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TUTELAS PROVISÓRIAS E

PROCEDIMENTOS ESPECIAIS

INCIDENTES PROCESSUAIS DE
COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS
TRIBUNAIS
Bruna Souza da Silva

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Olá!
Você está na unidade Incidentes processuais de competência originária dos tribunais. Conheça aqui os

incidentes da assunção de competência e da arguição de inconstitucionalidade e resolução de demandas

repetitivas. O estudo passará pelos dispositivos do Código de Processo Civil que dispõem sobre cada um destes

incidentes possibilitando ao estudante visualizar a aplicação das normas à prática jurídica.

Bons estudos!

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1 Incidente de resolução de demandas repetitivas
Neste tópico inaugural da unidade estudaremos o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), e nos

tópicos seguinte estudaremos outros dois incidentes processuais de competência originária dos tribunais: o

incidente de assunção de competência (IAC) e o incidente de arguição de inconstitucionalidade (IAI).

Assista aí

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1.1 Do cabimento e admissão

O incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) está regulamentado nos artigos 976 a 987 do CPC

sendo um importante instrumento de uniformização dos precedentes emitidos pelos tribunais.

O art. 976 do CPC estipula que o cabimento do incidente de resolução de demandas repetitivas depende da

presença cumulativa e simultaneamente dos seguintes requisitos:

I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente

de direito;

II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

Conforme parágrafo 1º do art. 976, a desistência ou o abandono do processo pelas partes não impede o exame de

mérito do incidente, caso em que o Ministério Público, se não for o requerente, intervirá obrigatoriamente no

incidente e deverá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono, nos termos do parágrafo 2º.

Elucidativo é o Enunciado nº. 342 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), que dispõe: “O

incidente de resolução de demandas repetitivas aplica-se a recurso, a remessa necessária ou a qualquer causa de

competência originária”.

Interessante é a disposição do art. 976, §3º, que abre a possibilidade de que em caso de inadmissão do IRDR por

ausência de quaisquer dos seus pressupostos de admissibilidade, mesmo assim, poderá o incidente ser

novamente suscitado caso o requisito venha a ser satisfeito.

Com relação ao primeiro requisito – mesma questão unicamente de direito – afasta, prima facie, que o IRDR seja

instaurado quando houver questão de fato pendente de apreciação. Neste aspecto, Daniel Amorim pondera que a

questão de fato (NEVES, 2016) suficiente a afastar o cabimento do IRDR é aquela que influencie diretamente na

aplicação do direito ao caso concreto.

Importante informar sobre questão frequentemente cobrada em provas e concursos públicos acerca da

impossibilidade de instauração preventiva do IRDR. Ou seja, na redação em que o código foi promulgado, é

necessário que ocorram, de fato, diversas demandas repetitivas que promovam o aprofundamento do debate

daquelas questões jurídicas para que somente após o crescimento deste debate seja instaurado o IRDR. O mero

receio de que determinada controvérsia pudesse gerar repetição de processos não seria hipótese hábil a ensejar

o incidente.

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Figura 1 - Demandas repetitivas
Fonte: Sebastian Duda, Shutterstock (2020).

#PraCegoVer: a imagem mostra um martelo de juiz em frente a uma balança e um livro aberto, simbolizando o

código que trata de demandas repetitivas.

Assista aí

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Não cabe incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores tiver afetado

recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva, nos termos do art. 976,

§4º do CPC.

É compreensível a motivação da regra. Se já houve a afetação, por tribunal superior, para que julgue a mesma

questão de direito e se a razão de ser do incidente (e do novo Código) é de promover a uniformidade das

decisões judiciais, não faz sentidoo IRDR no tribunal local se o tribunal superior já se obrigou a decidir a questão,

e tal entendimento será vinculante.

Quanto ao pagamento de custas processuais no incidente de resolução de demandas repetitivas o art. 976, §5º

dispõe expressamente que não serão exigidas.

A competência para requerer a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas é estabelecida

pelo art. 977, que determina que poderá ser formulado pelas seguintes pessoas:

pelo juiz ou relator, por ofício

pelas partes, por meio de petição

pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por meio de petição

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O pedido dever ser dirigido ao presidente do tribunal. Além disso, deve ter todos os documentos que

demonstrem o preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente.

