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COLECÇÃO CIÉNCIAS DA EDUCAÇÃO

ºrientada por
MARIA TERESA ESTRELA e ALBANO ESTRELA

CURRÍCULQ:
TEORIA E PRAXISTitulo: CURRÍCULO: TEORIA E PRAXIS
Autor: José Augusto Pacheco
Editora: Porto Editora
O PORTO EDITORA, LDA. — 2001
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ÍNDICE

mTRDDUÇÃÚ ............................................ ... ,,,,,, .. ..... .......


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I
EWQUÁDRAMENTÚ CDHCEPI'UAL DA. TEDRIA
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fl Cuniculnmrmcimmudh. .....
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II
TEDRI'LÁÇÃÚ E NWGAÇÃD CURRICULAR

[I Papei da maria curricular ....... .....................u .....


_. ......................................... 31
As tam-ins carrr'ncnlam H. 33
2.1.Tcm'ia16cniaca . ªª
2.2. Temia prática _Hª 111
2.3. Teoria Crítica ,
fl fºi mwl'mçio dn cumkuh ..........................................................
44
A inmtipçào curricular ............................... _ .............
Hun... ................ +115
4.1. Modelos, adições, paradigm # modalugia If:
4.2. O profanar invesligadur .............................. .... #3Currículo:
conceituação
e bem que, nos últimos anos, se tenha vulgarizado na linguagem educativa, o termo
currículo utiliza—se com muitas e diferentes acepções. Sem ter ainda uma tradição
académica no nosso país, é, contudo, utilizado por professores, políticos, alunos,
encarregados de educação, etc., sem que muitas vezes o seu significado seja
conveniente-
mente dilucidado.

A0 mesmo tempo que adquiriu uma crescente relevância na educação (estruturas orga—
nizacionais escolares e não escolares) também é certo que o currículo originou uma
grande
confusão terminológica que acentuou as divergências existentes no pensamento
curricular.

Sendo um conceito polissémico, carregado de ambiguidade, deve reconhecer-se, como


afirma Ribeiro (1990: l 1), que não possui um sentido unívoco, existindo “na
diversidade de
funções e de conceitos em função das perspectivas que se adoptam, o que vem a
traduzir-
-se, por vezes, em alguma imprecisão acerca da natureza e âmbito do currículo”.

Deste modo, Huebner (19851212), reportando—se à falta de precisão do termo


currículo,
diz que a “palavra aponta para diversas, e inclusive paradoxais, intenções dos
educadores;
está carregada de ambiguidade, falta-lhe precisão, refere—se, de um modo geral, a
progra-
mas educativos das escolas".

Daí que a situação moribunda, num dado momento, deste domínio do conhecimentc
educativo seja explicada, em certa medida, pela excessiva discussão teórica das
questões
curriculares e pela ausência de uma intervenção prática orientada para a resolução
de pro—
blemas ou para a escolha das melhores alternativas.

O lexema currículo, proveniente do ótimo latino currere, significa caminho, jornada


trajectória, percurso a seguir e encerra, por isso, duas ideias principais: uma de
sequênci:
_______________._————————
15
_ordenada, outra de noção de totalidade de estudos. Daqui a utilização do vocábulo
cumi-
culo, no século XVII e nos países anglo-saxõnicos, para designar uma pista circular
de atle-
tismo ou uma pista de percurso para carros de corrida de cavalos.

Manifesta-se, assim, um conceito de currículo definido em termos de projecto,


incor-
porado em programas/planos de intenções que se justificam por experiências
educativas,
em geral, e por experiências de aprendizagem, em particular. Se o curriculum vitae
e o per-
curso concreto de uma dada pessoa, então o currículo (da educação formal ou
informal) é
o projecto que obedece a propósitos bem definidos.
O currículo, se comparado a um jogo com regras, torna-se, pela sua própria natureza
e
dimensão, bastante problemático e conflitual sempre que se procura defini-lo.
Alias, cada defi-
nição não é neutral, senão que nos define e situa em relação a esse campo. Insistir
numa defi—
nição abrangente de currículo poder-se-á tornar extemporâneo e negativo dado que,
apesar da
recente emergência do currículo como campo de estudos e como conhecimento
especializado,
ainda não existe um acordo generalizado sobre o que verdadeiramente significa.

Situando—nos nessa divergência e no espectro da variabilidade conceptual do termo,


duas definições mais comuns se contrapõem: uma formal, como um plano previamente
planificado a partir de fins e finalidades; outra informal, como um processo
decorrente da
aplicação do referido plano.

Integram—se na 1.‘I perspectiva as definições que apontam para o currículo como o


con-
junto de conteúdos a ensinar (organizados por disciplinas, temas, áreas de estudo)
e como
o plano de acção pedagógica, fundamentado e implementado num sistema tecnológico;
na
2.a perspectiva, lugar para as definições que caracterizam o currículo como um
conjunto de
experiências educativas e como um sistema dinâmico, probabilístico e complexo, sem
uma
estrutura predeterminada.

Por mais divergência que exista — e para Tanner e Tanner (1987) esse será um dos
aspectos positivos do campo curricular porque manterá mais interessante a
investigação —,
o currículo, enquanto projecto educativo e projecto didáctico, encerra três ideias-
chave: de
um propósito educativo planificado no tempo e no espaço em função de finalidades;
de um
processo de ensino—aprendizagem, com referência a conteúdos e actividades; de um
con-
texto específico — o da escola ou organização formativa.

