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Análise sensorial de vinhos tintos

Apresentação
A qualidade de um produto de consumo abrange três aspectos fundamentais: físico-químico,
sensorial e microbiológico. Sem dúvida, o sensorial é o mais relacionado com a qualidade percebida
pelo consumidor; portanto, é o maior responsável pela escolha do produto. Assim, os atributos de
qualidade sensorial, como visual, aroma e sabor, precisam ser constantemente monitorados e
servem a interesses econômicos. Apesar de existirem diversos métodos para a análise sensorial, os
vinhos têm regras próprias para sua degustação. Por meio dela, o consumidor poderá avaliar
aspectos visuais, olfativos e gustativos que revelarão características-chave do produto, como
variedade de uva utilizada, método de vinificação, além do envelhecimento. Entretanto, não é
apenas dos órgãos sensoriais que depende a avaliação; o conforto ambiental e a utilização correta
dos utensílios terão fundamental importância.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai aprender a importância da avaliação correta de vinhos
tintos e conhecer as principais regras para realizar a análise sensorial de vinhos tintos.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Avaliar a importância da análise sensorial na percepção dos atributos de vinhos tintos.


• Explicar as etapas da análise sensorial de vinhos tintos.
• Descrever a análise sensorial de vinho tinto.
Desafio
O método de avaliação sensorial de vinhos envolve passos específicos relacionados com os
sentidos humanos e que são fundamentais para a identificação das características-chave da bebida.
Além de possibilitar reconhecer aspectos de qualidade, uma técnica apurada de degustação irá
permitir ao avaliador identificar características de defeitos nos vinhos, que podem refletir erros na
produção, no armazenamento ou no serviço, tornando-os inadequados ao consumo.

Suponha que você é o sommelier responsável pelo serviço de vinhos tintos em um evento e é
abordado por um cliente, que relata perceber as seguintes características em três vinhos diferentes
servidos:

• Coloração amarronzada.
• Aroma de mofo.
• Acidez excessiva.

Sendo assim, responda ao cliente:

a) Por que os vinhos degustados não seguem o padrão de qualidade para vinhos tintos jovens?
Justifique.

b) Quais podem ser os fatores responsáveis pelos defeitos apresentados nos vinhos? Justifique.
Infográfico
Os aromas representam uma das mais importantes classes de estímulos sensoriais na degustação
de um vinho. Sua percepção pode ser extremamente útil na identificação de características do
vinho, como variedades de uvas ou regiões de produção, técnica de vinificação e até defeitos.

Neste Infográfico, você obterá mais informações sobre as classes aromáticas nos vinhos tintos.
Aponte a câmera para o
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Conteúdo do livro
A análise sensorial se utiliza de métodos para a avaliação de produtos, a depender do objetivo a ser
alcançado. No entanto, os vinhos têm uma técnica profissional de degustação, cujo foco está na
habilidade do avaliador em separar e identificar o máximo de estímulos, aprimorar a memória
sensorial e obter uma experiência o mais prazerosa possível em cada taça. Com o ritual próprio de
avaliação e as regras corretas de serviço, o consumidor também poderá reconhecer possíveis
defeitos da bebida, sejam eles do processo produtivo ou da guarda.

No capítulo Análise sensorial de vinhos tintos, da obra Enologia, base teórica desta Unidade de
Aprendizagem, você irá aprofundar seus conhecimentos em temas como análise sensorial de
alimentos e bebidas, sentidos humanos, etapas para avaliação de vinhos tintos e descritores
sensoriais para vinhos tintos.

Boa leitura.
ENOLOGIA

Caio Monteiro Veríssimo


Análise sensorial
de vinhos tintos
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Avaliar a importância da análise sensorial na percepção dos atributos


de vinhos tintos.
 Explicar as etapas de análise sensorial de vinhos tintos.
 Descrever uma análise sensorial de vinho tinto.

Introdução
O conhecimento e a acuidade sensorial possibilitam, além de maior
proveito de um produto, uma análise minuciosa, proporcionando a iden-
tificação de suas características-chave, podendo revelar características
como matérias-primas e processos tecnológicos envolvidos.
Neste capítulo, você estudará como a análise sensorial de alimentos e
bebidas atua na caracterização de vinhos e como a utilização de técnicas
de degustação e regras de serviço repercutem na qualidade sensorial de
vinhos tintos. Além disso, conhecerá os principais termos técnicos usados
para diferentes estilos de vinhos tintos.

