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Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Época de recurso — Direito dos Contratos I

3.º ano TAN — 08.09.2022

Regência: Prof. Doutor Pedro de Albuquerque

Tópicos de correção

Grupo I

Bento adquiriu, sob reserva de propriedade, um motociclo a António. Acordaram que o preço
(€20.000) seria pago em vinte prestações mensais de igual valor e que a entrega seria realizada
no momento do pagamento da décima prestação devida a título de preço. Acordaram ainda que
André poderia resolver o contrato por falta de pagamento de qualquer prestação,
independentemente do respetivo valor. Por fim, André exigiu, como modo de pressão ao
cumprimento, o pagamento de 15.000€ a Belarmino, que seriam devidos em caso de
incumprimento.

Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:

1) Bento não pagou a nona prestação. Esclareça a António a respeito dos direitos que lhe
assistem. (3,5 valores)
Qualificação completa e fundada como contrato de compra e venda a prestações sob
reserva de propriedade. Discussão e tomada de posição fundamentada a respeito da
aplicação do artigo 934.º do CC (em particular por não ter sido feita entrega); análise
no confronto com o regime consagrado no artigo 886.º do CC.

2) Após o pagamento da décima prestação, Bento decidiu vender o motociclo a Cecília. Na


sequência da falta de pagamento sucessivo quatro prestações, António resolveu o
contrato e exigiu a devolução do motociclo. Bento informou-o, porém, da grave colisão
de Cecília com um pesado, que resultou na total destruição do motociclo. Quid juris? (3,5
valores)

Emolduramento dogmático da compra e venda sob reserva de propriedade e consequente


qualificação do contrato celebrado entre B e C como compra e venda de bem alheio
(892.º CC). Análise do regime da compra e venda de bem alheio e aprofundamento do
regime de restituição consagrado no artigo 894.º CC. Discussão e tomada de posição
fundamentada sobre a aplicação do artigo 1269.º.

3) António pretende, após a falta de cumprimento de cinco prestações e na sequência de


diversas interpelações, Bento lhe devolva o automóvel e que pague os €15.000. Quid
juris? (3 valores)

Análise do regime do artigo 934.º do CC em particular por referência à possibilidade de


A resolver o contrato em face do incumprimento (definitivo) de B. Discussão e tomada
de posição fundamentada a respeito da natureza da cláusula penal acordada entre A e B
e, em coerência, sobre aplicação do artigo 935.º CC.
4) Um ano e meio após a celebração do contrato, Bento a António queixou-se de problemas
mecânicos. Este desresponsabilizou-se, afirmando ter adquirido o automóvel a um stand
pouco tempo antes da celebração do contrato. Quid juris? (3 valores)

Qualificação do contrato celebrado entre A e B como compra e venda de coisa


defeituosa. O facto de A ter adquirido o automóvel a um profissional pressuporia a
análise do problema à luz do regime consagrado pelo Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de
outubro (aplicável aos direitos do consumidor na compra e venda de bens, conteúdos e
serviços digitais).

Grupo II

David contratou Emanuel para que este lhe reabilitasse um imóvel situado em Sines, pelo preço
de global de € 70.000.

Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:

1) Emanuel contratou Filipa para se ocupar da canalização. Cinco meses depois a


canalização apresentou defeitos. David contactou Filipa para proceder a reparação, o que
esta recusou. Daniel decidiu, então, contactar Zélia para proceder à reparação. Exige
agora de Emanuel e Filipa o pagamento daquelas despesas. Quid juris? (3 valores)

Qualificação completa e fundada do contrato celebrado entre D e E como empreitada


(1207.º do CC) e do contrato celebrado entre E e F como subempreitada (1213.º CC).
Discussão e tomada de posição fundamentada a respeito da existência de relações
diretas entre dono da obra e subempreiteiro no que respeita à eliminação de defeitos.
Resposta à questão de saber se (e em que condições) o dono da obra pode recorrer a
terceiros para efetuar reparações e, consequentemente, responsabilizar empreiteiro ou
subempreiteiro pelos custos do recurso a terceiro.

2) David apercebeu-se, durante a execução da obra, que Emanuel estava a executar


defeituosamente a obra. Cinco meses depois, aquando da comunicação do resultado da
verificação, informou Emanuel que recusava a obra por se tratar de obra defeituosa. Quid
juris? (3 valores)

Análise do regime do artigo 1209.º CC. Impunha-se, em concreto, responder à questão


de saber se o dono da obra está obrigado a denunciar imediatamente os defeitos no
momento da fiscalização ou se, pelo contrário, podia esperar pelo pode diferir essa
denuncia para o momento da comunicação do resultado da verificação (o que parece
constituir abuso de direito).

Duração: 90 minutos

Apreciação global: 1 valor


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Direito dos Contratos I – 3.º Ano (TAN) – Época Normal (Coincidências)
Regência: Prof. Doutor Pedro de Albuquerque

Grupo I

Ana comprou a Bernardo um computador por € 1.000. O preço seria pago em dez
prestações mensais de € 100 cada.
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:
1) Ana não pagou a quarta prestação. Bernardo quer resolver contrato. Pode fazê-lo? (3
valores)

- Qualificação do negócio como compra e venda a prestações (874.º e 934.º CC).

- Tomada de posição fundamentada sobre aplicação do 934.º, 1.ª parte, (referente ao direito de
resolução), mesmo sem haver reserva de propriedade e independentemente de ter ou não havido
entrega (enunciado deixa em aberto este último aspeto).

2) A sua resposta à questão anterior mudaria se Ana e Bernardo tivessem acordado que este
podia resolver o contrato por falta de pagamento de qualquer prestação? (2 valores)

- Tomada de posição fundamentada sobre (in)validade da cláusula resolutiva a favor de Daniela


perante o não cumprimento de prestação de valor inferior a 1/8 do preço, à luz da imperatividade
ou supletividade do artigo 934.º, 1.ª parte CC e da sua aplicabilidade num contrato sem reserva de
propriedade, em vez da aplicação do artigo 886.º, de teor supletivo.

3) Imagine agora que as partes tinham acordado na venda do computador sob reserva de
propriedade, sendo que a propriedade se transferiria aquando da entrega do computador,
que deveria ocorrer no momento do pagamento da quinta prestação. Após o pagamento da
segunda prestação, Ana vende o computador a Carlos, omitindo a existência da reserva.
Ana não pagou mais nenhuma prestação a Bernardo, que resolve, por isso, o contrato e
exige a Carlos que este lhe entregue o computador. Quid juris? (5 valores)

- Identificação de cláusula de reserva de propriedade (409.º CC), com o efeito transmissivo de


propriedade associado a um evento diferente do pagamento do preço (entrega do bem).

- Tomada de posição fundamentada sobre se estamos ou não, neste caso, perante uma exceção ao
sistema do título (princípios da consensualidade e da causalidade).

- Embora as partes tivessem acordado que a entrega seria feita apenas mediante o pagamento da
5ª prestação, depreende-se que ela ocorreu antes, uma vez que Carlos tem o computador, não se
pondo em questão, por isso, a verificação de todos os pressupostos do art.º 934.º, 1.ª parte, CC.
Bernardo pode, portanto, resolver o contrato a partir do momento em que Ana entra em
incumprimento definitivo relativamente a duas prestações (de valor superior, no seu conjunto, a
1/8 do preço), nos termos dos artigos 805.º/2, a) e 808.º CC. Em alternativa à resolução, Bernardo
pode exigir o imediato pagamento das restantes por haver perda de benefício do prazo (2.ª parte
do citado artigo).

- Tomada de posição fundamentada sobre a (in)oponibilidade da cláusula de reserva de


propriedade sobre coisa móvel não sujeita a registo, referindo os argumentos da posição
minoritária de ROMANO MARTINEZ no sentido da proteção do terceiro de boa fé (Carlos) e os
argumentos da doutrina maioritária no sentido da oponibilidade da reserva.

- Sendo a cláusula de reserva de propriedade oponível a Carlos, se não tivesse havido ainda entrega
e consequente transmissão da propriedade, estaríamos perante uma venda de bens alheios (892.º e
904.º CC): requisitos e regime aplicável, nomeadamente referência aos direitos de Carlos perante
Ana: direito à convalidação do negócio (897.º CC), indemnização por dolo (898.º), indemnização
por incumprimento da obrigação de convalidar o contrato (900.º). Tendo já havido transmissão da
propriedade, então Bernardo nada poderia exigir de Carlos.

Grupo II

A sociedade de arquitetos “Dias & Dias” contratou Eduardo para que este instalasse uma
casa de banho numa divisão que até então servia de arrecadação pelo preço de € 17.500. Durante
a execução da obra, Inácio, um dos associados da “Dias & Dias” reparou que Eduardo estava a
colocar azulejos verdes na parede onde deveria colocar os azulejos azuis. No entanto, achou que
se tratava de um pormenor sem importância e nada disse. Após a conclusão da obra, Roberto,
sócio principal da “Dias & Dias”, que havia voltado do estrangeiro no dia anterior, informou
Eduardo de que não pagaria o preço enquanto este não retirasse os azulejos errados e colocasse
os da cor certa. Uma semana depois, Roberto telefonou a Eduardo para o informar que a base do
chuveiro tinha começado a verter água, exigindo a reparação desse defeito. Porém, Eduardo disse
que isso não era da sua responsabilidade, mas de Francisco, que subcontratou para instalar o
chuveiro e a respetiva base.

Quid juris? (8 valores)

- Contrato de empreitada entre a sociedade “Dias & Dias” e Eduardo (1207.º CC), referente a coisa
imóvel, com estabelecimento de preço global.

- Sendo ambas as partes no contrato profissionais, tudo indicando que a casa de banho virá a ser
utilizada pelos sócios e associados da “Dias & Dias” no contexto da sua atividade profissional, e
sendo esta uma sociedade, pode assumir-se não ter lugar a aplicação do regime do DL n.º 84/2021,
aplicável à empreitada nos termos do art.º 3.º/1, b) do referido diploma. Mas pode debater-se, como
fator de valorização adicional, a questão de saber se, em certos cenários, os profissionais e pessoas
coletivas podem, ou não, ser tidos por consumidores e aplicabilidade, ou não, neste caso, do regime
estabelecido no DL n.º 84/2021. Na situação em apreço, porém, na ausência de quaisquer dados
em sentido contrário devia optar-se pela aplicação de regime civil. Mesmo para quem defenda que
profissionais e pessoas coletivas podem, em certos cenários, ser consumidores, o ónus da prova da
factualidade que justificaria a aplicação desse regime, está a cargo de quem o invoca e dependente
da efetiva existência de factos suscetíveis de apoiar essa solução.

- Eduardo, empreiteiro, tem a obrigação de executar a obra sem vícios e defeitos, de acordo com
o convencionado e as legis artis do seu ofício (artigo 1208.º CC).

- Tomada de posição justificada quanto à possibilidade de o empreiteiro ser responsável por


defeitos denunciados aquando da verificação da obra (1218.º CC), quando o dono da obra tomou
deles conhecimento (efetivo) durante a respetiva execução, mesmo sem haver concordância
expressa da parte do dono da obra com tais defeitos, o que seria afastado pelos termos conjugados
dos art.ºs 1209.º/2 e 1219.º CC, de acordo com a doutrina tradicional. Para a Regência, porém, o
art.º 1209.º/2 apenas se reporta às situações de aparência ou notoriedade dos defeitos, não se
devendo exigir tal concordância expressa nos casos em que o dono da obra tem conhecimento
efetivo dos defeitos, pois em tal caso existe dolo, o qual não deverá ser premiado através da
responsabilização do empreiteiro. De qualquer forma, não parece que, no caso concreto, se possa
afirmar existir conhecimento efetivo do dono da obra durante a execução relativamente aos
azulejos colocados erradamente: apenas Inácio, um dos associados (e não alguém com poderes
para vincular a sociedade), se apercebeu da colocação dos azulejos errados. A reserva efetuada por
Roberto é, portanto, licita, cabendo à sociedade os direitos nos art.ºs 1221.º ss. CC.

- Relativamente à vazão de água pela base do chuveiro, trata-se que um defeito oculto,
desconhecido pelo dono da obra aquando da verificação, pelo qual o empreiteiro é responsável
(1219.º CC). Referência ao ónus e prazo para denunciar (1220.º CC). A dona da obra tem direito
à eliminação do defeito, por via de reparação ou de nova construção (1221.º/1 CC) e, se o
empreiteiro não o fizer, tem direito à redução de preço ou à resolução contratual (1222.º CC), além
do direito à indemnização, nos termos gerais (1223.º CC).

- A subempreitada (1213.º CC) – a qual é lícita, mesmo sem autorização do dono da obra, desde
que a obra seja de natureza fungível, como sucede aqui, nos termos do artigo 264.º/1, aplicado
mutatis mutandis ex vi art.º 1213.º/2 CC – não exonera o empreiteiro da responsabilidade por todos
os defeitos, nos termos do artigo 1219.º CC, tratando-se de um contrato do qual o dono da obra
não é parte; o empreiteiro pode, no entanto, exigir o direito de regresso ao subempreiteiro pelos
danos por que tenha de responder perante o dono da obra, desde que respeitado o prazo de denúncia
previsto no artigo 1226.º CC.
Duração: 90 minutos
Ponderação global: 2 valores
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Exame escrito — Época Normal — Direito dos Contratos I
3.º Ano – TAN

Grupo I
A sociedade “Andar de transfer, Lda.” adquiriu um automóvel elétrico, no valor
de € 55.000, à concessionária “Bms e outros, Lda.”, recorrendo para tal a financiamento
bancário junto da “Créditum, S.A.”, a reembolsar durante o período de seis anos, i.e., a
pagar em 76 prestações. Em contrato assinado pelas três partes, estipulou-se que a
propriedade do automóvel ficava reservada a favor da “Créditum, S.A.”.
Responda, isoladamente, a cada uma das seguintes questões:
a) Ao cabo de dois anos, a sociedade “Andar de transfer, Lda.” vendeu o
automóvel a Daniela. Quid juris? (4 valores)
- Qualificação do contrato de compra e venda, nos termos do 874.º CC, de forma livre
(875.º, a contrario, e 219.º CC).
- Não há venda a prestações (934.º CC), porque preço foi pago integralmente à vendedora,
através do financiamento obtido por mútuo da C a A.
- Tomada de posição fundamentada quanto à admissibilidade (e consequente validade) de
reserva de propriedade (409.º CC) a favor de terceiro financiador.
- Ainda que fosse admissível a reserva da propriedade, atendendo ao objeto - bem sujeito
a registo - tinha sempre de ser registada para ser oponível a terceiros (409.º/2 CC). Não
falando a hipótese no facto de ter existido registo a questão não podia deixar de ser
levantada. Não estando registada, a reserva não seria oponível a D, exceto se estivesse de
má fé. Estando registada e sendo oponível a D., Daniela nunca poderia estar de boa-fé.
- Sendo considerada válida a reserva de propriedade, e estando registada, a venda a
Daniela consubstancia uma venda de bens alheios: menção aos respetivos requisitos
(892.º e 904.º CC) e regime, nomeadamente quanto à obrigação de fazer convalescer o
contrato (907.º) e ao regime indemnizatório do 908.º e do 910.º CC. Neste cenário, dada
a boa fé da compradora, não se aplica o artigo 1301.º do CC.
Na eventualidade de a reserva ser considerada válida, mas não ter havido registo, a
segunda venda continua a ser uma venda de coisa alheia, mas não é oponível a D, que
beneficia do efeito do registo. Nessa eventualidade, mantém-se a obrigação de
convalidação perante D, que pode pretender uma aquisição no plano substantivo e não
apenas no plano registal. Em princípio D não terá prejuízos, dada a proteção registal de
que beneficia. Mas se os tivesse aplicavam-se as regras gerais de indemnização em caso
de venda de coisa alheia.
Ainda no mesmo cenário de admissibilidade da reserva de propriedade a favor de terceiro,
mas de ausência de registo, B responderia perante C, nos termos gerais, por ter frustrado
a sua garantia e responderia perante A por ter frustrado a sua expetativa de aquisição.

Ponderação global: 1 (um) valor.


Duração da prova: 90 minutos
Não sendo a cláusula de reserva de propriedade válida o comprador é proprietário pleno
da coisa. Se não obstante a sua invalidade a cláusula tiver sido registada põe-se o
problema de saber qual a tutela que merece o proprietário e o comprador. Nesse caso,
mesmo perante a invalidade da cláusula, o seu registo publicita a existência de uma
posição jurídica incompatível com a venda a Daniela. Esta deveria, por isso, ter indagado
o que se passava e iria tomar conhecimento da existência de um direito de propriedade
incompatível com a venda de A a D. Por isso, não pode ser considerada adquirente de boa
fé.

b) Suponha que, dois anos após a aquisição, a sociedade “Andar de transfer, Lda.”
apercebe-se de que a bateria do automóvel está a descarregar de forma demasiado rápida,
face à autonomia expectável, e pretende que a “Bms e outros, Lda.” proceda à sua
substituição. Suponha ainda que, no contrato, tinha ficado estipulado que a compradora
tinha direito a um mês de “período experimental” durante o qual a “Andar de transfer,
Lda.” podia, sem necessidade de qualquer justificação, devolver o automóvel e “anular”
o contrato, o que não fez. A concessionária rejeita ser responsável, alegando,
nomeadamente, que o facto de a compradora não ter exercido o referido direito a “anular”
o contrato a exonera de responsabilidade. Quid juris? (5 valores)
- Sendo ambas as partes no contrato profissionais, nada sendo dito quanto ao destino a
dar ao bem, por A e sendo esta uma sociedade, pode assumir-se não ter lugar a compra e
venda de bens de consumo. Nesse caso, o regime a aplicar nunca poderia ser o da compra
e venda de bens de consumo, aplicando-se o regime da compra e venda civil. Mas pode
debater-se, como fator de valorização adicional. a questão de saber se, em certos cenários,
os profissionais e pessoas coletivas podem, ou não, ser tidos por consumidores e
aplicabilidade, ou não, neste caso, do regime da compra e venda de bens de consumo. Na
situação em apreço, porém, na ausência de quaisquer dados em sentido contrário devia
optar-se pela aplicação de regime civil e não pela compra e venda de bens de consumo.
Mesmo para quem defenda que profissionais e pessoas coletivas podem, em certos
cenários, ser consumidores, o ónus da prova da factualidade que justificaria a aplicação
desse regime, está a cargo de quem o invoca e dependente da efetiva existência de factos
suscetíveis de apoiar essa solução.
- A estipulação do “período experimental” durante o qual a compradora podia desistir
(“anular”) o contrato conduz à qualificação do mesmo como uma venda a contento, na
segunda modalidade (924.º CC).
- Porém, não tendo sido exercido direito de resolução atribuído à compradora no prazo
fixado (924.º/3 CC), tal facto não exime a vendedora de eventual responsabilidade por
defeitos da coisa, nos termos dos artigos 913.º e ss. CC.
- Qualificação do problema de descarga da bateria como defeito da coisa, nos termos do
913.º CC, por não ter as qualidades asseguradas pelo vendedor, nem necessárias à (boa)
realização do seu fim (circulação rodoviária).

Ponderação global: 1 (um) valor.


Duração da prova: 90 minutos
- A compradora teria, portanto, direito à reparação da bateria (através da reparação ou
substituição da mesma), mas não, por desnecessário, direito à substituição do veículo
(914.º). Tomada de posição fundamentada quanto à controvérsia sobre se a parte final do
914.º CC se aplica apenas com respeito à substituição ou também à reparação, com
apresentação dos argumentos a favor de uma e outra tese.
- Porém, uma vez que já haviam decorrido dois anos desde a entrega, esses direitos já
teriam caducado (por interpretação extensiva do 917.º CC), uma vez que a denúncia
deveria ser feita no prazo de seis meses (916.º/2), dado não ter havido dolo e o contrato
estar cumprido (houve pagamento do preço e entrega da coisa), nos termos do 287.º/2 ex
vi 217.º in fine.
c) A sua resposta à al. b) seria diferente, se o adquirente, em vez de ser a sociedade
“Andar de transfer, Lda.”, fosse Eduardo, professor reformado? (3 valores)
- Neste caso, estarmos perante uma venda de bens de consumo, sujeita ao regime do DL
n.º 84/2021, de 18/10, em vigor desde 01 de janeiro de 2022 (53.º/1 e 55.º), por se tratar
de venda entre profissional (2.º, o)) e consumidor (2.º, g)), nos termos do 3.º/1, a)).
- Haveria “falta de conformidade” (7.º/1, a) e b)), pela qual o profissional é responsável
no prazo de três anos após a entrega (12.º/1) e que se presume existente à data de entrega
do bem até dois anos após a entrega (13.º/1). Não há ónus de denunciar, sendo que os
direitos caducam decorridos dois anos após a comunicação da desconformidade (17.º/1).
- Assim, o consumidor tem direito à reposição da conformidade, através de reparação
(15.º/1, a)), por a substituição do veículo ser desproporcionada (15.º/2). Uma vez que
houve recusa por parte do profissional em cumprir a obrigação de reposição, o
consumidor pode resolver o contrato (15.º/4, iii) e iv)).
- Não obstante, considerando que decorreram mais de dois anos da entrega do bem, caberá
ao consumidor provar que a falta de conformidade existia no momento da entrega do bem
(13.º/4). A discrepância na duração da bateria em relação à autonomia expectável poderá
explicar-se pela existência de uma anomalia na sua produção. Mas, por outro lado, poderá
decorrer de outro facto superveniente à entrega, nomeadamente o carregamento com
voltagens diferentes das recomendadas ou a baixas/altas temperaturas, ou, ainda, ao
elevado número de ciclos da bateria.

Grupo II
Francisco combinou com Guilherme, seu amigo de longa data, que este, pessoa
que gostava de se gabar das suas qualidades de “faz-tudo”, reparasse o autoclismo
avariado da casa de Francisco, da próxima vez que fosse lá almoçar, como era habitual
entre os dois amigos. Infelizmente, Guilherme não só não foi capaz de solucionar o
problema do autoclismo, como ainda partiu a bomba de descarga. Por isso, Francisco
contratou Hugo, canalizador profissional, para proceder às reparações necessárias, tendo
substituído a bomba por uma nova, pelo valor total de € 120.

Ponderação global: 1 (um) valor.


Duração da prova: 90 minutos
Dois meses depois, o autoclismo recomeçou a ter um dos problemas originais,
vazar água para fora do tanque pelo orifício de ligação à sanita. Francisco contratou então
Igor, canalizador de renome, que colocou um mecanismo de autoclismo totalmente novo,
incluindo o tanque de água, pois afinal o problema principal residia no facto de as medidas
do tanque não serem as adequadas para a sanita, pelo preço total de € 400. Francisco
pretende agora saber que direitos tem contra Guilherme e Hugo.
Quid juris? (7 valores)
- Não há contrato de empreitada entre F e G, por falta do elemento do preço (1207.º CC),
havendo, assim, um contrato prestação de serviços (1154.º), de caráter gratuito. Admite-
se a consideração de que estaríamos perante mera liberalidade.
- G é, portanto, responsável pelos danos causados à bomba de descarga, nos termos gerais
da responsabilidade obrigacional (798.º e ss. CC).
- Qualificação dos contratos entre F e H e entre F e I como contratos de empreitada (1207.º
CC), fazendo menção aos seus elementos essenciais.
- Tomada de posição fundamentada sobre se estamos perante “empreitada de consumo”,
referindo as posições que (i) em face da terminologia utilizada no 3.º/1, b) do DL n.º
84/2021, de 18/10 (“bens fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada”), rejeitam
essa qualificação nas empreitadas de reparação, (ii) as que apenas a aceitam estando em
causa danos “circa rem” ou relativamente aos bens novos substituídos pelo empreiteiro
(no caso, a substituição da bomba por H e a substituição de todo o mecanismo por I) e
(iii) as que a aceitam sem reservas.
- Aplicação do regime de defeitos da obra dos artigos 1218.º e ss. do Código Civil ou do
regime do referido DL n.º 84/2021, de 18/10, relativamente ao incumprimento da
obrigação de H de proceder à obra acordada.
- De acordo com o regime civil: F tinha direito à eliminação do defeito (1221.º CC), dado
que se tratava de defeito oculto, relativamente ao qual a aceitação da obra não precludia
a responsabilidade do empreiteiro (1219.º CC), desde que F procedesse à denúncia no
prazo de 30 dias desde o descobrimento (1220.º CC), não tendo decorrido o prazo de
caducidade (1224.º/2 CC).
- Tomada de posição fundamentada sobre se F poderia recorrer diretamente a um terceiro
para proceder à reparação e exigir o pagamento de indemnização a H pelos custos com
essa reparação ou se tal só seria admissível depois de interpelar H para o cumprimento da
obrigação de reparação, só podendo recorrer a terceiro e solicitar a concomitante
indemnização, havendo incumprimento definitivo dessa obrigação ou urgência na
reparação.
- De acordo com o regime da empreitada de consumo: além do já referido no Grupo I
quanto à falta de conformidade, aos prazos (de caducidade, de presunção de existência da
desconformidade à data da entrega da obra e de responsabilidade), e ao direito à
reposição, coloca-se também a questão da possibilidade de recorrer a terceiro a expensas,
a título indemnizatório (52.º/4), de H, tendo em conta que também no 15.º do referido DL

Ponderação global: 1 (um) valor.


Duração da prova: 90 minutos
se estabelece uma hierarquia de meios de reação, à semelhança do que sucede no 1221.º
e 1222.º CC.

Ponderação global: 1 (um) valor.


