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RECURSO ESPECIAL Nº 1887511 - SP (2020/0195215-3)

RELATOR : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA


RECORRENTE : GILSON MANOEL DA SILVA
ADVOGADO : LUSMAR MATIAS DE SOUZA FILHO - DEFENSOR DATIVO - SP240847
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

EMENTA

PENAL, PROCESSO PENAL E CONSTITUCIONAL. DOSIMETRIA DE PENA.


PECULIARIDADES DO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ART. 42 DA LEI
N. 11.343/2006. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA.
CIRCUNSTÂNCIA PREPONDERANTE A SER OBSERVADA NA PRIMEIRA FASE
DA DOSIMETRIA. UTILIZAÇÃO PARA AFASTAMENTO DO TRÁFICO
PRIVILEGIADO OU MODULAÇÃO DA FRAÇÃO DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO §
4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. CARACTERIZAÇÃO DE
BIS IN IDEM. NÃO TOLERÂNCIA NA ORDEM CONSTITUCIONAL. RECURSO
PROVIDO PARA RESTAURAÇÃO DA SENTENÇA DE PRIMEIRA INSTÂNCIA.
1. A dosimetria da reprimenda penal, atividade jurisdicional caracterizada pelo
exercício de discricionariedade vinculada, realiza-se dentro das balizas fixadas pelo
legislador.
2. Em regra, abre-se espaço, em sua primeira fase, à atuação da discricionariedade
ampla do julgador para identificação dos mais variados aspectos que cercam a prática
delituosa; os elementos negativos devem ser identificados e calibrados, provocando a
elevação da pena mínima dentro do intervalo legal, com motivação a ser necessariamente
guiada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
3. Na estrutura delineada pelo legislador, somente são utilizados para a fixação da
pena-base elementos pertencentes a seus vetores genéricos que não tenham sido previstos,
de maneira específica, para utilização nas etapas posteriores. Trata-se da aplicação do
princípio da especialidade, que impede a ocorrência de bis in idem, intolerável na ordem
constitucional brasileira.
4. O tratamento legal conferido ao tráfico de drogas traz, no entanto, peculiaridades a
serem observadas nas condenações respectivas; a natureza desse crime de perigo abstrato,
que tutela o bem jurídico saúde pública, fez com que o legislador elegesse dois elementos
específicos – necessariamente presentes no quadro jurídico-probatório que cerca aquela
prática delituosa, a saber, a natureza e a quantidade das drogas – para utilização obrigatória
na primeira fase da dosimetria.
5. Não há margem, na redação do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, para utilização de
suposta discricionariedade judicial que redunde na transferência da análise desses elementos
para etapas posteriores, já que erigidos ao status de circunstâncias judiciais preponderantes,
sem natureza residual.
6. O tráfico privilegiado é instituto criado para beneficiar aquele que ainda não se
encontra mergulhado nessa atividade ilícita, independentemente do tipo ou do volume de
drogas apreendidas, para implementação de política criminal que favoreça o traficante
eventual.
7. A utilização concomitante da natureza e da quantidade da droga apreendida na
primeira e na terceira fases da dosimetria, nesta última para descaracterizar o tráfico
privilegiado ou modular a fração de diminuição de pena, configura bis in idem,
expressamente rechaçado no julgamento do Recurso Extraordinário n. 666.334/AM,
submetido ao regime de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (Tese de
Repercussão Geral n. 712).
8. A utilização supletiva desses elementos para afastamento do tráfico privilegiado
somente pode ocorrer quando esse vetor seja conjugado com outras circunstâncias do caso
concreto que, unidas, caracterizem a dedicação do agente à atividade criminosa ou à
integração a organização criminosa.
9. Na modulação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.
11.343/2006, podem ser utilizadas circunstâncias judiciais não preponderantes, previstas no
art. 59 do Código Penal, desde que não utilizadas de maneira expressa na fixação da pena-
base.
10. Recurso provido para restabelecimento da sentença.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da
TERCEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso
especial para restabelecimento da sentença prolatada pelo Juízo de primeira instância e, para garantia de
uniformização da interpretação da legislação federal aplicável, acolher premissas para dosimetria da pena,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator e das considerações dos Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz,
Ribeiro Dantas, Antonio Saldanha Palheiro e Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª
Região).
Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz, Ribeiro Dantas, Antonio
Saldanha Palheiro, Joel Ilan Paciornik, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região) e
Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Licenciado o Sr. Ministro Felix Fischer.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca.

Brasília, 09 de junho de 2021.

MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA


Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1887511 - SP (2020/0195215-3)

RELATOR : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA


RECORRENTE : GILSON MANOEL DA SILVA
ADVOGADO : LUSMAR MATIAS DE SOUZA FILHO - DEFENSOR DATIVO - SP240847
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

EMENTA

PENAL, PROCESSO PENAL E CONSTITUCIONAL. DOSIMETRIA DE PENA.


PECULIARIDADES DO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ART. 42 DA LEI
N. 11.343/2006. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA.
CIRCUNSTÂNCIA PREPONDERANTE A SER OBSERVADA NA PRIMEIRA FASE
DA DOSIMETRIA. UTILIZAÇÃO PARA AFASTAMENTO DO TRÁFICO
PRIVILEGIADO OU MODULAÇÃO DA FRAÇÃO DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO §
4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. CARACTERIZAÇÃO DE
BIS IN IDEM. NÃO TOLERÂNCIA NA ORDEM CONSTITUCIONAL. RECURSO
PROVIDO PARA RESTAURAÇÃO DA SENTENÇA DE PRIMEIRA INSTÂNCIA.
1. A dosimetria da reprimenda penal, atividade jurisdicional caracterizada pelo
exercício de discricionariedade vinculada, realiza-se dentro das balizas fixadas pelo
legislador.
2. Em regra, abre-se espaço, em sua primeira fase, à atuação da discricionariedade
ampla do julgador para identificação dos mais variados aspectos que cercam a prática
delituosa; os elementos negativos devem ser identificados e calibrados, provocando a
elevação da pena mínima dentro do intervalo legal, com motivação a ser necessariamente
guiada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
3. Na estrutura delineada pelo legislador, somente são utilizados para a fixação da
pena-base elementos pertencentes a seus vetores genéricos que não tenham sido previstos,
de maneira específica, para utilização nas etapas posteriores. Trata-se da aplicação do
princípio da especialidade, que impede a ocorrência de bis in idem, intolerável na ordem
constitucional brasileira.
4. O tratamento legal conferido ao tráfico de drogas traz, no entanto, peculiaridades a
serem observadas nas condenações respectivas; a natureza desse crime de perigo abstrato,
que tutela o bem jurídico saúde pública, fez com que o legislador elegesse dois elementos
específicos – necessariamente presentes no quadro jurídico-probatório que cerca aquela
prática delituosa, a saber, a natureza e a quantidade das drogas – para utilização obrigatória
na primeira fase da dosimetria.
5. Não há margem, na redação do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, para utilização de
suposta discricionariedade judicial que redunde na transferência da análise desses elementos
para etapas posteriores, já que erigidos ao status de circunstâncias judiciais preponderantes,
sem natureza residual.
6. O tráfico privilegiado é instituto criado para beneficiar aquele que ainda não se
encontra mergulhado nessa atividade ilícita, independentemente do tipo ou do volume de
drogas apreendidas, para implementação de política criminal que favoreça o traficante
eventual.
7. A utilização concomitante da natureza e da quantidade da droga apreendida na
primeira e na terceira fases da dosimetria, nesta última para descaracterizar o tráfico
privilegiado ou modular a fração de diminuição de pena, configura bis in idem,
expressamente rechaçado no julgamento do Recurso Extraordinário n. 666.334/AM,
submetido ao regime de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (Tese de
Repercussão Geral n. 712).
8. A utilização supletiva desses elementos para afastamento do tráfico privilegiado
somente pode ocorrer quando esse vetor seja conjugado com outras circunstâncias do caso
concreto que, unidas, caracterizem a dedicação do agente à atividade criminosa ou à
integração a organização criminosa.
9. Na modulação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.
11.343/2006, podem ser utilizadas circunstâncias judiciais não preponderantes, previstas no
art. 59 do Código Penal, desde que não utilizadas de maneira expressa na fixação da pena-
base.
10. Recurso provido para restabelecimento da sentença.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso especial interposto por GILSON MANOEL DA SILVA, condenado à

pena de 5 anos de reclusão pela prática do crime descrito no caput do art. 33 da Lei n. 11.343/2016.

Em primeira instância, o recorrente foi condenado à pena de 1 ano e 8 meses de reclusão,

tendo sido beneficiado pela aplicação, no patamar de 2/3, da causa de redução de pena prevista no § 4º do

mencionado dispositivo legal.

O Tribunal a quo, dando provimento a recurso da acusação, modificou a dosimetria da pena

imposta ao acusado, afastando a caracterização do tráfico privilegiado. Na primeira fase, aplicou-lhe a

pena mínima sem considerar a natureza ou a quantidade das drogas apreendidas, e promoveu a

transferência da análise desse vetor para a terceira fase da dosimetria, na qual foi utilizado para

afastamento da causa de diminuição de pena.

O recorrente questiona a descaracterização do tráfico privilegiado promovida pelo Tribunal a

quo, apontando afronta aos arts. 59, 61, 62, 65 e 68 do Código Penal brasileiro e 33, § 4º, e 42 da Lei

n. 11.343/2006.

Presentes os pressupostos para o conhecimento e julgamento do recurso manejado.

É o relatório.

