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Introdução à Gerontologia

Conceito e Alterações
Fisiológicas do Envelhecimento
Professora Mayumi Kato Narita
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Introdução à Gerontologia

SUMÁRIO
Conceitos em Gerontologia 3
Envelhecimento ao longo da história 3
Senescência e Senilidade 3
Geriatria e Gerontologia 4
Dados demográficos do envelhecimento no Brasil 5
Especialização em Gerontologia 7
Alterações fisiológicas do envelhecimento 7
Avaliação Fisioterapêutica Gerontológica 8
Identificação do paciente 8
Anamnese 8
Diagnósticos médicos 8
Queixa principal do paciente 8
Hábitos e vícios 9
História pregressa da moléstia atual 9
Ocorrência de quedas 9
Medicamentos em uso 9
Exames complementares 10
Avaliação Física 10
Sinais vitais 10
Inspeção e palpação 11
Força muscular 11
Avaliação Postural 11
Amplitude de Movimento 12
Tônus muscular 12
Parâmetros respiratórios 13
Avaliação Funcional 13
Atividades de vida diária 15
Equilíbrio 16
Marcha 17
Avaliações complementares 17
Avaliação Cognitiva 17
Avaliação neuropsiquiátrica 17
Avaliação Social 18
Avaliação Ambiental 18
Diagnóstico fisioterapêutico 18
Objetivos fisioterapêuticos 19
Intervenção Fisioterapêutica Gerontológica 19
Fisioterapia nas demências 20
Referências 21

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Introdução à Gerontologia

um “fardo” para a família. Mesmo que ainda fosse ativa,


CONCEITOS EM GERONTOLOGIA
seu papel social muitas vezes se resumia a ficar em casa,
cuidando dos netos, das plantas e dos animais.
Envelhecimento ao longo da história
Felizmente, muitos destes conceitos se alteraram.
Filosoficamente, envelhecer pode ser conceituado
Mesmo que a Organização Mundial da Saúde conceitue
como um processo contínuo, que ocorre a todo instante, a
como sendo idoso aquela pessoa com mais de 60 anos
todos os seres, que se inicia desde que nascemos. Existem
para os países em desenvolvimento, como o Brasil (e
conceitos que definem o envelhecer como um processo
mais de 65 anos para os países desenvolvidos, como os
biológico, muito associado ao processo cronológico. Além
EUA), atualmente seria impossível aplicarmos os mesmos
destes conceitos, envelhecer também sempre esteve
conceitos anteriores.
muito associado à perda de força, de vitalidade, do papel
social e econômico, e de saúde.
Observamos que muitas pessoas com mais de 80
anos ainda conseguem se manter ativas, morar sozinhas,
Ao longo da história da humanidade, seu significado se
dirigir automóveis, administrar suas finanças, cozinhar,
alterou conforme o aumento da expectativa de vida, dos
cuidar de netos e manter uma rede de amigos invejável
avanços da medicina e da importância econômica e social
a muitos jovens.
das pessoas nas sociedades.

Daí surgem os conceitos de senescência e senilidade,


Na antiguidade, antes do surgimento da escrita, e
importantes na tentativa de conceituar e diferenciar o
quando a expectativa de vida girava em torno dos 30 anos,
processo de envelhecimento.
era considerado “velho” aquela pessoa sábia, detentora
dos conhecimentos e responsável pela transmissão da
identidade cultural da comunidade. Anos mais tarde, com
Senescência e Senilidade
o advento da escrita, e sem a importância da memória e da
»» Senescência: é o processo de envelhecimento pelo
detenção de conhecimento, conceituar um idoso significava
qual todas as pessoas passarão, é uma fase normal
descrever uma pessoa com declínio da capacidade física e
da vida, assim como é a adolescência. Ela está
cognitiva, “um fardo, um custo a mais para a sociedade”.
associada às alterações fisiológicas, e não somente
Na idade média, com o surgimento das guerras e a briga às doenças, é o envelhecimento saudável, natural,
pelo poder, os mais velhos foram destronados pelos mais esperado. Mas isso não significa que uma pessoa
jovens, detentores de força, esperteza e agilidade. E os com hipertensão, porém controlada, não seja
mais velhos passaram a ser ainda mais excluídos, por não considerada senescente.
conseguirem nem ajudar na lavoura, na subsistência básica. »» Senilidade: é o envelhecimento associado às
doenças, fase de vida não obrigatória, está muito
Já na sociedade moderna, com o advento da Revolução associado aos aspectos externos, como a condição
Industrial e o aumento da expectativa de vida, após ter econômica, social, psicológica, eventos de vida,
trabalhado anos nas indústrias, ter sido produtivo e gerado que prejudicam o envelhecimento normal. Existem
riquezas, com o declínio físico, aposentar-se passou a ser pessoas que não são senescentes mas já são senis.
sinônimo de envelhecer.
Para exemplificar, consideremos duas pessoas,
O individuo passava a ficar em casa, sem função, moradoras de uma mesma cidade e de mesma idade. Uma
sem renda, e muitas vezes, doente. Era admirado pela (A) que, apesar de nunca ter frequentado a escola, e ter-
história de vida, mas muitas vezes estigmatizado por ser se esforçado sozinha para conseguir ler e escrever seu
uma pessoa “lenta”, “ranzinza”, “gagá”, “esclerosada”, nome, trabalhou a vida toda como doméstica para uma

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única família, com total dedicação aos seus patrões, que Qual dos dois tem um envelhecimento mais saudável?
em reconhecimento, lhe deram uma casa e aposentadoria. Este tema gera tanto interesse da mídia que é tema de
Outra pessoa (B) que teve acesso à universidade, várias reportagens de TV. Escolhi três reportagens que
trabalhou a vida toda em escritório, sem ter tido tempo mostram como o processo de envelhecimento é individual,
para se dedicar aos filhos e ao lazer, porém também com e determinado principalmente pela vontade de querer
uma aposentadoria garantida, de valor muito superior ao viver e com saúde! Vamos assistí-los!
da primeira pessoa.
Geriatria e Gerontologia
O que todos devem estar imaginando é quem tem o
envelhecimento senescente e o senil? Seria de imaginarmos Muitos fisioterapeutas saem da graduação com o
que a pessoa A, por ter escolaridade baixa, e por ter conceito errôneo de que geriatria e gerontologia são
trabalhado a vida inteira fazendo esforço físico, apresenta sinônimos, e que irão fazer uma especialização de
mais doenças e está mais envelhecida fisicamente do que a Fisioterapia Geriátrica. Porém, têm significados diferentes.
pessoa B, e por isso apresenta um envelhecimento senil. Já Ambos estudam o envelhecimento, porém consideram
a pessoa B, por ter escolaridade alta, ter se esforçado pouco fatores diversos do envelhecimento.
fisicamente, e mais mentalmente, ter tido acesso à melhor
assistência de saúde e condições econômicas, está melhor A especialidade geriátrica só pode ser feita pelos
do que a pessoa A, e teria um envelhecimento senescente. médicos, que após a graduação, fazem residência em
geriatria, especialidade somente médica para o tratamento
Porém, o que observamos na prática, muitas vezes e cuidado dos idosos.
é o contrário. Importante lembrarmos que não existem
regras, pois ninguém tem uma vida igual à de outro, e por Já a gerontologia, é uma especialidade de todas as
isso, ninguém envelhece como ninguém, o processo de demais profissões que cuidam dos idosos, incluindo os
envelhecimento é individual. Mas neste caso, a pessoa A, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos,
por ter feito durante toda a vida o que ela mais gostava nutricionistas, dentistas, enfermeiros, educadores
de fazer, ter-se dedicado com prazer aos cuidados dos físicos, assistentes sociais, advogados, arquitetos, entre
patrões, ao reconhecimento e carinho que recebia, sendo outros. Todos estes profissionais, após realizar uma pós-
considerada inclusive como membro da família, e apesar graduação em Gerontologia, podem se submeter à uma
de ter dor em joelhos e coluna, pelo esforço de todos estes prova de titulação da Sociedade Brasileira de Geriatria e
anos, e tomar medicamentos para a dor e pressão alta, ela Gerontologia (SBGG), e obterem o título de especialista
pode ser considerada senescente. em Gerontologia.

Desta forma, um fisioterapeuta nunca será geriatra.


