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Administrativo

Atos Administrativos Abusivos: novas visões


Rainner Jerônimo Roweder, Rafaela Jerônimo Roweder

Resumo: O ato administrativo possui a chancela da administração pública


para fazer com que seus agentes, representantes dos estados, atuem de forma
que façam a vontade do Estado, exercendo sua soberania sobre a coletividade.
Partindo da metodologia da tecnologia social científica, estudaremos neste
artigo algumas novas dimensões do ato administrativo, bem como o ato
administrativo abusivo.

Palavras-chave: ato administrativo, administração pública, abuso de poder.

Abstract: The administrative act has the backing of the administration to


make its agents, representatives of states, to act in a way that makes the will of
the state, exercising its sovereignty in the community. Based on the
methodology of social scientific technology, we will study in this article some
new dimensions of the administrative act and the abusive administrative act.
Keywords: administrative act, public administration, power abuse.

Sumário: Introdução. 1. Ato Administrativo. 2. O abuso de poder nos atos


administrativos. 2.1 Desvio de poder nos atos administrativo 2.2 Excesso de
poder nos atos administrativos 2.3 Efeitos e repressão do abuso de poder nos
atos administrativos. Conclusão. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

A Administração Pública possui a prerrogativa de atuar através da supremacia


do poder público e da indisponibilidade do interesse público. Tais
prerrogativas são originárias dos princípios constitucionais, a qual dá apoio as
mais variadas formas de poder da Administração em face dos administrados.
Neste prisma, surgem as prerrogativas do poder público em face do cidadão,
que são: fiscalizar, atuar com poder de polícia, executar seus atos em favor da
coletividade, desapropriar bens de particulares, dentre inúmeros outros.
Destarte, podendo a Administração Pública atuar com poder de polícia,
indaga-se: O que acontece se o Estado, invocando sua discricionariedade,
atuar de forma ilegal, abusiva e eivada de malícia no único intuito de obter
vantagens para os próprios administradores ou para terceiros?

O Estado exerce a função de administrar, sendo que para isso necessita de


seus agentes para a consumação de seus atos. Estes agentes, não muitas vezes
probos na execução dos atos, maculam a Administração Pública, sendo que se
torna imperioso o prejudicado se fazer valer pelas vias competentes para
reparar o dano.

Diante disso, o presente trabalho traz a tona as peculiaridades do abuso de


poder e suas consequências, uma vez que o Estado, através da sua
Administração, comete erros, injustiças, ilegalidades e imoralidades.

Será ilegal qualquer ação da Administração Pública que se interna no campo


juridicamente e, para caracterizar este setor do direito administrativo, estuda-
se o ato administrativo na Administração Pública, que será exercido sobre
todas as atividades e bens que afetam ou possam afetar a coletividade.

Trabalhamos neste artigo o conceito de atos administrativos e a possibilidade


do abuso de poder pela Adminstração Pública.

1ATO ADMINISTRATIVO

Para gerir a Administração Pública, o Estado investe em seus agentes


públicos, sendo que sua exteriorização ocorre por atos administrativos.

Neste diapasão, é necessário, em primeiro lugar, que a vontade do ato


administrativo emane de agente da Administração Pública ou dotado de
prerrogativas desta. Depois, seu conteúdo há de propiciar a produção de
efeitos jurídicos com fim público. Por fim, deve toda essa categoria de atos ser
regida basicamente pelo direito público. (MOREIRA NETO, 2001).

Em seguida, estabelece o artigo 82 do Código Civil (BRASIL, 2002): “A


validade do ato jurídico requer agente capaz, objeto e forma prescrita ou não
defesa em lei”.

Denota-se que a regra no Direito Privado é a autonomia da vontade, onde “o


que não está proibido é permitido”, isto é, ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer algo senão em virtude de lei, direito incluído dentre as
garantias fundamentais do indivíduo, inserto no art. 5º, inciso II, da Magna
Carta (BRASIL, 1988).