Quanto à legitimidade do Ministério Público tem-se entendido majoritariamente que está restrita às questões

que envolvam os direitos difusos ou coletivos sendo que no caso de direitos individuais homogêneos o

Ministério Público só terá legitimidade se o direito tiver repercussão social, nos termos do entendimento

esposado pelo Superior Tribunal de Justiça (julgados AgRg no REsp 938.951/DF e AgRg no REsp 800.657/SP) e

pelo Supremo Tribunal Federal (RE 514.023 e RE 472.489).

A competência para julgamento pertence aos tribunais de justiça e aos tribunais regionais, sendo impossível aos

tribunais superiores julgar o IRDR de forma originária, mas somente em sede de recurso, podendo inclusive

determinar a suspensão de processos sobre a mesma questão de direito em todo o país.

O art. 978 do CPC ensina que o julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo regimento interno

dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal.

Já no parágrafo único do art. 978, a regra é que o órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a

tese jurídica, será responsável por julgar igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de

competência originária de onde se originou o incidente.

Este dispositivo é alvo de diversas discussões entre os doutrinadores, especialmente quanto à sua

inconstitucionalidade formal em razão de vício no processo legislativo. Ainda, suscita-se (NEVES, 2016) que há

diversos impedimentos para sua admissão, já que não é possível garantir que haverá apelação da sentença – o

que implicará na remessa do processo ao tribunal, tornando o dispositivo ineficaz.

Outra crítica que se faz é a inviabilidade, decorrente deste dispositivo, do processamento do IRDR no âmbito dos

juizados especiais, pois o tribunal correspondente teria competência para julgar o IRDR suscitado, mas não teria

competência para julgar o eventual recurso inominado. Esta celeuma deu origem ao enunciado nº. 44 da Escola

Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM): “Admite-se o IRDR nos juizados especiais,

que deverá ser julgado por órgão colegiado de uniformização do próprio sistema”

Tal enunciado propõe solução que gera outro problema, qual seja, a possibilidade de uma mesma matéria ser

decidida em sede de IRDR pelo tribunal e, ao mesmo tempo, ser decidida em IRDR pelo órgão colegiado do

sistema dos juizados especiais. Poderia haver decisões conflitantes, contrariando o intuito de uniformização de

jurisprudência.

Sobre o tema, Daniel Amorim (NEVES, 2016) conclui:

Outra saída seria nesse caso, excepcionalmente, fracionar-se o julgamento, de forma que ao tribunal

caberá a fixação da tese jurídica com o julgamento do IRDR e ao Colégio Recursal, o julgamento do

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recurso inominado. Trata-se de solução menos traumática, mas que não escapa de crítica, porque

afasta, ainda que parcialmente, a aplicação do art. 978, parágrafo único, do Novo CPC.

Já o art. 979 estabelece que a instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica

divulgação e publicidade. Isso dever ser feito inclusive por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de

Justiça.

Para conseguir essa amplitude de divulgação, o Código estabelece que os tribunais devem manter um banco

eletrônico de dados atualizados com as informações específicas sobre questões de direito submetidas ao

incidente. Além disso o Conselho Nacional de Justiça deve ser comunicado imediatamente para inclusão no

cadastro e que, para possibilitar a identificação dos processos abrangidos pela decisão do incidente, o registro

eletrônico das teses jurídicas constantes do cadastro deve conter pelo menos os fundamentos determinantes da

decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados.

Conforme seu parágrafo 3º o disposto no artigo 979, no que toca à ampla divulgação e publicidade, também se

aplicará ao julgamento de recursos repetitivos e da repercussão geral em recurso extraordinário.

O incidente de resolução de demandas repetitivas deverá ser julgado no prazo de 1 (um) ano e terá preferência

sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus, em atendimento

ao art. 980 do CPC:

Art. 980. O incidente será julgado no prazo de 1 (um) ano e terá preferência sobre os demais feitos,

ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.

Parágrafo único. Superado o prazo previsto no caput, cessa a suspensão dos processos prevista no

art. 982, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário.

O órgão colegiado competente para julgar o incidente avaliará o seu juízo de admissibilidade, considerando a

presença dos pressupostos de admissibilidade previstos no art. 976. É o que prevê o art. 981 do CPC, para

momento posterior à distribuição do IRDR. Importante destacar que em caso de inadmissão do incidente o

recurso voluntário, reexame necessário ou processo de competência originária deverá retornar ao órgão

fracionário do tribunal competente para sua apreciação, onde o feito terá o regular prosseguimento.

