caput, no local do estabelecimento prestador do serviço (ou, na falta
deste, no local do domicílio do prestador), mas esta regra geral é excepcionada nas diversas hipóteses previstas nos
vinte incisos do referido art. 32 (originalmente eram vinte e dois incisos, mas os X e XI foram objeto de veto).

- A correta identificação do elemento espacial da hipótese de incidência é relevante para a aplicação do princípio
geral que veda a bitributação.

- O elemento material ou objetivo representa o próprio cerne da hipótese de incidência. É a descrição de todos os
dados fundamentais que servem para delimitá-la (tipo), que consiste no elemento material qualitativo. Inclui ainda
os elementos materiais quantitativos: base de cálculo e alíquota.

- Para definição do tipo que constituirá a hipótese de incidência, o legislador necessita fazer uma escolha pré-
jurídica: eleição das bases econômicas de imposição, que, em sistemas como o brasileiro, que constitucionalizaram o
princípio da capacidade contributiva, devem ser fatos indiciários dessa capacidade. Assim, as bases econômicas de
imposição escolhidas têm sido o patrimônio, a renda e a circulação de riquezas.
- Mas para a completude do elemento material, que é o próprio núcleo da hipótese, falta ainda a definição
quantitativa. Esta será obtida pela determinação (em lei — vide art. 97, IV, do CTN) de sua base de cálculo e alíquota

- A base de cálculo é um dos caracteres mensuráveis do elemento material da hipótese de incidência

- Amílcar Falcão afirma que a base de cálculo é aquela “grandeza econômica ou numérica sobre a qual se aplica a
alíquota para obter o quantum a pagar”

- Alfredo Augusto Becker sustenta que se aplicando sobre a base de cálculo uma forma aritmética (alíquota), esta se
transforma no tributo, que sempre será então parcela da base de cálculo. Por isso, ela (base de cálculo) é o núcleo
da hipótese de incidência e o elemento fundamental para classificação dos tributos

- A nosso ver, o elemento material (tipo, base de cálculo e alíquota) é o núcleo da hipótese de incidência. Se
fôssemos buscar um “núcleo do núcleo”, este teria de ser encontrado no tipo (descrição do fato), que é o elemento
material qualitativo. A base de cálculo e a alíquota irão mensurá-lo e quantificá-lo.

- Aires Barreto diferencia base de cálculo (critério legal para medir e quantificar o fato imponível) de “base
calculada”, que é o resultado da aplicação do critério legal a um caso e contribuinte concreto

- Já alíquota é fração, parte, percentual mais comumente. Da base de cálculo separa-se certa parte: essa parte é
determinada pela alíquota e será o quantum que deverá ser pago ao Estado como tributo. Dissemos que a alíquota é
normalmente um percentual. Tal ocorre quando a base de cálculo é o valor do bem tributado (patrimônio, renda ou
riqueza circulante). Quando outra for a dimensão da base de cálculo (volume, peso, superfície etc.), a alíquota não
será percentual ou ad valorem, mas resultado da multiplicação de um valor determinado pela unidade de medida
adotada (por exemplo, “X” por litro, quilograma, metro ou hectare). Atualmente é nítida a predominância de
tributos ad valorem, inclusive por melhor poderem mensurar capacidade contributiva.

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