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João Pedro Ramos Martins, aluno do 2º ano de licenciatura, efetua este trabalho no âmbito da cadeira de Direito
Comparado
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Dra. Ana Filipa Santos Rocha, professora assistente da Cadeira de Direito Comparado.
Declaração de Honra:
Eu, João Pedro Ramos Martins, declaro que este trabalho foi feito exclusivamente por mim e que
qualquer opinião de outros autor(es) está devidamente assinalado em formato de citação. Declaro
igualmente que cumpri com todas as regras científicas de autoria.
Dedicatória:
Dedico este trabalho à minha mãe, pela força e pela coragem que transmite todos os dias, pela sua
energia e ensinamentos constantes para tornar o seu jovem filho num homem melhor, por palavras
não consigo dedicar todo amor que sinto por ela, por isso, dedico o meu tempo e empenho para a
orgulhar.
Dedico também este trabalho a Deus, porque sem fé, certos obstáculos não podem ser ultrapassáveis
por um simples esforço humano.
“A nossa maior glória não reside no facto de nunca cairmos, mas sim em levantarmo-nos sempre
depois de cada queda” – Oliver Goldsmith.
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1. Introdução
Após a Segunda Guerra Mundial, o conceito de uma Europa unida estaria como um dos
grandes objetivos das nações europeias, com esse vislumbre, a cooperação económica em forma de
mercado interno comum era um dos passos a tomar de forma a proceder uma unificação das nações
do velho continente, com isto, era necessário criar um sistema de normas (ou até mesmo um código)
que pudesse ajudar na resolução de possíveis conflitos de delitos danosos, para tal, foi criada em
1992 uma equipa/grupo denominada de European Group on Tort Law, a mesma iria fundamentar e
discutir sobre possíveis formas de harmonização, para tal, foi criada a European Centre of Tort and
Insurance Law3 em Viena, um centro de investigação de Responsabilidade Civil.
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O European Centre of Tort and Insurance Law, para além da criação dos Principles of European Tort Law, consiste
num dos principais núcleos de ambição para a unificação de Responsabilidade civil europeia, estando em diversos
projetos de investigação em tópicos muito importantes para uma contextualização de responsabilidade europeia, até à
data, o EGTL criou mais de 29 revistas de Responsabilidade civil e mais de 9 livros sobre a mesma matéria.
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Entre estas codificações, temos o Code Civile de 1804 e o BGB de 1900, estes dois códigos foram a porta de entrada
para uma verdadeira abordagem à matéria de Responsabilidade civil, para além disso, foram uma forma de
instrumentalizar a matriz de cada sistema face à responsabilidade civil.
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civil na época do Direito Romano, apresentava um modelo unitário, este modelo será reutilizado pela
faute do Direito Francês, como se verá na apresentação da origem histórica da responsabilidade civil
francesa, que aliás, por meio do seu código civil (code civile) de 1804 (código jusracionalista, que
apresentou um ideal de responsabilidade civil, em conjunto com experiências germânicas do
Allegemeines Landrecht prussiano de 1794 ou o Codex Maximilianeus Bavaricus Civillis de 1756,
porém, desde cedo, o Code Civile apresentou uma simplificação de conceitos e uma uniformização de
linguagem que especializou a sua própria conceção de responsabilidade civil), apresentou ao mundo
jurídico uma das principais correntes da responsabilidade civil, precisamente pela faute, que estará em
contradição com o modelo dualista alemão, como se terá oportunidade de visualizar futuramente, em
processo de trabalho comparativo.
2. Análise Comparativa
Para efetuar a análise comparativa da Responsabilidade Civil, terão que se fazer duas questões
fundamentais, primeiro existirá a necessidade de determinar quais são os modelos da responsabilidade
civil, ou seja, como são tratados os pressupostos ao qual são necessários para ativar uma ação de
responsabilidade civil, para tal, terá que se enquadrar a origem histórica do instituto jurídico em cada
ordenamento, somente com a contextualização histórica é que se poderá efetuar uma extração da
teleologia do instituto que se está a abordar, para além disso, existe uma segunda questão relativamente
ao tratamento da própria Responsabilidade civil, considerando a sua imputação consoante a
liberalidade ou a falta dela na sua aplicação, ou seja, o que se considera comparar quais são os sistemas
mais protecionistas na defesa dos interesses alheios, esta definição prende-se não só pela
contextualização em termos de família jurídica (como se terá oportunidade de ver), como também a
evolução histórica por detrás da legislação de Responsabilidade civil.
Este trabalho serve para comparar como se comportam os sistemas francês, alemão e inglês,
enquadrando quais são as suas funções, estrutura e finalidades na imputação da responsabilidade civil,
comparar também será um trabalho de determinação quais são os sistemas mais semelhantes (e os mais
divergentes), por fim, importa salientar a possibilidade de existir uma harmonização ou uniformização
da responsabilidade civil para uma possível codificação europeia (como já existe, no âmbito do
DCFR).
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2.1.1 – França
A Faute consiste num modelo unitário de responsabilidade civil, assim, pode-se afirmar que a
Faute concentra várias realidades, como a culpa, a ilicitude e o nexo de causalidade, consistindo num
modelo simplificado e indefinido, logo, existe a fusão do elemento subjetivo (a imputabilidade do
agente) e o elemento objetivo (existe um dever violado), apesar do seu simplismo, a faute francesa
teve um enorme sucesso, sendo exportada para outros códigos, como o Código Civil Italiano de 1942
e o Código Civil Holandês de 1992.
