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PODERES ADMINISTRATIVOS (versão full)

Atualizado 21/06/2020

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 2

2. PODERES ADMINISTRATIVOS EM ESPÉCIE 4

2.1. Poder vinculado 5

2.2. Poder discricionário 7

2.3. Poder regulamentar 9

2.4. Poder hierárquico 12

2.5. Poder disciplinar 15

2.6. Poder de polícia 16


Direito Administrativo - Poderes administrativos

Fontes: José dos Santos Carvalho Filho


Maria Sylvia Zanella Di Pietro
Celso Antônio Bandeira de Mello
Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo
Rafael Carvalho Rezende Oliveira
Lucas Rocha Furtado

1. INTRODUÇÃO

Como decorrência do Princípio da Supremacia do Interesse Público, os Poderes Administra-


tivos são prerrogativas da Administração Pública para o atendimento dos interesses da coletividade,
sendo, por isso, denominados de poderes instrumentais.

Os Poderes Administrativos representam instrumentos que, utilizados isolada ou conjuntamente, per-


mitem à Administração cumprir suas finalidades. Tratam-se, assim, de poderes instrumentais, aspecto
em que diferem dos poderes políticos – Legislativo, Judiciário e Executivo -, os quais são Poderes
estruturais, dizem com a própria estrutura do Estado, estabelecida diretamente pela Constituição.

(Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. Direito Administrativo Descomplicado).


2
Obs.: Os Poderes Administrativos são exercidos no âmbito de todos os Poderes da
Administração, em que pese seja mais fácil a sua visualização no âmbito do Poder Executivo.

(...) é impossível conceber que o Estado alcance os fins colimados sem a presença de seus agentes,
estes (...) o elemento físico e volitivo através do qual atua no mundo jurídico.

Logicamente, o ordenamento jurídico há de conferir a tais agentes certas prerrogativas peculiares à


sua qualificação de prepostos do Estado, prerrogativas estas indispensáveis à consecução dos fins
públicos. Constituem elas os poderes administrativos.

(...)

O poder administrativo representa uma prerrogativa especial de direito público outorgada aos agentes
do Estado. Cada um desses terá a seu cargo a execução de certas funções. Ora, se tais funções foram
por lei cometidas aos agentes, devem estes exercê-las, pois seu exercício é voltado para beneficiar a
coletividade. Ao fazê-lo, dentro dos limites que a lei traçou, pode dizer-se que usaram normalmente os
seus poderes.

(Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo).

Os Poderes Administrativos restam consignados na doutrina pátria não apenas como Pode-
res, mas também Deveres da Administração Pública (PODER-DEVER), tendo em vista que ao
lado do princípio da Supremacia do Interesse Público se encontra o Princípio da Indisponibilidade
do Interesse Público, ambos regentes do Regime Jurídico Administrativo.
Direito Administrativo - Poderes administrativos

Embora o vocábulo poder dê a impressão de que se trata de faculdade da Administração, na realidade


trata-se de poder-dever, já que reconhecido ao poder público para que o exerça em benefício da
coletividade; os poderes são, pois, irrenunciáveis. Todos eles encerram prerrogativas de autoridade,
as quais, por isso mesmo, só podem ser exercidas nos limites da lei.

(Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo).

Em suma: os “poderes administrativos” – na realidade, deveres poderes – só existirão – e, portanto,


só poderão ser validamente exercidos – na extensão e intensidade proporcionais ao que seja irrecu-
savelmente requerido para o atendimento do escopo legal a que estão vinculados. Todo excesso, em
qualquer sentido, é extravasamento de sua configuração jurídica. É, afinal, extralimitação da compe-
tência (nome que se dá, na esfera pública, aos “poderes” de quem titulariza função). É abuso, ou seja,
uso além do permitido, e como tal, comportamento inválido que o Judiciário deve fulminar a requeri-
mento do interessado.

(Celso Antônio Bandeira de Melo. Curso de Direito Administrativo).

(...) As prerrogativas públicas, ao mesmo tempo em que constituem poderes para o administrador
público, impõe-lhe o seu exercício e lhe vedam a inércia, porque o reflexo desta atinge, em última
instância, a coletividade, esta a real destinatária de tais poderes.

Esse aspecto dúplice do poder administrativo é que se denomina de poder-dever de agir. E aqui são
irretocáveis as já clássicas palavras de HELY LOPES MEIRELLES: “Se para o particular o poder de
agir é uma faculdade, para o administrador público é uma obrigação de atuar, desde que se
apresente o ensejo de exercitá-lo em benefício da comunidade”. 3
(Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo).

Nessa linha intelectiva, sendo os Poderes Administrativos verdadeiros deveres da Adminis-


tração de atuar conforme as regras e princípios do ordenamento jurídico para o atendimento das
necessidades públicas, é cediço que uma vez havendo o extravasamento da sua configuração jurí-
dica, haverá o denominado Abuso de Poder.

(...) representa uma violação ao princípio da Supremacia do Interesse Público, um verdadeiro desvir-
tuamento de seu escopo, o desempenho dos poderes administrativos sem observância dos direitos e
garantias constitucionais – com destaque para o devido processo legal – bem como dos princípios
jurídicos em geral e dos termos e limites estabelecidos na lei. O exercício ilegítimo das prerrogativas
conferidas pelo ordenamento jurídico à Administração Pública caracteriza, genericamente, o denomi-
nado Abuso de Poder.

(Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. Direito Administrativo Descomplicado).

O Abuso de Poder é gênero1, do qual decorrem como espécies o Desvio de Poder ou Desvio
de Finalidade, e o Excesso de Poder.

1
O professor Rafael Rezende cita como exemplo de excesso de poder a atuação do agente público policial que
utiliza da força desproporcional para impedir manifestação pública, extrapolando a competência delimitada na
lei. Já como exemplo de desvio de poder, o doutrinador menciona a edição de ato administrativo para beneficiar
parentes, a fim de alcançar, dessa forma, finalidade diversa do interesse público.
Direito Administrativo - Poderes administrativos

O Excesso de Poder se dá quando o agente público atua fora dos limites de sua competên-
cia, razão pela qual se configura vício relacionado ao elemento competência dos atos administrativos.

Se a competência for relacionada à matéria ou se tratando de competência exclusiva, o


excesso de poder implicará a nulidade do ato administrativo praticado. Por sua vez, se o vício de
competência for quanto à pessoa, será possível a convalidação desse ato administrativo, desde que
preenchidas as condições legais.

Já o Desvio de Poder se verifica quando o agente público, em que pese atuando nos limites
de sua esfera de competências, acaba por desviar-se da finalidade explícita ou implícita do ato.

O Desvio de Finalidade pode ser em relação à finalidade geral do ato - que é sempre o
interesse público -, como também pode ser em relação à finalidade específica do ato. Em ambas as
situações, os atos praticados com desvio de poder são nulos.

Obs.: Sobre vícios de competência e de finalidade, vide material relativo aos Atos
Administrativos.
4

2. PODERES ADMINISTRATIVOS EM ESPÉCIE

É importante consignar que grande parcela da doutrina ao tratar dos Poderes Administrativos
elenca os seguintes: Poder Vinculado, Poder Discricionário, Poder Regulamentar, Poder Hie-
rárquico, Poder Disciplinar e Poder de Polícia.

De outra banda, há autores que entendem que o Poder Vinculado e o Poder Discricionário
não são propriamente Poderes Administrativos, mas atributos de outros poderes ou competên-
cias da Administração Pública, razão pela qual abordam a matéria quando do estudo dos Atos
Administrativos.