1 Análise sensorial de alimentos e bebidas


A análise sensorial é uma ferramenta poderosa nas diversas etapas que en-
volvem tanto a produção quanto o consumo de um produto, pois é por meio
dela que as características de qualidade sensorial como aparência, odor, sabor
e textura podem ser monitoradas e corrigidas por alterações no processo de
produção. De acordo com Dutcosky (2013), a análise sensorial é definida
como a ciência utilizada para evocar, medir, analisar e interpretar estímulos
relacionados às características de produtos, percebidos por meio dos sentidos
humanos: visão, olfato, paladar, tato e audição.
2 Análise sensorial de vinhos tintos

Vejamos de forma detalhada as funções da análise sensorial e suas res-


pectivas definições (Dutcosky, 2013):

 Evocar — utilização dos sentidos humanos para, mediante procedi-


mentos padronizados de preparo de amostras e condições controladas
de serviço, avaliar produtos.
 Medir — envolve a coleta de dados quantitativos ou qualitativos que
relacionam as características dos produtos e a percepção humana.
 Analisar — métodos estatísticos são utilizados na análise dos dados,
permitindo a identificação de resultados prováveis e seguros.
 Interpretar — informações estatísticas só são úteis quando interpretadas
dentro de um contexto de hipóteses de um estudo, sendo necessário
também o conhecimento básico de suas implicações para uma correta
tomada de decisões.

Como mencionado anteriormente, é nos sentidos humanos que está baseada


a análise sensorial. No entanto, Dutcosky (2013, p. 43) complementa que,
durante a avaliação de um produto, é necessário mais do que um estímulo ou
sensação; precisa haver uma percepção:

Quando, num dado ambiente, um observador toma consciência de um objeto,


esse objeto atua como estímulo sobre os sentidos. O estímulo produz um
efeito sobre o observador, uma sensação que é uma função das características
inatas do objeto. Percepção ocorre quando o observador toma consciência da
sensação. A percepção envolve a filtração, interpretação e reconstrução da
vasta quantidade de informações que os receptores recebem.

A visão é muitas vezes o primeiro sentido acionado ao entrarmos em contato


com um objeto. Ela será responsável por informações sobre o aspecto de um
alimento, como estado físico, coloração, tamanho, formato e textura. Tamanha
é a antecipação da recepção de informações que o contato visual pode gerar a
famosa “sensação de água na boca” quando se avista um alimento desejado,
uma vez que características visuais de um produto induzem o consumidor
a esperar determinados sabores, aromas ou texturas. Além disso, a visão
também atua com forte impacto nos processos de controle de qualidade da
matéria-prima, com a possibilidade de julgamento de frescor, estado físico
de alimentos ou rigor de processos tecnológicos.
O olfato, assim como a visão, pode gerar grande interesse em determinados
produtos alimentícios mesmo antes de serem consumidos, além de despertar
forte influência emocional e social (SARAFOLEANU, 2009). Segundo Du-
Análise sensorial de vinhos tintos 3

tcosky (2013), o olfato é um dos sentidos mais complexos, pois envolve inúmeras
substâncias voláteis e processos químicos na sua transmissão e tradução pelo
corpo, estando sujeito ainda a processos como fadiga e adaptação.
De acordo com Hummel e Seo (2017), as percepções olfativas dividem-se em
odor e aroma. O odor, também chamado de olfato ortonasal, reflete a sensação
percebida nas narinas por meio de inalações ou inspirações de compostos voláteis
presentes nos alimentos. O aroma, também denominado olfato retronasal, é a
percepção dos compostos voláteis de alimentos na boca, por meio da nasofaringe
(Figura 1). As análises de odor (ortonasal) e de aroma (retronasal) são realizadas
de maneira independente e podem apresentar percepções distintas.

Figura 1. Via nasal, associada ao olfato ortonasal, e via retronasal.


Fonte: Cata del Vino (2014, documento on-line).