VOTO

Pretende-se, como já dito, a restauração de uma condenação de 1 ano e 8 meses de reclusão,

realizada com aplicação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006,

afastada em segunda instância por força de presunção de dedicação a atividade criminosa pela quantidade

e diversidade de entorpecentes apreendidos, como se pode aferir do voto condutor do desembargador

relator (fls. 303, destaquei):


E, na hipótese vertente, tendo em vista as circunstâncias que envolveram a prisão do réu,
especialmente a quantidade e a diversidade de entorpecentes apreendidos, não há dúvida de que
SILVA possui sério envolvimento com a máquina criminosa que movimenta o comércio ilícito de
entorpecentes. Em tais condições, o recorrente não faz jus ao privilégio.
Fica, portanto, excluída essa causa de diminuição.
Diante disso, aplico a SILVA a pena-base correspondente a 5 anos de reclusão, mais o
pagamento de 500 dias-multa, quantum que torno definitivo, porque não vislumbro a existência de
causas modificadoras.

Antes de adentrar o mérito recursal propriamente dito, esclareço que as questões de fato e de

direito envolvidas no julgamento deste processo são de relativa simplicidade. Não houve pelo Juízo de

primeira instância, tampouco pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, a consideração de nenhum elemento

em desfavor do recorrente na dosimetria da pena, salvo a natureza e a quantidade das drogas que

estavam em seu poder quando preso em flagrante, mais especificamente 239g de cocaína e 73g de

maconha (vide denúncia, fls. 1-3), a maior parte delas oculta em caixas de medição de água e de gás

próximas do local onde as traficava.

O que se discute neste recurso é a possibilidade de afastamento da análise do indicado vetor

na primeira fase, para utilização exclusiva na terceira da dosimetria.

Necessário realizar, antes, uma pequena digressão sobre as etapas da dosimetria da pena, que

considero ser um dos temas mais desafiadores do direito penal. Sua importância e complexidade exigem

uma delicada sintonia entre as normas legais em vigor e os parâmetros jurisprudenciais necessários para

modular a discricionariedade vinculada do julgador.

Diferentemente da segunda e terceira fases da dosimetria, guiadas, em regra, pela

necessidade de observância de circunstâncias específicas, cuja aplicação encontra-se previamente

determinada pelo legislador, a primeira fase de aplicação da pena confere maior discricionariedade

ao julgador.

Nessa etapa inaugural, os elementos negativos são identificados e calibrados pelo magistrado

de primeiro grau (daí sua denominação como circunstâncias judiciais), provocando uma elevação da pena

mínima dentro do intervalo legal, com motivação a ser necessariamente guiada pelos princípios da

razoabilidade e da proporcionalidade.

Durante a primeira fase, são analisados os mais variados aspectos que cercam a prática

delituosa, com especificação dos elementos pertencentes aos genéricos vetores do art. 59, por

determinação do art. 68, ambos do Código Penal. Pode-se afirmar que todos os elementos subjetivos e

objetivos presentes no panorama que envolve o crime praticado podem, aqui, ser explorados (salvo se

expressamente previstos em etapas subsequentes), já que o universo delimitado por aquele artigo é muito
amplo, englobando o exame das circunstâncias, dos motivos e consequências do crime, do

comportamento da vítima, da conduta social e da personalidade do agente, de sua culpabilidade e de seus

antecedentes criminais. Difícil – e por que não dizer impossível? – imaginar elementos que estejam

envolvidos com a prática delituosa e não sejam relacionados aos vetores indicados. Daí advém a

característica de ser, em regra, uma fase residual, já que as posteriores são estruturadas com elementos

específicos dela "pinçados" pelo legislador e reservados para fases posteriores.

Dessa forma, há uma especialidade entre as etapas da dosimetria inversamente proporcional

à ordem cronológica de sua ocorrência. Aos fatores legais da terceira fase (reservada às causas de

aumento ou de diminuição de pena) atribui-se maior relevância do que aos da segunda e a estes, maior

peso do que aos vetores da primeira. Em regra, somente podem ser utilizados para a fixação da pena-base

(primeira etapa) elementos pertencentes a seus vetores genéricos que não tenham sido previstos, de

maneira específica, para utilização nas etapas posteriores. A aplicação do princípio da especialidade

impede a ocorrência de bis in idem, intolerável em nossa ordem constitucional.

Assim, elementos escolhidos pelo legislador para serem avaliados na segunda ou terceira

fases da dosimetria não devem ser avaliados pelos julgadores nas fases anteriores (salvo de maneira

excepcional, quando sobejantes).

Feitas essas considerações, volto nossa atenção a peculiaridades da dosimetria de

pena previstas na lei de regência do tráfico de drogas, crime de perigo abstrato. A essência desse

delito fez com que o legislador elegesse dois elementos específicos, "a natureza e a quantidade da

substância apreendida", para serem necessariamente observados em etapas ou fases nas quais a análise

dos vetores do art. 59 do CP se imponha por exigência legal.

Dessa forma, o legislador elegeu esses elementos (que já estariam compreendidos no

genérico vetor "circunstâncias") para consideração na primeira fase da dosimetria, elevando-os ao status

de circunstâncias judiciais preponderantes, que se diferenciam das demais pelo grau de

especialidade que lhes foi conferido.

Uma interpretação teleológica dessa especialidade ancora-se, certamente, na direta ligação

desses elementos com o bem jurídico protegido. De fato, a existência de algum tipo ou de determinada

quantidade de substância entorpecente é pressuposto que necessariamente molda o quadro fático-

probatório envolvido na traficância, sendo a ela diretamente ligado, o que, ao certo, levou o legislador a

determinar sua utilização na fixação da pena-base.

Além disso, o caput do art. 59 exige que, no exercício racional de ponderação, atento às
peculiaridades do caso concreto, o julgador estabeleça uma reprimenda apta à prevenção e, ao mesmo

tempo, reprovação do delito praticado. Para tanto, é natural supor que a circulação de maior quantidade

ou a nocividade maior de determinados tipos de entorpecentes causarão danos maiores ao bem jurídico

protegido – a saúde pública –, exigindo a elevação da reprimenda básica.

Assim, por força do quadro fático-probatório que envolve o tráfico de drogas e da aplicação

do princípio da especialidade, entendo que esses elementos foram eleitos pelo legislador para necessária

utilização na fixação da pena-base. De fato, o art. 42 da Lei n. 11.343/2016 expressamente estabelece,

de forma taxativa, o seguinte (destaquei):

Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no
art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade
e a conduta social do agente.

Dessa forma, nos crimes tipificados pela lei indicada, "a natureza e a quantidade da

substância ou do produto apreendidos" (assim como a personalidade e a conduta social do agente) devem

não apenas ser utilizadas para motivação da reprimenda básica como ser avaliadas com preponderância

sobre quaisquer outros elementos que envolvam a prática do delito; isso em toda análise que exija,

por determinação legal, a observância do art. 59 do Código Penal (não apenas aquela reservada

à definição da pena-base mas também a de escolha do regime inicial de cumprimento de pena, nos termos

do § 3º do art. 33, a de substituição de exigências para suspensão condicional da pena, nos termos do § 2º

do art. 78, todos do Código Penal).

Discorrendo sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci esclarece (destaquei):

Por outro lado, não é demais ressaltar que a natureza e a quantidade da substância
(entendendo-se o material utilizado para o preparo da droga) ou do produto (a droga produzida de
algum modo) fazem parte das circunstâncias e das consequências do crime, elementos também
constantes do art. 59 do Código Penal. Então, continuando a meta de buscar o propósito legislativo,
parece-nos que se quis evidenciar serem tais circunstâncias específicas mais importantes que
outras, eventualmente existentes, quando se tratar de delito previsto na Lei 11.343/2006.
(NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 13ª ed., vol. 1. Rio de
Janeiro: Forense, 2020, p. 426.)

Assim, considero que, na primeira etapa da dosimetria da pena em condenações de tráfico de

drogas, deve-se necessariamente considerar o elemento preponderante "natureza e quantidade do

entorpecente apreendido" para fixação da pena-base. Não há margem, na redação do artigo, para

afastamento desse vetor por discricionariedade judicial, já que o princípio da especialidade exige sua

prevalência.

Nessa linha de raciocínio, considero que não podem eles, por consequência, ser reservados

para etapas subsequentes para as quais o legislador não tenha previsto, de forma específica, sua
utilização (e o § 4° do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 não prevê esses elementos como requisito para a

causa de diminuição de pena que estabelece, é bom lembrar).

Voltando ao caso trazido à apreciação deste colegiado, pontuo que este recurso possui

especial relevância, pois a simplicidade dos elementos envolvidos permite uma análise mais clara, que

demonstra a perversidade da alternativa que vem sendo conferida aos julgadores quando lhes é

autorizada a transferência do mencionado elemento para a terceira etapa da dosimetria, mais

especificamente para o afastamento do tráfico privilegiado. No caso em exame, permitiu a elevação de

uma pena de 1 ano e 8 meses para 5 anos de reclusão.

Ocorre que o afastamento do tráfico privilegiado somente pode se dar pela ausência de um

dos pressupostos exigidos para sua concessão, expressamente identificados no § 4º do art. 33 da Lei n.

11.343/2006, em rol taxativo que exige aplicação cumulativa, mais especificamente:

- ser o agente primário e ter bons antecedentes;

- não haver demonstração de se dedicar a atividades criminosas;

- não haver demonstração de integrar organização criminosa.

O que ocorre, na prática, é que, quando o único elemento em desfavor do acusado se refere à

natureza ou à quantidade das drogas apreendidas, são feitas ilações de que ele se dedica a atividades

criminosas. Todavia, o direito penal não admite agravamento de pena (ou afastamento de

diminuição) por presunções!