É o caso da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que assim aduz:

O chamado “poder vinculado”, na realidade, não encerra “prerrogativa” do Poder Público, mas, ao
contrário, dá ideia de restrição, pois, quando se diz que determinada atribuição da Administração
é vinculada, quer-se significar que está sujeita à lei em praticamente todos os aspectos. O legis-
lador, nessa hipótese, preestabelece todos os requisitos do ato, de tal forma que, estando eles
presentes, não cabe à autoridade administrativa senão editá-lo, sem apreciação de aspectos
concernentes à oportunidade, conveniência, interesse público, equidade. Esses aspectos foram
previamente valorados pelo legislador.
Direito Administrativo - Poderes administrativos

A discricionariedade, sim, tem inserida em seu bojo a ideia de prerrogativa, uma vez que a lei, ao
atribuir determinada competência, deixa alguns aspectos do ato para serem apreciados pela Adminis-
tração diante do caso concreto; ela implica liberdade a ser exercida nos limites da lei. No entanto, não
se pode dizer que exista como poder autônomo.

(Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo).

Para o doutrinador Lucas Rocha Furtado, o uso da terminologia “poder discricionário” e “poder
vinculado” é mantida por mera tradição e não por acerto jurídico ou técnico.

Os poderes administrativos importam em exercício de prerrogativa. Ao exercer suas prerrogativas, o


poder público interfere na esfera individual dos direitos por meio da imposição de encargos ou de san-
ções a particulares ou a servidores públicos.

O exercício do poder discricionário ou do poder vinculado importa no exercício de atividade adminis-


trativa vinculada ou de atividade administrativa discricionária, mas não legitimam, de per si, o exercício
de qualquer prerrogativa pública.

(...)

A confusão e a equiparação da discricionariedade administrativa ou do exercício de atividades vincu-


ladas aos poderes administrativos se devem ao fato de que o exercício dos poderes – de polícia, hie-
rárquico, disciplinar e regulamentar – envolve, em alguns casos, o exercício de atividade vinculada e,
em outras hipóteses, de atividade discricionária. 5
(Rocha Furtado, Lucas. Curso de Direito Administrativo).

Da mesma forma, o mestre José dos Santos Carvalho Filho entende que a hierarquia e a
disciplina são situações que ocorrem dentro da estrutura funcional da Administração Pública e que,
portanto, o “poder hierárquico” e o “poder disciplinar” não deveriam ser tratados propriamente como
“poderes”, por entender lhes faltar a fisionomia inerente às prerrogativas de direito público que cer-
cam os verdadeiros poderes administrativos.

Por outro lado aduz o mestre que “mesmo não sendo típicos poderes administrativos, são
inegavelmente situações próprias da atividade administrativa, das quais emana uma série de efeitos
jurídicos de direito público pertinentes à organização da Administração Pública”.

De todo modo, a par das divergências doutrinárias acima apontadas, delinearemos a seguir
as principais características dos seis Poderes Administrativos usualmente citados, a fim de garantir
uma visão ampla e sistemática do assunto ao aluno.

2.1. PODER VINCULADO

A Administração Pública está vinculada ao princípio da juridicidade (leis e princípios), havendo


atos nos quais o administrador tem de seguir as normas postas, com mínima - ou mesmo sem liber-
dade de escolha - quanto ao momento e ao modo de agir, sob pena de vícios no ato praticado.
Direito Administrativo - Poderes administrativos

O Poder Vinculado se dá quando a Administração Pública pratica atos administrativos vincu-


lados, não lhe cabendo analisar a conveniência e a oportunidade para a sua prática, mas sim exe-
cutar o ato nos estritos moldes delimitados pela Lei de regência.

Deve restar claro para o aluno, nesse contexto, que também quanto aos atos administrativos
discricionários há a manifestação do Poder Vinculado quanto aos elementos vinculados do ato
administrativo.

Sobre a questão, rememore-se que os elementos FINALIDADE e COMPETÊNCIA dos atos


administrativos são sempre vinculados.

Obs.: Sobre os elementos dos Atos Administrativos vide material específico sobre
a matéria.

Portanto, na edição de um ato vinculado, o agente administrativo tem respaldo somente no Poder
Vinculado. Na prática de um ato discricionário, a Administração Pública exerce o Poder Discricionário
e, também, o Poder Vinculado. 6
(...)

É fácil constatar que o assim denominado “Poder Vinculado” não é propriamente um poder, mas sim
um dever da Administração Pública. Quando pratica um ato vinculado – ou mesmo quando observa os
elementos vinculados de um ato discricionário – a Administração está muito mais cumprindo um dever
do que exercendo uma prerrogativa.

(Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. Direito Administrativo Descomplicado).

Ao verificar a presença dos pressupostos de edição de um ato vinculado, a Administração


Pública estará obrigada à sua edição, não podendo se abster de atuar ou deixar de observar exata-
mente o disposto na Lei quanto ao conteúdo do ato.

(...) pensamos não se tratar propriamente de “poder” outorgado ao administrador; na verdade, através
dele não se lhe confere qualquer prerrogativa de direito público. Ao contrário, a atuação vinculada
reflete uma imposição ao administrador, obrigando-o a conduzir-se rigorosamente em conformidade
com os parâmetros legais. Por conseguinte, esse tipo de atuação mais se caracteriza como restrição
e seu sentido está bem distante do que sinaliza o verdadeiro poder administrativo. Diversamente ocorre
(...) com o poder discricionário: neste, o administrador tem a prerrogativa de decidir qual a conduta
mais adequada à satisfação do interesse público.

(Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo).

Portanto, no exercício do Poder Vinculado, a Administração Pública deve praticar os atos


administrativos na forma prescrita na Lei, a qual descreve todos os elementos e requisitos neces-
sários do ato.
Direito Administrativo - Poderes administrativos

Como exemplos do Poder Vinculado podemos citar a concessão de licença administrativa de


construção e a concessão de aposentadoria a servidor público.

2.2. PODER DISCRICIONÁRIO

Há atos da Administração Pública que a Lei permite sejam praticados a partir de uma análise
do administrador quanto à conveniência e à oportunidade de sua realização. São os denominados
atos administrativos discricionários, pautados no mérito administrativo, ou seja, na liberdade do
agente público de escolher, dentro dos limites legais, quando e como praticar o ato.

Quer dizer que no uso do Poder Discricionário o administrador público tem margem para ava-
liar a conveniência e a oportunidade para a prática de um ato e, se for o caso, o seu conteúdo.

Trata-se efetivamente de um Poder conferido pela Lei à Administração Pública: diante de um caso
concreto, a administração, nos termos e limites legalmente fixados, decidirá, segundo seus critérios de
oportunidade e conveniência administrativas, a conduta, dentre as previstas na lei, mais condizente
com a satisfação do interesse público.

Observe-se que também tem fundamento no Poder Discricionário a revogação de atos administrativos 7
que a Administração Pública tenha praticado e, num momento posterior, passe a considerar inopor-
tunos ou inconvenientes.

(Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. Direito Administrativo Descomplicado).

Para a doutrina majoritária é possível verificar também o exercício do Poder Discricio-


nário quando a Lei traz conceitos indeterminados na descrição do motivo que enseja a prática
do ato administrativo.

O Poder Discricionário é aquele, destarte, em que o administrador público se utiliza da discri-


cionariedade administrativa para preencher os vazios de conteúdo deixados pelo legislador.

Quer dizer que sempre que a Lei confira ao administrador a liberdade para definir o conteúdo
do ato administrativo com base em seu juízo de conveniência e oportunidade, estaremos diante do
Poder Discricionário.