Nas primeiras definições de currículo — propostas, entre outros, por Tyler, Good,
Belth,
Phenix, Taba, Johnson, D'Hainaut (Connelly e Lantz, 1991; Jackson, 1992; Toobs e
Tier—
ney, 1993) — constata-se que correspondem a um plano de estudos, ou a um programa,
muito estruturado e organizado na base de objectivos, conteúdos e actividades e de
acordo
com a natureza das disciplinas. Decorre daqui a importância de o currículo
representar algo
muito planificado e que será depois implementado na base do cumprimento das
intenções
previstas. Os objectivos, que expressam a antecipação de resultados, e os conteúdos
a ensi-
nar são, assim, aspectos fundamentais para a definição do que é o curriculo.

Nesta perspectiva, falar de currículo ou falar de programa representa uma mesma


rea-
lidade, aparecendo, sobretudo na tradição latino-europeia, como sinónimos.

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16

Para Januário (1988: 47-49), este é o sentido tradicional de currículo equivalendo


a
plano de estudos (conjunto de áreas disciplinares e de matérias), existindo em mais
três
sentidos: formal ou administrativo — acepção próxima da anterior; experiencial —,
sentido
que respeita todas as definições operacionais que englobam as experiências de
aprendiza-
gem que o aluno vive sob a responsabilidade da escola; e behaviounsta —, baseado na
pre-
visibilidade comportamental, sobretudo nos resultados observáveis esperados,
descurando
quer os resultados não previstos, quer o próprio processo e as variáveis
ambientais.

Outras definições de currículo (propostas por Schawb, Smith et al., Foshay, Rugg,
Cas-
well, Stenhouse, Gimeno, Zabalza, Kemmis, etc.), embora referindo o plano ou o pro-
grama, apresentam-no ora como o conjunto das experiências educativas vividas pelos
alu-
nos dentro do contexto escolar, ora como um propósito bastante flexível que
permanece
aberto e dependente das condições da sua aplicação. Quer dizer, pois, que não se
concei—
tuará currículo como um plano, totalmente previsto, mas como um todo organizado em
função de questões previamente planificadas, do contexto em que ocorre e dos
saberes, ati-
tudes, valores, crenças que os intervenientes trazem consigo, com a valorização das
expe-
riências e dos processos de aprendizagem.
lmpera, neste último caso, a perspectiva curricular anglo-saxómca que conceitua
curri-
culo de uma forma abrangente, englobando tanto as decisões ao nível das estruturas
polí-
ticas como ao nível das estruturas escolares. &,
Situa-se nesta perspectiva a definição de currículo dada por-Bonboir (1992: 11),
que é
muito mais lata que a noção de programa, pois abarca o que é ensinado, no conteúdo
e na
forma, os objectivos, incluindo os critérios da avaliação, a organização e
estrutura dos estu-
dos, sua duração e a graduação da progressão (anos sucessivos ou ciclos sancionados
por
um diploma).

Dentro da complexidade do que significa definir curriculo, qualquer tentativa de


siste-
matização passa necessariamente pela observação e interrogação destes dualismos
(Con-
treras, 1990: 177-179):
' O currículo deve propor o que se deve ensinar ou aquilo que os alunos
devem aprender?

- O cum'culo & o que se deve ensinar e aprender ou é também o que se


ensina e aprende na prática?

- O cum’culo é o que se deve ensinar e aprender ou inclui também a meto-


dologia (as estratégias, métodos) e os processos de ensino?

- 0 currículo é algo especificado, delimitado e acabado que logo se aplica


ou é de igual modo algo aberto que se delimita no próprio processo de
aplicação?

Respondendo a estas questões, que expressam uma série de interrºgações, pode dizer-
—se que jamais se achará uma resposta definitiva, visto que a conceituação de
curriculo e

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I-
I-: .
t;
If
ais e Humanas.

Para se criar uma base comum de diálogo e discussão, é necessário que todos quantos
se debruçam sobre esta questão estabeleçam as relações do Currículo com a Sociedade
e
seus valores inerentes e ainda com as concepções de Homem, Mundo e Informação.

Os elementos dos sistemas sociais são as pessoas que se ligam pela informação que
se
estabelece entre elas. Por conseguinte, o currículo é um propósito que não é neutro
em ter-
mos de informação, já que esta deriva de diferentes níveis e é veiculada por
diversos agen-
tes curriculares dentro do contexto de vários condicionalismos Assim
Ora, todas estas intenções variam de sociedade para sociedade, tendo sempre por
base
uma matriz civilizacional que estabelece os parâmetros globais de interpretação
cultural,
razão pela qual Grundy (1987: 5) afirma que o currículo não é um conceito mas uma
cons-_
trução cultural:
“O cum'culo não é, no entanto, um conceito; é uma construção cultural,
isto é, não é um conceito abstracto que possui alguma existência exterior e
alguma experiência humana. Pelo contrário, é um
modo de organizar um
conjunto de práticas educacionais humanas."
Deste modo, o currículo e uma construção que deve ser estudada “na relação com as
condições históricas e sociais em que se produzem as suas diversas realizações
concretas
e na ordenação particular do seu discurso” (Kernmis, 1988: 44) e também na relação
com
o contexto de implementação, geralmente a escola ou a instituição de formação.