Já B, apesar de ter-se cuidado indo espordicamente aos
Porém, um geriatra, além de obter o título de especialista
melhores médicos, tem hipertensão arterial, colesterol alto
em geriatria pela SBGG, pode também prestar a prova de
e diabetes, pelo estresse do trabalho diário no escritório.
gerontologia, e obter o título de especialista em Gerontologia.
Não bastassem estes problemas, ainda tem atritos diários
com sua esposa e familiares, por estar ausente na maioria
O geriatra tem como foco principal o cuidado físico do
das festividades e viagens. E recentemente, tem-se sentido
idoso, considerando os efeitos das alterações fisiológicas
fraco, muito cansado, irritado e triste, com provável e patológicas no indivíduo, realizando o diagnóstico,
diagnóstico de depressão. Tudo agravado pelo fato de estar solicitação de exames, prescrição de medicamentos,
aposentado, mas não poder se afastar da empresa porque cirurgias, intervenção não-medicamentosa, e o
não encontra um substituto à sua altura... podemos dizer encaminhamento para as outras especialidades para que
que ele tem um envelhecimento senescente? os demais aspectos sejam tratados.

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Por mais que o geriatra tente resolver em uma consulta outros aspectos do envelhecimento, como os sociais,
emocionais, funcionais, familiares, nutricionais, de riscos ambientais, farmacológicos, etc, devem ser avaliados pelo
profissional especializado e com domínio, para sua melhor resolução.

E é por isso que sempre se enfatiza, no atendimento ao idoso, a necessidade de uma equipe multiprofissional
gerontológica, já que o processo de envelhecimento engloba todos os aspectos citados acima, e não apenas os físicos.

Dados demográficos do envelhecimento no Brasil


O processo de envelhecimento populacional no Brasil merece destaque por se assemelhar ao de países desenvolvidos,
como os EUA e os países da Europa (Figura 1).

Isso porque até no Brasil as mulheres têm optado por ter filhos mais tardiamente e em menor número (menor taxa
de fertilidade), há redução da taxa de natalidade, principalmente em decorrência de doenças infecciosas, processo
muito semelhante ao de países desenvolvidos.

Da mesma forma, os idosos do Brasil têm tido melhores condições de saneamento básico e de atendimento médico,
reduzindo a mortalidade e aumentando a expectativa de vida.

Por isso, observa-se um aumento do número de idosos, inclusive em faixas etárias mais altas, como os com mais de
80 anos (Figura 2).

Figura 1 - Aumento do número de idosos em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Semelhança do Brasil e Espanha. (Fonte: http://
interessepublicocoletivodanielevalim1sem2011.files.wordpress.com/2011/03/figura71.jpg)

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Introdução à Gerontologia

Figura 2 - Projeção do aumento populacional no Brasil para 2025,


principalmente nas faixas de adultos e idosos.

A distribuição da população brasileira em faixas etárias


veio se alterando ao longo do tempo, com redução da taxa
de crescimento dos estratos inferiores, e alargamento dos
estratos superiores, levando à uma mudança figurativa
demográfica de uma pirâmide etária para um retângulo
em 2050 (Figura 3).

O crescimento do número de idosos no Brasil será tão


expressivo que as projeções para 2050 são de que o Brasil
ocupará a sexta posição no ranking mundial.

E a figura que representa os números populacionais


tenderá para uma pirâmide invertida.

Pirâmides etárias brasileiras: 1950, 1980, 2000 e 2050

Figura 3 - Representação da população em faixas: mudança de uma


pirâmide etária para uma gota, e tendência à retangularização.
Fonte: ONU - http://esa.un.org/unpp (dados da revisão 2004 - visitado
em 18/01/2006)

Pelo último censo do IBGE (2010), a expectativa média


do brasileiro alcançou os 73,2 anos, sendo de 69 para o
homem, e de 76,8 anos para as mulheres. A população de
pessoas com mais de 60 anos, que no Censo do IBGE de 2000
representava 8,6% da população, agora representa 11,33%
Figura 3 - Representação da população em faixas: mudança de uma (2010). E a expectativa para 2025 é que essa proporção
pirâmide etária para uma gota, e tendência à retangularização.
chegue a 15%. Há maior predomínio das mulheres, com
Fonte: ONU - http://esa.un.org/unpp (dados da revisão 2004 - visitado
em 18/01/2006) proporção ainda maior nas faixas etárias mais avançadas.

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Mas a questão que fica é: o Brasil está preparado pare Na minha experiência como docente, tenho observado
receber, amparar, sustentar e cuidar de forma adequada que os fisioterapeutas que escolhem esta especialidade
essa população de idosos? É por isso que se faz necessária geralmente têm as seguintes características: são mais
a criação e o investimento em políticas públicas, sociais e de pacientes, respeitosos, carinhosos, que sabem ouvir o que o
assistência à essa população, mas de forma especializada, idoso tem a contar. Geralmente têm uma visão mais global
pois sabemos que existem muitas diferenças entre o do atendimento fisioterapêutico, incluindo não apenas os
atendimento de crianças, adultos e idosos. aspectos físicos, como a presença de dor, de amputações,
de hemiplegia, mas também os aspectos emocionais,
ESPECIALIZAÇÃO EM GERONTOLOGIA econômicos e familiares que possam estar envolvidos.

De tudo que foi explanado até o momento, observamos São pré-requisitos essenciais para ser um bom profissional
a importância de nos especializarmos em Gerontologia. De nesta especialidade, gostar de idosos, e tratá-los com
forma resumida: educação e respeito. Além disso, são também pré-requisitos,
conhecer as alterações que são fisiológicas, decorrentes
- os idosos apresentam alterações próprias decorrentes da senescência, para que o aluno consiga diferenciar das
do envelhecimento, que merecem uma intervenção alterações patológicas decorrentes do envelhecimento.
específica, principalmente objetivando a prevenção. Esta é
uma modalidade de intervenção muito promissora, que tem ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS DO
merecido grande destaque, principalmente se considerarmos
ENVELHECIMENTO
que com a prevenção, além dos benefícios óbvios de redução
de doenças e disfunções, há redução dos gastos.
Todos os órgãos e sistemas sofrem alterações no
decorrer da vida, mesmo aqueles indivíduos que tenham
- a manifestação de algumas doenças, como as
fatores favoráveis ao envelhecimento saudável, como
demências, a hipertensão arterial, diabetes, osteoporose,
a prática de atividade física, alimentação saudável, não
artrose, entre outras, são muito mais comuns após os 60
ter hábitos e vícios (como o tabagismo e o etilismo em
anos, e devem ser tratadas de forma específica, com a
exagero), dormir bem, manter-se cognitvamente ativo, e
devida atenção.
com uma vida social e emocional favoráveis.

- o idoso não deve ser estigmatizado, e somente


Atualmente, o conceito de beleza associa-se somente
pessoas que se especializam em Gerontologia sabem
à juventude, à pele lisa e brilhante, cabelos fartos e
que não devemos tratá-los como crianças, infantilizar as
sedosos, músculos rígidos, e por isso, cada vez mais as
terapias, ter conceitos errôneos de que “todo idoso é chato,
pessoas tendem a mascarar as alterações próprias do
ranzinza, lento e repetitivo”. As pessoas não se tornam
envelhecimento, como a perda de cor do pêlos e cabelos,
chatas ao envelhecer, provavelmente essas pessoas já
a flacidez da pele, a diminuição da massa muscular, e o
eram chatas desde novas. A tendência, na senescência, é
acúmulo de gordura em determinadas regiões corporais.
de mantermos nossa personalidade.

E o que vemos nas ruas não são mais aqueles idosos


A especialização em Gerontologia é relativamente
recente, e ainda pouco difundida nos meios acadêmicos. grisalhos, usando bengalas, de óculos de grau... são

Um fisioterapeuta que escolhe esta especialidade, busca idosos com roupas esportivas, cabelos tingidos, ágeis, de
não apenas este nicho aberto no mercado em decorrência óculos escuros, dirigindo, fazendo cooper, com cirurgias
do aumento da população idosa, mas também busca plásticas que o deixam irreconhecíveis, em grupos de
dedicar-se à uma atividade que lhe dê prazer. amigos, passeiando, namorando...