Além disso, não pode o julgador eleger requisitos para a aplicação de causas de aumento ou

de diminuição de pena, que se encontram, segundo metodologia já explanada, em área pertencente à

discricionariedade legislativa.

Por esse motivo, consolidou-se, no Supremo Tribunal Federal, o entendimento de que a

quantidade e a natureza da droga não são aptas, por si sós, a comprovar o envolvimento com o crime

organizado ou a dedicação à atividade criminosa (AgR no HC n. 193.498/SP, relator para o acórdão

Ministro Gilmar Mendes, DJe de 19/2/2021).

Nesse ponto, registro que, em processos nos quais a natureza ou quantidade de entorpecentes

encontradas em poder do réu sejam os únicos elementos negativos em seu desfavor, a consideração desses

vetores na primeira fase da dosimetria (e não na terceira) se traduz, normalmente, como alternativa

mais benéfica ao acusado. Isso porque, ainda que a pena-base seja, na hipótese, aumentada, a

circunstância de a causa de diminuição poder ser aplicada em 2/3 faz com que a pena final redunde em

condenação inferior ao mínimo legal (na maioria dos casos).


Lembro que o tráfico privilegiado é instituto criado para beneficiar aquele que ainda não

se encontra mergulhado nessa atividade ilícita, independentemente do tipo ou volume de drogas

apreendidas. Sua utilização permite o abrandamento de uma padronização severa (causada pelo aumento

da pena mínima advindo com a Lei n. 11.343/2006), favorecendo o traficante eventual, sem grande

envolvimento com o mundo criminoso. Nessa linha de entendimento, o vetor "natureza e quantidade das

drogas" apresenta-se como desinfluente para a caracterização ou não da iniciação na traficância, que

atraiu o olhar diferenciado do legislador.

Por consequência, entendo que esse vetor, isoladamente, não pode ser utilizado para o

afastamento do indicado benefício.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vinha reconhecendo a impropriedade de

utilização da natureza e da quantidade de entorpecentes na terceira fase da dosimetria, para afastamento

da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. Em verdade, a partir do

julgamento do HC n. 101.317, da relatoria originária da Ministra Ellen Gracie, chegou a fixar orientação

para o sopesamento dessa circunstância na primeira fase de individualização da pena, por força do

art. 42 da Lei n. 11.343/2006, nos termos de voto condutor prolatado pelo Ministro Gilmar Mendes.

Vários foram os julgados nesse sentido, como se pode aferir da ementa desse e de outros julgamentos:

Habeas Corpus. 2. Dosimetria da pena. Nulidade. 3. Tráfico de entorpecentes. Quantidade de


droga. Previsão no art. 42 da Lei n.º 11.343/2006. 4. Traficante eventual ou de menor potencial.
Atenuante do § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/2006. 5. Ordem parcialmente deferida. (HC n. 101.317,
relatora Ministra Ellen Gracie, relator para o acórdão Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe
de 6/8/2010.)

1. Habeas Corpus. 2. Tráfico de entorpecentes. 3. Pedido de aplicação da causa especial de


diminuição de pena (Lei n. 11.343/2006, art. 33, § 4º) em patamar máximo.
A quantidade e a qualidade de droga apreendida são circunstâncias que devem ser
sopesadas na primeira fase de individualização da pena, nos termos do art. 42 da Lei
11.343/2006, sendo impróprio invocá-las por ocasião de escolha do fator de redução previsto no
§ 4º do art. 33, sob pena de bis in idem.
4. Ordem parcialmente deferida para determinar que se proceda a nova individualização da
pena. (HC n. 108.513, relator Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 6/9/2011, destaquei.)

HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA ESPECIAL DE


DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. APLICAÇÃO EM SEU
GRAU MÍNIMO (1/6). FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUSÊNCIA. [...] ORDEM CONCEDIDA
DE OFÍCIO.
[...]
II – Não agiu bem o colegiado sentenciante, uma vez que se utilizou dos mesmos fundamentos
para fixar a pena-base acima do mínimo legal e, em seguida, conceder a redução prevista no
dispositivo mencionado na fração de 1/6, em flagrante bis in idem.
[...]
V – Ordem concedida de ofício para determinar ao juízo da execução que proceda a nova
individualização da pena, respeitadas as diretrizes firmadas por esta Turma, ou seja,
considerando a natureza e a quantidade do entorpecente apreendido em poder do paciente na
primeira fase da individualização da reprimenda, bem como a quantidade de pena fixada pelo
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sob pena de reformatio in pejus. [...]
[...] (HC n. 115.708, relator Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe de
18/10/2013, destaquei.)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-
BASE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. VETORES DA LEGISLAÇÃO ESPECIAL. CAUSA DE
DIMINUIÇÃO DE PENA. ELEIÇÃO DO GRAU DE REDUÇÃO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO
VÁLIDA PARA REDUÇÃO NO GRAU MÍNIMO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. A necessidade de fundamentação dos pronunciamentos judiciais (inciso IX do art. 93 da
Constituição Federal) tem na fixação da pena um dos seus momentos culminantes. Trata-se de
garantia constitucional que junge o magistrado a coordenadas objetivas de imparcialidade e propicia
às partes conhecer os motivos que levaram o julgador a decidir neste ou naquele sentido.
2. O Supremo Tribunal Federal junge a legalidade da pena ao motivado exame judicial das
circunstâncias do delito. Exame, esse, revelador de um exercício racional de fundamentação e
ponderação dos efeitos éticos e sociais da sanção, embasado nas peculiaridades do caso concreto, e
no senso de realidade do órgão sentenciante. De outro modo não pode ser, devido a que o art. 59 do
Código Penal confere ao Juízo sentenciante o poder-dever de estabelecer uma reprimenda apta à
prevenção e simultaneamente à reprovação do delito, sempre atento o magistrado à concretude da
causa.
3. O paciente se acha condenado pelo delito de tráfico de entorpecentes. Pelo que o caso é
de calibração das balizas do art. 59 do Código Penal com as circunstâncias listadas na
pertinente legislação extravagante. E o fato é que a pena-base está assentada num cuidadoso exame
das circunstâncias que moldam o quadro fático-probatório da causa e em nada afronta as garantias da
individualização da pena e da fundamentação das decisões judiciais (inciso XLVI do art. 5º e inciso
IX do art. 93 da Constituição Federal). Mais: reprimenda que decorre da motivação estampada na
sentença, não sendo de ser atribuída ao voluntarismo do julgador, como pretende a impetração.
4. A mera reiteração aos requisitos legais não supre a necessidade de fundamentação quanto à
eleição do grau de redução pela minorante do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006.
5. Ordem parcialmente concedida para determinar ao Juízo Processante que refaça a
dosimetria da pena quanto à causa de diminuição da reprimenda. Juízo que deverá, considerando o
que decidido no HC 97.256, da minha relatoria, examinar se estão presentes os requisitos da
substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos (art. 44 do Código Penal).
(HC n. 105.278, relator Ministro Ayres Britto, Segunda Turma, DJe de 29/11/2010, destaquei.)

Habeas Corpus. Tráfico de drogas. [...] Fixação do quantum relativo à causa de diminuição de
pena prevista no art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/06. Necessidade de fundamentação idônea.
Inocorrência. Ordem parcialmente concedida.
[...] O magistrado não está obrigado a aplicar a causa de diminuição prevista no § 4° do art. 33
da Lei nº 11.343/06 em seu patamar máximo quando presentes os requisitos para a concessão de tal
benefício, tendo plena autonomia para aplicar a redução no ‘quantum’ reputado adequado de acordo
com as peculiaridades do caso concreto” (HC 99.440/SP, da minha relatoria, DJe-090 de 16.05.2011).
Contudo, a fixação do quantum de redução deve ser suficientemente fundamentada e não pode
utilizar os mesmos argumentos adotados em outras fases da dosimetria da pena. Como se sabe, “a
quantidade e a qualidade de droga apreendida são circunstâncias que devem ser sopesadas na
primeira fase de individualização da pena, nos termos do art. 42 da Lei 11.343/2006, sendo
impróprio invocá-las por ocasião de escolha do fator de redução previsto no § 4º do art. 33, sob
pena de bis in idem” (HC 108.513/RS, rel. min. Gilmar Mendes, DJe nº 171, publicado em
06.09.2011). Ordem parcialmente concedida para determinar ao TRF da 3ª Região que realize nova
dosimetria da pena, reaprecie o regime inicial de cumprimento de pena segundo os critérios previstos
no art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, e avalie a possibilidade de conversão da pena privativa de
liberdade em restritiva de direito conforme os requisitos previstos no art. 44 do CP. (HC n. 108.523,
relator Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe de 14/3/2012, destaquei.)

Habeas Corpus – Crime de tráfico de entorpecentes (lei nº 11.343/2006, art. 33, § 4º) – causa
especial de diminuição de pena – utilização desse fator de redução, em grau menos favorável, sem
adequada justificação dos motivos ensejadores da operação de dosimetria penal – quantidade (ou
natureza) das drogas apreendidas com o condenado como circunstância judicial a ser
ponderada, somente, na primeira fase da dosimetria penal (lei nº 11.343/2006, art. 42) – critério
que não pode ser utilizado, de novo, sob pena de ofensa ao postulado que veda o “bis in idem”,
na terceira fase da operação de dosimetria, para justificar a aplicação, em grau menos
favorável ao condenado, da causa especial de diminuição da pena (lei nº 11.343/2006, art. 33, §
4º) – precedentes – configuração, no caso, de hipótese de injusto constrangimento – possibilidade do
exame, pelo magistrado de primeiro grau, dos requisitos necessários ao ingresso do paciente em
regime penal menos gravoso – pedido deferido em parte. (HC n. 113.641, relator Ministro Celso de
Mello, Segunda Turma, DJe de 16/8/2013, destaquei.)

