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25/04/2018 Fileiras na sala de aula, nunca mais

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09 de Abril de 2018 Imprimir

Fileiras na sala de aula, nunca mais INDISCIPLINA

Três escolas que abandonaram o formato de organização por leiras contam como a
experiência mudou a dinâmica na sala de aula

Por: Laís Semis


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Quem disse que tem que ser
só para menina ou só para
■ Foto: Reprodução/Facebook
menino?
Ao aceitar os marcadores de gênero, a
É possível ter uma escola inteira fora do modelo tradicional de organização? Sem escola continua promovendo a
carteiras en leiradas, sem ter a lousa e o professor sendo os principais focos da desigualdade – quando deveria ser o…
aula? A ideia de abandonar completamente o modelo das salas de aula
organizadas por leiras pode ser chocante para a maioria dos educadores. Mas
algumas escolas já vivem (bem) em novos formatos. “É uma mudança de
Blog Direção
cultura”, a rma Célia Senna, formadora de professores da consultoria
INovAÇÃO.

LEIA MAIS Qual é a melhor forma de organizar as carteiras na sala de aula?

Na Escola Municipal Waldir Garcia, em Manaus (AM), a inspiração veio das


experiências de outras instituições escolares, como a Escola da Ponte, em
Portugal. “Quando passamos a estudar outras escolas, vimos que éramos muito
tradicionais”, conta a diretora Lúcia Cortez de Barros Santos. Havia las em todo Aluno que chega sem
lugar: para organizar a entrada, para atravessar a escola até a quadra e para
organizar os alunos na sala de aula. Não mais.
uniforme escolar pode
entrar?
LEIA MAIS Com quantos canetões se compra um projetor para a escola? Há muitas vantagens no uso do uniforme,
mas ele nunca deve se colocar acima do
direito do aluno de aprender
A Ponte também foi a inspiradora da EMEF Desembargador Amorim Lima, em
São Paulo. Tudo começou com a publicação das crônicas de Rubem Alves, no
jornal Correio Popular, de Campinas (SP), sobre a escola. Mais tarde, elas dariam
origem ao livro “A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse Gestão de pessoas e comunidade
existir”. A partir dessas leituras, o imaginário da diretora Ana Elisa Siqueira

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começou a “maquinar” como aquela experiência portuguesa poderia inspirar a
realidade de sua escola. “Não copiamos o modelo, mas buscamos inspiração para
os desa os que a gente tinha e, a partir daquelas experiências, desenhar nosso
projeto com outras abordagens”, diz Ana. Mas a Amorim Lima tinha um desa o
imenso. “Precisávamos sair de um modelo tradicional em que o professor só se
preocupava com as suas turmas e seu trabalho para ter um espaço coletivo”,
relembra. Os pais não vieram buscar o
aluno. E agora?
Saiba quais são as responsabilidades da
escola quando pais e responsáveis se
atrasam demais para pegar a criança

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■ Sala de aula da EM Waldir Garcia, em Manaus Foto: Karla Vieira/Secom

As di culdades do modelo tradicional


Lidas do mês

Na Waldir Garcia, as carteiras eram modelo universitárias, com os tampos da


mesa integradas às cadeiras. O espaço limitado da superfície de apoio impedia Por que o coordenador
que os alunos usassem, de forma confortável, um livro e um caderno apoiados 1 pedagógico pode ser o
melhor formador de
sobre ela ao mesmo tempo. Também não era fácil usar os netbooks que a escola professores