Duração da prova: 90 minutos
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO DOS CONTRATOS I – TA

21 de janeiro 2022

TÓPICOS

a)

- Classificação do negócio jurídico celebrado entre A. e C.: compra e venda de bens de


consumo;

- Compra e venda porque foi celebrado um contrato pelo qual C. transmitiu a A. a


propriedade de um carro mediante o pagamento de um preço (874.º do CC). O facto de
parte do preço ser pago em espécie não é suficiente para o negócio ser qualificado como
permuta. Continuamos a ter preço. De todo o modo, impunha-se analisar a questão, dado
podemos estar perante um contrato misto ou uma permuta;

- É uma compra e venda de bens de consumo, dado A. ser consumidor e C. um


profissional, conforme previsto no DL n.º 84/2021, de 18 de outubro, que atualmente
regula a matéria [art. 2.º/g) e o) e 3.º/1/a)];

- De acordo com o disposto no artigo 5.º do DL n.º 84/2021, C. devia entregar a A. um


bem com requisitos objetivos e subjetivos de conformidade. Não é adequado ao uso que é
dado a um veículo de circulação novo, que o painel de instrumentos apague a configuração
introduzida pelo respetivo utilizador. Logo, o bem vendido por C. a A. não é conforme o
contrato [al. a) do n.º 1 do art. 7.º do DL n.º 84/2021]. Falta de conformidade que, tendo
ocorrido nove meses após a entrega, se presume existente na data da entrega do carro (art.
13.º do DL n.º 84/2021);

- O direito à indemnização do consumidor não consta entre os direitos do consumidor


elencados no artigo 15.º do DL n.º 84/2021, à semelhança do que sucedia no regime
anterior. Contudo, o consumidor continua a ter direito a ser indemnizado do profissional,
quer nos termos gerais quer ainda nos termos do disposto no artigo 12.º da Lei de Defesa
do Consumidor, e o DL n.º 84/2021 consagra genéricamente a responsabilidade do
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DIREITO DOS CONTRATOS I – TA

21 de janeiro 2022

profissional por qualquer falta de conformidade, o que veio a suceder [art. 12.º/1 do DL n.º
84/2021], sem prejuízo do disposto abaixo;

- No caso em análise, deve questionar-se se, de facto, A. tem alguma pretensão


indemnizatória contra C. Todas as pretensões indemnizatórias estão relacionadas com
danos relativos à morosidade da reposição da conformidade do veículo. Porém, C. nunca se
recusou a receber de volta o carro de A. para análise e eventual reparação ou substituição.
Foi A. quem, ao invés de levar o carro a C., decidiu levá-lo a oficina terceira onde a
reparação do mesmo se prolongou no tempo, implicando mais de que uma deslocação. Isto
é, A., sem motivo justificado, não praticou os atos necessários ao cumprimento da
obrigação da C., de reposição da conformidade do veículo. Não sendo D. representante legal
ou auxiliares de C., para efeitos do disposto no artigo 800.º do CC, será, em princípio de
afastar qualquer indemnização da mesma.

- Admite-se, porém, que ainda que A. tivesse, de facto, agendado o arranjo do seu carro a
C., mesmo podendo utilizar o carro, ficaria sempre temporariamente privado do seu uso
pleno. Com efeito, não podia fazer uso do mesmo de acordo com as suas configurações, mas
apenas de acordo com as configurações de origem. E tudo isto, poderia levar,
eventualmente, a responsabilidade de C.

b)

- Conforme visto na alínea a), o negócio jurídico em apreço é uma compra e venda de
bens de consumo DL n.º 84/2021, de 18 de outubro.

- T. é a representante em Portugal do produtor [cf. alínea q) do artigo 2.º DL n.º


84/2021, de 18 de outubro], podendo, em abstrato, ser responsável, independente de
culpa, pela desconformidade do produto adquirido por A., nos termos do disposto no artigo
40.º/1 e 4 do DL n.º 84/2021, de 18 de outubro.
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DIREITO DOS CONTRATOS I – TA

21 de janeiro 2022

- Contudo, também aqui, a resposta é negativa. Os direitos conferidos no artigo 40.º/1


do Decreto-Lei n.º 67/2007, de 8 de abril, ao consumidor em relação ao produtor limitam-
se à reparação ou substituição da coisa, não contemplando qualquer indemnização, para
mais quando A. configura essa mesma pretensão indemnizatória não diretamente
relacionada com a falta de conformidade do bem, mas apenas com danos relativos à
morosidade da reposição da conformidade do veículo, aos quais o representante do
produtor será, em princípio, alheio.

- Assim, uma eventual de responsabilidade de T., a existir, só poderia ser por eventuais
atos de D., contando que preenchidos os pressupostos do artigo 800.º do CC.

c)

- Qualificação do contrato celebrado entre A. e D.: contrato de prestação de serviços


atípico.

- Apesar de D. se obrigar para com A. a realizar uma obra, este nada pagou por a mesma.
Assim, atendo os elementos qualificadores do contrato de empreita (artigo 1207.º do
Código Civil), o contrato não pode qualificado com um contrato de empreitada mas como
uma prestação de serviços atípica, concretamente uma reparação a título gratuito.

- Em alternativa, caso se decidisse pela existência de preço, deveria fundamentar-se que


este nunca foi cobrado ao consumidor mas, ao invés (e eventualmente), a C. (terceiro ao
contrato de prestação de serviços), porquanto a reparação – a título gratuito – ainda
encontraria cobertura no contrato de compra e venda já analisado [art. 18.º/2/a) DL n.º
84/2021)].

- Não obstante, sendo A. um consumidor e C. um profissional, poderíamos de aplicar o


previsto no DL n.º 84/2021, de 18 de outubro, que atualmente regula a matéria, uma vez
que o mesmo se aplica, com as devidas adaptações [art. 2.º/g) e o) e 3.º/1/b)];
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DIREITO DOS CONTRATOS I – TA

21 de janeiro 2022

- Quanto à pretensão de A., ficou demonstrado que este, após contratar os serviços de D.,
teve de deslocar-se por quatro ocasiões às suas instalações e que apenas por ocasião da
última deslocação, a reparação contratada ficou executada com sucesso. Em face do
exposto, o serviço prestado por D., não estava em conformidade com o contrato (cf. art. 5.º
e al. d) do art. 7.º do DL n.º 84/2021). Não é expectável que a reparação de um veículo
contratada a um profissional só tenha sucesso após quatro deslocações às instalações do
profissional.

- Tratando-se de um dever inobservado por D. ao abrigo de contrato celebrado, vale a


presunção de culpa prevista no artigo 799.º do Código Civil, quanto à mora da reparação.

- Análise do eventual direito a indemnização de A., apesar de o mesmo não se encontrar


previsto no elenco dos direitos enunciados no artigo 15.º do DL n.º 84/2021, de 18 de
outubro.

GRUPO II

- Análise e discussão da distinção entre o contrato de compra e venda e de empreitada.


Uma das distinções mais difíceis de fazer, sobretudo nas compras e vendas de coisa futura
e nas empreitadas em que é o empreiteiro a fornecer os materiais a utilizar na obra.
Desenvolvimento, das soluções apresentadas na doutrina e na jurisprudência para a
distinção.

- Analisando o regime da empreitada, o próprio regime da empreitada, podemos


verificar que, em certos aspetos, remete diretamente para as regras da compra e venda
(artigos 1211.º/1 e 1222.º/2 do CC)

- Ademais, sendo a empreitada, à semelhança da compra e venda um contrato oneroso, e


podendo ter, em certos casos, um efeito real, poderão aplicar-se à empreitada as regras da
compra e venda, por via do disposto no artigo 939.º do CC. Por exemplo, na denúncia dos
defeitos da obra, na empreitada a prestações ou ainda a empreitada onerada.
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DIREITO DOS CONTRATOS I – TA

21 de janeiro 2022

- Por fim, noutros casos ainda o regime aplicável a ambos os contratos é o mesmo. Assim
sucede nos bens de consumo, nos termos do disposto DL n.º 84/2021, de 18 de outubro,
quanto à compra e venda de bens de consumo e, igualmente, quanto à empreitada de bens
de consumo.
DIREITO DOS CONTRATOS I – TA

27 de janeiro de 2022 90 minutos

Exame de Coincidências
a)

- Classificação do negócio jurídico celebrado entre A. e R.: compra e venda de bens de


consumo;

- Classificação do negócio jurídico celebrado entre A. e R.: compra e venda de bens de


consumo;

- Compra e venda porque foi celebrado um contrato pelo qual A. transmitiu a R. a


propriedade de um automóvel mediante o pagamento de um preço (874.º do CC).

- É uma compra e venda de bens de consumo, dado R. ser consumidor e A. um profissional,


conforme previsto no DL n.º 84/2021, de 18 de outubro, que atualmente regula a matéria
[art. 2.º/g) e o) e 3.º/1/a)];

- Discussão sobre a perfeição do ato de entrega do bem ao consumidor, nos termos do


art. 11.º/1 do DL n.º 84/2021, atendendo a que foi entregue uma declaração de circulação
com carácter provisório e impacto na conformidade do bem [art. 7.º do DL n.º 84/2021]. O
facto de se tratar de um documento com carácter provisório, ainda que essencial à utilização
do automóvel em via pública, não impacta a conformidade do bem ao ponto de o tornar
desconforme. Com efeito, a entrega de um carro acompanhada da entrega de uma
declaração de circulação é adequada para o uso a que os veículos automóveis se destinam.

- A obrigação de entrega, além da própria coisa (art. 879.º/c) do CC), abrange os


documentos relativos à coisa [art. 882.º/2 do CC]. Entenda-se, a obrigação de entrega da
declaração de circulação e, posteriormente, do DUA, que deve acompanhar sempre o
condutor de veículos automóveis. In casu, atendendo à natureza do documento, nem estaria
na disponibilidade das partes, apesar da letra do artigo 882.º/2 do CC, o afastamento desta
obrigação. Isto é, tendo a obrigação de entrega o intuito de proporcionar ao comprador o
gozo pleno do direito transmitido, e considerando que a declaração de circulação é um
documento provisório, significa que o proprietário não pode (legalmente) circular com o
veículo sem o DUA. Logo, deve considerar-se aplicável o referido preceito.

- Sendo a obrigação de entrega da coisa uma obrigação do vendedor [arts. 879.º/b) do


CC], por um lado, e compreendendo a mesma, por outro, a obrigação de entrega do DUA [art.
882.º/2 do CC], os custos com o seu cumprimento, na ausência de convenção em contrário
das partes, correm por conta do devedor. Isto é, de A.

- Em alternativa à resposta anterior, desde que fundamentado, admitisse que se aplicasse


o artigo 878.º do CC, caso em que caberia ao comprador suportar as despesas acessórias ao
DIREITO DOS CONTRATOS I – TA

27 de janeiro de 2022 90 minutos

contrato. Isto porque, o DL n.º 178-A/2004, de 28 de outubro, refere que o DUA agrega a
informação anteriormente constante do título de registo de propriedade e do livrete do
veículo. As despesas são a cargo do comprador, se não houver documentos, e, por ocasião
da conclusão do negócio, ainda não havia DUA.

b)

- Classificação do sistema “Alerta Total” como conteúdo ou serviço digital incorporado


num bem, fornecido ao abrigo de um contrato de compra e venda [art. 3.º/1/c) do DL n.º
84/2021]; Presunção legal de que o sistema “Alerta Total” se encontra abrangido pelo
contrato de compra e venda [art. 3.º/2 DL n.º 84/2021].
- Disponibilização do sistema enquanto requisito adicional de conformidade do bem,
tratando-se de um único ato de fornecimento [art. 8.º/1 in fine, DL n.º 84/2021], devendo a
sua disponibilização ser assegurada durante o período razoavelmente esperado pelo
consumidor à luz do tipo e da finalidade do bem. O que significa que o bem vendido por A.
continuava, quanto ao sistema de alerta, a ter observar o disposto nos artigo 6.º e 7.º do DL
n..º 84/2021.
- Analise e discussão se é adequado que um veículo adquirido por ter um certo
equipamento veja o mesmo descontinuado ao fim de 18 meses sobre a data da sua aquisição
[art. 7.º/1/a do DL n.º 84/2021]. Tendo em conta o prazo previsto no artigo 12.º do DL n.º
84/2021, a resposta parece negativa.
- Verificando-se uma situação de falta de conformidade, a responsabilidade recai, a título
primário, sobre A., o profissional [art. 12.º/2/a), primeira parte, do DL n.º 84/2021],
- Validade da comunicação da falta de conformidade por R., admissível como meio de
prova [art. 12.º/5 e 13.º do DL n.º 84/2021], valendo a presunção geral de falta de
conformidade, exceto se o consumidor demonstrar que incompatível com as características
específicas do bem [art. 13.º/1/in fine].
- O direito à indemnização do consumidor não consta entre os direitos do consumidor
elencados no artigo 15.º do DL n.º 84/2021, à semelhança do que sucedia no regime
anterior. Contudo, o consumidor continua a ter direito a ser indemnizado do profissional,
quer nos termos gerais quer ainda nos termos do disposto no artigo 12.º da Lei de Defesa
do Consumidor, e o DL n.º 84/2021 consagra expressamente a responsabilidade do
profissional por qualquer falta de conformidade, o que veio a suceder [art. 12.º/1 do DL n.º
84/2021], sem prejuízo do disposto abaixo;
DIREITO DOS CONTRATOS I – TA

27 de janeiro de 2022 90 minutos

- No caso em análise, deve questionar-se se, de facto, R. tem alguma pretensão


indemnizatória contra A., visto que esta se fundamenta numa alegada desvalorização do
veículo pela desativação do sistema, por ato de terceiro, distinto do comprador. Assim, uma
eventual responsabilidade de A. seria por eventuais atos de Alfa Julieta contando que
preenchidos os pressupostos do artigo 800.º do CC.
- Análise e discussão da eventual responsabilidade direta da Alfa Romeo, enquanto
produtor, nos termos do disposto nos artigos 2.º/p) e artigo 40.º/1 e 4 do DL n.º 84/2021.
Em princípio, a resposta seria negativa. Os direitos conferidos ao consumidor em relação ao
produtor limitam-se à reparação ou substituição da coisa, não contemplando qualquer
indemnização, ainda que se decida por uma eventual falta de conformidade nos termos
acima fundamentados.

c)

- Os direitos que a lei reconhece ao consumidor no DL n.º 84/2021 por falta de


conformidade do bem que se manifeste no prazo de 3 anos, transmitem-se ao terceiro
adquirente do bem a título gratuito ou oneroso (art. 15.º/10). Assim, se passados os dezoito
mesmos, o proprietário do carro fosse C. os direitos de R. sobre A. passariam para C.
- Contudo, considerando que C. é um profissional, pode discutir-se, à luz do disposto no
n.º 10 do artigo 15.º do DL n.º 84/2021 se o “terceiro adquirente” compreende, ou não
profissionais.
- Análise e discussão sobre a eventual responsabilidade direta de R. (vendedor) a C.
(comprador). In casu, estando perante uma compra e venda invertida (de um consumidor a
um profissional), exclui-se a aplicação do DL n.º 84/2021. Porém, tal não obsta que C. possa
responsabilizar R. nos termos da compra e venda de coisa defeituosa da compra e venda de
bens de consumo.

d)

- S. obriga-se para com A. a realizar uma obra que, no silêncio da hipótese, se presume a
título oneroso. Análise dos elementos qualificadores do contrato de empreitada (art. 1207.º
do CC).
- S. não é profissional para efeitos de aplicação do DL n.º 84/2021, que atualmente regula
a matéria, [art. 2.º/g) e o) e 3.º/1/b)], faltando o elemento relacional (exercício com caráter
DIREITO DOS CONTRATOS I – TA

27 de janeiro de 2022 90 minutos

profissional de uma atividade económica). Logo, o contrato celebrado entre R. e S. é uma


empreitada civil.
- Envio de fotografias e subsequente concordância de R. enquanto aceitação da obra (art.
1218.º/1 do CC), não obstante a entrega do automóvel não se ter realizado. Não haveria,
portanto, mora quanto à aceitação da obra.
- O risco do perecimento do automóvel corre por conta do proprietário [art. 1228.º/1 CC].
No caso em análise, o proprietário é R., dono da obra, com a aceitação (art. 1212.º/1 do CC).
- Analise e discussão sobre a obrigação de entrega da coisa e o vencimento da mesma.
- S., empreiteiro, tinha a obrigação de entregar a obra a R. No caso, não tendo sido
estipulado um prazo para a entrega, o vencimento da obrigação, segundo doutrina na
regência, está dependente de interpelação do dono da obra (art. 777.º/1 do CC). Ora, não
tendo R. exigido a entrega do carro, não se venceu ainda obrigação de S. Não estando S. em
mora na obrigação de entrega e tratando-se de um perecimento por caso fortuito, não
proveniente de qualquer dever de custódia de S., o risco é de R., proprietário. S. não tem de
entregar um carro novo e mantém o direito ao pagamento do preço acordado.

e)

- Qualificação do contrato celebrado entre S. e T. como subempreitada civil.


- Análise da responsabilidade de S. (empreiteiro) por danos causados a R. (dono da obra)
pelo subempreiteiro, nos termos do disposto no artigo 800.º do CC.
- Análise da eventual ação direta do dono da obra sobre o subempreiteiro. Discussão do
problema atento o 406.º/2 e posição da regência.
- Havendo eventual concurso de responsabilidades, discussão do modo de articulação
das duas responsabilidades e do eventual direito de regresso (artigo 1226.º do CC).
- Não obstante, excluindo-se a responsabilidade do subempreiteiro nos termos já
descritos na alínea anterior, não haveria, de forma semelhante, lugar a imputação ao abrigo
do artigo 800.º do CC.
DIREITO DOS CONTRATOS I – TA

23 de fevereiro 2022 90 minutos

Coincidência de Recurso

Exame

a. Quid iuris? (7 v.)

Afastar a aplicação do DL 84/2021, de 18 de outubro, por não estar preenchido o seu âmbito.
Análise do artigo 920 do Código Civil: norma que remete para regime subsidiário ou norma
que subtrai a compra e venda de animais do regime dos artigos 913 e seguintes do Código Civil?
Apesar da legislação especial ser antiga não se encontra revogada expressa ou tacitamente.
Discussão sobre a finalidade dessa legislação especial e o caso dos animais de companhia. De
qualquer forma, a falta de qualidades não se encontra prevista em legislação especial.
A enumeração na legislação especial é taxativa? Ponderar divergência.
Ainda que se admita como exemplificativa, deverá ponderar-se criticamente se a teleologia
normativa do diploma especial abrange falta de qualidades de animais de companhia.
Não existindo usos, e considerando que seria inadequado aplicar a legislação especial às faltas
de qualidades de animais de companhia, seria de defender a aplicação do regime dos artigos
913.º e seguintes.
Apresentar criticamente os direitos do comprador: anulação (para o regente: resolução),
direito a exigir a substituição ou possibilidade de redução do preço, eventual indemnização.

b. Quid iuris? (4 v.)

Apesar de Emília ser titular de uma expectativa real de aquisição, não é proprietária.
A compra e venda celebrada entre António e Emília é, portanto, uma compra e venda de bem
alheio.
Discussão crítica sobre a oponibilidade da reserva de propriedade, não sujeita a registo, a
terceiros.
Legitimidade para arguir a nulidade por terceiro proprietário: consequências e alternativas.

II

a. Quid iuris? (5 v)

Qualificação do contrato celebrado como de empreitada civil de construção de coisa móvel.


As manchas e não instalação de camada isolante são defeitos.
Ponderação da aplicação do regime do artigo 1225.º do Código Civil.
O artigo 1225.º do Código Civil exige atualmente que o defeito seja grave? Análise da intenção
histórica na alteração da redação do preceito.
O prazo de cinco anos é para o exercício de direitos ou manifestação de defeitos? A seguir a
posição da regência, Armando estaria ainda em prazo.
Não obstante, o Código Civil estabelece uma hierarquia de direitos, a resolução não seria
possível nestes termos.

b. (3 v.)

DL 84/2021, de 18 de outubro – análise do preenchimento dos três âmbitos.


Existência de desconformidade nos termos do artigo 22.º.
DIREITO DOS CONTRATOS I – TA

23 de fevereiro 2022 90 minutos

Prazo de garantia de 5 anos que se suspende com a comunicação.


Ao contrário do regime previsto no DL 84/2021, de 18 de outubro, para os bens móveis, para os
bens imóveis não se estabelece uma hierarquia de direitos.
Em abstrato a resolução seria admissível. No caso concreto constitui abuso de direito, na
modalidade de desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.
Assim, o dono da obra pode exigir judicialmente a reparação, substituição ou redução
proporcional do preço até 3 anos após a comunicação dos defeitos.

Ponderação global e redação: 1 v.


FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO DOS CONTRATOS I
Época Especial

TÓPICOS DE CORREÇÃO
a)
- Análise dos efeitos da compra e venda. Concretamente da obrigação de entrega e do respetivo
devedor;
- No silêncio do contrato, sendo a obrigação de entrega do vendedor, caberá ao mesmo suportar
os custos com o cumprimento dessa obrigação;
- Contudo, na compra e venda, enquanto contrato, as partes estão adstritas, quer na sua
formação quer na sua execução, ao cumprimento de regras da boa-fé. Designadamente a deveres
de informação. O incumprimento das mesmas, poderá conferir uma pretensão indemnizatória à
parte contrária;
- Análise e discussão da eventual responsabilidade de A. por violação de deveres de
informação.

b)
- Tendo A. e B. celebrado uma compra e venda a prestações há que ter em conta o regime
especial do artigo 934.º do CC. Especial em relação à compra e venda (886.º), mas também em
relação ao regime geral das obrigações (781.º);
- Circunscrevendo a questão à resolução do contrato, por ter sido a pretensão exigida por B.,
estabelece o artigo 934.º que na compra e venda prestações com reserva de propriedade e entrega
da coisa o comprador não pode resolver o contrato em caso de incumprimento de uma prestação
que não exceda um oitavo do valor do preço;
- Contudo, no caso em análise, apesar da compra e venda a prestação, da entrega da coisa e de
a prestação incumprida não exceder um oitavo do valor do preço, não houve reserva de
propriedade. Assim, segundo faltando um pressuposto de aplicação do artigo 934.º, vale, em
princípio o disposto no artigo 886.º:
- Análise e discussão da posição na doutrina, em particular da regência, que defende nestes
casos a aplicação do artigo 934.º apesar da falta de reserva. Se assim for, B., com fundamento no
artigo 934.º do Código Civil não poderia resolver o contrato;
- Aplicando-se o artigo 886.º do Código Civil teríamos de concluir que B. não poderia resolver
o contrato: a propriedade transferiu-se, a coisa foi entrega e as partes não acordaram na resolução
do contrato por falta de pagamento do preço;
- Não podendo resolver, impõe-se analisar os direitos de B.: uma ação de cumprimento,
acrescida de uma pretensão indemnizatória por juros.
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DIREITO DOS CONTRATOS I
Época Especial

c)
- Sim. Neste caso poderíamos estava perante uma venda de coisa defeituosa. O aparelho
adquirido sofre de um vício que impede a realização de um dos fins a que se destina (913.º do CC);
- Provando o defeito e que o mesmo existia por ocasião da compra presume-se a culpa da B.
(799.º do CC);
- Em caso de venda de coisa defeituosa os direitos do comprador não se circunscrevem aos
previstos nos artigos 914.º e ss. Além dos previstos nos artigos 903.º por remissão do artigo 913.º,
temos os direitos gerais do credor no caso de incumprimento. No caso, atendendo à posição de A.,
à exceção do não cumprimento. In casu, a exceção do não cumprimento do contrato
defeituosamente cumprido, a que seria aplicável, com as devidas adaptações, o disposto no artigo
428.º do Código Civil.
- Desde a faculdade exercida por A. fosse proporcional ao cumprimento defeituoso da B. a
recusa daquele seria legítima.

d)

d.1)
- Qualificação do contrato celebrado entre A. e C. como empreitada;
- Nos termos gerais, o prazo de garantia do art. 1225.º (prazo de caducidade) é de cinco anos
contados da conclusão da obra;
- Análise e discussão sobre a admissibilidade do prazo legal se encurtado por acordo das partes.
Há quem defenda que sim porém de tal encurtamento não seja pode ser de tal monta que prive as
partes de exercerem os seus direitos (Romano Martinez). Por fim, há quem sustente que a
possibilidade de as partes alterarem o prazo só vale para a ampliação e não redução (Vaz Serra;
Pedro de Albuquerque);
- Concluindo-se que temos um cumprimento cujo defeito de manifestou no prazo de garantia.
Análise dos direitos de A. e de o prazo para os exercer, distinguindo a prazo para a denúncia, do
prazo para o exercício dos direitos;
- Distinção, quanto às pretensões de A., entre os danos extra rem e circa rem. Qualificação dos
danos no frigorifico como canos extra rem.
- Quanto a construção de móvel novo, análise da hierarquia dos mecanismos de reação do dono
da outra em caso de cumprimento defeituoso. Se a reparação do móvel que caiu fosse possível e
não fosse demasiado onerosa para devedor. A. não tinha direito a um móvel novo.
- Referência à questão de saber o regime aplicável à indemnização destes danos, considerando
que se trata da violação do direito de propriedade (situação jurídica absoluta). Designadamente
se o prazo dos 3 anos para a responsabilidade aquiliana

d.2.)
- Referência à discussão relativa à possibilidade de (em determinados casos) o dono da obra
poder substituir o empreiteiro por terceiro relativamente à eliminação dos defeitos, podendo
exigir as despesas ao empreiteiro.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO DOS CONTRATOS I – TURMA B
ÉPOCA ESPECIAL / FINALISTAS

TÓPICOS DE CORREÇÃO

a)
− Análise dos efeitos da compra e venda; em concreto, o dever de entrega da coisa;
− No silêncio do contrato, a obrigação de entrega abrange os frutos pendentes (artigo 882.º, n.º 2) ao
tempo da venda, tal como sucede com as laranjas não colhidas à data da escritura pública;
− As laranjas produzidas em momento posterior à venda não se encontram abrangidas pela obrigação
de entrega; ainda assim, B. tem direito a estas, não por ser comprador, mas por ser proprietário;
− Para obter as laranjas não colhidas à data da venda, B. poderá recorrer a ação de incumprimento do
contrato (artigo 798.º); quanto às laranjas produzidas após a venda, deverá lançar mão da ação de
reivindicação ou, eventualmente, das ações possessórias;
− Discussão doutrinária relativa à transmissão da posse por constituto possessório, mediante mero efeito
do contrato (artigos 1263.º, alínea c), e 1264.º); tomada de posição fundamentada.