Com efeito, responder à questão “o que é o currículo?”, e parafraseando Grundy


(1987),
será como responder a esta questão: “o que é o futebol?”.
Quer um quer outro dependem dos contextos em que se situam e das pessoas que neles
intervêm. Para lá das intenções, existem os interesses e as forças que se movem à
sua
volta. Quer dizer: o currículo e uma inte
Gimeno (1988: 24), funcionando como u
mas:
rsecção de práticas diversas, como argumenta
m sistema no qual se integram Amos—subsiste-
“Por isso argumentamos que o currículo, na realidade, faz parte de múlti-
plos tipos de práticas que não se podem reduzir unicamente a prática peda-
gógica de ensino; acções que são de ordem política, administrativa, de
18
.

supervisão de produção de meios, de criação intelectual, de avaliação, etc.,


e que enquanto subsistemas autônomos e interdependentes, geram forças
, . ª > . .-
diversas que incidem na acção pedagogica. Ambrtos que evoluem lustorr
camente de um sistema político e social a outro, de um Sistema educativo
a outro distinto.”
Esta ideia de interdependência de práticas que se inter-relacionam ese coíbem
mutua-
mente c ainda a ideia de abrangência decisória, desde as estruturas politicas ate
as estrutu-
ras escolares, são percepcionadas num duplo sentido: por um lado, um Sistema qtcrle
oqª-
dena vários subsistemas; por outro, um subsistema de outros srstemas. Neste senti
0, Zºna
a proposta curricular é uma construção social htstorrcrzada, dependente de murneros
dicionalismos e de conflituosos interesses (fig. 1):
SISTEMA SOCIAL
Subsistema de
(_. participação 1
sociale controlo
Subsistema de
Subsistema especialistas e de
olítieo- investrgaçao
ªdministrativo
( Subsistemª de
' produçao e
.Sub315t_ema de meios
movaçao
bsistema de
Organização d9 ªlliação de J
sistema educativo conteúdos
V
Fig. 1 - Sistema curricular (Gimeno, l988) (adaptado)
Pode ver—se também o currículo numa dimensão política da educação, ou seja, corà'io
um instrumento que reflecte quer as relações sempre existentes entre escola e
socrãdale,
quer os interesses individuais e os de grupo, quer ainda os interesses politicos e
os 1 eo 0-
glcªsdreigso, e numa primeira síntese do que efectivamente representa, o currículo
é-uína
construção permanente de práticas, com um significado marcadamente cultural e socra
, e
um instrumento obrigatório para a análise e melhoria das decrsoes educativas.

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Concluindo: o currículo, apesar das diferentes perspectivas e dos diversos


dualismos,
define-se como um projecto, cujo processo de construção e desenvolvimento é
interactivo,
que implica unidade, continuidade e interdependência entre o que se decide ao nível
do
plano normativo, ou oficial, e ao nível do plano real, ou do processo de ensino—
-aprendizagem. Mais ainda, o currículo é uma prática pedagógica que resulta da
interacção
e confluência de várias estruturas (políticas, administrativas, económicas
culturais, sociais,
escolares...) na base das quais existem interesses concretos e responsabilidades
comparti—
lhadas.A reconceptualização do currículo
o actual quadro de investigação sobre as teorias curriculares, discute-se bastante
a
emergência de uma reconceptualização do currículo, aliás na linha das ideias da
pós-modernidade.

Com efeito, perspectiva-se a construção do currículo de uma forma não linear, longe
de
uma engenharia cunicular proposta por Tyler, admitindo-se a sua natureza caótica. É
neste
sentido que Macpershon (1995) utiliza a metáfora dos at:-actores curriculares ou do
caos
para fundamentar a amálgama de intenções e de práticas em que um currículo
inevitavel-
mente se converte sempre que procura responder a estas questões: para que são as
escolas?
O que deve ser e curn’culo‘? Quem deve planear o currículo?”.

É evidente que a resposta a qualquer uma destas interrogações depende dos argumen-
tos ideológicos, econômicos, sociais, culturais que determinam o sistema educativo
e, con-
sequentemente, o sistema curricular. Enquanto projecto de formação, o currículo é
expli-
cado por uma natureza caótica, que subjaz na pluralidade de decisões que são
tomadas e
interpretadas por diversos actores, e por uma contínua recontextualização do que
pode ser
face ao que deve ser.
Ainda na reconceptualização do currículo dentro das fronteiras da pós-modernidade,
outros autores falam do paradigma não reducionista, dos fundamentos do currículo
pós—
-moderno, das características do neve curricule e da relação teoria—prática
(Estebaranz,
1994; Slattery, 1995; Fernandes, 2000).

Digamos que destas propostas resulta, por um lado, a concepção de curriculo como
pro-
jecto, pois defende-se a ênfase na acção, a participação equilibrada, consistente e
reflexiva, o
desenvolvimento curricular centrado na escola; por outro, a abordagem sistémica
como ele-
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4-.

mento de análise da realidade curricular através do reconhecimento da complexidade,


da hie—
rar-quia, do equilíbrio temporal, da mudança transformadora e da interdependência.
Nesta linha
de argumentação, o currículo não é o domínio exclusivo dos professores, dos alunos,
dos espe-
cialistas, dos gestores, mas de todos eles, visto tratar-se de um processo que
implica ao mesmo
tempo uma construção ao nível das intenções e uma desconstrução ao nível da
prática.

Assim, & reconceptualização do currículo não pode deixar de questionar os seguintes


aSpectos fulcrais: a legitimidade normativo-jurídica do plano estruturado com
referentes de
aprendizagem; a interligação do que pode ser face ao que deve ser; a defesa dos
valores,
propósitos e significados de cada cultura; o papel de um actor curricular como
parte inte-
grante de um trabalho conjunto; um projecto de formação orientado para os desafios
do
mundo da pós-modernidade.

No entanto, não poderemos esquecer que existem divergências sobre o que significa a
reconceptualização (Pacheco, 2000a; Moreira, 1998), sendo também possível
reconhecer
que o currículo constrói—se na diversidade e convergência de discursos, ou de
argumentos,
que contribuem para a clarificação de opções quanto ‘a tomada de decisão.