Por isso é que o ato do agente administrativo é um ato jurídico, mas não um
negócio jurídico.
Daí ser específico o exame dos denominados vícios de vontade no ato
administrativo, sendo certo concluir que o Direito Administrativo escolheu
critérios objetivos para disciplinar a invalidação dos atos dos agentes,
podendo prescindir os chamados vícios da vontade existentes no Direito
Privado, e sendo assim, o ato administrativo será adstrito à lei, não havendo
liberdade, não há vontade, o fim, e não a vontade, domina todas as formas de
administração.. (CRETELLA JÚNIOR, 2000).

Como bem preconiza Seabra Fagundes (1995): “Administrar é aplicar a lei de


ofício”. (FAGUNDES, 1979, p. 17).

Bem dispõe José dos Santos Carvalho Filho (2004) sobre os atos dos agentes
públicos:

A submissão do ato administrativo ao princípio da legalidade (ou


juridicidade), constitucionalmente previsto no art. 37, é dever, o que se traduz
em total falta de liberdade, em total ausência da autonomia da vontade por
parte do administrador público. O interesse visado também se apresenta como
contraponto entre o ato civil e o ato administrativo. Enquanto que aquele visa
à satisfação de interesses individuais ou particulares, à Administração Pública
cumpre buscar somente o interesse público. (CARVALHO FILHO, 2004, p.
351).

É cabível ainda transcrever a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello


(2008):

Então, diferente do ato civil em que alguém procura apenas o interesse de sua
própria pessoa, o ato administrativo só pode buscar um interesse
transcendente à simples unidade jurídica do aparelho estatal. Isto é, só lhe
assiste perseguir um interesse do qual se pode dizer – em certo sentido – que é
um interesse alheio: o da coletividade, dos administrados, em geral. (MELLO,
2008, p. 117).

Conclui-se que os atos dos agentes administrativos é a exteriorização da


vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa
condição, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos
jurídicos, com o fim de atender ao interesse público. (DI PIETRO, 2003).

O ato administrativo pode penetrar na esfera de interesses de terceiros,


prevalecendo sempre o interesse público sobre o privado, tendo o ato
presunção de legitimidade, até prova em contrário.

Nos dizeres de Seabra Fagundes (1979): “[...] os atos administrativos apenas


realizam o direito pela individualização das regras gerais e abstratas
constitutivas do Direito Positivo”. (FAGUNDES, 1979, p. 54).
Assim, o ato do agente administrativo possui como definição essencial a
manifestação do Estado, o exercício de prerrogativas e com base em lei, tendo
por fim direitos e impor obrigações aos administrados. Veremos no próximo
capítulo as consequencias da má aplicação da conceituação acima descrita, ou
seja, veremos o que acontece quando um ato administrativo é utilizado de
manera irregular.

2 O ABUSO DE PODER NOS ATOS ADMINISTRATIVOS

Primeiramente, deve-se destacar a importante referência feita por Hely Lopes


Meirelles (2006) acerca do uso do poder:

O uso do poder é prerrogativa da autoridade. Mas o poder há que ser usado


normalmente, sem abuso. Usar normalmente do Poder é empregá-lo segundo
as normas legais, a moral da instituição, a finalidade do ato e as suas
exigências do interesse público. Abusar do poder é empregá-lo fora da lei,
sem utilidade pública. O poder é confiado ao administrador público para ser
usado em benefício da coletividade administrativa, mas usado nos justos
limites que o bem-estar social exigir. A utilização desproporcional do poder, o
emprego arbitrário da força, a violência contra o administrado, constituem
formas de uso do poder estatal, não toleradas pelo Direito e nulificadoras dos
atos que as encerram. (MEIRELLES, 2006. p. 112).

O abuso de poder deve estar sempre atrelado aos princípios da Administração


Pública. Se os princípios não forem observados, estará configurado um
eventual abuso de poder, pois o agente administrativo somente pode atuar se
seu ato estiver dentro da lei.

Nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho (2004):

O poder administrativo representa uma prerrogativa especial de direito


público outorgada aos agentes do Estado. Cada um destes terá a seu cargo a
execução de certas funções. Ora, se tais funções foram por lei cometidas aos
agentes, devem eles exercê-las, pois que seu exercício é voltado para
beneficiar a coletividade. Ao fazê-lo, dentro dos limites que a lei traçou, pode
dizer-se que usuram normalmente os seus poderes. Uso do poder, portanto, é a
utilização normal, pelos agentes públicos, das prerrogativas que a lei lhes
confere. (CARVALHO FILHO, 2004, p. 32).

No abuso de poder, o agente administrativo desvia a finalidade ou excede nos


seus atos quando atua de forma contrária a lei ou aos princípios. Salienta-se
que o abuso de poder é gênero enquanto o desvio e o excesso de poder são
espécies desse gênero. (VELLOSO, 2007).
Por essa razão, havará duas formas de abuso: o excesso de poder e o desvio de
poder, que poderá decorrer de duas causas:

a) o agente atua fora dos limites de sua competência (excesso de poder);

b) o agente, embora dentro de sua competência, afasta-se do interesse público


que deve nortear todo o desempenho administrativo (desvio de poder).

Quanto ao conceito de abuso de poder, Velloso Gabba (2007) a define da


seguinte forma:

Abuso de poder é o ato ou efeito de impôr a vontade de um sobre a de outro,


tendo por base o exercício do poder, sem considerar as leis vigentes. Desta
maneira é evidente que a palavra ‘abuso’ já se encontra determinada por uma
forma mais subtil de poder, o poder de definir a própria definição. Assim que
o abuso só é possível quando as relações de poder assim o determinam. A
democracia direta é um sistema que se opõe a este tipo de atitude. O abuso de
poder pode se dar em diversos níveis de poder, desde o doméstico entre os
membros de uma mesma família, até aos níveis mais abrangentes. O poder
exercido pode ser o econômico, político ou qualquer outra forma a partir da
qual um indivíduo ou coletividade têm influência direta sobre outros. O abuso
caracteriza-se pelo uso ilegal ou coercivo deste poder para atingir um
determinado fim. O expoente máximo do abuso do poder é a submissão de
outrem às diversas formas de escravidão. (GABBA, 2007, p. 48).

Ocorrendo o abuso de poder, estará caracterizado um desvio de poder, ou seja,


desvio de finalidade, ou o excesso de poder, a qual serão examinados a seguir,
uma vez que, repita-se, o abuso de poder é o gênero, enquanto o desvio e o
excesso de poder são as suas espécies.

Para trabalhar melhor esta questão veremos mais detalhadamente: o desvio e o


excesso de poder nos atos administrativos, bem como os efeitos e a repressão
do abuso de poder nos mesmos.

2.1 Desvio de poder nos atos administrativos

O termo desvio significa afastamento, mudança de direção ou distorção. Por


sua vez, poder é faculdade, competência a respeito de um assunto específico.
Daí a conclusão de que a expressão desvio de poder significa afastamento
prático de determinado ato ou, em outras palavras, no desvio de poder, o
agente administrativo se afasta do interesse público no único intuito de obter
vantagens para si ou para terceiros. (CARVALHO FILHO, 2004).
No desvio de poder, estará o agente deixando de observar os princípios da
legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da supremacia do interesse
público, dentre outros. (DI PIETRO, 2003).

Conforme ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho (2004):

O desvio de poder é a modallidade de abuso em que o agente busca alcançar


fim diverso daquele que a lei lhe permitiu. A finalidade da lei está sempre
voltada para o interesse público. Se o agente atua em descompasso com esse
fim, desvia-se de seu poder e pratica, assim, conduta ilegítima. Por isso é que
tal vício é também denominado de desvio de finalidade, denominação, aliás,
adotada na lei que disciplina a ação popular (Lei nº. 4.717, de 29/06/1965, art.
2º, parágrafo único, ‘e’). (CARVALHO FILHO, 2004, p. 34).