O paladar é o sistema sensorial pelo qual pode-se perceber os cinco gostos


básicos: doce, salgado, ácido, amargo e umami (Palazzo et al., 2019). Como
abordado por Silva Netto (2007), é através de células receptoras, também
conhecidas como papilas gustativas ou botões gustativos, localizadas na parte
frontal, lateral e posterior da língua, bem como no palato, bochecha e esôfago,
que os estímulos provocados pelos alimentos são transmitidos e instantane-
amente percebidos. Dutcosky (2013, p. 46) complementa que: “Atualmente
acredita-se que a sensibilidade a cada gosto em localizações particulares da
língua é similar, contrariando a interpretação antiga de que o gosto doce seria
sentido primariamente na ponta da língua, o salgado e o ácido nas laterais
e amargo atrás”. Ou seja, os botões gustatórios, independentemente de sua
localização, são sensíveis a multiestímulos.
4 Análise sensorial de vinhos tintos

Ainda nesse contexto, outro conceito importante se impõe: o sabor. Esse efeito,
às vezes confundido pelo consumidor, envolve uma percepção conjunta dos odores,
aromas e gostos, além de sensações de temperatura, pungência, adstringência ou
refrescância, gerando uma sensação muito mais complexa, que pode envolver
ainda aspectos socioemocionais, visuais e auditivos (SHEPHERD, 2012).
Vejamos de forma detalhada os componentes sensoriais do sabor (DU-
TCOSKY, 2013; SHEPHERD, 2012):

 estímulos gustatórios — gostos básicos: doce, salgado, amargo, ácido


e umami;
 estímulos somatossensoriais — temperatura, adstringência, textura,
pungência, refrescância e dor;
 estímulos olfativos — odores (olfato ortonasal)/aromas (olfato retronasal);
 estímulos visuais — cor, formato, rugosidade e brilho;
 estímulos auditivos — textura (som da mastigação);
 estímulos psicoemocionais — memória sensorial.

Deseja saber mais sobre as interações sensoriais no consumo de alimentos? O artigo


“Gosto, sabor e paladar na experiência alimentar: reflexões conceituais” (PALAZZO et
al., 2019), citado na seção Leituras Recomendadas, ao final deste capítulo, traz uma
discussão sobre o uso e definição de termos empregados no campo da percepção
sensorial dos alimentos e propõe uma maior precisão desta terminologia na prática
clínica e na divulgação científica.

O tato, ao contrário do que muitos pensam, vai além do contato de um objeto


nas mãos. É através dele que são despertadas informações sobre formato, peso,
temperatura, consistência e principalmente textura de um produto alimentício.
A boca, um dos mais sensíveis órgãos do sentido humano, possui receptores
do tato localizados nos lábios, bochechas, língua, palato e garganta, capazes
de identificar e discriminar partículas minúsculas.
Por sua vez, a audição atua ao lado do tato na correta e completa percep-
ção da textura dos alimentos, uma vez que, ao serem quebrados, mordidos
ou mastigados, os alimentos emitem sons específicos que podem remeter
tanto à sensação de prazer quanto de repulsa, conforme experiência prévia
ou memória sensorial do consumidor.
Análise sensorial de vinhos tintos 5

Os dentes, língua, saliva e garganta também possuem importante participa-


ção na experiência auditiva, uma vez que, durante a mastigação e deglutição,
vibrações são emitidas e percebidas pelo órgão responsável.
Apesar de haver cinco diferentes sentidos ou cinco vias sensoriais, elas
são detectadas simultaneamente no cérebro, ocorrendo diversas interações e
associações fisiológicas e psicológicas. Entretanto, indivíduos podem apresentar
diferentes sensibilidades para os estímulos sensoriais apresentados, seja por
fatores socioculturais ou corporais.

2 Avaliação sensorial de vinhos tintos


A análise sensorial se utiliza de técnicas ou métodos para a avaliação de pro-
dutos, a depender do objetivo a ser alcançado. No entanto, os vinhos possuem
um ritual próprio de avaliação, visando a obtenção máxima de estímulos
sensoriais e uma experiência prazerosa a cada taça (Zahar, 2010).
A avaliação de vinhos tintos é baseada em etapas ou seja, o exame visual,
exame gustativo e exame olfativo. Juntos, esses passos são finalizados com uma
avaliação ou conclusão global de cada produto (PUCKETTE; HAMMACK, 2016).