Deve restar claro que o Poder Discricionário não implica ampla liberdade ao administrador,
mas sim que este poderá, dentre as opções previstas na Lei, escolher aquela mais conveniente ao
interesse público, bem como o momento oportuno para a sua prática.

Também a revogação dos atos administrativos discricionários com base na sua inconveniên-
cia e/ou importunidade tem por base o Poder Discricionário.
Direito Administrativo - Poderes administrativos

Obs.: Sobre revogação dos Atos Administrativos vide material específico sobre
a matéria.

Acerca da discricionariedade administrativa, veja-se o que lecionam os professores Lucas


Rocha Furtado e Carvalho Filho:

A discricionariedade administrativa pode ser apresentada como a liberdade conferida pela lei ao admi-
nistrador público para a adoção da melhor solução para o caso concreto, com vistas à realização das
finalidades legais, em razão do juízo de conveniência e de oportunidade da Administração Pública.

(...)

O exercício da discricionariedade pressupõe que:

- Lei haja conferido liberdade ao administrador para a definição do conteúdo do ato;

- A liberdade seja exercida nos limites da lei;

- O administrador se utilize da liberdade legal com o propósito de melhor realizar as finalidades legais
que justificaram a outorga da competência para o exercício da atividade;

- A definição da solução mais adequada decorre do juízo de conveniência do administrador público. 8


(Rocha Furtado, Lucas. Curso de Direito Administrativo).

A fisionomia jurídica da discricionariedade comporta três elementos:

(1) norma de previsão aberta que exija complemento de aplicação;

(2) margem de livre decisão, quanto à conveniência e à oportunidade da conduta administrativa;

(3) ponderação valorativa de interesses concorrentes, com prevalência do que melhor atender ao fim
da norma.

(Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo).

Sobre o juízo de conveniência e oportunidade do administrador público, registre-se que o


mesmo é também denominado de mérito administrativo, mérito esse não suscetível de controle judi-
cial, cabendo sim ao administrador público definir a solução que melhor realize os fins legais quando
a Lei houver conferido discricionariedade em sua atuação.

Conveniência e oportunidade são os elementos nucleares do poder discricionário. A primeira


indica em que condições vai se conduzir o agente; a segunda diz respeito ao momento em que
a atividade deve ser produzida. Registre-se, porém, que essa liberdade de escolha tem que se
conformar com o fim colimado na lei, pena de não ser atendido o objetivo público da ação adminis-
trativa. Não obstante, o exercício da discricionariedade tanto pode concretizar-se ao momento em que
o ato é praticado, quanto, a posteriori, ao momento em que a Administração decide por sua revogação.

(Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo).


Direito Administrativo - Poderes administrativos

Tratando das limitações e do controle ao Poder Discricionário, Carvalho Filho destaca:

Um dos fatores exigidos para a legalidade do exercício desse poder consiste na adequação da conduta
escolhida pelo agente à finalidade que a lei expressa. Se a conduta eleita destoa da finalidade da
norma, é ela ilegítima e deve merecer o devido controle judicial.

Outro fato é o da verificação dos motivos inspiradores da conduta. Se o agente não permite o exame
dos fundamentos de fato ou de direito que mobilizaram sua decisão em certas situações em que seja
necessária a sua averiguação, haverá, no mínimo, a fundada suspeita de má utilização do poder
discricionário e de desvio de finalidade.

Tais fatores constituem meios de evitar o indevido uso da discricionariedade administrativa e ainda
possibilitam a revisão da conduta no âmbito da própria Administração ou na via judicial.

O que se veda ao Judiciário é a aferição dos critérios administrativos (conveniência e oportunidade)


firmados em conformidade com os parâmetros legais, e isso porque o Juiz não é administrador, não
exerce basicamente a função administrativa, mas sim a jurisdicional. Haveria, sem dúvida, invasão de
funções, o que estaria vulnerando o princípio da independência dos Poderes (art. 2º da CF).

(Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo).

No que se refere aos atos discricionários, todavia, é mister distinguir dois aspectos. Podem eles sofrer
controle judicial em relação a todos os elementos vinculados, ou seja, aqueles sobre os quais não tem
o agente liberdade quanto à decisão a tomar. Assim, se o ato é praticado por agente incompetente, ou 9
com forma diversa da que a lei exige; ou com desvio de finalidade, ou com o objeto dissonante do
motivo etc.

O controle judicial, entretanto, não pode ir ao extremo de admitir que o juiz se substitua ao
administrador. Vale dizer: não pode o juiz entrar no terreno que a lei reservou aos agentes da
Administração, perquirindo os critérios de conveniência e oportunidade que lhe inspiraram a
conduta. A razão é simples: se o juiz se atém ao exame da legalidade dos atos, não poderá questionar
critérios que a própria lei defere ao administrador.

(Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo).

Como exemplos de atos praticados no exercício do Poder Discricionário podemos citar: a


Autorização para porte de arma e a Exoneração de um ocupante de cargo em comissão.

2.3. PODER REGULAMENTAR

O Poder Regulamentar, segundo a clássica doutrina administrativista, é o exercido pelo Chefe


do Poder Executivo quando da edição de decretos e regulamentos. É, assim, espécie do Poder Nor-
mativo, voltada, essencialmente, à regulamentação das leis para a sua fiel execução.

Certo é que a expedição de decretos de execução depende da preexistência de uma lei a ser
regulamentada, de modo que o decreto (ato secundário) deve restringir-se ao conteúdo da lei (ato
primário), visando apenas ao esclarecimento e detalhamento do seu conteúdo.
Direito Administrativo - Poderes administrativos

ATENÇÃO: A regulamentação da lei a ser feita por ato do Chefe do Poder Executivo
pressupõe que a lei a ser regulamentada seja administrativa, isto é, uma lei que para a sua fiel
execução exija a participação da Administração Pública.

Isso quer dizer que as leis administrativas podem ser regulamentadas mesmo que o seu texto
não preveja expressamente essa regulamentação, já que a competência para editar regula-
mentos para a fiel execução da lei está prevista constitucionalmente, independendo, portanto,
de qualquer autorização legislativa.

Também há os casos em que a lei já aduz de forma expressa que deva ser regulamentada para
a sua correta aplicação, sendo denominadas de “leis não autoexecutáveis”, por não serem
exequíveis antes da expedição do ato regulamentador.

Deve ficar claro ao aluno, porém, que não apenas o Chefe do Poder Executivo pode editar
atos normativos no âmbito da Administração Pública, sendo certo que diversas outras autoridades
administrativas também editam atos normativos. A diferença é que tais atos tomam por fundamento
10
não o Poder Regulamentar (espécie), mas sim o Poder Normativo (gênero).

A Administração Pública, entre outras funções, detém a função normativa, sendo expressão
dela o exercício do Poder Regulamentar.

O Poder Regulamentar é, assim, prerrogativa de direito público voltada à complementação


das leis para seu fiel cumprimento, afinal, nem todos os atos normativos exarados pelo Poder Legis-
lativo bastam por si só, sendo, por vezes, necessária a sua regulamentação.

Poder regulamentar, portanto, é a prerrogativa conferida à Administração Pública de editar atos gerais
para complementar as leis e permitir a sua efetiva aplicação. A prerrogativa, registre-se, é apenas para
complementar a Lei; não pode, pois, a Administração alterá-la a pretexto de estar regulamentando. Se
o fizer, cometerá abuso de poder regulamentar, invadindo a competência do Legislativo. Por essa
razão, o art. 49, V, da CF, autoriza o Congresso Nacional a sustar atos normativos que extrapolem os
limites do poder de regulamentação.

(Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo).