O desvio de poder é a conduta mais visível nos atos discricionários. Decorre


desse fato a dificuldade na obtenção da prova efetiva do desvio, sobretudo
porque a iletitimidade vem dissimulada sob a aparência da perfeita legalidade.

Observa a esse respeito Celso Antônio Bandeira Mello (2008):

Trata-se, pois, de um vício particularmente concesurável, já que se traduz em


comportamento soez, insidioso. A autoridade atua embuçada em pretenso
interesse público, ocultando dessarte seu malicioso desígnio. Não obstante,
ainda que sem prova ostensiva, é possível extrair da conduta do agente os
dados indicadores do desvio de finalidade, sobretudo à luz do objetivo que a
inspirou. (MELLO, 2008, p. 106).

A razão histórica do desvio de poder originou-se na França, onde se buscou


reprimir ou fazer cessar os abusos inerentes à natureza humana e egoísmos
dos agentes públicos. (TÁCITO, 2002).

Conforme narração histórica de José Cretella Junior (2000):

No mencionado ‘leading-case’, o Prefeito da cidade francesa de Fontanebleau


proibiu um motorista de estacionar o seu ônibus no pátio interno da Estação
Ferroviária daquela cidade. O objetivo da proibição seria assegurar o
cumprimento de contrato celebrado entre a empresa ferroviária e outro
proprietário de ônibus, por meio do qual somente este último teria o direito de
estacionar e desembarcar seus passageiros. Texto de lei anterior previa
poderes à autoridade pública de regular o estacionamento e a circulação de
veículos. Entretanto, o Conselho de Estado anulou a decisão do Prefeito, por
entender que este não poderia exercer seus poderes de polícia para fins
estranhos à manutenção da ordem e a organização do trânsito. Posteriormente,
o Prefeito editou nova regulamentação, ainda restritiva, que foi anulada com
fundamento no desvio de poder pelo mesmo contencioso administrativo.
(CRETELLA JUNIOR, 2000, p. 220).

Pela mesma razão que o prefeito da cidade francesa agiu com desvio de poder
para beneficar alguns particulares, outras autoridades também assim o fazem
com frequencia, pois atuam com discricionariedade para desviarem a
finalidade de seus atos no único intuito de beneficiarem a si próprios ou
terceiros. (MELLO, 2008).

Por essa razão, é difícil descobrir se, em um ato discricionário do agente


administrativo trata-se de desvio de poder ou não, haja vista que seu ato está
dissimulado na legalidade. No entanto, a tendência atual da jurisprudência é
que a teoria do desvio de poder sempre será aplicada nos Tribunais pátrios.
(TÁCITO, 2002).

Destarte, a Justiça adotou critérios para diagnosticar se são legítimos ou não


os atos administrativos dos agentes administrativos, iniciando este
entendimento a partir de um acórdão prolatado por Seabra Fagundes (1948),
antigo desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, in
verbis:

PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO – ABUSO DESSE


PODER – MANDADO DE SEGURANÇA – DIREITO LÍQUIDO E
CERTO. No que concerne à competência, à finalidade e à forma, o ato
discricionário está tão sujeito aos textos legais como qualquer outro. O ato
que, encobrindo fins de interesse público, deixe à mostra finalidades pessoais
poderá cair na apreciação do Poder Judiciário, não obstante originário do
exercício de competência livre. O ‘fim legal’ dos atos da Administração pode
vir expresso ou apenas subentendido na lei. O direito, que resulta não da letra
da lei, mas do seu espírito, exsurgindo implicitamente do texto, também pode
apresentar a liquidez e certeza que se exigem para concessão do mandado de
segurança. (TJRN. Ap. Cível 1.422. Relator Desembargador Seabra Fagundes.
Ano de julgamento: 1948).