b)
− Discussão doutrinária relativa à aplicação do regime da compra e venda de bens alheios (artigos 892.º
e ss.) às situações nas quais o alienante declara atuar como representante de outrem, mas sem possuir
a legitimidade necessária; tomada de posição fundamentada;
− Estando A. (alienante) de má fé e B. (comprador) de boa fé, apenas este último pode arguir a nulidade
do contrato (artigo 892.º); por sua vez, C. (proprietário) poderá requerer a ineficácia da venda;
− B. tem direito ao pagamento de uma indemnização fundada na nulidade do contrato – interesse
contratual negativo (artigo 898.º) – e na não convalidação do contrato – interesse contratual positivo
(artigo 900.º, n.º 1); importa, todavia, discutir o alcance da limitação do cúmulo de indemnizações por
lucros cessantes (artigo 900.º, n.º 2), conforme sucede no caso das rendas vincendas.

c)
− Qualificação do contrato celebrado C. (dono da obra) e D. (empreiteiro) como empreitada;
− Extinção unilateral ad nutum do contrato por desistência do dono da obra (artigo 1229.º); análise do
escopo da indemnização devida ao empreiteiro: gastos derivados dos materiais e trabalho, acrescidos
do proveito suscetível de ser retirado da execução da obra, que consiste na margem de lucro integral;
− Equacionar o reconhecimento de um direito de retenção do empreiteiro (art. 754.º), com referência à
discussão na doutrina e na jurisprudência; em particular, discutir a questão da sua admissibilidade do
no caso de o dono da obra não ser proprietário do bem.

d)
d1)
− Qualificar o contrato celebrado entre B. (dono da obra) e E. (empreiteiro) como empreitada;
− No silêncio do contrato, os materiais e utensílios necessários à execução da obra devem ser fornecidos
pelo empreiteiro (artigo 1210.º, n.º 1), cabendo-lhe igualmente o dever de guarda e custódia;
− Em caso de perda ou deterioração dos materiais e utensílios ainda não incorporados, por caso fortuito,
o risco deverá ser suportado por E., enquanto proprietário dos mesmos (artigo 796.º, n.º 1).
d2)

− Enquadramento do regime das alterações exigidas pelo dono da obra (artigo 1216.º) como exceção
ao princípio da estabilidade ou intangibilidade dos contratos (artigo 406.º);
− Discussão quanto à verificação os limites quantitativos e qualitativos (artigo 1216.º, n.º 1) ao poder do
dono da obra de determinar alterações unilaterais ao plano convencionado;
− Em caso afirmativo, o empreiteiro fica vinculado a realizar as alterações em questão; possibilidade de
E. exigir um aumento do preço estipulado, correspondente ao acréscimo de despesa e trabalho, e a
um prolongamento do prazo para a execução da obra (artigo 1216.º, n.º 2);
− Tomada de posição fundamentada quanto à qualificação da obra como defeituosa e, por conseguinte,
da admissibilidade recusa da obra por B., após a sua verificação.
Direito dos Contratos I (TAN) | 2.ª Época - Recurso
15 de fevereiro de 2021 | Duração: 90 minutos

Grupo I
Em 10 de janeiro de 2022, Amílcar comprou a Bernardo um quadro de um pintor
português famoso pelo preço de € 8.000, o qual deveria ser pago em 40 prestações mensais
de € 200 cada. A entrega foi feita imediatamente. As partes acordaram ainda que a
propriedade só se transferiria para Amílcar quando o preço fosse integralmente pago.
Responda fundamentadamente às seguintes questões, considerando-as isoladamente:
1) Amílcar não pagou a 24.ª e a 27.ª prestações. O que pode Bernardo fazer? (3 valores)
- Qualificação do contrato como venda a prestações (art.º 934.º ss. CC) com reserva de
propriedade (art.º 409.º CC).
- Menção aos requisitos de aplicação da primeira e segunda partes do art.º 934.º CC.
- Em particular, tomada de posição fundamenta sobre se o não pagamento de mais de um
(duas) prestações inferiores, no seu conjunto, a 1/8 do preço pode fundamentar, à luz da 1.ª
parte do artigo, o direito de resolução do contrato ou, à luz da 2.ª parte do artigo, a perda do
benefício do prazo quanto às demais prestações, tendo em conta o elemento literal (“…uma
só prestação…”) e a reiteração da falta de pagamento e consequente quebra de confiança do
vendedor, por oposição à não verificação do elemento quantitativo correspondente a 1/8 do
preço
- No que respeita à perda do benefício do prazo, mencionar que se trata, segundo a doutrina
e jurisprudência consensuais, de uma hipótese de exigibilidade (fraca) da obrigação e não
de vencimento (automático) de todas as prestações vincendas.
2) A sua resposta à questão anterior alterar-se-ia, se a propriedade se tivesse transferido
logo aquando da celebração do contrato? (3 valores)
- Tomada de posição fundamentada sobre a aplicabilidade do artigo 934.º, 1.ª parte, CC (e
não do artigo 886.º CC) nos casos em que não existe cláusula de reserva de propriedade,
considerando que a não aplicabilidade do artigo 934.º, 1ª parte, nesses casos resultaria numa
situação de maior proteção ao credor/vendedor que não contemple uma cláusula garantística
como a de reserva de propriedade, conferindo-lhe o direito à resolução, desde que seja
afastado pelas partes o regime do art.º 886.º (de teor supletivo), negando-o para o
credor/vendedor que tenha a seu favor uma cláusula de reserva de propriedade, i.e.,
proporcionando um tratamento desigual em desfavor do credor supostamente “mais
protegido” (pela reserva de propriedade), sem qualquer motivo para tal discriminação. De
acordo com a doutrina do Prof. Pedro de Albuquerque, bem como da generalidade da
doutrina, deve assim aplicar-se as restrições ao direito de resolução previstas na 1ª parte do
art.º 934.º mesmo nos casos em que não existe cláusula de reserva de propriedade.
- No caso, de qualquer forma, mesmo o art.º 886.º não permitia a resolução do contrato,
dado não haver convenção em contrário pelas partes e tendo havido logo a entrega e a
transmissão do direito de propriedade.
3) Suponha agora que, após o pagamento da 20.ª prestação, um incêndio deflagrou no
edifício onde Amílcar residia, em virtude de uma fuga de gás, e praticamente todos os
bens de Amílcar foram destruídos, incluindo o quadro. Amílcar recusa-se a pagar mais
prestações. Tem direito a esta recusa? (3 valores)
- Tomada de posição fundamentada sobre a questão da transferência do risco nos contratos
de compra e venda com reserva de propriedade, fazendo referência ao regime do artigo 796.º
do CC, e argumentando se o risco do perecimento do quadro se mantém na esfera jurídica
de B, na qualidade de alienante, ou se se transfere para a esfera jurídica de A, na qualidade
de adquirente, tendo em conta o facto de já ter havido entrega, atendendo aos argumentos
apresentados pela doutrina.
- A transferência do risco de deterioração ou perecimento da coisa para o adquirente (A)
não impede que haja a natural perda da garantia (conferida pela reserva de propriedade sobre
o bem alienado) por parte do alienante (B), embora este não perca o direito à
contraprestação, na sua totalidade.

4) Imagine que o quadro havia sido adquirido numa loja especializada em arte
contemporânea portuguesa. Amílcar acordou levantar o quadro no dia seguinte ao da
compra. No dia seguinte, Amílcar reparou que a moldura do quadro estava partida e
solicitou à loja que trocasse o quadro para outra. No entanto, a loja recusou, com o
argumento de que o estrago tinha sido causado por um assalto feito à loja, já depois de
Amílcar ter comprado o quadro. Quem tem razão? (4 valores)
- Qualificação do contrato como compra e venda de bem de consumo, sujeita ao regime do
DL 84/2021, tendo em conta a natureza de “profissional” da loja vendedora e a natureza de
“consumidor” de A (art.º 2.º, g) e o) e art.º 3.º/1, a) do referido DL).
- Falta de conformidade do bem, nos termos do art.º 6, a), do referido DL.
- Tomada de posição fundamentada sobre se o regime impositivo de um “dever de entrega
dos bens em conformidade” (art.º 5.º e ss. do referido DL) implica um desvio às regras
gerais de transferência de risco estabelecidas no art.º 796.º CC, tendo em conta o
considerando 38) da Diretiva (UE) 2019/771, do Parlamento e do Conselho, de 20 de maio
de 2019 (no sentido de as regras dos EMs sobre risco não serem afetadas), mas também o
facto de a responsabilidade do profissional relativamente à não conformidade do bem tomar
como momento de referência o da entrega (e não a transferência da propriedade) – cf. o art.º
12.º/1 do referido DL.
- Não havendo transferência do risco, estaríamos perante um cumprimento defeituoso, em
que a culpa presumida do vendedor seria ilidível, nos termos gerais (799.º CC), não sendo
a loja responsável.
- Respondendo a loja nos termos do referido DL, mesmo não havendo culpa no assalto
(posterior ao momento da venda, mas anterior ao momento da entrega), o comprador teria
os direitos previstos no art.º 15.º do DL (i. reposição da conformidade, que poderia ser
realizada através da substituição da moldura, ii. redução do preço e iii. resolução do
contrato), os quais obedecem à hierarquia aí estabelecida.
- Referência à desnecessidade de denúncia, ao prazo de 3 anos de responsabilidade desde a
entrega do bem (art.º 12.º/1 do DL), ao prazo de 2 anos da presunção de que a
desconformidade existe desde essa data (art.º 13.º/1 do DL) e ao prazo de caducidade de 2
anos desde a comunicação da desconformidade (art.º 17.º/1 do DL).
Grupo II

2/3
Carolina contratou Daniel, seu amigo e estudante de engenharia, para reparar a
caldeira da sua casa pelo preço de € 100. Daniel, cioso dos segredos da sua “arte”, apesar de
não ser um profissional, exigiu que Carolina não pudesse fiscalizar os trabalhos durante a
sua execução, ao que Carolina acedeu, tendo em conta que a contratação de um canalizador
profissional lhe custaria o dobro do preço.
Uma semana depois de a reparação ter sido concluída, a caldeira deixou de funcionar.
Contactado por Carolina, Daniel informou-a de que tinha iniciado um semestre em Itália, no
âmbito do programa Erasmus, já se encontrando fora do país, pelo que não iria verificar a
caldeira.
Carolina contactou então um canalizador profissional, que a informou de que a
“reparação” efetuada por Daniel havia sido um desastre e que o custo para reparar os estragos
causados ascenderiam a € 900. Farta, Carolina decidiu comprar um esquentador em vez de
reparar a caldeira, mas pretende ser ressarcida por Daniel.
Quid juris? (6 valores)
- Qualificação do contrato entre C e D como empreitada – de reparação – (art.º 1207.º CC),
mencionando os seus elementos essenciais (preço e obra).
- Tomada de posição fundamentada sobre se as partes podem, no âmbito da sua autonomia
privada, afastar a faculdade de fiscalização (art.º 1209.º CC) que assiste ao dono da obra;
referência à essencialidade da fiscalização e à fiscalização enquanto elemento tipológico do
contrato de empreitada. Referência às consequências do afastamento desta faculdade:
nulidade da cláusula (art.º 809.º CC) ou perda do elemento tipológico, com a consequência
de se poder equacionar estarmos perante um outro contrato típico (como a compra e venda
de bem futuro – o que não poderia defender-se no caso, dada a inexistência de transferência
de qualquer coisa ou direito) ou, eventualmente, perante um contrato (de prestação de
serviços) atípico.
- Responsabilidade de D pela existência de defeitos ocultos (art.º 1219.º/1 CC, a contrario)
e direito de A à sua eliminação (art.º 1221.º/1 CC).
- Direito de resolução por parte de C, nos termos do art.º 1222.º CC, mesmo sem necessidade
de interpelação admonitória de D para haja incumprimento definitivo da obrigação de
eliminação dos defeitos, dado que D declarou estar no estrangeiro e que, em consequência,
não cumpriria a sua obrigação de eliminar os defeitos. Eventual referência à possibilidade
de, independentemente do não cumprimento definitivo dessa obrigação, C recorrer a
terceiro e ressarcir-se dos gastos com terceiro como forma de indemnização a exigir a D, de
acordo com a doutrina da Regência, ou mediante urgência na eliminação dos defeitos, de
acordo com jurisprudência consolidada. C direito à indemnização pelo não cumprimento e
pelos danos causados, que poderiam ascender ao montante necessário à reparação da
caldeira (interesse contratual positivo), i.e., € 900, sendo que a indemnização poderá,
logicamente, quedar-se no valor (que se infere ser inferior) do esquentador adquirido por C.

Ponderação Global: 1 valor

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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO DOS CONTRATOS I – TB

19 de julho de 2022
EXAME FINAL. RECURSO

[…] Responda de forma completa, fundada e independente, às seguintes questões:

a) […] Quid juris?


- Explicação completa e fundada do sentido, função e natureza da cláusula de reserva de
propriedade. Implicações daqui resultantes para o caso em apreço. Em princípio, não se trata de
uma exceção ao princípio da transmissão da propriedade por efeito do contrato (sistema do
título), mas apenas de uma dilação dessa transmissão para momento posterior;
- Quanto a D.: pode alienar-se a posição jurídica do comprador com reserva de propriedade
(que era relevante qualificar), que tem conteúdo patrimonial e não está abrangida por qualquer
proibição de disposição pelo seu titular. Pode também tratar-se o bem como bem relativamente
futuro (893.º do CC). Fora desses casos, parece que há venda de bens alheios (892.º do CC);
- Quanto a C.: Depois da venda a D., C. não mantém a plenitude dos poderes de um normal
proprietário, nomeadamente os poderes de alienação. A reserva de propriedade cumpre uma
função de garantia, pelo que se deve entender que C. não tem legitimidade para alienar a coisa.
Consequentemente, tal hipótese deverá ser equiparada à venda de coisa alheia como própria,
sancionando-se tal venda com a nulidade. Logo, F. não tem o direito de reivindicar a propriedade.

b) […] Quem será responsável, perante quem e com que fundamentos, pelas falhas do motor?
- Quanto a C.: eventual responsabilidade face a D., ao abrigo do regime da venda de coisa
defeituosa (913º ss.), que, com eventual pertinência aqui, permite a C. exonerar-se da sua
responsabilidade quanto à reparação ou substituição se provar que desconhecia o defeito (914.º),
Quanto à “remissão” para G., vale o disposto no artigo 800.º, n.º 1 do CC ;
- Quanto a G.: Uma coisa é demandar o C. e outra, diferente, é saber se D. poderia demandar G.,
com quem D. celebrou uma empreitada. Em princípio, sendo a obrigação de G. para com D., aquele
apenas responderia perante D. (406.º/2). Entre G. e o seu empregado não foi celebrada uma
subempreitada;
- Danos circa rem e danos extra rem: discussão da inclusão destes últimos nos regimes
especiais de cumprimento defeituoso da empreitada.

c) […] Quid juris?


- Qualificação completa e fundada do contrato como uma empreitada, pelo qual H. se obrigou
a fazer um fraque para o casamento de D.;
- O artigo 1229.º do CC dispõe que o dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo,
ainda que tenha sido iniciada a execução, contanto que indemnize o empreiteiro dos seus gastos
e trabalho e do proveito que podia tirar da obra. A desistência é, assim, uma faculdade de que
dispõe D., que não tem de ser fundamentada, não carece de pré-aviso, e tem eficácia ex nunc,
embora seja condicionada à indemnização a H. dos “seus gastos e trabalho e do proveito que podia

Cotação: 5 valores cada questão.


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DIREITO DOS CONTRATOS I – TB

19 de julho de 2022
EXAME FINAL. RECURSO

tirar da obra” (1229.º do CC, in fine). Está em causa uma indemnização pelo interesse contratual
positivo, co-envolvendo, além do lucro cessante, os gastos e o custo da atividade desenvolvida.
Visa-se, com a reparação, colocar H. na situação que teria se o contrato tivesse sido cumprido, ou
seja, o que poderia ter obtido no caso de ter concluído a obra acordada.
- Análise e discussão sobre a propriedade do tecido comprado por H.

d) […] Quid iuris?


- Qualificação completa e fundada da questão central como um problema de falta de
pagamento parcial do preço numa venda feita a prestações e com reserva de propriedade a favor
do vendedor. No caso, de duas prestações;
- Como se trata de uma venda cujo preço é pago em prestações (por convenção das partes), o
artigo 934.º do CC estabelece regras específicas sobre as consequências da falta de pagamento de
preço (especial em relação ao artigo 886.º), não sendo é qualquer incumprimento (definitivo)
parcial que permite ao vendedor resolver o contrato;
- Segundo a doutrina maioritária, a falta de duas prestações, independentemente do seu valor,
permite a resolução do contrato ao vendedor, por estar em causa a perda de confiança do
cumprimento do contrato;
- Análise, e tomada de posição, sobre a admissibilidade, ou não, da cláusula do contrato nos
termos da qual o contrato só pode ser resolvido com fundamento no incumprimento de três ou
mais prestações, à luz do disposto no artigo 934.º, in fine, do Código Civil: “sem embargo de
convenção em contrário”. Segundo a doutrina maioritária, o regime do artigo 934.º é imperativo.
Contudo, o fundamento dessa imperatividade é proteger o comprador, em regra a parte mais
fraca do contrato. No caso em análise, a convenção das partes protege ainda mais o comprador
que o regime previsto no artigo 934.º. Logo, a mencionada cláusula parece admissível e, portanto,
C. não poderá resolver o contrato.

Cotação: 5 valores cada questão.


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DIREITO DOS CONTRATOS I – TB

26 de julho de 2022

TÓPICOS

a) […] Quid iuris?


- Qualificação do contrato celebrado como uma compra e venda. Quanto à forma sujeita, sob
pena de nulidade, ao disposto no art. 875.º do CC;
- Concretamente foi celebrada uma venda de coisa determinada sujeita a medição.
Pressupostos de aplicação da figura. Distinção da situação do cumprimento defeituoso e
cumprimento parcial;
- Distinção, na venda sujeita a medição, entre venda por medida (887.º) e venda a corpo (art.
888.º), interpretando, para tanto, o contrato. Os dados da hipótese parecerem obrigar a abrir
sub-hipóteses: se o preço tivesse sido fixado à razão de tanto por unidade (x€/m2, p.e.) seria
aplicável o art. 887.º e consequentemente haveria direito à correção do preço (a exercer no prazo
do art. 890.º); se estivéssemos perante venda a corpo, isso não aconteceria, ex vi art. 888.º/2.

b) […] Quid iuris?


- Qualificação do contrato celebrado entre B. e C. Poderá considerar-se um contrato de
empreitada? Discussão do conceito de “obra” (art. 1207.º); o problema da “obra intelectual”.
Análise e debate sobre a questão, tendo em consideração a posição da regência e a possibilidade
de, ainda que se considere não haver empreitada, aplicar ao contrato algumas regras sobre
cumprimento defeituoso da empreitada, porventura mais adaptadas ao caso do que as regras do
mandato, aplicáveis às prestações de serviços atípicas (art. 1156.º), que não resolvem um
problema desta natureza (defeitos do projeto).
- Sem prescindir, um dos deveres acessórios do empreiteiro é o de avisar o dono da obra de
eventuais defeitos do projeto. Aplicar-se-ia ao não cumprimento desse dever o regime do
cumprimento defeituoso, o que significa, no caso, a aplicação dos prazos de caducidade dos
direitos do dono da obra (art. 1225.º, aplicável por se tratar de dono de obra profissional. B. era
promotor imobiliário). Defendendo-se a aplicação ao contrato de elaboração do projeto o regime
do cumprimento defeituoso da empreitada, os direitos de B. face a C. ainda não teriam caducado
(1224º ou mesmo 1225.º). Analise dos eventuais direitos de B. face a C.

c) […] A quem pode Fernando exigir a reparação? Pode resolver o contrato de compra e
venda do apartamento?
- Identificação de um contrato de compra e venda de coisa defeituosa celebrado entre F. e B.,
regulado pelos arts. 913º e ss. do CC, por se tratar de compra para uso profissional;
- Análise do conceito de defeito e dos eventuais direitos de F. Em princípio, F. pode exigir de
B. a reparação, nos termos do art. 914.º (se cumprir os prazos dos arts. 916.º e 917.º),
presumindo-se a culpa de B, nos termos do art. 799.º. Contudo, B. pode eximir-se da reparação
se provar que desconhecia sem culpa o defeito. Uma vez que foi D. quem construi o prédio e E.
quem colocou o soalho, tal parece admissível de ocorrer. Neste caso, importaria realçar quais os
direitos de F.;
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DIREITO DOS CONTRATOS I – TB

26 de julho de 2022
- Quanto à resolução do contrato (a “anulação” a que o art. 905º se refere), só poderia ocorrer
se o defeito não pudesse ser reparado ou a coisa deixasse de poder cumprir a sua função, já que
a resolução deve entender-se como ultima ratio. Analise dos mecanismos de reação do
comprador de coisa defeituosa e a hierarquia, ou não, dos mesmos;
- Análise da possibilidade de F. demandar D., enquanto empreiteiro. Se ainda estivermos
dentro do respetivo prazo (5 anos), atento o art. 1225º/1, in fine (parece estar-se perante um
defeito grave. Cf. a discussão), F. pode demandar o empreiteiro D., que é sempre responsável
pelos defeitos da prestação dos seus auxiliares – art. 800.º – preenchendo E., tal qualidade.
Discutida na doutrina é a questão de saber se também poderá F. demandar o próprio
subempreiteiro, o que tem sido admitido com base na aplicação do mesmo art. 1225º/1 in fine.

d) […] Quem tem razão?


- Análise e discussão de obrigação de entrega e respetiva extensão, à luz do disposto no art.
882.º/1 e 2.
- Análise e qualificação dos eletrodomésticos como parte integrante ou coisa acessória, e
respetivo regime (regime especial da compra e venda ou regime geral das coisas acessórias,
respetivamente);
- Análise dos eventuais direitos de F. em relação a B.: enquanto credor da obrigação de
entrega; enquanto eventual proprietário dos eletrodomésticos.
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DIREITO DOS CONTRATOS I – TB

9 de junho de 2022 90 minutos

a) […]

Quid iuris

O artigo 317.º/b) estabelece um prazo curto de dois anos de prescrição presuntiva.

Aplicar-se-á este preceito à empreitada?

Debate das diversas posições. Alguma jurisprudência diz corresponder a dívida às dívidas previstas no
preceito a casos que costumam ser pagos em prazo curto e do pagamento não é costume exigir quitação e
além disso correspondem a serviços essenciais à subsistência do credor e a necessidades urgentes do
devedor. Logo, os artigos 316.º e 317.º não seriam aplicáveis à empreitada. Possibilidade de se debater
esta posição considerando que, então, os pequenos empreiteiros deviam estar abrangidos. Possibilidade
de se debater se estes são realmente os pressupostos de que depende o preceito.

b) […]

Pode fazê-lo? Justifique.

Admitindo que o pode, suponha fazer suponha que esses trabalhos sofrem de um vício. Pode B exigir
diretamente a C a correção desses defeitos? E, se não existirem defeitos, pode C pedir diretamente a B o
pagamento do preço dos seus trabalhos, se A não lhe pagar?

Nos termos do artigo 1213.º, corresponde ao “(…) contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o
empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela”. Decorre do
funcionamento da figura geral do subcontrato e do artigo 1213.º/1, ficar o empreiteiro que celebre uma
subempreitada na posição de dono da obra face ao subempreiteiro. Em função do artigo 800.º/1, do
Código Civil o empreiteiro responde, perante o dono da obra, pela totalidade das imperfeições ou falhas
da prestação originados pelo subempreiteiro. O empreiteiro possui simplesmente direito de regresso face
ao subempreiteiro artigo 1226.º

Para saber quando é admissível a admissível a subcontratação em sede de empreitada o preceito de


referência 1213.º/2, que, por sua vez, remete para o artigo 264.º do Código Civil. Na analise do regime
resultante do artigo 264.º e necessário, em primeiro lugar, destrincar substitutos de auxiliares. O artigo
264.º/1 trata dos substitutos do procurador, e apenas admite a substituição se o representado o permitir,
ou se tal faculdade resultar da procuração ou da natureza da relação jurídica em causa. pode afirmar-se
resultar do artigo 264.º poder o empreiteiro celebrar contratos de subempreitada:

(i) se o dono da obra o aceitar,

(ii) se o contrato de base (entre o dono da obra e o empreiteiro) o permitir, ou, na ausência de
autorização expressa ou tacita ou de clausula contratual,

(iii) se isso for necessário para a execução do contrato.

A nossa Doutrina, seguida pela Jurisprudência, tem admitido, porém, a existência de uma espécie de
habilitação tácita (na falta de habilitação expressa) de recurso a subempreiteiros. mesmo se o contrato
não estipula essa habilitação, ela deve ter-se por existente, exceto se se demonstrar ter sido ele celebrado
em função das particulares qualidades do empreiteiro.
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DIREITO DOS CONTRATOS I – TB

9 de junho de 2022 90 minutos

Deve admitir-se, entre dono da obra e subempreiteiro, os direitos decorrentes da possibilidade de


ação sub-rogatória, verificados os respetivos pressupostos (606.º e ss.). Há ainda a possibilidade de as
partes estabelecerem contratualmente a regulação das relações entre o dono da obra e o subempreiteiro.
Mas discute-se o problema de saber se o dono da obra goza, face ao subempreiteiro, de ação direta e vice-
versa. Debate e tomada de posição.

c) […]

Quais os direitos de B.?

Qualificação do contrato celebrado entre A. e B. como empreitada.