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CORDEIRO, A. M. (2017) - Tratado de Direito Civil VIII, Almedina, pag. 319
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CORDEIRO, A. M. (2017) - Tratado de Direito Civil VIII, Almedina, pag. 321
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2.1.2 – Alemanha
Não obstante o facto de existir a geração de uma Pandectistica em pleno século XVIII, pode-
se afirmar, que no caso da responsabilidade civil, a evolução/construção proveio de um procedimento
muito lento e difícil, desde cedo, existia uma referência à ilicitude e à culpa (daqui vê-se a priori um
afastamento de um modelo unificado, como o francês), nesta linha, pode-se afirmar que o primeiro
jurista a falar sobre a responsabilidade civil e a existência de pressupostos foi Johann Christian Hasse
(1779 – 1830), na publicação do Die Culpa des Römischen Rechts, onde o próprio afirma que para a
geração de uma obrigação de indemnizar não basta somente um comportamento culposo, neste trecho
afirma-se a necessidade de existir ilicitude no ato concreto, não obstante a investigação deste autor,
como de outros, a verdade é que foi com Friedrich Wilhelm Glück que existe uma expressão
significativa sobre o dano ilícito para a responsabilidade delitual/aquiliana (denomina-se de
Widerrechtlicher Schaden, ou seja, dano ilegal), porém, em Glück ainda existe uma mistura de
conceitos, ao qual o mesmo efetuava uma referência indiferenciada entre a culpa e a ilicitude, por isso,
existia uma equiparação da culpa à negligência, após investigações de diversos juristas como Friedrich
Mommsen (1818 – 1892), Georg Friedrich Puchta (1798 – 1846), entre outros, deu-se a análise de
grande importância por parte de Rudolf von Jhering (1818 – 1892) sobre o problema dos pressupostos,
ao qual foi autor de uma das maiores obras de responsabilidade civil e imputação, denominada de “o
momento da culpa no Direito Privado Romano”, atualmente enaltecida pelos penalistas, na verdade
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A Escola Histórica do Direito, criada em meados do século XIX, foi a precursora do positivismo normativista que veio
assentar grandes traços de normativismo nos sistemas da família romano-germânica, por força das teorias criadas por
grandes génios de Direito da época, como Friedrich Savigny, esta mesma cresceu para efetuar um contra-avanço do
movimento jusnaturalista iluminado, hoje em dia pode-se ver na prática de Direito os principios defendidos por esta
Escola, apesar que com algumas diferenças no modo de pensar o Direito, não obstante essa evolução, não se pode tirar o
mérito a esta escola de pensamento jurídico o contributo para os sistemas da família Romano-Germânica
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pode-se dizer que existe uma rica exposição sobre a possível imputação de indícios objetivos e
subjetivos, além disso, o mesmo confirma o conceito da culpa da culpa como bitola geral de
responsabilidade do Direito Privado romano desenvolvido8, por isso, Jhering, assentou o pressuposto
que deve invocar o dever a indemnizar é a culpa, e não o dano, foi de Jhering que existe a incorporação
da distinção entre a culpa e o dolo, graças às investigações deste jurista alemão, entrou um modelo
dualista de imputação, que veio influenciar sistemas que se encontram com a matriz germânica
dominante (exemplo disso, é Portugal), como se verá adiante, o sistema alemão baseou-se muito nas
investigações de Jhering, apesar de sucintas afinações, na verdade, existe uma manutenção da realidade
dualista de imputação.
2.1.3 – Inglaterra
Passando para o sistema Britânico, existirá a análise da Tort Law (Lei dos delitos) ao qual ver-
se-á uma grande diferença face aos anteriores sistemas ao longo deste trabalho, a começar pela família
que se encontra integrado, que é de Common Law, daqui subjaz uma série de formulações e práticas
de direito, que diferem dos restantes, começando pela sua forma de criação de direito, que consiste na
força da jurisprudência (um primado jurisprudencial), contrariando a tendência legislativa comumente
visível nos sistemas romano-germânicos, para além disso, existe um outro fator que diferencia o
sistema de Common Law e a responsabilidade civil, que vive no seio de não existir influência do Direito
Romano, por isso, os ingleses não tiveram as ideias de Delicta (em principio) ou da Lex Aquilia para
influenciar o seu próprio instituto de responsabilidade civil, por isso, a consolidação deste instituto
baseou-se na jurisprudência, onde a visualização do direito era à base do caso concreto (visão
casuística, apesar de não ser influenciado pelo Direito Romano, a Common Law tinha e tem a base da
resolução do caso concreto como criação de Direito).
A tort law provém dos writs da época medieval, correspondente a uma defesa variada de defesa
de direitos, apesar desta pequena contextualização, é difícil falar sobre a origem histórica da Tort Law
ao longo do tempo, existem registos de obrigações indemnizatórias a pessoas que era injustiçadas ou
a clã injustiçado, apesar disso, pode-se dizer que apesar do afastamento de famílias jurídicas, a Tort
assemelha-se à Delicta romana, porém, o afastamento do conceito de fonte de direito e aplicação do
mesmo foram distanciando-se, enquanto a Delicta era estudada afincadamente nas universidades
(posteriormente para ser confluente em processos de generalização e abstração para criar normas gerais
e abstratas, como se vê no § 823/I do BGB), a tort era (e continua a ser) de aplicação judicial com uma
técnica dos precedentes (apresentando a jurisprudência como principal fonte), perante estes factos, a
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CORDEIRO, A. M. - Tratado de Direito Civil VIII, Almedina, 2017, pag. 330
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Inglaterra talvez seja o sistema com menor contexto histórico entre as investigações históricas quando
se fala da Tort law, existem sim, mais investigações relativamente ao pressupostos aplicados nas
situações concretas.
