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A inveja, paixão do tipo 4, tem, desde sempre, uma péssima reputação e é também uma
emoção difícil para as outras pessoas reconhecerem. É o eneatipo que tem a pior
autoimagem. Na sua primeira infância, introjeta (incorpora dentro de si) uma mãe - ou a
principal figura de vinculação - que foi abandonando, como forma de se manter em
contato com ela. "Ao introjetar essa mãe que não acolheu emocionalmente o bebê (que
por diversas circunstâncias o rejeitou ou se separou dele), incorpora-se também o mau
olhar sobre si mesmo. Desta forma, serve-se a desvalorização constante", escrevi há
anos atrás como testemunho sobre o Quatro conservação no livro de Cláudio, “27
personagens em busca do ser”. O mecanismo automático pelo qual a inveja se mantém é
a comparação, na qual a pessoa sempre sai perdendo, pois olha o que falta em si (e
tende a olhar o que falta na outra pessoa e na situação), além de idealizar a vida da
pessoa invejada, alimentando assim a falta: aquela falta que era real na infância, mas
agora é falsa.
A satisfação é, portanto, uma experiência a ser conquistada ao longo de um
percurso de trabalho terapêutico que envolve também a aceitação e o tratamento da
própria ferida, bem como a desidealização do que uma pessoa teria de ser ou fazer para
ter valor e sentir-se bem; estes processos estão bem refletidos em cada livro deste
volume.
Cada subtipo lida com a tentativa de sair da situação de carência, a real e a falsa,
de formas diferentes: a pessoa E4 conservação, sofredora e abnegada, tem um superego
ou "top dog" muito auto exigente: acredita que quanto mais se esforçar, mais se afastará
dessa má imagem interna e, além disso, terá e manterá energia suficiente para trabalhar
e trabalhar. O difícil é ser capaz de reconhecer o que é valioso em si próprio e nos
resultados do seu esforço, uma vez que o seu olhar continua a ser desvalorizador. A
tenacidade é a sua paixão. No seu lema, "custe o que custar", vemos como ele valoriza o
esforço.
O subtipo E4 sexual, que é aquele que mais faz sofrer enquanto sofre, acredita
que tem de devolver o que perdeu; a sua paixão é o ódio. É o que tem a carga mais
agressiva, sendo ao mesmo tempo o mais divertido e impulsivo, embora a sua má
imagem e o seu sentimento de culpa não lhe permitam desfrutar de si próprio nem da
sua capacidade expressiva e cognitiva. É também o subtipo mais histriónico.
No E4 social encontramos o mais sofredor dos Quatros: a sua estratégia é
mostrar a sua falta para obter o que precisa. A sua paixão é a vergonha: encolhe-se e
retrai-se, embora a pessoa E4 social também tenha um grande desejo de ser vista. É o
subtipo mais melancólico. Tal como os outros, é muito difícil para ele reconhecer o seu
direito ao bem-estar.
INTRODUÇÃO
Quando a ideia cristã de inveja é transcendida como um rancor contra a boa sorte do
próximo, vemos que ela vai além desse desejo insaciável que, como descreve Dante,
implica um "amor pelos próprios bens pervertido no desejo de privar os outros". Esses
bens são tangíveis ou intangíveis, ou seja, também incluem talentos ou privilégios. O
desejo pelo que o outro possui (ou supostamente possui) é acompanhado pelo
sentimento doloroso de que está faltando, o que a pessoa interpreta como uma injustiça,
ao qual deve ser adicionado o desejo de que o outro se saia bem ou mal, ou seja, punido,
o que, se acontecer, é satisfatório. Isso nos fala, desde o início, de uma natureza dupla
dessa paixão que é evidente em seus subtipos característicos, já que em alguns casos a
inveja é sentida acima de tudo como falta e tristeza pela própria condição, seja real ou
imaginária, e em outros ela se torna acima de tudo voracidade e desejo de prejudicar os
outros ou de se vingar deles.
Uma das diferenças mais óbvias entre o E4 conservação e os outros subtipos de
inveja é a falta de expressão dessa paixão: conservação é o subtipo em que a inveja
aparece mais negada, e é difícil reconhecê-la porque a pessoa não fica na falta e na
inveja do que não tem, mas, por meio do esforço, transforma de forma compensatória o
que lhe falta, defendendo-se assim do sentimento de inveja. “Eu visito a casa de uma
amiga e olho para ela, que casa linda... Em seguida, coloco cortinas novas na minha,
faço mudanças, compenso a ideia e a sensação de que minha casa é pior", diz um
depoimento desse subtipo.