Neste caso, a celebração da homogeneização da diferença e da primazia do local não


apaga as identidades curriculares, necessariamente ligadas a valores que reforçam a
dimen-
são humana, produzidas em situações de diversos contextos. Este compromisso do
currí-
culo para com a sociedade que e legitima reforça tanto os aspectos que só podem ser
orga-
nizados através de estruturas destinadas a favorecer a aprendizagem quanto os as
ectos
particulares que se prendem com a realidade de cada sujeito. F
Ao propor-se que a reconceptualização engloba diversas perspectivas que são
trabalha-
das no âmbito da teoria social crítica também se deve reconhecer que a teoria
crítica não é
necessariamente uma boa teoria. Como outras teorias quaisquer, as teorias críticas
podem
ter sucesso ou não naquilo que explicam (Young, 1998). Do mesmo modo, uma análise
pós-estruturalista pode ser muito útil na inteligibilização da realidade e tomar—se
inopera—
cional no momento de dar respostas a problemas concretos.

O que a teoria crítica traz ao campo curricular, para além dos dilemas e das
contradi-
ções teóricas (Pacheco, 2001a), é o facto de sublinhar a ênfase na auto—
referencialidade dos
projectos de formação, isto é, a exploração dos discursos de reflexão sobre as
práticas que
não se perspectivam como produtos, ou planos regulados burocrática e
tecnologicamente,
mas como projectos que são identificáveis quer nas relações de interdependência dos
acto-
res, dentro dos contextos de formação das políticas culturais, quer nas
interpretações
daqueles que são os seus sujeitos. Com efeito, o criticismo curricular estará
indelevelmente
ligado a uma teoria crítica da aprendizagem, pois “a focalização mais na
aprendizagem do
que nas instituições (caso das escolas, das matérias ou do currículo) deve
constituir o cen-
tro da teoria crítica educacional do futuro” (Young, 1998: 181).

E se Kliebard (1985) afirmou que a tarefa dos próximos 50 anos no campo curricular
é
a do desenvolvimento de alternativas ao modo como o pensamento tem sido claramente
dominado nos seus primeiros 50 anos, então a tarefa continua válida, mas desde que
não
se pretenda substituir um pensamento dominante — o de Tyler — por uma amálgama de
pers-
pectivas que desfiguram o corpus identitário do currículo.

45fosse de natureza algoritmíca, ou seja, algo que se pode prever totalmente de


forma ante-
cipada e aplicar de forma rígida.

Contudo, outros modelos de desenvolvimento do currículo conferem um papel dife—


rente ao professor e refutam, em parte, a formulação de uma teoria do ensino muito
pre-
cisa e rigorosa já que o critério normativo não se aplica às diferentes situações e
problemas
decorrentes da intervenção do professor.

Nesta linha, o ensino como arte contraria o sentido receituário, preconizado pela
nor-
matividade didáctica, chamando a atenção para a intuição e criatividade e
reforçando o
sentido pragmático, pois cada professor configura um estilo único e pessoal de
ensino.
Muitos autores exageram, caso de l-lighet8 ao afirmar que “ensinar não é provocar
uma
reacção química: parece-se muito mais com a pintura de um quadro ou com a
composição
de uma obra musical ou, num nível mais modesto, plantar árvores num jardim ou
escrever
uma carta a um amigo”.

O professor, não deixando de ser também um especialista conhecedor de técnicas


científicas através das quais explica e justifica o porquê da sua acção didáctica,
actua de
uma forma prática, crítica, reflexiva, intuitiva e artística. Os momentos que
reclamam
este tipo de actuação, em que a normatividade se mostra insuficiente e débil,
correspon-
dem, por exemplo, ao diagnóstico de situações, selecção e aplicação das normas e ao
momento de práxis.

Para Eisner (1979: 153), o ensino como arte pode considerar-se, pelo menos, em qua-
tro sentidos:
“a) É uma arte no sentido que o ensino pode ser realizado com tal habili-
dade e harmonia que, tanto para o aluno como para o professor, a expe-
riência pode ser justificadamente considerada como estética;
b) o ensino é uma arte no sentido que os professores como os pintores,
compositores, actores e dançarinos. fazem juízos baseados, em grande
parte, nas qualidades que se revelam no curso da acção;
c) o ensino é uma arte no sentido que a actividade dos professores não está
dominada por prescrições ou rotinas senão por qualidades e contingên-
cias que são imprevisíveis;
d) o ensino é uma arte no sentido que os fins que se conseguem são fre-
quentemente criados durante o processo."
ª Citamos de Gage (1984: õi).

5U

Pressupostos curriculares
ontrariamente ao que Comenio defendeu, não é possível hoje em dia ensinar tudo a
todos. Tal situação faz do currículo um projecto de formação que tem obrigatoria-
mente um significado social e político, cujos pressupostos estão presentes nas fon-
tes apontadas por Tyler para a identificação dos objectivos educacionais: cultura,
sociedade
e aluno.

A política educativa corresponde ao conjunto de decisões oriundas do sistema polí-


tico, englobando as intenções e estratégias determinadas pelos critérios
ideológicos e
pelas necessidades reconhecidas como socialmente válidas. Uma política educativa,
afirma D'i—lainaut (1980: 42), “não nasce do nada, ela inscreve-se no quadro mais
largo
de uma filosofia da educação e é o resultado de múltiplas influências em
interacções,
provenientes dos sistemas sociais que agem sobre o sistema educativo e que eles
mes-
mos estão sob a influência do contexto filosófico, ético e religioso, do contexto
histó-
rico do quadro geográfico e físico, assim como do contexto sociocultural onde se
situa
o sistema educativo considerado”.

Ainda segundo D'Hainaut (1980: 62), “a política e o currículo podem encontrar


uma justificação em razão de duas ordens: filosóficas, por um lado, e pragmáticas,
por
outro. As razões filosóficas, religiosas, culturais ou políticas podem ter três
fontes de
justificação: a concepção de Homem, a concepção de sociedade e a concepção de cul-
tura”.

