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Nascido em 1902, e psicólogo pratico desde 1927, Dr.Carl Rogers passou cerca de 15
anos acreditando que o papel do psicoterapeuta era apenas o de manter-se a parte quanto
a seus sentimentos em relação ao paciente. Assim distanciado ,pensava ele, ficava mais
fácil enxergar as soluções adequadas. Depois de experiências vividas com alunos e com
pessoas que vinham à procura de ajuda, Rogers acabaria percebendo, no entanto,que
quanto mais se abria como pessoa no relacionamento com o paciente mais efetivo e
rápido tornava-se o sucesso do tratamento. E através do desenvolvimento dessa idéia se
afastando cada vez mais da psicologia tradicional ou freudiana e da psicologia do
comportamento , ao ponto de hoje confessar que acredita ser “um fenômeno
embaraçosamente doloroso para os psicólogos acadêmicos”.
Hoje, Carl Rogers, dedica-se, junto seus colegas do Centro para Estudos da Pessoa, em
La Jolla. Califórnia, onde é professor residente, à organização de grupos de encontro
onde os pacientes entram em comunicação uns com os outros e pouco a pouco vão se
descobrindo e se livrando de seus mal-estares emocionais. Há um mês no Brasil
acompanhado por quatro membros de sua equipe, Rogers participa, na Aldeia de
Arcozelo, no Rio de Janeiro, do primeiro Encontro Centrado na Pessoa, no Brasil. Lá,
durante duas horas, ele concedeu esta entrevista a "VEJA".
ROGERS – Ela não é uma solução para todos os problemas do mundo, mas pode
ajudar muito na solução dos problemas psicológicos e sociais. Pode ajudar o individuo a
crescer em direção a uma personalidade mais normal , mais expansiva. A psicologia
humanista tem os instrumentos para reconciliar diferenças, para ajudar as pessoas a
observarem os pontos de vista dos outros.
VEJA – Um governo com uma visão humanista não seria , então, mais poderoso que
uma psicologia humanista?
ROGERS – Para mim, isso é um sonho, mas seria bom esquematizar uma utopia com
um governo humanista.Quanto mais um governo acredita num ponto de vista humanista
possibilidades existirão de promover um clima no qual os cidadãos possam crescer e
trabalhar junto mais harmoniosamente, e no qual haverá mais compreensão,ou
respostas, as suas necessidades. Mas não vejo nenhuma possibilidade do que eu
chamaria de um governo humanista.
ROGERS – Na terapia de um-para-um, o cliente sente que é um milagre que ele possa
ser aceito e compreendido – mas será que alguém mais o compreenderá? Em um grupo
de encontro, ele logo percebe: “Todas essas pessoas me aceitam? E nem ao menos estão
sendo pagas para isso?” E isso é muito forte, pois provoca o sentimento de que, “quem
sabe, eu sou uma pessoa aceitável”. Nesse sentido, o grupo de encontro pode ser de
maior efeito que a terapia individual.
VEJA – Por que o senhor chama de “facilitadores” os lideres dos grupos de encontro?
ROGERS – Porque o termo “líder” implica que uma pessoa sabe para onde o grupo irá
se dirigir e o orientará nessa direção. Então eu prefiro chamá-lo de “facilitador”, porque
minha idéia de seu propósito no grupo é a de que ele deve permitir que as pessoas se
expressem sem saber onde isso as levará. Ele facilita essas expressões do grupo mas não
controla sua direção. O facilitador pode saber alguma coisa sobre o processo de grupos
e o mesmo é verdadeiro para a terapia. O tipo de terapeuta que eu gosto é o que age
como um facilitador, pois não tem noção do que surgirá na terapia, ou que direções a
pessoa escolherá para si mesma.
VEJA – E, se ocorrer uma crise dramática dentro do grupo, o facilitador deve então
fazer o papel de líder?
ROGERS – Não, não! O facilitador inexperiente pode se sentir tentado a fazê-lo, mas o
experiente procurará acreditar no grupo. Lembro-me do que aconteceu com um membro
de nossa equipe quando um homem sofreu uma terrível crise psicótica, numa sessão de
grupo de encontro. As pessoas entraram em pânico e exigiram que o facilitar fizesse
alguma coisa, mas ele se manteve calmo e fez com que o grupo discutisse sobre que
atitude tomar. Algumas pessoas que se sentiram mais próximas ao homem tentaram
conversar com ele, mas o grupo ainda achava que ele deveria ser internado. Pediram-lhe
então que voltasse ao grupo, discutiram seus sentimentos e suas preocupações com ele.