Uma correta avaliação sensorial de vinhos começa muito antes da bebida entrar na
boca. Nesse sentido, um procedimento básico auxilia na percepção das características
do produto: o manuseio da taça. Uma taça de vinho é composta por três partes, base,
haste e bojo, as quais possuem finalidades que vão muito além do apelo visual. A
base serve para o equilíbrio da taça em uma superfície, como uma mesa. O bojo irá
acomodar o líquido e, a depender do estilo de vinho tinto a ser servido — leve, meio
corpo ou encorpado —, sofrerá variações de altura e largura. A haste serve ao manuseio
da taça; ao segurarmos nela durante o consumo, a temperatura do vinho não será
influenciada pelo calor corporal e suas características sensoriais não serão afetadas.

A avaliação visual, geralmente a primeira a ser realizada durante uma


degustação técnica, pode revelar informações preciosas sobre o caráter da
bebida, tais como concentração, sanidade e maturação (LAROUSSE, 2007).
Mas atenção: conforme destaca Zahar (2010, p. 648), “Nos tintos, incline a taça
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a distância contra um fundo branco e examine a borda do líquido para ver a cor
real”. Dessa forma, pode-se ter uma percepção da correta tonalidade de vinho.
Durante o exame visual de vinhos tintos, quatro pontos básicos devem ser
levados em consideração:

1. Tonalidade de cor: graças à extração de compostos químicos presentes


na casca das uvas, os polifenóis, vinhos tintos possuem uma variação de
coloração entre o rubi (avermelhado), passando pelo púrpura (violáceo),
até o âmbar (alaranjado). Essas colorações serão influenciadas tanto
pelo tipo de uva utilizada quanto pelo processo de envelhecimento, ou
seja, vinhos jovens de diferentes uvas podem ter tonalidade diferente,
assim como vinhos jovens e envelhecidos da mesma uva também podem
apresentar colorações distintas.
2. Intensidade de cor: durante o processo de produção, o tempo de extração
dos compostos responsáveis pela coloração será determinante na intensidade
da cor percebida no vinho tinto. Ela pode variar de baixa, quando é possível
visualizar o dedo através da taça, até alta, quando a concentração é elevada
a ponto de não haver visualização de nenhum objeto através da taça.
3. Limpidez: vinhos tintos, durante uma de suas etapas de produção,
sofrem uma clarificação, ou seja, a remoção de minúsculas partículas
que tornam o líquido turvo. Assim, um vinho de qualidade deve apre-
sentar limpidez.
4. Brilho: deve-se analisar este parâmetro por meio da busca de reflexos
na superfície do vinho, independentemente da tonalidade e intensidade
de cor apresentadas. Vinhos sem brilho representam uma bebida que
passou do seu ponto máximo de evolução, podendo também ser uma
indicação de demais defeitos sensoriais.

Vinhos tintos leves, como de uvas Gamay ou Pinot Noir, possuem como característica
uma baixa intensidade de cor. Vinhos tintos de médio corpo, como de Carménère e Mer-
lot, se jovens, caracterizam-se por coloração vermelho púrpura de média intensidade
e, à medida que envelhecem, adquirem tonalidade acastanhada. Tintos encorpados,
a exemplo do Cabernet Sauvignon e Malbec, possuem, quando jovens, coloração
rubi intensa com leve opacidade, devido à elevada concentração de antocianinas.
Ao sofrerem processo de amadurecimento, adquirem coloração vermelho-âmbar.
Análise sensorial de vinhos tintos 7

O segundo passo na avaliação de vinhos tintos, o exame olfativo, revelará


nuances de odor provenientes da uva, do processo de fermentação e do pro-
cesso de envelhecimento (PUCKETTE; HAMMACK, 2016). Além do correto
posicionamento do nariz na borda da taça, Zahar (2010, p. 648) indica ainda:
“Primeiro fareje-o lentamente. Tome nota das primeiras impressões, pois ten-
dem a ser as mais reveladoras. Segurando a taça pela haste, faça girar o vinho
para ajudá-lo a liberar os aromas. Sinta o cheiro novamente e preste atenção
ao que identificar agora”. Com essa avaliação em duas etapas, será possível
identificar com maior clareza e melhor intensidade os odores de cada bebida.
De acordo com Puckette e Hammack (2016), as percepções olfativas do
vinho podem ser divididas em três classes:

 Aroma primário — proveniente das uvas, refletem majoritariamente


toques frutados, florais, herbáceos e minerais.
 Aroma secundário — gerados durante a elaboração do vinho, graças à atua-
ção de leveduras e bactérias, promovem percepções láticas e de fermentação.
 Aroma terciário — também chamado de buquê, esta classe de odores
apresenta maior complexidade e é produzida durante o envelhecimento
dos vinhos por processos de microaeração. Os descritores mais comuns
para esta classe são os amadeirados e os toques animais.

