Você está na página 1de 10

GERIR A SI MESMO

Por Peter F. Drucker

Peter F. Drucker é professor na Marie Rankin Clarke de Ciências Sociais e Gestão (Emeritus) e na Universidade
Claremont, na California.

Este artigo é um trecho do seu livro Desafios de gestão para o século 21 (Management Challenges for the
21st Century) (HarperCollins, 1999).

Vivemos em uma era de oportunidades sem precedentes: se uma pessoa tem ambição e inteligência,
pode chegar ao nível mais alto na profissão que escolha, independentemente da posição que tenha
começado.

Mas as oportunidades trazem desafios e responsabilidades. As empresas hoje em dia não gerem as
carreiras profissionais de seus empregados, não oferecem o conhecimento necessário para que se tornem
seus próprios CEOs. Depende de você construir o seu próprio lugar, saber quando mudar o rumo, manter
seu compromisso e sua produtividade no decorrer de sua carreira, a qual pode estender-se por até 50
anos. Para fazer isto de forma correta, você precisa conhecer-se em profundidade, não somente suas
fortalezas e debilidades, mas também seus métodos de aprendizagem e sua relação com os demais, suas
prioridades, os lugares em que contribui com mais valor etc., porque somente a partir das forças chega-se
à excelência.

O sucesso na economia do conhecimento é conquistado por aqueles que conhecem a si mesmos,


entendem suas próprias fortalezas, seus próprios valores e alcançam o nível máximo de rendimento. As
figuras históricas às que atribuímos as maiores conquistas, Napoleão, Da Vinci, Mozart, sempre souberam
gerir a si mesmos. Esta capacidade, em maior medida, serviu como cimentos de seus triunfos. Não
obstante, existem exceções para esta premissa, as quais são tão particulares a seu talento e às conquistas,
que são consideradas fora dos limites da existência humana. Pois bem, a maioria de nós, inclusive
aqueles que somos modestos em nossas capacidades, devemos aprender a gerenciar-nos, a entender
sobre o autodesenvolvimento. Devemos nos colocar no lugar onde nossa contribuição seja a máxima
possível. Temos que estar alertas e ter posicionamento no decorrer da vida laboral. Isto implica aprender
como e quando mudar o que fazemos.

QUAIS SÃO MINHAS FORTALEZAS?


A maioria das pessoas acredita que sabe muito bem em que se destaca, mas, normalmente, esta
percepção não é acertada totalmente. Com frequência, identificamos aquilo em que não nos encaixamos
bem, mas costumamos equivocar-nos. Um indivíduo somente pode prosperar a partir de suas fortalezas,
nunca a partir de seus pontos frágeis, muito menos naquilo que não está absolutamente capacitado.

Historicamente, nunca houve muito interesse pela análise das forças. Os indivíduos nasciam em posições
determinadas, localizados em setores laborais concretos. De tal forma, o filho do campesino seria campesino,
a filha do artesão se casaria com um artesão etc. Hoje, existem alternativas. Devemos conhecer nossos
pontos fortes para identificar nosso lugar de pertencimento.

A única forma de descobrir fortalezas é por meio da análise de feedback. Quando realize uma ação
importante ou tome uma decisão relevante, escreva suas expectativas. Uns nove meses ou um ano
depois, compare os resultados reais com o que você esperava. Eu uso esta técnica há 15 ou 20 anos, e,
cada vez que vejo seus efeitos, me surpreendo. A análise de feedback me ensinou que, por exemplo, para
minha surpresa, tenho uma capacidade intuitiva própria de pessoas técnicas como engenheiros, contáveis
ou pesquisadores de mercado.

A análise de feedback não é nenhuma novidade. Foi concebida no século 14 por um teólogo alemão, muito
crítico no resto de seu pensamento. Cerca de 150 anos depois, ela foi promovida de maneira independente
por João Calvino e Ignacio de Loyola. Os seguidores de ambos a incorporaram em suas práticas. De fato, a
atenção permanente no rendimento e nos resultados explica por que as instituições que estes dois homens
fundaram, o calvinismo e a Companhia de Jesus, chegaram a dominar a Europa durante 30 anos.
Se você pratica a análise constantemente, este simples método é capaz de revelar, em um breve período
de dois ou três anos, onde residem suas fortalezas e qual é o elemento mais relevante delas. O método
expõe aquilo que foi alcançado, o que não foi conseguido e o que priva o indivíduo de suas fortalezas. Ele
mostrará aquilo que você é especialmente competente. E, finalmente, lhe dirá onde não tem fortalezas
e não pode atuar.

Depois desta análise, você poderá visualizar as consequências de suas opções. O primeiro e mais importante
é concentrar em suas forças. Situe-se onde acredita que pode obter os melhores resultados.

No segundo termo, trabalhe na melhoria de suas fortalezas. A análise lhe mostrará rapidamente aquelas
habilidades que deverá melhorar e quais deverá adquirir. Além disso, exporá as carências de conhecimento,
as quais costumam ter solução. Há matemáticos natos, mas qualquer um pode aprender trigonometria.

Terceiro, identifique aqueles momentos em que sua arrogância intelectual cause uma ignorância paralisadora,
e supere-os. Muita gente, especialmente aqueles profissionais com grande experiência em uma área
específica, despreza a importância de outras áreas e equipara o brilho ao conhecimento. Os engenheiros
de primeiro nível, por exemplo, costumam ser orgulhosos por não saber nada da esfera pessoal. Os seres
humanos, conforme alguns deles, são muito caóticos para a mente organizada de um engenheiro. E, pelo
contrário, os profissionais de recursos humanos costumam presumir sua ignorância em finanças fundamentais
ou em métodos quantitativos. Foi demonstrado que este orgulho conduz a uma rápida derrota no âmbito
profissional. Deve-se trabalhar, portanto, na aquisição das habilidades e dos conhecimentos necessários
para desenvolver suas fortalezas de maneira integral.