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1.2 Da tramitação do incidente admitido

Admitido o incidente de resolução de demandas repetitivas, o relator do processo suspende os processos

pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região, e deve comunicar a suspensão aos

órgãos jurisdicionais competentes; poderá ainda requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo

no qual se discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de 15 dias – tratando-se a requisição de

informações de possibilidade e não obrigatoriedade.

Ainda, nos termos do art. 982 do CPC, intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se também no

prazo de 15 (quinze) dias. Note-se que a intimação do Ministério Público é obrigatória mas, caso esse órgão

analise o conteúdo do processo e opte por não se manifestar quando ao seu mérito, não há óbice em que o

processo continue. Também não será considerada intempestiva a manifestação do órgão se feita após os 15

(quinze) dias, desde que antes do julgamento do incidente.

Sobre a suspensão dos processos pendentes a boa doutrina entende que deve haver decisão pelo relator

determinando a suspensão na tramitação que deverá ser enviada a todos os juízos abrangidos na competência

territorial do tribunal preferencialmente acompanhada do inteiro teor da decisão que admitiu o incidente. Isto

seria para garantir a máxima adequação dos casos concretos em que a necessidade de suspensão será analisada,

faze ao conteúdo do incidente (NEVES, 2016).

Fique de olho
O enunciado nº. 348 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) diz que os
interessados serão intimados da suspensão de seus processos individuais, podendo requerer o
prosseguimento ao juiz ou tribunal onde tramitarem, demonstrando a distinção entre a
questão a ser decidida e aquela a ser julgada no incidente de resolução de demandas
repetitivas, ou nos recursos repetitivos.

Conforme o parágrafo 2º, do art. 982 do CPC, durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência

(regulamentado pelos arts. 300 a 310 do CPC deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso. Ou

seja, embora o recurso, remessa necessária ou processo de competência deva ser analisado pelo órgão colegiado,

a tutela provisória de urgência deve ser decidida pelo juízo mais adequado, aquele em que o processo tramita

originalmente (especialmente porque esta decisão não terá efeito contra todos).

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Como visto acima, a decisão de suspensão sobre os múltiplos processos quer versem sobre a mesma questão de

direito tratada no incidente fica limitada ao território do tribunal do estado ou região que julgará o IRDR. Porém,

pode haver também nos outros estados e regiões do país demandas repetitivas que versem sobre a mesma

questão, motivo pelo qual o art. 982 previu, em seu parágrafo 3º:

§ 3º Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado no art. 977, incisos II

e III , poderá requerer, ao tribunal competente para conhecer do recurso extraordinário ou especial,

a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que

versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado.

§ 4º Independentemente dos limites da competência territorial, a parte no processo em curso no

qual se discuta a mesma questão objeto do incidente é legitimada para requerer a providência

prevista no § 3º deste artigo.

Cumpre relembrar, portanto, quem são as pessoas legitimadas a fazer o pedido de suspensão perante os

tribunais superiores: as partes, o Ministério Público ou a defensoria pública, por petição.

Finalizando o art. 982, o parágrafo 5º informa que a suspensão dos processos cessa se não for interposto recurso

especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente. Isso, claro, porque não havendo

nenhum recurso em instância extraordinária em face da decisão que resolveu o IRDR, não há que se falar em

suspensão dos demais processos, mas em aplicação nestes daquilo que foi decidido naquele, porquanto já

operada a coisa julgada.

Enquanto durar a tramitação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, o relator deve ouvir as partes

e os demais interessados (pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia), que, poderão requerer a

juntada de documentos, em até quinze dias, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de

direito controvertida Em seguida, o Ministério Público deve se manifestar, no mesmo prazo de 15 dias

Explique-se que os demais interessados são aquelas pessoas que são partes em outros processos sobre a mesma

questão – nos quais se determinou sobrestamento – assim como o Ministério Público e a Defensoria Pública, já

citados. Também se configuram como demais interessados aquelas instituições que tenham interesse no

resultado da ação (é o caso do amicus curiae).

Também de modo a se chegar a uma solução justa e interessante para a sociedade (já que seu efeito é vinculativo

e pode alcança milhares de pessoas), fica facultado ao relator do incidente designar audiência pública e ouvir

depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria. Depois dessa instrução, o incidente pode

ser incluído em pauta de julgamento mediante pedido de dia formulado pelo relator.

