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ABORDAGEM DA VÍTIMA
INTRODUÇÃO
Atualmente, exige-se a qualquer Sistema de Emergência Médica Pré-hospitalar muito mais que o
transporte rápido de vítimas de doenças súbitas e acidentes para o Hospital mais próximo. Apesar de raras,
as situações em que não é possível estabilizar a vítima com os recursos existentes devem ser imediatamente
identificadas pela equipa SIV. Nestas situações, o transporte imediato para a Unidade de Saúde mais próxima
ou, se indicado, para um “rendez-vous” com um meio mais diferenciado, será a atitude mais correta.
Um número significativo de ocorrências envolverá apenas uma vítima, frequentemente no seu domicílio
ou local de trabalho. No entanto, a equipa SIV deve estar preparada para intervir na via pública ou em
situações com mais de uma vítima (por exemplo, uma intoxicação alimentar numa escola).
Porque existem algumas diferenças na abordagem da vítima em situações do foro médico ou em
situações de trauma (considera-se que as situações médicas requerem 80 % de inquérito e 20 % de exame
objetivo enquanto que em situações de trauma serão necessários 20 % de inquérito e 80 % de exame
objetivo), torna-se necessária a existência de dois protocolos. Assim, este Protocolo Abordagem da Vítima
define um conjunto de procedimentos genéricos que deverão ser realizados perante qualquer vítima de
doença súbita ou acidente que condicionem situações de urgência/emergência do foro médico. Esses
procedimentos compreendem a recolha de dados, em que as informações fornecidas pela própria vítima
assumem uma importância fundamental, e o exame objetivo da vítima.
As vítimas de Trauma deverão ser abordadas segundo o Protocolo Abordagem do Traumatizado.
ATUAÇÃO
A primeira preocupação deve ser a segurança da equipa e das vítimas, particularmente em ocorrências
na via pública ou quando são identificados riscos para a segurança: atuar de acordo com as circunstâncias e,
se indicado, em coordenação com os bombeiros e forças de segurança presentes no local.
De forma rápida, deve ser obtida uma impressão geral sobre as características da ocorrência. O tipo de
ocorrência, número e localização das vítimas, meios de socorro já presentes no local, necessidades especiais
(por exemplo, equipas médicas mais diferenciadas, forças da autoridade, equipas especiais) ou a existência
de problemas específicos (por exemplo, ocorrência multivítimas, suspeita de libertação de substâncias
perigosas) devem ser rapidamente identificados. Só após esta avaliação inicial a equipa pode decidir se estão
reunidas as condições de segurança necessárias e avançar para prestar cuidados à(s) vítima(s).
Num primeiro momento é possível recolher vários dados importantes, mesmo antes de tocar na vítima.
Se esta anda, fala, não apresenta alterações visíveis importantes e tem uma coloração normal (ausência de
palidez e/ou cianose), provavelmente não apresentará uma condição muito grave nem correrá risco de vida.
No entanto, dada a possibilidade de se verificar uma deterioração da situação, mesmo estas vítimas
deverão ser abordadas com cautela, sendo submetidas a uma abordagem sistemática e metódica, que consta
de uma Avaliação Primária (ABCDE) e uma Avaliação Secundária por segmentos. O principal objetivo da
Avaliação Primária é identificar e corrigir situações que colocam a vida da vítima em risco. A Avaliação
Secundária destina-se a identificar e corrigir o maior número possível de alterações.
Assim, esta metodologia permite, com a Avaliação Primária, garantir a identificação das vítimas críticas
e a resolução das situações potencialmente fatais e, com a Avaliação Secundária, focar a atenção nas
queixas da vítima e nas alterações entretanto encontradas, sem perder a noção do indivíduo como um todo.
Perante uma vítima crítica, a prioridade é estabilizá-la rapidamente e, sem demoras, proceder ao seu
transporte para o hospital mais indicado, fazendo a Avaliação Secundária na ambulância e já em trânsito.
Embora este protocolo apresente uma sequência de passos e etapas, com alguns aspetos a serem
referidos em determinado momento, é possível obter alguns dados e executar alguns procedimentos em
simultâneo, desde que não se omitam passos importantes nem se comprometa a correta realização de
procedimentos essenciais.
Excecionalmente, a ordem dos procedimentos poderá ser alterada para que melhor se possa adaptar às
necessidades. Por exemplo, perante uma vítima com epistáxis abundantes, um dos elementos da equipa
deverá iniciar imediatamente os procedimentos necessários para controlar essa hemorragia.
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Deve, também, ser maximizada a eficiência da equipa SIV. Se algumas tarefas devem ser realizadas
pelo elemento da equipa que detém as competências necessárias para tal, muitas outras devem ser
executadas por aquele que se encontra em melhores condições para as realizar adequadamente.