É igualmente necessário corrigir os maus hábitos, ou seja, as ações que dificultam a eficácia e o rendimento.
Estes aparecem rapidamente no feedback. Por exemplo, uma pessoa que planeja, pode ver que seus
planos não costumam ser concretizados porque deixa de persegui-los. Como muita gente brilhante, ela
acredita que suas ideias movem montanhas. Mas são as escavadeiras as que as movem, enquanto as
ideias mostram para onde o trabalho deve ser direcionado. O planejador deve assimilar que o trabalho
somente termina quando o plano for finalizado. Deve encontrar pessoas para desenvolver o plano, e
pessoas para explicá-lo. Deve adaptar-se e modificá-lo à medida que o implementam. E, finalmente, deve
decidir quando deixar de impulsioná-lo.

Ao mesmo tempo, o feedback deve revelar se o problema é a falta de maneiras de atuação. As maneiras
de atuar, a cortesia, são o lubrificante de uma organização. Uma lei da natureza comprova que dois
corpos que se movem em contato um com o outro geram fricção. Isto é certo tanto para seres humanos
como para objetos. A cortesia que reside nas ações simples como dizer "por favor" e "obrigado", conhecer
o nome de seu interlocutor ou perguntar por sua família permitem que duas pessoas trabalhem juntas,
independentemente se têm uma boa relação ou não. As pessoas brilhantes, especialmente as mais
jovens, têm dificuldades para entender isto. Se a análise demonstra que o trabalho de alguém brilhante
fracassa, reiteradamente, quando este requer a cooperação por parte dos demais, podemos suspeitar que
nos encontramos diante de uma provável falta de cortesia, uma carência nas boas maneiras de atuar.

Comparar as expectativas com os resultados indica que ações não devem ser feitas. Para todos, há áreas
nas que não temos talento, nem habilidade. Por exemplo, uma pessoa cujo trabalho seja de caráter
intelectual, não deveria assumir funções ou tarefas físicas especializadas, ainda que lhe pareçam simples.
Não deveria investir muito esforço no desenvolvimento de áreas de baixa competência. Requer muito
mais energia chegar da incompetência à mediocridade que do alto rendimento à excelência. Ainda assim,
muitas pessoas e entidades, especialmente professores e empresas, centram-se em transformar o
rendimento incompetente em medíocre. Esta energia, estes recursos e este tempo deveriam ser investidos
em transformar uma pessoa competente em uma pessoa que renda ao mais alto nível.

COMO MEU RENDIMENTO É PRODUZIDO?


Existe um número muito reduzido de pessoas extraordinárias que sabem como fazer as coisas. De fato, a
maioria nem sequer sabe que indivíduos distintos sempre atuam de maneira diferente. Há muita gente
que trabalha de maneiras que não são próprias, e isto é algo que oferece poucas garantias de rendimento
efetivo. Para os trabalhadores vinculados ao conhecimento, requer muito mais energia partir da incompetência
para chegar à mediocridade que alcançar a excelência a partir de um alto grau de rendimento. "Como
devo desempenhar minhas funções?" talvez seja uma pergunta inclusive mais importante que "quais são
minhas fortalezas?".

Como nas fortalezas, a maneira como a pessoa atua é única. É uma questão de personalidade. Seja uma
parte da nossa natureza ou algo adquirido seguindo uma aprendizagem, com certeza, a personalidade é
formada muito antes de que uma pessoa acesse ao mundo laboral. A forma que uma pessoa rende é algo
dado, da mesma forma que aquilo que uma pessoa é boa ou não. A forma de rendimento pode variar
ligeiramente, mas é muito improvável que mude na sua totalidade e, logicamente, não é fácil. Do mesmo
modo que as pessoas conseguem resultados naquilo que são boas, também o fazem quase sempre
segundo maneira que se sintam mais confortáveis. Alguns traços comuns de personalidade costumam
determinar como funciona o ser humano.

SOU LEITOR OU OUVINTE?


A primeira coisa que você deve saber é se é leitor ou ouvinte. A imensa maioria não sabe se são uma
coisa ou outra. Em raras vezes, somos ambos. Os seguintes exemplos lhe servirão para ver o dano que
esta ignorância pode causar.

Quando Dwight Eisenhower foi Comandante Supremo das Forças Aliadas na Europa, era o favorito dos
meios de comunicação. Suas coletivas de imprensa eram famosas por seu estilo. O General Eisenhower
mostrava um controle total sobre qualquer pergunta que lhe formulassem e era capaz de descrever
qualquer situação ou política em duas ou três frases polidas e elegantes. Após 10 anos, os mesmos
jornalistas que haviam sido seus admiradores deixaram de estimá-lo tanto: nunca respondia às perguntas
e, ainda que se queixassem, divagava e falava sobre outros temas. Eisenhower era constantemente
ridicularizado pelo seu mal uso do inglês, com respostas incoerentes e carentes de gramática.

