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Introdução
As infecções no sistema nervoso são um grupo diverso de enfermidades provocadas por vários
agentes etiológicos e com evoluções e prognósticos distintos. Seu espectro é amplo e inclui desde
meningites virais autolimitadas e de bom prognóstico até quadros bacterianos de evolução fatal em poucas
horas.
Diversos fatores, como duração das manifestações neurológicas e sistêmicas, idade, presença de
comorbidades ou imunossupressão, sazonalidade ou moradia em área endêmica para algumas infecções,
podem determinar os agentes etiológicos mais prováveis. Do mesmo modo, embora os processos
infecciosos do SNC frequentemente acometam o parênquima encefálico e as meninges
(meningoencefalites), em alguns casos, ocorre o acometimento somente de um dos compartimentos
descritos (encefalites ou meningites).
Meningites Agudas
Etiologia
Epidemiologia
Grupo Bactérias
< 3 meses S. agalactiae, E. coli, L. monocytogenes
> 3 meses e < 18 anos N. meningitidis, H. influenzae, S. pneumoniae
> 18 anos e < 50 anos N. meningitidis e S. pneumoniae
> 50 anos S. pneumoniae, N. meningitidis,L monocytogenes, Gram-negativos
Imunossupressão L. monocytogenes, Gram-negativos, S. pneumoniae
TCE, neurocirurgia S. aureus, Gram-negativos, S. pneumoniae
Tabela 2: Bactérias causadoras de meningite. Fonte: Fundamentos das doenças infecciosas e parasitárias, 1 ed, 2019
Manifestações clínicas
A tríade clássica das meningites é composta por cefaleia, rigidez de nuca e febre, embora todos os
achados sejam encontrados ao diagnóstico somente em cerca de 50% dos casos. Nos casos de meningite
bacteriana, a instalação do quadro pode ocorrer entre algumas horas e poucos dias. A meningite purulenta
bacteriana, por seu caráter agudo e potencial de mortalidade, deve ser reconhecida e tratada prontamente.
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Além da tríade clássica, outros achados frequentes são: confusão mental, vômitos e paralisia de
nervos cranianos. Sinais focais são observados em 10% a 20% e podem refletir a presença de uma
complicação do processo inflamatório (abscesso cerebral, vasculite, empiema subdural ou trombose de
seio venoso). Em 30% dos casos, podem ocorrer convulsões. A presença de papiledema bilateral, quando
observada, representa o aumento da pressão intracraniana.
Figura 1: Sinais de rigidez de nuca. Sinal de Kernig: flexão do joelho e da coxa na posição supina. Sinal de Brudzinski: flexão do
quadril e dos joelhos em resposta à flexão passiva do pescoço. Fonte: http://www.ufjf.br/microbiologia/files/2013/05/Aula-de-
Meningites-2018-claudio.pdf.
Algumas condições associadas ao agente etiológico (bactéria ou cepa), à idade, à resposta específica
ou a comorbidades, como asplenia e doenças hematológicas, predispõem a quadro septicêmico com
vasculite e intenso processo inflamatório, geralmente associado a N. meningitidis e S. pneumoniae. É
caracterizado por toxemia grave, com presença e disseminação de hemorragias de pele iniciadas por
petéquias, podendo evoluir em minutos ou horas para hipotensão arterial, choque e óbito.
Não há como diferenciar clinicamente a meningite bacteriana da meningite viral. Ambas podem
cursar com todas as manifestações de irritação meníngea e hipertensão intracraniana. Contudo, nos casos
de meningite viral, geralmente o quadro clinico é mais brando e o estado geral está preservado. Exantema,
diarreia, artralgias e sintomas respiratórios podem estar presentes, dependendo do vírus envolvido.
Diagnóstico
O diagnóstico das meningites se baseia no isolamento do agente no LCR. Entretanto, diversos outros
parâmetros podem ser utilizados no auxílio ao diagnóstico e na determinação do tratamento empírico até
a confirmação por cultura, métodos sorológicos ou de biologia molecular. De modo geral, a punção lombar
pode ser realizada sem a necessidade de exames de imagem (tomografia computadorizada [TC] ou
ressonância magnética [RM]), exceto nas condições descritas a seguir: Presença de déficit neurológico
focal; Histórico de doença neurológica prévia; Crise convulsiva; Presença de papiledema; Alteração do nível
de consciência; Imunossupressão.