O Superior Tribunal de Justiça, a respeito da repercussão do


mencionado decisium do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte acima
transcrito, iniciou seu entendimento sobre desvio de poder da seguinte forma:

Se a administração, no uso do seu poder discricionário, não atende ao fim


legal a que está obrigada, entende-se que desviou do seu poder. A insistência
nesta idéia central é que confere ao voto do des. Seabra Fagnudes o sentido
inovador de que se reveste, pois esta questão tem sido descurada pela nossa
jurisprudência, e o próprio autor deste comentário, ao tratar em outra
oportunidade dos atos discricionários, deixou de fazer a respeito as ressalvas
que se impunham. (STJ. Justiça. REsp 169.876⁄SP. Relator Ministro José
Delgado. Ano de Julgamento: 1988).

Destarte, para que ocorra o desvio de poder, o agente público se utilizará de


sua autoridade ou competência para alcançar finalidade alheia àquela para a
qual ela foi instituída. Essa distorção de finalidade, segundo a doutrina de
Celso Antônio de Mello, pode ocorrer nas seguintes modalidades (MELLO,
2008):

a) quando o agente busca uma finalidade alheia ao interesse público;

b) quando o agente público busca uma finalidade, ainda que de interesse


público, porém, não é aquela específica da competência utilizada, isto é, não é
o fim pré-determinado pela lei que dá validade ao ato administrativo;

c) quando o agente busca uma finalidade, seja alheia ao interesse público ou à


categoria deste que o ato se revestiu, por meio de omissão.

Na primeira hipótese, conforme ensimentos Celso Antônio de Mello (2008):

O agente, visando o interesse particular próprio ou de terceiro, ou seja,


finalidade alheia ao interesse público, pratica ato aparentemente legal sob o
pretexto de alcançar o interesse da coletividade. É o caso, por exemplo, de um
superior que remove um funcionário para local afastado sem nenhum
fundamento de fato que requeresse o ato, mas apenas para prejudicá-lo em
razão de sua inimizade por ele. (MELLO, 2008, p. 379).

Na segunda modalidade, ainda conforme ensinamentos de Celso Antônio de


Mello (2008):

Quando o agente público, mesmo que visasse atender um objetivo público,


vale-se de categoria diversa da autorizada em lei para a prática daquele ato,
revestindo-se assim seu ato de patente vício, uma vez que à Administração
Pública só é lícito fazer o que a lei lhe permite por meio dos atos que esta lhe
atribui a competência para editar. Utilizando o exemplo anteriormente citado,
ocorre em situação na qual o agente remove um funcionário do local onde
esteja lotado – que merecia uma punição disciplinar – para uma localidade
mais afastada com o objetivo de castigá-lo. (MELO, 2008, p. 382).

Ao agasalho do tema em comento, assim já se manifestou o E. Tribunal de


Justiça de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2006, p. 21):

ADMINISTRATIVO. REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO.


MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORA PÚBLICA. PEDIDO DE
NULIDADE DE REMOÇÃO COM O CONSEQÜENTE RETORNO À
ESCOLA EM QUE ESTAVA LOTADA ANTERIORMENTE.
SEGURANÇA CONCEDIDA. EXISTÊNCIA DE PROVA PRÉ-
CONSTITUÍDA DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DESVIO DE
FINALIDADE CONFIGURADO. AUSÊNCIA OU INSUFICIÊNCIA DE
MOTIVAÇÃO. SENTENÇA CONFIRMADA. Mesmo admitindo se que o
servidor não possui direito de permanecer sempre lotado num mesmo local e,
conseqüentemente, reconhecendo se à Administração Pública o direito de
proceder à remoção ‘ex officio’ dele, por meio de ato da autoridade
competente e com fundamento no interesse do serviço, na espécie, é
imperioso destacar que houve vício de finalidade. Partindo-se da premissa de
que a motivação é hoje elevada à categoria de princípio constitucional de
direito administrativo e tendo em mente que a legalidade do ato administrativo
deve ser apreciada em função dos fundamentos alegados, não constando
expressamente no ato administrativo impugnado o real motivo pelo qual se
deu a remoção da impetrante e tendo sido nomeado outro servidor (não
efetivo) para preencher a lacuna deixada pela lotação dela em outra escola
municipal, é evidente a existência de situação concreta e objetiva que
ocasionou lesão ao seu direito líquido e certo de não ser removida sem a
devida motivação. Quando isso ocorre, fica o Poder Judiciário autorizado a
decretar a nulidade do ato, já que a Administração fez uso indevido da
discricionariedade, ao desviar-se dos fins de interesse público definidos na lei.
(TJMG. Processo nº. 1.0003.05.012263-3/001. Relator Desembargador
Brandão Teixeira. Data de Publicação: 01/09/2006).

