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Infecção do Trato Urinário - Urocultura

Profa. Roseli Vígio Ribeiro

O Trato Urinário é composto pelos rins, ureteres, bexiga e uretra. Os rins são
responsáveis pela regulação da composição iônica, pela osmolaridade, pH e
volume sanguíneos, pela regulação da pressão arterial, pela liberação de
hormônios e pela excreção de resíduos e substâncias estranhas. Os ureteres
são dois tubos que transportam a urina dos rins para a bexiga e realizam
contrações rítmicas, o peristaltismo. A bexiga funciona como um reservatório
temporário para o armazenamento da urina. Possui um esfíncter interno, de
contração involuntária, que previne o esvaziamento e um esfíncter externo, de
contração voluntária, que é responsável pela resistência a necessidade de
urinar. Por fim, temos a uretra, que conduz a urina da bexiga para o meio externo.

As infecções do trato urinário (ITUs) estão entre as doenças infecciosas mais


comuns na prática clínica, só sendo superada pelas infecções do trato
respiratório. São responsáveis por 8,3 milhões de visitas médicas anuais nos
EUA e estima-se que existam em torno de 150 milhões de casos anuais em todo
o mundo. Acomete todas as idades, sendo comum em unidades de terapia
intensiva, onde representa a terceira infecção mais frequentes (primeira é
infecção pulmonar associada a ventilação mecânica, a segunda é infecção da
corrente sanguínea associada a cateteres centrais). Em geral podem ser
adquiridas por via ascendente, hematogênica ou linfática.

Até o primeiro ano de vida essas infecções predominam no sexo masculino.


Após este período são predominantes no sexo feminino. Mulheres adultas tem
50 vezes mais chances de adquirir este tipo de infecção que os homens. Isto se
deve ao fato da uretra masculina ser maior que a feminina e esta estar muito
próxima da vagina e ânus. Além disso a bexiga masculina é maior que a feminina
(maior fluxo urinário) acrescida do fator antibacteriano prostático.
A via de infecção mais comum é a ascendente, principalmente no sexo feminino.
Ocorre a colonização da uretra por bactérias da microbiota intestinal, podendo
então a partir daí, alcançar a bexiga e rins.

Outra via menos frequente é a via hematogênica, pois os rins são muito
vascularizados. Esta via assume maior importância em neonatos.

Já a via linfática, através das conexões linfáticas entre intestino e rins, embora
rara, pode ocorrer em casos de obstrução intestinal.

Existem fatores que aumentam o risco de adquirir infecção pela via ascendente.
Em ambos os sexos a diabetes, por conta da glicosúria é um desses fatores. Nas
mulheres, acrescenta-se a atividade sexual, devido ao retardo na micção, a má
higiene, o uso de espermicidas, que favorecem a colonização vaginal por E.coli,
a utilização de diafragma, a gravidez e a pós menopausa. Já no homem os
fatores são doença prostática, cateterismo vesical, homossexualidade e
colonização da parceira.

Quanto a topografia, as infecções urinárias são divididas em baixas (cistite,


uretrite e prostatite), onde os principais sintomas são disúria (dificuldade para
urinar que pode ser acompanhada de dor), urgência miccional, nictúria (volume
de urina noturna maior que a diurna) e, embora pouco usual, as vezes febre e
em alta, que é a pielonefrite. Esta se inicia com quadro de cistite, febre alta, dores
lombares, calafrios e sintomas gerais de processo infeccioso agudo (sintomas
clínicos mais exuberantes).

Em geral, em pacientes com estrutura e função do trato urinário normais e fora


do ambiente hospitalar, as ITUs tendem a ser não complicadas. Entretanto em
pacientes com alterações estruturais ou funcionais do trato urinário ou em
ambiente hospitalar as ITUs tendem a ser mais complicadas, tendo maior risco
de falha terapêutica. Em geral, as cistites são infecções não complicadas e as
pielonefrites são infecções complicadas.
Os fatores associados a infecções do trato urinário complicadas estão descritos
no quadro abaixo:

A frequência dos microrganismos causadores de ITU varia na dependência se é


intra ou extra-hospitalar e difere em cada ambiente hospitalar considerado,
sendo os membros da família Enterobacteriaceae os agentes mais frequentes
nos dois ambientes. A Escherichia coli, por exemplo, é responsável por 70 a 85%
das ITUs adquiridas na comunidade e 50 a 60% das infecções em pacientes
idosos em instituições.

