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NOTAS PRELIMINARES SOBRE A GOVERNANÇA CORPORATIVA

João Pires1

Sumário: 1. Justificação da designação. 2. A Governança Corporativa não se limita nas


sociedades de capital aberto. 3. Princípios Reitores da Governança Corporativa: 3.1. Princípio da
transparência. 3.2. Princípio da equidade. 3.3. Princípio da prestação de contas (accountability).
3.4. Princípio da responsabilidade corporativa. 3.5. Princípio da efectividade. 3.6. Princípio da
proporcionalidade. 4. Âmbito e o Conteúdo da Governança Corporativa: 4.1. Modelo Latino ou
Monista. 4.1.2. Modelo latino forçado. 4.2. Modelo Anglo-saxónico. 4.3. Modelo dualista ou
germânico. 5. Engagement e Stewardship. 6. Referência Bibliográfica.

Resumo: almeja-se com este artigo apresentar algumas notas preliminares ou gerais sobre a
governança corporativa com vista a esclarecer alguns conceitos, princípios reitores, o âmbito e o
conteúdo, os diversos modelos de governança societária e facilitar a compreensão desta
importante temática da actualidade.

1. Justificação da designação

A figura governança corporativa surgiu no ordenamento jurídico de matriz anglo-


saxónica, mormente, nos EUA e na Inglaterra, sob o nome “corporate governance”.
Surgiu na necessidade de se reforçar as regras de transparência e de divulgação de
informações com o objectivo de manter informado todos os investidores já que, nesses
Estados, as sociedades de capital aberto são maioritariamente financiadas pelos
“mercados de capitais” e não pelas instituições financeiras bancárias como ocorre em
Angola.
Dito de outro modo, procurou-se garantir e reforçar as regras que garantam um bom
funcionamento das sociedades de capital aberto e tornar um mercado mais transparente e
atractivo2.

1 Advogado Estagiário, Docente Universitário, Mestrando em Ciências Jurídico-Empresariais.

2Para mais desenvolvimento sobre as razões do surgimento, recomenda-se Neto, Arnaldo de Lina Borges, Da
Corporate Governance à Governança Familiar: Um contributo à aplicação dos princípios da governança corporativa

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A expressão corporate governance não conheceu uma tradução unívoca. A título de
exemplo, é comum ser traduzida no Brasil como “governança corporativa” e em França
como governement d´enterprise ou governement des sociétés. Já em Portugal, a tradução
gira em torno da “governança corporativa ou governação das sociedades” e o “governo
das sociedades”.
Por exemplo, o Professor Menezes Cordeiro prefere traduzi-la como “Governo das
Sociedades” porque a locução corporate governance não tem equivalência no direito
societário português3.
Ora, a locução “governo das sociedades” tem sido rejeitada por certos autores porque o
termo “Governo” é frequentemente usado para se referir dos “Governos de Estados”, por
exemplo, Governo de Angola.
Por esta razão, este sector da doutrina prefere traduzi-la em “governança corporativa” ou
“governação das sociedades” do que “governo das sociedades” já que tem uma vertente
mais política que académica4.
Esta tradução parece-nos próxima a locução “governação corporativa” usada no
preâmbulo e no artigo 1.º, do Aviso n.º 1/13, de 19 de Abril (adiante designada apenas
por Aviso).
Diante do exposto, somos de opinião e para efeitos deste trabalho que a expressão que
deve vingar é a “governança corporativa” por estar mais próxima da original “corporate
governance”.
Será que a governança corporativa se limita nas sociedades de capital aberto ou é também
aplicável à sociedades anónimas de capital fechado e a sociedades por quotas.
2. A Governança Corporativa não se limita nas sociedades de capital aberto

É, na verdade, um dado incontornável de que a governança corporativa surgiu nos


mercados de capitais, mormente, nos EUA e na Inglaterra, onde actuam sociedades de
capital aberto, tendo, logicamente, levado certos autores a concluírem que esta figura se
limita apenas nas sociedades de capital aberto5.

e seus instrumentos às sociedades empresárias de responsabilidade limitada brasileiras de estrutura familiar, RDS VIII,
(2016), 1, 131-209, págs. 159 e ss.
3 Cordeiro, António Menezes, A Crise Planetária de 2007/2010 e o Governo das Sociedades, RDS I (2009), 2, 263-

286, pág. 274.