Extrai-se do voto condutor do último julgado indicado excerto que confirma o

posicionamento então pacificado naquela Corte. Confira-se:

Em situações como a que se verifica nesta causa, a jurisprudência do Supremo Tribunal


Federal, fundada em decisões colegiadas de ambas as Turmas desta Suprema Corte (HC 98.172/GO,
Rel. Min. Gilmar Mendes – HC 99.218/GO, Rel. Min. Celso de Mello – HC 99.320/GO, Rel. Min.
Celso de Mello – HC 100.005/MG, Rel. Min. Ayres Britto – HC 101.317/MS, Rel. p/ o acórdão Min.
Gilmar Mendes – HC 105.278/RN, Rel. Min. Ayres Britto – HC 105.950/SP, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski – HC 106.313/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes – HC 108.513/RS, Rel. Min. Gilmar
Mendes, v.g.), tem adotado o entendimento de que, nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006,
a quantidade de substância entorpecente apreendida com o agente só deverá ser considerada na
primeira fase da individualização da sanção penal – ao ser fixada a pena-base –, caso em que
não poderá ser utilizada, de novo, sob pena de transgressão ao postulado que veda o “bis in idem”,
para justificar a aplicação, em grau menos favorável ao condenado, da causa especial de diminuição
da pena (Lei nº 11.343/2006, art. 33, § 4º) . [...] Impende ressaltar, por oportuno, que essa mesma
orientação vem de ser reafirmada, em recentes julgamentos, pela colenda Segunda Turma desta
Suprema Corte (HC 108.387/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa – HC 108.523/MS, Rel. Min. Joaquim
Barbosa).

Ocorre que, a partir da apreciação do Recurso Extraordinário n. 666.334/AM, julgado em

regime de repercussão geral em 3/4/2014, aquela Corte Superior fixou o entendimento de que "a

natureza e a quantidade de entorpecentes" não podem ser utilizadas em duas fases da dosimetria

da pena, sob pena de incidência em inconstitucional bis in idem. Naquele feito discutia-se,

especificamente, a possibilidade de utilização concomitante do indicado vetor na primeira e na terceira

fases da dosimetria, nesta última como modulador da fração de redução de pena a ser aplicada ao tráfico

privilegiado reconhecido. Confira-se o teor do enunciado:

Tese de Repercussão Geral n. 712 - As circunstâncias da natureza e da quantidade da droga


apreendida devem ser levadas em consideração apenas em uma das fases do cálculo da pena.

A partir da fixação do mencionado entendimento, percebe-se que passaram a surgir posições

jurisprudenciais no sentido de haver uma suposta discricionariedade judicial na escolha da aplicação do

vetor "natureza e quantidade das drogas apreendidas" nas diversas fases da dosimetria da pena. E essas

posições, data maxima venia, não resultaram de um aprofundamento no tema; ao que tudo indica, foram

fruto de inadequada ou apressada interpretação do enunciado da indicada tese de repercussão geral.

Por consequência, vários julgadores passam a chancelar a possibilidade de consideração

exclusiva do vetor mencionado para afastamento da causa de diminuição de pena, na terceira etapa da

dosimetria da reprimenda penal (no STF, HC n. 176.267/MG, relator Alexandre de Moraes, Primeira

Turma, DJe de 21/11/2019; no STJ, AgRg no HC n. 586.551/SP, relator Ministro Joel Paciornik, DJe de

27/11/2020; AgRg no HC n. 635.338/SP, relator Ministro Joel Paciornik, DJe de 5/4/2021; AgRg no HC

n. 642.350/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, DJe de 8/3/2021; e AgRg no HC n. 645.133/SP, relator

Ministro Ribeiro Dantas, DJe de 8/3/2021).

Ocorre que a existência de dispositivo legal de envergadura federal que impõe a

utilização daquele vetor na primeira fase da dosimetria deve ser observada em conjunto com a

orientação firmada na Tese de Repercussão Geral n. 712.


Cumpre-nos, pois, revigorar o entendimento da plena eficácia do art. 42 da Lei n.

11.343/2016, que exige a observância do indicado vetor na fixação da pena-base, já que o Superior

Tribunal de Justiça possui a missão constitucional de resguardo da correta aplicação da lei federal.

Prossigo, verificando a existência de posições conflitantes entre as duas Turmas criminais

desta Corte, não apenas entre elas mas também entre julgadores da mesma Turma.

Na Quinta Turma, mesmo após a consolidação da Tese de Repercussão Geral n. 712, persiste

o entendimento de alguns de seus membros no sentido de que a utilização concomitante da quantidade de

droga apreendida (para elevar a pena-base e para afastar a minorante) não configura bis in idem,

julgamentos que, em verdade, estão em sentido diametralmente oposto àquele enunciado. Observe-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE


DROGAS E ASSOCIAÇÃO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DEFESA PARA
APRESENTAÇÃO DA DEFESA PRÉVIA. ADVOGADO NÃO CONSTITUÍDO NAQUELE
MOMENTO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. INSUFICIÊNCIA DOS ELEMENTOS
PROBATÓRIOS. SÚMULA 7/STJ. DOSIMETRIA. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA.
BIS IN IDEM. NÃO VERIFICAÇÃO. AGRAVO NÃO PROVIDO.
[...]
3. Revela-se lícita a utilização concomitante da natureza e da quantidade de drogas para
afastar a incidência da causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, por
demonstrar a dedicação dos agravantes a atividades criminosas, sem configurar bis in idem.
4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 1.799.109/MS, relator Ministro
Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 28/5/2021, destaquei.)

DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE


RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA.PLEITO DE
INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO § 4° DO ART. 33 DA
LEI DE DROGAS. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA APREENDIDA. 1.272,3 G DE
SKUNK. CONVICÇÃO DA CORTE ORIGINÁRIA DE QUE O PACIENTE SE DEDICAVA À
ATIVIDADE CRIMINOSA. IMPOSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO DA PREMISSA.
NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM. POSSIBLIDADE
DO USO DA QUANTIDADE E DA NATUREZA DA DROGA NA PRIMEIRA E NA
TERCEIRA FASE. REGIME INICIAL FECHADO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO
REGIMENTAL DESPROVIDO.
[...]
II - Quanto ao pedido de incidência da causa de diminuição de pena prevista no § 4° do art. 33
da Lei n. 11.343/2006, frise-se que, na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o
percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de
droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na
definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando
evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
III - In casu, há fundamentação concreta para o afastamento do tráfico privilegiado,
consubstanciada na quantidade e na natureza da droga apreendida: 1.272,3 g de skunk. Assim, a Corte
originária se convenceu de que o paciente se dedicava, efetivamente, às atividades criminosas, porque
não se tratava de traficante ocasional. Ademais, rever o entendimento das instâncias ordinárias para
fazer incidir a causa especial de diminuição demandaria, necessariamente, amplo revolvimento da
matéria fático-probatória, procedimento que, a toda evidência, é incompatível com a estreita via do
mandamus. Nesse sentido: HC n. 372.973/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de
23/2/2017; e HC n. 379.203/SC, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de
10/2/2017.
IV - Ainda, insta consignar que é entendimento desta Corte que a utilização
concomitante da quantidade de droga apreendida para a elevação da pena-base, e para o
afastamento da incidência da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, na
terceira fase, não configura bis in idem. Nesse sentido: AgRg no REsp n. 1.255.180/MG, Quinta
Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 15/02/2013; HC n. 372.973/SP, Quinta Turma, Rel.
Min. Ribeiro Dantas, DJe de 23/2/2017; HC n. 379.203/SC, Quinta Turma, Rel. Min.Reynaldo
Soares da Fonseca, DJe de 10/2/2017; AgRg no REsp n.1779825/RO, Quinta Turma Rel. Min. Joel
Ilan Paciornik, DJe de 23/05/2019.
[...] (AgRg no HC n. 661.319/SP, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe de
31/5/2021, destaquei.)

Existem outros julgamentos da Quinta Turma nos quais se verifica maior alinhamento às

balizas firmadas pelo Supremo Tribunal Federal. Confira-se:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE


ENTORPECENTES. QUANTIDADE E QUALIDADE COMO FUNDAMENTO EXCLUSIVO
PARA NEGAR A APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, §4º, DA LEI N.
11.343/2006. AUSÊNCIA DE ATIVIDADE LÍCITA. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO
INIDÔNEA. INCIDÊNCIA DO BENEFÍCIO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que isoladamente consideradas, a
natureza e a quantidade do entorpecente apreendido, por si sós, não são suficientes para embasar
conclusão acerca da presença das referidas condições obstativas e, assim, afastar o reconhecimento da
minorante do tráfico privilegiado (AgRg no REsp n. 1.687.969/SP, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta
Turma, DJe 26/3/2018).
2. O STJ possui entendimento de que o simples fato de o acusado não haver comprovado o
exercício de atividade lícita à época dos fatos não pode, evidentemente, levar à conclusão contrária,
qual seja, a de que ele se dedica a atividades criminosas, até porque o desemprego, diante da
realidade social brasileira, representa, na verdade, um infortúnio de boa parte da população, e não
algo desejado (AgRg no HC 406.671/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado
em 21/08/2018, DJe 03/09/2018).
3. No presente caso, os fundamentos utilizados pela Corte de origem não foram
suficientes para afastar a causa de diminuição, uma vez que esta mencionou apenas a
quantidade e qualidade das drogas - 329, 9g de maconha e 48,6g de cocaína - e a ausência de
atividade lícita, para afastar a causa de diminuição do art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006, não
sendo demonstrados os elementos concretos para se concluir que os acusados se dedicavam à
atividade criminosa. Dessa forma, necessário o reconhecimento da incidência da causa de
diminuição da pena descrita no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, no patamar de 2/3, uma vez
que a quantidade e a qualidade da droga foram usadas para sopesar a pena-base.
4. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp n. 1.838.384/SP, relator Ministro
Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 19/12/2019, destaquei.)