2.2.1 – França
A Faute é contemplada no artigo 1382º do Código Civil Francês, esta mesma é considerada
como um modelo unitário de imputação da responsabilidade civil, ou seja, junta a culpa e a ilicitude
numa só terminologia, por isso, a mesma foi a criadora das grandes cláusulas (gerais) de
responsabilidade civil, a fundação entre a ilicitude e a culpa corresponde a uma atribuição fundada
também na junção de elementos, de teor objetivo e de teor subjetivo, ou seja, por um lado, tem que
existir um dever violado (elemento objetivo) e a imputabilidade ao agente, sendo assim, a
responsabilidade civil em base da faute tem um alargamento sem precedentes, onde a violação de
deveres de segurança, estética de construções, deveres laborais e até mesmo deveres familiares estão
sujeitos a responsabilidade civil, logo, estamos perante um sistema que estabelece um dever geral de
não causar danos com faute a outrem9, face a esta exposição, pode-se afirmar que o sistema francês é
bem mais generoso do que o alemão, por exemplo, o teor dessa generosidade começa com a
contextualização formalizada da neminem laedere (dever de não violar direitos alheios), além disso,
existem áreas em que não se verifica a necessidade dessa consagração formal, como por exemplo, a
liberdade de iniciativa económica, liberdade de expressão, entre outras liberalidades, muitas expostas
em contexto de principios constitucionais, por isso, pode-se considerar um conceito de Faute
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É neste âmbito que se estabelece uma compreensão mais vasta da própria indefinição da responsabilidade civil, a faute
em sentido de estabelecer um dever geral de não causar danos com faute a outrem, exige uma exposição mais aberta à
interpretação e à aplicação dedutiva, esta perspetiva aplicativa será abordada em capítulo isolado, porém, vale a pena
indicar em contexto de anotação de que a Faute prevê uma grande generalidade dos factos.
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Por isso, apesar de existir uma doutrina atualista a tentar desmembrar a faute (ou efetuar um
sistema dualista, como dos contemporâneos alemães), este sistema delitual mantém-se intacto ao longo
do tempo, na verdade, o ordenamento jurídico sempre aplicou de forma segura este conceito, sem
existir a necessidade de mudar radicalmente a sua forma de imputação delitual, aliás, pode-se afirmar
que é um dos sistemas mais consistentes no seio da Europa Continental, perante este sistema, é
importante salientar que a Jurisprudência e a sua aplicação legal em boa sensibilidade permitiu a
continuação deste sistema delitual, poderá existir contras quando se fala na faute, tais contras que serão
abordados posteriormente, porém, pode-se falar numa fase introdutória, e sem prejuízo de futura
apreciação completa, que a Faute é um conceito de grande indefinição jurídica, com aspetos muito
latos de aplicação e racionalização, e por isso, é de grande importância falar na jurisprudência e o seu
precedente quando se fala do sistema de imputação delitual, duas coisas que serão abordadas
devidamente mais para a frente, apesar disso, a faute é a prova de um verdadeiro sistema mutável, um
sistema preparado e aberto aos novos problemas invocados pela evolução civilizacional, aliás, a mesma
encontra-se como um ponto nuclear de um Direito europeu.
2.2.2 – Alemanha
provocaria uma certa imputação delitual, neste âmbito, o Direito alemão apresentou um traço
verdadeiramente impeditivo à extensão desenfreada da responsabilidade civil, implicando atuações
específicas aos juízes, por isso, na influência germânica do Direito existe uma autonomia entre a
ilicitude e a culpa «Schuld» (como se tem oportunidade de ver em Portugal, com uma pura influência
da matriz alemã), revelando assim a relevância da existência de um facto, a pretensão ilícita e o fator
culposo, o BGB, nas suas primeiras versões tinha somente uma norma positivada sobre a
responsabilidade civil, que era o §826, porém, nas versões mais recentes, com o propósito da evolução
doutrinária do direito alemão, existe a divisão da responsabilidade civil em três pequenas cláusulas, no
§823/I temos uma cláusula central (relativamente a violação ilícita), §823/II ao qual temos uma
cláusula supletiva (relativamente a violações de normas de proteção) e o §826 que é uma cláusula
residual (Dano ofensivo a bons costumes), assim, pode-se afirmar a nitidez de uma possível proteção
do lesante, o sistema do BGB tem em conta os interesses possivelmente tidos em contra pelo lesante,
assim, estamos perante um equilíbrio de compromissos, a matriz do BGB (em sentido contrário do
Code), é mais liberal em conta da proteção de interesses, e mais agressivo na limitação de imputação
(também em sentido contrário do Code), as normas de proteção e a situação da violação de direitos
subjetivos são também um grande limitador normativo da imputação do próprio conceito de
responsabilidade civil.
2.2.3 – Inglaterra
A responsabilidade civil inglesa denomina-se tort law, este sistema talvez seja o mais fechado
face aos sistemas continentais, ou seja, as torts estão puramente ligadas à fault10, esta denominação
tem um papel fundamental no sistema de imputação de responsabilidade porque existe a ideia de que
o dano mantém-se onde cai, somente em situações muito excecionais é que existe a transmissão desse
dano para outra esfera jurídica (uma mentalidade de análise económica, onde será devidamente
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CORDEIRO, A. M. (2017) - Tratado de Direito Civil VIII, Almedina, pag. 345
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abordada futuramente), ou seja, a responsabilidade civil inglesa consiste numa grande multiplicidade
de imputações objetivas (existe um quadro técnico de tipificações objetivas), para além disso, existe
uma grande tecnicização da negligence, porém, apesar de uma restrição delitual, pode-se afirmar com
algumas certezas que o sistema britânico de responsabilidade tem seguido algumas terminologias do
direito alemão (mais à frente, enquadrar-se-á as similitudes), como por exemplo a ilicitude e a culpa
(como também a diferença entre o dolo e a negligência), a tort é definida como um ato doloso ou a
infração de um direito (que não esteja sob contrato) levando a responsabilidade civil, ou seja, à
semelhança do direito alemão (com as suas diferenças), para existir responsabilidade civil tem que
existir um dever (duty), uma violação desse dever (breach of duty), causalidade (causation) e dano
(injury), para além disto, as torts dividem-se, principalmente, entre intentional torts, negligence torts
e strict liabilty11.
