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Discentes: André Felipe Grecco, Vinícius de Souza Nacamura

ANÁLISE DO DILEMA 58

O dilema ético que escolhemos para resolver intitula-se “Aperitivos perigosos” do


livro 101 Dilemas Éticos de Martin Cohen. O caso resume-se no seguinte; há uma moça que
trabalha em um bar, algum momento do trabalho ela escuta um homem elegante conversando
alto com os amigos, ele diz que havia contraído AIDS e que faria uma “farra sexual” para
transmitir a doença sem que suas companheiras soubessem; os amigos riem e apoiam a
decisão do amigo. A atendente do bar imediatamente se lembra que o autor destas falas tem
uma forte alergia a amendoim, posto que já havia frequentado o local e avisado os
funcionários. Então, a moça pensou que poderia colocar alguns petiscos com amendoim
misturado, provocando uma forte reação alérgica ao homem que o levaria ao hospital
imediatamente, impedindo-o de realizar a pretendida ação. Ela se pergunta no fim se essa
seria uma forma correta de justiça.

O presente trabalho pretende delimitar as imbricações deste caso a partir de três


perspectivas éticas distintas, sendo elas: ética das virtudes, ética kantiana (deontológica) e a
ética utilitarista. Partindo do ponto de vista da ética das virtudes temos um claro problema em
relação ao caráter moral do indivíduo que profere as falas no bar, visto que ele não pensa que
sua ação é em si mesma imoral. Aristóteles dava uma grande ênfase ao caráter de exercício da
virtude que deve ser prezado na consideração moral, toda a discussão a respeito da
Eudaimonia ou a busca da finalidade última do homem, considera que é feliz o ser humano
que realiza a atividade da alma de acordo com a virtude. Mas no que consiste esta virtude? O
filósofo grego faz uma distinção entre virtudes intelectuais e virtudes éticas, esta última diz
respeito ao agir conforme a mediania, um princípio moral que julga justa uma ação que se
estabelece entre excesso e a falta, sendo através do hábito internalizada. O homem do nosso
dilema em questão não segue nenhuma forma de mediania em suas ações, sua atitude beira
uma violação da vida de outro ser humano, visto que considerando de uma maneira última,
aquilo poderia ocasionar a morte futura da pessoa com a qual tivesse uma relação sexual. No
que diz respeito à solução encontrada pela atendente do bar, ela não carece de problemas a
esta ótica elencada acima. A solução encontrada por ela pode ser vista como um extremo
também, pois poderia levar o homem à morte, e caso ele apenas fosse hospitalizado, o
problema não se resolveria, posto que poderia se curar após algum e realizar a ação da mesma
forma. O pensamento da moça visa sem nenhuma dúvida evitar o sofrimento de outras
pessoas, mas outras formas poderiam ser utilizadas ali para a solução da questão que não
implicassem a possível morte de alguém.

Considerando a partir de um ponto de vista da ética kantiana, podemos elencar dois


princípios de sua ética que valem para a interpretação deste caso, sendo eles: a universalidade
e a humanidade. Em sua obra A Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant elenca
inúmeros casos que se relacionam com a sua concepção ética, onde a ação que possui valor
moral deve ser realizada por dever e incluir em si um conflito entre aquilo que o agente quer,
e aquilo que o dever coloca como certo. Um exemplo disso se expressa no caridoso que não
se importa com os beneficiados, ele apenas realiza a doação por ser um dever, ou o dever de
manter a vida, mesmo que o nada seja preferível ao suicida. Os princípios de universalidade e
humanidade dizem que uma ação deve ser considerada em sua ampliação a todos os casos
possíveis, ou seja, para julgarmos uma ação como moralmente boa, devemos analisar se
podemos estender a ação que queremos realizar, pensando como seria se todos agissem desta
forma, se houver uma contradição essa ação não é moralmente validade para todos.

No caso do dilema, se o homem em questão universalizasse sua ação, deveria


compreender que o sofrimento que passou individualmente quando contraiu a doença, ele
também estaria aplicando a outros, e a pessoa que passou a ele seguiu o mesmo princípio que
ele. Esta informação não é clara de como o homem contraiu a doença, podendo ser por uma
transfusão de sangue por exemplo. Porém, levando em conta o fato de que é uma doença
sexualmente transmissível, a outra pessoa com a qual ele manteve relações também se serviu
do mesmo princípio que ele quer realizar. Por conseguinte, se tentasse universalizar sua ação,
todas as pessoas teriam um receio de contrair a doença, onde todas exigiram uma forma de
comprovar que seus parceiros não possuem HIV, onde sua ação não lograria efeito nenhum. É
como o caso da dívida da qual Kant se utiliza, se universalizássemos o não pagamento das
dívidas, simplesmente impossibilitaria a confiança entre as pessoas de emprestarem o
dinheiro.