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Diagnóstico diferencial
As meninges podem ser acometidas por neoplasias, processos autoimunes ou apresentar reação
inflamatória a fármacos ou sangue no espaço subaracnóideo. O quadro clínico decorrente é muito
semelhante a um processo infeccioso, e tais hipóteses devem sempre ser consideradas nos casos em que
não há isolamento em culturas, métodos sorológicos ou de biologia molecular.
Diagnóstico Características
Uso prévio de anti-inflamatórios, sulfonamidas, isoniazida,
Meningite química
quinolonas, azatioprina
Histórico de neoplasia. Detecção de células neoplásicas no
Meningite neoplásica
LCR
Cefaleia intensa de início súbito. Tomografia de crânio com
Hemorragia subaracnóidea
imagem hiperdensa no espaço subaracnóideo
Meningismo secundário a processos Presença de processos infecciosos nesta localização. LCR
infecciosos na face e pescoço normal ou com discretas alterações
Doenças autoimunes (sarcoidose,
Presença de sinais e sintomas sistêmicos relacionados com a
doença de Behçet e síndrome de
enfermidade
Sjögren)
Tabela 4: Diagnóstico diferencial das meningites bacterianas e virais. Fonte: Fundamentos das doenças infecciosas e
parasitárias, 1 ed, 2019.
Tratamento
O paciente com meningite aguda deve ser sempre considerado potencialmente grave e deve
sempre ser atendido em unidade especializada e com disponibilidade de cuidados intensivos. As primeiras
medidas no tratamento das infecções do SNC visam à proteção de vias aéreas e ventilação, tratamento do
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choque e hipertensão intracraniana, seguidas pela coleta de exames e pela decisão sobre início de
antibioticoterapia empírica para meningite bacteriana.
Tabela 6: Tratamento de meningite bacteriana aguda de acordo com o agente etiológico. Fonte: Fundamentos das doenças
infecciosas e parasitárias, 1 ed, 2019.
Em relação às meningites virais, o tratamento de suporte é, na maior parte dos casos, suficiente
para o controle do quadro. Hidratação, uso de antieméticos para controle das náuseas/vômitos e anti-
inflamatórios para cefaleia podem ser empregados quando necessários. Em casos decorrentes de infecção
por HSV-2 ou VZV, podem-se utilizar aciclovir 10 mg/kg, de 8/8 horas, por 14 dias. A resolução da maior
parte dos casos ocorre entre 7 e 10 dias.
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Prognóstico
O prognóstico das meningites virais é muito bom. A maior parte dos pacientes recupera-se sem
sequelas. Em relação às meningites bacterianas, a mortalidade estimada é de cerca de 20%, sendo maior
nos casos de infecção por S. pneumoniae quando comparados aos de N. meningitidis (30% vs. 7%). Um
percentual considerável dos pacientes sobreviventes (cerca de 30%) apresenta sequelas neurológicas
como: surdez, déficit cognitivo, crises convulsivas ou déficits neurológicos focais. Diversos fatores estão
associados a uma pior evolução clínica, a saber: idade avançada, presença de hemoculturas positivas,
ausência de pleocitose no LCR, coma na admissão e trombocitopenia.
Encefalites
Etiologia
Quase todos os vírus já foram relacionados com casos de encefalite, porém, a causa mais comum
de encefalite esporádica em todo o mundo é o HSV-1, responsável por 20% dos casos, sendo mais frequente
em adultos que em crianças. Outros vírus importantes são: VZV, EBV, o do sarampo, o da caxumba,
enterovírus e arboviroses (dengue, vírus do oeste do Nilo, encefalite japonesa, St. Louis). Recentemente,
novos casos têm sido relacionados como vírus pouco conhecidos, como o hendra e o nipah. Em pacientes
imunossuprimidos, CMV, HSV-2, HHV-6 e HHV-7 podem ocasionalmente causar lesão ao parênquima
cerebral.