A Figura 2 resume as principais sensações olfativas percebidas em vinhos


tintos.

Figura 2. Classes de aromas do vinho tinto.


Fonte: Adaptado de Puckette (2019, documento on-line).
8 Análise sensorial de vinhos tintos

A avaliação gustativa, por mais complexa que pareça, proporciona muito mais
do que a percepção dos gostos básicos. Nela podem ser percebidos os sabores do
vinho, que, como visto anteriormente, são a junção de vários aspectos, como aromas
(olfação retronasal) e sensações bucais. Para uma melhor experiência gustativa,
Zahar (2010, p. 648) exemplifica algumas dicas: “Tome um gole pequeno e deixe
o vinho em contato com a língua e a boca. Pode-se aguçar os sabores separando
os lábios e sugando um pouco de ar pela boca. É preciso prática, mas os enólogos
profissionais fazem isso, pois o oxigênio amplifica os sabores sentidos”. Essa técnica
intensifica a volatilização dos compostos, promovendo um maior estímulo aromático.
De acordo com a ordem de percepção dos estímulos, o resultado da avaliação
gustativa pode dividir-se em três etapas (PUCKETTE; HAMMACK, 2016):

 Entrada — também chamada de “ataque”, pois são as percepções iniciais


na boca, a entrada é marcada pela presença dos gostos básicos, como
doçura, acidez e amargor.
 Meio de boca — conforme o vinho se assenta e percorre a boca, é pos-
sível ter a percepção das sensações bucais, como a adstringência (pela
qualidade e intensidade dos taninos), a maciez (que reflete o equilíbrio
entre álcool e doçura), o corpo ou peso do vinho e seu equilíbrio.
 Fim de boca — após a deglutição, serão percebidos e avaliados fatores
como persistência gustativa e sensação de aquecimento na boca e gar-
ganta, promovida pela presença do álcool, além dos aromas, através
do sistema retronasal.

É fundamental ter em mente que a temperatura de serviço terá forte influência na


percepção gustativa do vinho. Assim, lembre-se que vinhos tintos devem ser servidos
a temperaturas mais elevadas. Tintos leves são degustados entre 13 e 16°C, enquanto
os vinhos de médio e alto corpo devem ser servidos entre 16 e 20°C.

A etapa final na avaliação dos vinhos consiste na conclusão e, de acordo


com Larousse (2007), esta fase deve combinar uma análise objetiva com relação
ao equilíbrio e qualidade global do vinho e uma opinião subjetiva com relação
ao seu nível de aceitação. Por fim, notas de degustação são sempre úteis e
auxiliam no processo de cognição sensorial, facilitando suas análises futuras.
Análise sensorial de vinhos tintos 9

3 Descritores sensoriais para vinhos tintos


Tão importante quanto uma técnica correta para avaliação sensorial de vinhos
tintos é o domínio do amplo vocabulário utilizado pelos profissionais da área
(ZAHAR, 2010). Apresentamos a seguir, conforme as etapas de avaliação,
os principais descritores sensoriais para vinhos tintos, dentre qualidades ou
defeitos, além de sua respectiva definição (LAROUSSE, 2007; PUCKETTE;
HAMMACK, 2016; ZAHAR, 2010).

