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Direito das Coisas

Exame – 1.ª turma


27 de junho de 2023
Critérios de correção
I

1. Distinga sucintamente e diga em que consistem:


a) Sistema do modo e sistema do título para a aquisição de direitos
reais (1,5 valores)
Direito das Coisas – Relatório…, n.º 27, c), págs. 101 e segs., e bibliografia aí citada
b) Ónus real e obrigação propter rem (1,5 valores)
Direito das Coisas – Relatório…, bibliografia citada na n. 154
c) Traditio brevi manu e constituto possessório (1,5 valores)
Forma de tradição real implícita com conversão do detentor em possuidor por acto
do próprio possuidor (ex: tradição do locador para o locatário adquirente da coisa) /
Forma de tradição real implícita sem ato de empossamento (art. 1264.º; ex.: venda pelo
proprietário que permenece como locatário; venda da coisa locada pelo proprietário)

2. Diga se as seguintes afirmações são verdadeiras ou falsas, justificando a


sua resposta
a) O direito português consagra quanto a coisas móveis o princípio “posse
vale título” (1,5 valores)
Falsa – princípio da causalidade; reivindicabilidade de coisas móveis contra
possuidores; art. 1301.º; para compensar, consagram-se prazos curtos de usucapião de
móveis
b) A propriedade horizontal só pode ser constituída em prédios de mais do
que um andar e é uma aplicação da compropriedade a esses prédios (1,5
valores)
Falsa – as frações não têm de corresponder a andares e existe a hipótese do art. 1438.º-
A; por outro lado, distingue-se da compropriedade quer quanto à fração (propriedade
exclusiva), quer, apesar do art. 1420.º, n.º 1, quanto às partes comuns (não pode haver
divisão nem alienação separada de quota)
c) Os negócios com efeitos reais estão sujeitos a uma regra de taxatividade
(1,5 valores)
Falsa – distinção entre direitos reais, para os quais vale o art. 1306.º, e negócios com
eficácia real; inexistência de taxatividade destes; discussão sobre taxatividade dos modos
de aquisição da propriedade.

II (6 valores)
Em Maio de 2000, António ocupou uma vivenda pertencente a Berta, que
esta não habitava há mais de duas décadas. Durante dez anos, António foi
reparando o imóvel e acabou por construir uma garagem e uma pequena
piscina, além de ter pago parte dos impostos relativos ao imóvel, tudo sem
conhecimento de Berta, que se encontrava emigrada na Austrália. Em janeiro
de 2011, António faleceu, deixando todos os seus bens a Carlos. Em março de
2012, Berta arrendou o imóvel a David, que passou imediatamente a habitá-lo e
dois meses depois deixou de pagar renda. David foi entretanto contatado por
Carlos, o qual se arroga a propriedade da vivenda, e o/a consulta para saber
quem tem direitos sobre o imóvel, e se deve alguma coisa a Carlos.
Diga o que lhe responderia, justificando.
Direito das Coisas
Exame – 1.ª turma
27 de junho de 2023
• A tornou-se possuidor, logo em 2000 se a posse foi tomada publicamente, como
parece (1267.º, n.º 1, al. d), e n.º 2); a posse de A não era titulada e presumia-se
de má fé (1259.º, .º 1, 1260.º, n. 2);
• Não existiu usucapião até ao falecimento de A (20 anos – 1296.º). A também não
adquire por acessão, pois não atuou de boa fé (1341.º).
• Em 2011 C sucedeu na posse de A (1255.º).
• Em 2012 a proprietária B praticou um ato de exercício do direito de propriedade
(arrendou) e, dois meses depois, D passou a ser o possuidor, por inversão do
título de posse – habitando e sem pagar renda.
• A posse de C cessou, pelo menos, em 2013 (1267.º, 1, al. c). C nunca adquire por
usucapião.
• D é possuidor desde 2012, mas também não adquire por usucapião, não existindo
registo (só passaram 11 anos – 1296.º). A vivenda permanece na propriedade de
B.
• No entanto, C pode ter direito a ser compensado por benfeitorias necessárias ou
úteis, nos termos do art. 1273.º - discussão da distinção entre o âmbito do regime
das benfeitorias e da acessão.
Só quem abordar todos estes pontos deve poder ter a cotação completa.
Quem se enganar na propriedade do imóvel não deve ter nota positiva neste grupo.

III (5 valores)
Ema doou a Filipa um quadro em novembro de 2021, tendo-se
convencionado que apenas passado dois meses o entregaria. Em dezembro de
2021, Ema vendeu o mesmo quadro a Graça, galerista e colecionadora de arte,
que desconhecia o que se passara antes, e entregou-lho imediatamente. Graça,
por sua vez, vendeu em janeiro de 2022 o quadro ao seu cliente Horácio, que
também desconhecia tudo o que se tinha passado antes.
Suponha que é consultado hoje por Horácio, que soube agora de tudo,
querendo saber se tem de devolver o quadro a Filipa, se é ou poderá vir a ser
proprietário do quadro, e em geral que direitos tem atualmente.
Diga que resposta justificada lhe daria.
• Se a doação E-F foi por escrito, F adquiriu logo em nov. de 2021;
• Caso contrário é a doaçãoE-F é nula (947.º, n.º 2) como doação verbal, pois
nunca houve tradição para F.
• Se E-F for nulo, G adquiriu em dez. 2021, e em jan. H adquiriu. H não tem de
devolver o quadro a Filipa.
• Se, porém, E-F for válido, a venda E-G é nula – art. 892.º; G não adquire por
força do princípio da causalidade (nulidade do título), e é irrelevante a boa fé de
G, bem com a sua posse – o direito português não consagra o princípio “posse
vale título” e admite a reivindicação de móveis; neste caso, H também não
adquire, nem logo em 2022, nem até hoje (nem poderá adquirir por aplicação do
art. 291.º), por força das mesmas regras e princípios.
• H pode, no entanto,vir a adquirir por usucapião em 2025 (1299.º), caso não haja
interrupção do decurso do prazo nos termos dos arts. 323.º e segs. (art. 1292.º),
pois a má fé superveniente só excecionalmente releva, nesses termos; e H tem
contra G o direito previsto no art. 1301.º
Só quem abordar todos estes pontos deve poder ter a cotação completa.

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