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Estado do Rio Grande do Sul

Secretaria da Saúde
Escola de Saúde Pública
Residência Integrada em Saúde
Programa de Residência de Gestão em Saúde
Disciplina: Seminário Integrado de Gestão em Saúde I

Texto Reflexivo relativo ao Módulo I – SUS e Gestão em Saúde

Residente R2 Cesare Schneider Vicente

Porto Alegre/RS
Abril de 2022
Os eixos trabalhados no módulo I da disciplina de Seminário Integrado de Gestão em
Saúde I, quais sejam, “SUS: conquistas e desafios” e “O SUS e o avanço da privatização na
saúde”, foram introduzidos e postos em discussão junto à turma de residentes mediante a leitura
crítica de textos de autoria de Arouca (2007) e Fleury (2009), relativamente ao primeiro eixo,
e de Trevisan e Junqueira (2007) e Bahia e Scheffer (2018) no que concerne o segundo eixo de
estudo.

Relativamente ao eixo “SUS: conquistas e desafios”, o depoimento de Arouca (2007)


oferece uma perspectiva de construção do ideário de saúde pública estabelecido a partir da
década de setenta no Brasil, traçando um paralelo entre o desenvolvimento da questão sanitária
e a luta pela redemocratização do país, o qual se encontrava sob o mando de uma ditadura civil-
militar desde 1964. Tal construção, segundo o depoente, possibilitou o desenvolvimento teórico
de um sistema único e universal de saúde e, também, o desenvolvimento prático da
municipalização da saúde, elementos que foram objeto de amplo debate na 8ª Conferência
Nacional de Saúde de 1986. Tal evolução culminaria, em outubro de 1988, na própria criação
do Sistema Único de Saúde (SUS) através da promulgação do Texto Constitucional.

Ainda na senda deste eixo, o artigo de Fleury (2009) constrói, mediante observação
crítica do processo de criação e desenvolvimento do SUS e abarcando os sistemas de proteção
social que o precederam, um raciocínio de ruptura com os modelos de Estado e de cidadania
anteriores ao Sistema Único de Saúde como resposta à mobilização social que a precede o qual,
contudo, encontra óbice nas convergências e divergências hipertróficas dos elementos
constituintes da Reforma Sanitária brasileira, quais sejam, a subjetivação da saúde enquanto
processo de individualização e/ou comunitarismo, a constitucionalização da saúde enquanto
fator que encoraja a judicialização, e a institucionalização da saúde enquanto fator
burocratizante dos processos sociais.

Da leitura crítica dos textos e após debate em aula, chega-se à conclusão de que o
Sistema Único de Saúde, em um primeiro momento, é fruto da conjuntura do desenvolvimento
teórico da saúde coletiva nos espaços acadêmicos com posições à esquerda no espectro político
e da experiência prática estabelecida em municípios brasileiros após o retorno das eleições
municipais diretas em 1972. Ademais, conclui-se que os espaços de debate e desenvolvimento
da saúde pública mostravam-se favoráveis às iniciativas democráticas ao passo em que
ofereciam oportunidades de troca entre teóricos, gestores e a população assistida sem
subjugação entres os diversos grupos envolvidos, como ocorreu na 8ª Conferência.

Em um segundo momento, após a criação e a estruturação institucional do SUS, conclui-


se que essa encontrou óbice no seu próprio desenvolvimento institucional vez que a sua
burocratização representou, na realidade, o engessamento do sistema e da natureza disruptiva
da Reforma Sanitária que o instituiu. Assim, ainda que o SUS represente conquista e avanço
sociais, o seu desenvolvimento foi caraterizado pela excessiva regulamentação de caráter
paralisante, impondo barreiras mais do que abrindo caminhos.