 Visuais
■ Brilho — relativo aos reflexos produzidos na superfície dos vinhos.
Ausência de brilho indica uma evolução além do potencial do vinho.
■ Coloração — principal aspecto visual nos vinhos. Nos tintos, ela
varia entre púrpura, rubi e âmbar.
■ Intensidade — concentração de pigmentos nos vinhos tintos. Varia
de baixa a alta e relaciona-se com o tipo de uva e o processo de
maceração.
■ Limpidez — ausência de partículas em suspensão, indicando correta
produção.
 Olfativos
■ Alcaçuz — odor doce, comumente relacionado aos vinhos tintos
encorpados à base de Syrah.
■ Animal — odor típico de couro ou pelos de animais, encontrado em
vinhos estruturados de longa guarda.
■ Baunilha — odor produzido durante a maturação do vinho em barris
de carvalho americano.
■ Borracha — defeito causado pelo excesso de enxofre no vinho.
■ Caça — odor carnoso associado a vinhos de Pinot Noir, Syrah e
outros tintos evoluídos.
■ Cassis — odor frutado associado aos vinhos das variedades Cabernet
Sauvignon, Merlot, Syrah e Cabernet Franc.
■ Cereja — odor detectado predominantemente em vinhos tintos ita-
lianos, como de Barbera, Sangiovese e Corvina.
■ Coco — comumente relacionado a tintos que foram fermentados ou
amadurecidos em barris de carvalho americano. Em excesso podem
indicar defeitos.
■ Cogumelo — pertencente à classe terciária, odor tradicionalmente
exalado por vinhos de Pinot Noir amadurecidos.
10 Análise sensorial de vinhos tintos

■ Empireumático — relativo ao odor de tosta, como de chocolate


amargo, produtos defumados ou café. Presente em tintos envelhecidos
em carvalho.
■ Especiarias — odor de temperos, como pimenta-do-reino, cravo e
canela, comum na maioria dos tintos jovens ou envelhecidos.
■ Floral — odor típico de flores como jasmim, violeta, rosas ou lavanda.
■ Frutas tropicais — odor característico de frutas maduras em vinhos
produzidos em regiões do Novo Mundo, como África do Sul, Brasil
e Austrália.
■ Frutas vermelhas — odor como morango, framboesa ou groselha,
associados a vinhos tintos leves.
■ Frutas negras — odor que remete a amoras, ameixa ou mirtilo, comum
em vinhos tintos de médio e elevado corpo.
■ Frutas em compota — odor característico de frutas vermelhas ou ne-
gras maduras, podendo remeter a vinhos com maior doçura residual.
Em excesso, pode revelar um vinho com baixa estrutura e sem fineza.
■ Frutas secas — odor doce e intenso, como de ameixa-seca, uva-passa
ou tâmaras. Típico de vinhos médios e encorpados, como Merlot,
Grenache, Syrah e Malbec.
■ Herbáceo — caráter relativo a plantas, como ervas aromáticas ou
grama recentemente cortada. Comum em todas as classes de vinhos
tintos.
■ Lático — odor de creme, queijo ou chocolate ao leite, produzido
durante a etapa de fermentação malolática em vinhos tintos.
■ Mineral — revela um caráter terroso ou de elementos como grafite,
cascalho e argila. Comum em tintos médios e estruturados.
■ Rural — odor comum em vinhos envelhecidos, que remete a estrume.
Em vinhos jovens podem revelar más condutas de manipulação na
vinificação.
■ Tabaco — odor relativo ao processo de envelhecimento, comum em
vinhos tintos de corte bordalês ou Cabernet Sauvignon.
■ Vegetal — odores característicos de vinhos Cabernet Sauvignon,
relativo principalmente à percepção de pimentão verde.
 Gustativos
■ Acidez — característica que provoca salivação na boca. Em tintos
leves, costuma ser mais elevada.
■ Adstringência — sensação amplamente presente nos vinhos tintos,
que gera secura na boca, devido à presença dos taninos.
■ Agressivo — vinho desagradavelmente tânico, ácido ou alcoólico.
Análise sensorial de vinhos tintos 11

■ Álcool — confere ao vinho viscosidade e peso, além de causar aque-


cimento da cavidade bucal.
■ Amargo — sensação também causada pelos taninos. Deve estar
presente em baixa intensidade.
■ Encorpado — impressão de peso e consistência no palato.
■ Doçura — qualidade relativa à presença de açúcares residuais no
vinho. Tintos de qualidade são classificados como secos, ou seja,
com baixo teor de açúcares.
■ Frescor — característica de leve dominância ácida e frutada, sendo
mais relacionada a tintos leves.
■ Macio — equilíbrio entre taninos, álcool, acidez e doçura.
■ Persistente — vinho cujas sensações gustativas permanecem na
boca, mesmo depois de engolido.
 Impressão global
■ Complexo — vinhos capazes de promover diferentes estímulos,
como odores, aromas e sabores.
■ Elegante — vinho que revela intensidade de estímulos, porém sem
impressões agressivas.
■ Equilibrado — vinho com elementos em harmonia, ou seja, sem
sobreposição aos demais.