A Sexta Turma, a despeito de não avalizar a utilização da baliza "natureza e quantidade das

drogas apreendidas" em duas etapas da dosimetria (possuindo, no ponto, posicionamento alinhado à tese

de repercussão geral mencionada), possui julgados dissonantes em suas conclusões. Alguns julgados

chancelam sua observância apenas na primeira fase, outros na terceira fase (como critério modulador da

redução de pena), existindo ainda acórdãos que reconhecem a plena discricionariedade do julgador para a

escolha do momento a ser utilizada. Vejam-se os precedentes a seguir:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS.


MINORANTE PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. QUANTIDADE DE
DROGAS. BIS IN IDEM. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA NOVA DOSIMETRIA DA
PENA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Para a aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, é exigido, além
da primariedade e dos bons antecedentes do acusado, que este não integre organização criminosa nem
se dedique a atividades delituosas. Isso porque a razão de ser da causa especial de diminuição de pena
prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 é justamente punir com menor rigor o pequeno
traficante, ou seja, aquele indivíduo que não faz do tráfico de drogas o seu meio de vida; antes, ao
cometer um fato isolado, acaba incidindo na conduta típica prevista no art. 33 da mencionada lei
federal.
2. Por ocasião do julgamento do HC n. 112.776/MS - leading case sobre a discussão acerca do
bis in idem nesses casos de dosimetria da pena no crime de tráfico de drogas -, em sessão plenária
ocorrida no dia 19/12/2013, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, firmou o
posicionamento de que as circunstâncias relativas à natureza e à quantidade de drogas apreendidas só
podem ser usadas, na dosimetria da pena, na primeira ou na terceira fase, sempre de forma não
cumulativa. Esse fato privilegia, de acordo com o Relator, Ministro Teori Zavascki, o poder de
discricionariedade concedido ao juiz na dosimetria, como também o princípio constitucional da
individualização da pena. Para o Relator, sopesar a natureza e a quantidade de drogas em duas fases
do cálculo da pena caracteriza bis in idem.
3. Em 4/4/2014, a matéria foi objeto de nova apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, em
repercussão geral no ARE n. 666.334/AM, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, em que se
reafirmou o entendimento de que as circunstâncias da natureza e da quantidade de drogas apreendidas
devem ser levadas em consideração apenas em uma das fases da dosimetria da pena, em observância
à vedação do bis in idem.
4. Uma vez que, no caso, a Corte estadual sopesou o mesmo elemento - quantidade de
drogas apreendidas - tanto para fins de exasperação da pena-base quanto para justificar a
impossibilidade de incidência da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006,
houve ofensa ao princípio do ne bis in idem. Assim, deve ser determinado o retorno dos autos ao
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a fim de que realize nova dosimetria da pena do
acusado, dessa vez com a utilização da quantidade de drogas apreendidas em somente uma das
etapas do cálculo da reprimenda.
5. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp n. 1.905.677/SP, relator Ministro Rogerio
Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 15/12/2020, destaquei.)

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. QUANTUM


DA CAUSA ESPECIAL DE REDUÇÃO (ART. 33, § 4º, LEI N. 11.343./2006).
INCONFORMISMO. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA. MODULAÇÃO DA FRAÇÃO
DA REDUTORA EM 1/6. POSSIBILIDADE. CRITÉRIO UTILIZADO EM APENAS UMA
ETAPA DA DOSIMETRIA.
1. A simples presença dos requisitos do art. 33, § 4º, da Lei n.11.343/2006 não gera
direito à aplicação da fração máxima da minorante, que pode ser modulada dentro dos
parâmetros mínimo e máximo previstos, desde que haja fundamentação idônea. Nessa
modulação, é possível a utilização da quantidade e natureza das drogas apreendidas, desde que
não tenham sido avaliadas em outra etapa da dosimetria, para que não haja bis in idem (AgRg
no REsp 1.628.219/AM, da minha relatoria, Sexta Turma, DJe de 31/8/2017).
2. No caso, a aplicação da fração de redução do tráfico privilegiado em 1/6 foi fundamentada
na quantidade e natureza da droga apreendida com o agravante - 2 kg de cocaína e 13 kg de maconha
-, fatores esses não avaliados em outro momento da fixação da reprimenda.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 624.797/MG, relator Ministro Sebastião
Reis Junior, Sexta Turma, DJe de 9/3/2021, destaquei.)

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS.


DOSIMETRIA. MINORANTE DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. NÃO APLICAÇÃO.
GRANDE QUANTIDADE DE ENTORPECENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO
EVIDENCIADO. FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL MENOS GRAVOSO E SUBSTITUIÇÃO DA
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS.
IMPOSSIBILIDADE. QUANTUM FINAL ESTABELECIDO ACIMA DE 4 ANOS DE
RECLUSÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Segundo o entendimento firmado neste Tribunal Superior, a natureza e a quantidade da
droga apreendida constituem elementos aptos a justificar o afastamento da minorante prevista no art.
33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.
2. No caso, não se vislumbra ilegalidade na dosimetria da pena, tendo em vista que a
Corte de origem baseou-se em fundamentação idônea, lastreada na grande quantidade das
drogas apreendidas - 210g (duzentos e dez gramas) de cocaína, 2,115kg (dois quilos e cento e
quinze gramas) de maconha e 13l (treze litros) de lança-perfume -, para afastar a suscitada
minorante.
3. Com a pena definitiva fixada em 5 anos de reclusão, inviável a aplicação de regime
inicialmente aberto e a substituição da pena corporal por restritivas de direitos em razão de extrapolar
os limites objetivos previstos nas normas de regência.
4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 609.367/SP, relator Ministro Antonio
Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe de 9/2/2021, destaquei.)

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS.


DOSIMETRIA DA PENA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. NATUREZA E QUANTIDADE
DA DROGA (2.863 GRAMAS DE COCAÍNA). FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUMENTO
PROPORCIONAL. CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N.
11.434/2006. ATUAÇÃO DA PACIENTE NA CONDIÇÃO DE "MULA". APLICAÇÃO DA
FRAÇÃO DE 1/6. ÍNDICE PROPORCIONAL. AUSÊNCIA DE MANIFESTA ILEGALIDADE.
AGRAVO IMPROVIDO.
1. Via de regra, não se presta o remédio heróico à revisão da dosimetria das penas
estabelecidas pelas instâncias ordinárias. Contudo, a jurisprudência desta Corte admite, em caráter
excepcional, o reexame da aplicação das penas, nas hipóteses de manifesta violação aos critérios dos
arts. 59 e 68, do Código Penal, e art. 42 da Lei 11.343/06, sob o aspecto da ilegalidade, nas hipóteses
de falta ou evidente deficiência de fundamentação ou ainda de erro de técnica.
2. Na fixação da sanção inicial dos crimes de tráfico de drogas devem ser analisados, com
preponderância sobre o disposto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da
substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente, conforme determinação
expressa do art. 42 da Lei de Drogas.
3. In casu, considerou o Tribunal de origem haver maior reprovabilidade da conduta tendo em
vista a natureza e a quantidade de droga apreendida (tratando-se de 2.863 gramas de cocaína), o que
motivou a elevação da pena-base em 2 anos. Na linha de precedentes desta Corte Superior, tal
entendimento encontra-se dentro da discricionariedade vinculada do magistrado, não sendo devida a
alteração da sanção inicial, na estreita via do writ, porquanto não configurada flagrante ilegalidade,
em se considerando, sobretudo, as penas máxima e mínima cominadas em abstrato para o tipo penal
em questão.
4. Conforme julgados desta Corte, a circunstância de a paciente ter realizado o tráfico de
drogas na condição da chamada "mula" constitui fundamento idôneo à fixação da causa de
diminuição do § 4 do art. 33 da Lei de Drogas em fração reduzida. Desse modo, a fundamentação do
acórdão impugnado no sentido de que os agentes que realizam o tráfico de drogas na referida
condição asseguram funcionalidade à atuação de grupos organizados para a prática de crimes revela-
se idônea à fixação da minorante do tráfico privilegiado na fração de 1/6 (um sexto).
5. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 424.150/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro,
Sexta Turma, DJe de 26/2/2018.)

Considero que é chegada a hora de promover o alinhamento da jurisprudência do

Superior Tribunal de Justiça à Tese de Repercussão Geral n. 172, promulgada há mais de 7 anos.

Entendo ainda que, dentro de suas atribuições constitucionais, o STJ deve aprofundar o

exame do tema, analisando a correta aplicação da lei federal à espécie, mais especificamente no que diz

respeito à necessidade de observância dos vetores indicados no art. 42 da Lei n. 11.343/2006 na

primeira etapa da dosimetria da reprimenda penal.

Lembro que a individualização da pena é uma atividade discricionária vinculada, sujeita a

controle de legalidade. E nunca é demais lembrar que a missão constitucional de resguardo da correta

aplicação da lei federal é do Superior Tribunal de Justiça, onde o tema pende de pacificação.