E por fim, quando o agente busca uma finalidade, seja alheia ao interesse
público ou à categoria deste que o ato se revestiu, por meio de omissão,
Mônica Bandeira de Mello Lefèvre (2009) ensina que:

A autoridade administrativa competente, contrariando o interesse público,


simplesmente mantém-se inerte frente à pretensão do administrado. Em outras
palavras, quando a Administração Pública recusa-se a manifestar, seja pelo
deferimento ou indeferimento, acerca do pleiteado pelo particular, estará o ato
alheio ao interesse público. É o chamado desvio de poder por omissão. Ao
omitir-se, o Poder Público age em desconformidade com a finalidade
pretendida pela norma legislativa e inobservância dessa finalidade, por sua
vez, caracteriza ato arbitrário e configura desvio de poder. (LEFÈVRE, 2009,
p. 02).

Portanto, no desvio de poder, deve se examinar a intenção do ato


administrativo do agente público. Se tal agente praticou o ato com vistas a
respeitar e cumprir com o mandamento da lei e em conformidade com o
interesse público, estará o ato dentro da legalidade, no entanto, se o mesmo
ato se prendeu a razões menores, pessoais ou o realiza em atenção as razões
estranhas à finalidade por que lhe foi outorgada a competência para praticá-lo,
estará o ato viciado de ilegalildade, sendo merecedor de reforma
administrativa (princípio da autotutela), ou até mesmo pela via judicial.
2.2 Excesso de poder nos atos administrativos

O excesso de poder é a forma de abuso próprio da atuação do agente que está


fora dos limites de sua competência administrativa. Nesse caso, ou o agente
invade atribuições cometidas a outro agente, ou se arroga o exercício de
atividades que a lei não lhe conferiu. (CARVALHO FILHO, 2004).

Conforme asseva Odete Medauar (2004):

O ato praticado com excesso de poder é manchado pela pecha da ilegalidade,


em razão da existência de vício em um de seus elementos, qual seja, a
competência. Resta saber se tal ato pode ser aproveitado, ou seja, se pode
haver a correção do vício que o macula. Em se tratando de vício de
incompetência, admite-se a sanatória ou convalidação do ato na forma da
ratificação. O artigo 55 da Lei nº. 9.784/99, que trata do processo
administrativo em âmbito federal, prevê expressamente a possibilidade de
convalidação, pela Administração, de atos eivados de defeitos sanáveis, desde
que isso não gere lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros.
(MEDAUAR, 2004, p. 53).

Destarte, o excesso de poder ocorre quando o agente age fora dos limites de
sua competência administrativa, invadindo competência de outros agentes ou
praticando atos administrativos que a lei não lhe conferiu. O policial civil,
embora competente para apurar um crime, foi além do que lhe permitiu a lei,
exorbitando no uso de sua competência. (CARVALHO FILHO, 2004).

Entretanto, no caso do exemplo acima, pode o delegado de polícia convalidar


o inquérito policial, ou seja, validar o procedimento, tornando aquele ato
legal, uma vez que o delegado de polícia tem competência para instaurar o
inquérito.

No entanto, não são todos os casos que um ato de excesso de poder pode a vir,
posteriormente, ser validado pela autoridade competente. Como exemplo: um
servidor de fiscalização ambiental aplica uma multa de trânsito. Neste caso,
nem mesmo o órgão competente pode ratificar aquela multa, pois o ato já
iniciou nulo, uma vez que o fiscal ambiental não possui permissão, técnica ou
preparo para constatar se realmente ocorreu ou não a infração de trânsito.
(TÁCITO, 2002).