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Quando da sessão de julgamento do incidente pelo órgão competente designado no regimento interno do

tribunal, o relator fará a exposição do objeto do incidente e em seguida dará a palavra as partes e aos interessado

s.

O autor e o réu do processo originário podem sustentar oralmente por 30 (trinta) minutos cada, assim como o

Ministério Público. Todos os demais interessados podem sustentar por 30 (trinta) minutos, divididos entre

todos, mas devem se inscrever com 2 (dois) dias de antecedência. O prazo pode ser ampliado se houver grande

quantidade de inscritos para sustentação oral.

Todos os fundamentos levatnados pelas partes e interessados que digam respeito à tese jurídica discutida,

independente se favoráveis ou contrários, devem ser abrangidos pelo conteúdo do acórdão, por determinação do

art. 984, §2º do CPC, em claro reforço ao princípio da motivação das decisões informado no art. 489, parágrafo 1º

do CPC.

Nos termos do art. 985, o julgamento do IRDR faz com que a tese jurídica fixada deva ser aplicada:

I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que

tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados

especiais do respectivo Estado ou região;

II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território

de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986.

Conforme parágrafo 1º do artigo citado, a não aplicação da tese adotada no incidente enseja o cabimento de

reclamação, processo de competência originária dos tribunais regulamentado pelos artigos 988 a 993 do CPC.

Fique de olho
O art. 985, parágrafo 2º do CPC diz que, se o incidente tiver por objeto questão relativa a
prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será
comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva
aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada.

Importante destacar, como faz Neves (2016), que a tese fixada no IRDR aplicar-se-á aos processos em trâmite no

estado ou região abrangida pelo tribunal mas também aos casos futuros que venham a ser propostos no mesmo

território e que versem sobre idêntica questão de direito.

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Cabe recurso extraordinário ou especial em relação ao julgamento de mérito, por ser presumida, a repercussão

geral de questão constitucional eventualmente discutida terá efeito suspensivo.

Uma vez apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior

Tribunal de Justiça será aplicada os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de

direito no Brasil.

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2 Incidente de assunção de competência
O incidente de assunção de competência está previsto no art. 947 do Código de Processo Civil (CPC), e está

inserido Título I do Livro III da Parte Especial do Código, que diz respeito à ordem dos processos nos tribunais e

aos procedimentos de competência originária dos Tribunais.

O incidente de assunção de competência foi criado no CPC/15 em substituição ao antigo incidente de

uniformização de jurisprudência que era regido pelo art. 555, §1º do CPC de 1973. No incidente de

uniformização de jurisprudência, de acordo com Daniel Amorim (NEVS, 2016) o órgão pleno fixava a tese e o

órgão fracionário do tribunal era o responsável por aplicar o entendimento fixado aos casos concretos.

Diferentemente disto, no incidente de assunção de competência, o próprio órgão pleno promove o julgamento do

recurso voluntário, reexame necessário ou processo de competência originária.

Além disso, muito se discutia acerca do efeito vinculante da decisão proferida em sede de incidente de

uniformização de jurisprudência, discussão que foi encerrada sob a vigência do Novo CPC quanto ao incidente de

assunção de competência já que sua força vinculante está expressa na norma. Passa-se, então, ao estudo do art.

947 do CPC.

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2.1 Do cabimento do incidente

Inicialmente cumpre destacar que o incidente de assunção de competência tem lugar majoritariamente em

tribunais, sendo incabível nos juízos de primeira instância. Isso porque o caput do art. 947 define os requisitos

para o cabimento do incidente:

Art. 947. É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de remessa

necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com

grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.

Desse modo, são requisitos do IAC:

julgamento de recurso, remessa necessária ou processo de competência originária

relevante questão de direito com grande repercussão social

sem repetição em múltiplos processos

O primeiro item exclui a possibilidade de que o incidente seja apreciado em primeira instância, pois pressupõe a

existência de recurso voluntário, remessa necessária ou que processo de competência originária dos tribunais.

De outro lado, embora aconteça com mais frequência em tribunais locais/regionais, é possível admitir-se a

possibilidade de incidentes de assunção de competência nos tribunais superiores em razão da previsão de

processos de competência originária destes.