Segundo o plano convencionado, A. tinha de instalar, torneiras Montalvani monocomando de parede
com cartucho cerâmico. Assim, em observância do 406.º/1 e do disposto no artigo 1208.º, A. devia
executar a obra em conformidade com o que foi acordado.
Contudo, A. não fez colocando, ao invés, umas torneiras diferentes.
Assim, estamos perante uma alteração ao plano convencionado por iniciativa do empreiteiro, ilícita,
uma vez que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1214.º, n.º 1, do Código Civil, carecia de
autorização do dono da obra. No caso em análise, não só não existiu essa autorização, como o dono da
obra indicou previamente o modelo e tipo de torneira que pretendia.
Nos termos do n.º 2 do artigo 1214.º, a obra alterada sem autorização é havida como defeituosa e, se o
dono da obra a quiser aceitar como foi executada não fica obrigado a qualquer suplemento.
Desconhece-se se B. aceitou a obra conforme executada pelo empreiteiro.
Se B. aceitou a obra de A., impunha-se analisar e desenvolver a questão de saber se A. teria direito, por
eventual interpretação restritiva do artigo 1214.º, n.º 2, partilhada por alguma Doutrina e pela regência, a
indemnização por enriquecimento sem causa. Para tanto seria necessário, por um lado, que a alteração de
A. tivesse resultado numa valorização objetiva da obra (que estará preenchido), sem desvalorizar
subjetivamente a obra, o que se afigura mais discutível de estar preenchido.
Não tendo B. aceite a obra de A., estaremos perante uma hipótese de responsabilidade do empreiteiro,
nos termos do regime dos artigos 1219.º e ss.

De facto, verifica-se uma desconformidade (em sentido amplo) entre a prestação devida e a prestação
efetuada, incluindo a hipótese de a obra representar um aliud relativamente ao negociado, ou uma
redução ou extinção de valor ou utilidade. Noção de vícios, distinção das desconformidades. A
desconformidade, diversamente do vício, não implica um juízo negativo objetivo, de censura sobre a obra
realizada ou os materiais utilizados. Se o empreiteiro, na construção de uma moradia, utiliza torneiras de
modelos totalmente diferentes, de forma injustificada, isso não implica um juízo negativo objetivo de
censura. todas as torneiras satisfazem a sua função. No entanto, há desconformidade, pois, do ponto de
vista estético (e mesmo, limitadamente, do ponto de vista funcional) existe uma disfunção na prestação.
Pertence ao dono da obra a prova da existência dos defeitos, como factos constitutivos do seu direito
(342.º, n.º 1).

Feita essa prova, o empreiteiro deverá provar não se deverem eles ao cumprimento defeituoso da sua
prestação.

Cumprimento defeituoso (ou seja, de defeitos da obra). Artigos 1218.º e seguintes. Não o regime do
cumprimento parcial. Já o defeito corresponde sempre a uma deficiência, um vício qualitativo

Os direitos do dono da obra na eventualidade de cumprimento defeituoso exigem denúncia no prazo


de 30 dias (artigo 1220.º do Código Civil), a contar da data da sua descoberta. Mas há um prazo de
exercício judicial dos direitos do dono da obra, artigos 1224.º e 1225.º 1/2 e 3.

Direito de recusa da obra é, do ponto de vista lógico, o primeiro dos direitos atribuídos ao dono da
obra, apesar de apenas aparecer referido no artigo 1224.º/1. O dever de eliminar os defeitos da prestação
corresponde a uma hipótese de indemnização sob forma específica. Artigo 1221.º, podendo revestir se
necessário a configuração de um dever de realização de obra nova. Mas qualquer um destes direitos
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DIREITO DOS CONTRATOS I – TB

9 de junho de 2022 90 minutos

(eliminação dos defeitos e nova construção) cessa, se as despesas forem desproporcionadas em relação
ao proveito (1221.º/2).

Ao prazo para a eliminação dos defeitos pode o dono da obra fixar prazo razoável. Não sendo
eliminados os defeitos ou construída obra nova pode ter lugar a redução do preço ou resolução.
Consequências da resolução. Indemnização (artigo 1223.º).

II

[…]

A quem pertencem as ações e quais os direitos da parte preterida?

Debate e tomada de posição, fundamentada, sobre se a transmissão de valores mobiliários segue o


sistema do título ou o sistema do título e do modo. Se seguir o sistema do título e do modo as ações são de
Fernando. Bento apenas pode, então, recorrer aos meios associados ao incumprimento do contrato entre
A e B. Se a venda de valores mobiliários seguir o sistema do título as ações são de B e a segunda venda é
uma venda de bens alheios. A segunda venda é nula. Obrigação de restituição a cargo das partes. Estando
ambos de má fé, qualquer um pode suscitar a nulidade do contrato, mas não se aplica nem a obrigação de
convalidação (artigo 897.º), nem qualquer das indemnizações constantes dos artigos 898.º a 900.º. O
regime aplicável será o geral, com relevo para o artigo 570.º do Código Civil.
DIREITO DOS CONTRATOS I – TA

18 de fevereiro 2022 90 minutos

TÓPICOS

a)
- O negócio celebrado entre A. e D. é uma permuta. É elemento essencial da compra e venda
a existência de um preço (artigo 874.º do CC) e, interpretando as declarações negociais de A.
e T., não parece ter existido um preço ou, que o objeto do negócio não foi a transmissão do
direito de propriedade sobre uma coisa por um preço.
- Nos termos do disposto do artigo 939.º do CC, o negócio entre A. e D. segue o regime da
compra e venda, na medida em que seja conforme com a sua natureza e não esteja em
contradição com a permuta.
- Adicionalmente estamos, apesar de A. ser um consumidor e T. um profissional, não parece
que à permuta seja aplicável o disposto no DL n.º 84/2021, de 18 de outubro, tendo em
consideração o disposto no artigo 3.º. Contudo, perante a ausência de regime para estes casos,
poderá suscitar-se a questão da sua aplicação, por analogia.

b)
- Análise e recondução da hipótese a uma permuta de coisa defeituosa sujeita, por
remissão, do artigo 939.º do CC, aos artigos 913.º e ss. Com efeito, ainda que se pudesse
considerar abstratamente aplicável, por analogia, o DL n.º 84/2021, de 18 de outubro, estava
em causa o exercício de direitos do profissional perante o consumidor e não o inverso. Logo,
in casu, este regime não seria de aplicar.
- Estando no âmbito de responsabilidade obrigacional, vale a presunção de culpa prevista
no artigo 799.º do CC. Logo, se A. não tiver culpa, o que parece difícil de ocorrer, caberia a este
lidir tal presunção.
- Quanto à caducidade dos direitos de D., A. não tem razão. A denúncia do defeito, nos
termos do artigo 916.º do CC, conta-se da data da entrega e não da data da celebração do
contrato. Só então, o credor da prestação com defeitos está em condições, de querendo,
certificar-se do cumprimento integral, ou não, da prestação.

c)
- D., perante o cumprimento defeituoso de A., pretende manter o negócio reduzindo o
mesmo. O que, à luz do disposto no artigo 911.º do CC, com as devidas adaptações, por
remissão do 913.º do CC, por sua vez, por remissão do 939.º do CC, parece defensável.
- Pretendendo tal direito, há que analisar em que medida a caducidade prevista no artigo
917.º CC se aplica, ou não, aos demais remédios que a lei atribui ao adquirente de coisa
defeituosa. Designadamente, revelando conhecimento da posição da regência. Com efeito,
este artigo apenas fala da anulação por simples erro, o que parece induzir que os restantes
remédios estão sujeitos ao regime geral da repercussão do tempo nas relações jurídicas.
DIREITO DOS CONTRATOS I – TA

18 de fevereiro 2022 90 minutos

II
- Qualificação do contrato celebrado entre B. e C., analisando o conceito de obra, os seus
pressupostos e a problemática se a obra intelectual pode ser objeto de empreitada (1207.º do
CC). De todo o modo, ainda que se conclua pela existência de uma prestação de serviços
atípicos, há que ponderar, a aplicação, ao invés das regras do mandato (1156.º), da regra da
empreitada.
- Fornecendo o empreiteiro materiais alheios, mas (com reserva de propriedade), haveria
de discutir a possibilidade de estarmos perante uma empreitada onerada e o regime da
mesma.
- Uma vez concluída a obra, de acordo com o plano convencionado (1208.º do CC), as
pretensões de C. não têm fundamento. Não estamos perante uma alteração por iniciativa do
dono da obra, mas perante alteração após a entrega da coisa, sujeita ao regime do artigo
1217.º do CC.
- A recusa de C. em pagar o preço, não tem fundamento. Analise e discussão de um eventual
dever de C. aceitar a obra e efeitos de tal recusa. Designadamente em termos de risco e de
mora.
- Análise dos direitos do credor do preço (B.). B. poderia intentar ação de cumprimento,
acrescida de juros de mora (1207.º do CC, 817.º e 806.º). Eventualmente, tendo B. readquirido
o controlo material do quadro, haveria que analisar a possibilidade, discutida na doutrina, de
existir direito de retenção (754.º do CC).
- A execução da obra contratada, no prazo contratado, pressuponha, pelo seu objeto a
colaboração do credor (C.). Não tendo este colaborado por estar a viajar, o atrasado da obra
do prazo acordado não resultada de uma atuação culposa da B.
Direito dos Contratos I – TB
28/06/2021 90 minutos

Coincidência de Exame Escrito


Grupo I
1-
a) Qualifique o Contrato celebrado entre António e Bernardo. (5 valores)
Tópicos:
O aluno, seguindo a posição do curso, deve qualificar o negócio jurídico como contrato de
empreitada.
Segundo o artigo 1207.º do CC são elementos essenciais do contrato de empreitada a realização de
obra mediante o pagamento de um preço.
Na Doutrina é controverso se o contrato de empreitada abrange a realização de obra intelectual.
Para a Doutrina maioritária, o regime legal do contrato de empreitada é incompatível com a
realização de obra intelectual, particularmente na fiscalização da obra e na responsabilidade por
defeitos.
Não obstante, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03.11.1983, qualificou como
empreitada o contato na qual ficou contratada a realização de um conjunto de 12 programas para
a televisão. Este Arresto considerou essencial a materialização do trabalho intelectual, bastando-
se, no entanto, com a existência de fitas magnéticas onde se encontravam gravados os referidos
programas.
O aluno, ponderando os elementos supra expostos, deve referir que a posição do curso é mais
exigente. Para efeitos de obra, no contrato de empreitada, devem verificar-se três requisitos:
- Materialização da obra intelectual numa coisa concreta, suscetível de aceitação e entrega.
- Produção de um resultado específico e concreto, onde seja possível autonomizar o processo
produtivo e a utilidade própria do resultado alcançado.
- O resultado seja concebido em conformidade com um projeto.
Assim, a realização das presentes traduções mediante o pagamento de um preço corresponde a um
contrato de empreitada.

b) Imagine que as traduções mencionadas prejudicam o Doutoramento de António. Pode


António reagir contra Bernardo? Em caso afirmativo, de que modo e com que fundamento?
(5 valores).

Tópicos:

Após comunicada a conclusão da obra e colocada à disposição do dono de obra, este tem o
encargo/ ónus material de comunicar o resultado ao empreiteiro.
- Previamente à aceitação, cabe ao dono da obra preceder à sua verificação;
- No caso, o dono de obra verificou e aceitou a obra, embora não se tenha apercebido da
existência de defeito.
- Trata-se de um defeito oculto, uma vez que não é detetável, através de um exame diligente,
por quem não seja conhecedor da língua alemã.
- Assim, o dono de obra poderá denunciar os defeitos nos 30 dias seguintes ao descobrimento
dos mesmos, nos termos do artigo 1220.º n.º 1, sem prejuízo do disposto no artigo 1224 n.º
2, 2 ª parte.
- Quanto aos direitos do dono de obra, o aluno deve referir que a resolução do contrato,
aparentemente, só é possível se não forem eliminados os defeitos ou construída nova obra
(ou tal for impossível), nos termos do artigo 1222.º e 1221.º.
- No entanto, tendo a tese de Doutoramento sido entregue, em princípio, o dono da obra não
retiraria qualquer utilidade na eliminação dos defeitos ou realização de nova obra.
- Assim, o aluno poderá considerar que se verifica uma perda objetiva de interesse do credor
na realização da obra sem defeitos, suscetível de legitimar a resolução do contrato.
- Por fim, os danos adicionais sofridos pelo dono de obra seriam ressarcíveis nos termos
gerais, conforme disposto no arts. 1223.º.

2- Aprecie a validade do estipulado entre e as partes e, se for o caso, apresente uma alternativa ao
clausulado, de forma a salvaguardar a sua validade. (5 valores)

Tópicos:
- A compra e venda, enquanto contrato de alienação, pode ser objeto de uma cláusula de reserva da
propriedade, nos termos do artigo 409.º n.º 1.
- Indicar que oponibilidade depende do registo (artigo 409.º n.º 2). Caso contrário, apenas tem
eficácia inter partes;
- Para a resolução do presente caso é essencial que o aluno tome posição quanto à natureza da
compra e venda com reserva de propriedade. Segundo a posição do curso, o vendedor mantém a
propriedade com função de garantia e o comprador é investido numa expectativa real de aquisição.
- Questão controversa é saber se é admitida a reserva da propriedade a favor de terceiro.
- A posição do curso é da não admissibilidade:
- O artigo 409.º prevê: o “alienante reservar para sai propriedade”.
- Em termos lógico-conceptuais, só o proprietário pode reservar para si a propriedade.
- E mais importante, vigora nesta matéria o princípio da tipicidade dos direitos reais.
- Assim, seria de concluir pela invalidade do estipulado.
- Quanto a termos contratuais alternativos, o aluno pode propor a reserva de propriedade a favor
do vendedor, com posterior transmissão da posição jurídica – propriedade limitada à função de
garantia – do vendedor para a instituição de crédito.
- Além disso, pode sugerir que o vendedor reserve a propriedade para si até restituição do capital
mutuado ao financiado.
Grupo II

Comente as seguintes afirmações:

1-
Tópicos:

A resolução, geralmente, tal como a nulidade, tem efeito retractivo, mas nos contratos de execução
continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efetuadas, exceto se entra estas
e a causa de resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas, nos termos do
disposto no artigos 434.º, n.ºs 1 e 2, do CC.

O aluno deveria, no entanto, referir que o contrato de compra e venda, inclusive a venda a
prestações, se qualifica como um contrato de execução instantânea.

Na verdade, na venda a prestações existe somente uma prestação, ainda que a prestação surja
dividida/fracionada.

Na venda a prestações, o fracionamento da prestação apenas tem influência no modo de realização


da prestação, não no seu conteúdo e extensão.

Assim, o aluno deve concluir que a resolução tem efeitos retroativos, nos termos gerais.

2-

Por regra, a execução incide sobre bens do executado, todavia a nomeação à penhora de bem do
próprio exequente poderá ser entendido como uma renúncia tácita à reserva de propriedade.

Ou seja, com a nomeação à penhora do bem sujeito a reserva, a propriedade transmite-se para o
comprador.

Sucede que na alienação de veículo, pode existir registo da cláusula de reserva de propriedade.

Assim, o aluno deve indagar se deve ou não proceder-se ao cancelamento do registo.

Duas respostas são admissíveis:

- Considerar necessário o cancelamento do registo, neste sentido Acórdão de Uniformização


de Jurisprudência n.º 10/2008.

- Aplicação do artigo 824.º do CC e 827.º do CC, para efeito dos referidos preceitos a renúncia
tácita a direito real de garantia é equivalente, em termos normativos, à caducidade do
direito.
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Exame de Direito dos Contratos I
3.º Ano TAN — 12.04.2021
Regência: Prof. Doutor Pedro de Albuquerque

Grupo I

António vendeu a Bernardo por €5000 o seu computador da marca Levelho. O


computador foi entregue e pago em dez prestações iguais de 500€
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:
1) Bernardo não pagou a quinta prestação e António pretende resolver o contrato. Pode? E
se Bernardo faltar ao pagamento de duas prestações? (4 valores)
- Qualificação completa e fundada como contrato de compra e venda a prestações;
- Análise do artigo 934.º CC. Em particular, dever-se-ia discutir se a reserva de
propriedade é requisito de aplicação da primeira parte do artigo 934.º CC e analisar
criticamente o preceito no confronto com o artigo 886.º do CC; deveria ainda questionar-
se e tomar posição fundamentada acerca da imperatividade do preceito.
- Em qualquer caso, a prestação não excedia uma oitava parte do preço. O que significa
que não seria possível constitui B em mora quanto à totalidade das prestações nem,
posteriormente, constituí-lo numa situação de incumprimento definitivo (artigo 934.º, 2.ª
parte); a resposta seria diversa, porém, se B faltasse ao pagamento de duas prestações
— ainda que fosse valorizada a discussão relativa à aplicabilidade do artigo 801.º, n.º 2,
que imporia — caso se tivesse, fundadamente, o preceito como aplicável — a apreciação
da gravidade do incumprimento.
2) Imagine que o computador vendido por António a Bernardo pertencia, afinal, a Carlos.
Carlos pretende saber como reagir. E se o computador tiver sido destruído por Bernardo
num acesso de raiva? (4 valores)
- Qualificação do negócio entre Bruna e Carlos como venda de bens alheios e aplicação
do respetivo regime (nomeadamente explorando as soluções consagradas nos artigos
892.º, 894.º, 895.º, 897.º, 898.º e 900.º);
- Identificação, problematização e tomada de posição fundamentada a propósito da
questão relativa à admissibilidade de o proprietário ter legitimidade para invocar a
nulidade da venda de bens alheios; identificação dos meios de defesa à sua disposição,
nomeadamente à luz do artigo 1311.º CC;
- Tomada de posição fundamentada sobre a solução consagrada no artigo 894.º CC
(quanto à restituição do preço) e quanto à aplicabilidade do artigo 1269.º aos casos em
que o comprador destrói a coisa com culpa.
3) Imagine que o computador vendido por António a Bernardo tinha sido furtado por um
desconhecido antes da celebração do contrato. António e Bernardo convencionaram
que, caso o ladrão não fosse descoberto, o computador nunca seria entregue? Podiam? (2
valores)
- Resposta à questão de saber se a disposição incluída no contrato de compra e venda
relativa à inexistência de uma obrigação do vendedor entregar a coisa é válida e à
questão de saber se a posição se mantém em razão de um furto anterior da coisa
alienada.

Grupo II
Daniel contratou Filipa para proceder à construção de uma moradia. Para tanto, Filipa
devia construir a moradia num dos terrenos constantes do seu portfólio imobiliário.
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:
1) Imediatamente após a celebração do contrato, Daniel prometeu vender a moradia a
Helena pelo valor de €5.000.000,00. Helena exigiu que se incluísse expressamente a
possibilidade de lançar mão da ação de execução específica em caso de incumprimento.
Filipa não construiu o imóvel dentro do prazo convencionado, provocando um atraso
substancial na celebração do contrato definitivo. Quid juris? (4 valores)
- Qualificação completa e fundada como contrato de empreitada (artigo 1207.º);
- Problematização à luz do regime da transmissão da propriedade (artigo 1212.º CC) e
identificação da forma como se transmite a propriedade no caso de esta pertencer ao
empreiteiro (caso não resolvido pelo 1212, n.º 2 do CC); na medida em que ainda não se
tinha verificado a transmissão da propriedade para a esfera do dono da obra, deveria
discutir-se a admissibilidade do contrato promessa de compra e venda de bem alheio e
da inclusão, no respetivo contrato, da previsão de execução específica.
2) Suponha que Filipa havia contratado Guilherme para cuidar da instalação elétrica e que,
durante a execução dos trabalhos, Daniel instruíra Guilherme para fazer a instalação de
forma diversa. Guilherme respondeu que nada alteraria até que Filipa lhe desse
instruções nesse sentido. Daniel, que tentara — sem sucesso — contactar Filipa, disse
então a Guilherme que este lhe tinha de obedecer. Terá razão? E, findo o contrato, pode
Guilherme exigir que Daniel lhe pague diretamente o preço devido? (4 valores).
- Identificação completa e fundada de uma subempreitada (1213.º CC) e respetiva
admissibilidade;
- Deveria discutir-se e tomar posição fundamentada quanto à admissibilidade de ação
direta entre empreiteiro e subempreiteiro. O caso convoca uma análise do problema à
luz do regime das alterações exigidas pelo dono da obra ao subempreiteiro e da questão
de saber se o subempreiteiro pode exigir o pagamento do preço ao subempreiteiro.

Duração: 90 minutos

Apreciação global: 2 valores


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Exame de Direito dos Contratos I – Época de Finalistas
3.º Ano (TAN) – 10.09.2021
Regência: Prof. Doutor Pedro de Albuquerque

Grupo I

A sociedade Arquitetos & Designers, Lda (A&D) pagou € 3.000 a uma fábrica de
tapeçarias artesanais em troca da produção de três tapetes com as dimensões e os desenhos
indicados pela A&D. Ficou acordado que os tapetes seriam entregues no prazo de 60 dias.
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:
1) Um dia antes da entrega dos tapetes, já totalmente finalizados, a fábrica de tapeçarias
sofre um incêndio. Os três tapetes ficam destruídos. Em consequência, a A&D exige a
devolução do preço, mas o departamento jurídico da fábrica envia uma carta à A&D a
recusar essa pretensão, alegando que o contrato celebrado entre as partes configurava uma
“venda de bens futuros”, cujo risco se havia transferido aquando da conclusão dos tapetes.
Terá razão? (4 valores)
- Distinção entre venda de bens futuros e empreitada. Qualificação do contrato entre a A&D e a
fábrica como um contrato de empreitada, com os seus dois elementos essenciais (prestações
principais de realização de obra e de pagamento do preço) – 1207.º CC. A produção e entrega dos
tapetes em conformidade com as indicações da A&D cumpre os requisitos para se considerar a
natureza dessa prestação como “obra”: (i) resultado exteriorizável numa coisa concreta, corpórea,
suscetível de entrega e aceitação, (ii) resultado específico e concreto (ou seja, pode ser separado
do processo produtivo, do modo de realização e atividade e conteúdo espiritual, se se quiser se
ele próprio assumir a relevância de um significado ou utilidade própria desligada da atividade que
esteve na sua origem mesmo se consistir numa coisa incorpórea), (iii) resultado concebido e
alcançado de acordo com um projeto (as indicações da A&D).
- Aplicação do 1212.º/1, 1ª parte CC: ainda não tinha havido aceitação da obra, portanto risco
corre por conta da empreiteira (fábrica).
- Consequências do não cumprimento, dentro do prazo fixado, pela fábrica a obrigação de entregar
a obra: constituição em mora (805.º/2, a) CC); requisitos do incumprimento definitivo
(interpelação admonitória – 808.º/1 CC), do qual resulta o direito de resolução do contrato e
concomitante pedido de devolução do preço.
2) Dezoito meses após a entrega dos tapetes, a A&D apresenta uma reclamação junto da
fábrica de tapeçarias com o fundamento de que todos eles haviam começado a desfiar
bastante, pretendendo uma devolução parcial do preço, no valor de € 1.000. (4 valores)
- Existência de defeitos ocultos, pelos quais empreiteira é responsável (1208.º e 1219.º CC). Dono
da obra tem o ónus de demonstrar que defeito é imputável à empreiteira, não resultando da sua
má ou descuidada utilização (estado dos tapetes, etc.).
- Requisitos do direito à redução do preço (1222.º/1 CC), subsidiário em face do direito à
eliminação dos defeitos e à construção de nova obra (que cessam em caso de
desproporcionalidade entre as despesas e o proveito deles resultantes, como aparenta ser o caso –
1221.º/2 CC).
- Prazo para denúncia dos defeitos: 30 dias desde o descobrimento (1220.º/1 CC). Prazo de
caducidade de 1 ano desde a denúncia, desde que não superior a 2 anos desde a entrega da obra
(prazo respeitado).
3) A sua resposta à questão 2) seria diferente se o adquirente dos tapetes, em vez da A&D,
fosse Bernardo, que pretendera os tapetes para decorar a sua casa? (3 valores)
- Estaríamos, neste caso, perante uma empreitada de bens de consumo, regulada pelo DL n.º
67/2003, de 8 de abril (1.º-A/2 e 1.º-B, a), b) e c) do referido DL). Tratando-se de bens (tapetes)
entregues no âmbito da empreitada, não se colocam aqui as questões controvertidas quanto à
aplicabilidade do referido DL às empreitadas celebradas com consumidores em que estejam em
causa os chamados bens “extra rem” (nomeadamente, nas empreitadas de reparação) ou às
empreitadas de onde não resulte a entrega ou incorporação de nenhum bem (máxime, empreitadas
de demolição).
- Existência de desconformidade com o contrato, nos termos do 2.º/2, d) do referido DL, pela
qual empreiteira é responsável (3.º/1 do referido DL).
- Presunção de que desconformidade já existia à data da entrega dos tapetes (3.º/2 do referido
DL), a qual inexiste no âmbito da empreitada civil.
- Tomada de posição fundamentada sobre a existência de hierarquia dos meios de reação previstos
no artigo 4.º/1 do referido DL, atendendo às posições doutrinárias e jurisprudenciais existentes,
nomeadamente à luz do n.º 5 do mesmo artigo e do regime previsto na Diretiva n.º 1999/44/CE,
do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio.
- Prazo para denúncia: 2 meses desde o descobrimento (5.º-A/2 do referido DL). Prazo de
caducidade de 2 anos (5.º/1 ex vi 5.º-A/1 do referido DL).
Grupo II

Carlos comprou a Daniela uma bicicleta pelo preço de € 1.500. O preço seria pago em
dez prestações mensais de € 150 cada. Ficou ainda acordado que Daniela poderia resolver o
contrato por falta de pagamento de qualquer prestação.
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:

1) Carlos não pagou a sexta prestação. Daniela pretende resolver o contrato. Pode fazê-lo?
(3 valores)

- Tomada de posição fundamentada sobre (in)validade da cláusula resolutiva a favor de Daniela


perante o não cumprimento de prestação de valor inferior a 1/8 do preço, à luz da imperatividade
ou supletividade do artigo 934.º, 1.ª parte CC e da sua aplicabilidade num contrato sem reserva
de propriedade (em vez da aplicação do artigo 886.º, de teor supletivo).

2) Suponha que Carlos havia adquirido a bicicleta a Daniela sob reserva de propriedade.
Após o pagamento da terceira prestação, Carlos vende a motocicleta a Eduardo,
omitindo a existência da reserva. Carlos nunca mais paga nenhuma prestação a Daniela,
que resolve o contrato entre ambos e exige de Eduardo a entrega da motocicleta.
Eduardo recusa entregá-la, por considerar que a reserva de propriedade não lhe é
oponível. Quid juris? (4 valores)
- Carlos constitui-se em mora relativamente às quarta e seguintes prestações (805.º/2, a) CC).
Decorrido o prazo razoável previsto em interpelação admonitória (808.º/1 CC), Carlos entra em
incumprimento definitivo e Daniela pode resolver o contrato.