Eisenhower não parecia saber que era um leitor e não um ouvinte. Quando era Comandante Supremo
na Europa, seus ajudantes se asseguravam que todas as perguntas da imprensa fossem apresentadas
por escrito, pelo menos meia hora antes do começo das conferências. E Eisenhower tinha o poder
absoluto. Era sucessor de dois ouvintes: Franklin D. Roosevelt e Harry Truman. Ambos disfrutavam desta
condição quando acudiam a conferências abertas ao público. Eisenhower talvez tenha acreditado que
devia fazer o que seus dos predecessores tinham feito. Como resultado, nunca escutava as perguntas que
lhe formulavam.

Na realidade, Eisenhower não é sequer um caso extremo deste desconhecimento. Anos mais tarde,
Lyndon Johnson desgastou-se politicamente, em grande parte, porque não sabia que era ouvinte. Seu
predecessor, John Kennedy, era um leitor. Contratou um brilhante grupo de escritores como assessores
e tinha a certeza de que lhe escrevessem suas anotações em mãos. Johnson os manteve em sua equipe,
e seguiram escrevendo. Agora, sabemos que nunca entendeu uma palavra do que escreviam. Por outro
lado, como senador, Johnson foi excelente, porque os parlamentares têm que ser, sobretudo, ouvintes.
Poucos ouvintes podem tornar-se leitores competentes, e vice-versa. O ouvinte que tente ser leitor sofrerá,
portanto, o mesmo destino que Johnson, já o leitor que tente ser ouvinte seguirá o caminho de Eisenhower.
Nenhum dos dois poderá desempenhar seu trabalho ao máximo nem alcançar objetivos importantes.

COMO APRENDO?
O segundo que tem que conhecer sobre como atuar é seu método de aprendizagem. Como muitos
escritores importantes, Winston Churchill é um dos exemplos de baixo rendimento escolar. Costuma-se
lembrar desta etapa como uma autêntica tortura. Por outro lado, poucos de seus companheiros de sala
o lembram da mesma maneira. É possível que não tenham gostado de ir à escola, mas o pior foi o tédio.
A explicação para isso é que os escritores, de maneira geral, não aprendem mediante a escuta ou
a leitura, mas sim aprendem quando escrevem. Como na escola não se pode aprender sempre desta
forma, tiram más notas.

As escolas de todo o mundo se organizam a partir da premissa de que somente existe uma forma correta
de aprender e que é universal. Esta imposição inútil para os estudantes que aprendem de uma maneira
distinta. De fato, é provável que haja centenas de formas de aprender.
Não tente mudar a si mesmo, é pouco provável que se saia bem. Trabalhe para melhorar a sua forma
de atuar.

Como já dissemos, há pessoas como Churchill, que aprendem por meio da escrita. Entre elas, algumas
aprendem fazendo muitas anotações. Beethoven, por exemplo, deixou-nos uma grande quantidade de
partituras, mas afirmava que nunca as olhava para compor. Quando lhe perguntaram por que as guardava,
dizem que ele respondeu: "Se não escrevo o que penso de uma vez, esqueço-o completamente. Nas se
o escrevo num caderno, lembro-me para sempre do que escrevi e nunca mais tenho que buscá-lo
novamente". Algumas pessoas aprendem dessa maneira. Outros escutam a si mesmos.

Um executivo que conheço transformou um pequeno e medíocre negócio familiar, a empresa líder
do setor. Ele era uma daquelas pessoas que aprendia enquanto falavam. Tinha o hábito de chamar todos
os seus funcionários mais velhos para o seu escritório uma vez por semana e conversar com eles durante
duas ou três horas. Ele trazia questões políticas e diferentes perspectivas para análise. Raramente, pedia
reflexões ou perguntas, apenas precisava de uma audiência para ouvi-lo. Foi assim que ele aprendeu.
E, embora seja um caso extremo, aprender com o discurso não é um método pouco habitual. Os advogados
de sucesso aprendem da mesma maneira, assim como muitos profissionais na área do diagnóstico
médico (e eu também).

De todos os aspectos mais importantes do autoconhecimento, compreender como aprendemos é o mais


fácil de adquirir. Quando pergunto às pessoas "como você aprende?", a maioria sabe a resposta. Mas
quando eu pergunto, "você age com base nesse conhecimento?", poucos respondem que sim. E, no
entanto, agir com base nisso é a chave para um desempenho positivo. Pelo contrário, não agir a partir
dep que sabemos nos condena à estagnação.

"Sou um leitor ou um ouvinte?" e "como aprendo?" são as primeiras perguntas que devemos nos fazer.
Mas não são as únicas. Para gerir-nos de maneira eficaz, também temos de nos perguntar primeiro:
"Trabalho melhor em equipe ou sozinho?". Se a resposta é que trabalhamos melhor como equipe, deve-
mos nos perguntar: "Com que tipo de relacionamento?”.

Algumas pessoas trabalham melhor como subordinados. O General George Patton, o grande herói militar
americano da Segunda Guerra Mundial, é um excelente exemplo. Patton foi o brigadeiro geral dos Estados
Unidos. No entanto, quando foi proposto que se tornasse major geral, o general George Marshall, chefe de
estado dos EUA e, provavelmente, recrutador mais bem-sucedido da história do país, disse: "Patton é o
melhor subordinado que o exército americano já produziu, mas ele seria o pior general”.

Algumas pessoas trabalham melhor como membros de uma equipe. Outros trabalham melhor sozinhos.
Alguns têm talento excepcional como coaches e mentores, outros são simplesmente incompetentes
nesse papel.