4 Dentre eles, Abreu, Jorge Manuel Coutinho de, Governança das Sociedades Comerciais, 2.ª ed. Coimbra, Almedina,

2010, pág. 8, bem como a nota 75.


5 A distinção entre sociedades abertas e sociedades fechadas, vide Câmara, Paulo, Manual de Direito dos Valores

Mobiliários, 4ª ed., Almedina, 2018, págs. 593 e ss, 601 e ss.

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Por exemplo, Professor Paulo Olavo Cunha foi criticado pelo Arnaldo Neto por entender
que a governança corporativa se limita às sociedades de capitais aberto, e define a
governança corporativa como “conjunto de regras e princípios que o órgão de gestão de
uma sociedade anónima aberta deve no exercício da respetiva atividade e que se
carateriza por incluir regras que visam tornar transparente a administração da
sociedade, definir a responsabilidade dos respetivos membros e assegurar que na
composição da sociedade se refletem, tanto quanto possível, as diversas tendências
acionistas6”. (O sublinhado e o negrito é nosso!).
Ora, não perfilhamos este entendimento por ser extremamente exclusivista, pois, mesmo
nas sociedades anónimas de capital fechado e nas sociedades por quotas7, deve ser
aplicável as regras de governança corporativa porque, do ponto vista prático, tem-se
assistido uma inversão de funções administrativa onde os sócios (não gerentes e/ou
administradores), tendencialmente, tendem a transformar-se em verdadeiros
administradores de facto (sombra).
Isto ocorre nas situações em que os sócios, em bom rigor, detenham a maioria do capital,
por exemplo 75% do capital social, que influenciam de tal maneira na nomeação,
destituição e fixação da remuneração dos administradores e/ou gerentes.
A nomeação, a destituição e a determinação da remuneração faz com os administradores
e/ou gerentes tornam, na prática, dependentes dos sócios maioritários e, por conseguinte,
perdem um pouco de autonomia decisória e se transformam em meros executores de
decisões dos sócios8.
As relações estabelecidas nestes moldes são sempre passíveis de conflitos horizontais, i.e.
entre os accionistas maioritários e minoritários e verticais, entre os accionistas e
administradores e/ou gerentes que se destinam a obtenção de vantagens, vide o n.º 4 do
artigo do 3.º, do Aviso.
A Professora Ana de Oliveira ensina que os conflitos nas relações sociais e económicas
são inevitáveis e também são impossíveis de serem eliminados, mas é um mal a ser
evitado a todo o custo.
Parece-nos que a referida Autora admite também que a governança corporativa surge,
exactamente, com o objectivo de gerir esses conflitos através da criação de regras rígidas

6 Para melhor percepção da crítica, Neto, Arnaldo de Lina Borges, Da Corporate Governance à Governança Familiar:
Um contributo à aplicação dos princípios da governança corporativa e seus instrumentos às sociedades empresárias de
responsabilidade limitada brasileiras de estrutura familiar, RDS VIII, (2016), 1, 131-209, págs. 162 e ss., bem como as
notas 85-86.
7
Conhecidas também como sociedades de natureza familiar ou pequenas empresas.
8 São os chamados problemas de expropriação.

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(hard law) aplicáveis a “todas as sociedades” (capital aberto e fechado) para se reforçar
a transparência e a divulgação das informações e a criação de regras de conduta (soft law)
no âmbito da regra comply or explain9.
Há razões bastantes e suficientes para a governança corporativa ser aplicável nas
sociedades de capital fechado, escolhendo, salvo nos casos impostos pela lei, o modelo
de governança corporativa que melhor se adequa ao seu perfil, tendo em conta o grau de
maturidade da empresa, o ciclo de vida, estrutura societária, as normas que regulam o
sector da actividade em que actua de acordo com o n.º 1 do artigo 4.º, do Aviso10.
Somos de entendimento que umas das formas de mitigação destes conflitos passa pela
criação de um órgão especializado para fixar a remuneração dos administradores.
A nossa posição justifica-se pelo facto também de os modelos de governança corporativa
estarem enformados por princípios reitores que visam reforçar as regras de transparência
e de divulgação das informações para garantir o bom funcionamento das sociedades
comerciais.
3. Princípios Reitores da Governança Corporativa

Justificada, nos pontos anteriores, a preferência da designação “governança corporativa”


e a necessidade da sua aplicação nas sociedades de capital fechado, cabe-nos agora
analisar, sumariamente, os princípios reitores da governança corporativa.
Antes porém, importa-nos sublinhar que são denominados princípios reitores11 por serem
indispensáveis, por regerem todos os modelos de governança corporativa e por serem