- Tomada de posição fundamentada sobre a (in)oponibilidade da cláusula de reserva de


propriedade sobre coisa móvel não sujeita a registo, referindo os argumentos da posição
minoritária de ROMANO MARTINEZ no sentido da proteção do terceiro de boa fé (Eduardo) e
os argumentos da doutrina maioritária no sentido da oponibilidade da reserva, o que permite a
Daniela reivindicar a bicicleta de Eduardo.

- Sendo a cláusula de reserva de propriedade oponível a Eduardo, estamos perante uma venda de
bens alheios (892.º e 904.º CC): requisitos e regime aplicável, nomeadamente referência aos
direitos de Eduardo: direito à convalidação do negócio (897.º CC), indemnização por dolo (898.º),
indemnização por incumprimento da obrigação de convalidar o contrato (900.º).

Duração: 90 minutos

Apreciação global: 2 valores


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Exame de Direito dos Contratos I – 3.º Ano TAN (09.04.2021)
Regência: Prof. Doutor Pedro de Albuquerque

Grupo I

Ana, amiga de Bruna, outorga a esta uma procuração conferindo-lhe poderes de


representação para vender a sua bicicleta por € 1.500. Bruna encontra-se com Carlos e vende-lhe
a bicicleta por € 1.500, mas fá-lo em nome e por conta própria, ficando com o dinheiro da venda
para si. Dias depois, Carlos telefona a Bruna para a informar de que a corrente da bicicleta fica
presa constantemente entre o quadro e a coroa e que, por isso, pretende que Bruna proceda à sua
reparação. Bruna responde-lhe que a bicicleta estava em perfeitas condições quando foi entregue
a Carlos, motivo pelo qual não teria de fazer nada.

Considere cada uma das seguintes hipóteses:

a) Perante a resposta de Beatriz, Carlos intenta uma ação judicial para obter a
reparação da bicicleta. Além do argumento já invocado, Beatriz acrescenta que a
bicicleta nem sequer lhe pertencia e que, portanto, a venda era nula. Quid juris? (5
valores)
- Qualificação do negócio entre Bruna e Carlos como venda de bens alheios e aplicação do
respetivo regime, nomeadamente:
1) verificação dos requisitos (artigos 892.º e 904.º CC); particularmente quanto ao requisito
da falta de legitimidade: embora Bruna dispusesse de procuração outorgando-lhe poderes
de representação para vender a bicicleta de Ana, tal não lhe conferia legitimidade para a
vender em nome próprio (mas apenas legitimidade para atuar no âmbito da esfera jurídica
de Ana, em nome desta, diferentemente do que veio a suceder no negócio com Carlos); em
consequência, o negócio entre Bruna e Carlos padece da nulidade atípica regulada nos
artigos 892.º ss.
2) uma das especificidades da nulidade atípica da venda de bens alheios respeita ao regime
de arguição e oponibilidade: Bruna, vendedora, não pode opor a invalidade ao comprador
de boa fé, Carlos (artigos 892.º, 2.ª parte)
3) referência aos direitos de Carlos (em particular, à indemnização prevista no artigo 898.º) e
às obrigações de Bruna (em particular, à de convalidação, prevista no artigo 897.º).

- Qualificação do negócio entre Bruna e Carlos como venda de coisa defeituosa e aplicação do
respetivo regime, nomeadamente:
1) verificação dos requisitos (artigo 913.º):
a. existência de “vício” material do bem vendido, o qual lhe retira as qualidades
necessárias para a realização do fim a que se destina (locomoção);
b. tomada de posição fundamentada sobre a necessidade de haver erro, enquanto falsa
perceção da realidade (quanto à existência do defeito da bicicleta), à data da
celebração do contrato, e de se verificarem os respetivos requisitos (essencialidade
do elemento sobre o qual incidia o erro e respetiva cognoscibilidade, nos termos do
artigo 247.º ex vi artigo 251.º), por remissão do artigo 905.º, ex vi artigo 913.º, para
que se apliquem os mecanismos de reação ao dispor do comprador ao abrigo do
regime da venda de coisas, nomeadamente o direito à reparação e substituição
previstos no art.º 914.º; atender, em particular, ao art.º 918.º e à inexistência de um
“regime geral” do cumprimento defeituoso, o qual deverá ser construído através
das “manifestações” desse tipo de não-cumprimento consagradas, de forma isolada,
ao longo do Código Civil, entre as quais se encontra o regime da venda de coisas
defeituosas;
2) ónus de denunciar o defeito no prazo de 30 dias após o seu descobrimento e dentro de 6
meses após a entrega, salvo dolo do vendedor (artigo 916.º, n.ºs 1 e 2);
3) referência à caducidade da ação nos termos do artigo 917.º;
4) referência aos direitos de Carlos à reparação e, caso tal não fosse possível, à substituição
da bicicleta, dada a sua natureza fungível, ao abrigo do artigo 914.º, 1.ª parte, bem como ao direito
à indemnização prevista no artigo 898.º, ex vi artigo 913.º.

b) Suponha que Beatriz tinha vendido a bicicleta a Carlos € 1.500, a pagar em dez
prestações mensais de € 100 cada, ficando convencionado que o incumprimento de
qualquer prestação conferiria a Beatriz o direito de resolver o contrato. Perante o
atraso no pagamento da quinta prestação, Beatriz pretende resolver o contrato.
Pode fazê-lo? (5 valores)

- Qualificação do negócio como venda a prestações.


- Tomada de posição fundamentada sobre:
(i) a aplicabilidade do artigo 934.º, 1.ª parte (e não do artigo 886.º, de teor supletivo) nos
casos em que não existe cláusula de reserva de propriedade, considerando que a não aplicabilidade
do artigo 934.º, 1ª parte, nesses casos resultaria numa situação de maior proteção ao
credor/vendedor que não contemple uma cláusula garantística como a de reserva de propriedade,
conferindo-lhe o direito à resolução, negando-o para o credor/vendedor que tenha a seu favor uma
cláusula de reserva de propriedade, i.e., proporcionando um tratamento desigual em desfavor do
credor supostamente “mais protegido” (pela reserva de propriedade), sem qualquer motivo para
tal discriminação. De acordo com a doutrina do Prof. Pedro de Albuquerque, bem como da
generalidade da doutrina, deve assim aplicar-se as restrições ao direito de resolução previstas na
1ª parte do art.º 934.º mesmo nos casos em que não existe cláusula de reserva de propriedade;
(ii) a imperatividade/supletividade do artigo 934.º, 1.ª parte, tendo em conta a ambiguidade
da expressão “sem embargo de convenção em contrário”, inserida no final da 2ª parte do artigo,
atendendo a que a larga maioria da doutrina e jurisprudência defende a respetiva imperatividade,
por se entender que a norma visa proteger o comprador dos “perigos e seduções” da venda a
prestações e deve, por isso, ser imposta a ambas as partes sem possibilidade de estipulação em
contrário.

c) A sua resposta à questão anterior seria diferente se houvesse cláusula de reserva de


propriedade? E se o negócio estipulasse que a entrega só seria efetuada após o
pagamento integral do preço? (2 valores)
- Havendo cláusula de reserva de propriedade, não se suscitava a questão da eventual aplicação do
artigo 886.º, aplicando-se, sem dúvida, as restrições ao direito de resolução do credor previstas no
artigo 934.º, 1.ª parte, mantendo-se apenas a questão referida na alínea anterior relativamente à
imperatividade/supletividade da norma.
- Não havendo ainda entrega, é controvertido na doutrina e na jurisprudência se as restrições quanto
ao valor da(s) prestação(ões) em falta (mais de 1/8 do preço) se aplicam no que respeita à perda
do benefício do prazo, prevista na 2.ª parte do artigo 934.º, mas é unânime que é necessário ter
havido entrega para que tais restrições se apliquem para que se constitua o direito de resolução do
contrato pelo vendedor, a qual acarreta as consequências “drásticas” inerentes à extinção
(retroativa) do contrato, pelo que se justifica plenamente que tal direito apenas possa surgir se já
tiver havido entrega.

Grupo II

A sociedade “Dominó” contratou Ernesto para efetuar obras de remodelação geral da sua
loja pelo preço de € 15.000. Uma semana depois da conclusão e entrega da obra, a “Dominó”
informou Ernesto da existência de defeitos na instalação elétrica, exigindo-lhe a sua reparação.
Ernesto recusou-se a proceder a tal reparação com dois argumentos: i) a partir da aceitação da obra,
na semana anterior, o contrato de empreitada havia-se “esgotado” e o dono da obra não podia
exigir mais nada ao empreiteiro; ii) a instalação elétrica fora efetuada por Francisco,
subempreiteiro, pelo que Ernesto não poderia ser responsável por eventuais defeitos a ela
inerentes. Quid juris?
(8 valores)

- Contrato de empreitada entre a sociedade “Dominó” e Ernesto (artigo 1207.º), referente a coisa
imóvel, com estabelecimento de preço global.
- Ernesto, empreiteiro, tem a obrigação de executar a obra sem vícios e defeitos, de acordo com o
convencionado e as legis artis do seu ofício (artigo 1208.º).
- O primeiro argumento invocado por Ernesto corresponde a uma afirmação falsa, pois a aceitação
da obra sem reservas pelo dono da obra, bem como a sua não verificação – conducente à respetiva
aceitação ficta (artigo 1218.º, n.º 1) – não exoneram o empreiteiro de responsabilidade por todos
os defeitos da obra, mas apenas pelo defeitos que fossem do conhecimento do dono da obra (artigo
1219.º, n.º 1), presumindo-se tal conhecimento no caso dos defeitos aparentes (artigo 1219.º, n.º
2), mas não no caso dos defeitos ocultos, como, à partida, será o caso dos defeitos na instalação
elétrica.
- O segundo argumento invocado por Ernesto também não é procedente, uma vez que a
subempreitada (artigo 1213.º) – a qual é lícita, mesmo sem autorização do dono da obra, desde que
esta seja de natureza fungível, nos termos do artigo 264.º, n.º 1, mutatis mutandis – não exonera o
empreiteiro da responsabilidade por todos os defeitos ocultos que não sejam conhecidos pelo dono
da obra à data da aceitação, nos termos do artigo 1219.º, tratando-se de um contrato do qual o dono
da obra não é parte; o empreiteiro pode, no entanto, exigir o direito de regresso ao subempreiteiro
pelos danos por que tenha de responder perante o dono da obra, desde que respeitado o prazo de
denúncia previsto no artigo 1226.º, respondendo, nesse caso, o subempreiteiro perante o
empreiteiro nos termos gerais, i.e., do artigo 1219.º ss..
- Assim, tendo efetuado a denúncia dentro dos prazos previstos nos artigos 1225.º, n.ºs 1, 2 e 3
(cinco, a sociedade “Dominó” tem o direito à eliminação dos defeitos (artigo 1221.º) e, não
havendo essa eliminação, à redução do preço (artigo 1222.º), os quais são cumuláveis com o direito
à indemnização (artigo 1223.º). Pareceria excessivo, contudo, o recurso à resolução do contrato,
dado que a instalação elétrica corresponde apenas a uma parte da obra, não se podendo, portanto,
considerar que (toda) a obra será “inadequada ao fim a que se destina” em virtude dos defeitos.

Duração: 90 minutos
Exame de contratos I

Turma da noite

01-02-2021

a) A e B celebram um contrato de compra e venda, tendo este adquirido o automóvel X,


sob reserva de propriedade, pagando 20 prestações mensais de 500 €. B não pagou a
sétima prestação. Pode A exigir antecipadamente as restantes prestações? E se não tivesse
havido entrega? E pode resolver o contrato, mesmo se não tivesse sido acordada a reserva
de propriedade? (4 valores)

- Qualificação do negócio como venda a prestações com reserva de propriedade (artigos


409.º e 934.º CC).

- Havendo entrega, a 2ª parte do art.º 934.º não permite a perda do benefício do prazo por
falta de pagamento de uma prestação correspondente a montante inferior a 1/8 do preço
(no caso, 1/20).

- Se não tivesse sido acordada a cláusula de reserva de propriedade, discute-se se seria


aplicável o art.º 886.º, que permite a resolução do contrato no caso de ainda não ter havido
transmissão da propriedade ou entrega da coisa, em vez da 1ª parte do art.º 934.º, que
parece pressupor, na sua letra, a existência de cláusula de reserva de propriedade. No
entanto, tal solução conferiria uma maior proteção ao credor/vendedor que não
contemplou uma cláusula garantística como a de reserva de propriedade, conferindo-lhe
o direito à resolução, negado para o credor/vendedor que tem a seu favor uma cláusula de
reserva de propriedade, o que se consistiria num tratamento desigual em desfavor do
credor supostamente “mais protegido” (pela reserva de propriedade), sem qualquer
motivo para tal discriminação. De acordo com a doutrina do Prof. Pedro de Albuquerque,
bem como da generalidade da doutrina, deve-se assim aplicar as restrições ao direito de
resolução previstas na 1ª parte do art.º 934.º mesmo nos casos em que não existe cláusula
de reserva de propriedade.

b) B vendeu a C, na pendência do contrato celebrado com A, o automóvel X que adquirira


sob reserva de propriedade. O que pode A fazer? E C, como se pode defender? E se o
automóvel X tivesse ficado totalmente destruído num acidente em que C seguia em
excesso de velocidade? (6 valores)
- Venda de bens alheios (artigos 892.º e 904.º CC).

- Existe oponibilidade da cláusula de reserva de propriedade a terceiros (C), desde que


haja registo da mesma (409.º/2 CC), dado que o automóvel é um bem móvel sujeito a
registo. Logo, A pode reivindicar a propriedade sobre o bem ou arguir a nulidade do
negócio, nos termos do art.º 892.º CC. Restaria a C, portanto, invocar os direitos
conferidos nos art.ºs 894.º e ss.

- Aplicação fundamentada do art.º 894.º, n.ºs 1 e 2 CC, quanto à destruição do automóvel


por C, que pode exigir a devolução do preço nesses termos.

- Em todo o caso, o risco de perda da coisa nunca deveria correr por conta de A (vendedor
inicial, com reserva de propriedade), após a entrega do automóvel a B. Exposição e
tomada de posição justificada relativamente às teses que sustentam que o risco corra por
conta do adquirente nestes casos.

II

a) Imagine que a correia de distribuição do automóvel X, comprado sob reserva de


propriedade por B se apresentava já desgastada, partindo-se 5 meses depois. O que pode
B fazer, tendo em consideração que este associa agora o resultado ao preço
consideravelmente mais baixo que pagou pelo automóvel X? Imagine que B colocou o
automóvel no mecânico D. B não pagou a A nem a D. D recusa-se a entregar o automóvel
até que seja pago. Quid juris? (6 valores)

- Aplicação do regime da venda de coisas defeituosas: pressupostos (artigos 905.º ex vi


913.º CC) e consequências (direito à reparação ou substituição e direito à indemnização).
Consequências da possível existência de dolo, a nível da denúncia (art.º 916.º/1) e da
indemnização (art.º 908.º ex vi art.º 913.º).

- Contrato de empreitada de reparação entre B e D (art.º 1207.º).

- Tomada de posição fundamentada quanto à existência de um direito de retenção a favor


de D sobre um bem cuja propriedade pertence a terceiro (A).
b) E celebrou com F um contrato nos termos do qual este se obrigou a reparar o imóvel
Z. Preocupado com o andamento da obra E ordena que F execute os trabalhos mais
rapidamente, dando ainda outras instruções técnicas a F. Pode? Imagine que E se
apercebeu da existência de defeitos durante a execução, que comunicou a F no momento
da aceitação. F recusa-se a eliminar os defeitos. Quid juris? (4 valores)

- Contrato de empreitada de reparação entre E e F (art.º 1207.º).

- Tomada de posição sobre a possibilidade de o dono da obra dar ordens ao empreiteiro,


que à partida extravasa o direito à fiscalização e a dar instruções e em face da autonomia
técnica do último (salvo casos limite indicados na doutrina e jurisprudência).

- Tomada de posição justificada quanto à possibilidade de o empreiteiro ser responsável


por defeitos denunciados aquando da verificação da obra, quando o dono da obra tomou
deles conhecimento (efetivo) durante a respetiva execução. A doutrina tradicional (por
exemplo, Prof. Menezes Leitão) entende que o empreiteiro não é responsável por tais
defeitos, salvo se houver concordância expressa da parte do dono da obra com tais
defeitos, nos termos conjugados dos art.ºs 1209.º/2 e 1219.º CC. O Prof. Pedro de
Albuquequer entende, por outro lado, que o art.º 1209.º/2 apenas se reporta às situações
de aparência ou notoriedade dos defeitos, não se devendo exigir tal concordância expressa
nos casos em que o dono da obra tem conhecimento efetivo dos defeitos, pois em tal caso
existe dolo, o qual não deverá ser premiado através da responsabilização do empreiteiro.
Exame de contratos I

Turma da noite

19-01-2021

a) A e B celebram um contrato de compra e venda das ações da sociedade X. Não fixam


logo o preço, incumbindo C de o fazer segundo determinados critérios. C não respeita
esses critérios prejudicando seriamente A. O que pode este fazer? E o que poderia fazer
se o preço devesse ser fixado segundo a equidade? E se o preço tivesse sido deixado ao
arbítrio de C? Neste último caso mudava alguma coisa se tivesse havido dolo de C? (5
valores)

- O preço enquanto elemento essencial do contrato de compra e venda (art.º 874.º CC),
mas que pode estar indeterminado.

- A determinação do preço foi incumbida a terceiro (C), segundo determinados critérios


contratualmente estabelecidos, nos termos do art.º 400.º/1, não se aplicando assim os
critérios supletivos previstos no art.º 883.º/1 CC. Perante a violação por C dos critérios
contratualmente previstos na determinação do preço, deverá aplicar-se o n.º 2 do art.º 400
CC, embora este apenas preveja expressamente as situações em que a determinação do
preço não puder ser feita ou não tiver sido feito no tempo devido (e não a situação do
caso, em que houve determinação, feita incorretamente), uma vez que esta disposição
visa abranger qualquer perturbação ou incorreção no processo de determinação do preço
para a qual as partes não tenham elas próprias previsto uma saída autónoma (e não apenas
nos dois casos expressamente previstos na sua letra), sendo assim desnecessário o recurso
à integração de lacunas por analogia. Assim, pode A requerer a determinação do preço
por tribunal. Possível referência à posição que defende a aplicação do n.º 2 do art.º 400.º
CC no seguimento de impugnação da determinação do preço feita incorretamente, só
então podendo ser efetuada pelo tribunal nos termos dessa disposição.

- Se a determinação do preço devesse ser feita segundo juízos de equidade, aplicar-se-ia


a mesma solução e argumentação do parágrafo anterior, uma vez que, pois a determinação
do preço não fica sujeita ao arbítrio de C, devendo ser resultado efetivamente da aplicação
de um juízo de equidade, sindicável judicialmente, não dispondo C de um poder de
criação jurídica ou constitutivo, mas apenas de um poder de fixação de declaração ou
conformador, que deve respeitar o critério a que se encontra adstrito (equidade).

- Se o preço tivesse sido deixado ao arbítrio de C e o resultado fosse manifestamente


injusto, essa determinação deveria ser respeitada, até pelo caráter tendencialmente intuitu
personae da escolha do terceiro. A determinação do preço não seria sindicável
judicialmente, tal como não se poderia o tribunal substituir a C na determinação, se C não
a tivesse efetuado (solução prevista expressamente para a compra e venda comercial: §
único do art.º 466.º CCom).

- Se C tiver efetuado a determinação com dolo, visando prejudicar A, essa determinação


poderá ser, apesar da tendencial insindicabilidade da determinação de preço deixada ao
arbítrio de uma das partes ou de terceiro, sindicável por tribunal, devendo o contrato ficar
sem efeito, se não houver nova determinação por C ou as partes não acordarem numa
nova forma de determinação.

b) A vende a B um quadro de Malhoa por 500.000 euros. Para o caso de o comprador


entrar em incumprimento definitivo as partes fixam uma cláusula penal de 260.000 euros.
B entra de facto em incumprimento definitivo. A pretende exigir-lhe a manutenção do
contrato e o pagamento do preço assim como o pagamento da cláusula penal. Pode fazê-
lo? (6 valores)

- O contrato de compra e venda contempla uma cláusula penal compensatória (i.e., para
o caso de incumprimento definitivo, não aplicável em caso de mera mora).

- Não se aplica o art.º 935.º CC por não estarmos perante uma venda a prestações. Aplica-
se o regime geral previsto nos art.ºs 810.º a 812.º CC.

- A resolução do caso pressupõe a tomada de posição sobre a natureza da cláusula penal,


enquanto caracterizada por uma “dupla função” (indemnizatória e compulsória) ou por
uma função única – que pode ser meramente indemnizatória (liquidação antecipada de
danos), compulsória (pena acresce ao cumprimento e à indemnização) ou penal stricto
sensu (geradora de uma obrigação com faculdade alternativa, que permite ao credor exigir
a prestação principal ou, em alternativa, a pena prevista). Com efeito, um setor da doutrina
(v.g., PINTO MONTEIRO, MENEZES CORDEIRO, PEDRO DE ALBUQUERQUE,
MENEZES LEITÃO) entende que a proibição de cumulação prevista no art.º 811.º/1 não
se aplica no caso de a cláusula penal ter natureza compulsória ou penal stricto sensu;
estaria assim o credor obrigado a resolver o contrato, se quisesse beneficiar da cláusula
penal, apenas no caso de se tratar de uma cláusula penal indemnizatória (o que também é
defendido por alguma doutrina, como PEDRO DE ALBUQUERQUE, com respeito ao
art.º 935.º CC).

- Tratando-se de uma cláusula penal de valor inferior ao preço, deverá afastar-se a


qualificação como cláusula penal stricto sensu, dado que não faria sentido o credor optar,
em detrimento do cumprimento coercivo da obrigação de pagamento do preço, por uma
pena de montante inferior a esse preço. Para quem entenda que se deve então presumir,
com base no n.º 2 do art.º 811.º CC, a existência de uma cláusula penal indemnizatória,
aplicar-se-á a proibição de cumulação prevista no n.º 1 do art.º 811.º CC. Mesmo se se
tratasse de uma cláusula penal compulsória, poderia haver redução equitativa da cláusula
penal, nos termos do art.º 812.º CC, nomeadamente no caso de os danos sofridos serem
inexistentes ou insignificantes.

II

a) A, empreiteiro, obriga-se para com B a realizar a construção de uma casa num pântano.
No contrato não é fixado prazo para a sua realização. Passados dois anos B impacienta-
se e pretende demandar A por incumprimento do pactuado. A defende-se dizendo: i)
nunca tinha realizado a construção de uma casa num pântano; ii) não há prazo
estabelecido. Quid iuris? (valores 5)

- Estamos perante um contrato de empreitada de (nova) construção de imóvel (art.º 1207.º


CC).

- Quanto ao primeiro argumento invocado por A, importa referir que o empreiteiro deve
realizar as obras as cumprindo as regras da arte e todas as outras necessárias para se poder
afirmar haver um cumprimento conforme com o interesse do dono da obra, por exemplo,
regulamentos urbanísticos e outras normas administrativas (art.º 1208.º CC e também art.º
1215.º CC). No silêncio do contrato, o padrão de diligência a que o empreiteiro está
sujeito corresponde ao fixado nas regras da arte objetivamente consideradas, devendo o
empreiteiro conhecê-las: a obrigação do empreiteiro é uma obrigação de resultado. É,
pois, irrelevante que A não as conheça ou não consiga cumpri-las por não dispor, por
exemplo, de meios técnicos ou de pessoal qualificado na sua estrutura empresarial.
Embora o empreiteiro não seja, em regra, obrigado a dominar as técnicas “de ponta”, a
própria natureza da obra a realizar pode suscitar padrões mais exigentes na qualidade
construtiva, como no presente caso em que a obra consiste na construção de um imóvel
em local onde se verificam condições de solo e clima onde a construção é particularmente
difícil. A não pode, assim, invocar tais condições para reclamar um grau de diligência
mediano no cumprimento – muito menos exonerar-se invocando a impossibilidade ou
excessiva onerosidade do cumprimento da sua obrigação.

- Quanto ao segundo argumento invocado por A, é certo que o prazo de cumprimento não
se encontra na total disponibilidade do dono da obra. A obrigação de realizar uma obra é
um exemplo clássico das chamadas obrigações de prazo natural, previstas no n.º 2 do
artigo 777.º CC (e não um caso de obrigação pura, em que o devedor entra em mora com
a interpelação). O n.º 2 do artigo 777.º CC dispõe que, se for necessário fixar um prazo
para o cumprimento, não havendo acordo das partes, deve essa fixação ser deferida ao
tribunal. No entanto, pode defender-se, como faz PEDRO DE ALBUQUERQUE, que o
deferimento ao tribunal da fixação do prazo não se justifica, se o dono da obra fixar um
prazo tecnicamente razoável para a execução da obra. Nesse caso, pode o empreiteiro
discutir em juízo a razoabilidade do prazo fixado pelo dono da obra. Mas se o dono da
obra vier a ganhar a disputa judicial (entendendo o tribunal ser o prazo por ele fixado de
facto sensato e ponderado), os efeitos da mora reportam-se ao momento do não
cumprimento do prazo inicialmente fixado. Evita-se, assim, fomentar a inércia do
empreiteiro durante todo o tempo tomado pelo tribunal para se pronunciar sobre o prazo
razoável. É esta também a solução consensualmente defendida pela doutrina
relativamente aos casos de fixação de um limite temporal para a eliminação dos defeitos
ou realização de obra nova nas hipóteses dos artigos 1221.º e 1225. Assim, deve B fixar
um prazo razoável para o cumprimento da obrigação de realização da obra por A,
entrando A em mora se desrespeitar tal prazo.

b) A, empreiteiro, construiu uma coisa para B, mas com defeito. A procede a uma
intervenção destinada a corrigir os defeitos detetados ou à realização de obra nova, mas
estes mesmo assim subsistem ou aparecem novos defeitos. O que pode o dono da obra
fazer? Poderá recorrer a terceiro para eliminar os defeitos que A não consegue ou não
pretende eliminar? (4 valores)

- A entrega da obra com defeitos pelo empreiteiro ao dono da obra confere a este o direito
à eliminação dos defeitos ou à construção de nova obra, se essa eliminação não for
possível (art.º 1221.º/1 CC) e, no limite, não sendo eliminados os defeitos ou construída
obra nova, à redução do preço ou à resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra
inadequada ao fim a que se destina (art.º 1222.º/1 CC).