Outra questão crucial é: "Sou melhor tomando decisões ou aconselhando? Muitas pessoas dão bons
conselhos, no entanto, poucas são capazes de assumir o fardo e a pressão das decisões. Outras, porém,
precisam de pessoas que os aconselhem e os obriguem a pensar, a tomar iniciativa e a agir com rapidez,
confiança e coragem.

Esta é uma das razões pelas quais os indivíduos do segundo maior cargo das organizações falham com
frequência quando são promovidos para números um. O posto principal requer uma pessoa para tomar
decisões. Muitas vezes, aqueles que tomam decisões importantes dependem de uma segunda pessoa
como assessor e, dessa forma, alguns são brilhantes, mas, se colocados no maior cargo sozinhos, falham.
Estas pessoas conhecem a responsabilidade que vem com as decisões, mesmo assim, são incapazes
de aceitá-la.

Outras perguntas a considerar são as seguintes: "Trabalho bem sob pressão ou preciso de um ambiente
estruturado e previsível?" e "trabalho melhor em uma grande ou pequena empresa?". Poucas pessoas
sabem como trabalhar bem em todos os tipos de ambiente. Vi muitas pessoas bem-sucedidas nas
grandes organizações sentirem-se miseráveis nas menores, e o oposto.
Vale a pena notar, portanto, a seguinte conclusão: se não for você mesmo, falhará. Claro, trabalhe duro
para melhorar e não tente assumir mais trabalho do que consegue lidar.

QUAIS SÃO OS MEUS VALORES?


Para ser capaz de se autogerir, você deve perguntar a si mesmo: "Quais são os meus valores?”. Não se
trata de ética. Nesta área, as regras são as mesmas para todos e a demonstração é simples, a denomino
"o teste do espelho".

Nos primeiros anos deste século, o diplomata mais respeitado de todas as grandes potências era o
embaixador da Alemanha no Reino Unido. Estava destinado a fazer grandes coisas, entre elas, tornar-se
Ministro de Assuntos Exteriores ou até mesmo Chanceler Federal da Alemanha. Contudo, em 1906,
renunciou presidir um jantar oferecido pelo corpo diplomático do Rei Eduardo VII. O rei era um conhecido
mulherengo e deixou claro o tipo de jantar que queria. O embaixador disse: "Recuso-me a ver um cafetão
no espelho ao fazer a barba de manhã”.

Este é o teste do espelho. A ética quer que nos perguntemos: "Que tipo de pessoa quero ver refletida no
espelho na manhã seguinte?”. Um comportamento antiético em uma organização ou situação pode ser
um comportamento ético em outra. Mas a ética é apenas parte de um sistema de valores, especialmente,
de um sistema de valores de uma organização. Trabalhar em uma organização cujo sistema de valores é
inaceitável ou incompatível com o seu próprio sistema condena uma pessoa à frustração e a um desempenho
inferior ao esperado.

Considere a experiência de um profissional de recursos humanos de grande sucesso, cuja empresa foi
adquirida por uma empresa maior. Após a aquisição, foi promovido para desempenhar as funções que
estava mais apto, o que incluía a seleção de pessoas para cargos importantes. O especialista acreditava
firmemente que uma empresa só deveria contratar pessoas de fora depois de esgotar todas as possibilidades
internas. Mas a sua nova empresa acreditava na procura de talentos externos para "trazer ar fresco".
Há algo a dizer em relação a ambas abordagens: pela minha experiência, a coisa certa a fazer é adotar
ambas ao mesmo tempo. No entanto, são incompatíveis, não como políticas empresariais, mas como
valores. Abrangem diferentes pontos de vista sobre a relação entre organizações e indivíduos, diferentes
ideias sobre a responsabilidade de uma organização perante sua equipe e o seu desenvolvimento,
e diferentes visões sobre a contribuição que uma pessoa deve oferecer a uma empresa. Após vários anos
de frustração, o profissional pediu as contas, depois de ter causado grandes prejuízos. Os seus valores
e os da organização não eram compatíveis.

Do mesmo modo, se uma empresa farmacêutica tenta obter resultados por meio de melhorias constantes
e pequenas, e obtém "avanços" pontuais muito caros e arriscados, não falaríamos de uma questão
econômica. Os resultados de qualquer uma das estratégias são praticamente os mesmos. No fundo,
existe um conflito entre um sistema de valores que prevê a contribuição da empresa como uma forma
de ajudar os físicos a melhorar seu trabalho, e um sistema de valores orientado para a realização
de descobertas científicas.

Se uma empresa deve funcionar para conseguir resultados a curto prazo, focando-se nas tarefas que
um trabalhador faz bem, muito bem e com êxito, pode não conseguir encaixar-se no seu próprio sistema
de valores. A longo prazo, também pode-se observar conflitos de valores. Os analistas financeiros consideram
que as empresas podem funcionar para ambos lados de forma simultânea. Os empresários exitosos
sabem melhor.

Sem dúvida, cada empresa tem que obter resultados a curto prazo. Mas, em qualquer disputa, entre os
resultados a curto prazo e o crescimento a longo prazo, cada empresa deve determinar suas prioridades.
Não se trata de um desacordo econômico. É fundamentalmente um problema relacionado à função
corporativa e à responsabilidade de sua gestão. Os conflitos de valor não se limitam às organizações
empresariais. Uma das igrejas pastorais de maior crescimento nos Estados Unidos mede o sucesso pelo
número de novos congregados. Sua liderança reside no número de recém chegados que se unem
à congregação. Deus se ocupará de suas necessidades espirituais ou ao menos das necessidades
de uma porcentagem suficiente de pessoas. Outra igreja pastoral e evangélica acredita que o que importa
é o crescimento espiritual das pessoas. Esta igreja alivia aos recém chegados, mas não entram em sua
vida espiritual.