As intentional Torts consistem quando um individuo efetua atos prejudiciais que levam a uma
lesão ou dano a outrem, estas comparam-se muito ao ato doloso no direito alemão, por isso, pode-se
convocar os intentional torts no seio do direito civil e até no direito penal (a diferença é que no direito
penal tem de existir um ato doloso para interesses gerais da sociedade, neste caso, podem estar em
causa a saúde/vida humana e a sua propriedade), no caso do direito civil, o lesado tem direito a uma
indemnização pelos danos sofridos, não obstante o facto de existir um sistema de responsabilidade
civil, terá que se reiterar o facto de existir um circuito bem mais fechado e restrito, já que dentro das
intentional torts existem vários casos-modelo de forma a imputar a responsabilidade civil, alguns
desses modelos consistem em assaltos, difamação, fraude, agressão, violação da confiança, entre
outros. (atendendo ao facto que existem outros modelos de imputação).
As Negligence Torts (ou somente Negligence) consistem em atos de negligência, ou seja, atos
que não envolvem deliberação e/ou intencionalidade, a negligência ocorre quando não existe uma
diligência ou um dever de cuidado respeitado, resultando em danos, no sistema britânico, a negligência
é a mais comum, exemplos de Negligence torts estão em casos de queda por acidente, acidentes de
carros e outros veículos, acidentes com pedestres e ciclistas, como também má prática médica, na
negligence, existe como aspeto fundamental o duty of care (o dever de cuidado), depurando-se uma
preocupação na delimitação da terminologia, por isso, existe a especificação de deveres específicos
que justificam a responsabilidade civil com base na negligence, nesse aspeto, existe um maior controle
nas decisões judiciais, podendo continuar com um sistema coerente de precedente judicial, típico do
sistema de common law.
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Types of Torts and Examples - St Francis School of Law (stfrancislaw.com)
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Por fim tem-se as Strict liability, consistem em casos em que o dano imposto por falta de
diligência não necessita de provas de negligência ou ato doloso, um caso desta tipologia transmite para
o lesante uma situação de presunção geral da culpa, ou seja, estes são semelhantes aos casos de
responsabilidade civil por omissão, ao qual o ónus da prova é invertido (o lesante tem que provar a sua
inocência, ao contrário dos casos de outro tipo de responsabilidade civil, onde é o lesado o responsável
pela prova da culpa e ilicitude do lesante, de forma a ter direito à indemnização), os casos mais comuns
são os de produtos defeituosos, ataques de animais (com proprietário) e danos provindos de atividades
perigosas.
No seio desta imputação de danos, é muito importante assentar que a doutrina inglesa tem
imposto diferenciações no âmbito indemnizatório, por isso, tem sido efetuada a diferenciação entre a
responsabilidade civil no sentido da compensação e da punição (punitive damage), esta diferenciação
permite invocar limites à indemnização, tanto restringi-los como alargar a sua influência, por isso, tem
sido construída um diversidade enorme de material académico relativamente aos punitive damages,
apesar de não serem aplicados no direito civil por serem considerados contra a política pública e o
espirito do direito civil, na verdade, pode-se falar num interesse crescente neste conteúdo, os seus
estudos tem iniciado desde do caso Rookes vs. Barnard, esta temática tem aberto cada vez mais debate
entre a doutrina (aliás, em sentido diferenciado, tem sido debatido em outros países da Europa
Continental, como por exemplo, Portugal).
Agora importa falar da influência da Análise Económica como base limitadora das Torts (e de
todo o direito de common law), a análise económica do Direito não se encontra integrada no sistema,
porém, existe uma dupla ligação entre ela e a responsabilidade civil, em primeiro lugar, a análise
económica do Direito nasceu da responsabilidade civil, mesmo no seio da família de common law,
para além disso, a análise económica pode ser um útil contributo na estruturação da tort law (face à
falta de estruturação típica da common law), dando-lhe uma estruturação extra-jurídica, assim, e
seguindo um espirito brutalmente económico, pode-se falar num “mix óptimo de medidas de cuidado,
de um e do outro lado”12, estas concretizações ajudam a aumentar a utilidade e a rapidez nos sistemas
jurídicos, estes postulados ajudam principalmente no equilíbrio entre as partes, por um lado, o lesante
pode balancear os custos do cuidado e dos danos que se dê azo a mais utilidade (mostrando maior
disponibilidade para pagar), por outro lado, o lesado irá procurar o melhor equilíbrio entre os custos
de proteção (de um possível dano) e de uma indemnização em condição hipotética, de grosso modo,
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CORDEIRO, A. M. (2017) - Tratado de Direito Civil VIII. Almedina, pag. 347
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estar-se-á perante um sistema que poderá ser muito útil na integração de postulados para um direito de
responsabilidade civil europeu, em contribuições sucessivas para a Ciência do Direito modernista.
2.3 – Jurisprudência
2.3.1 – França
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A jurisprudência inglesa, invoca o caso de “aplicação analógica” dos precedentes, numa breve nota, pode-se dizer que
o sistema inglês utiliza um método de verificação dos precedentes em conformidade do caso concreto, se determinadas
características do caso forem semelhantes ao do precedente, poder-se-á aplicar aquele mesmo precedente, caso existam
demasiadas divergências, terá de se passar para outro precedente.
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Cees van Dam é um autor que influencia este trabalho, principalmente na sua obra de “European Tort Law”, como
também o “A Bank’s Duty of Care”, conhecido pelas suas obras de responsabilidade civil em sentido comparativo, é visto
como um autor muito importante para uma apreciação crítica sobre a responsabilidade civil perante os sistemas da
família de Common Law e da família Romano-germânica.