A formalização do Poder Regulamentar se dá, em síntese, por meio de Decretos e Regula-


mentos editados pelos Chefes do Poder Executivo (Art. 84, IV, CF/88). Há, todavia, atos normativos
emanados por outras autoridades públicas que também podem ser tidos como expressão do Poder
Regulamentar, como por exemplo, portarias, resoluções, instruções normativas etc.
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Sob o enfoque de que os atos podem ser originários e derivados, o poder regulamentar é de natureza
derivada (ou secundária); somente é exercido à luz de lei preexistente. Já as leis constituem atos de
natureza originária (ou primária), emanando diretamente da Constituição.

(...)

Considerando nosso sistema de hierarquia normativa, podemos dizer que existem graus diversos de
regulamentação conforme o patamar em que se aloje o ato regulamentador. Os decretos e regulamen-
tos podem ser considerados como atos de regulamentação de primeiro grau; outros atos que a eles se
subordinem e que, por sua vez, os regulamentem, evidentemente com maior detalhamento, podem ser
qualificados como atos de regulamentação de segundo grau, e assim por diante.

(Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo).

Sendo o Poder Regulamentar subjacente à Lei, é cediço que o ato regulamentar não
poderá contrariar as suas disposições. Quer dizer que o exercício do Poder Regulamentar não
pode ser contra legem, mas apenas secundum legem, observando os limites e condições esta-
belecidos legalmente.

Além disso, não se pode olvidar que apenas a Lei pode criar direitos e obrigações (art. 5º, II,
CF/88), de modo que serão ilegítimos os atos de mera regulamentação que inovem no ordenamento
11
jurídico estabelecendo direitos e impondo obrigações aos indivíduos, por indevida interferência na
função legislativa, com violação do princípio da separação de poderes (art. 2º da CF/88).

Cabe destacar que do texto originário da Constituição Federal de 1988 era possível encontrar
apenas a figura do decreto regulamentar, também intitulado de decreto de execução, tendo por
objetivo garantir o fiel cumprimento da lei regulamentada. Ocorre que o constituinte derivado, por
meio da EC n° 32/2001 inseriu a figura do decreto autônomo em nosso ordenamento. Sobre o tema,
vide o quadro abaixo:

ATENÇÃO: A Emenda Constitucional nº 32/2001 instituiu em nosso ordenamento


jurídico a figura do decreto autônomo, que não se destina propriamente a dar fiel execução
a uma Lei, mas trata de matérias específicas, decorrendo diretamente da Constituição
como ato primário.

As matérias que podem ser veiculadas via decreto autônomo são as previstas nas alíneas do
inciso VI do art. 84 da Constituição Federal, quais sejam:

a) organização e funcionamento da administração, quando não implicar aumento de despesa


nem criação ou extinção de órgãos públicos;
Direito Administrativo - Poderes administrativos

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos2.

A contrario sensu, é cediço que, acaso o objetivo seja a criação ou a extinção de órgãos
públicos, bem como a extinção de funções ou cargos públicos ocupados, a Administração
deverá se valer necessariamente de Lei em sentido formal. Outro ponto importante sobre a
figura do decreto autônomo no Brasil é a possibilidade de delegação3 das matérias do art. 84,
VI, “a” e “b”, da CF/88 a outras autoridades administrativas, nos termos do parágrafo único
do mesmo art. 84 da CF/88.

Há, ainda, parcela da doutrina que aduz haver no ordenamento pátrio outras espécies de regu-
lamentos, além dos disciplinados via decretos regulamentares e decretos autônomos, quais sejam, os
regulamentos autorizados. Esses regulamentos teriam por base uma autorização do Poder Legis-
lativo ao Poder Executivo para o tratamento de determinadas situações na Lei não reguladas.

O tema é polêmico e há grande controvérsia sobre a constitucionalidade dos regulamentos


autorizados ou delegados, em virtude, por exemplo, do princípio da separação de poderes.
12
Entende-se pela possibilidade da utilização de tais regulamentos apenas quando se objetivar a
edição de normas eminentemente técnicas, a exemplo das emanadas pelas Agências Reguladoras, e
que devem ter por base as diretrizes e limites traçados na Lei de regência. O fundamento principal para
essa possibilidade reside na necessidade real do legislador que não detém conhecimentos específicos
sobre as mais variadas atuações da Administração Pública na sociedade atual.

2.4. PODER HIERÁRQUICO

Tendo por base uma relação de subordinação, o Poder Hierárquico se manifesta na orde-
nação e revisão da atuação dos órgãos e agentes públicos no âmbito de uma mesma pessoa jurídica.

Relações de natureza hierárquica, isto é, relações superior-subordinado, são típicas da organi-


zação administrativa. Não há hierarquia, entretanto, entre diferentes pessoas jurídicas, nem entre os
Poderes da República, nem mesmo entre a administração e os administrados.

(...) a doutrina usa o vocábulo vinculação para se referir à relação – não hierárquica – que existe entre
a administração direta e as entidades da respectiva administração indireta. A existência de vinculação
administrativa fundamenta o controle que os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e muni-

2
A professora Maria Sylvia Di Pietro destaca que quanto à alínea “b” do inciso VI do art. 84 da CF/88 não se
trata de função propriamente regulamentar, já que o chefe do executivo se limita a extinguir cargos ou funções,
quando vagos. Dessa forma, segundo a doutrinadora, o regulamento autônomo no Direito brasileiro existe de
forma bem limitada para a hipótese específica inserida na alínea “a” do inciso VI do art. 84 da CF/88.
3
Por sua vez, a competência para a edição dos decretos de execução não é passível de delegação (art. 84, IV,
CF/88).
Direito Administrativo - Poderes administrativos

cípios) exercem sobre as suas administrações indiretas, chamado de controle finalístico, tutela admi-
nistrativa ou supervisão – menos abrangente do que o controle hierárquico, porque incide apenas sobre
os aspectos que a lei expressamente preveja.

(Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. Direito Administrativo Descomplicado).

Tem-se, portanto, que há subordinação entre agentes e órgãos de uma mesma pessoa jurí-
dica, enquanto há relação de vinculação (não hierárquica) entre os entes políticos e suas entidades
da Administração Indireta.

Como decorrência do Poder Hierárquico surgem as prerrogativas do agente superior de dar


ordens, fiscalizar e controlar as ações dos subordinados, de aplicar sanções quando constatada a
prática de infrações (após o devido processo legal), bem como de delegar e avocar competências.

O Poder Hierárquico é aquele que se manifesta a partir de uma relação hierárquica exis-
tente entre agentes e órgãos públicos. Pressupõe, destarte, um escalonamento em plano vertical das
atividades dos órgãos e agentes da Administração Pública no exercício da função administrativa.

A doutrina destaca os seguintes efeitos que decorrem diretamente do Poder Hierárquico sob 13
a ótica da autoridade superior:

a) fiscalização das atividades desempenhadas por agentes de plano hierárquico inferior e conse-
quente avaliação da regularidade das condutas praticadas frente ao ordenamento jurídico e tam-
bém frente às ordens emanadas pelos agentes superiores;

b) revisão dos atos praticados por agentes de plano hierárquico inferior a fim de se tornarem compa-
tíveis com o ordenamento jurídico e com a orientação administrativa em vigor;

c) delegação e avocação de atos administrativos.

Sobre o controle dos atos dos subordinados e o consequente dever-poder de aplicar as


sanções legais cabíveis em caso de infrações, veja-se o que explica a doutrina:

A prerrogativa de dar ordens, também referida como poder de comando, permite que o superior hie-
rárquico assegure o adequado funcionamento dos serviços sob sua responsabilidade.