9 Vide Oliveira, Ana Perestrelo, Manual de Governo das Sociedades, Almedina, 2018, págs. 11 e ss.
10 No mesmo sentido, vide Neto, Arnaldo de Lina Borges, Da Corporate Governance à Governança Familiar: Um
contributo à aplicação dos princípios da governança corporativa e seus instrumentos às sociedades empresárias de
responsabilidade limitada brasileiras de estrutura familiar, RDS VIII, (2016), 1, 131-209, págs. 163 e ss.
11 Segundo Arnaldo de Lina Borges Neto, Da Corporate Governance à Governança Familiar: Um contributo à

aplicação dos princípios da governança corporativa e seus instrumentos às sociedades empresárias de responsabilidade
limitada brasileiras de estrutura familiar, RDS VIII, (2016), 1, 131-209, págs. 165 e ss., estes princípios somados aos
instrumentos jurídicos postos à disposição dos sócios e da sociedade, auxiliam a empresa a: “(i) tornar-se menos
dependente das pessoas físicas/naturais; (ii) crescer de forma orgânica e, se necessário, facilitar a obtenção de
recursos perante bancos e, num segundo estágio, abrir o capital em bolsa; (iii) otimizar a relação entre os sócios
controlador (es) e minoritários; (iv) regular, fi scalizar e monitorar as relações dos administradores e do sócio
controlador; (v) organizar os sistemas decisórios, gerencial e patrimonial e separar as esferas de propriedade e gestão,
(vi) eliminar, ou reduzir, os problemas de agência (agency problems and costs) e expropriação do patrimônio; (vii)
preservar e otimizar o valor econômico e fornecer condições necessárias para sua viabilidade em longo prazo; (viii)
evitar um maior grau de exposição a riscos de mercado ou de gestão e explorar melhor as oportunidades societárias;
(ix) coibir a ocorrência de fraudes financeiras, contábeis, econômicas e de outras ordens; (x) auxiliar no recrutamento
e retenção de colaboradores da empresa; (xi) reforçar positivamente sua marca, imagem e outros intangíveis
empresariais, produzindo valor em longo prazo; (xii) estabelecer regras claras de distribuição de lucros aos sócios e
remuneração de administradores, no intuito de alinhar interesses e evitar a confusão de papéis, auxiliando a proteger
a empresa de conflitos organizacionais, societários e familiares; (xiii) assegurar uma efetiva e eficaz prestação de
contas da empresa, haja vista que, no modelo brasileiro, uma vez aprovadas as contas pelos sócios, os administradores
se tornam irresponsáveis por eventuais desvios, abusos, etc.”

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contemplados em maioria dos ordenamentos jurídicos como de matriz anglo-saxónica,
mormente nos EUA e na Inglaterra, no latino-germânico etc.
Estes princípios servem para garantir que as empresas optimizem a sua performance,
reduzam os custos de agência e evitem prejuízos e litígios12.
Levando em consideração apenas os três modelos de governança corporativa, latino
(forçado), dualista ou germânico e o anglo-saxónico, analisados mais adiante, somos a
informar que os respectivos princípios reitores são fundamental os seguintes:
– Princípio da transparência;
– Princípio da equidade;
– Princípio da prestação de contas (accountability);
– Princípio da responsabilidade corporativa;
– Princípio da efectividade;
– Princípio da proporcionalidade.
3.1. Princípio da transparência
O princípio da transparência, para vários autores, constitui um dos princípios
fundamentais da governança corporativa que consiste no dever que os administradores
têm de prestarem toda informação necessária aos interessados, salvo as matérias
consideradas confidenciais ou outras que têm eficácia puramente interna13.
3.2. Princípio da equidade
Trata-se de um princípio que consiste em dar tratamento justo a todos os sócios e demais
shakholder (ou seja, todos os intervenientes da sociedade, desde os gerentes e/ou
administradores, credores etc.).
3.3. Princípio da prestação de contas (accountability)
Este princípio informa-nos o dever que incide sobre os intervenientes da vida societária
(desde os sócios, conselhos e gestores) de prestarem contas da sua actuação bem como o
dever de assumir as consequências resultantes da acção ou omissão das suas condutas.
3.4. Princípio da responsabilidade corporativa
Antes de mais, este princípio informa-nos o dever que incide sobre os agentes de
governança em garantir a sustentabilidade, longevidade e um bom ambiente de negócio