No E4 sexual e social, não aparece nenhuma ação para compensar o que não se
tem. O E4 social, onde aparece uma consciência clara do sentimento de inveja, fica a
lamentar-se e a queixar-se do que não tem, e no E4 sexual, onde a inveja é sentida como
algo muito instintivo, difícil de conter, destrói o que se quer para não sentir inveja.
A falta compensada do E4 conservação é acompanhada por uma intolerância ao
sentimento de fraqueza e um grande esforço pessoal para não sentir necessidade, o que
contrasta com a falta de modéstia do E4 social em se mostrar fraco e necessitado.
Essa tenacidade no esforço constitui certa atitude narcisista no subtipo
conservação, que tende a pensar que pode lidar com tudo e que não se permite mostrar
sua carência, o que seria interpretado de certa forma como humilhante ou, em qualquer
caso, com uma sensação insuportável de vulnerabilidade. Estamos falando de um tipo
de pessoa que, na infância, teve que cuidar dos outros; em vez de ser cuidada, teve que
cuidar. Portanto, são pessoas trabalhadoras, independentes, sérias, seguras de si, dotadas
de integridade, honestidade e sobriedade. Não sentindo o cuidado, não o pede, e
projetam essa necessidade no outro, cuidando dele a partir de uma atitude de auto
sacrifício. Em contraste, um E4 sexual expressa a sua necessidade sem cerimônia,
transformando-a numa exigência para com o outro, enquanto o E4 Social é um caráter
essencialmente suplicante a partir da sua expressão de falta.
No tipo 4 há um "eu" deficiente: a pessoa sente que é sem valor, que não tem, há
uma imagem empobrecida de si mesma, e há também uma forte idealização do que
gostaria de ser. Esta imagem idealizada torna-se tremenda no subtipo conservação: há
um superego forte que exige constantemente que a pessoa atinja esse ideal de perfeição,
de onipotência, e que a pessoa nunca atinge porque é realmente uma ideia louca. O
esforço é, pois, colocado ao serviço da concretização desse ideal, como o demonstra o
testemunho seguinte:
"No meu trabalho, se sinto que estou a cometer um erro, inscrevo-me num curso para remediá-lo,
mas não fico satisfeito com o que fiz. Aprendo, mas depois vejo que tenho outro erro e já estou a
pensar em fazer um novo curso".
Inveja
Na sua obra Inveja e Gratidão (1975), Melanie Klein define a inveja como "um
sentimento de raiva contra outra pessoa que possui ou desfruta de algo desejável, sendo
o impulso invejoso o de retirá-lo ou danificar; ademais, a inveja implica a relação do
sujeito com uma única pessoa e remonta a mais antiga e exclusiva relação com a mãe"
(p 186). Além disso, relaciona claramente a origem deste desejo de ter o que o outro tem
com um sentimento de falta e um sentimento de maldade interior, que leva a pessoa a
procurar ardentemente o bem no exterior para incorporá-lo em si. Infelizmente para o
invejoso, esse sentimento de ser ou estar cheio de algo mal contamina tudo o que
incorpora, por isso nunca consegue alimentar-se, aumentando assim a sua frustração e
desespero, sendo esta a base da sua insaciabilidade.
Relativamente à voracidade dos invejosos, pode se dizer que a própria pessoa invejosa é
insaciável. Nunca pode estar satisfeita, porque a sua inveja vem de dentro, e por isso encontra
sempre um objeto sobre o qual se concentrar (p. 187).
Klein explica um caso específico de uma paciente que “queria ser cuidada, mas,
ao mesmo tempo, repelia o próprio objeto que a devia gratificar”. Esta mulher
desconfiava do presente que desejava receber porque o objeto já estava danificado pela
inveja e pelo ódio, ao mesmo tempo em que havia um profundo ressentimento por cada
frustração.