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Introdução à Gerontologia

Mesmo estes idosos “moderninhos” também sofrem as apenas a idade), o gênero, anos de escolaridade (importante
alterações próprias do envelhecimento, isto é inegável. para que o terapeuta se comunique adequadamente e seja
compreendido, ou evite subestimá-lo), profissão, estado
AVALIAÇÃO FISIOTERAPÊUTICA civil, endereço e telefone, familiar(es) responsável(eis) e
GERONTOLÓGICA contatos médico(s) responsável(eis). Caso seja importante,
pode-se questionar também o país de origem (e a língua
O diferencial de uma intervenção fisioterapêutica natal), ou a cidade de procedência no Brasil.
gerontológica é que ela é elaborada a partir de uma
avaliação fisioterapêutica global, que inclui todos Anamnese
os domínios relacionados ao envelhecimento, e não
apenas um evento isolado, como acontece nos casos de Diagnósticos médicos
fratura, ou uma pneumonia hospitalar. Este protocolo
Questionar ao paciente, e sempre confirmar com o
de avaliação fisioterapêutica deve considerar aspectos
familiar ou cuidador principal, sobre todos os diagnósticos
funcionais, cognitivos, emocionais, ambientais, sociais,
médicos que o paciente apresenta. Esta medida é
econômicos, e motivacionais.
necessária porque muitos pacientes podem apresentar
declínio cognitivo, e se esquecer de citar algum diagnóstico.
Não temos a pretensão de substituirmos profissionais
específicos de cada domínio, como uma psicólogo
Reforce que mesmo aquelas doenças que estão
ou assistente social, que melhor avaliam os aspetos
controladas com o uso de medicamentos, devem ser
emocionais e sociais, respectivamente. Porém, possuir
relatados, como a hipertensão arterial, diabetes e
instrumentos de identificação (de rastreio) de déficits,
hipotireoidismo. O fisioterapeuta pode confirmar os
dificuldades ou prejuízos, é essencial na elaboração do
diagnósticos solicitando a lista dos medicamentos em uso.
diagnóstico fisioterapêutico, e no encaminhamento para
estes profissionais.
É interessante que o fisioterapeuta sempre revise os
diagnósticos, e se conveniente, converse com o médico
A Avaliação Geriátrica Gerontológica Abrangente
responsável. O diagnóstico fisioterapêutico considera
(AGGA), ou Avaliação Multidimensional, ou Avaliação
os diagnósticos médicos na definição dos objetivos e do
Geriátrica Gerontológica, avaliação mais ampla, e que
prognóstico do caso. Um exemplo clássico é o diagnóstico
inclui vários protocolos, escalas e questionários de
de doença de Alzheimer (DA).
diversos domínios, será apresentado em outro módulo
específico. Neste módulo, apresentaremos apenas
Se uma idosa, além de ter sofrido uma queda e uma
a Avaliação Fisioterapêutica Gerontológica, que é
cirurgia em decorrência de uma fratura de fêmur, tiver
uma sugestão, não validada, e que pode e deve ser
o diagnóstico de DA, terá seu prognóstico de retorno à
alterada (ítens excluídos ou incluídos) de acordo com
marcha e independência funcional prejudicados, já que
cada paciente.
a paciente pode não compreender comandos ativos,
apresentar alteração de comportamento, e apresentar
Ressaltamos em cada item, as questões relevantes
piora cognitiva e funcional próprias da degeneração
na área de gerontologia, mas o fisioterapeuta deve
neurológica e da cirurgia. Este tema será abordado na
procurar seguir as recomendações do Guide to Physical
última aula deste módulo.
Therapy Practice.
Queixa principal do paciente
Identificação do paciente
Item muito importante para nortear os objetivos
Devem ser incluídos todos os dados pessoais do
fisioterapêuticos, já que deve haver coerência entre a
pacientes, como nome completo, data de nascimento (e não

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Introdução à Gerontologia

expectativa do paciente e dos familiares, e a proposta história, e que um informante familiar pode ser solicitado
terapêutica do fisioterapeuta. Esta pergunta deve ser feita a confirmar e completar os dados.
tanto ao paciente como ao familiar/cuidador, pois elas
podem ser divergentes ou complementares. Ocorrência de quedas

E muitas vezes, caso o paciente tenha diagnóstico Como as quedas ocorrem com maior frequência entre
de demência, ele pode até não se queixar de nada, a população idosa, se comparado aos adultos e jovens, e
e dizer que nada o incomoda. Procure ouvir e anotar causam mais complicações do que simples escoriações e
todas as queixas, mas também procure diferenciar hematomas (aula de quedas em outro módulo específico),
aquelas “queixas-desabafos” dos familiares, que muitas é necessário se realizar um questionamento detalhado
vezes estão estressados e acabam por hipervalorizar sobre as quedas sofridas pelo idoso, mas principalmente as
dificuldades dos pacientes. Assista no vídeo 4 um que ocorreram após os 60 anos e no período mais recente.
exemplo de divergência de queixas.
Confirme com o familiar ou cuidador, pois o idoso pode
Contrariamente, procure ouvir e questionar mais sobre se esquecer de relatar alguma queda. Veja no vídeo 5
queixas que muitas vezes não são valorizadas pelos idosos, como fazer as perguntas sobre quedas. Lembrem-se que
como tonturas, déficits de equilíbrio, dor em articulação, no módulo de quedas este questionário será apresentado
quedas frequentes, pois muitos acham que são processos em maior detalhe.
normais do envelhecimento e se esquecem de relatar.
Medicamentos em uso
Hábitos e vícios
Como veremos em outro módulo, o questionamento
Questionar ao idoso sobre tabagismo e etilismo, atual sobre a utilização dos medicamentos pelo idoso é
ou no passado. Dependendo do grau de escolaridade, é extremamente importante, e deve ser feita de forma
conveniente adequar a pergunta para “uso de álcool”, “o sr detalhada, pois o idoso sofre mais efeitos colaterais por
fuma”? Anotar inclusive quando o idoso não faz mais uso. fazer uso de muitos medicamentos (polifarmácia), por
interação medicamentosa (efeitos sobrepostos, diminuindo
História pregressa da moléstia atual ou aumentando os efeitos) ou por uso incorreto (se
esquecer de tomar, se esquecer que já tomou e tomar
A história a ser questionada considera a moléstia atual e duplicado, ou usar por conta própria, sem recomendação
a queixa principal do paciente e familiar. E se necessário, a médica - auto-medicação).
história de uma moléstia pregressa que esteja relacionada
à queixa atual. Consideremos uma sra no pós-operatório Além disso, existem alguns medicamentos que podem
de fratura de fêmur, com colocação de haste e 3 parafusos. interferir na terapia, pois podem deixar o idoso sonolento,
com falta de atenção, hipotônico ou hipertônico, agitado
A história a ser levantada é em relação ao que causou a ou agressivo. Adiante discutiremos uma possível conduta
fratura, aos procedimentos cirúrgicos, e às consequências nestes casos de efeitos colaterais.
físicas e funcionais desta fratura. Porém, caso na história
seja relatado que esta já é a quarta queda sofrida em dois Sugere-se que o fisioterapeuta esteja familiarizado com
anos, e que é a segunda fratura sofrida neste período, alguns medicamentos, principalmente os mais comumente
o fisioterapeuta deve questionar também a história das utilizados, como anti-hipertensivos, anti-depressivos, para
demais quedas, e não apenas a história da última queda. a tireóide, analgésicos, anti-inflamatórios, cardíacos, entre
Veja outro exemplo no Vídeo 4. Percebam no vídeo que outros. E que tenha o DEF (Dicionário de Especialidades
o paciente pode apresentar dificuldade para contar a Farmacêuticas) como um dos materiais de trabalho essenciais.