Para uma melhor explicitação das bases de uma justificação curricular passamos a
ana-
lisar o currículo à luz destas abordagens: social, cultural, individual e
ideológica.

-_____.___—__-—_-——-——º
515.1. ANÁLISE DA SOCIEDADE
Como sugerem V. De Landsheere e G. De Landsheere (1983: 49). Cll-lando tentam jus—
tificar a escolha dos alvos da educação, a primazia deve ir para a análise das
exigências da
sociedade:
“Começando a educação formalizada por ser filha de uma sociedade antes
de se vir a transformar, eventualmente. num agente de transformação dessa
mesma sociedade, a análise das exigências da sociedade mãe constitui o
primeiro tempo da definição dos alvos da educação."
Não será tarefa fácil estabelecer o que a sociedade exige da educação, e vice-
versa,
essencialmente numa sociedade tecnológica em constante mutação, em que a
repercussão
da técnica e da ciência impõem novos desafios à educação. Por conseguinte, em
termos
curriculares, além de outros aspectos como o contexto social e político e os
factores de con—
trolo e de influência da sociedade sobre o currículo, questiona-se a função social
da Escola,
descrita por Ribeiro (1990: 52) nos três seguintes aspectos:
“a) Que aptidões, atitudes e conhecimentos propostos pelo currículo aju—
dam os membros da comunidade social a funcionar, de modo compe-
tente, nos seus papéis e funções sociais?

b) Que relação pode existir entre aqueles e a análise dos principais papéis
e funções sociais a desempenhar pelos membros da sociedade?

c) Que domínios de actuação/contextos ou áreas de actividade social e


correspondentes perfis funcionais se devem considerar para a concep-
ção e elaboração de currículos e programas?”
A relação escolalsociedade, historicamente estabelecida com mais afinco com a revo—
lução industrial, serve um conjunto diverso e complexo de interesses tendo como
base
comum a preparação social dos indivíduos, formando-os em valores sociais como:
“a formação do carácter e da cidadania, preparando-o para uma reflexão
constante sobre os valores espirituais, estéticos. morais e cívicos [...] a for—
mação cívica e moral [...] desenvolver a capacidade para o trabalho e pro-
porcionar, com base numa sólida formação geral, uma formação específica
para a ocupação de um justo lugar na vida activa que permita ao indivíduo
prestar o seu contributo ao progresso da sociedade em consonância com os
seus interesses, capacidades e vocação [ ...] contribuir para a realização pes-
soa] e comunitária dos indivíduos [...]" (LBSE, alíneas b), c), e, j). art.“ 3.“).

Neste sentido, o sistema educativo é um subsistema do sistema social.

Nesta relação sistémica, o currículo perspectiva-se como um instrumento socialmente


válido, visto que escola e a sociedade estão intrinsecamente interligadas, como se
reco-
nhece num dos documentos da reforma educativa (CRSE, 1988: 42):

52

“Assim, não pode haver uma Escola que não seja de uma Sociedade: dela
recebe o direito e os meios permanentes de existência; dela recebe penna-
nentemente encomendas educativas mais ou menos precisas; a ela entrega
permanentemente os seus produtos educativos, mais próximos ou mais
afastados das respectivas demandas e das respectivas necessidades; dela
recebe estímulos e censuras; a ela dirige louvores, críticas ou censuras; a
riqueza e pobreza dessa Sociedade repercutem-se em si, como a sua
riqueza e pobreza se repercute nessa Sociedade."
Contudo, a relação escola/sociedade impõe uma outra leitura: a da legitimação das
desi—
gualdades sociais ou a da sua Conecção e atenuação. Como bem diz Brennan (1985), os
alunos não entram na escola como folhas em branco nas quais os professores escrevem
colectivamente a educação. Trazem atitudes e valores assimilados no seio familiar e
no
meio social.

0 curriculo depende também dos condicionalismos económicos existentes numa dada


sociedade: os recursos educativos; a valorização da carreira dos professores; as
expectati-
vas profissionais dos alunos; as opções curriculares dos alunos; a pressão dos
gmpos eco-
nómicos na escolha das áreas de conhecimento, etc.

5.2. ANÁLISE DA CULTURA


Um cum'culo não se elabora no vazio nem tão-pouco se organiza arbitrariamente.
Gimeno (1988:42) refere-o como a “selecção cultural estruturada sob condições
psico-
pedagógicas dessa cultura que se oferece como projecto para a instituição escolar”.

Ora, o currículo e, antes de mais, um projecto de escolarização que reflecte a


concep-
ção de conhecimento e a função cultural da escola. Seja qual for a concepção de
cultura
que se pertilha — pansémicafmctafísica, ecléctica, selectiva e aberta (D'Hainaut,
1980) — a
construção do currículo começa por fazer-se na base de conteúdos, como sustenta
Lawton
(1986), que são a condição lógica do ensino.

O currículo é, assim, uma representação do universo do conhecimento onde não se


dei-
xará de reconhecer o contributo da Filosofia da Educação, com as correntes do
essencia-
lismo, perem'alr'smo, progressivismo e reconstrucr'onísmo. Enquanto que as duas
primeiras,
sob o princípio da continuidade, defendem a perenidade e imutabilidade da
transmissão da
cultura, as duas últimas, sob o princípio da inovação e da reconstrução, advogam a
educa-
ção como um processo em desenvolvimento e em mudança.

Da análise cultural retiram-se outras inferências educativas como a da função


cultural
da escola que pode ser perspectivada a partir de diferentes orientações (Peshkin,
1992;
Forquin, 1996).

Taba (1983: 98), partindo da ideia da educação escolar como um agente de mudança,
sugere que “o currículo deve incluir os processos de interpretação, discussão e
considera-
ção da mudança", sendo “tarefa do docente capacitar o indivíduo para reconhecer
situações
novas e resolve-las inteligentemente”.

