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Síndrome da bexiga
dolorosa
Thaís Guimarães dos Santos1, Lucas Schreiner1, Christiana Campani Nygaard2,3,
Nadiessa Dorneles Almeida3
Descritores INTRODUÇÃO
Síndrome da bexiga dolorosa; Cistite A síndrome da bexiga dolorosa (SBD)/cistite intersticial (CI) é uma condi-
intersticial; Dor pélvica crônica
ção inflamatória crônica da parede vesical que causa dor ou desconforto
CID-10 pélvico, urgência miccional, aumento da frequência urinária e noctúria, na
30.1 ausência de outras causas identificáveis.(1) A etiologia da SBD/CI ainda não
está integralmente compreendida e diferentes hipóteses têm sido sugeridas,
incluindo infecções, doenças autoimunes, disfunções do urotélio, ativação
de mastócitos, inflamação neuronal, exposição a toxinas ou a elementos da
dieta ou, ainda, a fatores psicossomáticos. Uma das hipóteses é que a SBD/CI
pode estar fisiopatologicamente relacionada ao defeito da camada de glico-
saminoglicanos (GAG) da mucosa vesical.(1)
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico é clínico.
Um gráfico de volume e frequência miccional pode ser Estudo urodinâmico de múltiplos canais (NÃO
utilizado para diferenciar poliúria dos pequenos volu- RECOMENDADO NA AVALIAÇÃO INICIAL, Grau
mes miccionais esperados na SBD/CI.(2) de recomendação: C, Nível de evidência: 3):
O estudo urodinâmico de múltiplos canais não é reco-
Testes de laboratório: análise de urina, cultura mendado como exame de rotina na avaliação diagnós-
(RECOMENDADOS: a todas as pacientes, Grau tica inicial de uma paciente com suspeita de SBD/CI.
de recomendação: C, Nível de evidência: 4) e A descoberta de uma capacidade vesical maior que
citologia urinária (OPCIONAL: quando indicada, 350 mL, primeiro desejo miccional maior que 150 mL ou
Grau de recomendação: C, Nível de evidência: 4): a presença de hiperatividade detrusora sugerem a ex-
clusão do diagnóstico de SBD/CI.(2)
Uma análise qualitativa de urina faz parte da avaliação
inicial das pacientes com SBD/CI. Se sinais sugestivos
Biópsia da bexiga (NÃO RECOMENDADA
de infecção urinária forem identificados, é necessária
uma cultura com teste de sensibilidade. Caso o exame
na avaliação de rotina, Grau de
apresente piúria estéril (leucocitúria, com cultura de recomendação: C, Nível de evidência: 3):
urina negativa), devem-se realizar testes para a pes- As biópsias de bexiga podem ser consideradas em en-
quisa de Chlamydia trachomatis, Mycoplasma, Urea- saios de pesquisa ou para excluir outros diagnósticos
plasma, espécies de Corynebacterium, espécies de específicos, como neoplasia vesical, quando clinica-
Candida e Mycoplasma tuberculose.(2) Recomenda-se a mente indicadas.(6) O fluxograma para diagnóstico da
realização de citologia do sedimento urinário nos ca- SBD/CI é exposto na Figura 1.
sos de hematúria microscópica ou na presença de ou-
tros fatores de risco para neoplasia vesical, como, por
exemplo, tabagismo.(3)
Suspeita clínica
Cistoscopia (RECOMENDADA, Grau de de SBD/CI
recomendação: C, Nível de evidência: 3):
A cistoscopia apresenta resultado normal (exceto pelo Hematúria,
desconforto e pela redução da capacidade “funcional” tabagismo ou
Identificação de
da bexiga) na maioria das pacientes com SBD/CI. As úl- fatores de risco:
outra causa para Anamnese +
ceras ou lesões de Hunner podem ser encontradas com excluir neoplasia
os sintomas: Exame físico
ou sem hidrodistensão, sob anestesia, em aproximada- vesical (CP
investigação
EQU + Urocultura de sedimento
mente 16% das pacientes. As úlceras de Hunner estão e tratamento
urinário,
associadas a sintomas mais graves e a uma capacidade específicos
cistoscopia,
cistométrica reduzida.(4) biópsia)
rias. Os efeitos adversos mais comuns são: halitose e fecção do trato urinário, hematúria, aumento do volume
sensação de queimação no baixo ventre após a primeira residual pós-miccional, necessidade de autossondagem
instilação (o que usualmente melhora após a segunda temporária. É um tratamento oneroso e não está ampla-
instilação). A dose preconizada é de 50 mL da solução mente disponível em todos os centros.(2,11)
a 50% mantida intravesicalmente por 60 minutos, uma Neuromodulação sacral: é uma opção terapêutica
vez por semana, durante seis semanas. Após a terapia quando houve falha de outros múltiplos tratamentos.