Assim, estas são as duas possibilidades de abuso de poder (desvio de poder e


excesso de poder), sendo que ambas possuem uma única peculiariedade: a
inobservância do fim público.

Posteriormente, será analisado os efeitos e a repressão desses abusos de poder.


2.3 Efeitos e repressão do abuso de poder nos atos administrativos

Agindo com abuso de poder, por qualquer de suas formas (desvio de poder ou
excesso de poder), o agente submete sua conduta à revisão, judicial ou
administrativa, uma vez que o abuso de poder não pode compatibilizar-se com
as regras da legalidade, de modo que, constatado o abuso, cabe repará-lo.

Os efeitos do abuso de poder pelos atos administrativos são várias, com por
exemplo: corrompe a Administração Pública, prejudica os atos discricionários,
denegride a imagem do agente e do próprio órgão administrativo, ofende os
princípios constitucionais da Administração Pública, prejudica o erário
público, deixa de atender o interesse público, dentre outros. (CARVALHO
FILHO, 2004).

Para corrigir tais efeitos, a conduta abusiva do agente deve ser revista de
forma administrativa, ou via judicial, para que o dano pode seja reparado,
refeito ou invalidado.

José dos Santos Carvalho Filho (2004) ensina que:

A invalidação da conduta abusiva pode dar-se na própria esfera administrativa


(autotutela) ou através de ação judicial, inclusive por mandado de segurança
(art. 5º, LXIX, CF). Por outro lado, o abuso de poder constitui, em certas
circunstânicas, ilícito penal, como dispõe a Lei nº. 4.898, de 9/12/1965, que
estabelece sanções para o agente da conduta abusiva. (CARVALHO FILHO,
2004, p. 54).

Destarte, para reprimir o abuso de poder, responsabiliza-se o seu autor


administrativamente, civilmente ou criminalmente, conforme o caso. Nada
impede que em certas circunstâncias essa responsabilidade seja tríplice.
Contra o abuso de poder sempre caberá o mandado de segurança para tornar
nulo o ato que contém vícios.

De fato, prescreve a Constituição Federal, no inciso LXIX do art. 5º


(BRASIL, 1988, p. 26):

Art. 5º. [...]

Inciso LXIX. Concerder-se-à mandado de segurança para proteger direito


líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o
responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou
agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

A medida pode ser preventiva quando se predispõe a evitar o abuso de poder,


ou suspensiva quando preordenada a obstar à continuidade do procedimento
abusivo do agente administrativo.
Sobre o tema, diz Hely Lopes Meirelles (2006) que:

O abuso de poder tem merecido sistemático repúdio da doutrina e da


jurisprudência, e para seu combate o constituinte armou-se com o remédio
heróico do mandado de segurança, cabível contra ato de qualquer autoridade
(Constituição da República, art. 5º, LXIX, e Lei 1.533/51) e assegurou a toda
pessoa o direito de representação contra abusos de autoridade (art. 5º,
XXXIV, a), complementando esse sistema de proteção contra os excessos de
poder com a Lei 4.898, de 9 dez. 1965, que pune criminalmente esses mesmos
abusos de autoridade. (MEIRELLES, 2006, p. 214).

Assim, para reprimir o abuso de poder, o ato administrativo ilegal deve ser
obrigatoriamente revisto, na forma administrativa ou judicial. Caso contrário,
poderá o prejudicado impetrar mandado de segurança na via judicial, podendo
o autor do abuso vir a sofrer sanções cíveis e penais, dependendo do caso
concreto. (CARVALHO FILHO, 2004).

Quando o prejudicado é a sociedade em geral ou o próprio patrimônio


público, terá competência para ajuizar a demanda judicial o Ministério
Público, que é o órgão incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, devendo
neste caso ser ajuizado ação civil pública contra os responsáveis pelo abuso.
(DI PIETRO, 2003).