53Para tal, propõe a escola como organismo socializador compensatório, convertendo-


se na
salvaguarda dos valores morais e caracterológicos como a responsabilidade e o
respeito pelo
próximo, no fortalecimento da individualidade e na assunção de um carácter de
mudança.

Na especificação da função cultural da escola, ligada aos conhecimentos que esta


deve
promover, Tanner e Tanner (1987: 428) atribuem-lhe quatro funções: de educação
geral
(universo comum de discurso, compreensão e competência); de educação especializada
(referente às especialidades do conhecimento através das disciplinas); de educação
explo-
ratória (adaptada aos interesses especiais dos alunos); de educação de
enriquecimento
(para aprofundar a experiência educativa do aluno).

De forma genérica, e essa tem sido a tradição seguida, conforme recomenda Phenix
(1962)9, a construção curricular faz-se na estrita observância da disciplina, com a
sua estru-
tura e lógica interna:
“Em poucas palavras, a minha tese é que todo o conteúdo do cunículo
devia ser extraído das disciplinas, ou, dito de outro modo, só o conheci-
mento contido nas disciplinas e apropriado para o currículo [...] Precisa-
mos de recuperar o significado essencial de uma disciplina como um corpo
de saber que instrui. Compreendido isto, as disciplinas serão vistas como
guias de um bom ensino e aprendizagem, e o carácter de ser instrutivo será
visto como marca de uma boa disciplina."
Observando a função cultural da escola na LBSE, constata-se que começa por ser
descrita
numa perspectiva histórica, direccionando—se depois para a valorização do
conhecimento:
“Contribuir para a defesa da identidade nacional e para o reforço da fideli-
dade à matriz histórica de Portugal, através da consciencialização relativa-
mente ao património cultural do povo português, no quadro da tradição
universalista europeia e da crescente interdependência e necessária solida—
riedade entre todos os povos do mundo [...] Assegurar o direito à diferença,
mercê do respeito pelas personalidades e pelos projectos individuais da
existência, bem como da consideração e valorização dos diferentes saberes
e culturas.” (LBSE, alíneas a) e d), art.° 3.°)
5.3. ANÁLISE D0 ALUNO
A análise do sujeito, e do seu processo de aprendizagem, é uma das abordagens
imprescindíveis na análise curricular. Lembra Taba (1983: 109) que “o conhecimento
sobre o aluno e sobre a aprendizagem é relevante para a adopção de uma quantidade
de
decisões acerca do currículo”, já que constitui a sua dimensão psicológica, ou
seja, a natu-
º Citamos de Fernando Machado e Maria Gonçalves ( l99l: 131433).

54

reza e o desenvolvimento do sujeito que aprende e a natureza e as condições do


processo
de aprendizagem.

A afirmação de que o currículo deve elaborar-se de acordo com o desenvolvimento do


alunº -— sujeito que aprende, pois, como diz Taba (1983: 27), os currículos “estão
estrutu-
rados de mºdo que os estudantes possam aprender" - é canónica nos estudos
curriculares.

Considerar este aspecto equivale, por assim dizer, ‘a valorização da


individualidade do
sujeito e da sua cognição, das atitudes e valores, ao respeito pelas diferenças
individuais e
à procura de um desenvolvimento global e contínuo. A aplicação destes critérios
supõe,
pelo menos, uma dupla exigência: por um lado, a salvaguarda dos interesses dos
alunos,
por outro, a definição de pré-requisitos de aprendizagem, isto é, de indicadores
dos níveis
de desenvolvimento do aluno.

Não é uma tarefa fácil identificar e seleccionar conteúdos curriculares que


salvaguar-
dem os interesses dos alunos, aliás como demonstra Kelly (1980: 56-57):
“Argumenta-se que uma consideração dos interesses das crianças e central
não só a uma metodologia eficaz como também ao conteúdo educacional
de nosso currículo [...] Tal abordagem cria muitos problemas práticos para
os professores e outras pessoas em questões como de organização do tra—
balho em classe, planejamento e localização de exames públicos, e o resto
[...] Há, entretanto, várias dificuldades de tipo mais teórico com relação a
essa perspectiva [,..1 Em primeiro lugar, a identificação dos interesses das
crianças não é coisa tão simples como à primeira vista pode parecer. Dis-
tinguir entre um interesse permanente e um capricho passageiro ou coque-
luche momentânea, mosaic em nível conceitual, não é fácil. e está claro
que devemos primeiramente saber que vêm a ser os interesses para os usar-
mos como base de nosso planejamento curricular [...] Em segundo lugar,
precisamos saber mais sobre a origem dos interesses das crianças e preci-
samos refletir um pouco sobre isso antes de aceita-los sem maiores reser-
vas com base para sua educação. Uma criança com um background no lar
muito limitado provavelmente não terá uma gama de interesses muito
ampla e talvez não lhes estejamos fazendo o maior dos favores ao subs-
crever tais limitações."
Quanto à natureza e processo de aprendizagem duas questões se abordam: os tipos de
aprendizagem (estudados pelas diversas teorias que em Psicologia se têm proposto
numa
perspectiva nem sempre unificada e coerente) e o ambiente de aprendizagem nos seus
múl—
tiplos aspectos.

O paradigma de aprendizagem com mais tradição curricular e aquele que foi proposto
pelo behaviourismo (Pavlov, Thordnike, Skinner, etc.) e de que Tyler (1949) foi um
lídimo
representante quando diz que educar significa modificar as formas de conduta
humana.
Tomamos aqui o termo conduta num sentido mais amplo que compreende tanto o pensa-
mento e o sentimento como a acção manifesta.