Uma vez mais, não é uma questão de números. À primeira vista, parece que a segunda igreja cresce mais
lentamente, porém conserva uma maior proporção de novos congregados que a primeira. Seu crescimento,
em outras palavras, é mais sólido. Isto também não é um problema teológico secundário, mas tem a ver
com valores organizativos. Em um debate público, um pastor argumentou: "A não ser que venha primeiro
à porta da igreja, não encontrará nunca a porta do Reino dos Céus". "Não", respondeu o outro. "A não ser
que busque a porta ao Reino dos Céus, não pertencerás nunca à igreja", lhe replicou.

Tanto as organizações como as pessoas têm valores. Para trabalhar com eficácia em uma organização, os
valores de uma pessoa devem ser compatíveis. Não é necessário que sejam os mesmos, mas devem estar
próximos para coexistir. Do contrário, a pessoa não compatível, não somente se sentirá frustrada, como
também não obterá resultados.

As fortalezas de uma pessoa e a maneira que atua, raras vezes, entram em conflito. Os dois aspectos são
complementários. Por outro lado, podem surgir desavenças entre os valores e as suas fortalezas. O que
uma pessoa faz bem, muito bem e com êxito, pode não se encaixar com o próprio sistema de valores.
Neste caso, talvez não valha a pena entregar toda uma vida a esta ocupação (ou nem sequer uma parte
considerável dela).

Eu acrescentaria uma história pessoal. Há muitos anos, eu também tive que repensar se meus valores
e o que me proporcionava o sucesso coincidiam. Era um jovem e uma promessa como investidor que
triunfava em Londres, a meados dos anos 30. O trabalho caia como uma luva para mim. Por outro lado,
eu não enxergava minha carreira neste setor. Percebi que o que realmente valorizava eram as pessoas.
Não tinha sentido estar sozinho e ser o homem mais rico do cemitério e, à margem do meu trabalho, não
tinha maiores perspectivas vitais. Apesar de depressões contínuas, consegui deixar meu trabalho, e foi
o melhor que fiz. Os valores, em definitivo, devem ter sempre a última palavra.

A ONDE PERTENÇO?
Alguns privilegiados encontram logo seu lugar. Matemáticos, músicos ou cozinheiros, para dar alguns
exemplos, no geral, conhecem sua vocação desde que têm quatro ou cinco anos. Os físicos, por sua
parte, costumam decidi-lo na adolescência, se não antes. Mas a maioria das pessoas, especialmente
aquelas que possuem um talento especial, não sabem aonde pertencem até depois dos 20. Não obstante,
dessa forma, já devem saber as respostas para estas três perguntas: "Quais são minhas fortalezas?",
"Como atuo?" e "Quais são meus valores?". E, somente então, podem e devem decidir aonde pertencem.

Ou, pelo menos, devem ser capazes de decidir aonde não pertencem. Aqueles que aprenderam que não
se enquadram em uma grande organização também deveriam ter aprendido a desistir de ocupar uma
posição semelhante no futuro. Aqueles que aprenderam que não são bons nas decisões já deveriam ter
aprendido a dizer não ao assumir uma posição que envolva tal papel. O General Patton, que provavelmente
nunca aprendeu esta lição, deveria ter aprendido a renunciar um comando independente.

Da mesma forma, ter as respostas destas perguntas permite tomar decisões ao deparar-nos com oportunidades
concretas, ofertas ou tarefas, e ser capaz de dizer "sim, eu vou fazer isto, mas desta forma, e estruturará
esta outra decisão. É assim que deveriam ser as relações. Este é o tipo de resultado que obterá de mim
porque o que eu faço é um reflexo de quem eu sou”.

As carreiras bem-sucedidas não estão planejadas. Desenvolvem-se quando as pessoas estão dispostas
a novas oportunidades, porque estão conscientes dos seus pontos fortes, da sua forma de trabalhar e dos
seus valores. Uma pessoa trabalhadora e competente, mesmo que convencional em certos aspectos,
pode fazer coisas extraordinárias se tiver clareza sobre a sua posição.

COM O QUE POSSO CONTRIBUIR?


Ao longo da história, nem todos se perguntaram: "Com o que posso contribuir?”. Alguém lhes disse o que
deviam fazer, e as suas tarefas eram determinadas pelo próprio trabalho (no caso dos camponeses ou dos
artesãos) ou pelos seus senhores, como era o caso dos criados. E, até muito recentemente, presumia-se
que a maioria das pessoas estava subordinada às ordens de outras. Mesmo nos anos 50 e 60, os novos
"trabalhadores do conhecimento" procuravam o apoio dos departamentos de recursos humanos nas suas
empresas na hora de tomar decisões sobre suas carreiras.

Depois, no final dos anos 60, isso mudou, e ninguém queria que lhe dissessem o que tinha que fazer. Os
jovens começaram a perguntar-se: "O que eu quero fazer?”. E a resposta era: "Faça as suas coisas". Mas
esta solução era tão pobre como a dos homens dos anos 50. Muitas poucas pessoas acreditavam,
realmente, que cuidar apenas de si mesmo poderia levá-lo a sentir-se realizado ou a dar uma resposta
satisfatória a qualquer uma das três perguntas anteriores.