Caso o único prejudicado for o particular, pode o mesmo se utilizar do


mandado de segurança pela via judicial, fazendo com que aquele ato abusivo
da Administração Pública seja suspenso, para que após seja invalidado e/ou
reparado, devendo o Estado responder por qualquer lesão patrimonial ou
moral que venha a produzir contra terceiros. (DI PIETRO, 2003).

CONCLUSÃO

A Administração Pública possui a função básica de estabelecer um conjunto


de órgãos, serviços e agentes do Estado, bem como das demais pessoas
coletivas públicas, para satisfazer as necessidades e alcançar sempre o fim
público.

No ato administrativo, o agente deverá estar no exercício da função pública


ou, ao menos, a pretexto de exercê-la. Essa exteriorização volitiva difere da
que o agente manifesta nos atos de sua vida privada em geral.

Por outro lado, quando pratica o ato administrativo, a vontade individual se


subsume a vontade administrativa, ou seja, a exteriorização da vontade é
considerada como proveniente do órgão administrativo, e não do agente visto
como individualidade própria.
Salienta-se que o ato administrativo possui como definição essencial a
manifestação do Estado, o exercício de prerrogativas e será com base em lei,
tendo por fim direitos e impor obrigações aos administrados.

Destarte, o ato administrativo na Administração Pública deve conter os


seguintes requisitos para tornar-se válidos sua atuação perante os
administrados: competência, finalidade, forma, motivo e objeto.

Estes requisitos apresentam-se como condição de validade dos atos


administrativos, e, na sua falta, deverá ser o ato nulo.

A imperatividade, também chamada de coercibilidade, irá delinear os atos


administrativos, obrigando a todos quantos que se encontrem em seu círculo
de incidência, sendo que o único alvo da Administração Pública é o interesse
público.

No mais, a Administração Pública somente pode fazer o que a lei estipula,


caracterizando o poder vinculado, ou poderá, em certas circunstâncias, atuar
com o poder discricionário. Os atos que se classificam como vinculados têm
seus contornos quase totalmente delineados pela lei, que deve fielmente ser
observada pelo agente público, sob pena de nulidade do ato.

Sendo a prática de tais atos um dever da Administração, a contrario sensu,


constituem um direito dos administrados. Assim, a omissão do agente público
na prática de tais atos ou a sua prática sem a fiel observância do enunciado da
lei, em todas as suas especificações, traria ofensa a direito do administrado
que, no primeiro caso, poderia, através do Poder Judiciário, compelir a
Administração à prática do ato, e, no segundo, a declarar a sua nulidade.

Como a atuação da Administração Pública deve sujeitar-se aos parâmetros


legais, a conduta abusiva não pode merecer aceitação no mundo jurídico,
devendo ser corrigida na via administrativa ou judicial. A utilização do poder,
portanto, deve guardar conformidade com o que a lei dispuser.

O uso anormal do poder é circunstância que torna ilegal, total ou


parcialmente, o ato administrativo ou irregular a sua exceção.

Há, assim, desvio de finalidade ou excesso de poder, conforme a ilegalidade


seja total ou parcial do ato administrativo. Há abuso de poder quando a
autoridade, embora competente, exceda os limites de sua atribuição legal ou
se desvia de suas finalidades administrativas.

Agindo com abuso de poder em seus atos, por qualquer de suas formas, o
agente submete sua conduta à revisão, judicial ou administrativa. O abuso de
poder não se compatibiliza com as regras da legalidade, de modo que,
constatado o abuso, cabe repará-lo e anular os atos.

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Informações Sobre os Autores

Rainner Jerônimo Roweder

Acadêmico em Direito na UFMG

Rafaela Jerônimo Roweder

Tabeliã de Notas no Estado do Paraná

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Informações Bibliográficas

ROWEDER, Rainner Jerônimo; ROWEDER, Rafaela Jerônimo. Atos


Administrativos Abusivos: novas visões. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande,
XV, n. 101, jun 2012. Disponível em:
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