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O ouvir é uma habilidade rara. Ainda mais ouvir integralmente e com empatia o outro. Geralmente
quando se acha alguém que aparentemente ouve, pode se ter na realidade alguém que apenas fica em
silêncio ouvindo os próprios pensamentos enquanto o outro fala e que seletivamente ouve, imbuído
de preconceitos e censuras ao outro. Ouvir uma pessoa é saber que ali há um corpo que fala além de
apenas uma palavra que diz. Ouvir uma pessoa é saber que há um outro diferente de nós e não
apenas similar pelos valores cristãos. Ouvir uma pessoa é saber que apesar de convertida, é uma
pessoa com conflitos interiores, típicos do humano. É imprescindível saber que no mesmo tempo em
que a pessoa fala, nossos pensamentos de censura e repreensão, falam também. Não dê ouvidos a
eles. Apenas à fala da pessoa nesse primeiro momento. Para os cristãos, um outro Ser que falará com
você com certeza nesses momentos é o Espírito Santo de Deus. Seu agir é imprevisível no sentido do
momento e da direção que Ele quer dar para aquela pessoa.
• Aporte no AC (Aconselhamento)
Para os cristãos, a oração pode ser realizada no meio do processo de AC, antes dos questionamentos e
depois da fala inicial da pessoa. Orem e depois continue o processo.
Controle os impulsos de dar sermões e contar histórias nesse momento e de caminhar por
explanações bíblicas vagas, a pessoa quase sempre não ouvirá, a não ser a própria angústia. Por isso
ajudar a pensar essa angústia, a elaborar essa angústia biblicamente é o foco do Aconselhamento.
Muitos Aconselhamentos de cristãos são ineficazes, pois os pastores confundem a função do Púlpito
com a função gabinete. A função do Púlpito é a de expor uma Verdade Bíblica, já a função do Gabinete
é a de contrapor a angústia pessoal com a Bíblia.
A exposição da Bíblia não é um momento proibido, mas deve ser em momentos em que a capacidade
de a pessoa ouvir já se restabeleceu. O conselheiro deve estar sensível para isso.
Há momentos em que a pessoa não ouve, só fala, pois o nível de angústia é grande. Se o conselheiro
passa uma mensagem de falante, isso se irradia para a comunidade e sua função de AC fica
comprometida. Esteja atento para as motivações latentes de seu liderado. No texto Motivações
Ocultas dos Liderados explico o que é isso e como lidar com esse desafio.
Ofereça um clima de escuta sem censura, com empatia, liberdade de fala, aceitação total e interesse
em entender. Escutar é uma ciência e possui princípios que devem ser seguidos para que haja
eficiência e eficácia no processo de escuta do AC.
Ouça, ouça e ouça muito. Forneça feedback que está ouvindo, compreendendo e entendendo,
independente de estar concordando ou não com as atitudes relatadas. Não ofereça um ambiente de
censura e repreensão nessa primeira etapa de escuta. Apenas ouça, não ouça seus pensamentos e
conjecturas sobre o caso. Ouça a pessoa, sua fala, suas emoções, seus sentimentos e seu corpo que se
comunica também o tempo todo. Utilize uma atenção flutuante, que é a capacidade de ouvir tudo sem
selecionar, focar ou concentrar em partes da fala para análise paralela na mente enquanto se escuta o
outro. Essa atenção flutuante é a capacidade de oferecer escuta a toda a fala sem se focar numa parte
dela para análise ou reflexão. Às vezes o conselheiro ouve com seletividade e ao mesmo tempo em
que pensa. Isto é prejudicial.
Perguntas podem ser feitas para a escuta se aprimorar. Mas que sejam perguntas que esclareçam a
fala da pessoa. Intervenções curtas para esclarecer não devem ser feitas no momento em que a fala
representa um desabafo ou uma catarse emocional, onde o fluxo não deve ser interrompido. Para
ouvir com empatia, coloque-se no lugar da pessoa. Ela tem o direito de sentir raiva, impulsos violentos
e agressivos, afinal é um ser humano. O problema é o que ela faz com esses impulsos e como os
controla. Por isso, demonstre uma escuta acolhedora, sem repreensão, até em momentos em que ela
estiver dizendo, por exemplo ‘ai, que vontade de matar aquele homem’.
Não censure pensamentos pecaminosos de pronto. Aborde o tema depois com cuidado e pelas
‘beiradas’, quase sempre se percebera que esses pensamentos nunca seriam postos em ação. Esses
pensamentos pecaminosos são resultado de um aprendizado de vida traumático na infância, um
aprendizado emocional, um aprendizado oriundo dos pais, de como resolver problemas. Aumente a
capacidade de awareness da pessoa: aumentar a capacidade de olhar para si para os seus sentimentos
e expressões e comportamentos. Ajude-a a demonstrar suas expressões, seus sentimentos e suas
emoções. Por exemplo: ‘percebo que essa ansiedade atrapalha em muito a sua capacidade de
trabalhar em calma’, ou ‘noto que o fato de o seu marido não te ouvir causa em você uma raiva muito
grande e que você não expressa’.
Sugestões e caminhos podem ser sugeridos, mas não impostos. Antes de oferecer uma sugestão,
estimule o esclarecimento da sua situação de vida. Apenas descrever o que acontece é uma boa
técnica para pensar sobre a própria problemática. A técnica de esclarecimento difere da de reflexão na
medida em que aquela visa a descrever o que se passa nos detalhes, já a reflexão, busca ‘os porquês’,
’os pra quês’.
Isso deve ser feito em momento certo, depois que o vínculo e a confiança entre os dois se
estabeleceram. Depois que a pessoa teve um momento de escuta ativa e empática. Oferecer
confrontação logo de início sem ouvir os desabafos é um grave erro que compromete a capacidade de
a pessoa falar. Junto dessa técnica pode ser empregada a técnica do silêncio, que comunica à pessoa:
‘pense nisso agora’. A técnica do silêncio pode ser usada em diversos momentos, como no de
confrontação e no momento em que a pessoa estiver precisando elaborar por si mesma a dor que
sente. Em alguns momentos esse silêncio do conselheiro em momentos de pranto pode demonstrar
que a pessoa tem que aprender a lidar e a elaborar essa dor, pois nem sempre poderá contar com um
braço para ajudá-la. Nos momentos de pranto, silêncio e palavras confortantes podem coexistir.
• Limites de um Aconselhamento
• Fronteiras de um Aconselhamento
Vale aqui ressaltar aquela história entre um Doutor para um estudante de medicina: o estudante
pergunta: ‘Doutor, se é tão simples retirar um apêndice, por que 7 anos numa faculdade para aprender
medicina?’. E na sua sabedoria e experiência responde o Doutor: ‘Filho, retirar um apêndice é fácil,
posso te ensinar isso em 10 minutos. O que vai levar 7 anos de tempo é a aprendizagem do que fazer
quando algo der errado’.
FIM
Princípios Básicos de Aconselhamento
Dr. | Professor – Rogério Santana