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2.3.2 – Alemanha
Na Alemanha a função dos tribunais consiste numa lógica casuística, ou seja, a decisão baseia-
se no caso concreto (Sub Judice), para estas decisões encontra-se a necessidade de esclarecer e criar
uma lógica analítica no estabelecimento dos preceitos legais, se for necessário, os tribunais podem
estimular e desenvolver o Direito legal, mas sempre cientes da não violação da sua vinculação à lei
(Artigos 20.º, n.º3 e 95.º, n.º1 da Lei Fundamental), a interpretação, em regra, só vale para o caso sub
judice, não existe obrigação de seguir uma certa linha de interpretação, é por isso que se afirma a
inexistência de um precedente vinculativa, porém, de grosso modo, os tribunais podem ser guiados por
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O método dedutivo (ou raciocínio dedutivo), é um processo de análise que leva à conclusão através da informação
disponibilizada no caso concreto, utilizado desde dos tempos da antiguidade clássica, no Direito este método foi utilizado
para a criação do Silogismo jurídico, profundamente ligada ao Positivismo Jurídico, o raciocínio é puramente racional
(remetendo ao espírito Racionalista de René Descartes), invoca-se um ideal de partir o raciocínio de uma premissa
universal (principio ou dever que a situação remete) para uma premissa mais restrita (os factos do caso concreto), a
formalidade entre estas duas proposições dá a inferência de uma possível terceira, que consiste na conclusão do caso
concreto, vide o exemplo dado em seio de responsabilidade civil no corpo do texto.
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uma linha interpretativa que se baseia em soluções justas para o caso concreto, é por isso, que para
alguma doutrina existe a jurisprudência constante, a mesma é visualizada em grande parte nos casos
de elaboração contratual ou em casos de cláusulas contratuais gerais, existindo uma espécie de “guião”
não vinculativo para casos da mesma natureza, dito isto, os tribunais não têm vinculação ao precedente
como têm com a lei e é por isso que se pode afirmar de um Direito Jurisprudencial mais reduzido na
sua importância, a Jurisprudência alemã não causa uma formação de normas jurídicas possivelmente
vinculativas, a natureza da jurisprudência alemã é (em um sentido ligeiramente diferente) casuística e
indutiva16.
2.3.3 – Inglaterra
16
O método indutivo, em contexto jurídico, consiste numa forma de raciocínio que parte da observação (empirismo) do
caso concreto, onde pela a observação da premissa singular (o caso), o juiz, de forma a decidir uma sentença, passa por
um longo processo de indução dos factos, tentando chegar à solução, ele começa por observar os factos (seleciona e
reúne os factos que permitem a chegar a uma conclusão), sistematiza os dados (ou seja, organiza todo o material fáctico,
devendo utilizando a informação de forma racional e sistemática), elabora hipóteses por meio de questões indutivas
(aqui, revela-se a possível aplicabilidade de uma determinada norma ou regime jurídico ao caso concreto, é aqui que
talvez haja uma maior diferenciação entre o Direito Inglês e o Direito Alemão, enquanto o juiz na Alemanha está
vinculado à lei, estando assim num regime de indução incompleta, onde a indução nasce do próprio caso, garantindo a
verdade ao caso concreto, mas não garante a estabilidade decisória para os restantes casos, o Direito Inglês conduz-se
para uma indução completa, ou seja, funde-se numa indução não só do caso, mas de todos os casos precedentes, estando
em consideração a experiência do facto concreto), por fim, o juiz chega a uma conclusão (ou seja, a sentença).
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VICENTE, Dário Moura (2022) - Direito Comparado, Vol I (5ª edição), Almedina, pag. 277
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densa tipicidade de ilícitos delituais, porém, tem a sua tipificação de certa forma atenuada, ou seja, o
juiz tem uma larga margem de determinação de possíveis violações de deveres de cuidado.
3. - Síntese Comparativa
No detrimento da demonstração da forma que a responsabilidade civil é tratada nos diversos
sistemas jurídicos, existe a necessidade de efetuar um trabalho de direito comparado no presente texto,
quais são os sistemas que concretizam a melhor solução para o sistema atual, além disso, existe a
necessidade de determinar qual é a melhor forma de construir uma responsabilidade civil, se existe a
possibilidade de criar um mix entre os sistemas, quais são as propostas que atualmente são
disponibilizadas, passando pelo Draft Common Frame of Reference (DCFR).
Encontra-se dois sistemas dualistas (alemão e inglês) e um sistema unitário puro (francês) de
imputação da responsabilidade civil, a separação dos sistemas consiste na autonomização dos
pressupostos da culpa e da ilicitude na imputação (os pressupostos do dano e do nexo de causalidade
são sempre autonomizados, independentemente do sistema em causa), enquanto os sistemas unitários
convocam uma fusão dos conceitos, não permitindo a sua autonomização, os sistemas dualistas
autonomizam os pressupostos, organizando-os como pontos em “check-list”, verificados os
pressupostos (os clássicos são a culpa e a ilicitude), existirá imputação de responsabilidade civil, onde
o lesante terá que indemnizar o lesado por danos efetuados contra um lesado, seja de forma dolosa ou
de forma negligente.
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Bernhard Windscheid (1817 – 1892), foi um jurista alemão de enorme importância para a pandectista alemã e para as
fundações do BGB alemão de 1900, a problemática de Windscheid consiste numa exigência constante em que a ilicitude
deveria consistir num pressuposto crucial na responsabilidade delitual, este autor defendeu até à última edição da sua
obra “Pandektenrecht”, foi graças a ele (e ao debate criado com Jhering e Mommsen) que houve a criação de
coordenadas sólidas para teorizar e elaborar o código civil alemão no domínio da responsabilidade civil (na vertente
delitual), quando se fala da distinção estrutural entre a ilicitude e a culpa deve-se designar como modelo Jheringiano,
pode-se falar que a conceção na separação na ilicitude entre a violação de direitos subjetivos e de normas proibitivas é
concebida graças a um modelo windscheidiano, o modelo windscheidiano não tem uma modulação original do próprio
Windscheid, este autor admitia que a divisão da ilicitude era entre a violação de direito absolutos (ao contrário do
modelo) e a violação de normas proibitivas, somente após um grande desenvolvimento doutrinário, com imposição do
modelo a partir da segunda comissão do BGB.