Em qualquer caso, a opção de seguir as tarefas atribuídas por outros já não foi considerada. Os trabalhadores
do conhecimento tiveram que se perguntar algo nunca formulado: "Qual deveria ser a minha contribuição?”.
Para responder a isto, deveriam abordar três elementos diferentes: 1) o que a situação exige; 2) dados os
meus pontos fortes, a minha forma de agir e os meus valores, como posso contribuir para a sociedade; 3)
e, finalmente, que resultados é necessário alcançar para fazer a diferença?

Imagine a experiência de um administrador hospitalar que acaba de ser nomeado. O hospital era grande
e muito conceituado, mas tinha vivido à altura da sua reputação durante 30 anos. O novo administrador
decidiu que a sua contribuição deveria ser o estabelecimento de um padrão de excelência em alguma
área importante no prazo de dois anos. Decidiu concentrar-se no departamento de urgências, que era
grande, de fácil acesso, mas que estava um pouco negligenciado. Ele estipulou que cada paciente
ingressado em urgências deveria ser atendido por uma enfermeira qualificada no prazo de 60 segundos.
No espaço de 12 meses, a sala de urgências do hospital tornara-se um modelo de referência para todos
os hospitais dos Estados Unidos e, dois anos mais tarde, todo o edifício foi transformado.

Como o exemplo sugere, raramente é possível, ou mesmo particularmente útil, fazer planos a longo prazo.
Normalmente, para que um plano seja claro e específico, não pode abranger mais de 18 meses. Assim,
a abordagem na maioria dos casos deveria ser: "Onde e como posso alcançar os resultados que irão fazer
a diferença no próximo ano e meio? A resposta deveria ser um conjunto de várias coisas. Em primeiro
lugar, os resultados devem ser ambiciosos, difíceis de alcançar e que nos obriguem a ir além dos nossos
limites. Mas, ao mesmo tempo, eles devem estar ao nosso alcance. Tentar obter resultados que não
podem ser alcançados ou que só podem ser alcançados em algumas circunstâncias não é ser ambicioso,
é ser estúpido. Em segundo lugar, os resultados devem ser significativos, devem alterar a situação. E,
finalmente, devem ser visíveis e, se possível, mensuráveis. Disso resultará um plano de ação: o que fazer,
por onde começar, como agir, que objetivos estabelecer e que prazos estabelecer.

RESPONSABILIDADE NAS RELAÇÕES


Apenas alguns grandes artistas, cientistas ou atletas conseguem resultados por conta própria. A grande
maioria de nós trabalhamos com outros e somos eficazes com a ajuda de outros. Isto é uma realidade
quer seja de empregados de uma organização ou de profissionais independentes. Gerir a si mesmo
requer assumir a responsabilidade das relações. E isto tem duas partes.

O primeiro é aceitar o fato de que os outros são tão individuais quanto você. E se comportam constante-
mente como seres humanos, o que significa que têm as suas próprias forças, a sua maneira pessoal de
fazer as coisas e os seus próprios valores. Para ser produtivo, é necessário, portanto, conhecer os pontos
fortes, as formas de agir e os valores dos nossos companheiros de trabalho.

Pode parecer óbvio, mas nem todos prestam atenção a estas questões. O exemplo típico é o trabalhador
que, de maneira usual, elabora relatórios, ensinado pelo seu primeiro chefe. Esse chefe era um leitor,
mas, mesmo que o próximo chefe seja um ouvinte, o funcionário continuará com os relatórios que não
produzirão os resultados esperados. O novo chefe pensará que o empregado é estúpido, incompetente
e preguiçoso, o que o fará fracassar. Isto poderia ter sido evitado se o empregado tivesse analisado
a maneira de atuar e as expectativas do novo chefe.
Ser chefe não é apenas um título no organograma de uma empresa, nem uma função que uma pessoa
autoritária deva cumprir. Os chefes devem ser indivíduos capazes de fazer o seu trabalho da melhor
maneira possível. E as pessoas que trabalham com eles devem observá-los, descobrir como funcionam
e adaptar-se ao que os torna eficazes. De fato, isso significa precisamente o que é saber “gerir”
de um chefe.

O mesmo se aplica a outros colegas de trabalho. Cada um trabalha da sua maneira, não da nossa. E cada
um tem o direito de utilizar os seus próprios métodos. O que é realmente importante é a coordenação com
os seus valores. O segredo é compreender as pessoas com quem trabalhamos e de quem dependemos
para utilizar os seus pontos fortes, a sua forma de trabalhar e os seus valores. As relações são tanto sobre
as pessoas como sobre o trabalho.

A segunda parte da responsabilidade das relações é a de assumir a responsabilidade pela comunicação.


Sempre que começava a trabalhar numa empresa, a primeira coisa que ouvia eram advertências sobre
certos conflitos de personalidade. A maioria deles surge da falta de comunicação entre os membros
da organização sobre o que fazem, como o fazem, o que trazem para o resto ou que resultados são
esperados. Em muitas ocasiões, simplesmente, ninguém se limita a perguntar e, como consequência,
ninguém o expressa.

Esta incapacidade de perguntar é o melhor reflexo da estupidez humana da história. Até há pouco tempo,
era desnecessário dizer abertamente qualquer uma destas coisas a alguém. Na cidade medieval, todos
os vizinhos praticavam o mesmo comércio. No campo, todos os camponeses de um vale plantavam
o mesmo cultivo, logo que a geada desaparecia do solo. Além disso, aquelas poucas pessoas que faziam
coisas que não eram "comuns" trabalhavam sozinhas, pelo que não tinham de dizer a ninguém o que faziam.