55Devido, porém, aos contributos dos paradigmas cognitivo e ecológico/contextual,


uma
nova visão da aprendizagem surge com o conceito de aprendizagem significativa ou de
perspectiva construtivista, tão completa e cabalmente revista por Col] (1987):
º A repercussão das experiências educativas formais sobre o crescimento pessoal do
aluno está fortemente condicionada, entre outros factores, pelo seu nível de desen-
volvimento operatório [...] e pelos conhecimentos prévios pertinentes com que
inicia
a sua participação nas mesmas.

' Considerar o nível do aluno na elaboração e aplicação do Design Curricular exige


a
consideração simultânea dos dois aspectos mencionados.

- Há que estabelecer uma diferença entre o que o aluno é capaz de fazer e de apren-
der por si mesmo (desenvolvimento real) e o que é capaz de fazer e aprender com
a ajuda e o concurso de outras pessoas, observando-as, imitando—as, seguindo as
suas instruções ou colaborando com elas (desenvolvimento potencial). O ensino efi-
caz é, pois, o que parte do nível de desenvolvimento do aluno, mas que não se lhe
acomoda, para o fazer progredir através da sua Zona de Desenvolvimento Próximo
(para Vygotsky, distância entre o nível de Desenvolvimento Real e o nível de
Desenvolvimento Potencial) para ampliar e criar, eventualmente, novas zonas de
Desenvolvimento Próximo.

- A questão-chave não reside em saber se a aprendizagem escolar deve conceder prio-


ridade aos conteúdos, mas sim em assegurar que seja significativa.

- Para que a aprendizagem seja significativa devem cumprir-se duas condições: o


con-
teúdo deve ser potencialmente significativo tanto da sua estrutura interna
(significa-
ção lógica) como da possível assimilação (significação psicológica); deve-se ter
uma
atitude favorável para aprender significativamente, quer dizer, o aluno dever estar
motivado para relacionar o que aprende com o que já sabe.

º A significação da aprendizagem está muito directamente relacionada com a sua fun-


cionalidade. Que os conhecimentos adquiridos —- conceitos, destrezas, valores, nor-
mas, etc. — sejam funcionais, ou seja, que possam ser efectivamente utilizados
quando
as circunstâncias em que se encontre o aluno assim o exijam.

' O processo pelo qual se produz a aprendizagem significativa requer uma intensa
acti-
vidade por parte do aluno que deve estabelecer relações entre o novo conteúdo e os
elementos já disponíveis na sua estrutura cognitiva.

' É necessário reconsiderar o papel que habitualmente se atribui à memória na


apren-
dizagem escolar. Deve distinguir-se a memorização mecânica e repetitiva, que tem
um escasso ou nulo interesse para a aprendizagem significativa, da memorização
compreensiva, que é, ao contrário, um ingrediente fundamental da mesma.

- Aprender a aprender — o objectivo mais ambicioso e ao mesmo tempo irrenunciável


da educação escolar —- equivale a ser capaz de realizar aprendizagens
significativas
por si mesmo numa ampla gama de situações e de circunstâncias.

56

' A estrutura cognitiva do aluno pode conceber-se como um conjunto de esquemas de


conhecimento.

- A modificação dos esquemas de conhecimento dos alunos — revisão, enriquecimento,


diferenciação, construção e coordenação progressiva — é o objectivo da educação
escolar.

- Urna interpretação construtivista da aprendizagem escolar — incompatível com uma


concepção de ensino entendida como para transmissão de conhecimentos — exige uma
interpretação igualmente construtivista da intervenção pedagógica, cuja ideia
direc-
triz consiste em criar as condições adequadas para que os esquemas de conhecimento,
construídos pelos alunos, sejam os mais correctos.

No ambiente de aprendizagem, aspecto que nem sempre é considerado nos estudos cur-
riculares, mas que é de capital importância, analisam-se as determinantes
contextuais e
ecológicas que estão presentes na relação tripartida entre professores—alunos-
conteúdos.
Refere Gimeno (1988: 109) que o currículo “ocorre num ambiente que é, por si mesmo,
um elemento modelador e mediatizador das aprendizagens e ainda fonte de estímulos
ori-
ginais e independentes do próprio projecto cultural curricular, formando, no seu
conjunto,
o projecto educativo e socializador da instituição”.

Deste modo, o processo de aprendizagem explicar-se—á pelos seguintes itens de


análise:
o conjunto arquitectónico das escolas, os aspectos materiais e tecnológicos, os
sistemas sim—
bólicos e de informação (que é o aspecto mais genuíno do currículo), as destrezas
do pro-
fessor, os alunos e outro tipo de pessoal, as componentes organizacionais e de
poder da ins-
tituição escolar e os parâmetros específicos para planificar a aprendizagem e a
avaliação.

Em súmula, muito será ainda de esperar da dimensão psicológica do currículo, mor-


mente quando, no momento actual, escreve Coll (1987: 35), “a Psicologia da Educação
não
dispõe ainda de um quadro teórico unificado e coerente que permita dar conta dos
múlti-
plos e complexos aspectos implicados nos processos de crescimento pessoal e da
influên-
cia que sobre eles exercem as actividades educativas escolares”.

Também na LBSE encontramos esta dimensão psicológica, na referência “à realização


do educando, através do pleno desenvolvimento da personalidade [...] no direito à
diferença,
mercê do respeito pelas personalidades e pelos projectos individuais da existência
[...] e na
realização pessoal e comunitária dos indivíduos" (LBSE, alíneas b), d) e f), artº
3.º).

5.4. ANÁLISE DA IDEOLOGIA


Enquanto projecto cultural, social e político, o currículo só pode ser construído
na base
de ideologias ou de sistemas de ideias, valores, atitudes, crenças, tudo isto
partilhado por
um grupo de pessoas com um peso significativo na sua elaboração.