12 No mesmo sentido e para mais desenvolvimento sobre os princípios, vide, Neto, Arnaldo de Lina Borges, Da
Corporate Governance à Governança Familiar: Um contributo à aplicação dos princípios da governança corporativa
e seus instrumentos às sociedades empresárias de responsabilidade limitada brasileiras de estrutura familiar, RDS VIII,
(2016), 1, 131-209, págs. 165 e ss.
13 Cfr. Câmara, Paulo, O Governo dos Bancos: Uma Introdução, in A Governação de Bancos nos Sistemas Jurídicos

Lusófonos, 2016, Almedina, pág. 33.

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no seio da sociedade, sob pena de serem responsabilizados pelos danos que causarem,
sobretudo, à sociedade.
3.5. Princípio da efectividade
Consiste no cumprimento fiel e efectivo de todas as regras (exemplo, estatutos,
instrutivos, circulares, etc.) da sociedade para garantir um bom funcionamento societário.
Este deve é aplicar a todos os colaboradores da sociedade com vista a transmitir gestos
de liderança e torná-los também protagonistas de boas práticas
Os líderes e/ou dirigentes devem ter integridade e um senso de ética, pois sem o qual o
regime do governo adoptado pela sociedade entra em colapso14.
3.6. Princípio da proporcionalidade
As regras de governança corporativa são de aplicação necessária e suficiente em função
de cada momento para assegurar a eficácia contínua do bom funcionamento societário15.
O princípio da proporcionalidade tem duas vertentes: a de proibição de defeito e a de
proibição de excesso. Quanta à vertente de proibição de excesso, o princípio da
proporcionalidade subdivide-se em três sub-princípios, a saber i) princípio de adequação
ou idoneidade que consiste em adapatar as soluções de acordo com os objectivos
definidos, ii) o princípio da necessidade que consiste em usar meios menos dispendiosos
para alcançar o fim almejado e iii) o princípio de proporcionalidade em sentido restrito
que consiste em afastar todas as soluções irracionais e desrazoáveis em prol do interesse
societário16.
4. Âmbito e o Conteúdo da Governança Corporativa
Preocupa-nos neste ponto falar sobre o âmbito e o conteúdo da governança corporativa
para definirmos as balizas da sua abordagem.
Mas, afinal, o que é a governança corporativa?
Segundo Coutinho de Abreu, governança corporativa é o “complexo de regras (legais,
estatutárias, jurisprudenciais, deontológicas), instrumentos e questões respeitantes à
administração e ao controlo (ou fiscalização) das sociedades17”.

14 Vide Câmara, Paulo, O Governo dos Bancos: Uma Introdução, in A Governação de Bancos nos Sistemas Jurídicos

Lusófonos, 2016, Almedina, págs. 29-32


15 Neste sentido, Câmara, Paulo, O Governo dos Bancos: Uma Introdução, in A Governação de Bancos nos Sistemas

Jurídicos Lusófonos, 2016, Almedina, págs. 31-32.


16 Para mais desenvolvimento, recomenda-se Paulo Câmara, O governo societário dos bancos – em particular, as novas

regras e recomendações sobre remuneração na banca, RDS IV (2012), 1, 9-46, pág. 17.
17 Abreu, Jorge Manuel Coutinho de, Governança das Sociedades Comerciais, 2.ª ed. Coimbra, Almedina, 2010, pág.

7.

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A governança corporativa, segundo o Relatório Cadbury do Reino Unido, é o “sistema
pelo qual as sociedades são geridas e controladas18”.
Depreende-se, nestes conceitos, que a governança corporativa resume-se em duas
variantes distintas19: i) a organização da sociedade e ii) as regras aplicáveis ao
funcionamento da sociedade.
As duas variantes constituem o âmbito da governança corporativa e tendo um conteúdo
bastante variável, flexível e adaptável a cada sociedade comercial de acordo com a sua
estrutura e tem natureza não legalista por não exigir a codificação das suas regras20.
Por esta razão, Menezes Cordeiro21 sublinha que:
“a grande vantagem do governo das sociedades estaria na sua
natureza não legalista ou, mais concretamente: na flexibilização
da dogmática continental, que ele acarreta. Lidamos com regras
flexíveis, de densidade variável, adaptáveis a situações
profundamente distintas e que não vemos como inserir num
Código de Sociedades Comerciais, de resto: não temos
conhecimento de, em qualquer País, se ter seguido tal via”.
A primeira variante, a organização da sociedade, consiste em precisar os tipos de órgãos
socias, a estrutura ou a composição da sociedade e a segunda variante, visa estabelecer as
regas de gestão, de representação, de fiscalização e sobre as regras relativas aos direitos
e deveres dos administradores22.
As duas variantes formam os modelos próprios de governança corporativa. José Ferreira
Gomes23 ensina que o modelo de governança corporativa é “um micro-sistema jurídico
que regula a estrutura, a composição e o funcionamento dos diferentes órgãos sociais.
Nesta medida, cada modelo encerra um equilíbrio interorgânico próprio, de acordo com
o correspondente regime jurídico”.
Segundo a doutrina existem, em rigor, três modelos24 de governança corporativa,
nomeadamente:
– O modelo latino (incluindo o forçado);
– O modelo anglo-saxónico; e