Era característico desta paciente a sua atitude para com os outros e isto esclarecia as suas
relações anteriores com o peito- que ela desejava ser cuidada, mas ao mesmo tempo repelia o
próprio objeto que a devia gratificar. A desconfiança em relação à dádiva recebida, juntamente
com a sua necessidade imperiosa de ser cuidada - o que, em última análise, significa um desejo
de ser alimentada - expressam a sua atitude ambivalente em relação ao peito. Já me referi a bebês
cuja resposta à frustração é não aproveitar suficientemente a gratificação que a amamentação,
ainda que tardia, pode proporcionar. Posso supor que, mesmo que não desistam dos seus desejos
de um peito gratificante, não conseguem desfrutar dele e, portanto, o repelem. (p.210)
Klein identifica várias defesas contra a inveja que encontrou ao longo da sua
obra. A inveja é visivelmente odiosa no subtipo sexual, enquanto no subtipo social se
manifesta como admiração a partir de uma posição dolorosa de impotência, de renúncia
ao desejo, devido à inibição da agressividade. A inveja no E4 social toma a forma de
idealização do outro e de desvalorização de si próprio.
Algumas pessoas lidam com a sua incapacidade (derivada da inveja excessiva)
de possuir um bom objeto idealizando-o.
Numa seção anterior, sugeri que a idealização não serve apenas como uma defesa contra a
perseguição, mas também contra a inveja. (...) A grande exaltação do objeto e dos seus dons é
uma tentativa de reduzir a inveja. “No entanto, se a inveja for muito forte, é provável que, mais
cedo ou mais tarde, se volte contra o objeto primário idealizado e outras pessoas que, no decorrer
do desenvolvimento, passarão a representá-lo” (p. 221).
O eneatipo 4 pode ser reconhecido como um "caráter oral". Essa personagem surge de
um desejo subitamente reprimido pela mãe. Permanece uma insatisfação insuperável
que gera uma ambivalência entre o desejo do outro e o medo de receber novamente
rejeição e delírio. A criança sai deprimida ou revoltada e ao longo de sua vida
continuará experimentando a ferida do abandono, mas não desistindo definitivamente de
suas necessidades, que são constantemente ativadas.
O outro é experimentado como uma fonte que pode saciar a sua sede de amor,
mas a sua necessidade de amor não corresponde à sua capacidade de amar e doar, pois
não desenvolve uma independência que lhes permita efetivamente ter uma relação
amorosa mútua e adulta.
Dentro da teoria psicanalítica sobre a estruturação da personalidade baseada no
desenvolvimento libidinal durante os primeiros anos de vida, e como Claudio Naranjo
aponta em “Caráter e neurose”, foi Karl Abraham quem primeiro chamou a atenção para
a síndrome do eneatipo 4. em sua descrição do "caráter oral agressivo". A citação onde
Goldman-Eisler descreve este caráter é reproduzida abaixo:
“Este tipo caracteriza-se por uma visão profundamente pessimista da vida, por vezes
acompanhada de estados de humor depressivo e atitudes de retraimento, atitude passivo-
receptiva, sentimento de insegurança, necessidade de ter uma subsistência garantida, uma
ambição que combina um intenso desejo de subir com um sentimento de incapacidade de fazê-lo,
um sentimento rancoroso de injustiça, uma suscetibilidade competitiva, um desgosto pela ideia
de competir e uma importunação cheia de impaciência.”
Ele tem uma necessidade exagerada de contato com outras pessoas, por seu calor e apoio. O tipo
oral sofre de um sentimento de vazio interno, e está constantemente à procura de alguém para
satisfazê-lo, mesmo que às vezes aja como se fosse ele quem fornece e oferece suporte. (...)
Devido ao seu baixo nível de energia, o tipo oral é propenso a mudanças de humor de depressão
e exaltação. A tendência à depressão é típica da personalidade oral. Outra característica peculiar
dele é a atitude de que lhe devem "algo".
Isso pode ser expresso na ideia de que o mundo tem que lhe dar vida. Isso decorre
diretamente de sua experiência inicial de privação.
A descrição física do tipo também é semelhante à aparência dos E4s sociais,
com “um corpo que tende a ser longo e magro, com musculatura pouco desenvolvida,
um corpo que mostra certa tendência ao colapso e, muitas vezes, sinais físicos de
imaturidade, com corpos de certa aparência infantil”.