Atualmente, a grande maioria das pessoas trabalha com pessoas diferentes que têm tarefas e responsabilidades
diferentes. Por exemplo, o vice-presidente de marketing de uma empresa pode ter uma grande experiência
em vendas e saber tudo sobre esta área, mas não saber nada sobre temas que nunca tratou antes:
preços, publicidade, embalagem etc. Portanto, as pessoas que fazem estas coisas devem certificar-se de
que ele compreenda o que se pretende fazer, a razão para isso, como o farão e que resultados esperam.

Se esse vice-presidente não compreende o que esses peritos altamente especializados propõem, a culpa
é sobretudo dos funcionários, não do chefe. Eles não lhe ensinaram isso. Pelo contrário, é responsabilidade
do vice-presidente assegurar que todos os seus colegas compreendam como entende o marketing: quais
são os seus objetivos, como trabalha, o que espera de si mesma e quais os resultados que pretende
alcançar com cada um deles.

Mesmo as pessoas que compreendem a importância de assumir a responsabilidade nas suas relações,
muitas vezes, não comunicam o suficiente com os seus colegas. Têm medo de ser vistos como presunçosos,
inquisitivos ou estúpidos. Mas eles estão enganados, porque sempre que alguém se dirige a um parceiro
e diz: "É nisto que sou bom. É assim que eu trabalho. Estes são os meus valores. Esta é a contribuição
que pretendo me concentrar e estes são os resultados que devo obter", a resposta é sempre: "Foi muito
útil, mas por que não me disse isto antes?”.

E essa pessoa obtém a mesma reação (sem exceção, na minha experiência), se outra pessoa lhe pergun-
tar "e o que devo saber sobre os seus pontos fortes, os seus valores e a sua contribuição?", e recebe uma
resposta semelhante. De fato, os especialistas em conhecimento deveriam propor estas questões a todas
as pessoas com quem trabalham, quer sejam subordinados, superiores ou colegas de equipe. E, uma vez
mais, sempre que fazemos isto, a reação é sempre: "Obrigado por perguntar, mas por que não me
perguntou isto antes?”.

A capacidade das organizações já não se baseia na sua força, mas na confiança e intimidade que permeia
entre os seus membros. Só porque existe confiança entre as pessoas, não significa, necessariamente, que
haja simpatia. A primeira regra secreta para alcançar a eficácia é compreender as pessoas com quem
trabalhamos para que possamos tirar proveito dos seus pontos fortes. Isto significa que nos entendemos
uns aos outros. Portanto, assumir a responsabilidade das relações é uma necessidade essencial. É um
dever, quer seja um membro da organização ou alguém de fora, ou seja, um consultor, um fornecedor,
um distribuidor etc. Devemos esta responsabilidade a todos os colegas de trabalho: tanto àqueles de cujo
trabalho dependemos, quanto àqueles que dependem do nosso.
A SEGUNDA VIDA
Quando para a maioria das pessoas trabalhar envolvia uma tarefa manual, não precisavam preocupar-se
com a segunda parte da sua vida. Simplesmente, continuavam o que sempre fizeram e, se tinham a sorte
de sobreviver durante 40 anos de trabalho árduo no moinho ou no trilho do trem, sentiam-se muito felizes
por poderem passar o resto dos seus dias sem fazer nada desagradável. Atualmente, porém, a maior
parte do trabalho está ligada ao conhecimento, e os trabalhadores do conhecimento não estão "acabados"
após 40 anos de trabalho, mas simplesmente entediados.

Ouve-se falar muito da crise dos 40 nos executivos. Trata-se, acima de tudo, de tédio. Aos 45, a maioria
dos executivos já atingiu o topo das suas carreiras e está ciente disso. Após 20 anos fazendo o mesmo
tipo de trabalho, dominam-no perfeitamente, mas não aprendem, não desafiam a si mesmos e não
encontram satisfação profissional. É provável que ainda enfrentem mais 20 ou até mesmo 25 desta situação.

É por isso que a autogestão o conduzirá progressivamente ao início de uma segunda carreira. Há três
formas de desenvolvê-la. A primeira é, na verdade, iniciar uma nova. Muitas vezes, isto não requer mais
do que a mudança de um tipo de organização para outra: por exemplo, um chefe de seção de uma
grande empresa que se torna o gestor de um hospital de tamanho médio. Mas há também um número
crescente de pessoas que mudam para diferentes linhas de trabalho: por exemplo, um executivo de uma
empresa que quer trazer os seus conhecimentos para o setor público aos 45 de idade, ou, inversamente,
um alto funcionário público experiente que se inscreve numa empresa privada ou um gestor de nível
médio que deixa a vida corporativa após 20 anos, para ir para a faculdade de direito e se tornar advogado
em uma pequena cidade.

Veremos muitas mais segundas carreiras prosseguidas por pessoas que obtiveram um sucesso modesto
nos seus primeiros empregos. Estas pessoas têm competências consideráveis e sabem trabalhar bem.
Precisam de uma comunidade, a casa está vazia e as crianças desapareceram. Podem também precisar
de um rendimento, mas, acima de tudo, precisam de um desafio.

Por outro lado, uma forma de se prepararem para a segunda metade das suas vidas consiste em
desenvolverem uma carreira paralela. Muitas pessoas que têm sucesso nas suas principais carreiras
permanecem no emprego que sempre tiveram, seja a tempo completo, parcial ou como consultores
externos. Mas também, procuram trabalho paralelo, geralmente em uma organização sem fins lucrativos,
que pode envolver mais dez horas de trabalho por semana. Podem assumir a administração da sua
paróquia, por exemplo, ou a presidência do conselho local das escoteiras. Podem dirigir um abrigo para
mulheres vítimas de violência, trabalhar como bibliotecários infantis, participar no Conselho Escolar etc.