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Por tal convoca-se a correlação direta a uma certa sensibilidade imputativa no meio, a faute,
por consequência da sua indefinição, é omnicompreensiva ao abranger os elementos da culpa e da
ilicitude, por isso, até a faute mais leve poder dar a origem a uma ação de responsabilidade civil, isto
vai ao âmbito da limitação imputativa do modelo, que é quase inexistente, dando espaço a uma
presença aplicativa bem mais vasta do que os sistemas dualistas, os modelos dualistas (autonomização
da culpa e da ilicitude) advém uma limitação imputativa maior, onde os casos de aplicação são mais
reduzidos, por um lado, existe o caso alemão, onde a não integração das três cláusulas de imputação
consiste na inexistência de responsabilidade civil, enquanto na Tort Law, a preferência é na
transmissão do dano (ou seja, pagamento de indemnização) em casos especiais, por isso, é relevante
anotar a “contracorrelação” existente nas determinação das terminologias, os sistemas unitários (como
a da faute) são mais agressivos contra o lesante pela sua liberalidade na imposição de limitações à
imputação de responsabilidade, pelo contrário, os sistemas dualistas demonstram-se mais brandos
contra o lesante (existindo até uma proteção contra lesante «Schutz vor Verletzungen» no sistema
alemão» ou os postulados do sistema de common law pela Análise Económica do Direito) pela sua
agressividade à limitação da responsabilidade civil e a sua imputação, por isso, no caso de
ressarcimento de danos puramente patrimoniais existe uma grande contrariedade nos sistemas dualistas
por ser um atentando à liberdade geral de agir e à liberdade (também geral) de fomentação económica.
Para além disso, importa falar na função da responsabilidade civil entre os sistemas romano-
germânicos e os sistemas de common law, enquanto o sistema romano-germânico aponta para um
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sentido mais de ressarcimento de danos e compensação (com certa abrangência para o desestimulo), o
sistema de common law aponta para uma função bem mais punitiva (Punitive Damages)19.
Dito isto, é importante falar na estruturação e finalidade dos modelos apresentados ao longo do
trabalho, medir a sensibilidade apresentada na imputação da responsabilidade civil, por isso,
começando pelo sistema talvez mais generalista (com demonstração de uma só norma para demonstrar
todo um instituto), temos o sistema francês, o mesmo tem uma série de normas com a denominação de
cláusulas gerais amplas (muito amplas), ao qual a referência a direitos ou a interesses protegidos é
quase inexistente, aliás, face dos três sistemas apresentados, o sistema francês deverá ser o mais
lastrado de cláusulas gerais no seu próprio código, apresentando uma jurisprudência com uma
experiência mais conceptualista e com fundamentação na dedução, em sentido totalmente contrário, o
sistema britânico (ou anglo-saxónico) baseia-se na tipificação das condutas ativadoras da
responsabilidade civil (as denominadas torts), apesar de se crer que a negligence possa ser considera
uma cláusula geral de responsabilidade, na verdade, também poderá estar sujeita a um conjunto
tipificado de situações previstas e aplicadas pelo precedente judicial, por fim, talvez o sistema mais
intermédio, fala-se do alemão, o mesmo estrutura-se em cláusulas gerais de responsabilidade com
certos graus de pormenor, com a exigência de requisitos específicos (estar-se-á a falar das normas de
proteção e a violação de direitos absolutos), devida à possível aproximação estrutural entre o sistema
inglês e o sistema alemão, existe a possibilidade de classificar a atuação normativa e dos juízes, ao
contrário da contextualização francesa (conceptualista e dedutiva), os sistemas inglês e alemão
encontram-se numa atuação casuística (ou seja, analítica), onde a atuação judicial tende a ser indutiva,
para além disso, ambos os sistemas são conhecidos por dar importância aos deveres de cuidado,
embora existirem diferenças de contextualização (o sistema alemão centra a importância na situação
do lesado, enquanto o sistema inglês destaca a atuação e situação do lesante), existe na realidade uma
interligação de conceitos, a contextualização da situação do lesado e do lesantes está profundamente
interligado na responsabilidade civil, os dois modelos tendem a efetuar reflexões convergentes do que
o contrário, este cuidado nos deveres de tráfego representa uma aparente necessidade de uma abertura
maior às possibilidades de imputação que foram surgindo ao longo do tempo, por isso, os sistemas
19
Os Punitive Damages ou a função punitiva da responsabilidade civil, é uma vertente que tem sido debatida na doutrina
no seio da contextualização da verdadeira função da responsabilidade civil, esta função invoca a necessidade de punir o
lesante de forma a impedir a reincidência daquele ato danoso, à semelhança da função do ressarcimento de danos,
importa indemnizar os danos sofridos pelo lesado, porém, o ponto de vista da função do ressarcimento de danos olha
numa perspetiva de curar (ou remendar) a situação do lesado, tendo em conta a especificidade da função punitiva, os
Punitive Damages somente aparecem em casos de danos pessoais (por exemplo em casos de agressão), esta função não
costuma ser aplicada em seio de responsabilidade contratual.
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alemão e inglês foram conhecidos pela ampliação de bens, interesses e direitos protegidos20, como
também a expansão do próprio espectro aplicativo, onde essa ampliação foi principalmente
jurisprudencial como já foi dito anteriormente, por outro lado, a França não teve essa problemática, a
maleabilidade da Faute possibilitou uma grande expansão da responsabilidade civil de uma forma
bastante mais libertadora e flexível.