A respeito dos recursos voluntários, estão arrolados no art. 994 do CPC:

I - apelação;

II - agravo de instrumento;

III - agravo interno;

IV - embargos de declaração;

V - recurso ordinário;

VI - recurso especial;

VII - recurso extraordinário;

VIII - agravo em recurso especial ou extraordinário;

IX - embargos de divergência.

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Com relação ao instituo da remessa necessária, a título de informação, está previsto no art. 496 do CPC e obriga

a tramitação de alguns processos ao duplo grau de jurisdição, hipóteses em que a sentença não produz efeitos se

não após confirmada pelo tribunal, quais sejam:

I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas

autarquias e fundações de direito público;

II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.

§ 1º Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a

remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á.

[...]

§ 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na

causa for de valor certo e líquido inferior a:

I - 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito

público;

II - 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias

e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados;

III - 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e

fundações de direito público.

§ 4º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em:

I - súmula de tribunal superior;

II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em

julgamento de recursos repetitivos;

III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de

competência;

IV - entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do

próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.

Já os processos de competência originária do tribunal estão arrolados, em princípio, no art. 937, inciso VI, do

CPC, abrangendo: a ação rescisória, o mandado de segurança e a reclamação. Os processos de competência

originária do Superior Tribunal de Justiça estão arrolados no art. 105, I da Constituição de 1988 e os do Supremo

Tribunal Federal no art. 102, I, da Carta Magna.

É de se destacar o requisito exposto no segundo item, da relevante questão de direito com grande

repercussão social, sem o preenchimento do qual não se permite instaurar o IAC.

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Quanto ao terceiro item, impõe um requisito negativo, ou seja, de que não exista a repetição da questão em

diversos processos, o que é confirmado pelo Enunciado nº. 334 do Fórum Permanente de Processualistas Civis

(FPPC):

Por força da expressão ‘sem repetição em diversos processos’, não cabe o incidente de assunção de

competência quando couber julgamento de casos repetitivos.

O parágrafo 4º do art. 947 traz outra hipótese de cabimento do incidente de assunção de competência. É o caso

de relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência

entre câmaras ou turmas do tribunal.

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Da tramitação do incidente admitido

Preenchidos os requisitos previstos no caput do art. 947 do CPC para admissão do incidente de assunção de

competência, os parágrafos do dispositivo prestam orientações acerca da tramitação.

Como dispõe o parágrafo 1º admitido o incidente, o relator propõe que seja o recurso, a remessa necessária ou o

processo de competência originária julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar. Vamos ler o artigo na

íntegra:

Art. 947. É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de remessa

necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com

grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.

§ 1º Ocorrendo a hipótese de assunção de competência, o relator proporá, de ofício ou a

requerimento da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, que seja o recurso, a remessa

necessária ou o processo de competência originária julgado pelo órgão colegiado que o regimento

indicar.

§ 2º O órgão colegiado julgará o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência

originária se reconhecer interesse público na assunção de competência.

§ 3º O acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos

fracionários, exceto se houver revisão de tese.

§ 4º Aplica-se o disposto neste artigo quando ocorrer relevante questão de direito a respeito da qual

seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal.

Importante destacar que a competência para propor o julgamento pelo órgão colegiado indicado pelo regimento

interno do tribunal pertence ao relator do processo, que poderá fazê-lo de ofício ou a requerimento. Quanto

ao requerimento, pode ser formulado pelas partes no processo, pelo Ministério Público ou pela Defensoria –

lembrando-se de que o processo certamente envolve relevante questão de direito, com grande repercussão

social, o que justificaria a atuação destes entes.

A remessa necessária ou o processo de competência originária se reconhecer interesse público na assunção de

competência devem ser julgadas pelo órgão colegiado indicado no regimento interno, conforme §2º do art. 947,

do CPC. As competências previstas nestes parágrafos - §1º e §2º - costumam ser corriqueiramente objeto de

questões de prova e concursos públicos.

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Importante frisar que é o próprio órgão colegiado que, primeiro, faz análise de admissibilidade do incidente e, se

reconhecer a existência de interesse público na assunção de competência, procederá ao julgamento do mérito do

recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária.