Manifestações clínicas
O quadro clínico característico das encefalites é composto pela síndrome febril associada a
convulsões, alteração do nível de consciência e/ou comportamento. Sinais focais podem ou não estar
presentes e refletem a localização das lesões. A presença de alguns achados pode ajudar no direcionamento
dos exames para o correto diagnóstico. Por exemplo, a presença de parotidite é sugestiva de caxumba e
um exantema com distribuição em um dermátomo sugere VZV. A presença de sinais de acometimento do
neurônio motor (arreflexia, hipotonia, fraqueza muscular) é observada em pacientes com vírus do oeste do
Nilo e infecções por Enterovirus 71.
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A apresentação clínica da encefalite por HSV é, na maioria das vezes, semelhante a de outras
encefalites virais. Contudo, devido a uma predileção pelo acometimento da porção inferomedial dos lobos
frontal e temporal, achados como anosmia, alucinações olfativas e gustatórias, convulsões parciais
complexas, alterações de comportamento, afasia e hemiparesia podem ser observados. Lesões labiais
herpéticas não são encontradas na maioria dos pacientes e, portanto, sua ausência não afasta o
diagnóstico.
Diagnóstico
O isolamento do agente etiológico é primordial já que as encefalites são associadas à alta morbidade
e mortalidade, porém são potencialmente tratáveis. Em todos os casos suspeitos, deve-se obter LCR através
de punção lombar seguindo os mesmos cuidados já descritos =. O aspecto mais comum é de um LCR límpido
ou turvo, podendo ser hemorrágico nos casos de encefalite herpética. A pressão de abertura
frequentemente está elevada (> 20 cmH2O). Normalmente, observa-se uma pleocitose com predomínio
linfocítico (50-500 células/mm3). A glicorraquia está normal ou diminuída, e as proteínas encontram-se em
níveis normais ou aumentados. O isolamento através de cultura para vírus é difícil e lento tendo sido
substituído gradativamente pela análise através de técnicas de biologia molecular. Ao contrário das
meningites, o acometimento mais extenso do parênquima cerebral resulta frequentemente em alterações
nos exames de imagem.
Diagnóstico diferencial
Tratamento
A abordagem inicial é semelhante a das meningites agudas no que concerne a abordagem e manejo
das complicações cardiorrespiratórias. Como a sede principal do processo inflamatório é o parênquima
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cerebral, o edema tecidual pode levar à hipertensão intracraniana. Corticoesteroides têm efeito deletério
e não são empregados. A alternativa em casos com edema importante e desvio de linha média é a
craniectomia descompressiva.
Como a encefalite por HSV-1 é a mais prevalente e está associada a uma alta mortalidade se não
tratada imediatamente (70%), casos suspeitos devem ser considerados como tal. Deve-se iniciar
prontamente aciclovir por via intravenosa na dose de 10mg//kg de 8/8h a partir da suspeita clínica, mesmo
antes da realização da punção lombar. Nos casos confirmados de infecção por HSV-1, HSV-2 ou VZV, o
tratamento deve ser mantido por 14-21 dias. Se tratada rapidamente, a mortalidade é de 20-30%. Quando
o aspecto radiológico não for característico e a PCR para HSV-1 for negativa, a medicação pode ser suspensa
com segurança. Em casos duvidosos (suspeita clínica e imagem radiológica compatíveis), onde a PCR é
negativa e nenhum outro diagnóstico foi estabelecido, aciclovir na dose acima deve ser mantido por 14
dias.
Nos casos de encefalite por CMV ou HHV-6, o ganciclovir e/ou foscarnet por via intravenosa são os
fármacos de escolha.
Prognóstico
A mortalidade da encefalite por HSV-1, caso não tratada, é de 70%. Após o uso do aciclovir, a
mortalidade diminuiu para 20% a 30%. O fator mais importante para o prognóstico é a demora para o início
do tratamento antiviral. Sequelas são comuns entre os sobreviventes, principalmente déficits cognitivos e
crises convulsivas.
Referências Bibliográficas
1. Coura, José Rodrigues. Pereira, Nelson Gonçalves. Fundamentos das doenças infecciosas e parasitárias.
1. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2019.
2. Martins et al. Clínica médica USP, volume 7: alergia e imunologia clínica, doenças da pele, doenças
infecciosas e parasitárias. 2. Ed. Barueri, SP: Manole, 2016.
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