- Tradicionalmente, entende-se que o dono da obra apenas poderia socorrer-se de terceiro


para eliminar os defeitos, havendo incumprimento definitivo da obrigação de eliminação
dos defeitos por parte do empreiteiro e a consequente resolução do contrato pelo dono da
obra. Seria, pois, necessário, que o dono da obra procedesse à interpelação admonitória
após o empreiteiro entrar em mora, nos termos do art.º 808.º/1 CC, e esperasse pelo
decurso do prazo nela concedido ao empreiteiro.

- Porém, o dono da obra dispõe ainda, para além dos direitos já referidos, do direito à
indemnização (cumulável com os seus demais direitos, nos termos do art.º 1223.º CC),
pelo que alguma doutrina, como CURA MARIANO, MENEZES LEITÃO e PEDRO DE
ALBUQUERQUE, admitem o recurso a terceiro para a eliminação dos defeitos e
consequente pedido de ressarcimento ao empreiteiro do custo inerente, o que se pode
configurar como uma forma de indemnização.

- A jurisprudência tem também entendido que, nos casos em que a eliminação dos defeitos
se afigure urgente, pode o dono da obra recorrer a terceiro antes de haver incumprimento
definitivo, invocando, por exemplo, a figura do estado de necessidade.

- É ainda defensável que, de acordo com os pressupostos gerais do direito de resolução


contratual por incumprimento, o dono da obra possa resolver o contrato, sem ter de dar
ao empreiteiro a oportunidade de eliminar ele próprio os defeitos conferida pela
interpelação admonitória, nos casos em que tal seja inexigível ao dono da obra (por
exemplo, por perda de confiança, em virtude do caráter ostensivamente negligente ou até
doloso dos defeitos).
Direito dos Contratos I – TB
Exame de Recurso
20/07/2021
TÓPICOS

a)

- A. e C. celebraram um contrato de compra e venda de coisa futura;


- Quanto ao tipo de contrato, importa notar que temos uma transmissão onerosa de um direito real,
mediante uma contrapartida, situação que, em abstrato, nos pode levar a qualificar o contrato como uma
empreitada, uma prestação de serviços atípica ou uma compra e venda. Assim, impunha-se percorrer os
pressupostos do conceito de obra, com vista a qualificar, ou não, o contrato como uma empreitada;
- Percorrendo os pressupostos do conceito de obra e considerando que o quadro em causa já estava num
estado avançado de realização, não parece haver qualquer plano de obra entre A. e C., previamente
acordado. Por outro lado, estando em causa um quadro realizado por um pintor famoso, tão-pouco parece
haver uma separação entre o resultado e o autor do mesmo. Assim, afasta-se a qualificação do contrato
como uma empreitada;
- Restam como hipóteses a qualificação do contrato celebrado entre A. e C. como uma prestação de serviços
atípica ou uma compra e venda. Interpretando o contrato, não havia qualquer indicação quanto à execução
do quadro cabendo uma total autonomia quanto à sua realização. Assim, parece resultar do mesmo que o
preço acordado está a pagar a aquisição de um bem, sendo, pois, uma compra e venda (artigo 874.º do
Código Civil).
- Quanto ao objeto, o bem vendido por A. a C. não existe no momento da celebração do contrato, sendo
futuro (artigo 211.º do Código Civil). Com efeito, C. não comprou a A. um quadro por pintar ou no estado em
que encontrava, mas, conforme resulta da hipótese, um quadro concluído. Assim, tem A. a obrigação de
realizar todas as diligências para que C. adquira o bem vendido (artigo 880.º do Código Civil).
Designadamente, concluindo a pintura.
- Deverá ainda discutir-se a possibilidade de estarmos (ou de aplicarmos, eventualmente por analogia), o
regime da venda de bens alheios (artigos 892.º e ss. do Código Civil). Com efeito, na eventualidade de se
qualificar o contrato celebrado entre A. e B. como uma compra e venda (igualmente de coisa futura),
estaríamos perante uma dupla alienação da mesma coisa. Contudo, o regime da venda de bens alheios
parece concebido para uma dupla venda de coisa (presente) alheia como própria, dado o respetivo desvalor
(nulidade atípica) estar associado ao sistema do título e ao efeito real por mero consenso. Assim, pelo menos
por aplicação direta, não estaremos perante uma venda de bens alheios.
b)
- No momento da celebração dos contratos (entre A. e B. e, posteriormente, entre A. e C.),
independentemente da sua qualificação, nem B. nem C. adquiriram a propriedade do quadro. Tão-pouco A.
era o proprietário de um quadro pintado, por o direito real só ocorrer sobre coisas corpóreas presentes. A.
seria apenas, quando muito, proprietário da coisa no estado em que mesma se encontrasse. Isto, faz-se
notar, no pressuposto de os materiais afetos à sua realização lhe pertencerem facto que, na ausência de
indicação em contrário, terá acontecido;

- Assim, a questão da propriedade do “quadro pintado” apenas se suscita, a jusante, no momento em que
a coisa exista. In casu, no momento da conclusão do quadro.

- Na hipótese de conclusão do quadro, a questão da propriedade do mesmo é mais complexa, passando a


solução final pela qualificação dos contratos por A. Com efeito, quanto ao contrato entre A. e B., tratando-se
de uma empreitada ou de uma prestação de serviços atípica à qual se aplicariam, por analogia, as regras da
empreitada, o efeito real, só parece ocorrer com a aceitação da obra (artigo 1212.º/1, primeira parte, do
Código Civil). Quanto a C., sendo o contrato celebrado uma compra e venda de coisa futura, aplicando o
disposto no n.º 2 do artigo 408.º do Código Civil, a propriedade é adquirida por B. (por efeito do contrato)
no momento em que A. tenha concluído a pintura do mesmo. Assim, se a aceitação de B. só ocorrer depois
da conclusão do quadro a propriedade do mesmo seria de C. Se, diferentemente, ambos os contratos
celebrados por A. fossem uma compra e venda, a posição de B. prevaleceria sobre a de C.

c)
- A. assumiu a obrigação de efetuar todas as diligências para que o credor (B. ou C.) adquira a coisa
(artigos 1207.º e 880.º do Código Civil, respetivamente). Uma obrigação cujo incumprimento se presume
de A. (artigo 799.º/1 do Código Civil);

- Tendo A. perdido o braço em resultado de um acidente de viação, vê-se impossibilitado de não cumprir
essa obrigação. Com efeito, A. perdeu o braço esquerdo, com que pintava. Esta impossibilidade, apesar de
subjetiva, parece igualmente importar a extinção da obrigação, por a prestação contratada ser infungível
(791.º do Código Civil). Sendo um “conhecido pintor” terá sido contratado pelas suas especiais qualidades;

- Cabe a A. o ónus da prova de ilidir a presunção do artigo 799.º/1 do Código Civil, sob pena de responder
pelos danos provenientes de não ter exercido as diligências necessárias para que o credor adquirisse o
quadro;

- Qual o destino das contraprestações? Importa distinguir:

a) Contrato celebrado entre A. e B.: Se se considerar uma empreitada ou uma prestação de serviços
atípica à qual se aplica o regime da empreitada, parece de aplicar o artigo 1227.º, in fine, para determinação
do montante a receber por A.;

b) Contrato celebrado entre A. e C.: Não tendo o contrato natureza aleatória (artigo 880.º/1, a contrário,
do Código Civil), B. fica desobrigado da contraprestação e C. tem direito de exigir a restituição dos € 5.000,00
pagos nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa (artigo 795.º/1 do Código Civil).
II

a)

- Qualificação do contrato celebrado entre D. e E. como empreitada (artigo 1207.º do Código Civil) de
bens de consumo. Fundamento do preenchimento, objetivo e subjetivo, do DL n.º 67/2003, de 8 de abril. D.
seria consumidor e E. seria profissional;
- Análise do dever de conformidade do serviço prestado com o contrato e presunção da sua violação por
ocasião da entrega, quanto ao facto de o motor ter gripado. Um consumidor não espera que o motor de um
veículo ao qual foi trocado o óleo gripe por ter sido colocado óleo a mais no mesmo [als. c) e d) do n.º 2 do
artigo 2.º do DL n.º 67/2003]. Já quanto ao embate no separador de proteção, por problemas nas pastilhas
dos travões, não tendo a empreitada contratada a E. compreendido qualquer intervenção nas mesmas, não
existir qualquer falta de conformidade imputável a E.;
- Perante a falta de conformidade da obra com o contrato, D. tem, perante E., os direitos mencionados no
artigo 4.º do DL n.º 67/2003 em relação ao motor estragado;
- A caducidade dos direitos de D., invocada por E., não procede. Com efeito, na empreitada de bens de
consumo, o prazo de garantia é de dois anos (artigo 5.º/1 do DL n.º 67/2003, de 8 de abril). Por outro lado,
o prazo de denúncia dos defeitos é de dois meses, a contar da data em que o mesmo tenha sido detetado
(artigo 5.º-A/2 do DL 67/2003, de 8 de abril). Não da sua entrega. Atentos os dados de facto, o problema só
foi detetado passados 13 meses, com o óleo do motor bem quente.

b)
- Perante a falta de conformidade da obra com o contrato, D. tem os direitos mencionados no artigo 4.º
do DL n.º 67/2003. Entre eles, o direito à reparação do seu veículo sem encargos. Entenda-se, dos danos ao
nível do motor.
- Os direitos do D. efetivam-se, em primeira linha, sobre o devedor (E.). Assim, em princípio o dono da
obra não tem o direito de recorrer aos préstimos de terceiro, assumindo os custos da eliminação dos
defeitos e depois imputando os mesmos ao dono da obra. Se o fizer, tais custos correm por sua conta.
Contudo, a doutrina e a jurisprudência têm admitido que esta construção não é absoluta, podendo ceder em
casos de urgência. Análise, fundamentada, se, tendo a desconformidade em causa ocorrido em Espanha e
necessitando o dono da obra do carro para prosseguir a sua viagem e regressar a Portugal, não estaríamos
perante um caso de urgência que poderia motivar a aplicação da ação direta (artigo 336.º do Código Civil).
Nesse caso, D. poderia mandar reparar o veículo e depois imputar os respetivos custos a E.
Direito dos Contratos I – TA

Exame de Recurso

6/04/2021

Duração: 2 horas

Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque

1. (4 valores).
Qualificação como contrato de compra e venda a prestações, de acordo com os artigos
874.º e 934.º do CC, sem reserva de propriedade e com tradição da coisa. Indicação
dos efeitos essenciais: 879.º do CC.
Referência ao princípio da consensualidade estabelecido no artigo 408.º/1 do CC. A
constituição e transferência de direitos reais, na ordem jurídica portuguesa, dá-se por
mero efeito do contrato (sistema do título).
Será valorizada a referência, nos termos do artigo 934.º, 2ª parte, à inadmissibilidade
do vendedor exigir antecipadamente as prestações vincendas, por não exceder a
prestação em falta 1/8 do preço.
A pretensão do António, ao exigir a devolução do automóvel, consubstancia uma
declaração tácita de resolução do contrato.
Discussão quanto à aplicabilidade do artigo 934.º, 1.ª parte, à venda a prestações sem
reserva de propriedade. Identificar uma contradição valorativa na interpretação literal
da norma, não permitindo ao vendedor, ainda proprietário, que resolva o negócio, mas
admitindo caso o contrato não tenha sido celebrado com reserva.
Quando à resolução convencionada, referir que podia afastar o artigo 886.º do CC, no
entanto, a sua admissibilidade fica arredada por ser aplicável o artigo 934.º do CC.
Se a norma fosse dispositiva não ficaria assegurada a tutela da parte mais fraca. Pela
imperatividade (mínima) da norma ser controversa, é admitida resposta diversa
devidamente fundamentada.
Por fim, ainda que o incumprimento resulte, indiciariamente, do desemprego de Bento,
presume-se culposo, nos termos do art. 799.º, e atendendo ser uma obrigação
pecuniária não configura uma situação de impossibilidade.

2. (4 valores)
Identificar uma cláusula penal stricto sensu, permitindo ao vendedor exigir, em
alternativa ao preço, o montante acordado.
Recusar a aplicação do artigo 935.º do CC, por implicar uma contradição valorativa.
Devido à natureza da presente cláusula penal, se a indemnização fosse reduzida a
metade do preço, o vendedor ficava sem a coisa e recebia apenas metade do preço.
Referir de forma fundamentada, que esta argumentação só é procedente se a cláusula
penal visa acautelar o incumprimento definitivo do devedor.
Valoriza-se que o aluno considere que o tribunal pode reduzir a cláusula penal, nos
termos do artigo 812.º n.º 1 do CC, por ser manifestamente excessiva.

II

1. (3 valores)
Qualificação do negócio como uma compra e venda de bens de consumo: verificação
do âmbito objetivo e subjetivo do DL n.º 67/2003, de 8 de abril.
Dever de conformidade do bem com o contrato, ao abrigo do artigo 2.º do diploma.
Referência à presunção de falta de desconformidade, nos termos do artigo 3.º n.º 2, e
ao prazo de garantia, previsto no artigo 5.º n.º 1.
Análise dos direitos do comprador previstos no artigo 4.º n.º 1, referindo que prima
facie nada impede o comprador de resolver o contrato, sem antes suscitar a reparação
do bem.
Ponderar a aplicação do artigo 4.º n.º 5, por eventual contrariedade ao princípio da
boa fé. O comprador pretende resolver o contrato, quando se verifica um pequeno
defeito, facilmente reparável, na qual o vendedor se predispõe a reparar o bem
prontamente. Veja-se, por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa,
processo 899/17.1YRLSB-8, de 6.07.2017.
2. (5 valores)
Qualificação como contrato de empreitada (artigo 1207.º do CC), modalidade típica
do contrato de prestação de serviços (artigo 1155.º do CC).
Identificação dos efeitos essenciais do contrato: realização de uma obra mediante o
pagamento de um preço.
Referir que realização de obra pode compreender, além da construção, a reparação,
demolição ou destruição de coisa móvel ou imóvel.
Enquadrar a recusa na entrega da obra no exercício do direito de retenção, nos termos
do artigo 754.º do CC.
Discussão em torno da admissibilidade do empreiteiro reter a obra do dono da obra:
 Doutrina Tradicional: Preço não é um crédito por despesas, omissão de
referência ao empreiteiro no artigo 755.º do CC e a não integração expressa do
direito de retenção no Código Civil, apesar de constar do Anteprojeto de Vaz
Serra.
 Doutrina e Jurisprudência maioritária: direito de retenção é enquadrável no
artigo 754.º do CC, uma vez que o empreiteiro incorre em despesas para
atribuir valor a uma coisa e ser pago por isso.

3. (4 valores)
Referência à regra geral quando ao tempo do pagamento do preço – artigo 1211.º n.º
2 do CC.
Identificar o problema da prescrição do direito crédito do empreiteiro ao preço.
Referência ao afastamento do artigo 317.º b) do CC (“execução de trabalhos”) pela
Jurisprudência, por considerar que se trata de dívida que costuma ser pagas em prazo
longos e não ser costume exigir quitação.
Afastamento desta corrente jurisprudencial, por ser, atualmente, habitual o
cumprimento da obrigação em prazo curto e sobre o empreiteiro pender um dever de
emitir fatura, para efeitos fiscais.
Será valorizada a indicação do fundamento da prescrição presuntiva e a sua aplicação
ao presente caso.
EXAME DE DIREITO DOS CONTRATOS I

22 de janeiro de 2021
I
[…]

a) É permitida a estipulação no contrato de alienação do automóvel?


⟼ Tópicos:
- Qualificação do contrato celebrado como uma compra e venda (874.º);
- A compra e venda, enquanto contrato de alienação, pode ser objeto de uma cláusula de
reserva da propriedade (409.º/1). Contudo, por incidir sobre coisa sujeita a registo, a sua
oponibilidade depende do registo (409.º/2). Caso contrário, apenas tem eficácia inter partes;
- Questão controversa, atenta a letra do art. 409.º (“o alienante reservar para si”), é saber se é
admitida a reserva da propriedade a favor do financiador não alienante. Mas, no caso em análise,
a questão não se coloca: a propriedade foi reservada a favor do alienante.
- O problema da hipótese é distinto: saber se a propriedade pode ficar reservada a favor do
alienante até que o adquirente cumpra uma obrigação para com terceiro. No caso, C. Atenta a parte
final do art. 409.º (“até à verificação de qualquer outro evento”), a resposta é afirmativa. No
entanto devem ser debatidos os termos da controvérsia existente a este respeito na Doutrina com
menção dos argumentos invocados em sentido favorável e em sentido desfavorável,
nomeadamente a posição do Professor Gravato Morais.

b) Quais os direitos de D. perante B.?


⟼ Tópicos:
- Qualificação do contrato celebrado como uma compra e venda de coisa futura (880.º e 211.º).
sem natureza aleatória. Com efeito, tal não foi estipulado expressamente, nem resulta de
interpretação do contrato (para quem admita que possa resultar de mera interpretação do
contrato);
- Análise do momento da produção do efeito real na compra e venda de coisa futura (408.º);
- Análise da obrigação do vendedor na compra e venda de coisa futura (880.º). Concretização
da mesma face ao objeto (futuro) contratado. Uma obrigação cuja violação se presume culposa
(799.º).
- Análise das consequências da violação da obrigação do vendedor exercer as diligências
necessárias para o comprador adquirir os bens vendidos (880.º/1): quer ao nível do preço
recebido, quer ao nível da responsabilidade por tal violação (801.º e 798.º, respetivamente), e
nomeadamente da questão de saber se essa responsabilidade é pelo interesse contratual negativo
ou pelo interesse contratual positivo.
EXAME DE DIREITO DOS CONTRATOS I

II
[…]

c) F. deteta erros dos projetistas.


Deve comunicar esses erros a E.?
E se o fizer e, mesmo assim, E. insistir na realização da obra tal qual consta dos projetos,
declarando assumir a responsabilidade se algo correr mal, pode E. […]?

⟼ Tópicos
- Qualificação do contrato celebrado como uma empreitada (1207.º)
- Análise do dever de F., enquanto empreiteiro, de comunicar os erros que tenha conhecimento
que possam prejudicar a aptidão da obra. Ainda que esses erros sejam provenientes de terceiro,
e, naturalmente, sem prejuízo da eventual responsabilidade do terceiro. Um dever integrado no
dever de cumprir pontualmente a obrigação e de executar uma obra isenta de vícios e que
corresponda ao interesse do dono da obra (1208.º e 762.º). Caso contrário, será F. responsável
por cumprimento defeituoso, eventualmente em concurso com o projetista.
- Análise do eventual direito de E., informado dos erros, de receber/exigir uma prestação
desconforme. Apesar de o ponto de partida ser o que o empreiteiro já não pode recusar-se a
cumprir o projeto, há que ter em consideração que, por um lado, as declarações de E. apenas
operam ao nível da responsabilidade contratual entre F. e E., e, por outro, que a execução da obra
em causa, a concretizar-se, poderia ruir. Neste caso, há que ponderar a possibilidade de F. impor
alterações à obra que, a não serem aceites por E., apenas poderiam fundamentar a desistência da
obra (1229.º). Não o cumprimento.

d) […]
Quid iuris?

⟼ Tópicos
- Análise, atento o disposto nos arts. 1208.º e 762.º, segundo uma boa-fé subjetiva ética, se F.
não deveria ter conhecido dos erros dos projetistas e, assim sucedendo, da eventual
responsabilidade por cumprimento defeituoso.
- Contudo, E., sabendo dos erros dos projetivas, deveria ter informado F. dos mesmos. Menção
à posição de VAZ SERRA e PEDRO ROMANO MARTINEZ no sentido de que haveria venire contra factum
proprium. Posição diversa de MENEZES LEITÃO atento o disposto no artigo 1209.º/2. Menção há
possibilidade de haver abuso de direito de E, mesmo perante o disposto no artigo 1209.º/2. Com
efeito, por força da boa-fé, tinha o encargo de prestar-lhe a colaboração necessária à boa execução
do projeto (762.º). Não o tendo feito, e, em resultado da sua omissão, ruido a obra sido realizada
segundo o projeto, continua obrigado a pagar o preço acordado. Quanto à responsabilização de F.,
apesar a presunção da culpa de F. pela derrocada, importa analisar se a omissão, culposa, de
colaboração de E. pode conduzir à atenuação, ou mesmo exclusão, da responsabilidade de F.
EXAME DE DIREITO DOS CONTRATOS
Coincidências
26 de janeiro de 2021 Duração: 2 horas

HIPÓTESE

António adquiriu à Estoril Motor, […] .

Analise, de forma autónoma das demais e fundamentando com as disposições legais


aplicáveis, cada uma das seguintes situações:

a) Uma semana após a entrega, […]


Quid iuris? (6 valores)

⇰ Tópicos:
- Qualificação do negócio como uma compra e venda de bens de consumo a prestações.
Fundamentação do preenchimento, objetivo e subjetivo, do DL n.º 67/2003, de 8 de abril;
- Análise do dever de conformidade do bem com o contrato por B. e, in casu, da
presunção da sua violação, se A. provar que o bem não apresentava as caraterísticas
asseguradas por B. (2.º do DL n.º 67/2003);
- Análise dos direitos de A., enquanto consumidor (4.º do DL n.º 67/2003).
Concretamente, à reposição sem encargos. A “reposição da conformidade” significaria
reparar o veículo, colocando no mesmo os equipamentos em falta. Já o “sem encargos”
poderia significar a disponibilização de um veículo de substituiçáo. Caso contrário,
poderia A. exigir uma indemnização, segundo o art. 12.º Lei Defesa do Consumidor;

b) No quarto mês de vigência do contrato, […]


Pode Beatriz resolver o contrato? (4 valores)

⇰ Tópicos:
- Qualificaçao do contrato como uma compra e venda a prestações;
- Análise da admissibilidade da convenção relativa ao resolução do contrato, atento o
disposto no art. 934.º in fine (“sem embargo de convenção em contrário”).
- Análise do direito de resolução do contrato, atento o disposto no art. 934.º, primeira
parte, e o artigo 886.º do Código Civil. Seja, por uma via, seja por outra, a resolução do
contrato só se coloca perante um incumprimento definitivo, não sendo de admitir em
simples mora do comprador.
- A exclusão da resolução pelo comprador prevista no art. 934.º pressupõe, entre outros
requisitos, a reserva de propriedade e um incumprimento inferior a 1/8 do valor do preço.
No caso a propriedade transmitiu-se e o incumprimento foi superior a 1/8 do valor do
preço. Logo, há que aplicar o art. 886.º segundo o qual, havendo transferência de
propriedade e entrega da coisa, a resolução, com fundamento na falta de pagamento do
preço apenas é admitida por convenção das partes. Por a mesma ter sido permitida, pode
ter lugar por incumprimento definitivo.

c) Passado dois meses, o carro de António […] .


Quid iuris? (6 valores)

⇰ Tópicos:
- Qualificaçao do contrato como empreitada de bens de consumo. Fundamentação do
preenchimento, objetivo e subjetivo, do DL 67/2003, de 8 de abril;
- Análise do dever de C., enquanto empreiteiro, de comunicar como deve ser feita a obra.
Um dever integrado no dever de cumprir pontualmente a obrigação e de executar uma obra
isenta de vícios e que corresponda ao interesse do dono da obra (1208.º e 762.º). Caso
contrário, será C. responsável por cumprimento defeituoso, eventualmente em concurso
com o projetista.
- Análise do eventual direito de C., de exigir uma prestação desconforme (reparar a
centraliza ao invés de a substituir) Apesar de o ponto de partida ser o que o empreiteiro já
não pode recusar-se a cumprir o projeto, há que ter em consideração que, por um lado, as
declarações de B. apenas operam ao nível da responsabilidade contratual entre C. e B. Neste
caso, há que ponderar a possibilidade de C. impor alterações à obra que, a não serem aceites
por B., apenas poderiam fundamentar a desistência da obra (1229.º). Não o cumprimento.

d) Imagine agora, que César substituiu […] .


Quid iuris? (5 valores)

⇰ Tópicos:
- Análise critica e fundamentada, do ponto de vista legal e da doutrina, sobre a eventual
admissibilidade do direito de retenção de A. por um crédito sobre B. relativamente a uma
coisa alheia ao dono da obra, por pertencer a A.
EXAME DE DIREITO DOS CONTRATOS I

TÓPICOS

11-06-2021 90 minutos

1. […] O que pode B. fazer para defender a sua posição?

(Cfr. as lições pp. 397 e 398, 440 e ss.)

- No enunciado é dito que se trata de uma venda. O contrato está assim devidamente caraterizado,
tornando-se desnecessário e despiciendo proceder à caracterização do negócio celebrado entre as
partes e seus efeitos típicos: seria percorrer um caminho já trilhado pelo próprio enunciado e que nada
acrescenta ao já dito. Bastaria a referência a, na ausência de indicação em contrário, se tratar de uma
compra e civil.

- Na verdade, o que a hipótese convoca é saber qual o regime da concreta patologia verificada: tratar-
se-á de um caso de cumprimento defeituoso sujeito à aplicação do artigo 918.º do CC ou antes uma compra
e venda defeituosa sujeita aos artigos 913.º e ss.?