18 Oliveira, Ana Perestrelo, Manual de Governo das Sociedades, Almedina, 2018, pág. 11 bem como a nota 1.
19 No mesme sentido, Cordeiro, António Menezes, A Crise Planetária de 2007/2010 e o Governo das Sociedades, RDS
I, 2009, 2, 263-286, pág. 274.
20
Esta é, na verdade, a vantagem assinalada a governança corporativa.
21 Cordeiro, António Menezes, A Crise Planetária de 2007/2010 e o Governo das Sociedades, RDS I, 2009, 2, 263-
286, pág. 282.
22 Neste sentido, Cordeiro, António Menezes, A Crise Planetária de 2007/2010 e o Governo das Sociedades, RDS I,

2009, 2, 263-286, págs. 274 e ss.


23 Gomes, José Ferreira, Modelos de governo das S.A.: A difícil compreensão do modelo germânico e os requisitos de

fiscalização reforçada da lei n.º 148/2015, RDS, X, 2018, pág. 405.


24 De forma sucinta, vide Luther, Gilberto, A Responsabilidade Solidária do Sócio e o Direito de dar Instruções nos

Grupos de Sociedades, Casa das Ideias, 1ª ed., 2012, págs. 33 e ss.

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– O modelo dualista ou germânico.
A nossa proposta é a seguinte, se não houver imposição legal, cada sociedade deve
adoptar o modelo de governança corporativa25 que melhor se adequa tendo em conta o
grau de maturidade da empresa, o ciclo de vida, estrutura societária, as normas que
regulam o sector da actividade em que actua de acordo com o n.º 1 do artigo 4.º, do Aviso.
O exposto no parágrafo anterior está em consonância com o n.º 1 do artigo 8.º, do Aviso,
que permite que as instituições financeiras bancárias adoptem o modelo que melhor se
adeque aos processos organizativos, de gestão e de risco.
Permitam-nos escalpelizar de forma sumária os respectivos modelos.
4.1. Modelo Latino ou Monista 26
Diz-se modelo latino é aquele composto por dois órgãos separados, a saber: o órgão de
fiscalização e o órgão de administração. Em regra, todos os membros da fiscalização e da
administração são nomeados e destituídos pelos sócios.
O órgão de administração é um centro institucionalizado com poderes-deveres ou
funcionais que tem a função de administrar e representar a sociedade e é composto por
pessoas singulares com capacidade jurídica plena ou por pessoa colectiva de acordo com
o artigo 410.º, da LSC bem como o n.º 10 do artigo 3.º, do Aviso27.
Este é o modelo adoptado pelo nosso legislador de acordo com o n.º 1 do artigo 315.º, nas
sociedades anónimas, o órgão da administração está previsto no artigo 410.º, e ss., e o
órgão de fiscalização no artigo 432.º e ss., todos da LSC.
Já nas sociedades por quotas, o órgão de fiscalização é facultativo tal como resulta do
disposto no artigo 292.º, da LSC que remete para o regime das sociedades anónimas caso
seja previsto no contrato de sociedade e a gerência está prevista nos termos do artigo 281.º
e ss., ambos da LSC.
Este modelo é criticado pelo facto de o órgão de fiscalização estar separado do órgão da
administração ou seja, não permite exercer as funções de fiscalização de forma eficaz
pelo facto de estar distante ou separado do órgão que administra a sociedade.