(...)

Os servidores públicos têm o dever de acatar e cumprir as ordens de seus superiores hierárquicos
(dever de obediência), exceto quando manifestamente ilegais, hipótese em que surge para o destina-
tário da ordem o dever de representação contra a ilegalidade.

(...)

O poder-dever de fiscalização, estritamente, diz respeito ao acompanhamento permanente, pelo supe-


rior, da atuação de seus subordinados. Corolário da fiscalização é o poder de controle. (...) O controle
hierárquico é irrestrito, permanente e automático, isto é, não depende de lei que expressamente o
preveja ou que estabeleça o momento de seu exercício ou os aspectos a serem controlados. O controle
Direito Administrativo - Poderes administrativos

hierárquico permite que o superior aprecie todos os aspectos dos atos de seus subordinados (quanto
à legalidade e quanto ao mérito administrativo) e pode ocorrer de ofício ou, quando for o caso, mediante
provocação dos interessados, por meio de recursos hierárquicos.

(...)

A aplicação de sanções administrativas nem sempre está relacionada ao Poder Hierárquico (...)
somente derivam do Poder Hierárquico as sanções disciplinares aplicadas aos servidores públicos que
pratiquem infrações funcionais.

(Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. Direito Administrativo Descomplicado).

Obs.: Quanto ao aspecto sancionatório no âmbito da Administração Pública, há grande


interseção entre o Poder Hierárquico e o Poder Disciplinar. Todavia, nem todas as sanções
aplicáveis no âmbito do Poder Disciplinar decorrem de uma relação de hierarquia.

Também as sanções administrativas aplicadas no exercício do Poder de Políc ia não


decorrem de uma relação hierárquica, pois não existe hierarquia entre a Administração
Pública e os administrados, mas sim uma verticalidade decorrente do princípio da supre-
macia do interesse público. 14

A delegação e a avocação de competência para a prática de determinados atos administrati-


vos também são expressões do Poder Hierárquico, sendo importante registrar, neste ponto, que a
avocação pressupõe essencialmente uma subordinação direta entre o superior que avoca a compe-
tência do agente subordinado, enquanto que a delegação, em que pese mais usual em relações de
hierarquia, pode ser feita ainda que não exista subordinação hierárquica.

Em rápida síntese, a delegação de competência é o ato discricionário do superior hierárquico


que transfere o exercício (temporário) de algumas de suas atribuições a um subordinado. A dele-
gação permite ao agente delegado apenas o exercício da competência delegada, não implicando a
transferência da titularidade dela.

Já a avocação é o ato discricionário por meio do qual o superior hierárquico traz para si o
exercício (temporário) de competência atribuída por lei a um agente subordinado.

Obs.: Sobre delegação e avocação de competências vide material específico sobre


Atos Administrativos.
Direito Administrativo - Poderes administrativos

2.5. PODER DISCIPLINAR

O Poder Disciplinar tem relação com o Poder Hierárquico quando do processamento, julga-
mento e aplicação de sanções aos subordinados, porém vai além, posto não se limitar a relações de
subordinação hierárquica no âmbito da Administração Pública.

(...) somente derivam do poder hierárquico as sanções disciplinares aplicadas aos servidores
públicos que pratiquem infrações funcionais. Outras sanções administrativas, tais quais as apli-
cadas a um particular que tenha celebrado um contrato administrativo com o poder público e
incorra em alguma irregularidade na execução desse contrato, têm fundamento no poder disci-
plinar, mas não no poder hierárquico.

(Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. Direito Administrativo Descomplicado).

O Poder Disciplinar tem relação direta com o Poder Hierárquico, mas com ele não se confunde.

Rememore-se que um dos efeitos da hierarquia é a fiscalização exercida pelo agente superior
em face dos agentes subordinados. Ora, se aos agentes públicos superiores é dado esse poder de
fiscalizar e verificar a regularidade das condutas praticadas pelos de nível inferior, sendo identificada
alguma infração, certo é que os agentes infratores restarão sujeitos às sanções legalmente previstas. 15

Todavia, como já ressaltado, não é apenas no âmbito da subordinação hierárquica em que


se pode vislumbrar o Poder Disciplinar da Administração, pois o mesmo também pode se dar nas
relações de vinculação.

José dos Santos Carvalho Filho bem explica as diferenças entre essas duas relações jurídicas:

A subordinação e a vinculação constituem relações jurídicas peculiares ao sistema administrativo. Não


se confundem, porém. A primeira tem caráter interno e se estabelece entre órgãos de uma mesma
pessoa administrativa como fator decorrente da hierarquia. A vinculação, ao contrário, possui caráter
externo e resulta do controle que pessoas federativas exercem sobre as pessoas pertencentes à
Administração Indireta.

(Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo).

Nessa mesma linha intelectiva, deve restar claro ao aluno que o Poder Disciplinar da
Administração alcança também particulares a ela ligados em razão de algum vínculo específico 4,
a exemplo de um contrato administrativo.

Assim, no exercício do Poder Disciplinar a Administração Pública pode (e deve) punir as


infrações funcionais praticadas por seus servidores públicos (o que tem relação direta com o Poder

4
Difere-se, assim, do Poder de Polícia, o qual é pautado numa supremacia geral da Administração sobre os
indivíduos.
Direito Administrativo - Poderes administrativos

Hierárquico). E mais, decorre do Poder Disciplinar também a punição de particulares infratores que
possuam algum vínculo jurídico específico com a Administração Pública.

Ponto importante é a diferenciação entre vínculo específico e vínculo geral, para fins de exer-
cício do Poder Disciplinar (decorrente ou não do Poder Hierárquico) ou do Poder de Polícia pela
Administração Pública.

Sobre o tema, assim explicam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:

Toda e qualquer pessoa está sujeita ao poder punitivo do Estado, ao passo que somente as pessoas
que possuem algum vínculo jurídico específico com a Administração Pública (por exemplo, vínculo
funcional ou vínculo contratual) são alcançadas pelo Poder Disciplinar.

(...)

A mesma distinção, aliás, se verifica a respeito do Poder de Polícia (...) Com efeito, todas as pessoas
que exerçam atividades que possam, de algum modo, acarretar risco ou transtorno à coletividade estão
sujeitas ao Poder de Polícia, ou seja, este decorre de um vínculo geral entre os indivíduos e a Admi-
nistração Pública, enquanto o Poder Disciplinar, cumpre repetir, funda-se em um vínculo específico
entre uma pessoa e a Administração, como se dá com um servidor público ou com um particular que
esteja executando um contrato administrativo ou participando de um procedimento licitatório.
16
(Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. Direito Administrativo Descomplicado).

Outra questão relevante: O exercício do Poder Disciplinar quanto à aplicação de penalidade


ao infrator (após o devido processo legal) é sempre uma atividade vinculada. Quer dizer: A
Administração Pública deve punir aquele que violou a Lei. Todavia, a gradação das sanções pode
comportar certo grau de discricionariedade, como por exemplo, quando a Lei possibilita à Admi-
nistração a escolha de uma ou outra sanção constante de seu rol.

ATENÇÃO: O Poder Disciplinar da Administração Pública não deve ser confundido com
o Poder Punitivo do Estado (o denominado jus puniendi estatal), pois este último é exercido
pelo Poder Judiciário quando do processamento de infratores que incorreram em crimes e
contravenções penais.

2.6. PODER DE POLÍCIA

Expressão direta do princípio da supremacia do interesse público, o poder de polícia tem


previsão no ordenamento jurídico brasileiro expressamente no art. 78 do Código Tributário Nacional,
o que se dá em virtude de o exercício de tal poder configurar fato gerador da taxa de polícia.
Direito Administrativo - Poderes administrativos

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disci-
plinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de
interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da
produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou
autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos
individuais ou coletivos.