Por fim, indo a um dos principais pontos invocados por este trabalho, que é o facto se existe
uma verdadeira responsabilidade civil europeia, e se poderá evoluir-se nesse mesmo pressuposto.
Como se introduziu no capítulo introdutivo, já existem dois projetos dessa natureza, primeiro os
Principles of European Tort Law, onde este mesmo apresenta aspetos comuns dos três grandes
modelos de responsabilidade civil (os apresentados neste trabalho), os trabalhos do Principles
focaram-se expressamente na Faute (com diversas referências, principalmente em questões de
necessidade de maior mutabilidade imputativa) e na consideração de danos em violações de interesses
juridicamente relevantes protegidos, abarca até os danos meramente económicos21, porém, com um
freio imputativo bem maior, apresentando várias restrições, uma delas, de influência puramente
francesa, onde pode ser vista no artigo 1:101 (2) uma necessidade de definição hipotética de uma
responsabilidade subjetiva (não obstante o facto de existir influências alemãs no art. 2:102 (4)), a
responsabilidade civil, assim, é vista como um instrumento flexível de diversos direitos, sejam eles
absolutos ou relativos, como também as situações jurídicas e interesses legitimado pelo Direito, existe
aqui uma clara identificação de ditames relativos à justiça e valores constitucionais, acordando-se em
base das modificações sociais ao longo dos tempos, os Principles são assim, um instrumento de
reafirmação do núcleo comum, ao qual a definição de fornecer um catálogo de interesses protegidos
pelo Direito da Responsabilidade civil é inexistente (existe uma espécie de abstenção) no âmbito da
delimitação dos factos danosos geradores de responsabilidade civil, existe sim, uma proteção
20
FRAZÃO, Ana, (2011)- Pressupostos e funções da responsabilidade civil subjetiva na atualidade: um exame a partir
do direito comparado. Revista do TST. n. 4, pag. 31, out./dez. 2011.
21
Entre os três sistemas a comparar, o sistema francês é o mais aberto à indemnização por danos meramente económicos,
por ser um sistema de cláusulas gerais abertas, é visível que os juristas franceses (e os oriundos de países com matriz
semelhante) não efetuam uma distinção de um mero interesse económico, por isso, a indemnização de danos meramente
económicos não é distinguido dos restantes tipos de dano, por outro lado, os sistemas alemão e inglês parecem ser mais
restritivos e refratários no que toca a indemnizar por danos meramente económicos, seguindo a regra do preenchimento
de requisitos, para os alemães teria que existir um interesse tutelado pelo direito, para os ingleses teria que existir um
dever de cuidado, esta visão mais fechada remete ao espírito da análise económica do Direito, apesar de não existir
indícios de influência para o Direito alemão, pode-se afirmar, porém, que estes dois sistemas são bem mais cuidadosos
no âmbito da responsabilização, tentando sempre criar situações de equilíbrio.
Página 21
diferenciada dos interesses, seguindo o preceito do artigo 2:102, o dever a indemnizar pressupõe a
interferência com um interesse protegido, como um sistema flexível, estrutura-se em larga medida na
decisão do próprio decisor, estes princípios são também uma ferramenta de harmonização dos sistemas
legislativos das várias nações europeias, não obstante esse facto, os Principles podem também ser
vistos como uma porta de entrada para uma unificação da responsabilidade europeia (uma
possibilidade cada vez maior de se ver uma European Tort Law), os Principles em conjunto com a
European Centre of Tort and Insurance Law, representa o inicio de uma pretensão já há muito desejada
relativamente a um verdadeiro código de Direito das Obrigações, anos depois, surge o Draft Common
Frame of Reference, como uma proposta para um possível código de direito das obrigações, este
projeto encontra-se com um número de propósitos modestos, porém, ambiciosos, em primeiro lugar,
surge como um possível modelo político para uma codificação europeia de direito das obrigações
(como já foi dito’), em segundo lugar, encontra-se com um propósito de construção de uma ciência
jurídica expositiva, permitindo evoluções em investigações e na educação de futuros juristas, para além
disso, tem como propósito (um terceiro) a possibilidade de ser uma fonte de inspiração legislativa, este
propósito acarreta também uma visualização pró-modernista de forma a inspirar juristas.
Este projeto é inovador por uma grande particularidade, que consiste num afastamento no
âmbito da delimitação de atos danosos geradores de responsabilidade relativamente à técnica
legislativa adotada pelos principais sistemas jurídicos (porém, poder-se-á ver algumas aproximações
ao sistema alemão, principalmente no Livro VI) o DCFR efetuou uma espécie de mistura entre os
sistemas, não efetivou uma abstração e generalidade ao nível do modelo francês, nem efetuou um
sistema de tipificação técnica como fora efetuado pelo modelo inglês, o dano juridicamente relevante
divide-se em três categorias fundamentais, entre danos expressamente previstos no DCFR, danos
resultantes da violação de um Direito conferido por lei e danos resultantes da violação de um interesse
legalmente protegido.