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Introdução à Gerontologia

calor, pois os componentes de borracha podem se


Exames complementares derreter, causar vazamentos e alterar o resultado.
Caso isso aconteça, basta trocar estas partes de
Solicitar ao idoso e/ou familiar (ou cuidador) exames borracha, não é necessário trocar todo o aparelho.
que ele tenha realizado durante o processo de diagnóstico »» Sempre limpe o manguito do esfigmo e o diafragama
médico, principalmente de imagem. Anotar na avaliação a do estetoscópio. Lembre-se de não usar o mesmo
data e o laudo. É interessante, mas não obrigatório, que o algodão com álcool para limpar as olivas do
fisioterapeuta saiba ver as imagens de Raio-X, Tomografia estetoscópio, para não transferir as bactérias para
Computadorizada, Ressonância Magnética e Densitometria seus ouvidos.
Óssea, e não apenas ler os laudos. Importante lembrar que
o fisioterapeuta deve apenas incluir na avaliação os exames Muitos idosos podem sofrer da “síndrome do jaleco
relevantes para a intervenção fisioterapêutica, e relacionados
branco”, um estado de aumento da pressão arterial
à queixa principal e à história coletada na anamnese.
em decorrência da presença do profissional da área da
saúde, e da expectativa em saber se sua pressão está
Avaliação Física normal ou alta.
Sinais vitais

No módulo de enfermagem serão relembradas as Caso perceba que isso pode estar acontecendo (pois
formas corretas de se aferir a pressão arterial e verificar a o paciente pode demonstrar de outras formas que está
frequência cardíaca. Algumas recomendações: ansioso ou muito animado com a sua presença), aguarde

»» É importante que a pressão seja mensurada com o alguns instantes, converse um pouco com o paciente,

idoso em repouso. Caso ele tenha feito um esforço, distrai-o com outros assuntos.
como caminhar até seu consultório, aguarde alguns
minutos até estabilizar sua pressão. O oposto também pode ocorrer, quando o paciente
»» Mantenha o membro superior, de preferência o apresenta hipotensão postural, condição que será vista
esquerdo, apoiado no mesmo nível que o coração. em outra aula.
Não deixe o membro sem apoio, e não peça para o
idoso fazer o esforço de mantê-lo erguido. Esta hipotensão pode ocorrer em pacientes com
parkinsonismo, em uso de anti-hipertensivo, e acamados,
que permanecem a maior parte do tempo deitados, e quando
são transferidos para a cadeira de rodas, apresentam queda
da pressão. Procure aferir sempre nas mesmas condições,
isto é, sempre deitado ou sentado.

Para a verificação da frequência cardíaca, procure


seguir a mesma orientação de repouso e de apoio do
membro, e a contagem preferencialmente deve ser
Figura 4 - Verificação correta da pressão arterial.
Fonte:
feita no tempo de 60 segundos, já que alguns pacientes
http://comunidade.jangadeiroonline.com.br/uploads/2010/06/atendimento.jpg apresentam arritmia cardíaca.
»» O esfigmomanômetro é mais recomendado do que
os aparelhos eletrônicos, que podem dar pequenas
diferenças de valor. Procure sempre calibrar seu
aparelho, e evite derrubá-lo ou expô-lo em locais de

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Introdução à Gerontologia

Assim como pode ocorrer de pacientes em grau


avançado de demência, acamados, desenvolverem uma
trombose venosa profunda (TVP, que será abordado em
outra aula) e não conseguirem se queixar de dor. Podemos
observar alteração de coloração (eritema), edema
importante e outros sinais de manifestação da dor, como
aumento do tônus, agitação, movimentos involuntários,
fáceis de dor, diminuição do apetite e prostração, já que
nesta fase muitos encontram-se em mutismo.

Figura 5 - Verificação da frequência cardíaca. Encontrei na internet, sem URL. Força muscular

Inspeção e palpação Como citado anteriormente, os idosos perdem


fisiologiamente massa e força muscular (FM), por isso, a
Siga as orientações de inspeção e palpação do Guide verificação de grau de FM, e da resistência a ser imposta
to Physical Therapy Practice, mas procure observar outros contra o movimento, deve considerar estes déficits. Mesmo
locais que não estejam relacionados à queixa principal. aqueles idosos que sempre praticaram uma atividade física,
Por exemplo, se a queixa do paciente for dor em ombros, soferão perdas, se comparadas à ele mesmo há alguns
porém o fisioterapeuta observar edema em membros anos. Geralmente, em domicílio, a avaliação de força
inferiores ou hematomas em antebraços, estes devem ser muscular é subjetiva, pois é realizada contra a resistência
anotados, e questionados quanto à história. do próprio fisioterapeuta.

Muitas vezes, o fisioterapeuta pode levantar suspeitas A resistência de grau 5 de força muscular não deve ser
e auxiliar no diagnóstico. É muito comum pacientes a mesma que é aplicada nos adultos mais jovens, caso
sofrerem maus-tratos, e o idoso não conseguir relatar contrário, nenhum idoso teria grau 5 de FM. Se possível,

à ninguém, por medo, ou até por déficit cognitivo. Mas o profissional deve adquirir um instrumento de avaliação
mais confiável, como o dinamômetro portátil, por ser um
caso o fisioterapeuta suspeite, por presença constante de
dado mais confiável e objetivo, que não se altera de um
hematomas, deve investigar, de forma cuidadosa, para
avaliador para outro.
também não causar alarde e falsa acusação.
Importante lembrar que este teste não deve ser realizado
caso seja verificado que o idoso está com hipertensão,
principalmente acima de 16X90 mmHg, pois este esforço
para vencer a resistência pode aumentar ainda mais sua
pressão e causar um evento vascular cerebral.

Avaliação Postural

Retornando ao caso clínico, verificamos a necessidade


de avaliarmos a postura do paciente, pois esta claramente
pode interferir na realização de suas atividades de vida
diária, na capacidade respiratória, no equilíbrio, no aumento
da dor, no desconforto para se sentar e deitar, e até
Figura 6 - Idosa acamada com hematomas nos membros superiores,
dúvida da causa: fragilidade da pele, manipulação ou maus-tratos? mesmo nas relações sociais, por causar constrangimento
Fonte: http://migre.me/aU0nB ou restrição social.

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Introdução à Gerontologia

Alguns cuidados devem ser tomados, pois os idosos Nos pacientes em fase avançada de doenças
tendem a ter redução fisiológica da temperatura corporal, degenerativas, como as demências ou a doença de Parkison,
e sentem mais frio, e por isso devemos evitar que ele seja e que estão acamados, deve-se avaliar a amplitude de
exposto durante a avaliação postural, não solicitando para movimento, pois muitos já se encontram com deformidades
retirar toda a sua vestimenta. Devemos nos adaptar à cada decorrentes da progressão da doença e do posicionamento
situação e característica pessoal do paciente, pois há idosos incorreto no leito por um tempo prolongado.
que não se sentem à vontade em ficar sem a roupa. Veja nas
figuras abaixo, a avaliação postural do caso clínico relatado Tônus muscular
(Figura 7). Para preservar a imagem do caso clínico, não foi
solicitado que retirasse a roupa. E incorretamente, as fotos A avaliação de tônus muscular deve ser realizada
foram tiradas com o paciente de tênis. com o paciente deitado, de preferência, e relaxado, sem
oferecer resistência ao movimento (deve ser passivamente
realizado pelo fisioterapeuta), em todas as articulações,
principalmente quando o paciente apresentar o diagnóstico
de uma doença neurológica. O fisioterapeuta deve observar:

»» Característica do tônus: normal, aumentado ou


diminuído
»» Variação com a velocidade: sim ou não
»» Duração da mudança de tônus: uma parte ou todo
arco de movimento

Com estas características é possível se definir qual


Figura 7 - Avaliação postural do caso clínico, vista anterior, lateral
esquerda e posterior, respectivamente. o tipo de tônus, se é do tipo hipotônico ou hipertônico.
Estas definições serão revisadas no próximo módulo, bem
Não é nossa pretensão que um dos objetivos principais como sua fisiopatologia. A hipertonia, que é decorrente
seja corrigir a postura desse idoso, pois alterações próprias de lesões nas áreas motoras corticais ou nas vias
dos músculos e da articulação dificultam esse objetivo. motoras descendentes da medula, são as mais comuns
Porém sabemos que caso não haja intervenção, sua entre os idosos, já que há alta prevalência de doenças
postura pode piorar, e causar mais complicações, inclusive degenerativas do córtex, como a doença de Alzheimer e
outras quedas. Por isso, é importante que a piora das de Parkinson, e de doenças cérebro-vasculares, como um
alterações posturais seja evitada. AVC. A hipertonia pode ser do tipo espástica ou em rigidez.