Por fim, o parágrafo 3º não deixa dúvidas acerca da eficácia vinculante do incidente de assunção de competência,

a cujo entendimento fixado se submeterão todos os juízes e órgãos fracionários do tribunal que apreciou a

questão, salvo na hipótese de haver revisão da tese que poderá ser realizada somente pelo próprio órgão do

tribunal que a fixou, por meio da técnica conhecida com o overruling (ou superação), nas lições de Neves (2016).

Fique de olho
Aplica-se ao incidente de assunção de competência o disposto no art. 983, do CPC, que permite
a intervenção de amicus curiae e a realização de audiências públicas sobre o tema a ser
julgado.

Informe-se que em caso de desistência do recurso ou, pelo autor, do pedidos da ação originária, o incidente ficará

prejudicado e não terá como prosseguir, ao contrário do que acontece no incidente de resolução de demandas

repetitivas, também no escólio de NEVES, 2016.

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Incidente de arguição de inconstitucionalidade
O incidente de arguição de inconstitucionalidade já era previsto no Código de Processo Civil de 1973, e era

chamado de “declaração de inconstitucionalidade”. No Código atual, está previsto nos artigos 948 a 950, que

serão abordados a seguir.

- 18 -
Da arguição

Estamos tratando, nesta unidade, dos incidentes processuais de competência originária dos tribunais, sendo a

arguição de inconstitucionalidade processada também de forma incidental em relação a um processo já existente.

O artigo 948 do CPC prevê para os casos de controle difuso de constitucionalidade, em que for arguida a

inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator do processo no tribunal deve

submeter a questão à turma ou à câmara competente para o conhecimento do processo. Isso acontecerá depois

de ouvidos o Ministério Público e as partes,

Acerca do controle de constitucionalidade é importante ressaltar que o ordenamento jurídico pátrio prevê a

existência de duas modalidades de controle dos atos normativos infraconstitucionais, quais sejam:

Quadro 1 - Controles de constitucionalidade


Fonte: Elaborado pela autora (2020).

Conforme visto no tópico anterior, em razão da Súmula Vinculante nº. 10 e da norma inserta no art. 97 da

Constituição da República de 1988, a declaração de inconstitucionalidade de norma de forma incidental, por

tribunal, deve obedecer a chamada cláusula de reserva de plenário.

Como leciona Neves (2016), se tratando de controle difuso de constitucionalidade em primeira instância:

não há qualquer especialidade procedimental para a declaração incidental de inconstitucionalidade,

resolvendo-se em sentença como questão prejudicial. Essa decisão tem efeito apenas

endoprocessual, e mesmo sendo solução de questão prejudicial não produz coisa julgada material,

em razão do previsto no art. 503, §1º, III, do Novo CPC (NEVES, 2016, p. 1542).

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Ao contrário dos incidentes anteriormente estudados, verifica-se que o CPC não dispõe expressamente sobre

quem são as pessoas legitimadas a suscitar o incidente de arguição de inconstitucionalidade entendendo-se,

assim, pela possibilidade de que qualquer das partes e terceiros interessados possa arguir, bem como Ministério

Público e Defensoria Pública (nos processos em que participem) e também os juízes atuantes no feito.

Quanto ao momento em que a arguição deve ser suscitada, ensina Neves (2016) que as partes podem até mesmo

em sustentação oral suscitarem o incidente, sendo importante que a arguição seja feita antes do julgamento do

processo no tribunal. Inexiste, assim, preclusão temporal para a suscitação deste incidente processual.

Nos termos do art. 949 do CPC, se a arguição de inconstitucionalidade for rejeitada, o processo prosseguirá em

seu julgamento normal. Importante destacar o parágrafo único deste artigo, que contém algumas hipóteses de

inadmissibilidade:

Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão

especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do

plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.

Note-se que, nesse caso, o órgão fracionário do tribunal terá legitimidade para declarar que determinada norma

é constitucional, com amparo em pronunciamento anterior de órgãos e/ou tribunais superiores sobre a questão.

Nesse caso, inadmitir-se-á o incidente de arguição de inconstitucionalidade.

O que o órgão fracionário do tribunal não pode é declarar a inconstitucionalidade da norma de plano, pois assim

estaria violando a já citada cláusula de reserva de plenário.

Fique de olho
O Supremo Tribunal Federal (STF) considera aplicável a norma inserta no art. 949, parágrafo
único, do CPC, ainda que seu pronunciamento sobre a inconstitucionalidade da norma
apontada tenha ocorrido de forma incidental e não em sede de controle concentrado.