Pontuo, por cautela, que não estou a propalar reexame de acervo probatório, vedado

nesta via recursal pela Súmula n. 7 do STJ, mas sim a reconhecer a possibilidade de análise crítica da

subsunção das provas, realizada pelas instâncias inferiores.

Voltando ao caso concreto, verifico que o vetor "natureza e quantidade de

droga apreendida" foi corretamente sopesado pelo magistrado na primeira fase da dosimetria; esse

elemento não poderia ser transferido para a terceira fase, para afastamento do tráfico privilegiado – como

realizado pelo Tribunal a quo –, por mera presunção de dedicação do ora agravante a atividades

criminosas, sem a conjugação de elementos outros que denotassem certa "profissionalização" do agente

na traficância.

Com essas considerações, dou provimento ao recurso especial para restabelecer a sente

nça de primeira instância. Para garantia de uniformização da interpretação da legislação federal

aplicável, proponho ainda o acolhimento expresso pela Terceira Seção das premissas de que:

1 - a natureza e a quantidade das drogas apreendidas são fatores a serem necessariamente


considerados na fixação da pena-base, nos termos do art. 42 da Lei n. 11.343/2006;

2 - sua utilização supletiva na terceira fase da dosimetria da pena, para afastamento da

diminuição de pena prevista no § 3º do art. 33 da Lei n. 11.343/2016, somente pode ocorrer quando

esse vetor seja conjugado com outras circunstâncias do caso concreto que, unidas, caracterizem a

dedicação do agente à atividade criminosa ou a integração a organização criminosa;

3 - podem ser utilizados para modulação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do

art. 33 da Lei n. 11.343/2006 quaisquer circunstâncias judiciais não preponderantes, previstas no art. 59

do Código Penal, desde que não utilizadas na primeira etapa, para fixação da pena-base.

É o voto.
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.887.511 - SP (2020/0195215-3)

VOTO

O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:

GILSON MANOEL DA SILVA interpõe recurso especial,


com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão
proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação
Criminal n. 0002596-59.2017.8.26.0616).

Consta dos autos que o recorrente foi condenado à pena de 5


anos de reclusão, em regime inicial fechado, mais multa, pela prática do crime
previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.

Nas razões do recurso especial, a defesa aponta violação dos


arts. 59, 61, 62, 65 e 68, todos do CP; 33, § 4º e 42, ambos da Lei n.
11.343/2006, e requer, em síntese, seja reconhecida a incidência da minorante
prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas e, por conseguinte, seja
restabelecida a sentença que condenou o réu à pena de 1 ano e 8 meses de
reclusão.

Levado o feito a julgamento em sessão realizada no dia


9/6/2021, o relator, Ministro João Otávio de Noronha, votou pelo
provimento do recurso, para restabelecer a sentença de primeira instância. Na
ocasião, propôs, ainda, como garantia da uniformização da interpretação da
legislação federal aplicável, o acolhimento expresso pela Terceira Seção das
premissas de que:

1 - a natureza e quantidade das drogas apreendidas são fatores a


serem necessariamente considerados na fixação da pena-base, nos
termos do art. 42 da Lei n. 11.343/2006;
2 - sua utilização supletiva, na terceira fase da dosimetria da pena,
para afastamento da diminuição de pena prevista no § 3º do art. 33 da
Lei n. 11.343/2016 somente pode ocorrer quando esse vetor seja
conjugado com outras circunstâncias do caso concreto que, unidas,
caracterizem a dedicação do agente à atividade criminosa ou a
integração a organização criminosa.

Inicialmente, eu gostaria de fazer um expresso elogio ao voto do


Documento: 129808117 - VOTO - Site certificado Página 1 de 12
Superior Tribunal de Justiça
Ministro João Otávio de Noronha: realmente é um voto magnífico, com análise
muito minudente acerca do tema trazido a debate, que é um dos mais
polêmicos, dos mais controvertidos, tanto nesta Corte Superior de Justiça
quanto no Supremo Tribunal Federal. Sua Excelência fez uma análise muito
percuciente em relação a essa matéria, a partir dos objetivos do processo de
individualização da pena, e, especialmente, no tocante a essa causa de
diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas.

Esclareço, já de início, que estou de acordo com o voto; no


entanto, gostaria apenas de fazer breves considerações sobre pontos que, em
meu entendimento, devem ser objetos de preocupação por todos nós
julgadores.

Com efeito, para a aplicação da minorante prevista no art. 33, §


4º, da Lei n. 11.343/2006, é exigido, além da primariedade e dos bons
antecedentes do acusado, que este não integre organização criminosa nem se
dedique a atividades delituosas.

O legislador, a meu ver, não foi feliz com a redação desse


dispositivo e sua interpretação tem sido a mais equívoca, no sentido de diversas
soluções, ou plurívoca, em sua interpretação por diversos tribunais e por juízos
de todas as instâncias, porque há situações concretas que parecem evidenciar
uma consequência que a lei aparentemente não quis contemplar com essa
minorante.

Faço lembrar que, por ocasião do julgamento do HC n.


112.776/MS – leading case sobre a discussão acerca de bis in idem em casos
de dosimetria da pena no crime de tráfico de drogas –, em sessão plenária
ocorrida no dia 19/12/2013, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos,
firmou o posicionamento de que as circunstâncias relativas à natureza e à
quantidade de drogas apreendidas só podem ser usadas, na dosimetria da pena,
na primeira ou na terceira fase, sempre de forma não cumulativa. Esse fato
privilegia, de acordo com o Relator, Ministro Teori Zavascki, o poder de
discricionariedade concedido ao juiz na dosimetria, como também o princípio
constitucional da individualização da pena. Para o Relator, sopesar a natureza e
a quantidade de drogas em duas fases do cálculo da pena caracteriza bis in
idem.

Ficaram vencidos, em parte, os Ministros Luiz Fux, Rosa


Weber, Dias Toffoli e Marco Aurélio, que concediam a ordem em menor
extensão. Para eles, a análise das circunstâncias da natureza e da quantidade de
drogas, na primeira e na terceira fase da dosimetria, não configuraria bis in
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Superior Tribunal de Justiça
idem, pois o que elevaria a pena-base seria a intensidade da lesão à saúde
pública, enquanto a causa de diminuição seria decorrente do grau de
envolvimento do réu com a criminalidade organizada ou da sua maior
devoção à atividade criminosa.

É certo, no entanto, que, no referido julgado, a quantidade de


drogas havia sido utilizada, na primeira fase, com vistas à exasperação da
pena-base e, na terceira, para a escolha da fração de redução de pena relativa
à minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, e não para a
incidência ou não da causa especial de diminuição em comento.

Vale dizer, não estava em discussão, naquele caso, se foram


preenchidos ou não os requisitos da primariedade, dos bons antecedentes, da
não dedicação a atividades delituosas e da não integração em organização
criminosa, visto que o Juiz sentenciante já havia reconhecido o preenchimento,
de forma cumulativa, de todos esses elementos pelo acusado.

No julgamento do HC n. 109.193/MG (Rel. Ministro Teori


Zavascki), também ocorrido na mesma sessão do dia 19/12/2013, foi
novamente discutida a possibilidade de utilização, na terceira fase da
dosimetria, da natureza da droga apreendida para a fixação do quantum de
redução de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.

A Suprema Corte denegou a ordem, por concluir que, naquele


caso específico, teria havido a consideração da natureza da substância
entorpecente apreendida somente na terceira etapa da dosimetria, ou seja,
para a escolha do quantum de diminuição de pena pela minorante em
questão, sem haver, portanto, violação do princípio do ne bis in idem.

Igualmente no julgamento da Repercussão Geral no ARE n.


666.334/AM, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal, por maioria, considerou que as circunstâncias da natureza e
da quantidade de drogas apreendidas (naquele caso, 162,57 g de cocaína)
devem ser levadas em consideração em somente uma das fases do cálculo da
pena, em observância à vedação do bis in idem.

No entanto, ressalto que o julgado mencionado também dizia


respeito a caso em que se consideraram a quantidade e a natureza da droga
apreendida na primeira etapa da dosimetria, como circunstâncias judiciais
desfavoráveis e, na terceira fase, para justificar a aplicação da causa
especial de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 no patamar de
1/3, e não na fração máxima de 2/3.
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Superior Tribunal de Justiça

Não obstante isso, é imperioso salientar que, embora, a rigor, o


Plenário do Supremo Tribunal Federal não haja afirmado, de maneira
expressa, que configura bis in idem a utilização da quantidade de drogas na
primeira fase da dosimetria, como circunstância desfavorável, e, na terceira,
para justificar a impossibilidade de incidência da minorante prevista no §
4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 (seja a título de dedicação do agente a
atividades criminosas, seja por integração em organização criminosa),
verifica-se uma tendência daquela Corte, por ambas as suas Turmas, em
considerar bis in idem também esses casos.

Vale dizer, há julgados do próprio Supremo Tribunal Federal –


monocráticos, inclusive – que nem sequer fazem qualquer distinção:
entendem que também configura bis in idem a utilização da quantidade de
drogas na primeira fase da dosimetria e, na terceira, para justificar o
afastamento da minorante. Em tais julgados, aliás, há menção exatamente ao
que foi decidido pela Corte Suprema nos autos dos referidos HC n.
112.776/MS e ARE n. 666.334 RG/AM.