No quadro abaixo podemos observar a frequência dos agentes etiológicos


envolvidos tanto nas ITUs adquiridas na comunidade quanto naquelas
adquiridas no ambiente hospitalar.
Na infecção do trato urinário ocorre a invasão tecidual pelo microrganismo,
gerando inflamação local, com presença de bacteriúria (bactérias na urina) e
sinais e sintomas que denotem inflamação de segmento do trato urinário.

Convencionalmente, a infecção do trato urinário é caracterizada pelo


crescimento bacteriano de pelo menos 10 5 UFC/mL de urina coletada em jato
médio e de maneira asséptica. Em alguns casos, como paciente idoso, infecção
crônica e uso de antimicrobianos pode ser valorizado o crescimento igual ou
acima de 104 UFC/mL. Em outros, como em pacientes cateterizados, contagens
superiores a 102 UFC/mL podem ser consideradas significativas.

Em resumo temos na avaliação quantitativa:


˂10.000 UFC/mL: contaminação acidental
10.000 a 100.000 UFC/mL: ??? (contagem intermediária)
Acima de 100.000 UFC/mL: infecção

Quando a urina é coletada por aspiração supra púbica (direto da bexiga),


qualquer número tem significado.

Na bacteriúria de baixa contagem (intermediária) podemos estar diante de um


início de infecção, a urina pode estar diluída devido a maior ingestão de líquido,
o paciente pode estar fazendo uso de antibiótico bacteriostático, que está
interferindo no número de microrganismos, mas não está matando a bactéria ou
ainda pode ser contaminação, embora em geral, quando temos contaminação
de coleta temos baixíssimas contagens e/ou crescimento de mais de um
microrganismo, pois em geral, as infecções do trato urinário são
monomicrobianas, sendo muito rara a infecção por vários microrganismos.

Temos também a bacteriúria assintomática, que é definida como a presença de


bactérias na urina em contagem significativa, mas sem sintomas urinários.
Ocorre em cerca de 40% de pacientes idosos, onde, só uma pequena parcela
destes pacientes desenvolve infecção sintomática.
É importante o reconhecimento e tratamento da bacteriúria assintomática em
pessoas que vão sofrer cirurgia urológica (evita bacteremia pós operatória), em
grávidas (reduz risco de pielonefrite e prematuridade) e em pacientes diabéticos
devido à alta frequência de complicações severas de infecções urinárias
(pielonefrite), bacteremia e abscesso perinefrítico (caracterizado por acúmulo de
material supurativo ou pus no espaço perinefrítico, isto é, na vizinhança imediata
do rim).

O nível de bacteriúria significativa varia de acordo com a forma da coleta da


amostra de urina, com o fluxo urinário, com a presença e tempo de permanência
do cateter urinário e com o microrganismo isolado. Microrganismos com
crescimento mais lento, como Enterococcus sp. e Candida sp. podem requerer
mais tempo para atingir contagem mais elevada de colonias.

A urina pode ser coletada por aspiração supra púbica, cateterização, coletor
infantil ou por jato médio de micção espontânea.

Na aspiração supra púbica a coleta é feita por médico, através de punção direta
da bexiga com agulha e seringa, e mesmo um pequeno número de
microrganismos pode ser significativo, portanto, é necessário que o laboratório
seja informado que a coleta foi efetuada por esta técnica. Este tipo de coleta é a
técnica mais fidedigna para identificar bacteriúria.