Amplitude de Movimento A relevância clínica destas alterações para o


fisioterapeuta é que a hipertonia, se não for bem
O Manual de Goniometria deve ser consultado, porém, é manejada, pode progredir para a rigidez e levar à adoção
fisiológico que haja redução de alguns graus de amplitude de deformidades articulares, principalmente nos idosos
articular, em alguns idosos em maior grau, dependendo de em fases avançadas de doenças neurodegenerativas. E
sua atividade física ou ocupacional prévia. em casos extremos, pode levar à adoção de uma postura
em deformidade denominada “posição fetal” (Figura 8),
A avaliação com goniômetro deve ser mais minuciosa que pode causar dor, incômodo respiratório, acentuar a
nas articulações relacionadas à queixa principal, ou caso constipação intestinal, dificultar a higienização e facilitar o
esteja comprometendo a funcionalidade. aparecimento de lesões cutâneas.

12
Introdução à Gerontologia

»» fisiologicamente o idoso pode ter alguns estertores


nas bases pulmonares, em decorrência de
alterações que ocorrem na parede dos alvéolos, e
esse ruído pode ser confundido com estertores de
doenças crônicas como um enfisema, ou presença
de secreção nos casos de infecções respiratórias. O
fisioterapeuta deve aliar o sinal com o diagnóstico
já realizado por um médico, ou com a clínica, isto é,
outros sinais e sintomas de uma nova doença que
possa estar em curso.
»» nunca conte ao paciente que está contando sua
Figura 8 - “Posição fetal” decorrente da hipertonia muscular, em grau frequência respiratória, pois com certeza o ritmo se
avançado em um paciente com demência grave. Fonte: livro Tratado de
Geriatria e Gerontologia, da editora Guanabara Koogan. alterará, mesmo que seja inconsciente, pelo simples
fato de estar sendo observado. Procure verificar junto
Parâmetros respiratórios com a avaliação da frequência cardíaca, mantendo
seus dedos ainda sobre o pulso, porém contabilizando
A ausculta respiratória e a contagem da frequência o número de inspirações, de preferência, em um
respiratória também devem ser avaliados, principalmente período de 30 segundos ou um minuto.
nos pacientes com diagnósticos de doenças respiratórias.
A revisão da ausculta será realizada em outro módulo.
Porém, algumas observações específicas para os idosos:

»» peça para que ele inspire e expire o ar de preferência


pela boca, e caso ele apresente dificuldade para
compreender o comando, use termos mais fáceis,
como “puxe o ar pela boca e solte pela boca”, ou
demonstre ao paciente, principalmente se for um
Figura 9 - Pontos onde a ausculta pulmonar deve ser realizada.
paciente com demência.
Fonte: http://3.bp.blogspot.com/_U-zNsUgFnSg/TE29oKn_2QI/
»» não deixe que o paciente fale durante a ausculta, AAAAAAAAAB0/lcHHAzuUaCQ/s1600/ausculta+1.bmp
e procure realizar o exame em um local sem
ruídos e tranquilo. Avaliação Funcional
» » procure não sobrepor o diafragma do
estetoscópio sobre a roupa, pois o atrito pode Como em Gerontologia capacidade física não é
confundir a ausculta. sinônimo de capacidade funcional, optamos por separá-las
»» lembre-se que a capacidade respiratória do idoso na avaliação. O fato do paciente ter grau de força muscular
fisiologicamente se altera, bem como a força bom, amplitude de movimento adequado e pressão
inspiratória, e por isso, os ruídos normais pulmonares arterial normal não garante que ele é independente para a
podem estar diminuídos e mais difíceis de serem realização de suas atividades cotidianas.
auscultados. Por isso, o ambiente deve estar o mais
silencioso possível. Peça ao idoso para que inspire o Isto porque o paciente pode apresentar diagnóstico de
máximo que conseguir. demência, na fase moderada, quando ainda não apresenta
»» Ausculte todos os pontos observados na Figura alterações motoras tão exuberantes, mas já não consegue
9, comparando os lados antes de descer para o sair sozinho para fazer compras, ir ao banco, preparar uma
próximo ponto. refeição, e até mesmo escolher suas roupas sem auxílio.

13
Introdução à Gerontologia

Isto é, o paciente é dependente funcionalmente de outras »» doenças psiquiátricas: depressão, transtorno bipolar
pessoas, não tem autonomia preservada. »» infecções: principalmente urinárias e respiratórias
»» restrição ambiental: escadas dentro de casa,
Neste mesmo contexto, um idoso com depressão, calçadas em mau estado, ruas sem semáforos para
que não tenha nenhuma incapacidade física, porém, atravessar, degrau do ônibus muito alto
sem motivação para se levantar, se arrumar, se alimentar »» déficit sensorial: surdez, déficit visual importante
e ter um convívio social também está com a autonomia (catarata, glaucoma), neuropatias
prejudicada, pois não consegue se cuidar sozinho, e »» restrição social: ausência de familiares, de amigos e de
precisa do auxílio de outros para realizar suas atividades, uma rede de suporte social, como uma igreja, clube
inclusive as básicas. »» outros: falta de estímulo do familiar para se engajar nas
atividades, falta de hábito (acostumado a não ajudar
Outro exemplo é de um paciente que tenha diabetes, que em nenhuma atividade), desnutrição, desidratação,
não controlou sua glicemia, e por problemas vasculares e incontinência urinária, medo de sofrer uma queda
infecciosos, teve seus dois membros inferiores amputados,
Seria possível citarmos ainda muitos outros fatores,
na altura do fêmur. Este paciente, temporariamente, ficou
pois sabemos que em gerontologia, qualquer motivo é
dependente de terceiros, porém tinha autonomia para
suficiente para que o idoso apresente piora funcional,
decidir se queria ser cuidado ou não.
principalmente nas faixas etárias mais altas (acima dos
80 anos) e quando não há um interesse dos familiares em
E este paciente, mesmo antes de ser protetizado,
estimular continuamente a independência.
consegue se tornar independente, mesmo que parcialmente,
caso ele tenha motivação e consiga movimentar sozinho Na Figura 10 observamos as perdas que podem ocorrer
sua cadeira de rodas. Neste caso, mesmo o paciente ao longo do processo de envelhecimento, se iniciando com as
tendo capacidade física prejudicada pelas amputações, atividades mais complexas, e continuando até as mais básicas.
consegue ser independente para suas atividades básicas,
e provavelmente será até para as mais avançadas de vida
diária, após receber as próteses. Isto é, consegue ser
autônomo mesmo que fisicamente prejudicado.

Dada a variedade de combinações possíveis, é


importante que o fisioterapeuta gerontólogo entenda estas
diferenças entre capacidade física, capacidade funcional
e autonomia, logicamente levando em consideração os
próprios objetivos do paciente e dos familiares no processo
de reabilitação.

Figura 10 - Perda da capacidade funcional no envelhecimento - das AIVD


O declínio da funcionalidade que é observado no às ABVD Fonte: Escala de Guttman - Hierarquia das AVD Idosos – São
envelhecimento pode ser decorrente de uma série de Paulo (Ramos, 1999)

fatores, entre os quais podemos citar: Ao realizarmos a avaliação da funcionalidade, devemos


considerar alguns fatores que podem mascarar a resposta:
»» doenças neurológicas: Acidente Vascular Encefálico,
Doença de Alzheimer, Doença de Parkinson, e outras »» gênero: algumas atividades nunca foram realizadas
»» doenças respiratórias: pneumonia, enfisema pelo idoso, por falta de hábito, como por exemplo,
»» doenças osteoarticulares: artroses, osteoartrite, homens que nunca cozinharam, ou mulheres que
osteoporose, fraturas nunca tiveram que usar ferramentas ou pagar contas,