Exemplificativamente, menciono:

Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Matéria


criminal. Ausência de prequestionamento. Incidência das Súmulas nºs
282 e 356 da Corte. Precedentes. Prescrição da pretensão punitiva.
Não ocorrência. Agravo regimental não provido. Tráfico de drogas
(art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06). Impossibilidade de valoração
negativa cumulativa da natureza e da quantidade da droga na
primeira e na terceira fases da dosimetria. Bis in idem. Habeas
corpus concedido de ofício para reconhecer a incidência da
causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06 e
determinar ao juízo de origem que, fundamentadamente, fixe o
percentual correspondente de redução e o regime inicial de
cumprimento da pena condizente.
[...]
5. Não se admite a valoração negativa cumulativa da natureza e da
quantidade da droga na primeira e na terceira fases da dosimetria
(ARE nº 666.334/AM-RG, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe
de 3/4/14).
6. Habeas corpus concedido de ofício para reconhecer a incidência da
causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 e
determinar ao juízo de origem que, fundamentadamente, fixe o
percentual correspondente de redução, bem como o regime inicial
condizente.
Documento: 129808117 - VOTO - Site certificado Página 4 de 12
Superior Tribunal de Justiça
(AgRg no ARE n. 1.092.775/SP, Rel. Ministro Dias Toffoli, 2ª T.,
DJe 23/4/2018).

[...]
Verifico que a pena-base da paciente foi fixada acima do mínimo legal
em razão da grande quantidade de droga apreendida, providência que
se amolda ao art. 42, Lei 11.343/06. Não se trata, portanto, de
valorar circunstância ínsitas ao tipo penal.
A jurisprudência desta Corte compreende que configura bis in
idem a utilização da quantidade e natureza das drogas
apreendidas como circunstância judicial negativa e,
simultaneamente, como causa de afastamento da causa de
diminuição de pena, prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006:

“Configura ilegítimo bis in idem considerar a natureza e a


quantidade da substância ou do produto para fixar a pena base
(primeira etapa) e, simultaneamente, para a escolha da fração de
redução a ser imposta na terceira etapa da dosimetria (§ 4º do
art. 33 da Lei 11.343/2006).” (HC 112.776, Rel. Min. TEORI
ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 19.12.2013).

[...]
(HC n. 146.046/SP, Rel. Ministro Edson Fachin, monoc., DJe
30/10/2017).

[...]
Destarte, considerar a quantidade de droga apreendida em dois
momentos da dosimetria, primeiro para majorar a pena-base, e,
depois, para impedir a aplicação da causa de redução
estabelecida na Lei de Drogas, configura flagrante bis in idem,
ilegalidade que pode ser corrigida, de ofício.
Mutatis mutandis, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento do HC 112.776/MS, de relatoria do Ministro Teori
Zavascki, assentou o entendimento que “configura ilegítimo bis in idem
considerar a natureza e a quantidade da substância ou do produto para
fixar a pena-base (primeira etapa) e, simultaneamente, para a escolha
da fração de redução a ser imposta na terceira etapa da dosimetria (§
4º do art. 33 da Lei 11.343/2006)”, verbis: [...]
[...]
Isso posto, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem, de
ofício, para determinar ao juízo competente que proceda à nova

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Superior Tribunal de Justiça
fixação da reprimenda, devendo levar em consideração a quantidade e
a natureza da droga apreendida em apenas uma das etapas da
dosimetria.
[...]
(HC n. 145.336/CE, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, monoc.,
DJe 20/10/2017).

[...]
Na hipótese dos autos, à primeira vista, entendo caracterizada situação
apta a ensejar o afastamento da Súmula 691/STF.
Para melhor compreensão da controvérsia, constato que o Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo negou provimento ao recurso
defensivo, nos seguintes termos, no que concerne à matéria ora em
discussão:

“As penas-bases foram corretamente fixadas em 1/6 acima do


mínimo legal em face da quantidade de drogas apreendida com
os recorrentes, 51 embalagens plásticas contento maconha, com
peso líquido de 203,22 gms., e 67 invólucros de cocaína
pesando 22,33 gms., alcançando 5 anos e 10 meses de reclusão
e 583 dias-multa. (…) De outra parte, descabida a redução
prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, tendo em vista
a quantidade e variedade de tóxicos apreendidos com os
réus”. (eDOC 2, p. 4)

Inicialmente, sobre o tema, registro que, na sessão realizada no dia


19.12.2013, o Plenário do STF, ao julgar os HCs 112.776 e
109.193, ambos da relatoria do Min. Teori Zavascki, firmou
orientação no sentido de que, em caso de condenação por tráfico
ilícito de entorpecentes, a natureza e a quantidade da droga apreendida
apenas podem ser levadas em consideração em uma das fases da
dosimetria da pena, sendo vedada sua apreciação cumulativa.
Na ocasião, ficou consignado que cabe ao juiz escolher em qual
momento da dosimetria essa circunstância vai ser levada em conta,
seja na primeira, seja na terceira, observando sempre a vedação ao bis
in idem.
Com a pacificação da matéria, o Plenário autorizou aos ministros
analisarem monocraticamente os pedidos de habeas corpus que
versem sobre o tema.
No presente caso, o TJ/SP, quando deu parcial provimento ao
recurso defensivo (eDOC 2), levou em consideração a
quantidade e a natureza da droga, tanto na primeira quanto na

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terceira fase da dosimetria, para elevar a pena do paciente
(eDOC 2, p. 4), o que é vedado nos termos da jurisprudência
desta Corte.
Cito, a propósito, precedentes de ambas as Turmas do STF: HC
131.918/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª Turma, DJe 2.3.2016 e HC
123.168/SP, Rel. Min. Rosa Weber, 1ª Turma, DJe 14.11.2014. No
mesmo sentido: HC 137.901/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe
19.12.2016 e RHC 139.544/MS, por mim relatado, DJe 24.2.2017.
Finalmente, ainda sobre o tema, assevere-se que o Plenário desta
Corte, em 3.4.2014, ao julgar o ARE 666.334 RG/AM, de minha
relatoria, DJe 6.5.2014, por maioria, reputou constitucional a questão
e reconheceu a existência de repercussão geral do tema constitucional,
mediante acórdão assim ementado:

“Recurso extraordinário com agravo. Repercussão Geral. 2.


Tráfico de Drogas. 3. Valoração da natureza e da quantidade da
droga apreendida em apenas uma das fases do cálculo da pena.
Vedação ao bis in idem . Precedentes. 4. Agravo conhecido e
recurso extraordinário provido para determinar ao Juízo da 3ª
VECUTE da Comarca de Manaus/AM que proceda a nova
dosimetria da pena. 5. Reafirmação de jurisprudência”.

Ante o exposto, com fundamento no art. 192, caput, do RI/STF,


CONCEDO, em parte, A ORDEM para, mantida a condenação e
seus efeitos, determinar ao Tribunal de Justiça de São Paulo que
proceda à nova dosimetria, analisando as circunstâncias da
natureza e quantidade da droga apenas em uma das fases do
cálculo da pena imposta aos pacientes [...]
[...]
(HC n. 143.204/SP, Rel. Ministro Gilmar Mendes, monoc., DJe
29/6/2017).

Ainda, ao prosseguir em uma análise da jurisprudência do


Supremo Tribunal Federal, é possível identificar que aquela Corte somente não
reconhece a ocorrência de bis in idem quando, além da quantidade de drogas
apreendidas, há outros elementos concretos dos autos – tais como
apetrechos destinados à traficância, anotações sobre contabilidade do tráfico,
munições, armas de fogo, processos em andamento etc. – que permitem a
conclusão de que o agente se dedica a atividades criminosas e/ou integra
organização criminosa. A título de exemplo, menciono o seguinte julgado:
AgRg no HC n. 177.766, Rel. Ministra Rosa Weber, 1ª T., DJe 17/6/2021.

Também não há falar em bis in idem quando a diversidade da


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Superior Tribunal de Justiça
droga é sopesada para o aumento da pena-base e a sua quantidade, por
exemplo, para justificar a impossibilidade de incidência da minorante, porque,
nesse caso, tais elementos estão sendo considerados de forma não
cumulativa.

Particularmente, considero – tal como o entendimento


externado pelos Ministros Luiz Fux, Rosa Weber, Marco Aurélio e Dias Toffoli
nos autos do HC n. 112.776/MS – que não configura bis in idem a utilização
da quantidade de drogas apreendidas na primeira fase, para fins de exasperação
da pena-base (conforme determina o próprio art. 42 da Lei n. 11.343/2006), e,
novamente, na terceira, para impedir a aplicação do redutor previsto no § 4º do
art. 33 da referida lei.

Isso porque a consideração da natureza e da quantidade de


drogas na primeira fase da dosimetria, para fins de aumento da pena-base,
justifica-se em razão da intensidade da lesão à saúde pública, bem jurídico
penalmente tutelado nos crimes de tráfico de drogas e afins; já na terceira
etapa, esses elementos são utilizados para a aferição do grau de
envolvimento do acusado com a criminalidade organizada ou de
dedicação a atividades delituosas.

Dito de outro modo, entendo que se estaria tratando da


utilização de determinado parâmetro de referência para momentos e
finalidades distintas, justamente para se alcançar a justa e correta
reprimenda necessária para a reprovação e a prevenção do delito, à luz das
circunstâncias em que cometido.

Ademais, veja-se que a própria legislação reconhece,


expressamente, a possibilidade de se sopesar os maus antecedentes na
primeira fase da dosimetria, para fins de exasperação de pena-base, e,
novamente, na terceira, para impedir a incidência do redutor em questão, sem
que a jurisprudência – tanto desta Corte Superior de Justiça quanto do
Supremo Tribunal Federal – nunca haja cogitado reconhecer a ocorrência
de bis in idem em tal situação.

O mesmo ocorre com a reincidência, que é tranquilamente


valorada tanto na segunda etapa de cálculo da reprimenda, como agravante
genérica (art. 61, I, do Código Penal), quanto na terceira, para também
impedir a aplicação da minorante.