No fim, tudo foi resolvido e mais tarde ele fez terapia, sem hospitalização. O ponto é
que o grupo, como um todo, é capaz de agir muito mais sabiamente do que uma pessoa
sozinha.
VEJA – As qualidades essenciais para um facilitador podem ser ensinadas ou são
naturais?
ROGERS – A razão mais profunda foi nunca ter sentido que as pessoas que me
procuram eram “pacientes”. Não eram doentes, e sim pessoas em dificuldade. Então,
qual o termo mais apropriado ? Em inglês, “cliente” é aquele que vem buscar o seu
serviço. Mas ele ainda é responsável por si mesmo.
ROGERS – Fui muitas vezes acusado de não compreender a maldade nas pessoas – e
levo a sério este tipo de critica , isso pode até ser verdade. Mas cheguei a uma posição,
não através de pensamentos passivos mas através de meus contatos diretos com pessoas
, tanto em terapia quanto em grupos, ou mesmo em salas de aula, nos quais percebi que,
se confio plenamente em sua capacidade de se compreenderem melhor e ser mais
autodirigidas, essas escolhem direções que são sociais e não anti-sociais, ou más. Dizem
que com esse tipo de terapia o individuo pode muito bem ser um melhor ladrão ou um
melhor assassino , e para mim essa é uma possibilidade bastante lógica. Mas, de acordo
com minhas experiências , isso simplesmente não acontece. Se ofereço a uma pessoa a
possibilidade de se expressar, de buscar suas próprias direções, ela não escolhe ser um
melhor ladrão ou coisa semelhante, mas procura seguir a direção de maior harmonia
com seus companheiros.
ROGERS – Não isso não é verdade . A pessoa se desenvolverá mas o crescimento será
sempre doloroso. Quando os potenciais humanos são desenvolvidos, a vida se torna
mais complexa. As pessoas se descartam de seus velhos problemas deixando-os para
trás, mas , quando vão em frente, encaram novos problemas , talvez tão difíceis com os
anteriores – porém mais excitantes, pois elas aí estão mais conscientes e mais prontas a
lidar com eles. Portanto o prazer de ser mais independente, mais real e mais livre é mais
que suficiente para contrabalançar a dor e a dificuldade que advêm deste tipo de
crescimento. Para a máxima curiosidade e aprendizagem desse tipo , tanto as crianças
quanto os adultos precisam de amor de um individuo , ou de um grupo, que possa criar
segurança suficiente para que a pessoa que está se desenvolvendo se atreva a tomar
riscos que a levem a essas áreas de crescimento. E essa é uma das coisas que um grupo
de encontro proporciona – a segurança de um ambiente de compreensão, com pessoas
que procuram de amar mutuamente. A habilidade de tomar riscos é um dos efeitos
básicos mais importantes de um grupo de encontro. Faço questão da palavra “risco”
porque toda aprendizagem é um risco; no entanto, é a nova aprendizagem e o novo
comportamento que tornam a vida excitante. É o que leva as pessoas a um
desenvolvimento mais completo.
ROGERS – Vejo a pessoa emergente como a que tomou o risco de viver de um modo
novo e mais humano numa sociedade que não encoraja esse tipo de aprendizagem.
Portanto, seu caminho não é fácil. São pessoas que não estão ligadas a coisas materiais ,
embora possam aprecia-las se as possuírem. Em termos de autoridade, vejo pessoas
emergentes como alguém que tem um sentimento bastante profundo, de que somente
dentro de si existe a maior fonte de autoridade, na qual pode confiar. Esta pessoa está
pronta a ouvir qualquer autoridade, mas quando se trata de seu próprio comportamento,
a escolha está unicamente, dentro de si mesma. Ela é quem avalia toda experiência e
autoridade, e toma decisões baseadas no que ela quer fazer. Na verdade , sempre existiu
uma ou outra pessoa assim. No entanto, ter um grande grupo de indivíduos tomando
decisões por si mesmo , como aconteceu nos Estados Unidos, durante a guerra do
Vietnam, quando um vasto numero de jovens simplesmente se recusou a ir para a
guerra,é realmente um novo aspecto da sociedade.