possuía. Como faltava superfície, fazer trabalhos em grupo, em formato de roda,


não era nem uma opção. “O aluno não ia para a pesquisa, não socializava. Tudo
era centralizado na lousa e no conhecimento do professor”, relembra a diretora 2 Como organizar sua escola
para a Copa do Mundo
Lúcia. À primeira vista, isso pode não parecer um problema. A nal, o formato
entrega o modelo em que o único foco que o estudante tem está no professor. Desa os na inclusão dos
3 alunos com de ciência na
escola pública
“Mas será que ele está prestando atenção?”, questiona Célia. O modelo pode criar
duas falsas sensações ao professor: 1) a de controle sobre a turma; 2) a de que o
estudante nessa posição mantém o foco o tempo inteiro e está enxergando tudo. 4 Fileiras na sala de aula,
nunca mais
“Para que o único foco seja uma só pessoa, é preciso que ela esteja trazendo
informações muito importantes, contextualizadas e interessantes para que a
criança ou adolescente deixe de se distrair com outras coisas”, pondera a 5 Como combater o bullying
na escola
formadora. O “controle” também não desenvolve a autonomia dos estudantes,
enquanto o trabalho individual costuma ser, em muitas instâncias, mais fácil do
que ter que lidar com as diferenças e di culdades de outros três ou cinco colegas.
Leia mais
Para substituir as carteiras universitárias, a escola manauara conseguiu mesas
redondas com a Secretaria Municipal de Educação. Mas só as mesas. Diante da Indisciplina
impossibilidade de usar as cadeiras daquele tipo, eles precisaram se adaptar. Um
membro da comunidade se propôs a ajudar na mudança e cortou os tampos das Projeto de formação

mesas, para que as cadeiras continuassem sendo utilizadas pelas crianças.

Havia uma inquietação com o questionamento dos pais de estudantes na Amorim


Lima sobre o desdobramento do projeto político-pedagógico (PPP) na prática. A
comunidade era ativa, mas a escola tinha problemas de indisciplina, falta de
professores e nem sempre as crianças tinham todas as aulas. “Além disso, os pais
nos questionavam coisas como: a autonomia está no PPP. Mas como as crianças
vão adquirindo essa autonomia?”, relembra Ana. No início, as questões iam
aparecendo e a resposta era uma solução temporária. “Mas elas não resolviam os

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problemas de fato. Foi um momento importante, em que todos nós olhamos para
nossa coerência”.

A oportunidade de mudança, veio com a troca de mobiliário da Universidade de


São Paulo (USP); foi a oportunidade para que a escola saísse das carteiras
individuais. “Eles nos doaram as mesas retangulares que eram usadas na
universidade”, conta Ana. Juntando duas mesas era possível trabalhar com
grupos de mais ou menos cinco alunos. As salas deixaram de ser exclusivas para
uma única série. Alunos do 1º ano do Fundamental passaram a dividir o espaço
com os do 2º e 3º ano. E grupos foram sendo criados por ciclos. Assim, saíram das
salas comuns para espaços maiores – os salões –, com um número de
professores que varia de acordo com o número de alunos no ambiente.

■ Alunos da EMEF Desembargador Amorim Lima em atividade na sala de aula Foto:


Reprodução/Facebook

A transição de modelos

No decorrer da vida na escola, a formação de grupos costuma ser pontual. Sendo


pontual, ela se torna uma espécie de evento: aquele momento em que estudantes
carão livres das “amarras” das carteiras en leiradas, poderão sentar com os
colegas, conversar e obter ajuda para resolver as questões propostas pelo
professor. Quando o que é pontual se torna o cotidiano, a primeira reação é agir
como se aquela também fosse uma grande oportunidade a ser aproveitada, como
se não houvesse amanhã. De acordo com a formadora Célia Senna, uma das
formas de dar início à transformação é mudar com propósitos mais de nidos. “O
ideal é que se mude o arranjo da sala para favorecer as dinâmicas que o educador
quer fazer”, explica. “É muito mais uma proposta para o educador do que para o
estudante, porque o estudante topa”.

Para quem sempre foi tradicional, mas decidiu mudar, é preciso um pouco de
paciência. A colaboração e compreensão da comunidade é essencial para que a
transição não seja abalada pelo pessimismo sobre o modelo. Eliane da Motta
Pinheiro já integrava o corpo docente quando a EM Waldir Garcia decidiu “deixar
de ser tão tradicional”. A apreensão reinou durante algum tempo. “No primeiro
ano da mudança, eu sofri. As crianças de seis anos já são inquietas por natureza e
a conversa cou mais evidente”, relata a professora do 1º ano do Fundamental.
As reclamações foram generalizadas: as crianças não paravam mais sentadas, era
muita falação, indisciplina e os professores estavam com di culdade de dar aula.