25
O fim dos modelos de governança consiste em traçar mecanismos de gerência dos conflitos de agência
de modo que os administradores não prossigam fins próprios em detrimento dos interesses da sociedade
que consiste, em regra, na maximização dos lucros e no aumento do valor da sociedade.
26 A expressão monista faria sentido se o modelo tivesse apenas um órgão. Portanto, esta é a crítica que se lhe aponta.
27 Sobre as formas de composição deste órgão, preferencialmente vide Serens, M. Nogueira, Notas Sobre a Sociedade
Anónima, Coimbra, 1997, 2ª Ed., STVDIA IVRIDICA, págs. 54 e ss., Ramos, Maria Elisabete Gomes,
Responsabilidade Civil dos Administradores e Directores de Sociedades Anónimas perante os Credores Sociais,
Coimbra, 2002, STVDIA IVRIDICA, págs. 46 e ss., Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Almedina, Vol.
II, 5ª Ed., 2016, Reimpressão, págs. 533 e ss.

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4.1.2. Modelo latino forçado
O modelo latino forçado dispõe dois órgãos e um auxiliar, nomeadamente, o órgão de
fiscalização, o órgão de administração e um “certificador ou examinador das contas da
sociedade” que, em regra, deve ser contabilista ou perito contabilista independente.
Entende-se por independente, para este efeito, o contabilista ou perito contabilista que
exerce funções externas, desde que não seja membro do órgão de fiscalização e que não
disponha laços de parentesco na linha recta ou colateral até ao 3.º grau em relação aos
membros dos órgãos sociais.
Teríamos a consagração deste modelo no nosso ordenamento jurídico, se o n.º 1 do artigo
452.º, da LSC., dissesse “o contabilista ou perito contabilista, que “não” seja membro
do órgão de fiscalização (…). Se fossem assim, faria muito sentido se confrontarmos o
artigo 452.º com o artigo 453.º, ambos da LSC, se não vejamos:
No processo de aprovação de contas, o Conselho de administração elabora o relatório e
as contas de exercício económico de um certo ano nos termos do artigo 70.º, e ss., da
LSC, e depois remete, todos esses documentos para efeitos do exposto no n.º 1 do artigo
452.º, da LSC, ao contabilista ou perito contabilista para certificar aqueles documentos e,
por fim, emitir uma declaração de certificação com ou sem reserva28.
Após a respectiva a apreciação, deve-se remeter os respectivos documentos ao conselho
fiscal para se pronunciar no sentido de concordar ou não, devendo para este efeito
fundamentar, de acordo com o artigo 453.º, da LSC.
Esta solução é menos acertada porque provoca a dupla fiscalização e autofiscalização na
medida em que o contabilista ou perito contabilista fiscalizará o seu próprio trabalho pelo
facto de ser membro do conselho fiscal29.

28
Com reserva (não concordando) sem reserva (concorda) com o relatório.
29
Situação paralela é a que se verifica nos termos do artigo 440.º, da LSC. Nós entendemos assim:
O artigo 440.º tem uma natureza adjectiva. O n.º 2 deste artigo consagra o princípio do contraditório já que
a assembleia geral não pode deliberar a destituição sem antes ouvir as partes ou seja, os membros do
conselho fiscal.
O n.º 4 do artigo em análise, exige ao membro já destituído a apresentar ao Presidente de Mesa da
assembleia geral um “relatório de fiscalização até ao termo das funções”. O n.º 5 faz referência que esse
relatório é objecto de apreciação da assembleia geral.
Questiona-se, qual é a razão de apresentar um relatório sabendo que o membro já foi destituído sem
apreciarem o relatório das suas funções para se aferir a justa causa?
E se na apreciação do relatório pela assembleia geral chegar a conclusão que o membro destituído exerceu
devidamente as suas funções?
Então, pode-se concluir que a destituição deste membro foi sem justa causa, violando o disposto no n.º 1
deste artigo. Nesta sequência, entendemos que o n.º 4 deve ser lido assim: os membros a destituir (e não
destituídos) … porque o relatório de fiscalização deve ser apresentado antes da destituição e não depois,
caso contrário, o n.º 5 deste artigo, inutilizaria o n.º 2. Em resumo, o relatório serve como meio defesa do
membro a destituir e através dele que assembleia geral poderá aferir a justa causa. Por esta razão, Pereira
de Almeida entende que o membro destituído pode impugnar judicialmente a deliberação da assembleia