Por último, temos os empresários sociais. Trata-se normalmente de pessoas que tiveram muito sucesso
no início das suas carreiras. Eles gostam do seu trabalho, mas já não é um desafio. Em muitos casos,
continuam fazendo o mesmo de sempre, mas dedicam cada vez menos tempo. Também iniciam outra
atividade, normalmente sem fins lucrativos. Meu amigo Bob Buford, por exemplo, iniciou uma empresa
de televisão de grande sucesso que ainda dirige. Mas ele também fundou uma organização sem fins
lucrativos de sucesso, que trabalha com igrejas protestantes, e está criando outra para ensinar os
empreendedores sociais a administrar as suas próprias organizações sem fins lucrativos, em paralelo
com os seus negócios anteriores.

As pessoas que gerem a segunda metade das suas vidas podem ser sempre uma minoria. A maioria pode
"aposentar-se no trabalho" e contar os anos à sua aposentadoria efetiva. Mas são minoria os homens e as
mulheres que veem uma extensa expectativa de vida profissional como uma oportunidade para si
mesmos e para a sociedade, tornando-se líderes e modelos a seguir, no futuro.

Há uma condição prévia para gerir a segunda metade da nossa vida: temos de começar muito antes de
entrarmos nela. Quando, há 30 anos, ficou evidente que a expectativa de vida ativa estava aumentando
muito rápido, muitos observadores (incluindo eu mesmo) acreditavam que os aposentados entrariam,
cada vez mais, no voluntariado em organizações sem fins lucrativos. Isto não aconteceu. Se uma pessoa
não se voluntariar antes dos 40 anos, não se envolverá ao superar os 60 anos.
Do mesmo modo, todos os empresários sociais que conheço começaram a trabalhar na sua segunda
empresa muito antes de terem atingido o auge da primeira. Veja-se o exemplo de um advogado de
sucesso, consultor jurídico de uma grande empresa, que criou uma empresa para criar escolas modelo
no seu estado. Começou a fazer trabalho voluntário de aconselhamento jurídico para instituições educativas
quando tinha cerca de 35. Foi eleito para o Conselho Escolar aos 40 anos de idade. Aos 50 anos, quando
tinha acumulado uma fortuna, iniciou a sua própria empresa para criar e dirigir escolas modelo. No
entanto, ele continua quase a tempo integral como principal advogado na empresa que ajudou a fundar
quando era jovem.

Há outra razão para desenvolver um segundo foco e fazê-lo rapidamente. Ninguém pode esperar viver
muito tempo sem experimentar um sério obstáculo em sua vida ou em seu trabalho. Temos o engenheiro
competente que não é considerado para promoção aos 45 anos. Temos a bem preparada professora
universitária que, aos 42 anos, percebe que nunca conseguirá uma vaga em uma grande universidade,
ainda que possa estar plenamente qualificada para tal. Temos tragédias familiares: a dissolução de um
casamento ou a perda de um filho. Nesses momentos, um segundo foco de interesse, além de um mero
hobby, pode fazer toda a diferença. O engenheiro, por exemplo, sabe agora que não teve muito sucesso
no seu trabalho, mas fora dele, como tesoureiro de sua igreja, por exemplo, o teve. A família pode se
separar, mas ainda existe uma comunidade nessa atividade externa.

Numa sociedade em que o sucesso se tornou tão importante, ter escolhas será cada vez mais importante.
Em termos históricos, o conceito de "sucesso" não existe. A esmagadora maioria das pessoas aspirava
apenas permanecer no seu lugar, como diz um velho ditado inglês. A única mobilidade foi a mobilidade
descendente.

No entanto, numa sociedade do conhecimento, esperamos que todos tenham sucesso. Isto é claramente
impossível. Para muitas pessoas, na melhor das hipóteses, o fracasso é evitado. Onde há sucesso, haverá
fracasso. Por isso, é de vital importância para o indivíduo, e igualmente importante para a família do
indivíduo, ter uma área onde seja possível contribuir com algo, fazer a diferença e ser alguém. Isso
significa encontrar uma segunda área, seja e uma segunda carreira, em uma carreira paralela ou em uma
organização social que ofereça a oportunidade de ser um líder, de ser respeitado, de alcançar o sucesso.

Os desafios da autogestão podem parecer óbvios e elementares, e as respostas podem ser óbvias, se não
ingênuas, mas esta tarefa exige que o indivíduo enfrente novidades sem precedentes, especialmente se
for um trabalhador do conhecimento. De fato, esta gestão exige que cada trabalhador do conhecimento
pense e se comporte como um diretor executivo.

Além disso, a evolução do trabalho manual, em que se faz o que se manda, para o trabalho do conheci-
mento, em que se gerencia próprio tempo, é um desafio profundo para a estrutura social. Toda sociedade,
mesmo a mais individualista, pressupõe duas coisas, ainda que inconscientemente: que as organizações
sobrevivam aos trabalhadores e que a maioria das pessoas queira permanecer no seu posto.

Mas agora a situação é a oposta. Os trabalhadores do conhecimento sobrevivem às organizações e são


móveis. Por conseguinte, nos assuntos humanos, em relação à forma como entendemos o mundo
profissional, satisfazer a necessidade de autogestão suporia um acontecimento verdadeiramente
revolucionário.

Você também pode gostar