14
Introdução à Gerontologia

muito comum para as mulheres que nasceram no Atividades de vida diária


começo do século passado, e que agora estão com
80-90 anos. Não contabilizar como incapazes, e São consideradas atividades de vida diária (AVD)
alterar a pergunta para “se ele precisasse cozinhar, todas as tarefas realizadas pelo idoso para que consiga
ele conseguiria?” sobreviver, se relacionar com a sociedade, se satisfazer
e evoluir. Incluem as atividades básicas de vida diária
»» familiares super-protetores, que não permitem
(ABVD), as instrumentais (AIVD), avançadas e de lazer.
que o idoso tente realizar a atividade sozinho, por
medo que aconteça algo prejudicial, e que acabam As ABVD compreendem as atividades relacionadas aos
tornando-o dependente, quando ainda conseguiria cuidados essenciais para que o idoso consiga sobreviver e
fazer de forma independente. Exemplos: não com condições mínimas, como:
permitir que lave a louça (por medo de quebrar os
pratos), que vá comprar pão na padaria próxima »» se alimentar (levar o alimento à boca, mastigar
(medo de ser assaltado ou atropelado), que atenda e deglutir, e não o procedimento de cozinhar ou
ao telefone, etc. Nestes casos, questionar se o comprar uma refeição pronta)
idoso realmente não realiza porque não consegue, »» ter higiene (escovar os dentes, pentear os cabelos)

ou porque não tem oportunidade. São pontuações »» tomar banho


»» vestir-se
muito diferentes.
»» usar o banheiro (conseguir controlar e usar o
»» existem muitas formas de se pontuar a assento corretamente, sem se sujar)
funcionalidade. Ela pode ser questionada ao idoso, »» transferir-se (como sair da cama, sentar e levantar-
ao familiar ou cuidador mais próximo, ou observada se de uma cadeira)
(durante a realização). Os escores podem variar
muito, pois a auto-percepção nem sempre é real, As AIVB compreendem as atividades mais elaboradas,
que envolvem o manuseio de instrumentos, o raciocínio,
o idoso pode achar que ainda consegue realizar
planejamento e memória. Geralmente são as primeiras a
alguma atividade, mas na realidade não consegue
serem comprometidas no início de um processo demencial.
mais; o familiar pode subestimar a capacidade
São exemplos:
do idoso, e avaliá-lo como incapaz, quando ainda
é capaz; e quando observamos o idoso no dia a
»» manejo financeiro: conseguir retirar a aposentadoria
dia, no seu ambiente, conseguimos captar a real
no banco, lembrar-se da senha do cartão, pagar
funcionalidade, pois muitas vezes o idoso consegue contas, dar o valor correto da compra, receber o troco
se adaptar e realizar as atividades à sua maneira.
»» preparar refeições: lavar verduras, cortar, refogar,
»» idosos moradores de instituições de longa temperar, isto é, conseguir fazer todas as etapas da
pemanência para idosos (ILPI): suas pontuações preparação de uma refeição
não são as reais, pois existem muitas atividades »» fazer compras: se programar em casa fazendo uma
funcionais que não podem fazer, como sair para lista, chegar no supermercado, pegar os produtos
fazer compras, utilizar meio de transporte, mesmo corretamente, escolher os melhores alimentos, passar
que conseguissem. Assim como tomar seu próprio no caixa e pagar, e levar as compras para casa
remédio (já recebem no horário, e com a prescrição »» pegar meios de transporte: ir até o ponto do ônibus,
correta, nem precisam se lembrar de tomar) ou levantar o braço para o ônibus correto, subir,
preparar a refeição ou lavar a roupa, pois não há procurar um lugar para sentar, apertar o botão
necessidade de fazer. quando for descer, e saber onde descer

15
Introdução à Gerontologia

»» lavar roupas e louça: planejar a ordem da lavagem,


no caso das roupas, não misturar cores, pendurar as
roupas, e retirar quando secas

»» usar o telefone: procurar na agenda o telefone


desejado, ou então lembrar-se, discar o número
corretamente, conversar e desligar

»» usar o medicamento: lembrar do horário correto,


qual o medicamento, dosagem, pegar um copo de
água e tomar

»» anotar um recado: pegar um bloco de anotações,


uma caneta, e escrever o recado, e lembrar de
mostrar o recado para a pessoa Figura 11 - Protesto de idosos (super idosos), independente e exigentes
dos direitos à palavra, em Nova Iorque, contra a guerra (arquivo pessoal)

Existe ainda um outro tipo de atividade, que não é


considerada de vida diária, mas que também se relaciona Existem várias escalas que podem ser usadas para
à funcionalidade, e à relação do idoso com o meio social avaliar as AVD. Veja o filme com a apresentação das
em que vive. São as atividades de lazer. São exemplos: escalas mais utilizadas em gerontologia: Katz, Lawton
& Brody, Barthel e MIF. Elas serão melhor descritas no
»» ir à igreja módulo de Avaliação Geriátrica Gerontológica. No mesmo
»» conversar com vizinhos vídeo vocês também serão apresentadas às escalas que
»» ler livros avaliam a funcionalidade de idosos com demência, que
»» assistir à TV incluem domínios cognitivos das tarefas funcionais.
»» viajar

Equilíbrio
Alguns especialistas acreditam que muitas das
atividades citadas podem ser consideradas atividades O equilíbrio também será considerado uma atividade
avançadas de vida diária, como usar o meio de transporte, funcional, pois é uma habilidade essencial para que o
já que requer mais do que a habilidade de subir em um idoso consiga realizar suas atividades cotidianas e interagir
ônibus, por exemplo. com seu ambiente, e que permite que tenha respostas
antecipatórias e compensatórias às perdas da estabilidade
Requer que o idoso se lembre da localização do ponto
corporal frente a eventos desestabilizadores, como um
de ônibus, do nome do ônibus, conseguir ler o itinerário,
empurrão, tropeço, ou freada brusca do ônibus.
e descer corretamente no ponto desejado. As atividades
avançadas requerem maior habilidade cognitiva, e são
O equilíbrio é uma habilidade funcional tão importante
também exemplos:
para os idosos que teremos um módulo específico apenas
para sua definição, avaliação e intervenção fisioterapêutica.
»» buscar o neto na escola e tomar conta dele em casa
»» planejar um jantar para os familiares
Veja a seguir a avaliação de alguns ítens de uma
»» preparar uma apresentação na igreja
escala do equilíbrio que será apresentada posteriormente
»» separar roupas e utensílios para doação (Escala de equilíbrio de Berg) e da estratégia reacional ao
»» preparar uma viagem desequilíbrio (Vídeo 7). Perceba que como o paciente não
»» organizar uma manifestação (Figura 11) conseguiu manter-se em apoio unipodal, foi solicitado que

16
Introdução à Gerontologia

tentasse manter com a utilização da bengala, usada pelo comumente utilizados em gerontologia é o Mini Exame do
paciente no dia a dia. Estado Mental (MEEM), que contém 30 questões que devem
ser aplicadas com o idoso, e que apenas aponta que há
Marcha um déficit. A pontuação que identifca um déficit cognitivo
depende da escolaridade do idoso. Este e demais testes
Da mesma forma que o equilíbrio, a marcha também é cognitivos serão apresentados em outros dois módulos.
uma habilidade essencial para que o idoso consiga realizar
suas atividades de vida diária, principalmente as mais Mas veja sua aplicação com o nosso caso clínico:
complexas. E para que o idoso consiga ter uma marcha
eficaz, é necessário que tenha um bom equilíbrio, pois A pontução total foi de 21, e como sua escolaridade é
pode se considerar que a marcha nada mais é do que de 8 anos, pode-se dizer que a queixa da esposa deve ser
um equilíbrio dinâmico, que requer estabilidade frente às considerada.
mudanças de base de sustentação.
Caso os familiares não relatem que o paciente tem o
A marcha é importante inclusive em atividades mais diagnóstico de uma demência, mas relatam que o paciente
simples, como conseguir se levantar da cama e ir em direção está muito esquecido, que repete várias vezes a mesma
ao banheiro. Mesmo que o idoso consiga usar o assento história, faz a mesma pergunta diversas vezes, que já
sozinho, caso ele tenham uma neuropatia diabética, e não esqueceu o fogão aceso, a porta destrancada, e que está
consiga se locomover sozinho, podemos dizer que sua piorando, é prudente que o fisioterapeuta faça o teste.
funcionalidade está comprometida por déficit da marcha.
O paciente deve ser encaminhado para avaliação,
de preferência para um médico geriatra, psiquiatra ou
Dada sua importância, os protocolos de avaliação
neurologista especializados em distúrbios da memória.
da marcha também serão apresentados em outro
Caso o paciente já tenha diagnóstico de demência, e
módulo específico.
o fisioterapeuta queira avaliar sua cognição como um
parâmetro de comparação, também pode ser realizado.
Avaliações complementares
Avaliação neuropsiquiátrica
Os próximos ítens da avaliação são optativos, sendo
utilizado somente quando houver necessidade, como Muitas vezes, a queixa principal dos familiares,
em suspeitas de declínio cognitivo sem diagnóstico principalmente os que estão passando por situações de
médico, queixas de alterações de comportamento sem estresse com o idoso, é de alterações de comportamento,
diagnóstico, restrição social com consequências limitantes como apatia intensa, choro, falta de apetite, prostração,
da funcionalidade, e ocorrência de múltiplas quedas, com sonolência excessiva, ou então o oposto, agitação,
necessidade de avaliação dos riscos ambientais. agressividade verbal e física, perambulação (não consegue
ficar parado, senta e levanta a todo momento, e caminha
Avaliação Cognitiva exaustivamente), come compulsivamente, não consegue
dormir, tem comportamentos motores aberrantes.
Podem ser utilizados inúmeros protocolos de avaliação,
porém sempre será necessário o encaminhamento para Nestas situações, caso as alterações tenham surgido
um profissional especializado caso o teste de rastreio dê repentinamente, deve-se informar ao médico responsável,
alteração. Isso porque estes testes apenas apontam que pois provavelmente pode haver uma condição clínica
há um déficit, e que deve ser investigado com maior aguda que possa estar causando um Delirium, que deve
aprofundamento, com a exclusão de diversas causas, e a ser tratado imediatamente, pois na maioria das vezes, o
realização de mais testes cognitivos. Um dos exames mais quadro é reversível.