O exercício do Poder de Polícia, por óbvio, deve ser regular, observando a Administração
Pública os limites estabelecidos no ordenamento jurídico, especialmente os princípios do devido
processo legal, da proporcionalidade e da razoabilidade. Nesse diapasão é o sentido do disposto no
parágrafo único do art. 78 do CTN, in verbis:

Art. 78. (...)

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo
órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de
atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

O Poder de Polícia tem por base a supremacia geral existente entre a Administração
Pública e os particulares, a partir da restrição/limitação de direitos e interesses individuais em
17
favor do interesse público.

A professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro assim aduz sobre o conceito de Poder de Polícia:

Pelo conceito moderno, adotado no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado con-
sistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público. Esse interesse
público diz respeito aos mais variados setores da sociedade, tais como segurança, moral, saúde, meio
ambiente, defesa do consumidor, patrimônio cultural, propriedade.

(Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo).

O exercício do Poder de Polícia5 se dá tanto de forma preventiva, quanto repressiva, havendo


ainda seu exercício contemporâneo à própria execução de atos para a fiscalização dos mesmos.

Ademais, o Poder de Polícia estatal pode se dar em duas vertentes (duas áreas de atuação
estatal): a da Polícia Administrativa e a da Polícia Judiciária, ambas se enquadrando no âmbito da
função administrativa, representando atividades de gestão de interesses públicos.

Veja-se o que o doutrinador José dos Santos Carvalho Filho fala sobre o assunto:

5
O professor Celso Antônio Bandeira de Mello aduz que o Poder de Polícia pode ser visto em sentido
amplo e em sentido estrito. O Poder de Polícia em sentido amplo é a atividade estatal consistente em
disciplinar o exercício das liberdades individuais em prol do interesse coletivo. Já o Poder de Polícia em
sentido estrito é a própria intervenção administrativa consubstanciada na aplicação da Lei pela Adminis-
tração Pública aos casos concretos.
Direito Administrativo - Poderes administrativos

A Polícia Administrativa é atividade da Administração que se exaure em si mesma, ou seja, inicia e se


completa no âmbito da função administrativa. O mesmo não ocorre com a Polícia Judiciária, que, em-
bora seja atividade administrativa, prepara a atuação da função jurisdicional penal, o que a faz regulada
pelo Código de Processo Penal (arts. 4º ss) e executada por órgão de segurança (polícia civil ou mili-
tar), ao passo que a Polícia Administrativa o é por órgãos administrativos de caráter mais fiscalizador.

Outra diferença reside na circunstância de que a Polícia Administrativa incide basicamente sobre ativi-
dades dos indivíduos, enquanto a polícia judiciária preordena-se ao indivíduo em si, ou seja, aquele a
quem se atribui o cometimento de ilícito penal.

(...)

Por pretender evitar a ocorrência de comportamentos nocivos à coletividade, reveste-se a Polícia


Administrativa de caráter eminentemente preventivo: pretende a Administração que o dano social
sequer chegue a consumar-se. Já a Polícia Judiciária tem natureza predominantemente repressiva, eis
que se destina à responsabilização penal do indivíduo.

(Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo).

Para o professor Lucas Rocha Furtado,

O critério mais adequado para distinguir a polícia administrativa da polícia judiciária diz respeito ao
regime jurídico utilizado para disciplinar o objeto da análise. Se determinada ação ou omissão se
enquadra no âmbito das normas do Direito penal, a polícia judiciária é chamada a atuar e terá como 18
parâmetro de atuação o Direito Processual Penal. Se o fato objeto da atuação estatal é tratado pelas
normas do Direito Administrativo, intervirá a polícia administrativa.

(Rocha Furtado, Lucas. Curso de Direito Administrativo).

O aluno deve ter em mente que a atuação das duas polícias em tela não são excludentes,
sendo possível em alguns casos, como por exemplo, ilícitos cometidos contra o meio ambiente, com
violação tanto de normas de Direito Penal quanto de Direito Administrativo, haver a intervenção da
polícia judiciária e da polícia administrativa, respectivamente.

CARACTERÍSTICAS OU ATRIBUTOS DO PODER DE POLÍCIA

As características ou Atributos do Poder de Polícia apontados pela doutrina majoritária são:


a) discricionariedade; b) autoexecutoriedade e c) coercibilidade.

Primeiramente é importante destacar que o Poder de Polícia pode ser exercido por meio de
atos administrativos discricionários ou vinculados. Apesar disso, diz-se que, em regra, a atuação da
Administração Pública quando no uso do seu Poder de Polícia se dará de forma discricionária.

Quanto à discricionariedade, embora esteja presente na maior parte das medidas de polícia, nem sem-
pre isso ocorre. Às vezes, a lei deixa certa margem de liberdade de apreciação quanto a determinados
elementos, como o motivo ou o objeto, mesmo porque ao legislador não é dado prever todas as hipó-
teses possíveis a exigir a atuação de polícia. Assim, em grande parte dos casos concretos, a Adminis-
tração terá que decidir qual o melhor momento de agir, qual o meio de ação mais adequado, qual a
Direito Administrativo - Poderes administrativos

sanção mais cabível diante das previstas na norma legal. Em tais circunstâncias, o poder de polícia
será discricionário.

Em outras hipóteses, a lei já estabelece que, diante de determinados requisitos, a Administração terá
que adotar solução previamente estabelecida, sem qualquer possibilidade de opção. Nesse caso, o
poder de polícia será vinculado.

(Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo).

Como exemplo de ato de polícia discricionário pode-se citar a autorização, discricionária por-
que a Lei permite à Administração apreciar o caso concreto para, então, decidir se autoriza ou não o
exercício de determinada atividade. Já um exemplo de ato de polícia vinculado é a licença, prevendo
a lei os requisitos que, se atendidos, devem levar à concessão do pedido pela Administração.

A autoexecutoriedade, por sua vez, é a possibilidade da Administração Pública atuar por seus
próprios meios, independentemente de autorização judicial para tanto. Esta característica do Poder
de Polícia também é marcada pelo uso de meios diretos6 de coerção.

A prerrogativa de praticar atos e colocá-los em imediata execução, sem dependência à manifes-


tação judicial, é que representa a autoexecutoriedade. Tanto é autoexecutória a restrição imposta 19
em caráter geral, como a que se dirige diretamente ao indivíduo, quando, por exemplo, comete
transgressões administrativas. É o caso da apreensão de bens, interdição de estabelecimentos e
destruição de alimentos nocivos ao consumo público. Verificada a presença dos pressupostos
legais do ato, a Administração pratica-o imediatamente e o executa de forma integral. Esse o
sentido da autoexecutoriedade.

(Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo).

Prevalece o entendimento de que a autoexecutoriedade do Poder de Polícia apenas pode se


dar quando houver previsão legal do ato administrativo em questão ou quando a Administração se
encontrar diante de uma situação urgente em que deva atuar rápida e eficazmente para evitar preju-
ízos aos interesses da coletividade.

A professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro explica que alguns autores desdobram a autoexe-
cutoriedade em dois princípios:

(...) a exigibilidade (privilège du préalable) e a executoriedade (privilège d’action d’office). O privilège


du préalable resulta da possibilidade que tem a Administração de tomar decisões executórias, ou seja,
decisões que dispensam a Administração de dirigir-se preliminarmente ao juiz para impor a obrigação
ao administrado. A decisão administrativa impõe-se ao particular ainda contra a sua concordância; se
este quiser se opor, terá que ir a juízo.