Para além disso, tanto os Principles como o DCFR convocam similitudes, mas também
diferenças no âmbito da constituição dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, por
um lado, ambos abstêm-se em termos formais a autonomização do pressuposto da ilicitude como real
pressuposto para a obrigação de indemnizar, porém, pode-se ver que através do artigo 2:101 dos
Principles (que remete ao conceito de ilicitude em terminologia do Wronfulness), e na
contextualização da definição do dano relevante para o DCFR por meio de somente ser ressarcível o
dano causado por violação de um direito ou interesse legalmente protegido (como também caso se
encontre em tipificação formal deste instrumento jurídico), no âmbito do dano, ambos os projetos
parecem divergir, os Principles acolhem um conceito amplo (compreendendo lesões em bens materiais
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como também em bens imateriais) no seu artigo 2:101, onde ficam excluídas as ofensas não tuteladas,
sejam elas em interesses patrimoniais ou não patrimoniais, para além disso, permitem o ressarcimento
ex delicto, ou seja, ressarcimento por danos patrimoniais puros, já o DCFR contempla uma regra
diferente à dos Principles, mas que no final também permite o ressarcimento por danos patrimoniais
puros, já no âmbito de nexo de causalidade, os Principles acolhem a teoria do Conditio sine qua non
no seu artigo 3:101, ou seja, uma atividade deverá ter sido a causa de um certo determinado dano, a
ponderação posterior ao preenchimento de requisitos é de invocação casuística (clara aproximação ao
sistema inglês) como se poderá ver no artigo 3:201, pelo que poderá ver, o DCFR segue uma tendência
convergente a este disposto, por fim, tanto os Principles como o DCFR seguem uma conceção objetiva
da culpa, se pessoa, por dolo ou negligência violar um padrão de conduta exigível, poder-se-á auferir
a responsabilidade, seguindo consequentemente pressupostos casuisticamente considerados22.
Após uma breve consideração dos dois projetos denominados, pode-se afirmar que apesar de
existir um ideal codificador e uniformizador cada vez mais desejado por uma boa parte da doutrina
internacionalista, a verdade é que vale contra esta hipótese o principio da subsidiariedade do Direito
Europeu, como também a defesa de uma pluralidade e diversidade jurídica nos sistemas jurídicos, na
verdade, a hipótese de uma unificação passaria por uma acrescente aproximação dos regimes nacionais
à situação da imputação de responsabilidade civil, porém, este problema de convergência de sistemas
jurídicos em matéria de responsabilidade civil afiguram largas dificuldades, no fundo, os projetos de
Responsabilidade Civil emergentes têm em si um grande crescimento potencial, porém, não se pode
afirmar ainda uma verdadeira codificação de Direito das Obrigações a nível europeu, tanto os
Principles como o DCFR são instrumentos a utilizar num processo de harmonização dos sistemas,
como também num funcionamento adaptável de reformas legislativas nos sistemas europeus, mas na
verdade, ideias de codificação internacional são de difícil execução, para tal, teria de existir uma
emergência por parte dos sistemas jurídicos em formalizar uma hipótese de uniformização normativa,
até lá, estes projetos são meramente indicativos e não vinculativo, porém, sujeitos a um enorme
potencial.
22
VICENTE, Dário Moura, (2022) – Direito Comparado Volume II Obrigações, Almedina, pag. 672
Página 23
5. Grelha comparativa
Responsabilidade
França Alemanha Inglaterra
Civil
Modelo unitário puro Modelo dualista Modelo dualista (Tort
Modelo de imputação
(Faute) (Modelo Jhergiano) Law)
Estrutura intermédia
Estrutura de cláusulas Estrutura de
Estrutura com três cláusulas
gerais amplas tipificação de condutas
tipificadas
Autonomização dos
pressupostos (culpa e Não Sim Sim
ilicitude)
Dedutivo e Indutivo (incompleto) Indutivo (informal)
Jurisprudência
Conceptualista e Casuístico e Casuístico
Não existe previsão
normativa dada à
Previsões legais Artigo 1382º §823, I / §823, II §826
família jurídica
integrada
Limitação densa e
agressiva, dada a
Limitação mais
especialização do caso
Quase inexistente, densificada, através da
Limitação de concreto em base do
com base aplicativa positivação de três
Imputação pensamento da análise
bem mais vasta normas jurídicas no
económica do direito
BGB
enquadrado no Direito
Inglês
Sistema mais protetor Tal como o alemão, é
Posicionamento Sistema mais
da parte lesante, mais protetor à parte
imputativo face ao agressivo contra a
criando travões à lesante, criando
lesante posição do lesante
imputação também alguns travões
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Bibliografia:
BAR, C. von. (2009). Principles, definitions and Model Rules of European Private Law Draft
Common Frame of reference (Dcfr); Outline edition. Sellier, European Law Publ.
DAM, Cees Van. (2013). European Tort Law, 2ªEdição. Oxford University Press.
EMMERT, Frank. (2012). The Draft Common Frame of Reference (DCFR) - The Most Interesting
Development in Contract Law Since the Code Civil and the BGB. SSRN Eletronic Journal.
10.2139/ssrn.2025265.
(https://www.researchgate.net/publication/255854589_The_Draft_Common_Frame_of_Reference_DCFR_Th
e_Most_Interesting_Development_in_Contract_Law_Since_the_Code_Civil_and_the_BGB).
LEITÃO, Adelaide Menezes. (2007). Normas de proteção e Danos puramente patrimoniais / Tese de
doutoramento na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (no repositório da UL:
https://repositorio.ul.pt/handle/10451/166).
VICENTE, Dário Moura. (2022). Direito Comparado, Vol I (5ª edição), Almedina.
WALKER, Mark Pickersgill. (2015). O Modelo jurídico dos punitive damages nos ordenamentos
jurídicos da Inglaterra e dos Estados Unidos / Dissertação de Mestrado na Universidade Federal de
Santa Catarina (USFC), no Centro de Ciências Jurídicas (no repositório da USFC:
https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/167801).
Legislação:
Bürgerliches Gesetzbuch (BGB), ano de criação: 1900, versão de 2 de Janeiro de 2002.
Principles, definitions and Model Rules of European Private Law Draft Common Frame of reference
(Dcfr); Outline edition. Sellier, European Law Publ, 2009.
Principles of European Tort Law (PETL) (no website oficial da European Group on Tort Law
http://www.egtl.org/PETLEnglish.html).