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Para terminar, importa esclarecer o que difere o modelo latino do latino forçado é a
ausência ou a presença da figura do examinador ou certificador independente de contas.
As críticas do modelo latino servem também para o modelo latino forçado.
4.2. Modelo Anglo-saxónico
Diz-se modelo anglo-saxónico aquele composto, em rigor, por dois órgãos,
nomeadamente, o examinador de contas30 e o órgão da administração, estruturado em
“uma comissão executiva” (exerce as funções de administração) e uma “comissão de
auditoria” (exerce as funções do órgão de fiscalização)31. Todos os membros são, em
regra, nomeados pelos accionistas.
O pano de fundo deste modelo é que quem fiscaliza está próximo do administrador com
o objectivo de garantir uma fiscalização eficaz.
Este modelo não está isento de crítica, i) o órgão de fiscalização pode exercer as suas
funções com certa parcialidade porque quanto mais próximos estiverem os membros de
fiscalização com os da administração maior probabilidade de transformarem a relação
profissional em familiar ou de amiguismo e ii) a independência funcional dos membros
do órgão de fiscalização pode ser posta em causa pelo facto de serem nomeados e
destituídos pelos accionistas, por isso, prefere-se adoptar um outro modelo como o
modelo germânico ou dualista.

geral com fundamento de falta de justa causa exigível no n.º 1 deste artigo, vide António Pereira de
Almeida, Direito Angolano das Sociedades Comerciais, 1ª Ed., Coimbra, 2010, pág. 396.
30
Também denominado Revisor Oficial de Contas que, em regra, é um contabilista ou perito contabilista.
31
Não faltam autores que entendem que este modelo se aproxima à situação criada pelo legislador no artigo
426.º, da LSC, Se bem lemos o autor, vide Luther, Gilberto, A Responsabilidade Solidária do Sócio e o
Direito de dar Instruções nos Grupos de Sociedades, Casa das Ideias, 1ª ed., 2012, nota 76 – pág. 36.
Esta afirmação não está inteiramente certa, se não vejamos:
A primeira, a comissão executiva e a comissão de auditoria fazem parte do mesmo órgão que é o órgão de
administração. Já o regime previsto na LSC, o órgão de fiscalização está separado do órgão da
administração.
A segunda, o órgão de administração estrutura-se em conselho de administração (exercendo as funções de
fiscalização, em primeira mão, dos actos dos administradores executivos e secundariamente as funções de
gestão corrente no âmbito da competência concorrente) e a comissão executiva (exerce exclusivamente as
funções de gestão corrente) por força do disposto no n.º 3 do artigo 426.º, da LSC. Esta situação não afasta
as funções do órgão de fiscalização, mas apenas forma o seguinte cenário:
– Órgão de administração – estrutura-se em: - conselho de administração e a comissão executiva, passando
a distinguir, administradores não executivos e administradores executivos;
– Órgão de fiscalização.
Já no modelo anglo-saxónico, o único senário que forma é:
– órgão de administração – estrutura-se em: comissão executiva e a comissão de auditoria.
Não vemos em que momento que o modelo anglo-saxónico se aproxima ao nosso modelo!
Em conclusão, diríamos que o cenário do n.º 3 do artigo 426.º, da LSC., é uma situação sui generis e por
sinal, tenta ofuscar as funções do órgão da fiscalização. Em consequência, teríamos duas fiscalizações, uma
do 1º grau feita pelo conselho de administração e uma do 2º grau feita pelo órgão de fiscalização. Tomamos
a liberdade de as classificar assim!

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4.3. Modelo dualista ou germânico
Diz-se modelo germânico ou dualista em que há um conselho de administração executivo,
um conselho geral e de supervisão (o órgão de fiscalização) e o revisor oficial de contas32.
Os membros de Conselho geral e de supervisão são, em regra, nomeados e destituídos
pelos accionistas. Já os membros do conselho de administração executiva são nomeados
e destituídos pelo Conselho geral e de supervisão.
Este modelo tem em comum com o modelo latino, a separação do órgão de fiscalização
do órgão da administração, distinguindo-se no órgão que nomeia e destitua os membros
do órgão de administração e por ter, em regra, um revisor oficial de contas.
No entanto, critica-se que a nomeação e destituição dos membros do conselho de
administração executiva são influenciadas directa ou indirectamente pelos sócios. Neste
caso, conclui-se que o modelo dualista não garante também a transparência plena.
Face a exposição feita sobre os modelos, duas notas são dignas de conclusão: i) não existe
modelo melhor que outro porque todos são alvos de críticas, ii) a intervenção dos sócios
na administração da sociedade é inevitável, sobretudo, na determinação da remuneração
dos administradores mesmo sendo feita pelo conselho geral e de supervisão.
5. Engagement e Stewardship