Do que Lowen descreve sobre o caráter oral, ao qual pertencem todos os sujeitos
de E4, destacamos o seguinte parágrafo que aborda um pouco mais especificamente o
que é próprio do subtipo sexual:
Na natureza oral, a relação amorosa apresenta as mesmas alterações que a sua atividade
profissional. Tem interesses narcísicos, as suas exigências são consideráveis e a sua resposta é
limitada. Ele espera compreensão, simpatia e amor, e é excessivamente sensível a qualquer gesto
de frieza por parte do seu parceiro ou dos que o rodeiam. Incapaz de satisfazer as exigências
narcísicas da outra pessoa, o caráter oral experimenta sentimentos de rejeição, de ressentimento e
de hostilidade. Uma vez que o parceiro tem as suas próprias necessidades que o carácter oral não
consegue satisfazer, a situação é de conflito quase permanente. A dependência é considerável,
mas é muitas vezes escondida pela hostilidade.
O psiquiatra Juan José Albert Gutiérrez, no seu livro Ternura e agressividade, obra em
que relaciona, entre outros, os caráteres reichianos com o eneagrama, dedica um
capítulo ao oral em que explica que o fato deste caráter perceber as suas necessidades de
forma distorcida como fonte de tensão e angústia, somada à falta de energia agressiva,
predispõem-no a perpetuar a sua carência e sofrimento, o que "nos dá o perfil de um
importante componente masoquista neste carácter, a ponto de podermos afirmar que,
depois do carácter propriamente masoquista, é o mais masoquista".
Segundo Juan José Albert, o subtipo sexual é o que termina a fase oral com a
maior quantidade de energia unitária em função agressiva. É o subtipo invejoso que tem
mais energia para conseguir o que precisa. Embora, naturalmente, a percepção das suas
necessidades e capacidades seja distorcida de forma invejosa: aumentando as suas
carências e empobrecendo a sua autoimagem. Neste subtipo, as respostas presunçosas e
impetuosas servem para esconder ambas.
Reich menciona muitas características orais ao descrever a personagem que
considerou masoquista. Uma diferença de interesse entre o caráter oral e o caráter
masoquista é que, enquanto o primeiro se desenvolve sobre uma estrutura de
personalidade histérica, que o leva a extroverter os seus sentimentos de sofrimento, o
carácter masoquista faz isso a partir de uma estrutura obsessiva que tende à introversão
emocional, à racionalização e à resignação. Por esta razão, costumo dizer a propósito do
masoquismo nestes dois caracteres que, enquanto o carácter oral dramatiza o
sofrimento, o masoquista santifica-o através da resignação.
DESAMPARO E IMPOTÊNCIA NO E4 CONSERVAÇÃO
A Real Academia Española define a melancolia como "uma tristeza vaga, profunda,
calma e permanente, nascida de causas físicas ou morais, que faz com que quem a sofre
não encontre prazer nem diversão em nada". Só de ler esta definição, já nos vem à
cabeça que, dos três subtipos E4, o social é, sem dúvida, o melancólico por excelência:
lânguido, nostálgico, afundado na tristeza, egocêntrico e queixoso.
A melancolia faz parte da condição humana e foram muitos os que, ao longo da
história da civilização, dedicaram o seu gênio e os seus esforços para definir e
compreender esta condição a partir de tantas outras disciplinas. Para especificar uma
origem, diremos que o termo melancolia vem do grego, melanos cholés, que significa
bílis negra, e que foi Hipócrates quem nomeou um dos quatro humores fundamentais
que, na época, se pensava animar o corpo, cujo desequilíbrio causava doenças, incluindo
a melancolia, que se devia a um excesso desse “humor negro”.
Galeno de Pérgamo (131-201) dedica um capítulo da sua obra sobre as partes
afetadas pela melancolia, no qual defende a existência de um grupo de doenças causadas
pela bílis negra e conhecidas como melancolia, descrevendo os seus sintomas desta
forma:
Embora cada paciente melancólico atue de forma bastante diferente uns dos outros, todos eles
mostram medo ou desespero. Acreditam que a vida é má e odeiam os outros, embora nem todos
queiram morrer. Para alguns, o medo da morte é a principal preocupação durante a melancolia.
Outros, por estranho que pareça, tanto temem a morte como a desejam. (Galeno, Das partes
afetadas, Livro III).