17
Introdução à Gerontologia

Já idosos que apresentam previamente estas Avaliação Ambiental


alterações, provavelmente em decorrência de doenças
neuropsiquiátricas como as demências, pode se aplicar Como os idosos sofrem muito mais quedas dentro
escalas específicas que avaliem a intensidade destes de sua própria residência, a avaliação ambiental se faz
sintomas comportamentais, como o NPI (sigla em inglês necessária para detectar riscos ambientais que possam
para Inventário Neuro-psiquiátrico), que será apresentado causar quedas. Uma vez detectadas, devem ser adaptadas
no módulo de Avaliação Geriátrica Gerontológica. ou corrigidas, considerando-se apenas evitar mudanças
radicais na residência do idoso, principalmente daqueles com
Altos escores no NPI mostram que o idoso está diagnóstico de demência, pois podem perder seu referencial
apresentando muitas alterações de comportamento. de orientação espacial, e não reconhecer mais sua casa.
Porém, a utilidade desta escala é também avaliar o grau
de estresse que estas alterações comportamentais causam Como este é um tema também de extrema importância,
no cuidador principal, e como este lida com o estresse. será também abordado no módulo de Quedas. Mas alguns
ítens que devem ser avaliados:
É importante o fisioterapeuta ter este dado em sua
avaliação, uma vez que o cuidador formal e o familiar são »» ausência de corrimão nas escadas
essenciais no processo de reabilitação, para que sigam as »» presença de tapetes soltos ou com pontas erguidas
orientações e entendam que devem dar todo suporte ao »» fios soltos
paciente. E cuidadores estressados nem sempre compreendem »» má-iluminação
as orientações do fisioterapeuta, não entendem que o idoso »» ausência de abajur ao lado da cama
não está se comportando inadequadamente “de propósito”, »» ausência de barras de apoio no banheiro
como muitos chegam a pensar. »» objetos espalhados no chão ou animais de estimação
soltos
Avaliação Social »» presença de desníveis entre os ambientes da casa
»» uso de tapetes sem anti-derrapante no banheiro
Muitos idosos podem apresentar problemas sociais que »» chão do box sem tapete ou sem piso anti-derrapante
não serão detectados na primeira avaliação, mas somente
após muitas sessões de fisioterapia, quando o idoso Diagnóstico fisioterapêutico
começa a se abrir mais com o fisioterapeuta.
O diagnóstico fisioterapêutico não é o resumo do caso,
Estes problemas podem ser econômicos, queixas (nem não deve ser apenas a repetição das informações obtidas,
sempre relatadas) de abuso ou maus-tratos, dificuldade e nem conter apenas os diagnósticos médicos. Deve ser
para se locomover e necessidade de transporte público a integração de todas as informações, considerando as
especial, falta de auto-cuidado, desnutrição, e outros que deficiências, a implicação funcional, a motivação do idoso,
não podem ser resolvidos pelo fisioterapeuta e requerem o potencial de melhora, prognóstico das doenças, suporte
a intervenção de uma assistente social. familiar e econômico.

Nestes casos, a melhor solução é sempre procurar Este diagnóstico visa integrar possíveis causas e
um familiar mais próximo, em uma primeira tentativa de consequências encontradas na avaliação. Um exemplo
se resolver sem a intervenção de profissionais. Mas no dessa correlação poderia ser:
caso de insucesso ou ausência, e até falta de condições
econômicas, o fisioterapeuta pode procurar órgãos “Paciente apresenta diagnóstico de doença de Gaucher,
públicos, como a delegacia do idoso, e assistentes sociais que levou às alterações motoras, como fraqueza muscular
da rede pública. e instabilidade postural, mas que estavam compensadas.

18
Introdução à Gerontologia

Associada a isto, apresenta compressão de raízes nervosas


Objetivos fisioterapêuticos
lombares, com consequente presença de dor, que a
limitam funcionalmente; o parkinsonismo secundário;
Após a elaboração da Avaliação e do Diagnóstico
e a depressão, levando à restrição da motivação em se
fisioterapêutico, o fisioterapeuta irá elaborar os objetivos,
manter ativa funcionalmente e socialmente, acentuando a
que não são as condutas. Os objetivos da fisioterapia variam
perda de força muscular e do ânimo para se recuperar e
de acordo com os déficits encontrados na avaliação, por isso,
se manter ativa.
variam muito de paciente para paciente. Não existe uma
“receita de bolo”, nenhum idoso deve ser tratado da mesma
A própria paciente reconhece que o aspecto emocional
forma que outro. São exemplos de objetivo fisioterapêutico
foi decisivo na determinação de seu prognóstico, pois não
(entre parênteses colocamos as condutas que muitas vezes
tem tido mais vontade de realizar as atividades que antes
são equivocadamente utilizadas como objetivos):
conseguia realizar, e que provavelmente, por deixar de
tentar, perdeu mais força muscular e piorou o equilíbrio.
»» melhorar grau de força muscular (e não
Além disso, sente-se cansada e com muita dor, que a
fortalecimento muscular!!!)
desanimam também.”
»» aumentar a amplitude de movimento do ombro
direito (por ex.) (e não alongar musculatura de
Outro exemplo: “Apesar do paciente habitualmente ombro!!!)
depender de outras pessoas para realizar suas atividades »» melhorar o equilíbrio postural (e não fazer apoio
(nunca teve que fazer as atividades domésticas e financeiras), unipodal!!!)
com a progressão da demência, tem apresentado mais »» melhorar parâmetros da marcha (e não caminhar
dificuldades para executar suas atividades funcionais, nas barras paralelas ou ultrapassar obstáculos!!!)
provavelmente por dificuldades cognitivas, já que os
aspectos físicos como força muscular, trofismo e amplitude INTERVENÇÃO FISIOTERAPÊUTICA
de movimento encontram-se sem alterações. GERONTOLÓGICA
A partir do protocolo de avaliação, o fisioterapeuta
Os déficits cognitivos interferem na iniciativa (já
deve elaborar um relatório fisioterapêutico, que deve
alterada anteriormente à doença), no planejamento e na
ser entregue para os familiares e também ao médico
execução da atividade, fazendo com que o paciente tenha
responsável, que deve conter também o número de
dificuldades nas atividades funcionais.
sessões previstas por semana.

Além disso, paciente apresenta importante instabilidade Recomenda-se que o fisioterapeuta deixe na casa do
postural, que pode também estar prejudicando a paciente uma pasta contendo este relatório, folhas de
locomoção e a confiança do paciente para realizar suas evolução, que devem ser preenchidas ao final de todas as
atividades de forma independente, já que constantemente sessões, e uma folha com os sinais vitais iniciais e finais
quase chega a cair. de cada sessão.