Não eram apenas eles que queriam a volta do modelo tradicional. “Os pais me
procuravam para falar que antes a escola era organizada, mas que agora estava
uma bagunça. Teve até denúncia na secretaria de Educação”, relembra Lúcia. A
diretora decidiu então embarcar juntamente com outros membros da equipe para
São Paulo em uma imersão de escolas que já haviam adotado a prática com

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sucesso, como a Amorim Lima e o Projeto Âncora, em Cotia, no interior do
estado.

A transição era realmente um processo que exigia desconstrução contínua,


criação e aprimoramento. “Tudo na escola é pensado na organização de crianças
uma atrás da outra”, de ne a diretora Ana. A escola manauara entendeu que seria
preciso aprender a lidar com a maior liberdade, conviver com a autonomia,
trabalhar em equipe e ser consciente da sua participação no coletivo. “Até então,
a gente nunca tinha falado de empatia. A maioria nem sabia o que signi cava. Até
a gente entender que tinha realmente que romper com aquele modelo dos nossos
próprios tempos de escola, dos nossos pais… foi difícil. Ainda estamos
aprendendo”, admite Lúcia. Muitos não se adaptaram e pediram remoção.

“As pessoas nos criticam porque estão


acostumados com a escola padrão. As carteiras
en leiradas são o retrato de uma falsa harmonia.
As crianças só ouvem, mas não têm uma
aprendizagem signi cativa que possam levar para a vida”
LÚCIA CORTEZ DE BARROS

Na Amorim Lima, o apoio e sugestões da comunidade foram fundamentais para o


estabelecimento do novo modelo. A nal, as mudanças estavam surgindo como
respostas aos problemas levantados pelos pais e a vontade de ser diferente.
“Tínhamos um grupo de pais à frente das discussões que queria uma escola que
zesse mais sentido para os lhos”, diz Ana. Mas nem por isso o desa o foi
menor. No início, eram encontros semanais com toda a comunidade escolar. “A
gente não sabia nada e é uma experiência interessante e criativa que nos desa a a
questionar as nossas verdades maiores”, considera a diretora. “Você pensa que
está tudo estabelecido, mas o trabalho do educador não é só de reprodução. É
também um espaço de criação”.

■ Alunos do Projeto Âncora Foto: Rafael de Freitas

Para quem já nasceu livre dos formatos

No Projeto Âncora, uma associação lantrópica, não existem aulas e nem séries.
A organização é por núcleos de aprendizagem: iniciação, desenvolvimento e
aprofundamento – cada um com seu propósito. “Independentemente da idade,
as crianças são organizadas pelo grau de autonomia. Isso não signi ca que uma
criança de três anos vai car junto com uma de 12, porque os graus de autonomia
são diferentes”, explica Edilene Morikawa, coordenadora pedagógica do projeto.
Nesses núcleos, as crianças ganham autonomia para tomar decisões, desenvolver
seus percursos de aprendizagem e construir senso de responsabilidade individual
e coletivo.

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Eles compartilham mesas coletivas, quadradas, redondas, mas também
individuais. Mas não são elas que de nem a mudança. “Para nós, a mesa é
apenas mais uma ferramenta para desenvolver algo maior. Não é ela que
determina se uma criança aprende mais ou menos dependendo de como se
posiciona”, diz a coordenadora. No Âncora, todo o território escolar é realmente
visto como espaço de aprendizagem: salas de aula, da coordenação, refeitório,
horta e outros espaços abertos. A inspiração também veio da Ponte, em Portugal.

O impacto da mudança

“Com a mudança das carteiras, a gente começa a mudar outras coisas”, admite
Lúcia. É preciso construir novas relações entre professores e alunos, mudar
atitudes diárias, o modo de ensinar e de orquestrar a dinâmica da sala. Sem o foco
na lousa e no professor, as três escolas optaram por trabalhar com roteiros de
estudo e pesquisa. Qual a vantagem? O respeito ao ritmo de aprendizagem de
cada aluno.