Nos pacientes cateterizados é recomendada a coleta por meio da punção do


sistema de drenagem na proximidade da junção com o tubo de drenagem, após
rigorosa desinfecção com álcool a 70% deste local, mantendo-se o sistema
fechado. Não colher a urina da bolsa coletora e deve constar no pedido
laboratorial que o paciente está cateterizado.

Em crianças de baixa faixa etária utiliza-se o coletor infantil ou saco coletor, após
a higienização do local. No caso de meninas, colocar o adesivo na pele em volta
dos genitais externos, de maneira que a vagina e o reto fiquem isolados, evitando
a contaminação. Nos meninos, colocar o coletor autoaderente de maneira que o
pênis fique em seu interior. O saco coletor deve permanecer por no máximo 30
minutos. Se a criança não urina, nova assepsia deve ser feita seguida da
colocação de outro saco coletor.

Na coleta do jato médio (intermediário) por micção espontânea, deve ser


coletada preferencialmente a primeira urina da manhã, ou pelo menos após
período de retenção de duas a três horas, após a realização de higiene íntima,
em frasco estéril de boca larga.

Após a coleta, a urina deve ser identificada e encaminhada ao laboratório


refrigerada (4-6oC), o mais rápido possível. Os espécimes recebidos com mais
de duas horas (sem refrigeração) ou sem informação do horário da coleta devem
ser devolvidos e solicitada nova coleta.

Um método de triagem para infecção do trato urinário (ITU) é a bacterioscopia


com coloração de Gram da urina não centrifugada. Neste exame, a urina é
homogeneizada e uma gota é colocada sobre uma lâmina, deixando secar
espontaneamente. Após a fixação, fazemos a coloração de Gram. A presença
de duas ou mais bactérias por campo de imersão tem 80% de correlação com
uma cultura positiva, ou seja, acima de 105UFC/mL. A presença de grande
número de células epiteliais sugere contaminação de coleta e deve ser solicitada
nova amostra. A bacterioscopia positiva e cultura negativa sugere troca de
material, bactéria de crescimento lento ou exigente nutricionalmente, ou uso de
antimicrobiano bacteriostático.

A cultura quantitativa da urina é considerada o exame laboratorial “padrão ouro”


para o diagnóstico da ITU. Esta pode ser feita pela técnica de semeadura com
alça calibrada no meio de CLED ou Brolacin ou por diluição seriada com
subsequente semeadura no mesmo meio.
Alça de Drigalski

Esse Agar de Cistina Lactose Deficiente em Eletrólitos (CLED) ou Ágar Brolacin


é utilizado porque além de permitir o crescimento de bactérias Gram positivas e
negativas e leveduras, por ser deficiente em eletrólitos, inibe o véu de cepas de
Proteus, possibilitando a análise quantitativa quando se tratar desse gênero. A
cor original desse meio é verde clara e as bactérias lactose positivas viram o
meio para amarelo e as lactose negativas para azul ou permanece verde (tabela
abaixo).
Na falta deste meio, combinações de outros meios, como ágar sangue e um meio
seletivo para Gram negativo, por exemplo pode ser usado, embora no caso de
infecção por Proteus teremos dificuldade de efetuar a contagem por conta da
formação do véu.

Após a incubação contamos o número de colonias, multiplicamos pela diluição


e, em caso de infecção, efetuamos a identificação bioquímica e o teste de
sensibilidade aos antimicrobianos (TSA).

Temos também o lamino cultivo feito em recipiente plástico cilíndrico, onde pode
ser coletada a urina, com uma tampa ligada a um suporte plástico com duas
faces contendo meios de cultura como CLED e MacConkey ou outras
combinações.

Esta técnica é utilizada por laboratórios com pequena rotina ou com grande
movimento, por ser de fácil semeadura (não necessita de alça calibrada), fácil
transporte da urina (no próprio recipiente) e por identificar os principais
patógenos envolvidos nas ITUs. A desvantagem é ser um método
semiquantitativo por possui menor superfície de leitura.

O tratamento deve ser feito de acordo com a localização e presença de fatores


complicantes (tabela abaixo) e de preferência, sempre acompanhado do TSA.

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