Por que, então, empregar raciocínio diverso, com soluções


jurídicas distintas, quando o parâmetro a ser utilizado na dosimetria da
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pena é a quantidade de drogas apreendidas? A meu ver, essa jurisprudência
que se consolidou, com todas as vênias, está dissociada do que o Código
Penal prevê.

Outro argumento que invoco em abono à minha compreensão


diz respeito ao fato de que, na prática, o acolhimento da tese de que há bis in
idem na utilização da quantidade de drogas, para fins de exasperação da
pena-base, e, na terceira fase da dosimetria, para justificar o afastamento da
minorante, pode acabar levando a situações muitas vezes absurdas e
desproporcionais do ponto de vista da correta individualização da pena e
da justa reprimenda penal.

Explico com o seguinte exemplo:

Suponha que um agente seja flagrado na posse de 100 quilos


de cocaína. O Juiz sentenciante fixa a pena-base em 7 anos de reclusão,
justificando o aumento da reprimenda na natureza e na elevada quantidade de
drogas apreendidas, à luz, aliás, do que determina o próprio art. 42 da Lei n.
11.343/2006.

Caso adotada a tese do bis in idem, esses mesmos elementos


(natureza e quantidade de drogas) não poderiam ser novamente valorados na
terceira fase da dosimetria, para demonstrar que o agente não seria um
pequeno traficante ou um traficante eventual e, consequentemente, justificar o
afastamento da minorante. À ausência de outros elementos específicos dos
autos, não restaria ao Magistrado, portanto, outra alternativa senão a de
reconhecer a incidência da causa especial de diminuição de pena.

Pois bem. Se o Plenário do Supremo Tribunal Federal já decidiu


que as circunstâncias relativas à natureza e à quantidade de drogas apreendidas
não podem ser valoradas para fins de exasperação da pena-base e, novamente,
para a escolha da fração do redutor, o Juiz estaria adstrito a aplicar a
minorante no patamar máximo de 2/3, o que conduziria a uma
reprimenda de 2 anos e 4 meses de reclusão (abstraindo-se, obviamente, a
existência de eventuais agravantes ou atenuantes ou de quaisquer outras causas
de aumento ou de diminuição).

Diante de tal situação hipotética (mas cuja matéria é muito


recorrente no dia a dia deste Tribunal), indago: seria razoável, proporcional e
consentâneo com o princípio constitucional da individualização da pena
punir com uma reprimenda de 2 anos e 4 meses de reclusão um agente
flagrado na posse de 100 quilos de cocaína? Ainda: é razoável admitir que
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alguém preso em flagrante com 100 quilos de cocaína ostente a condição de
traficante eventual ou de pequeno traficante, de modo a ser merecedor da
referida minorante?

Essas são apenas algumas ponderações que faço, mas não vou,
evidentemente, sustentar isso para me colocar contra a jurisprudência.
Apenas estou registrando um posicionamento meu, porque não vejo, com a
mais respeitosamente vênia, acerto nessa jurisprudência. Como somos uma
Corte de precedentes, temos de seguir essa jurisprudência, temos de seguir os
precedentes qualificados, tanto do próprio STJ, em sua Terceira Seção, quanto
do Supremo Tribunal Federal, quando decidido no Pleno.

Ainda, não há como perder de vista haver situações que, pela


simples quantidade de drogas apreendidas ou pela tamanha variedade de
substâncias, dispensariam, a meu sentir, a necessidade de outros fatores para
afastar o benefício.

Deveras, há diversos julgados – tanto o Supremo Tribunal


Federal quanto desta Corte Superior de Justiça – no sentido de que a apreensão
de grande quantidade de drogas, a depender das peculiaridades do caso
concreto, é hábil a denotar a dedicação do acusado a atividades criminosas ou
mesmo a sua integração em organização criminosa e, consequentemente, a
impedir a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do
art. 33 da Lei n. 11.343/2006, porque indica maior envolvimento do agente
com o mundo das drogas.

Vale dizer, a elevada quantidade de drogas apreendidas, ainda


que isoladamente, pode, na minha compreensão, ser perfeitamente sopesada
para aferir o grau de envolvimento do acusado com a criminalidade organizada
ou de sua dedicação a atividades delituosas, porque nenhuma pessoa sozinha,
salvo raríssimos casos de indivíduos bilionários, conseguiria adquirir tamanha
quantidade de drogas. É preciso haver uma organização por trás dela, toda uma
estrutura, de maneira que seria uma negação da realidade não afastarmos o
benefício nessas situações.

A título de exemplo, menciono: STJ, AgRg no AREsp n.


359.220/MG, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJe
17/9/2013; AgRg no HC n. 499.936/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, 5ª T.,
DJe 1º/7/2019; AgRg no HC 596.077/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da
Fonseca, DJe 20/10/2020; AgRg no AREsp 1.591.547/RO, Rel. Ministro
Nefi Cordeiro, 6ª T., DJe DJe 19/8/2020.

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Ainda: "O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no


sentido de que a elevada quantidade de drogas apreendida, tal como ocorreu na
hipótese, é circunstância que permite aferir o grau de envolvimento do acusado
com a criminalidade organizada ou de sua dedicação às atividades delituosas."
(AgRg no REsp n. 1.870.949/PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, 6ª T., DJe
6/10/2020).

Também o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do


julgamento do HC n. 111.666/MG, de relatoria do Ministro Luiz Fux,
consignou que "a apreensão de grande quantidade de droga é fator que permite
concluir, mediante raciocínio dedutivo, pela dedicação do agente a atividades
delitivas", circunstância "obstativa da aplicação da referida minorante" (acórdão
publicado no DJe de 23/5/2012, destaquei).

Temos, a rigor, que trabalhar com hard cases e a hipótese


retratada nestes autos é, na verdade, um caso simples, porque se trata de
apreensão de 239,4 gramas de cocaína e de 73,9 gramas de maconha
(quantidade de drogas não excessivamente elevada, portanto). Não vejo como
se considerar quantidades como tal e uma variedade de apenas duas
substâncias entorpecentes como elementos que, por si sós, impeçam a
aplicação da referida minorante.

É necessário levar em consideração, no entanto, que há


situações em que se apreende, por exemplo, uma tonelada de cocaína, um
carregamento, digamos, de um caminhão inteiro contendo drogas, circunstância
que, a meu ver, não se compatibiliza com a posição de quem não se
dedica, com certa frequência e anterioridade, a atividades delituosas. Em
verdade, não se mostra razoável admitir que alguém preso com elevada
quantidade de drogas ostente a condição de pequeno traficante, de modo a ser
merecedor do benefício em questão.

Diante de todas essas considerações, embora esteja de acordo


com a conclusão do voto do eminente Ministro relator – de que deve ser
reconhecida, em favor do réu, a incidência da minorante prevista no § 4º
do art. 33 da Lei de Drogas –, insisto na preocupação de que, pelas
conclusões finais, a redação final do voto me deixa uma suspeita de que,
talvez, em alguns casos futuros que venhamos a analisar, pela característica
peculiar do caso, estejamos amarrados a essa afirmação peremptória de que
não seria possível, sem outros fatores, afastar o o redutor em questão.

É importante deixar alguma possibilidade de "salvo em hipóteses


Documento: 129808117 - VOTO - Site certificado Página 11 de 12
Superior Tribunal de Justiça
excepcionais" ou algo do tipo, para não amarrarmos a jurisprudência, de tal
modo que uma pessoa pega transportando, por exemplo, uma tonelada de
cocaína – embora tecnicamente primária, possuidora de bons antecedentes e
flagrada sem a apreensão de caderno contendo anotações típicas de
contabilidade do narcotráfico ou de apetrechos destinados ao tráfico de drogas
– não receba uma pena igual ou inferior àquela que seria devida para um
pequeno traficante, que foi o objetivo da lei ao prever essa minorante do § 4º.

Sem esse cuidado, equipararíamos o pequeno traficante – como


o ora recorrente – a um grande traficante ou a um traficante contumaz, porque,
ao fim e ao cabo, ambos teriam uma pena de 1 ano e 8 meses de reclusão ou
de 2 anos e alguns meses, por conta da imperiosidade de se aplicar a minorante
do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2020/0195215-3 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.887.511 / SP


MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 0002596-59.2017.8.26.0616 00025965920178260616 2067/2017 20672017


25965920178260616

PAUTA: 09/06/2021 JULGADO: 09/06/2021

Relator
Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO
Secretário
Bel. GILBERTO FERREIRA COSTA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : GILSON MANOEL DA SILVA
ADVOGADO : LUSMAR MATIAS DE SOUZA FILHO - DEFENSOR DATIVO - SP240847
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes Previstos na Legislação Extravagante - Crimes de Tráfico Ilícito e
Uso Indevido de Drogas - Tráfico de Drogas e Condutas Afins

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Terceira Seção, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial para
restabelecimento da sentença prolatada pelo Juízo de primeira instância e, para garantia de
uniformização da interpretação da legislação federal aplicável, acolheu premissas para dosimetria da
pena, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator e das considerações dos Srs. Ministros Rogerio
Schietti Cruz, Ribeiro Dantas, Antonio Saldanha Palheiro e Olindo Menezes (Desembargador
Convocado do TRF 1ª Região).
Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz, Ribeiro Dantas, Antonio
Saldanha Palheiro, Joel Ilan Paciornik, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª
Região) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Licenciado o Sr. Ministro Felix Fischer.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca.

Documento: 128578795 - CERTIDÃO DE JULGAMENTO - Site certificado Página 1 de 1

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