Na evolução, o fisioterapeuta deve descrever como


Com a redução da realização das atividades funcionais,
encontrou o paciente, as condutas, se houve intercorrências
paciente pode passar a restringir sua mobilidade, a se
durante a sessão, se fez orientações aos cuidadores, e
interessar menos pelas atividades de lazer, e passar a ficar
como deixou o paciente.
a maior parte do tempo sentado, deitado, e dentro de
casa, aceitando sair menos de casa, e como consequência, As condutas em fisioterapia gerontológica devem ser
acentuando a perda de massa e força muscular, agilidade, adequadas aos objetivos fisioterapêuticos propostos na
coordenação e as alterações da marcha e do equilíbrio.” avaliação, bem como respeitar os limites das doenças

19
Introdução à Gerontologia

(prognóstico médico) e a vontade do próprio paciente. acontecer principalmente nos casos de doenças
A seguir, algumas situações muito comuns que podem crônicas, degenerativas, nas quais os ganhos são
dificultar o atendimento fisioterapêutico, e sugestões de mais lentos. Mas o fisioterapeuta deve procurar
possíveis soluções: mostrar ao paciente ou familiar que nestes casos,
o ganho é a manutenção, a estabilização, e se
»» paciente com diagnóstico de demência e com impede que haja piora do caso. O fisioterapeuta
alterações de comportamento, como agressividade deve procurar demonstrar interesse no dia a dia do
ou desinibição sexual: em ambos os casos, o paciente (evolução), estar sempre se atualizando
ideal é conversar com o médico a respeito, para quanto às condutas, saber responder às perguntas, e
verificar se não há quadro de Delirium, e caso mostrar ao família sempre que houver um progresso.
descartado, o médico poderá prescrever um
»» familiar/cuidador formal que não segue as
medicamento para o controle destas alterações,
orientações dadas pelo fisioterapeuta: o cuidador,
uma vez que provavelmente devem se manifestar
seja familiar ou profissional, deve procurar manter
também em outras ocasiões e com outras pessoas
os mesmos objetivos que a fisioterapia, seguindo as
(banho, alimentação, uso de medicamento, etc),
orientações passadas por este. Procure deixá-las em
dificultando os cuidados diários e causando estresse
escrito, com ilustrações, e leia-as juntos com eles, e
nos cuidadores. Observar se o medicamento não
caso deixe exercícios, faça junto com eles, sempre
provoca sonolência excessiva e prejuízos motores,
que precisar. E reforce que caso as orientações não
e avisar o médico. Pacientes com alterações de
sejam seguidas, que o paciente pode piorar, e que
comportamento dificilmente se engajam nas
eles terão mais trabalho, pois o paciente se tornará
condutas, e torna-se praticamente impossível de se
mais dependente deles.
realizar alguma intervenção. E caso contrariados,
podem acentuar sua agressividade. »» familiar que fica com “dó” do paciente, que acha que
a fisioterapia machuca, que “estamos judiando” do
»» paciente com demência apresentando delírios
paciente: geralmente são familiares que questionam
ou alucinações: nestes casos, o manejo é menos
todas as condutas realizadas com o paciente, não
complicado, pois o fisioterapeuta deve procurar
apenas de fisioterapia, mas inclusive as condutas
mudar o foco, tentar desviar a atenção do paciente
médicas. São super-protetoras, e até atrapalham
para outros assuntos. O profissional não deve
na melhora do paciente, pois tendem a fazer as
ignorar o delírio, deve dar um pouco de atenção,
atividades por eles, e não permitem que estimulemos
dar uma resposta aceitável pelo paciente, e desviar
o paciente ao máximo. A melhor conduta é solicitar
sua atenção. Ignorar o delírio pode ser interpretado
que o familiar não esteja presente à terapia.
pelo paciente como falta de interesse, e este pode
não querer mais sua presença. Um exemplo:
O paciente deve ser reavaliado de tempos em tempos,
paciente que insiste que há um cachorro na sala,
e sempre que possível, um novo relatório deve ser
e que está tentando mordê-lo, e que por isso não
entregue ao médico responsável com os ganhos, perdas
quer fazer nenhum exercício na sala. Muitas vezes
e intercorrências.
basta mudar de ambiente, para o paciente aceitar.
Pode acontecer de em poucos minutos o paciente
repetir a mesma alucinação, mesmo que em outra
FISIOTERAPIA NAS DEMÊNCIAS
sala, e neste caso, deve se tentar nova abordagem,
Um idoso com demência apresenta alterações de
ou mudar novamente de ambiente.
funções cognitivas, sendo uma delas obrigatoriamente a
»» paciente/familiar que não valoriza a fisioterapia, memória. A fisiopatologia, sintomas clínicos e tratamento
que não reconhece a melhora: essa reação pode medicamentoso serão abordados no próximo módulo.

20
Introdução à Gerontologia

Uma das principais causas das demências são as um paciente com demência, apesar de ter perdido sua
doenças degenerativas do sistema nervoso central, sendo a memória, não perde sua dignidade e sua história como ser
mais importante, a doença de Alzheimer (DA), responsável humano, e por isso merece respeito mesmo que ele tenha
por 50 a 60% dos casos. que lhe perguntar a todo momento o seu nome.

A degeneração neuronal, que acomete inicialmente


Todos nós fazemos planos para nossas vidas, como
as regiões relacionadas ao aprendizado e memorização,
estudar, namorar, casar, comprar casa,... mas ninguém
se espalha também para os neurônios responsáveis pelas
planeja ter demência. Não faz parte dos nossos planos...
habilidades motoras, e por isso, com a progressão clínica
por isso, não podemos achar que um idoso que colabora
da doença, o idoso passa a ter dificuldades para realizar as
pouco na terapia, que às vezes nos tira a paciência,
atividades funcionais, e na fase mais avançada, apresenta
e que algumas vezes pode até ficar agressivo conosco,
comprometimento inclusive para caminhar, falar, se alimentar
está agindo desta forma de propósito... ele não tem
e até para mover ativamente qualquer articulação.
culpa, ele não queria fazer isso... lembre-se sempre dessa

A progressão é inevitável. Caso nenhuma intervenção mensagem quando for atender um idoso com demência...

seja realizada, inclusive desde a fase inicial, o paciente tenha paciência e muito respeito, pois ele continua sendo

pode progredir até que na fase avançada, assuma a posição uma pessoa com história, personalidade e sentimentos,

fetal e apresente complicações decorrentes da síndrome apesar de ter perdido sua memória...”

do imobilismo (SI - este assunto será retomado em outro


módulo). Estas consequências podem ser minimizadas REFERÊNCIAS
com a fisioterapia.
ALVES LC, LEITE IC, MACHADO CJ. Conceituando e
Nas fases iniciais, enquanto o paciente conseguir realizar mensurando a incapacidade funcional da população idosa.
ativamente os exercícios, deve se objetivar melhorar e/ Uma revisão de literatura. Ciência Saúde Coletiva 2008:
ou manter a força e massa muscular, a amplitude de 1199-207.
movimento, a agilidade, coordenação, equilíbrio e marcha.
Pois com a progressão da doença, o paciente passará a American Psychiatric Association. Diagnostic and
não conseguir mais realizar os exercícios ativamente, Statistical Manual of Mental Disorders, 4a. ed. Washington,
necessitando de auxílio ou movimentação passiva. DC: American Psychiatric Association, 1994.

É essencial nos casos de demência, que o fisioterapeuta


BRANDÃO VMAT, MERCADANTE EF. Envelhecimento ou
oriente os cuidadores e familiares, tanto quanto aos exercícios,
longevidade 2009, São Paulo: editora Paulus.
como quanto à estimulação funcional (permitir que ele faça
as atividades sozinho, enquanto ainda conseguir), forma
COSTA AJL. Methods and measures for the evaluation
correta de se comunicar, de caminhar, etc.
of functional capacity: a preliminary analysis based on the

E quando na fase avançada, orientar quanto às National Household sample survey health interviews –

transferências posturais e o posicionamento correto no PNAD, Brasil. Ciência e Saúde Coletiva 2006; 927-40.

leito, para evitar as complicações da SI, como as úlceras


por pressão, edema em membros inferiores, trombose CUMMINGS JL, MEGA M, GRAY K et al. The Neuropsychiatric

venosa profunda, encurtamento muscular e contraturas Inventory: Comprehensive assessment of psychopathology

articulares com deformidade. in dementia. Neurology 1994;44:2308-2314.

Todas as condutas visam minimizar o sofrimento FREITAS EV, PY L, CANÇADO FAX, DOLL J, GORZONI
do paciente, e proporcionar bem estar e qualidade de ML. Tratado de Geriatria e Gerontologia. 2006, Rio de
vida, mesmo que ele tenha perdido sua autonomia. Pois Janeiro: Editora Guanabara Koogan.

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Introdução à Gerontologia

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