Mas como seria a aplicação desses descritores na avaliação sensorial de


um vinho tinto? No exemplo a seguir, veremos como pode ser caracterizado
um vinho de Cabernet Sauvignon, a uva vinífera mais cultivada no mundo
(PUCKETTE; HAMMACK, 2016).
Como você já sabe, um vinho de uma mesma uva pode apresentar diversos
perfis sensoriais, a depender da região de produção e das práticas produtivas, ca-
racterística tradicionalmente chamada de terroir. Entretanto, características básicas
permanecerão e serão as responsáveis pela identificação primária daquela variedade.
A uva Cabernet Sauvignon é responsável pela produção de um vinho tinto
encorpado, por isso terá como características principais:

 coloração rubi intensa, brilho e limpidez;


 aromas dominantes de frutas negras, frutas vermelhas, herbáceos (pi-
mentão verde), especiarias (pimenta-do-reino) e, caso sofra envelhe-
cimento em carvalho, cacau torrado, baunilha e café;
 perfil gustativo com taninos bastante presentes, acidez moderada, maior
teor alcoólico e alto corpo.
12 Análise sensorial de vinhos tintos

Regiões de clima quente, como países do novo mundo — com destaque para
Brasil, Austrália, África do Sul e Estados Unidos (Califórnia) —, proporcionam
vinhos de Cabernet Sauvignon com um caráter mais frutado, maior doçura
residual e teor alcoólico, além de taninos mais maduros. Já regiões de clima
frio, como Bordeaux, Chile e norte da Itália, vão originar um vinho com maior
presença de frutas vermelhas, maior acidez e corpo mais leve.
Agora que você conhece os termos técnicos usados na descrição dos vinhos,
é hora de treinar e aplicar seu conhecimento na prática. Saúde!

CATA DEL VINO. La Vía nasal y la retronasal en el aroma del Vino y su Cata. 2014. Dis-
ponível em: https://www.catadelvino.com/blog-cata-vino/la-via-nasal-y-la-. Acesso
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DUTCOSKY, S. D. Análise sensorial de alimentos. 4. ed. Curitiba: Champanhat, 2013.
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PUCKETTE, M. Updated Wine Flavor Wheel with 100+ Flavors. Wine Folly, 2019. Disponível
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SARAFOLEANU, C. et al. The importance of the olfactory sense in the human behavior
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SHEPHERD, G. M. Neurogastronomy. How the brain creates flavor and why it matters.
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SILVA NETTO, C. R. Paladar: gosto, olfato, tato e temperatura: fisiologia e fisiopatologia.
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ZAHAR, J. Guia ilustrado Zahar: vinhos do mundo. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
Análise sensorial de vinhos tintos 13

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Dica do professor
Um vinho pode ser consumido como qualquer outra bebida. No entanto, graças à variedade de
estilos e sutilezas sensoriais existentes, etapas para sua análise tiveram que ser instituídas. As
técnicas de avaliação sensorial implicam uma abordagem metódica, que auxilia não apenas a
maximizar o prazer ao consumir a bebida, mas também a reconhecer características técnicas ou
defeitos.

Nesta Dica do Professor, você aprenderá o procedimento básico para a análise de vinhos tintos e
conhecerá as principais características sensoriais relacionadas a cada uma das etapas, a partir de
dois rótulos.

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Exercícios

1) Os aromas dos vinhos tintos podem ser classificados em primários (oriundos da uvas),
secundários (provenientes dos processos de fermentação) e terciários (aromas que vêm do
envelhecimento do vinho).

Com base nessas informações, marque a alternativa que contém apenas aromas primários:

A) Aromas de frutas negras, frutas secas, leveduras e florais.

B) Aromas de frutas vermelhas, frutas tropicais, minerais e animais.

C) Aromas de frutas negras, frutas secas, florais, especiarias e minerais.

D) Aromas de leveduras, láticos, amadeirados e empireumáticos.

E) Aromas de frutas em compota, animais, láticos e florais.