“A gente até usa a lousa ainda, mas não é o principal”, a rma a diretora da
Waldir Garcia, em Manaus. Na avaliação da formadora Célia Senna, o objetivo da
mudança da organização do espaço é justamente para que o modo tradicional de
ensinar seja revisto. “Nada impede que, em um primeiro momento, as instruções
estejam na lousa e se vá adaptando aos poucos. A possibilidade de um material
impresso, como os roteiros, é uma opção interessante”.

Na Amorim Lima, foi uma doutoranda de Linguística da USP que trouxe a


proposta de desenvolver roteiros. “A partir da vivência da nossa escola, ela
inventou um jeito de trabalhar os livros didáticos. A partir de temas como
memória ou cidades, trabalhamos interdisciplinarmente Ciência, História,
Geogra a, Língua Portuguesa”, conta Ana. Deu certo. A metodologia é usada até
hoje por eles. O modo como o roteiro é trabalhado depende do nível de autonomia
do estudante. “O processo de autonomia é uma construção. Uma criança de cinco
anos precisa de um acompanhamento mais próximo do educador”, destaca
Edilene, coordenadora do Âncora. No entanto, conforme avançam, elas podem
contar mais com o auxílio do grupo e menor apoio do educador.

“Eu acho que a mudança não é mexer nas carteiras


ou melhorar a lousa. Vai muito além:
é repensar todo o projeto pedagógico
e a concepção de Educação”
EDILENE MORIKAWA

E como ca a avaliação?

“Não temos mais a prática de provas, só as avaliações externas”, relata a


professora Eliane. A avaliação se dá por outras formas: o acompanhamento diário
do desenvolvimento dos estudantes, as atividades feitas em sala, a interação com
os colegas. “Anotamos tudo”, resume a professora. Quando se trata das
avaliações externas, há um entendimento de que aquele momento é o
conhecimento individual que está sendo avaliado.

As vantagens encontradas no novo formato

A primeira vantagem é a quebra do estigma que separa os bons alunos dos ruins:
quem ocupa as primeiras carteiras são os alunos dedicados, os “CDFs”, enquanto
o fundão ca por conta dos bagunceiros. “Nessa disposição, ca mais fácil
perceber o que estão fazendo. Di cilmente alguém vai se debruçar na carteira
para dormir em grupo”, diz Célia. Mas a lista de ganhos é longa, de acordo com
as escolas: amplia a inclusão de crianças com de ciência e de alunos
estrangeiros, melhora a convivência e colaboração tanto entre estudantes quanto
professores, maior respeito ao tempo dos colegas e, consequentemente, a
aprendizagem ganha muito.

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25/04/2018 Fileiras na sala de aula, nunca mais
Se elas voltariam ao modelo tradicional? “Não”, a rma a professora Eliane. Ana
endossa: “Eu acho que a responsabilidade que eu sinto hoje é muito mais forte.
Essa dimensão do nosso trabalho tomou outra proporção com as mudanças da
Amorim Lima”. Para Lúcia, a resposta vem das crianças novas que chegam à
escola. “Quando pergunto o que eles acham, a resposta é de que é a escola dos
sonhos deles: onde eles conversam, são ouvidos e participam”, diz a diretora.

5 comentários Classificar por Principais

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Vanderlei Pereira Velozo


É impressionante o choque da quebra do tradionalismo dentro das instituições
rurais.
Curtir · Responder · 1·5d

Katya Braghini · Pesquisadora e Professora em Pontifícia Universidade Católica


Já fazia isso em 1994
Curtir · Responder · 2 d

Prof. Alonso · Marília


Uma proposta que acalento há um certo tempo.
Curtir · Responder · 1 sem

Cristina Bestetti Costa · Colaboradora em Escola de Botânica


Excelentes relatos e reflexões!
Curtir · Responder · 1 sem

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