No que concerne o eixo “O SUS e o avanço da privatização”, Trevisan e Junqueira


(2007) expõem os descompassos gerenciais na implementação do SUS ao longo de sua
existência ao afirmar que as pressões pela redução dos custos estatais, próprias do
neoliberalismo que vigeu no cenário político-econômico brasileiro durante as décadas de 1980
e 1990, as quais afetaram a proposta de universalidade do Sistema, em convergência com o
paradoxo da descentralização das decisões operacionais mediante a centralização dos repasses
financeiros, impuseram ao impõem ao SUS gargalos operacionais e financeiros.

Bahia e Scheffer (2018), por sua vez, analisam o impacto das dificuldades operacionais
do SUS no surgimento de sistemas de saúde paralelos representados pelos planos de saúde
privados e pelos repasses de verbas públicas as entidades privadas, fatores que implicam no
ideário popular a noção de suplementaridade do SUS e não da inciativa privada.

No tocante ao debate ocorrido em aula e disparado pelos textos citados, chega-se à


conclusão de que a precarização do Sistema Único de Saúde, estabelecida pelo mal uso da
máquina pública, interessa ao setor privado ao passo que o sobpõe aos planos privatizados de
saúde e à “eficiência” do serviço privado, estabelecendo no imaginário popular a noção de que
o SUS não funciona e, por isso, deve ser o último recurso a ser procurado em caso de agravo
ou doença.

Entre os atos de precarização, destaca-se o vácuo de sistematização eficiente do SUS no


que se refere à municipalização ao passo que o repasse de verbas e a instituição de políticas em
saúde vinham sendo estabelecidos de cima para baixo, como “atos de Brasília”. Ainda nesse
sentido, conclui-se que a ideia de que o SUS foi instituído a golpes de portaria, como refere
Misocksky (2003, apud Bahia e Scheffer, 2018), se apresenta como sintoma desta precarização,
visto que os seus parâmetros institucionais e financeiros mudam ao sabor da ideologia do agente
político de ocasião que assuma o controle sobre as políticas de saúde.

Por todo o exposto, da leitura dos textos e dos debates havidos em aula, depreende-se
que a trajetória do Sistema Único de Saúde, desde os processos que o antecederam até a sua
institucionalização pós Constituição Federal de 1988, é marcada pela sua gênese democrática e
descentralizada que, ao se afirmar e exigir regulamentação, acabou por encontrar óbices ao seu
próprio desenvolvimento através da sua manipulação política, sendo engessado por atos e
repasses centralizados na União em conjunto com os interesses privados em sedimentar no
entendimento popular o caráter suplementar do SUS relativamente aos serviços de saúde
privados.

Desse modo, cabe aos novos gestores, sabedores das origens democráticas do SUS,
resgatar o ideário que o instituiu, aproveitando as contribuições havidas na sua
institucionalização com vistas críticas ao seu controle excessivo por parte de agentes políticos
envolvidos, reestabelecendo o caráter descentralizado e de atuação em rede dos serviços de
saúde.
Referências:

AROUCA, Sérgio. Saúde e Democracia: reflexão acadêmica e ação política –


depoimento de Sérgio Arouca, p. 43-59. In: BRASIL, Conselho Nacional de Secretários
Municipais. Movimento Sanitário Brasileiro na década de 70: a participação das universidades
e dos municípios – memórias. Brasília, DF: Conasems, 2007.

BAHIA, Ligia; SCHEFFER, Mario. O SUS e o setor privado assistencial:


interpretações e fatos. Saúde debate [online],v.42, n3, p.158-171, 2018. Disponível em:
https://doi.org/10.1590/0103-11042018s312

FLEURY, Sonia. Reforma sanitária brasileira: dilemas entre o instituinte e o


instituído. Ciênc. saúde coletiva [online], v.14, n.3, p.743-752, 2009. Disponível em:
https://doi.org/10.1590/S1413-81232009000300010

TREVISAN, Leonardo Nelmi; JUNQUEIRA, Luciano Antonio Prates. Construindo o


"pacto de gestão" no SUS: da descentralização tutelada à gestão em rede. Ciênc. saúde
coletiva [online], v.12, n.4, p.893-902, 2007. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-
81232007000400011

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