A doutrina norte-americana está divida sobre a intervenção dos sócios na administração


da sociedade. Existem três teorias que se pronunciaram sobre o assunto e se nos
permitirem, podemos denominá-las como: i) a teoria não intervencionista; ii) a teoria
intervencionista e a iii) a teoria intermédia.
A teoria não intervencionista defende que os sócios não podem intervir na administração
da sociedade porque os administradores são obrigados a observar os deveres legais (gerais
ou fundamentais33 e específicos)34 previstos no artigo 69.º, da LSC, os deveres previstos
no contrato de sociedade, nas deliberações sociais etc. Portanto, a intervenção dos sócios
seria bastante nociva.
A teoria intervencionista propugna que os sócios devem intervir na administração da
sociedade já que os administradores são gestores de bens alheios (in casu, sócios) e os
sócios são os verdadeiros donos do investimento, ou os investidores. Logo, seria absurdo
impedi-los de intervierem na administração da sociedade.

32 Esta é a denominação que recebe no ordenamento jurídico português.


33
São deveres fundamentais por revelarem um conteúdo indeterminado.
34Tomamos aqui a classificação assinalada pelo Coutinho de Abreu e Maria Elisabete Ramos, Responsabilidade de
Membros de Administração para com a Sociedade, CSC em Comentário (Coutinho de Abreu), I, 2 ª ed., 2017,
Almedina, IDET, 72.º, pág. 898.

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A teoria intermédia advoga que a intervenção dos sócios não deve ser absoluta, mas deve
sujeitar-se a limites que garantem um envolvimento estável entre sócios e administradores
(é o que se chama por engagement) e criar formas de responsabilização dos sócios (é o
que se denomina por stewardship).
Adoptados a terceira posição porque o fim de tudo isso não consiste em impedir a
intervenção dos sócios, mas evitar intervenções abusivas, aliás Ana Perestrelo de Oliveira
assinala que essa estratégia tem como função a gestão dos reiais ou potenciais conflitos
de interesses35.
Deve ficar assente que nesta intervenção, há princípios e regras (soft law) de
responsabilização dos investidores e dos administradores que destinam à promoção de
uma relação sustentável entre sócios e administradores (Stewardship).
Por esta razão, Ana de Oliveira ensina que essa política abre uma brecha de intervenção
mais responsável e consciente da relação entre os sócios e administradores36.
No Reino Unido existe o código de Stewardship cujos princípios e regras estão baseados
na regra da comply or explain37. Ou seja, as empresas deverão adoptar ou consagrar nos
seus estatutos, regulamentos, os princípios e regras previstas no Stewardship code, salvo
se apresentarem uma explicação clara e fundamentada sobre a não adopção38.

Referências Bibliográficas
Abreu, Jorge Manuel Coutinho de e Ramos, Maria Elisabete, Responsabilidade de
Membros de Administração para com a Sociedade, CSC em Comentário (Coutinho de
Abreu), I, 2 ª ed., 2017, Almedina, IDET, 72.º.
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ed., 2016, Reimpressão.
Abreu, Jorge Manuel Coutinho de, Governança das Sociedades Comerciais, 2.ª ed.
Coimbra, Almedina, 2010.

35 Vide Oliveira, Ana Perestrelo, Manual de Governo das Sociedades, Almedina, 2018, págs. 24 e ss.
36 Oliveira, Ana Perestrelo, Manual de Governo das Sociedades, Almedina, 2018, págs. 25.
37
Pretende-se, a nosso ver, acautelada os riscos empresariais: de capital e de administração. O risco de
capital recai sobre os sócios quando há perdas, não recebem lucros e nem recebem de volta os valores da
entrada. O risco de administração recai sobre os administradores que têm o dever de gestão (corrente), pois
ser má gestão, causa danos à sociedade. Para mais desenvolvimento, vide Ricardo Costa e Gabriela
Figueiredo Dias, Deveres Fundamentais, CSC em Comentário (Coutinho de Abreu), I, 2 ª ed., 2017,
Almedina, IDET, 64.º, págs. 764 e ss.
38 Oliveira, Ana Perestrelo, Manual de Governo das Sociedades, Almedina, 2018, págs. 25.

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