E ainda Gabbard nos lembra de que Blatt (1998) sugere dois tipos diferentes de
depressão: a anaclítica e a introjetiva. A depressão anaclítica seria "caracterizada por
sentimentos de desamparo, solidão e fraqueza relacionados com medos crônicos de ser
abandonado e desprotegido. Os indivíduos com este tipo de depressão anseiam serem
acolhidos, protegidos e amados. Também se caracteriza pela vulnerabilidade a rupturas
nas relações interpessoais, e a depressão se manifesta inicialmente como sentimentos
disfóricos de abandono, perda e solidão".
Não encontramos entre os tipos psicológicos de Jung equivalências com os
Quatro sociais; Apesar do nome de um deles sugerir, o introvertido sentimental,
concordamos com Claudio Naranjo que os traços que Jung descreve como típicos deste
tipo, como a frieza, a indiferença e a rejeição, correspondem mais ao eneatipo Cinco,
desapegado e retraído.
Se o encontramos, pelo contrário, entre as personalidades psicopáticas de
Schneider, na descrição dos melancólicos depressivos como "suave, amável, delicado,
cheio de compreensão com os sofrimentos e fraquezas dos outros. E tímido e
desencorajado face a acontecimentos e tarefas inusitadas".
Em geral, características do E4 social aparecem em todos os quadros depressivos
típicos, mas especialmente no transtorno de personalidade depressiva que o DSM IV
propunha em seu apêndice B para sua possível inclusão em revisões posteriores e que
acabou sendo eliminado no atual DSM V. De acordo com Gabbard (2003), os critérios
para o transtorno depressivo especificam uma constelação de traços de personalidade
que incluem "um humor dominado pelo descontentamento, pesar e tristeza; um
autoconceito centrado na desvalorização e baixa autoestima; uma tendência a culpar e
criticar a si mesmo; uma propensão a sentir culpa ou remorso; uma atitude pessimista;
uma atitude negativa e crítica em relação aos outros; uma tendência a remoer e se
preocupar".
6. É pessimista.
Outra caraterística significativa do E4 social, que pode parecer paradoxal dada a sua
timidez e o seu sentimento de vergonha, é a expressão dramática do sofrimento. Nas
palavras de Freud, é “significativo que o melancólico não se comporte inteiramente
como alguém que constrói o arrependimento e a auto reprovação. Falta-lhe (ou pelo
menos não se nota nele) a vergonha na presença dos outros, que seria a principal
caraterística deste último estado. No melancólico pode quase sobressair o traço oposto,
o de uma franqueza urgente que tem prazer em se revelar".
Se o amor pelo objeto - esse amor que não se pode resignar, pois o próprio objeto se resigna - se
refugia na identificação narcísica, o ódio é impiedoso com esse objeto substituto, insultando-o,
denegrindo-o, fazendo-o sofrer e o vencendo. esse sofrimento uma satisfação sádica. Este auto
martírio da melancolia, inquestionavelmente alegre, envolve, num todo como o fenômeno
paralelo da neurose obsessiva, a satisfação de tendências sádicas e de tendências ao ódio que
recaem sobre um objeto e que, pelo caminho indicado, experimentaram uma inversão em direção
à própria pessoa. Em ambos os afetos, os pacientes geralmente conseguem, através do desvio da
autopunição, se vingar dos objetos originais e atormentar seus entes queridos através de sua
condição de pacientes, depois de terem se rendido à doença para não ter que mostrar hostilidade
diretamente a ela.
(Freud)
O submisso é exigente, porque se sente “no direito” devido à sua grande necessidade e
ao seu sofrimento. O sofrimento é bom para aquele que se julga muito santo, e será
ainda melhor se ele puder estendê-lo aos outros.
O sofrimento é inconscientemente colocado ao serviço da afirmação de reivindicações, o que não
só atrasa o incentivo para ultrapassá-lo, como também contribui para um exagero involuntário.
(...) Ele deve sentir que o seu sofrimento é tão excepcional e tão excessivo que lhe dá o direito de
ser ajudado. Por outras palavras, este processo faz com que a pessoa sinta de fato os seus
sofrimentos mais intensamente do que sentiria sem ter adquirido um valor estratégico
inconsciente (p. 233).