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o Na vítima em paragem respiratória, iniciar ventilação com máscara e insuflador manual conectado a fonte
de Oxigénio. Após 1 minuto de ventilações efetivas, reavaliar e, se a vítima permanecer em paragem
respiratória, efetuar uma tentativa de colocação de máscara laríngea (ver Procedimento Colocação de
Máscara Laríngea). Em caso de insucesso, manter ventilação com insuflador manual e máscara.
o Avaliar o pescoço, procurando especificamente desvios da traqueia e ingurgitamento jugular.
o Inspecionar o tórax, procurando alterações da expansão, palpar cuidadosamente para identificar zonas
dolorosas, auscultar para avaliar a presença e características dos ruídos respiratórios e percutir para
identificar eventuais áreas de timpanismo ou macicez.
o Iniciar a monitorização da SpO2.
o Administrar Oxigénio se indicado e de acordo com cada protocolo específico. Na ausência de indicação
ou contraindicação específica, se SpO2 < 95 %, administrar O2 por máscara para manter SpO2 ≥ 95 %.
3. C – Circulação (Circulation).
o Identificar hemorragias externas importantes (por exemplo, epistáxis) e controlá-las. Avaliar a possibilidade
de hemorragias internas ou ocultas, incluindo a palpação abdominal. Avaliar as características da pele, em
particular, a temperatura, coloração e sudorese. Avaliar o tempo de preenchimento capilar.
o Palpar pulso periférico e avaliar frequência e amplitude. Avaliar simetria de pulsos radiais e femorais; se
restarem dúvidas utilizar outros pulsos para confirmação. Avaliar a Tensão Arterial (TA).
o Monitorizar ECG na vítima inconsciente, com dor torácica, qualquer compromisso (real ou potencial) da via
aérea, sinais de compromisso da função respiratória ou qualquer alteração do C até ao momento.
o Procurar identificar precocemente doentes para inclusão na Via Verde Coronária.
o Obter acesso venoso e iniciar administração de fluidos, na presença de risco real ou potencial de ABCD ou
se indicado por cada protocolo específico. Na impossibilidade de acesso endovenoso, ponderar a via IO.
o Na vítima com sinais indiciadores de choque, nomeadamente hipotensão, palidez, aumento do tempo de
preenchimento capilar e na ausência de dificuldade respiratória evidente, administrar bólus de NaCl 0,9 %
EV/IO, 500 ml no adulto e 5 ml/kg na criança.
o Na presença de dificuldade respiratória, validar a administração do bólus de NaCl 0,9 %.
o Reavaliar ao fim de 5 minutos. Caso os sinais de choque persistam, repetir o bólus de NaCl 0,9 %.
o Na vítima com TA sistólica ≥ 180 mmHg e/ou TA diastólica ≥ 110 mmHg em 2 avaliações consecutivas,
administrar Captopril 25 mg SL, exceto se identificada causa evidente para a hipertensão,
passível de correção com outras medidas (por exemplo, TA elevada devido a dor intensa).
o Na vítima com suspeita de AVC em evolução e TA sistólica ≥ 220 mmHg e/ou TA diastólica ≥ 120 mmHg,
administrar Captopril, 12,5 mg SL.
4. D – Disfunção Neurológica (Disability).
o Avaliar o nível de consciência de acordo com a Escala de Coma de Glasgow. Valores da Escala de Coma
de Glasgow ≤ 8 obrigam a assumir que a vítima não pode proteger a via aérea, em caso de vómito.
o Avaliar as pupilas (tamanho e simetria).
o Na vítima colaborante pesquisar alterações na resposta motora:
Músculos da face (pedir para fechar os olhos com força; pedir para mostrar os dentes cerrados).
Membros superiores (pedir para elevar e manter em posição horizontal e paralela).
Membros inferiores (vítima deitada, pedir para elevar ambos com ângulo de 45º no joelho).
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o Perante um ou mais critérios de suspeita clínica de infeção, pesquisar critérios de SIRS - “Systemic
Inflammatory Response Syndrome” (Síndrome de Resposta Inflamatória Sistémica), nomeadamente:
Tax > 38 ºC e
FC > 90 /min
FR >20 /min
o Na presença de suspeita de infeção e de, pelo menos, 2 critérios de SIRS, se ainda não foi feito, informar
o CODU para ativação da Via Verde da Sepsis.
o No adulto em que persistem sinais indiciadores de choque, além dos bólus de NaCl 0,9 % feitos durante a
Avaliação Primária (500 + 500 cc), validar a repetição de novo(s) bólus, até um máximo de 30 ml/kg.