Daí que Apple (1979) considere que a ideologia serve os interesses da classe
dominante
pºrque distorce a realidade do quadro social. Mesmo sendo um dos conceitos mais
indefi-
—_———-——-—____
57níveis nas Ciências Sociais, a ideologia utiliza-se para designar as relações de
poder ou as 3
práticas que socialmente contribuem para a formação de crenças e rituais, isto é,
um sis-
tema de representações que é colectivamente partilhado.

Ao conceito de ideologia associa-se também o de hegemonia, que surge com Gramsci


(1971) quando se refere à predominância de um grupo social específico que
detem'rina a
relação entre dominadores e dominados. Ao reclamar que toda a relação hegemônica é,
necessariamente, uma relação educativa, Gramsci torna claro que os grupos de poder
se :
envolvem em diSputas pedagógicas de modo a obterem o consenso dos grupos dominados.

E na medida em que as lideranças hegemônicas têm como objectivo a legitimação do "


tecido social, o currículo representa uma prática própria através da qual se
inculcam valo-
res e se entrecruzam interesses dos grupos dominadores.

Com o advento do estado moderno, o currículo torna-se num instrumento ideológico, '
com diferentes orientações (Eisner, 1992), que regula as relações entre a sociedade
e a
escolarização. Por isso, esclarece Kemmis (1988), o currículo é do interesse do
Estado e a
escolarização é um assunto público, enredada em enormes sistemas burocráticos para
con-
trolar todo o sistema educativo porque os professores numa escola de massas, já não
seriam
facilmente controlados como acontecia numa escola de elites.

Tal explica, aliás, que o currículo seja um instrumento de diferenciação que


obriga,
sugere-o Apple (1979), a articular três aspectos: a escola como instituição; as
formas de
conhecimento; o educador/professor.

Enquanto instituição, a escola veicula e inculca determinados valores que o Estado


pro-
cura implementar. Por outro lado, a prática conduz a valores que raramente são
previstos a
nível oficial.

Esta função da escola, que ora se apoia ora se critica, vê-se igualmente pelos
conteúdos
e formas de conhecimento. A escola é uma força activa que legitima ideologias,
formas
económicas e sociais que lhes estão intimamente relacionadas (Apple, 1979: 88):
“A escola não controla só pessoas; ajuda também a controlar significados.
Como conserva e distribui o que se entende como “conhecimento legítimo
— o conhecimento que todos devemos ter —, a escola confere legitimidade
cultural ao conhecimento de grupos especificos”. Contudo, isto não é tudo,
pois a capacidade que um grupo tem para converter o seu conhecimento em
"conhecimento para todos" está em relação com o poder desse grupo na
arena política e econômica mais ampla."
As decisões curriculares, seja por pane do Estado, ou seja por parte dos
professores e
outros grupos, discutir-se-ão como problemas ideológicos e não como questões unica—
mente educativas.

O professor surge, assim, como factor de ideologização do currículo tanto pelo seu
pen-
samento e acção como pela sua dimensão social e humana. Enquanto ente pensante e
actu-
ante, o professor reflecte um conjunto de opções culturais, políticas e económicas,
através
das quais modela e filtra o currículo no momento da sua concretização, tornando-se
num
————____.____________
58

nador e crítico.

- ' robtcmuu-
elemento activo da reprodução, “controlado”, ou da transformªçªº soc1a1, se P
- ' re reduçãº
Concluindo, na discussão da escola como um instrumento—ldãºlªílãªgs (1588: 103:
da vida social, política e económica, podem ocorrer, na optªm?ir : natureza e os
proble-
104), dois Perigos: o do determinismo — “consrste em consr er ndo a escola
unicamente
mas da escolarização como sendo determinados pelo Estado, ve'derar a escola e o
Estado
como produto deste” — e o da objectivização — “consiste em consr azes de produzir
efeitos
como se de coisas se tratassem, como se fossem coisas reais Cªge maneira
semelhante, o
por si mesmas [...] A escola é um conjunto de relaçoes socrars. 't cional mas uma
com-
Estado não é um edifício, um território ou uma estrutura constr u ,
plicadíssima rede de relações". _
São opções ideológicas do Estado portugues e conforme
neas d), j) e l), art.u 3.º):
vein consignado na LB SE (alr-
pelas personalidades e
' - E
me da considerªçªº
;, igualdade de
nvolver o ESP"
“assegurar o direito à diferença, mercê do respeitº
pelos projectos individuais da existêncra, bem eº
valorização dos diferentes saberes e culturas [...] 35333:”:
oportunidades para ambos os sexos [...), contnburr para 85
rito crítico e práticas democráticas [...]”
. de Torres
, , . - ' lªs ue, Sªgun .
Digamos que a dominar o curriculo exrstem diversas ideolog & em que “a “13010-
(1995: 19), têm as suas liturgias, técnicas e tá'cticas próprias na mgglé um
conceito tie uso
gia manifesta-se tanto nas ideias como nas prátrcas das pessoas. n nos abstractª"-
E neste
restrito aos estudos de correntes filosóficas ou à reflexao mais ou mf987) mas
também uma
sentido que o currículo e não só uma construção cultural (GrundY:M635 ligadªs
aoconhººí'
construção social (Goodson, 1997) que responde a inumeras que 31.080?” (Apple, 1999
a).
mento, sendo a mais pertinente “de quem e' o conhecrmento mais V && no entendimentº
de
Qualquer resposta relativa ao conhecimento 56 pode “ser encontra uanto pelo
relativismº
que o currículo é um projecto marcado tanto pelo umversalrsmo q
do que realmente é aprendido (Fourquin, 2000).

59

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