No capítulo "A solução da modéstia: O Apelo Amoroso", Horney descreve como este
tipo usa o sofrimento, o desamparo, a impotência e o martírio, o que nos parece uma
boa descrição do E4 social, com traços típicos como a desvalorização e a auto
depreciação, a inibição da hostilidade e da agressividade, a ênfase no emocional ou um
juiz interno muito forte. Alguns exemplos são os seguintes:
De um modo geral, o E4 tem uma tolerância muito baixa à frustração, mas cada subtipo
oferece uma resposta diferente: o apelo agressivo no E4 sexual, o redobrar esforços no
E4 conservação, e a resposta de se retrair e sofrer no E4 social.
Neste último subtipo, a sua resposta típica à frustração das suas reivindicações é,
mais do que uma indignação justa, um sentimento de comiseração para consigo próprio
por se sentir injustiçado.
(...) ele pode fazer desabafos devastadores sobre as suas mágoas, suscitar compaixão e o desejo
de ser tratado melhor, mas em pouco tempo ele se encontra na mesma situação.
Horney expõe extensivamente as funções que o sofrimento tem neste tipo neurótico, que
se correlacionam perfeitamente com os traços masoquistas do nosso E4 social, como a
função de dar vazão à agressividade reprimida ou servir de pretexto para justificar a
impotência e a inibição da ação:
A exteriorização passiva do ódio a si próprio pode ir além do simples sentir-se
maltratado. Pode provocar os outros para que o maltratem e, assim, deslocar a cena
interior para o exterior. Assim, ele se torna a vítima nobre que sofre sob um mundo
cruel e ignóbil.
Sentir-se maltratado também tem uma função importante. Essa função é permitir a saída das
tendências expansivas reprimidas (...) e ao mesmo tempo mantê-las escondidas. Isto permite-lhe
que se sinta secretamente superior aos outros (a coroa do martírio); permite-lhe dar uma base
legítima aos seus sentimentos hostis e agressivos contra os outros; e, finalmente, permite-lhe
disfarçar a sua agressividade hostil porque (...) a maior parte da hostilidade está reprimida e é
expressa através do sofrimento (p. 235).
O seu sofrimento acusa os outros e desculpabiliza-o (...) Dá-lhe um corte total, por não ter
tornado a sua vida mais brilhante e não ter atingido objetivos ambiciosos. Embora, como vimos,
ele evite avidamente a ambição e o sucesso, a necessidade de sucesso continua a atuar. E o seu
sofrimento permite-lhe salvar a face, mantendo na sua mente - consciente ou inconscientemente -
a possibilidade de proezas supremas, se não fosse afetado por doenças misteriosas (p.239).
No capítulo "Dependência Mórbida", Horney desenvolve o tema da ânsia de amor neste
tipo e explica como o amor romântico "é e parece ser o passaporte para o paraíso, onde
todos os males terminam; sem mais solidão; sem mais sentimento de perda, culpa e
indignidade; sem mais auto responsabilidade; sem mais luta com um mundo severo para
o qual não se sente equipado. Em vez disso, o amor parece prometer proteção, apoio,
afeto, encorajamento, simpatia, compreensão. Dará um sentido de valor. Dará sentido à
sua vida. Será a salvação e a redenção. Por isso, não é de estranhar que, para ele, as
pessoas estejam frequentemente divididas entre os que têm e os que não têm, não em
termos de dinheiro ou posição social, mas em termos de serem (ou não serem) casados
ou de terem uma relação equivalente.
E encontramos também em Horney o intenso anseio por um lugar de
pertencimento característico deste subtipo social, um lugar que ele deseja intensamente
e nunca ousa ocupar, esta busca repetida resulta numa dolorosa frustração que o leva a
retirar-se, perturbado por profundos sentimentos de vergonha, inadequação e
desamparo. Um movimento pendular que o esgota e o enche de desespero.
(...) procura os outros para reforçar a sua posição interior, dando-lhe um sentimento de ser aceito,
aprovado, necessário, desejado, amado, apreciado. A sua salvação são os outros. Por isso, a sua
necessidade de pessoas não só é muito reforçada, como frequentemente atinge um caráter
frenético. Começamos a compreender o que significa o amor para este homem. (pp. 228 e 229)
(...) têm que se sentir aceito pelos outros. Precisam de tal aceitação que a recebem sob qualquer
forma que esteja disponível: atenção, aprovação, gratidão, afeto, simpatia, amor, sexo. (...) Ele
vale o quanto quiserem, precisam dele como homem (p. 230).