inicial, podem ser necessárias aplicações mensais para Estudos observacionais têm mostrado que 42% a 95%
a manutenção dos benefícios.(2,7) das pacientes melhoram pelo menos 50% em relação
Heparina: é um análogo de GAG, que não apresen- aos sintomas urinários e à dor. É uma opção terapêuti-
ta absorção sistêmica ao ser usado intravesicalmente, ca onerosa e que não está amplamente disponível. As
assim conferindo poucos efeitos adversos à terapia. pacientes devem ser orientadas quanto aos efeitos ad-
Estudos não controlados relatam benefícios da hepa- versos: desconforto local, infecção, falha mecânica do
rina como único componente de instilação vesical em dispositivo, necessidade de reintervenção.(2,11)
pacientes com SBD (56%-73% dos pacientes em três
meses). A dose preconizada é de 20.000 UI diluídas em PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS RADICAIS
10 mL de solução fisiológica mantida intravesicalmente
por 60 minutos, uma vez por semana, durante seis se- Algumas séries de casos relatam a realização de deriva-
manas.(2,7,11) ção urinária com ou sem cistectomia em pacientes com
Ácido hialurônico: parece que essa substância pode SBD/CI. Trata-se de uma terapia de exceção, reservada
melhorar ou recriar a camada de GAG. Os estudos ob- aos raros casos que sejam refratários a todas as outras
servacionais têm descrito índices variados de resposta possibilidades terapêuticas e mantenham sintomatolo-
(30% a 87%).(2) gia incapacitante relacionada à SBD/CI.(2,7,11)
Pentosan polissulfato (PPS) intravesical: o PPS é um
análogo da heparina, que pode repor a camada defi- OUTRAS TERAPIAS
ciente de GAG. O PPS intravesical isolado ou em com- Fisioterapia: a fisioterapia do assoalho pélvico deve
binação com o PPS oral é uma opção no tratamento de ser recomendada para pacientes com SBD/CI e disfunção
SBD/CI.(7,11) do assoalho pélvico com a segunda linha terapêutica.
Lidocaína: a lidocaína é um anestésico local que Muitas vezes, essa disfunção da musculatura do assoa-
pode ser mais bem absorvido pela bexiga na presen- lho pélvico deve-se ao aumento do tônus muscular.(2,13)
ça de alcalinização da urina pelo bicarbonato de sódio. Acupuntura: vem sendo amplamente utilizada no ma-
Diversos estudos observacionais mostraram benefício nejo das dores crônicas. Estudos randomizados mostra-
dessa terapia na melhora da dor aguda relacionada à ram benefício dessa técnica em pacientes com SBD/CI,
SBD/CI, tornando essa droga uma opção para alívio, em apesar de haver dificuldade de diferenciar o efeito pla-
curto prazo, dos sintomas das pacientes. cebo da inserção das agulhas nesses protocolos.(4,13)
O fluxograma completo para o tratamento da SBD/CI
PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS está na Figura 2.
POUCO INVASIVOS
Os procedimentos cirúrgicos são considerados a quarta RECOMENDAÇÕES FINAIS
linha terapêutica no tratamento da SBD/CI.(2,7) 1. Os sintomas clínicos clássicos da SBD/CI incluem:
Hidrodistensão: mesmo com a falta de dados de es- dor ou desconforto pélvico, aumento da frequência
tudos randomizados, a hidrodistensão de curta duração miccional, noctúria e urgência miccional (C).
e baixa pressão permanece sendo um dos tratamentos 2. A característica mais consistente é o aumento
mais usados para SBD/CI. Estudos observacionais têm do desconforto pélvico com o enchimento
mostrado eficácia de 30%-54% em um mês, 18%-56% em da bexiga e um alívio com a micção (C).
dois a três meses e 0-37% entre cinco e seis meses.(2,11) 3. O exame de urina deve ser realizado
Tratamento endoscópico da lesão de Hunner: a res- em todas as pacientes para excluir
secção ou ablação endoscópica da lesão de Hunner tem hematúria significativa e infecção (C).