- O artigo 918.º do CC dispõe no sentido de, tendo a coisa, depois de vendida e antes de entregue,
sofrido deterioração, adquirindo vícios ou perdendo qualidades, ou a venda respeitar a coisa futura ou
a coisa indeterminada de certo género, serem aplicáveis as regras gerais. Poder-se-ia, assim, tomar-se o
preceito à letra e, depois, fazer-se uma interpretação a contrario do mesmo, de forma a julgar-se impor
o preceito dois regimes absolutamente diferenciados. Um primeiro, referente:
– i) à compra e venda de coisa com eficácia real imediata, nos termos do artigo 408.º/1 do CC, em
que o defeito é posterior à conclusão do negócio, ou seja, se mostra superveniente, mas anterior à
entrega;
– ii) e à compra e venda sem eficácia real imediata, nos termos do artigo 408.º/2 do CC.
E um outro, relativo, agora, à compra e venda dotada de eficácia real imediata, de acordo com o artigo
408.º/1, mas em que o defeito ou vício é contemporâneo à celebração do contrato e se afigura, destarte,
originário.
Tratando-se do primeiro cenário valeria, por força do artigo 918.º, a disciplina do inadimplemento
ou cumprimento defeituoso. Já no segundo, aplicar-se ia o regime dos artigos 914.º e seguintes. É esse
o entendimento de Menezes Leitão e Nuno Pinto de Oliveira e a valer determinaria, no nosso caso a
aplicação dos artigos 913.º e ss. e do regime da compra defeituosa, e não o do artigo 918.º, dado, não
obstante não ter havido entrega, o risco ser contemporâneo do negócio.
Uma outra orientação considera, porém, não ser essa a melhor solução. Por força do princípio geral
da integralidade do cumprimento, presente no artigo 763.º/1 do CC, e, portanto, do direito ao
cumprimento pontual, subjacente também, de forma manifesta à compra e venda de coisa defeituosa,
em especial por força do artigo 914.º do Código Civil, ninguém pode ser forçado a aceitar um bem
diverso do devido. Se a isso somarmos o facto de:
– i) o regime da compra e venda de coisa defeituosa dever ser emoldurado, ele próprio, no regime
do cumprimento defeituoso (possibilidade de majoração da classificação da resposta com bonificação
se o aluno debater, argumentando, a questão do enquadramento dogmático da compra e venda
defeituosa por forma a reforçar a medida em que as tese do erro e a do incumprimento favorecem ora
a posição de LML e NPO quanto ao artigo 918.º, ora a tese de Menezes Cordeiro e também defendida no
presente curso de contratos I) e a anulação prevista no artigo 905.º do CC, para onde remete o artigo
914.º do mesmo diploma, convolada em resolução;
EXAME DE DIREITO DOS CONTRATOS I

TÓPICOS

– ii) o prazo de seis meses para a realização da denúncia só se iniciar depois da entrega da coisa
(artigo 916.º/2 do CC), ergo antes dela se seguir o regime comum e, destarte, o comprador não poder
ser forçado a aceitar uma coisa com defeito;
– iii) tratando-se de coisas transportadas os prazos de denúncia e garantia só se dão a partir da
receção pelo comprador (artigo 922.º do CC), donde este pode não aceitar coisas desconformes.

- Então, tudo somado, mesmo na eventualidade de se estar diante de uma compra e venda dotada de
eficácia real imediata, segundo o artigo 408.º/1, mas em que o defeito ou vício é contemporâneo à
celebração do contrato, se deve julgar valer o regime do cumprimento defeituoso se ainda não houve
entrega. Seria, além disso, absurdo, antissistemático e valorativamente contraditório e, destarte,
despropositado admitir-se um regime para as hipóteses diretamente referidas no artigo 918.º e as
demais. E sendo a necessidade de remoção das aporias valorativas e a ponderação dos resultados hoje
um dos elementos comummente aceites, do processo de interpretação não pode a solução valer.
Depois, se bem se atentar no artigo 918.º do CC a regra, prevista na sua segunda parte, funciona para
além da aquisição da coisa futura pelo vendedor ou com a determinação e, portanto, para além da
transferência do risco. Apenas a entrega afasta o regime geral. Mas se é assim, por força do artigo 918.º,
para os cenários de defeito superveniente relativamente ao negócio, mas anterior à entrega, atendendo
ao disposto nos artigos 916.º/2 e 922.º do CC, de onde emerge não se iniciarem os prazos de denúncia
antes da entrega, vale igual solução mesmo tratando-se de defeito originário de um bem vendido através
de uma compra e venda com eficácia real imediata. Ou seja, também aqui, não havendo entrega da coisa
vale o regime geral. Apenas a entrega afastará as regras do cumprimento defeituoso. Só depois dela tem
lugar a regulamentação especial dos artigos 914.º e seguintes do CC. Donde, em bom rigor, o artigo 918.º
do Código Civil mais não faz senão explicita só valer, nas hipóteses de defeito superveniente, de modo
forçoso, o regime especial, após a entrega.
Em qualquer dos casos deve-se apelar ao perfil funcional comum para dizer que um relógio com um
risco profundo não é admissível.

- Sínteses:
LMN e NPO: sustentam a aplicação do regime especial da compra e venda com todos os remédios a
ela associados que haveria de descrever;
AMC e PdeA: sustentam que o comprador pode optar entre o regime do cumprimento e o especial a
compra e venda de coisa defeituosa. Se recusar a entrega da coisa pode optar pelo regime do
incumprimento:

- Caso o comprador opte pelo regime do incumprimento, dispõe de todos os remédios associados a
situação de incumprimento. E isso significa poder, portanto, nos termos do artigo 918.º, o comprador
alegar a exceção de não-cumprimento do contrato, negar-se a aceitar a entrega da coisa, valer-se do
regime da mora, fixar prazo admonitório, perder o interesse na prestação, dar o negócio por
definitivamente não cumprido, resolver o negócio e pedir uma indemnização por inadimplemento nos
termos gerais.

- Mas pode preferir aceitar a coisa e nesse caso tem aplicação o regime especial dos artigos 913.º e
seguintes. Para esse caso (assim como para o de se considerar que o artigo 918.º não tinha aplicação
dado o defeito ser originário) que haveria de descrever o regime da compra e venda de coisa defeituosa
(dos direitos que a lei confere ao comprador de coisa defeituosa; da hierarquia, ou não, dos direitos do
comprador; de A. estava ou não de má-fé. Quer para efeitos de denúncia, quer ainda para efeitos do
direito à substituição). Com especial relevância para a possibilidade, mesmo nesse caso, de aplicação da
exceção de não cumprimento do contrato.
EXAME DE DIREITO DOS CONTRATOS I

TÓPICOS

2. . […] Quid iuris?

(Cfr. as lições 255 e 256, 257 e 258:

- Caraterização, do contrato: compra e venda por um só preço de coisas determinadas sujeitas a


operação de pesagem (“toda a produção de o milho e trigo que se encontra no celeiro”) com preço não
fixado por unidade (“pelo preço global de”);

- Análise da divergência entre o peso vendido e o peso real. Relativamente à compra e venda ad corpus,
dispõe o artigo 888.º do CC que, se na venda de coisas determinadas o preço não for estabelecido à razão
de tanto por unidade, o comprador deve o preço estipulado mesmo se no contrato se mencionar
número, peso ou medida das coisas vendidas e a referência não traduzir a realidade exceto se a
quantidade diferir da declarada em mais de um vigésimo.

- No caso em apreço há, porém, excesso de um cereal e défice do outro. Põe-se, pois, o problema de
saber se se deve aplicar, ou não, o arrigo 889.º. Estar-se-á perante coisas homogéneas? Há várias
respostas possíveis consoante o entendimento de “homogeneidade”. A posição sustentada no presente
curso é a de que devem ter-se por homogéneas as coisas do mesmo género (parcelas do mesmo ou de
diferentes prédios rústicos, apartamentos do mesmo ou diferentes edifícios, cereais diversos existentes
no mesmo celeiro, etc.), mas não necessariamente da mesma espécie. Portanto, por este prisma poderia
haver compensação. Caso se defendesse entendimento diverso do termo homogeneidade haveria que
fundamentar.
- Em ambos os cereais a diferença era superior a 1/20 haveria uma redução e aumento proporcional
do preço (888.º/2 CC). Porém, como no caso em apreço havia excesso e défice punha-se o problema de
saber se o funcionamento do artigo 889.º não afasta a aplicação do artigo 888.º/2. Não parece aceitável
adotar, nesta hipótese, imediatamente a solução do artigo 888.º/2. Isto, dado a vontade das partes se
formar, na venda ad corpus, relativamente ao preço global e não haver prejuízo, dado o preço ser um só
e único. O perdido de um lado é ganho no outro. A norma do artigo 889.º vem limitar a aplicação do
artigo 888.º/2, justamente na medida da compensação entre as duas categorias. Este último preceito só
será, destarte, chamado a depor se, após a compensação, subsistir uma diferença de um vigésimo entre
a quantidade declarada e a efetivamente vendida.

- Análise e discussão acerca do modo como se processa a redução/aumento: se de 1/20 em diante; se


pela totalidade da diferença. Ponderação da aplicação, ou não, do artigo 891.º.
EXAME DE DIREITO DOS CONTRATOS I

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3. Quais os prazos que devem ser respeitados por E. para interpor a ação de anulação/resolução do contrato?
E na hipótese de E. apenas pretender a redução do preço acordado?

Cfr. as lições. pp. 445 e ss., 462 e ss.):

- Na ausência de indicação pode assumir-se tratar-se de compra e venda civil. Não há nenhuma razão
ou indício de algum vício de forma do presente contrato. A sua validade pode ser assumida.

- O bem vendido tinha um defeito. Ao que tudo indicia, um defeito-vício que desvaloriza a coisa e, a
médio prazo, pode impedir a sua utilização para os fins a que se destina;

- O defeito em causa é um defeito oculto, por dolo do vendedor;

- Havendo dolo do vendedor não há dever de denunciar o defeito (916.º CC); vale o disposto no artigo
287.º/1 do CC (defende-se, por se considerar que na compra e venda a tutela dada ao comprador vítima
de dolo não deve ser inferior à dada a outras vítimas de dolo, no presente curso posição diversa da de
Pedro Romano Martinez que não aplica o artigo 287.º, mas sim o n.º 2 do artigo 916.º. Caso se siga esta
posição de PRM haveria que dizer porquê). O comprador tem, então, um ano, a contar do conhecimento
do vício e do dolo, para reagir, podendo fazê-lo diretamente na ação de anulação, sem denúncia prévia.
Pergunta-se se, nesta hipótese de dolo, o artigo 287.º/1 continua a valer na eventualidade de se estar
perante a venda de um bem imóvel? A resposta poderá parecer negativa. De outro modo, dir-se-ia, o
comprador teria melhor proteção na hipótese de simples erro do que na de dolo. Valeria, para o simples
erro, o prazo do artigo 916.º/3 (um ano a contar da manifestação e cinco a contar da venda), a que se
seguiria depois um prazo de seis meses para a interposição da ação de anulação. Portanto, o comprador
teria um ano e meio, a partir da ciência do vício, para atacar o negócio. Já na situação de dolo, o
adquirente teria apenas o de um ano do artigo 287.º/1, a determinar desde a ciência do defeito, para
intentar a ação de anulação. Deveria, por isso, entender-se valer sempre o prazo de um ou cinco anos
na eventualidade de se estar diante da compra e venda de um bem imóvel, para a realização da denúncia,
independentemente de haver dolo ou erro a que se somaria, ainda, o prazo de seis meses, do artigo 917.º
do Código Civil. Mas não é sempre assim, pois no caso do artigo 287.º não vale o prazo máximo de cinco
anos para interpor a ação. Pode, pois, haver situações em que é o inverso: o artigo 287.º conduz a um
prazo mais largo do que o artigo 916.º, mesmo perante bens imóveis. Análise dos argumentos que
podem ser referidos a favor e contra. A verdade, é que por se tratar de um prazo a lacuna que parece
resultar da conjugação do artigo 287.º com o artigo 916.º, no que diz respeito aos bens imóveis, parece
estar-se diante de uma lacuna rebelde ao preenchimento. Portanto, vale sem mais o prazo do artigo
287.º.

- Discussão e tomada de posição acerca da aplicação, ou não, do artigo 917.º do CC aos demais direitos
conferidos ao comprador de coisa defeituosa que não o direito de anulação por erro.
EXAME DE DIREITO DOS CONTRATOS I

TÓPICOS

II

Quid iuris?

- Caraterização do contrato: empreitada. Ao que tudo indicia, uma empreitada entre um consumidor
e um profissional. De todo o modo, o regime da venda de bens de consumo não dá resposta ao problema
da hipótese. O regime da empreitada do CC continuaria a ser de aplicar;

- Análise do efeito real da empreitada e da questão do risco:


▪ Quanto ao risco, vale a regra do 1228.º/1, importando saber quem é o proprietário da coisa por
ocasião do prejuízo;
▪ Quanto à propriedade, segundo o 1212.º/1, 2.ª parte, será de D. a partir da conclusão do imóvel,
independentemente da sua entrega;

- Análise e discussão do vencimento da obrigação de entregar a coisa: se com a aceitação; se é obrigação


a prazo natural (777.º/2); se apenas com a interpelação pelo dono da obra (777.º/1). De todo o modo, a
aceitação da obra, pode implicar, tacitamente, uma interpelação para a entrega imediata (219.º e 217.º CC),
caso em que G. estaria em mora.

- Análise e articulação dos 1228.º e 807.º/1. Apesar do 1228.º, o seu sentido não foi o de afastar as
condições gerais da mora do devedor obrigado a entregar a coisa. Neste caso, o 807.º/1 parece aplicável.
- Donde em conclusão. Neste caso terá de se interpretar a aceitação para saber se ela operou, de forma
tácita, a interpelação para entrega da coisa. Se operou há mora e inversão do risco. Se não operou não há
inversão. O regime do risco não deve fazer esquecer ter o empreiteiro o dever de custódia sobre as coisas
submetidas à sua guarda. Isto significa, se a coisa estiver à guarda do empreiteiro, e perdendo-se ou
deteriorando-se a mesma, caber-lhe a ele elidir a presunção de culpa sobre si pendente, para se exonerar
de responsabilidade (799.º). Ilidida a presunção entram as regras do risco.
DIREITO DOS CONTRATOS
26 DE JUNHO DE 2020

TÓPICOS DE RESOLUÇÃO

I
I.1. Noémia, dona de uma fábrica têxtil, […].
Qual(ais) o direito(s) de Mi Hau, tendo em conta o tipo de contrato celebrado?

I.2. António, especialista em remodelação […]


Indique, fundamentando, as pretensões de Carmo perante António, tendo em
consideração o tipo de contrato celebrado?

I.3. Mariana, proprietária de uma pequena loja de bijuteria, […].


[…] qual(ais) a(s) pretensão de Luís relativamente a Mariana?

I.4. Graça, conhecida designer de moda e proprietária de uma loja no centro de Cascais […].
De que modo(s) poderá Jean-Philippe reagir perante Graça, tendo em conta o tipo de
contrato celebrado?

A. Qualificação e caracterização do tipo de contrato celebrado (entre N./M., A./C., M./L. ou


G./J., respetivamente)

A.1. Em concreto, seria controverso se estávamos perante uma compra e venda ou uma
empreitada, por estarmos perante uma coisa(s) futura(s) a fornecer por M., C., L. ou J. e o valor
dos bens ultrapassar o valor do trabalho. Impunha-se suscitar a questão, enunciando os critérios
utilizados para a resolver. Perfilhando o critério da relevância da vontade e a forma como as
partes intencionaram o contrato, seria correto concluir que mesmo foi centrado na alienação da
coisa e não no trabalho. Assim, o contrato deveria ser qualificado como uma compra e venda
(874.º).

A.2. Quanto a caracterização do contrato foi celebrada uma venda a prestações com reserva
de propriedade. O contrato era formalmente válido (219.º) e, tendo por objeto coisa móvel não
sujeita a registo, a cláusula de reserva da propriedade não tinha de ser registada.

B. Análise da questão da oponibilidade da cláusula de reserva da propriedade


Em todas as hipóteses colocadas, o comprador, uma vez recebida a coisa alienada sob reserva
de propriedade utilizou-a, unindo-a ou incorporando-a a coisas suas. Comportamento que, do
ponto de vista substancial, nos leva à figura da acessão. Neste cenário, urge analisar se se a
reserva se mantém ou não e se será, ou não, oponível, permitindo, por exemplo, reaver a coisa
alienada sob reserva em caso de resolução por incumprimento (cf. C.1 infra).

C. Análise do incumprimento do comprador e dos direitos do vendedor sob reserva


O comprador a prestações faltou no pagamento de uma prestação. Sabe-se ainda que coisa
tinha sido vendida com reserva de propriedade e feita a sua entrega. Neste cenário, os direitos
do vendedor seriam, em abstrato, os seguintes:
C.1) Resolver o contrato por falta de pagamento de uma prestação que excedia a oitava parte
do preço, acrescida de indemnização nos termos gerais por incumprimento.
Quer o artigo 934.º, quer o artigo 886.º, não restringem, neste caso, tal possibilidade. Esta
resolução, nos termos gerais, só poderia ter lugar se a “falta de pagamento” constituísse uma
situação de incumprimento definitivo. Sendo mora, haveria que a converter em incumprimento
definitivo;
Caso se entendesse estar perante uma venda a prestações no âmbito do crédito ao consumo,
a resolução do contrato deveria ser analisada à luz do artigo 20.º do DL 133.º/2009. Mas, para
tanto, seria necessário demonstrar que o comprador era um consumidor, o que não é indiciado
por qualquer dos casos práticos.

C.2) Exigir as prestações em falta (com exceção do caso prático em que a prestação em falta
foi a última), acrescido do pagamento de juros de mora (781.º e 806.º).
Nos termos legais, a falta de uma prestação que exceda a oitava parte do valor do preço
importa a perda do benefício do prazo relativamente às prestações seguintes, discutindo-se o
seu significado: se o vencimento imediato, se a sua exigibilidade. Perfilhando-se o segundo
entendimento, o alienante sob reserva pode exigir ao comprador o pagamento das prestações
em falta.
Quanto à prestação incumprida, não carece de interpelação, por ser obrigação com prazo
certo.

C.3) Manter o contrato, intentando uma ação de cumprimento da prestação em falta, com
indemnização moratória (817.º e 806.º).
II.

II.1. Fernando, agricultor, celebrou com Gualter a alienação de 600 Kg de alface […].
Quid iuris?

II.2. Hélvio, florista, acordou com a Jasmim, Lda., por 1000 € pagos […].
Qual a solução jurídica?

II.3. Vicentino, empreiteiro, tendo visto a sua atividade reduzida praticamente a […].
Quid iuris?

A. Qualificação e caracterização do tipo de contrato celebrado: compra e venda (874.º). Nos


casos II.1. seria coisa genérica e futura e II.2. seria uma compra e venda de coisa genérica ou
coisa genérica e futura, se se entender, por interpretação, que as rosas eram ainda a colher. No
caso, II.3 seria coisa específica e presente.

B. Análise da posição do vendedor na compra e venda de coisa futura, em particular a obrigação


de exercer as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos,
concretizando-a a luz dos factos da hipótese (880.º). Nos casos II.1, teríamos uma
impossibilidade parcial não culposa, cabendo ao vendedor ilidir a presunção de culpa da mesma;
possibilidade de se considerar existente uma obrigação do mesmo tipo na compra e venda de
coisa genérica no caso II.2 (dever de fornecer as coisas necessárias ao cumprimento).

C. Tratamento jurídico da entrega efetuada pelo vendedor, à luz do regime da compra e venda
de bens venda de bens parcialmente alheios.
Nos casos II.1. e II.2. pode discutir-se se se aplica apenas o regime do incumprimento
(atendendo ao facto de se tratar de venda de coisa genérica e não caber então aplicar ao negócio
em si mesmo o regime da compra e venda de bens alheios) ou se se aplica o regime da compra e
venda de bens alheios, não ao negócio, mas ao ato de Cumprimento (ambas as respostas serão
valorizadas como corretas). Portanto, nas três hipóteses faria sentido debater e analisar o
regime da compra e venda de bens alheios, ou por aplicação direta, ou por ponderação da
eventual possibilidade de aplicação deste regime ao ato de cumprimento. Será valorizada como
correta uma resposta que defenda a aplicação do regime da compra e venda. Mas, a esta luz, e
sendo suscitada a possibilidade de aplicação do regime da compra e venda de bens alheios, só
parte dos bens entregues e vendidos como próprios eram alheios, carecendo o vendedor de
legitimidade para realizar a respetiva venda (892.º, 902.º e 904.º).

D. Análise dos efeitos da compra e venda de bens venda de bens parcialmente alheios
A resposta final passa por saber se estamos ou não perante uma compra e venda comercial,
uma vez que, na compra e venda comercial, a venda de bens alheios é permitida. Em II.2. admite-
se a possibilidade de estarmos perante compra e venda comercial, desde que devidamente
fundamentada.
A questão da reivindicação pelo (verdadeiro) proprietário dos bens vendidos não se coloca
atento o consumo/perecimento da coisa alienada.
Sendo uma compra e venda civil, se o contrato celebrado se mantiver quanto à parte
restante (nulidade parcial), análise do que acontecerá ao preço acordado e pago (902.º)
Dos efeitos da nulidade parcial do contrato, assume especial importância a obrigação de
restituição do preço. Além de ter de ser proporcional à parcela alheia, a coisa recebida por se ter
deteriorado/sido consumida não tinha de ser restituída (894.º, n.º 1). Contudo, nos casos em
que o vendedor tiver tirado proveito da perda ou da diminuição, impunha-se abater esse
proveito no preço a restituir e na eventual indemnização a pagar. Isso terá ocorrido, sem dúvida,
no caso II.3.
III

III.1 Ronaldo, dono de uma moradia no Gerês, nunca gostou de ter como vizinho […]
Que conselhos daria a Ronaldo? (7 valores)

III.2. Sara, proprietária e gerente de um restaurante em Lisboa, […].


Quid iuris? (7 valores)

III.3. Tomásia propôs ao seu vizinho a compra da sua propriedade, […]


Como poderá Tomásia reagir? (7 valores)

A. Qualificação e caracterização dos contratos celebrados pelos proprietários (R., S. e T.,


respetivamente):

A.1. Primeiro, um contrato de empreitada;

A.2. Segundo, um contrato misto, que compreendia, pelo menos, elementos da compra e
venda e da empreitada (transformação). Contudo, quanto à última prestação acordada neste
segundo contrato (livro/relatórios, respetivamente), a sua qualificação como uma obra, para
efeitos de aplicação das regras do contrato de empreitada, é controversa, por ser uma obra
intelectual. Impunha-se anunciar o problema e tomar posição sobre o mesmo, atendendo às
soluções apresentadas na doutrina. Se não fosse um contrato de empreitada, teríamos uma
prestação de serviços atípica, sendo ainda de discutir qual o regime a aplicar-lhe.

B. Análise dos direitos do proprietário no primeiro contrato

B.1. Quanto à perturbação verificada no mesmo, ocorre um vício de Direito. Analise da


responsabilidade do empreiteiro, tomando posição sobre as regras a aplicar: se os artigos 905.º
e seguintes ou os artigos 1919.º e seguintes. Uma vez que a contrato de empreitada não regula
os vícios de Direito a solução correta seria aplicar o regime dos artigos 905.º e seguintes, por
remissão do artigo 939.º.

B.2. Quanto as indicações, instruções ou manuais de funcionamento das máquinas, o


proprietário tem direito aos mesmos: seja com fundamento no artigo 882.º, n.º 2, ex vi artigo
939.º, tratando-se de documentos; seja, por recurso a deveres acessórios de informação, na boa-
fé na execução dos contratos (762.º).

C. Análise dos direitos do proprietário no segundo contrato


Quanto às prestações não cumpridas no segundo contrato, não têm as mesmas um
tratamento específico no contrato de empreitada. Assim, seguem o regime geral. O seu
incumprimento constituiria uma situação de mora, tendo o credor o direito a ser indemnizado
dos prejuízos causados. Poderia posteriormente lançar mão da interpelação admonitória, bem
como resolver o contrato, nos termos gerais, por incumprimento definitivo, ou intentar uma
ação de cumprimento.
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Exame de Direito dos Contratos I

3.º Ano TAN — 17.01.2020

Regência: Prof. Doutor Pedro de Albuquerque

Grupo I

António vendeu a Bernardo por €100 o seu computador da marca XPTO, com valor de
mercado de €2.500, que lhe havia sido furtado no âmbito de um assalto ocorrido no mês anterior.
Bernardo tinha conhecimento do furto do computador, tendo-lhe sido entregue por António uma
cópia da queixa-crime efetuada junto da polícia relativamente ao assalto, na qual o computador
constava como um dos objetos furtados.
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:

a) Nunca se veio a descobrir os autores do furto do computador e o seu paradeiro, tendo a


queixa-crime sido arquivada. Bernardo pretende que António lhe devolva o preço.
Será a sua pretensão fundamentada? (3 valores)
- Qualificação do contrato como compra e venda (874.º CC) de bem de existência incerta (881.º
CC - não se sabe se bem pereceu após o furto; pode, por exemplo, ter sido desmontado e vendido
às peças).
- Tomada de posição fundamentada sobre se a menção no contrato à incerteza deve consistir numa
declaração expressa ou meramente tácita, por se tratar de um estado subjetivo de prova difícil, e
se deve estar sujeita a forma escrita pela mesma razão ou se prevalece a regra geral de liberdade
de forma (219.º CC) No caso, houve menção expressa sob a forma verbal, não tendo havido
afastada a natureza aleatória do contrato, por isso António deverá devolver ou não o preço
conforme se entenda que menção está sujeita a forma especial ou não, respetivamente.

b) Suponha que ficou acordado que o preço seria pago um dia após a celebração do contrato.
Passado duas semanas, Bernardo ainda não havia procedido ao pagamento, apesar de
várias interpelações de António para o efeito. Entretanto, a polícia descobriu os autores
do assalto e recuperou o computador. António pretende agora resolver o contrato por
falta de pagamento do preço.
Pode fazê-lo? (3 valores)
- Discussão dos pressupostos de aplicação do art.º 886.º CC, nomeadamente quanto à entrega da
coisa. Tomada de posição fundamentada sobre se obrigação de entrega consiste sempre num
efeito essencial da compra e venda, mesmo nos casos em que o comprador aceita a incerteza
quanto à existência do bem (ou em casos como o da venda de direitos de crédito, em que, por
natureza, não há entrega material ou em que o comprador já tem a coisa em seu poder), enquanto
obrigação de conteúdo variável que pode ser normativamente cumprida sem que haja entrega
material, desde que comprador seja colocado na posição de poder exercer plenamente os seus
direitos sobre o bem.
c) Imagine agora que Carlos, proprietário da Computadores Novos & Usados, Lda.,
adquiriu o computador a um feirante e o colocou à venda na sua loja. O computador foi
vendido a Daniela por €1500. Sucede que Daniela e Bernardo eram amigos de longa
data. Quando Daniela mostrou a Bernardo o seu “novo computador”, este reconheceu o
que comprara a António e exigiu a sua entrega. Daniela afirmou que só lho entregaria se
a loja o substituísse por um computador igual. Porém, Carlos recusa-se a entregar outro
computador a Daniela, disponibilizando-se apenas a devolver o preço.
Quid juris? (5 valores)
- Qualificação da venda entre a CN&U e Daniela como venda bem alheio (892.º + 904.º CC).
Bernardo, como legítimo proprietário, pode reivindicar a coisa de Daniela, bem como arguir a
nulidade do contrato enquanto interessado. Referência eventual ao art.º 1301.º CC.