Da leitura do inciso II, do art. 949, do CPC, se a arguição for acolhida a questão cuja constitucionalidade foi

impugnada será submetida ao plenário do tribunal ou ao seu órgão especial, onde houver (sendo necessário

verificar o regimento interno dos tribunais estaduais e regionais para fixar tal competência).

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Da tramitação do incidente admitido

A admissão do incidente pelo órgão fracionário fará com que as demais questões do recurso ou remessa

necessária fiquem pendentes de julgamento – sobrestadas – até que se decida sobre a constitucionalidade do ato

normativo impugnado, que terá influência sobre o julgamento das demais questões.

O fato de os magistrados do órgão fracionário admitirem o incidente já dá indícios – se não decide – da

inconstitucionalidade da norma apontada, mas o fato de no momento da admissão acreditarem neste vício não

significa que terão que votas da mesma maneira quando o incidente for julgado pelo tribunal pleno ou órgão

especial, conforme destaca Neves (2016).

Quanto ao julgamento pelo tribunal pleno ou órgão especial, segue rito determinado pelo art. 950 do CPC:

Art. 950. Remetida cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do tribunal designará a sessão de

julgamento.

§ 1º As pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado poderão

manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade se assim o requererem, observados os prazos e

as condições previstos no regimento interno do tribunal.

§ 2º A parte legitimada à propositura das ações previstas no art. 103 da Constituição Federal poderá

manifestar-se, por escrito, sobre a questão constitucional objeto de apreciação, no prazo previsto

pelo regimento interno, sendo-lhe assegurado o direito de apresentar memoriais ou de requerer a

juntada de documentos.

§ 3º Considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, o relator poderá

admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

Cabe destacar que conforme o art. 97 da Constituição Federal de 1988 a declaração de inconstitucionalidade

depende do voto da maioria absoluta dos membros do tribunal ou dos membros do seu respectivo órgão

especial, entendendo-se por maioria absoluta o primeiro número inteiro maior que a metade de todos os

membros que compõem o grupo.

Explique-se que o julgamento da ação que contenha recurso ou reexame necessário será composto de dois

julgamentos, sendo o primeiro a análise do incidente de arguição de inconstitucionalidade pelo tribunal pleno e

o segundo o julgamento das demais questões recursais pelo órgão fracionário, que fica vinculado ao

pronunciamento realizado no incidente, seja pela constitucionalidade seja pela inconstitucionalidade da norma

apontada.

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Fique de olho
A decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário não é a do plenário.
A decisão do plenário resolve o incidente de inconstitucionalidade, já a do órgão (câmaras,
grupos ou turmas) completa o julgamento do feito.

Diante desta disposição, conclui Neves (2016) sobre o tema:

Justamente por se tratar de julgamento objetivamente complexo, afirma-se, com acerto na melhor

doutrina, a natureza de competência absoluta do órgão plenário para a declaração incidental de

incompetência, de forma que o órgão fracionário, salvo as exceções legais já analisadas, é

absolutamente incompetente para tal declaração. Trata-se de competência funcional do órgão pleno

do tribunal (NEVES, 2016, p. 1547).

Por todo o exposto, a parte que pretender apresentar recurso especial ou extraordinário em seu processo, em

que tenha havido incidente de arguição de inconstitucionalidade admitido e julgado, deverá apresentar tanto o

acórdão que julgou o mérito do incidente quanto o acordão que julgou as demais questões recursais,

possibilitando aos tribunais superiores o pleno conhecimento das questões de direito já discutidas.

Assista aí

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/5f4166935c730158cd00f7d7c3290161

é isso Aí!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• aprendeu que, tanto o incidente de resolução de demandas repetitivas, quanto o incidente de assunção
possuem efeito vinculante;
• descobriu que o incidente de resolução de demandas repetitivas não pode ser instaurado de forma
preventiva;
• compreendeu que o incidente de assunção de competência pressupõe a inexistência de repetição em
múltiplos processos;

• aprendeu que o incidente de arguição de inconstitucionalidade ocorrerá em sede de controle difuso de

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• aprendeu que o incidente de arguição de inconstitucionalidade ocorrerá em sede de controle difuso de
constitucionalidade.

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br

/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 15 de dez. 2019.

_____. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.

gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 14 de dez. 2019.

NEVES, D. A. A. Novo código de processo civil comentado. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.

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