6
Certamente os meios diretos de coação só devem ser utilizados pela Administração Pública quando não hou-
ver outro meio eficaz de alcançar o mesmo objetivo de modo menos gravoso ao particular, razão pela qual os
atos de polícia sempre devem observar o princípio da proporcionalidade nas suas três vertentes (necessidade,
adequação e proporcionalidade em sentido estrito).
Direito Administrativo - Poderes administrativos

O privilège d’action d’office consiste na faculdade que tem a Administração, quando já tomou decisão
executória, de realizar diretamente a execução forçada, usando, se for o caso, da força pública para
obrigar o administrado a cumprir a decisão.

(Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo).

ATENÇÃO: A Exigibilidade está presente em todos os atos do Poder de Polícia, en-


quanto a Executoriedade se dá apenas quando existe autorização expressa na Lei, ou em se
tratando de situação de urgência, capaz de causar grave dano ao interesse público.

EXIGIBILIDADE: A Administração se utiliza de meios indiretos de coerção (ex. multa).

EXECUTORIEDADE: A Administração se utiliza de meios diretos de coerção (ex: interdição,


demolição).

Já a coercibilidade é a característica do Poder de Polícia que permite à Administração Pública


impor aos indivíduos obrigações independentemente de sua concordância, demonstrando a impera-
tividade dos atos de polícia.
20
Ora, os atos de polícia só podem ser autoexecutórios porque dotados de força coercitiva.

FASES/CICLOS DO PODER DE POLÍCIA

É possível verificar a existência de fases ou ciclos do Poder de Polícia, elencadas de forma


linear, desde o estabelecimento das normas a serem observadas pelos administrados, passando
pelo consentimento estatal para o exercício de dadas atividades, bem como pela fiscalização do
exercício das mesmas. Por fim, acaso haja violação das normas pré-estabelecidas pela Adminis-
tração Pública, haverá a aplicação das sanções de polícia, após o devido processo legal.

Nesse contexto, segundo a doutrina e a jurisprudência pátrias, as fases ou ciclos do Poder


de Polícia são: a) Ordem de Polícia; b) Consentimento; c) Fiscalização; d) Sanção.

A Ordem de Polícia está relacionada à Legislação que rege as atividades desenvolvidas


pelos particulares, dando validade à limitação do exercício dos direitos em prol dos interesses
da coletividade.

Já o Consentimento de Polícia é a autorização ou licença da Administração Pública para o


exercício de uma dada atividade pelo particular, quando assim o exija a Legislação de Polícia.
Direito Administrativo - Poderes administrativos

Por sua vez, a Fiscalização de Polícia se dá frente ao exercício das atividades, com vistas
a aferir se a Legislação de Polícia está sendo respeitada.

Havendo violação ao regramento de regência (exercício de atividade vedada ou para além


dos limites fixados quando do consentimento), chega-se à fase da Sanção de Polícia, com a respon-
sabilização dos infratores.

DELEGAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA

O Poder de Polícia pode ser Originário ou Delegado.

Originário é o Poder de Polícia exercido pelas pessoas políticas da Federação com compe-
tência para editar as leis e executar os atos limitativos. Delegado é o Poder de Polícia executado
pelas pessoas jurídicas de direito público integrantes da Administração Indireta.

Como se sabe, o Estado age por meio de seus órgãos e agentes públicos na Administração
Direta, bem como por meio das entidades da Administração Indireta.
21
Nesse passo, aduz a doutrina majoritária a possibilidade de delegação do Poder de Polícia
às entidades da Administração Pública Indireta dotadas de personalidade jurídica de direito público,
desde que haja Lei formal dispondo de forma expressa sobre a delegação.

Para a majoritária doutrina - abalizada pela jurisprudência dos Tribunais Superiores - a dele-
gação do Poder de Polícia não é possível a particulares, tanto pessoas físicas quanto jurídicas de
direito privado.

O principal argumento para a inviabilidade de delegação do Poder de Polícia aos particulares


é a relação direta de tal poder com o princípio da supremacia do interesse público, de modo que a
delegação a um particular desvirtuaria a isonomia e o equilíbrio necessários nas relações privadas,
levando a desvios em seu exercício.

Sobre o tema, assim aduz o doutrinador Lucas Rocha Furtado:

A vedação e delegação do poder de polícia a particulares não decorre de qualquer dispositivo legal
expresso. A razão da vedação é de ordem material e mantém relação com o princípio da dignidade da
pessoa humana.

(...)

Em sociedades democráticas, ressalvadas situações excepcionais – de legitima defesa ou de estado


de necessidade – somente ao Estado é dado usar da violência para impor aos particulares o cumpri-
mento de suas obrigações. Daí ser inquestionável a vedação de delegação a particulares do poder de
Direito Administrativo - Poderes administrativos

polícia, posto que a outorga desta potestade poderia legitimar o uso da violência por parte de particular
contra particular, o que fere a noção básica do princípio da dignidade da pessoa humana.

(...)

A impossibilidade de delegação do poder de polícia a particulares não impede, todavia, que


estes últimos possam interferir no desempenho de atividades de apoio, ou acessórias ao exer-
cício desta potestade pública. É perfeitamente legítima, por exemplo, a contratação de empresas
para auxiliar o poder público na aplicação de multas de trânsito. A participação da empresa contratada
não pode, todavia, importar em que ela venha a manter qualquer relação direta com o cidadão.

(Rocha Furtado, Lucas. Curso de Direito Administrativo).

Ainda sobre a indelegabilidade do exercício do Poder de Polícia a pessoas jurídicas de direito


privado, assim ensina a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Com efeito, o poder de polícia envolve o exercício de prerrogativas próprias do poder público, especi-
almente a repressão, insuscetíveis de serem exercidas por um particular sobre outro. Os atributos, já
apontados, da autoexecutoriedade e coercibilidade (inclusive com emprego de meios diretos de
coação) só podem ser atribuídos a quem esteja legalmente investido em cargos públicos, cercados de
garantias que protegem o exercício das funções típicas do Estado.

(Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo).


22
Obs.: Em julgado emblemático, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os Con-
selhos de Fiscalização Profissional não poderiam ter natureza de pessoa jurídica de
direito privado, uma vez que são titulares do Poder de Polícia, que é indelegável a pes-
soas de direito privado. A Suprema Corte afirmou que a titularidade de prerrogativas
intrínsecas à supremacia do interesse público sobre o particular não poderia ser confe-
rida a pessoas regidas pelo direito comum.

Por outro lado, a impossibilidade de delegação do Poder de Polícia aos particulares não
implica o seu total afastamento das atividades relacionadas a esse Poder, o qual, como se viu,
desenvolve-se em várias etapas ou ciclos.

Nesse passo, no que toca às pessoas físicas, a doutrina ressalva a hipótese de poderes
reconhecidos aos capitães de navios. Já no que se refere às pessoas jurídicas de direito privado, a
doutrina e a jurisprudência reconhecem a delegação de atos materiais, preparatórios ou sucessivos
ao ato jurídico de polícia.