2) A temperatura correta de serviço tem forte influência na manutenção da integridade e na


percepção dos atributos sensoriais do vinho tinto, como sabor e aroma. Com base nisso,
marque a alternativa correta:

A) Vinhos tintos servidos ou consumidos em temperatura elevada terão sua percepção alcoólica
e de acidez destacada.

B) Vinhos tintos, ao serem consumidos em temperaturas mais baixas, facilitarão o


recohecimento de aromas, além de propiciar melhor sensação bucal.

C) Vinhos tintos devem ser consumidos em temperaturas medianas, visando a evitar a


volatilização excessiva e a propiciar o equilíbrio gustativo.

D) Os defeitos sensoriais de um vinho, como os de produção ou armazenamento, podem ser


corrigidos se ele for servido corretamente.

E) Como a avaliação de vinhos está relacionada às preferências do consumidor, este deve


escolher a temperatura que mais lhe agrade na degustação.

3) O ambiente e as condições de análise são cruciais para a percepção correta dos atributos
sensoriais de um vinho.
Acerca das salas de degustação e dos utensílios de serviço, marque a alternativa correta:

A) A altura e a largura do bojo da taça não têm qualquer relação com a intensidade do aroma a
ser percebido pelo consumidor.

B) A altura da haste da taça de vinho, além de afetar a manutenção da temperadura, impactará


no aroma e no sabor do vinho.

C) A taça de vinho pode ser segurada pela haste ou pelo bojo, conforme o degustador se sinta
mais confortável.

D) A iluminação das salas de degustação deve ser preferencialmente natural para que a
tonalidade e a intensidade de cor sejam corretamente percebidas.

E) Ao observar um vinho, deve-se inclinar a taça sobre um fundo escuro para que as percepções
visuais sejam intensificadas.

4) Os vinhos podem ser encorpados, conforme a uva utilizada e o processo de produção. Tais
variações também irão gerar diferenças na percepção de suas características sensoriais.

A respeito das características básicas e dos estilos de vinhos, maque a alternativa correta:

A) Vinhos tintos com baixa acidez podem dar a impressão de ter maior teor de açúcar residual,
sendo este um possível desequilíbrio na bebida.

B) Na vinificação, uvas tintas ricas em açúcares proporcionarão maior teor alcoólico no vinho,
que será percebido com sensação de refrescância na boca.

C) Vinhos tintos estruturados, além de causarem a sensação de leveza na boca, são ricos em
aromas frutados e têm coloração rubi intensa.

D) Vinhos tintos de médio corpo são caracterizados pelo frescor, causado pela intensa acidez,
além da presença de aroma de fruta vermelhas e negras.

E) Vinhos tintos leves são conhecidos por seus aromas amadeirados complexos, coloração opaca
e baixa acidez.

5) Para a percepção correta dos estímulos sensoriais, os vinhos têm um ritual próprio de
degustação. A respeito das etapas de avaliação de vinhos, marque a alternativa correta:

A) O primeiro passo, ao degustar um vinho, é cheirá-lo; o degustador segurará a taça abaixo do


nariz e inspirará uma vez para, posteriormente, girá-la e aspirar novamente.
B) O segundo passo, ao degustar um vinho, é prová-lo; o degustador dará um grande gole e
engolirá o vinho, facilitando a pecepção de aspectos como gostos e sabores.

C) O terceiro passo, ao degustar um vinho, é olhá-lo; o degustador poderá identificar


características do vinho pela inspeção da cor, da intensidade e da viscosidade.

D) O último passo ao degustar um vinho, é a conclusão; o avaliador irá verificar o equilíbrio da


bebida e identicar o que o leva a gostar mais ou menos daquele rótulo.

E) Por se tratar de uma avaliação subjetiva, o consumidor deve escolher a ordem de avaliação
que mais lhe agrade, ficando mais confortável para imprimir suas sensações.
Na prática
Ao se degustar um vinho, é comum que as atenções se voltem apenas aos estímulos sensoriais que
a bebida pode oferecer, sejam visuais, olfativos ou gustativos. No entanto, para a percepção correta
dos atributos sensoriais do produto, o ambiente e as condições de análise imprimem forte
relevância.

Entenda, em Na Prática, como o local de consumo influencia a análise e a aceitação de um vinho.


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