(...) Estar sozinho significa para ele a prova de não ser amado, e por isso é uma desonra que deve
ser mantida em segredo. É uma vergonha ir sozinho ao cinema ou às férias, e é uma vergonha
passar o fim de semana sozinho, quando os outros estão em sociedade (p. 230).
Anorexia
Para Bruch, a origem da anorexia nervosa remonta a uma falha na relação entre o bebê e
a mãe. Concretamente, a mãe educa a criança de acordo com as suas próprias
necessidades e não com as da criança.
Embora também exista uma propensão para a anorexia no eneatipo Três, esta
teria mais a ver com uma motivação para "melhorar", aumentar a sua atratividade e ser
o melhor, e embora não possamos esquecer que o E4 também se localiza no eneagrama
do lado da imagem, podemos entender a anorexia no invejoso como uma manifestação
da dificuldade deste eneatipo em integrar o que o alimenta, ficando assim carente e
necessitado da sua voracidade, além de ser uma outra forma de sofrer e castigar os que o
rodeiam. Gabbard reúne de Palazzoli e Boris o que, nos parece, explicar perfeitamente
como a motivação deficiente de E4 sustenta a dinâmica desta doença:
Selvini Palazzoli (1978) observou que os pacientes com anorexia nervosa foram incapazes de se
separar psicologicamente das suas mães, resultando numa incapacidade de alcançar qualquer
sentido estável dos seus próprios corpos. O corpo é então muitas vezes visto como sendo
habitado por uma mãe má introjetada, e a fome pode ser uma tentativa de parar o crescimento
deste objeto interno intrusivo e hostil.
Boris (1984b) observou que a ganância intensa constitui o coração da anorexia nervosa. (...)
Através da identificação projetiva, a representação do eu, guloso e exigente, é transferida para os
pais.
Os sexuais, devido ao seu elevado grau de histrionismo, potencializado pelo maior uso
do mecanismo de defesa da projeção, são os mais extrovertidos; dos três subtipos são os
mais histriônicos. Este subtipo apresenta problemas, algumas vezes importantes, com
limites. São invasivos na relação com os outros e tendem a estabelecer uma forma de
ligação anaclítica típica da organização limítrofe ou borderline. Os indivíduos do
subtipo social, os envergonhados, também tendem a estabelecer este tipo de relação,
mas o seu estilo é mais submisso, enquanto o dos sexuais é exigente e manipulador. Nas
palavras de Jean Bergeret: "Como a etimologia indica, o termo grego anaclitos significa
estar deitado de costas, deitado sobre as costas de alguém, de uma maneira
essencialmente passiva". "Os significados derivados do termo anaclitos explicam os
movimentos de "retirar-se para dentro", "inclinar-se para", "inclinar-se contra". E isto é
precisamente a característica da organização borderline. É necessário encostar-se ao
interlocutor, seja em espera passiva e implorando por uma satisfação positiva, seja em
manipulações muito mais agressivas, óbvias ou não, desse parceiro indispensável".
O TRANSTORNO BORDERLINE E OS E4s: SEXUAL E SOCIAL.
Critérios de diagnóstico.
Continuando com o resto dos critérios expostos, que coincidem com as características
do subtipo sexual, encontramos que: "Os indivíduos com transtorno de personalidade
borderline podem apresentar instabilidade afetiva que se deve a uma notável reatividade
do humor". E prossegue dizendo que: “(...) podem ser atormentados por sentimentos
crônicos de vazio”. Aborrecem-se facilmente e estão sempre à procura de algo para
fazer. Os indivíduos com transtorno de personalidade borderline expressam
frequentemente uma raiva inadequada e intensa ou têm problemas em controlar a raiva.
Podem apresentar sarcasmo extremo, amargura persistente ou explosões verbais. A
raiva é frequentemente desencadeada quando consideram que um cuidador ou parceiro
os está a negligenciar, a suprimir, a não cuidar deles ou a abandoná-los. Estas
expressões de raiva são frequentemente seguidas de vergonha e culpa e contribuem para
o seu sentimento de ser mau.
Como esperado e como veremos mais tarde, aspectos da sua infância até
coincidem. "(...) nas histórias de infância de sujeitos com transtorno de personalidade
borderline" onde “são frequentes os abusos físicos e sexuais, a negligência nos seus
cuidados, os conflitos hostis e a perda precoce ou a separação dos pais”.