Considerando outro aspecto dessa questão está a validade moral da ação da atendente.
Não é claro se aquilo que ela pensa fazer seria uma ação por dever, mas universalizar esta
ação traria alguns problemas de ordem relacional entre os humanos, visto que alguma
desconfiança de má conduta por parte de outrem pode virar justificativa para soluções
violentas de todas as pessoas. Ainda, mesmo que o homem esteja realizando uma ação imoral,
ele ainda possui a dignidade de um ser humano que precisa ser respeitada. Se levássemos esse
princípio da atendente até as últimas consequências, haveria uma forma de justiça que seria a
favor de lesar corporalmente os julgados, e em última análise, matá-los para impedir os
possíveis crimes que possam cometer. Porém, considerando o princípio da ação da moça, que
é um pensamento válido de resolver a questão, as respostas kantianas não são totalmente
conclusivas. Penso que num momento de desespero, tomada por uma determinada forte
emoção (que é um elemento chave no julgamento de ações), poderia atenuar-se a resolução
que a moça teve, onde a única forma que encontrou de impedir o ato foi ocasionar a alergia ao
homem.

A respeito daquilo que pode ser dito sobre o utilitarismo, vale a pena lembrar a
máxima desta teoria, a qual afirma que a ação deve trazer "a máxima felicidade dividida no
maior número de pessoas". Isso significa que qualquer ação, independente se for a do dilema
ou não, deve visão o maior bem-estar para o maior número de sujeitos. É isso que propõe a
ideia utilitarista. É importante ressaltar, também, que no começo do utilitarismo, com
Bentham, não havia muita preocupação quanto à qualidade dos prazeres proporcionados por
determinada escolha, mas sim pela quantidade; o teor qualitativo surge com a teoria de Mill.

Destarte, a lógica utilitarista busca sempre fazer um cálculo utilitário, visando fazer
uma previsão dos resultados a serem obtidos a partir de determinada ação. Tal cálculo seria
utilizado de forma a dar preferência sempre a maximizar o prazer e minimizar a dor, de forma
tanto qualitativa quanto quantitativa. Em relação ao dilema aqui analisado, se buscaria fazer
um cálculo das diversas possibilidades de escolhas da mulher, em busca de escolher a que
mais trouxesse bem-estar.

Na teoria utilitarista há também a noção de que os humanos estão numa constante


busca pelo prazer das felicidades mais básicas, tais como a bebida e a comida. No caso do
dilema, é claramente possível ver que o sujeito com HIV busca suprir seu apetite sexual, um
prazer de uma felicidade básica; porém ele visa sua ação sem pensar no mal que pode causar
às outras pessoas.

No final do dilema, surge uma discussão a respeito do que seria justo de ser feito. A
questão da justiça também é tematizada no pensamento utilitarista. Por um lado, há a noção de
utilitarismo de atos, onde a justiça é compatível com a utilidade, por outro, há a noção de
utilitarismo de regras, onde a justiça tem um teor mais formal, uma vez que está mais baseada
nos direitos, nas regras. No primeiro caso, a saber, no utilitarismo de atos, uma ação válida
seria a de colocar a comida no prato com amendoim, evitando que a doença do homem se
espalhe. No segundo caso, isto é, no utilitarismo de regras, talvez a ação mais viável fosse que
a atendente avisasse a polícia (ou alguma força competente que o valha), buscando evitar a
ação do homem.

Fazendo uma breve recapitulação, a fim de concluir, vale enfatizar que a teoria
utilitarista faria antes um cálculo de utilidade, visando o maior número de prazer a um maior
número de pessoas possível. Isso significa que a teoria utilitarista agiria no sentido de, ou
colocar o aperitivo no prato de amendoim, ou de ligar para a polícia. Em todos os casos, o
utilitarismo visaria tentar impedir as ações do homem com HIV, pois obstruir as ações deste
levaria uma maior felicidade a um maior número de sujeitos.

Bibliografia
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 1. ed. São Paulo: Abril Cultural (Coleção Os
Pensadores), 1973.
BENTHAN, J.; MILL, J. S. Os Pensadores. 1. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
COHEN, M. 101 dilemas éticos. [S.l.]: Alianza Editorial, 2003.
KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa: Edições 70, 2019.

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