Nessas hipóteses, o ato efetivamente limitador/restritivo do direito individual em prol da cole-


tividade partirá da Administração Pública, cabendo aos particulares apenas atos executórios despro-
vidos de conteúdo decisório.
Direito Administrativo - Poderes administrativos

Em determinadas situações em que se faz necessário o exercício do poder de polícia fiscalizatório


(normalmente de caráter preventivo), o Poder Público atribui às pessoas privadas, por meio de con-
trato, a operacionalização material da fiscalização através de máquinas especiais, como ocorre, por
exemplo, na triagem em aeroportos para detectar eventual porte de objetos ilícitos ou proibidos. Aqui
o Estado não se despe do poder de polícia nem procede a qualquer delegação, mas apenas atribui ao
executor a tarefa de operacionalizar máquinas e equipamentos, sendo-lhe incabível, por conseguinte,
instituir qualquer tipo de restrição; sua atividade limita-se, com efeito, à constatação de fatos. O mesmo
ocorre, aliás, com a fixação de equipamentos de fiscalização de restrições de polícia, como os apare-
lhos eletrônicos utilizados pelos órgãos de trânsito para a identificação de infrações por excesso de
velocidade: ainda que a fixação e a manutenção de tais aparelhos possam ser atribuídas a pessoas
privadas, o poder de polícia continua sendo de titularidade do ente federativo constitucionalmente
competente. Nada há de ilícito em semelhante atribuição operacional.

(Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo).

Tem-se, portanto, que, ainda que as pessoas de direito privado possam desempenhar
atribuições concretas relativas ao Poder de Polícia – especificamente nas fases do consenti-
mento e da fiscalização –, a disciplina de tais atividades, bem como a aplicação de sanções –
fases normativa e sancionatória –, são reservadas às pessoas jurídicas de direito público, e,
assim, indelegáveis a particulares.

Exatamente nesse sentido é a orientação do Superior Tribunal de Justiça que, em importan-


23
tíssimo julgado, entendeu que os atos relativos às fases de consentimento e fiscalização podem ser
executados por particulares, diferentemente dos atos referentes às fases de legislação e sanção,
estas privativas das pessoas jurídicas de direito público:

ADMINISTRATIVO. PODER DE POLÍCIA. TRÂNSITO. SANÇÃO PECUNIÁRIA APLICADA POR


SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. IMPOSSIBILIDADE.

(...). 2. No que tange ao mérito, convém assinalar que, em sentido amplo, poder de polícia
pode ser conceituado como o dever estatal de limitar-se o exercício da propriedade e da
liberdade em favor do interesse público. A controvérsia em debate é a possibilidade de
exercício do poder de polícia por particulares (no caso, aplicação de multas de trânsito por
sociedade de economia mista). 3. As atividades que envolvem a consecução do poder de po-
lícia podem ser sumariamente divididas em quatro grupos, a saber: (i) legislação, (ii) consen-
timento, (iii) fiscalização e (iv) sanção. 4. No âmbito da limitação do exercício da propriedade
e da liberdade no trânsito, esses grupos ficam bem definidos: o CTB estabelece normas gené-
ricas e abstratas para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (legislação); a emissão
da carteira corporifica a vontade o Poder Público (consentimento); a Administração instala
equipamentos eletrônicos para verificar se há respeito à velocidade estabelecida em lei (fisca-
lização); e também a Administração sanciona aquele que não guarda observância ao CTB
(sanção). 5. Somente os atos relativos ao consentimento e à fiscalização são delegáveis,
pois aqueles referentes à legislação e à sanção derivam do poder de coerção do Poder
Público. 6. No que tange aos atos de sanção, o bom desenvolvimento por particulares estaria,
inclusive, comprometido pela busca do lucro - aplicação de multas para aumentar a arrecada-
ção. 7. Recurso especial provido. (REsp 817.534 / MG, 2ª Turma, Min. Mauro Campbell Mar-
ques; data de julgamento: 10/11/2009)
Direito Administrativo - Poderes administrativos

Portanto, a análise da delegação do Poder de Polícia deve se dar a partir das fases do Ciclo
de Polícia para a correta compreensão do tema, sendo certo que o exercício dos atos de legislação
e sanção, por derivarem do poder de coerção estatal, pertencem unicamente às pessoas jurídicas
de direito público.

Vejam-se a seguir exemplos de enunciados de concursos públicos sobre os Poderes


Administrativos:

Ex. 1 (FCC) A Administração é dotada de poderes administrativos dentre os quais figu-


ram os poderes: disciplinar, discricionário, regulamentar e de polícia. (CORRETO)

Ex. 2 (FCC) Os poderes administrativos de um agente público devem ser exercidos obri-
gatoriamente quando determinar a lei. (CORRETO)

Ex. 3 (FCC) Os poderes administrativos de um agente público constituem um direito de 24


agir, condicionado ao princípio da impessoalidade. (ERRADO)

Ex. 4 (FCC) Sobre os poderes administrativos é INCORRETO afirmar que: O Poder Hie-
rárquico é o que cabe à Administração para apurar infrações e aplicar penalidades aos servi-
dores e às demais pessoas sujeitas à disciplina administrativa. (CORRETO)

Ex. 5 (FCC) Na lição de Hely Lopes Meirelles, os poderes administrativos nascem com
a Administração e se apresentam diversificados segundo as exigências do serviço público, o
interesse da coletividade e os objetivos a que se dirigem. Esclarece o renomado administrati-
vista que, diferentemente dos poderes políticos, que são estruturais e orgânicos, os poderes
administrativos são instrumentais.

Uma adequada correlação entre o poder administrativo citado e sua utilização pela Ad-
ministração é: o poder de polícia comporta atos preventivos e repressivos, exercidos pela
Administração para condi-cionar ou restringir atividades ou direitos individuais, no interesse
da coletividade. (CORRETO)
Direito Administrativo - Poderes administrativos

Ex. 6 (CESPE) O poder vinculado significa que a lei deixou propositadamente certa faixa
de opção para o exercício da vontade psicológica do agente, limitado entretanto a escolha
dos meios e da oportunidade para a concretização do ato administrativo. (ERRADO)

Ex. 7 (CESPE) O poder discricionário é conferido à administração de forma expressa e


explícita, com a norma legal já trazendo em si própria a determinação dos elementos e requi-
sitos para a prática dos respectivos atos. (ERRADO)

Ex. 8 (CESPE) O poder disciplinar consiste em distribuir e escalonar as funções, ordenar e


rever as atuações e estabelecer as relações de subordinação entre os órgãos, inclusive seus
agentes. (ERRADO)

Ex. 9 (CESPE) O poder de polícia refere-se às relações jurídicas especiais, decorrentes


de vínculos jurídicos específicos existentes entre o Estado e o particular. (ERRADO) 25

Ex. 10 (CESPE) Insere-se no âmbito do poder hierárquico a prerrogativa que os


agentes públicos possuem de rever os atos praticados pelos subordinados para anulá -
los, quando estes forem considerados ilegais, ou revogá -los por conveniência e oportu-
nidade, nos termos da legislação respectiva. (CORRETO)

Ex. 11 (CESPE) O exercício dos poderes administrativos não é uma faculdade do


agente público, mas uma obrigação de atuar; por isso, a omissão no exercício desses
poderes poderá ensejar a responsabilização do agente público nas esferas cível, penal e
administrativa. (CORRETO)

Ex. 12 (CESPE) Caracteriza exercício de poder de polícia administrativa a aplicação


de uma multa a restaurante que infringiu normas ligadas à proteção da saúde pública.
(CORRETO)

Ex. 13 (CESPE) São características do poder de polícia a discricionariedade, a autoexe-


cutoriedade e a coercibilidade. (CORRETO)
Direito Administrativo - Poderes administrativos

Ex. 14 (CESPE) Pelo atributo da coercibilidade, o poder de polícia tem execução imedi-
ata, sem dependência de ordem judicial. (ERRADO)

Ex. 15 (CESPE) As atividades da polícia judiciária não se confundem, necessariamente, com


o exer-cício do poder de polícia administrativo. (CORRETO)

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