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PRECAUÇÕES ESPECIAIS
Se a vítima apresentar valores da Escala de Coma de Glasgow ≤ 8, assumir que esta não pode
proteger a via aérea. Neste caso, o doente deverá ser colocado em Posição Lateral de
Segurança. O aspirador de secreções deverá estar pronto para se poder aspirar a cavidade oral,
sem a cânula rígida, em caso de vómito.
Na grávida, evitar o Síndrome de Hipotensão Supina (compressão aorto-cava) através do seu
posicionamento em decúbito lateral.
Na criança, atender às características anatómicas e fisiológicas particulares deste grupo etário.
Quando consciente, se possível, manter um adulto da confiança da criança junto desta, desde
que este se encontre calmo e colaborante.
Solicitar apoio para as seguintes situações, caso não haja informação de ativação prévia de VMER/Heli:
Obstrução da via aérea não resolvida.
Paragem respiratória, FR < 10 ou > 30 /min.
PCR, FC < 40 ou > 150 /min, TA sistólica < 90 mmHg.
Nível de consciência de acordo com Escala de Coma de Glasgow ≤ 8 ou deterioração superior a
2 pontos durante o período de observação.
PASSAGEM DE DADOS
Queixas importantes, alterações dos parâmetros vitais e dados relevantes do exame objetivo.
Alterações identificadas.
Antecedentes pessoais relevantes.
Procedimentos realizados, terapêutica administrada e respetiva resposta.
Evolução da situação.
Outros dados relevantes.
TRANSPORTE
O transporte deverá ser o mais rápido possível (em segurança) para a Unidade Hospitalar mais
adequada, de acordo com as indicações do CODU.
Durante o transporte dever-se-á manter o doente em vigilância contínua de consciência e parâmetros
vitais através de monitorização contínua de ritmo cardíaco, FC, TA e SpO2 conforme indicação.
Outras considerações relacionadas com o transporte são:
Possibilidade de ser necessário transporte imediato para a Unidade de Saúde mais próxima.
Possibilidade de ser efetuado “rendez-vous” com meios mais diferenciados.
Perante a indicação do CODU para Helitransporte, proceder de acordo com o Procedimento
Preparação para Helitransporte.
Vigilância permanente para a possibilidade de deterioração da situação clínica da vítima.
Garantir a permeabilidade e correta fixação do acesso venoso.
O acompanhamento da vítima por parte de um familiar ou conhecido de confiança deve ser
facultado, desde que sejam cumpridos os requisitos em vigor para o efeito.
No caso de doentes menores ou com atrasos mentais a presença de um dos pais ou
responsáveis legais (tutores) durante o transporte poderá contribuir para um transporte em
melhores condições. A presença de um conhecido de confiança contribuirá para tranquilizar o
doente, desde que esse adulto se encontre calmo e colaborante. Caso contrário, esse
acompanhamento não deve ser autorizado.
Qualquer alteração significativa do estado da vítima deve ser imediatamente reportada ao CODU.
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REGISTOS
Proceder ao registo dos dados relativos à ocorrência, tendo em particular atenção o seguinte:
Identificação da vítima.
Tipo de ocorrência.
Nível de consciência (Escala de Coma de Glasgow), parâmetros vitais e glicemia capilar.
Queixas principais.
Alterações identificadas.
Medidas terapêuticas instituídas.
Pedidos de apoio médico e resultado desses pedidos.
Patologia associada prévia relevante e medicação em uso.
Adotar sempre uma postura calma, segura e profissional, procurando não evidenciar sinais de ansiedade
ou nervosismo.
A equipa deve apresentar-se indicando a função/categoria e o nome dos seus elementos.
Perguntar o nome do doente e dirigir-se a este de forma correta. Deve ser utilizando Sr. ou Sr.ª (Dona)
ou outro título, se conhecido, e o nome. As crianças e adolescentes devem ser tratados pelo primeiro nome.
As crianças pequenas e os doentes confusos, desorientadas, com dores intensas ou sob o efeito de
álcool ou drogas podem ser pouco colaborantes e deverão ser abordados com cuidado.
Nos doentes conscientes, informar sempre antes de realizar qualquer procedimento.
Não utilizar expressões como “Não se preocupe. Está tudo bem!”. Ter atenção àquilo que é dito junto do
doente, mesmo que este esteja com depressão do estado de consciência.
Em ocorrências multivítimas com mortos, a prioridade são sempre os vivos. Procedimentos relativos aos
cadáveres apenas serão iniciados se não implicarem diminuição dos cuidados a prestar aos sobreviventes.
Eventuais permissões de não transporte devem respeitar as normas em vigor sobre essa matéria.
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BIBLIOGRAFIA
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