mostrado benefício significativo em estudos observa-
cionais de pacientes com SBD/CI. Uma vez que as lesões 4. A cistoscopia não é necessária para fazer o
frequentemente são recorrentes, podem ser necessárias diagnóstico, mas pode adicionar informações
novas abordagens ao longo do tempo.(2,7,11) sobre a presença de achados intravesicais
Toxina botulínica A (BTX-A): é uma opção para pa- consistentes com SBD/CI e/ou pode ser
cientes refratárias a outros tratamentos. A duração do indicada para excluir outras condições (C).
resultado é de 9 a 10 meses, e a resposta parece man- 5. SBD/CI é um diagnóstico clínico baseado na
ter-se com repetidas injeções. As pacientes devem ser presença de sintomas característicos e na
orientadas sobre os efeitos adversos em potencial: in- exclusão de outras etiologias dos sintomas (D).
Figura 2. Fluxograma para o tratamento da síndrome da bexiga 4. Peters KM, Killinger KA, Mounayer MH, Boura JA. Are ulcerative
and nonulcerative interstitial cystitis/painful bladder syndrome
dolorosa/cistite intersticial
2 distinct diseases? A study of coexisting conditions. Urology.
2011;78(2):301-8.
5. Chambers GK, Fenster HN, Cripps S, Jens M, Taylor D. An assessment
6. O tratamento não é curativo e o objetivo é of the use of intravesical potassium in the diagnosis of interstitial
proporcionar alívio dos sintomas para alcançar cystitis. J Urol. 1999;162(3 Pt 1):699-701.
uma qualidade de vida adequada (A). 6. Denson MA, Griebling TL, Cohen MB, Kreder KJ. Comparison of
7. O tratamento deve ser iniciado com medidas cystoscopic and histological findings in patients with suspected
interstitial cystitis. J Urol. 2000;164(6):1908-11.
educativas e conservadoras (B).
7. Tirlapur SA, Khan KS. An assessment of clinicians’ and patients’
8. A amitriptilina no Brasil, geralmente, é a medicação experiences in the management of bladder pain syndrome. J
inicial, de escolha (B). Na falha dela, o PPS (D) e/ou Obstet Gynaecol. 2016;36(2):241-5.
a hidroxizina (C), principalmente em pacientes com 8. Bassaly R, Downes K, Hart S. Dietary consumption triggers in
histórico de alergias, podem ser considerados. interstitial cystitis/bladder pain syndrome patients. Female Pelvic
Med Reconstr Surg. 2011;17(1):36-9.
9. A fisioterapia do assoalho pélvico deve ser 9. Shorter B, Lesser M, Moldwin RM, Kushner L. Effect of comestibles
recomendada para pacientes com SBD/ on symptoms of interstitial cystitis. J Urol. 2007;178(1):145-52.
CI e disfunção do assoalho pélvico (A). 10. Santos TG, Schreiner L, Nygaard CC, Nicele PS, Thainá S.
Síndrome da bexiga dolorosa. In: Gonçalves MA, Badalotti
10. Procedimentos cirúrgicos que são considerados a M, Petracco A. Ginecologia básica e avançada. Porto Alegre:
quarta linha terapêutica no tratamento da SBD/CI: EDIPUCRS; 2017. p. 441-5.
10.1. Hidrodistensão: mesmo com a falta 11. Santos TG, Miranda IA, Nygaard CC, Schreiner L, Castro RA,
de dados de estudos randomizados, Haddad JM. Systematic review of oral therapy for the treatment of
symptoms of bladder pain syndrome: The Brazilian guidelines. Rev
permanece sendo uma opção na falha de Bras Ginecol Obstet. 2018;40(2):96-102.
outras terapêuticas menos invasivas (C); 12. Sant GR, Propert KJ, Hanno PM, Burks D, Culkin D, Diokno AC, et
10.2. Toxina botulínica A: é uma opção al.; Interstitial Cystitis Clinical Trials Group. A pilot clinical trial of
oral pentosan polysulfate and oral hydroxyzine in patients with
para pacientes refratárias a outros interstitial cystitis. J Urol. 2003;170(3):810-5.
tratamentos. A duração do resultado é
13. Cummings TM, White AR. Needling therapies in the management of
de 9 a 10 meses e a resposta parece se myofascial trigger point pain: a systematic review. Arch Phys Med
manter com repetidas injeções (C); Rehabil. 2001;82(7):986-92.