- Referência à obrigação de convalidação da CN&U, uma vez que Daniela estava de boa fé
(897.º/1 CC).

- Tomada de posição fundamentada sobre se, à luz da boa fé subjetiva ética, a CN&U pode arguir
a nulidade do negócio (892.º, 2ª parte CC) e se tem a obrigação de indemnizar Daniela nos termos
do art.º 898.º CC (dolo eventual) ou se é apenas responsável objetivamente nos termos do art.º
899.º CC, pelos danos emergentes que não resultem de despesas voluptuárias. Em caso de
incumprimento da obrigação de convalidação, acrescerá a indemnização prevista no n.º 1 do art.º
900.º CC, sem prejuízo do n.º 2.

- Qualificação do negócio celebrado entre Daniela e a loja como uma venda de bem de consumo,
celebrada entre profissional e consumidor (art.ºs 1.º-A, n.º 1, e 1.º-B, a) e c) do DL n.º 67/2003).

- Tomada de posição fundamentada sobre se Daniela tem os direitos previstos no DL n.º 67/2003,
na medida em que se possa ou não qualificar a alienidade do computador como uma falta de
conformidade, nos termos do art.º 2 do DL n.º 67/2003, à semelhança da discussão existente a
propósito da venda de bens onerados.

- Em caso afirmativo, Daniela poderá exigir os direitos previstos no artigo 4.º do DL n.º 67/2003,
nomeadamente o direito à substituição, desde seja possível substituir o bem vendido por um de
qualidades e características idênticas.

Grupo II
A sociedade Arquitetos & Arquitetos, Lda., contratou Bento para montar uma casa de
banho numa divisão utilizada até então como despensa pelo preço de € 6.500, com o material
incluído. Durante a execução dos trabalhos, Carlota, arquiteta e sócia-gerente da Arquitetos &
Arquitetos, Lda., reparou que a forma como a canalização estava a ser montada implicaria elevar
o chão em cerca de 5 cm a mais do que tinha sido previsto. Ao informar disso Bento, este
respondeu-lhe que era verdade, mas que agora já não havia nada a fazer, senão teriam de remover
os tubos todos e começar de novo. Carlota disse então para prosseguirem os trabalhos como
estavam a fazer.
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:
1) No dia em que a obra ficou pronta, a Arquitetos & Arquitetos, Lda., recusou-se a pagar
a totalidade do preço por causa da elevação do chão.
Podia fazê-lo? (4 valores)
- Qualificação do negócio como contrato de empreitada, nos termos do art.º 1207.º CC, por preço
global.
- Referência ao dever de o empreiteiro de executar a obra de acordo com o projeto acordado
(1208.º CC). A elevação do chão não consiste numa alteração da obra necessária por falta de
verificação dos requisitos do art.º 1215.º, n.º 1 CC, dado que resulta da forma escolhida pelo
empreiteiro para instalar a canalização no âmbito da sua autonomia técnica.
- Referência ao exercício do direito de fiscalização pelo dono da obra (A&A) através de Carlota
(1209.º, n.º 1 CC). O dono da obra não tem o dever ou o ónus de exercer este direito, mas não
poderá exercer os seus direitos pelos defeitos existentes ou pela má execução da obra, se tiver
havido da sua parte concordância expressa com a obra executada (1209.º, n.º 2 CC). Tomada de
posição fundamentada sobre se, no caso, Carlota expressou a concordância expressa da A&A.
Caso o aluno entenda que Carlota – independentemente dos motivos pelos quais expressou a sua
concordância com o prosseguimento dos trabalhos com elevação do chão (evitar que a conclusão
da obra demorasse mais tempo) – não manifestou concordância expressa, nem autorizou a
alteração ao plano convencionado (1214.º CC), então deverá indicar que a A&A pode exercer os
direitos previstos nos artigos 1221.º ss. e apenas poderá exigir a redução do preço nos termos do
art.º 1222.º CC (discutir eventual abuso do direito). Caso entenda que houve concordância
expressa ou autorização à alteração da obra, não é a obra havida como defeituosa, nos termos do
art.º 1214.º CC. Em consequência, na última hipótese, não poderá a A&A exigir a redução do
preço ou exercer quaisquer outros direitos pela elevação do chão aquando da verificação da obra
(1218.º CC).

2) Suponha que Bento havia contratado Edmundo para tratar da instalação da canalização
e que, durante a execução dos trabalhos, Carlota instruíra Edmundo para fazer a
instalação de forma diversa de modo a evitar a elevação do chão. Edmundo respondeu
que nada alteraria até que Bento lhe desse instruções nesse sentido. Carlota, que não
estava a conseguir contactar Bento, disse então a Edmundo que este lhe tinha de
obedecer.
Terá razão? (4 valores).
- Qualificação do contrato entre Bento e Edmundo como subempreitada (1213.º, n.º 1 CC). Bento
não carecia de autorização para subcontratar Edmundo, pois a realização da obra consiste numa
prestação de natureza fungível, nos termos do art.º 264.º, n.º 1, ex vi 1213.º, n.º 2 mutatis mutandis.

- O direito de fiscalização do dono da obra não lhe permite, em princípio, dar ordens ao
empreiteiro, o qual mantém a sua autonomia técnica. Porém, estando em causa a má execução da
obra (por ser infiel ao projeto acordado ou por apresentar defeitos), o empreiteiro deverá acatar
as instruções do dono da obra, enquanto manifestação do seu dever de executar a obra em
conformidade com o disposto no art.º 1208.º CC.

- Discussão e tomada de posição fundamentada sobre se o dono da obra pode dar ordens ou
instruções diretamente ao subempreiteiro. Uma vez que não existe uma relação contratual entre
si (princípio da relatividade dos contratos), à partida não seria de admitir tal faculdade. Porém,
existem argumentos a favor dessa possibilidade: a prestação do subempreiteiro prossegue, em
última instância, a satisfação dos interesses do dono da obra através da realização da obra, sendo
admissível considerar-se que existe uma relação paracontratual entre ambos; pelo menos em
certas circunstâncias, nomeadamente em casos de urgência ou de impossibilidade de contactar o
empreiteiro, poderá admitir-se que o dono da obra dê instruções diretamente ao subempreiteiro e
este tenha o dever de as acatar.

Duração: 90 minutos

Apreciação global: 1 valor


EXAME DE DIREITO DOS CONTRATOS
COINCIDÊNCIAS
6 DE JULHO DE 2020
TÓPICOS DE CORREÇÃO

Duração: 90 minutos
I

A Empresa Vende Saber, Lda. vendeu 60 computadores ao Colégio Privado da


Madeira por 18.000 €. A venda foi feita com reserva de propriedade, sendo o preço pago em
30 prestações mensais.
A manutenção dos computadores seria assegurada pela Empresa Reparamos Tudo
num Instante, Lda. a expensas do Colégio Privado da Madeira.
a) A Empresa Vende Saber, Lda. começou com dificuldades em pagar
pontualmente todos os empréstimos bancários contraídos, e foi penhorado o seu mobiliário,
incluindo os computadores. Ainda assim, a Empresa procedeu à entrega dos computadores
ao Colégio Privado da Madeira. Quid iuris? (2,5 valores)

• Ponderação do regime de venda de bens onerados (arts. 905.º e seguintes) referindo os direitos
da compradora nesse caso;
• Considerando que a vendedora reservou para si a propriedade, importa analisar o regime e
os seus efeitos perante terceiros.

b) Tendo o contrato sido resolvido por falta de pagamento de duas prestações


depois de decorridos vinte meses de execução pontual das correspondentes prestações, o
vendedor tem direito à restituição dos computadores e o comprador à devolução da parte do
preço paga? Pode o vendedor recusar a restituição do preço invocando que os compradores
foram usados durante 20 meses? (2,5 valores)

• Aplicabilidade do regime da nulidade e anulabilidade à resolução (art. 433.º). O art. 289.º


remete, por seu turno, para o regime da posse, que nega, em princípio, caso a posse seja de boa fé, a
restituição do uso (art. 1270.º, por analogia).
• Referir a deterioração do bem (caso se verificasse), colocando o problema de poder ser
ressarcida por meio da indemnização que acresce à resolução (a não confundir com o problema da
restituição do uso).
c) A Empresa Reparamos Tudo num Instante, Lda. reparou mal dois
computadores, que continuam sem funcionar, e não tem vindo fazer a assistência aos demais
computadores. Qualifique o contrato de reparação e esclareça se o Colégio Privado da
Madeira pode contratar outra empresa de reparações para fazer o trabalho não executado
(ou mal executado) pela Empresa Reparamos Tudo, Lda. (2,5 valores)

• Qualificação do contrato de empreitada (não obstante as várias obras).


• Referência à inaplicabilidade do regime da empreitada de consumo.
• Enunciação do regime aplicável aos defeitos da obra.
• Referência à discussão relativa à possibilidade de (em determinados casos) o dono da obra
poder substituir o empreiteiro por terceiro relativamente à eliminação dos defeitos, podendo exigir
as despesas ao empreiteiro.

II

António vendeu um terreno à imobiliária Belas Vistas, Lda. por 5 milhões de euros. O
terreno, registado com 10.000 m2, situa-se junto à Praia Seguro e destinava-se à construção
de um hotel. António compra e venda foi ajustada com reserva de propriedade a favor do
Banco Credito Bom, que financiou o pagamento do preço.
A Imobiliária Belas Vistas, Lda. celebrou, seguidamente, um contrato de empreitada
com o empreiteiro Damião, que iniciou de imediato a construção do hotel, pois confiou,
como lhe garantira a Imobiliária Belas Vistas, Lda., que já fora aprovada a licença de
construção pela Câmara Municipal. O empreiteiro Damião contratou o empreiteiro Ernesto
para realizar os trabalhos de fundações.
a) Pese embora no registo constar que a área do terreno era de 10.000 m2,
efectivamente só tinha 9.750 m2. Quid iuris? (2,5 valores)

Qualificação do contrato. Referência à forma. Aplicabilidade do art. 888.º, com a consequência de exclusão
do direito à redução do preço.

b) Seis meses após o início das obras, a Câmara Municipal embargou a construção do
hotel e o empreiteiro Damião reclamou junto do dono da obra o pagamento de
todas as despesas realizadas assim como do lucro esperado com a realização da
obra. Quid iuris? (3 valores)
Qualificação do contrato como contrato de empreitada de construção de coisa imóvel. Ponderação da aplicação
do art. 1227.º ou, em alternativa, do art. 1229.º, por a impossibilidade se dever a um substrato a fornecer
pelo credor/dono da obra. Enunciação das diferenças entre as duas previsões e as duas estatuições. Não
existia impossibilidade originária, pois o embargo (determinante da impossibilidade) foi posterior à celebração
do contrato.
c) O empreiteiro Ernesto vem igualmente reclamar ao dono da obra (Imobiliária
Belas Vistas, Lda.) o pagamento das despesas de realização das fundações do
prédio. Quid iuris? (3 valores)

Problema da admissibilidade da subempreitada não expressamente autorizada (art. 1213.º e art. 264.º, n.º
1). Problema da admissibilidade da acção directa do subempreiteiro contra o dono da obra (argumentos da
relatividade dos contratos e do par condito creditorum).

d) O empreiteiro Damião, como ainda não foi pago, fechou a obra a cadeado e não
retira as máquinas do terreno, mas o Banco C., invocando que é proprietário, exige
a imediata entrega do terreno. Quid iuris? (3 valores)

Referência ao problema da atribuição de um direito de retenção ao empreiteiro (cf. art. 754.º e 755.º).
Referência ao problema da admissibilidade da constituição de um direito de retenção a favor do empreiteiro
quando o dono da obra não é proprietário.

1 valor de ponderação global.


Direito dos Contratos I
10 Setembro 2020 Época Especial

Exame

I
Tomás, empresário, […].

a) Na semana anterior à […].

► TÓPICOS:
- Qualificação, fundamentada, do contrato celebrado entre T. e X. como uma empreitada
(1207.º). Se X. for um profissional poderíamos estar perante uma empreitada de bens de
consumo (1.º-A do DL 67/2003, de 8-mai.);
- Análise do poder de fiscalização do dono obra e da sua eventual disponibilidade ou não,
tomando posição sobre a questão (1209.º);
- Análise da possibilidade de alteração unilateral ao contrato pelo dono da obra, sem
necessidade do consentimento do empreiteiro (1216.º). In casu, o preço global acordado foi
fixado pelo número total de pessoas. Assim, a alteração pedida excedia a quinta parte do preço
(20/5 = 4). Com este fundamento, X. poderia recusar-se a fazer a alteração pedida (1216.º /1).
T. apenas podia acrescentar unilateralmente 4 pessoas à lista inicial ou acordar com X.
acrescentar mais 6.

b) No dia do evento, […].

► TÓPICOS:
- Análise da possibilidade do dono da obra desistir da mesma (1229.º, primeira parte).
- Análise, em função dos factos apresentados, dos direitos do empreiteiro na sequência de
desistência da obra pelo dono (1222.º, in fine).
- Análise da questão da propriedade da carne, uma vez que já estava confecionada, e dos
demais produtos adquirido para a execução da obra.

c) O cheesecake de […].

► TÓPICOS:
- Aplicação do regime dos defeitos da obra, à parte da prestação defeituosamente cumprida.
In casu, tratando-se de uma prestação a realizar em prazo fixo, apesar da hierarquia dos meios
de reação do dono da obra, não se coloca um problema de eliminação, nem de substituição.
Análise dos direitos de T. à redução do preço e a indemnização (1222.º e 1223.º).
- A realização de uma entrada extra, ao contrário daquilo que foi convencionado pelas
partes, constitui uma alteração do contrato por iniciativa do empreiteiro. Não fundamenta,
mesmo que vantajosa para o dono da obra, uma alteração do preço (1214.º).
II

Rosilene vendeu […].

a) Pode Sandruska […] (3 valores)

► TÓPICOS:
- Trata-se de uma venda de bens onerados. A declaração de utilidade pública e a perspetiva
de expropriação claramente excede os limites normais inerentes ao direito de propriedade
(905.º);
- S. poderia exigir a resolução do contrato se a limitação tivesse sido determinante da sua
decisão de contratar. Pode, em todo o caso, exigir a redução do preço, conforme pretende
(911.º/1).

b) Pode Sandruska […]? (3 valores)

► TÓPICOS:
- S. tem direito a ser indemnizada pelas despesas em causa (909.º, aplicável ex vi 911.º/2).

c) Três meses depois, […].


Quid iuris? (4 valores)

► TÓPICOS:
- Venda de bens parcialmente alheios. Foi vendido um bem do vendedor, juntamente com
este um bem alheio (o terreno de T.);
- Análise do regime da venda de bens parcialmente alheios na relação entre o comprador e
o vendedor (902.º). Em princípio, o contrato subsiste quanto à parte válida, havendo lugar a
uma redução proporcional do preço;
- Análise do regime da venda de bens parcialmente alheios em relação ao terceiro (R.).
Sendo o mesmo titular de um direito real, a sua posição não é afetada pelo negócio, podendo
tutelar o seu direito, reivindicando-o (1311.º).
TÓPICOS

GRUPO I
1. Integração do caso prático no contrato de empreitada, discutindo o conceito de obra, ou num contrato
de prestação de serviços.
Sendo um contrato de empreitada, haveria ainda que tomar posição quanto a estarmos, ou não, perante
uma empreitada de bens de consumo. Em princípio, estaríamos perante uma empreitada de bens de
consumo. A. seria consumidora e C. um profissional.
Sendo um contrato de prestação de serviços, haveria ainda que discutir o regime aplicável ao mesmo.
Cf. PEDRO DE ALBUQUERQUE/MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, Direito das Obrigações, Volume II, 2.ª ed., Almedina,
2013, pp. 153-159 e 193-205.

2. Integração da situação no regime do cumprimento defeituoso, justificando. No cumprimento


defeituoso de contrato de empreitada, considerando-se que o contrato celebrado foi um contrato de
empreitada.
Identificar os direitos de C., enquanto dono da obra: reparação, nova construção, redução do preço e
resolução do contrato, de acordo com a hierarquia estabelecida pela lei. Com efeito esta empreitada (ou
subempreitada, dependendo da perspetiva) seria uma empreitada entre profissionais. Identificação do
direito à indemnização como cumulável com os outros direitos.
Discutir a utilidade para o dono da obra (C.) dos direitos à reparação, a nova construção ou à redução do
preço, atendendo a que A. “cancelou” o contrato com a clínica, compatibilizando com a parte final do art.
1222.º, n.º 1 do CC.
Cf. PEDRO DE ALBUQUERQUE/MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, Direito das Obrigações, Volume II, 2.ª ed., Almedina,
2013, pp. 416 e ss.

3. Distinção, no cumprimento defeituoso, entre defeitos ocultos e defeitos aparentes, concluindo pela
existência de defeitos ocultos.
Noção de aceitação de obra e identificação das respetivas modalidades.
Análise dos efeitos da aceitação de obra sem reserva no regime geral da responsabilidade por defeitos,
em particular quanto a responsabilidade do empreiteiro.
Cf. PEDRO DE ALBUQUERQUE/MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, Direito das Obrigações, Volume II, 2.ª ed., Almedina,
2013, pp. 289-292 e 412-415.

4. Análise do risco no contrato de empreitada. Atendendo a que os materiais de construção foram


fornecidos pelo empreiteiro, e presumindo ainda não ter ocorrido a aceitação à data do incêndio, L. é o
proprietário da prótese (art. 1212.º, n.º 1, CC).
Enquanto proprietário, o L. suporta o risco, e não pode por isso exigir o preço à C. (art. 1228.º).
Cf. PEDRO DE ALBUQUERQUE/MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, Direito das Obrigações, Volume II, 2.ª ed., Almedina,
2013, pp. 289-292 e 412-415.

GRUPO II
Enquadramento da situação na venda de bens onerados (art. 905.º do C.C.).
Análise e fundamentação da boa-fé/má-fé das partes.
A obrigação de eliminação do ónus ou limitação (penhora, mediante o pagamento da dívida, e com isso
impedir a venda judicial), enquanto obrigação do vendedor fazer convalescer o contrato (art. 907.º),
sanando a sua anulabilidade.
Direito de A. ser indemnizado (art. 908.º e 909.º do C.C.), em cumulação com a indemnização prevista no
art. 910.º do C.C. no caso de não fazer convalescer o contrato de compra e venda.
Possibilidade de redução do preço, desde que preenchida a previsão do art. 911.º do C.C.
Cf. PEDRO DE ALBUQUERQUE, Direito das Obrigações, Volume I, 2.ª ed., Almedina, 2019, pp. 380 e ss.
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Exame de Recurso — Direito dos Contratos I

3.º ano TAN — 14.02.2020

Regência: Prof. Doutor Pedro de Albuquerque

Grupo I

Anabela vende a Baltazar uma moradia na Zambujeira do Mar, cuja área é de 120 m2, que este
pretende utilizar para fins habitacionais durante o verão. O preço acordado foi de € 400.000 e as
chaves foram entregues duas semanas após a escritura pública.

Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:

1) Um mês depois, Baltazar descobre que Carolina se encontrava a habitar na moradia,


alegando a mesma que gozava de um direito de usufruto resultante de um contrato
previamente celebrado com Anabela. Baltazar pretende reagir. Quid juris? (4 valores)

- Qualificação como compra e venda de bens onerados (art. 905.º CC). O “ónus” enquanto um
vício do direito transmitido e não do objeto do negócio, i.e., a coisa vendida (diferentemente do
que sucede na venda de bens defeituosos).

- Tomada de posição fundamentada sobre se a venda de bens onerados é causa de anulabilidade


(plano da validade do negócio) ou de resolução (plano do não cumprimento) do contrato.

- Não existe possibilidade de confirmação do negócio pelo comprador (art. 288.º CC), mas sim a
possibilidade (rectius, obrigação) de convalescença pelo vendedor (art. 906.º e 907.º CC), através
da expurgação do ónus.

- Pretensão indemnizatória: aplicação articulada dos artigos 908.º ou 909.º (consoante o vendedor
tivesse ou não conhecimento da existência do direito de usufruto) e 910.º CC. Em caso de dolo, o
vendedor tem direito a uma indemnização pelo interesse contratual positivo (art. 910.º, n.º 2 CC).

2) Decorridos dez meses desde a celebração do contrato, Baltazar descobre que a área da
moradia é de apenas 108 m2. Quid juris? (2 valores)

- A área real da moradia difere da área declarada no contrato em 1/10 (um décimo), logo Baltazar
tem direito à correção do preço (art. 888.º, n.º 2 CC): discussão sobre se correção proporcional do
preço visaria a totalidade da diferença ou apenas a parte da diferença que excedia 1/20.

- O direito à correção do preço ainda não havia caducado, pois Baltazar tomou conhecimento da
discrepância antes de decorrer 1 ano após a entrega do imóvel (art. 890.º, n.º 1 CC).

- Discussão sobre o direito de resolver o contrato previsto no artigo 891.º, n.º 1 CC.

3) Imagine que a compra e venda da moradia havia sido ajustada com reserva de propriedade
a favor do Data Bank, S.A.., que financiou o pagamento do preço. Entretanto, e antes do
pagamento integral das prestações do contrato de mútuo, Baltazar perde o interesse na
moradia e vende-a a Eurico, seu amigo de infância. Quid juris? (4 valores)
- Discussão sobre validade da cláusula de reserva de propriedade a favor de terceiro (no caso,
mutuante), mencionando os argumentos a favor e contra (valorizando-se as referências
jurisprudenciais e doutrinárias relevantes). Referência, em particular, à proibição de pacto
comissório e ao princípio da tipicidade dos direitos reais.

- Eventual menção à validade de cláusula de reserva de propriedade em que o evento que


desencadeia a produção do efeito transmissivo consiste no pagamento a terceiro e à
(im)possibilidade de transmissão da reserva de propriedade.

- Consoante a posição adotada, discussão sobre a oponibilidade a terceiros da cláusula de reserva


de propriedade constante do registo (art. 409.º, n.º 2 CC) e a qualificação da venda da moradia a
Eurico enquanto venda de bens alheios e suas consequências (art. 892.º e ss. CC).

Grupo II

Recentemente, Francisca decidiu fazer algumas remodelações no seu apartamento. Gizou e


elaborou um projeto, que entregou a Guilherme, empreiteiro de profissão, para execução, tendo
as partes acordado que o preço seria de 10.000€.

Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:

1) Durante a obra, Francisca visitou frequentemente o apartamento para acompanhar os


trabalhos. Tendo a obra sido finalizada, Francisca recusou a entrega, argumentando que
as portas e as janelas não estavam de acordo com o projeto, tendo ainda exigido a sua
substituição. Guilherme ficou muito revoltado e alegou que a desconformidade era
pouco relevante e que Francisca devia tê-lo alertado antes. Quid juris? (5 valores)

- Qualificação do contrato como empreitada de consumo (art. 1207.º CC e art. 1.º-A, n.º 2 do DL
n.º 67/2003), celebrado entre um profissional e um consumidor (art. 1.º-B do DL n.º 67/2003).

- O argumento da irrelevância do vício seria improcedente, atendendo ao conceito juridicamente


aplicável de «desconformidade» (art. 2.º e ss. do DL n.º 67/2003).

- Discussão sobre a qualificação da fiscalização enquanto dever, ónus, direito ou faculdade do


dono da obra (art. 1209.º CC). Tomada de posição.

- Debate doutrinário quanto à interpretação do art. 1209.º, n.º 2 CC: a prévia fiscalização pelo
dono da obra preclude os seus direitos em sede de empreitada defeituosa? Confronto com a figura
do abuso de direito (art. 334.º CC). Tomada de posição.

2) Uma vez que não era especialista em instalações elétricas, Guilherme contrata Hugo
para o auxiliar na remodelação do apartamento. Finalizada a instalação elétrica, Hugo
não recebe a quantia acordada de 2.500€, pelo que vem exigir o seu pagamento a
Francisca, a qual recusa por desconhecer a existência de tal acordo. Em consequência,
Hugo retira o quadro elétrico que havia instalado. Quid juris? (4 valores)

- Qualificação da contratação de Hugo como uma subempreitada (art. 1213.º, n.º 1 CC), a qual
não necessitava de autorização do dono da obra, atendendo à sua natureza fungível (art. 264.º, ex
vi 1213.º, n.º 2 CC).
- Enquadramento da admissibilidade do subempreiteiro exigir o preço diretamente ao dono de
obra, como uma exceção ao princípio da relatividade dos contratos (art. 406.º, n.º 1 CC).

- A retirada do quadro elétrico suscita a questão de se saber se o subempreiteiro beneficia de


direito de retenção (art. 754.º e ss. CC), devendo ser mencionados os argumentos a favor e contra
(valoriza-se a menção à prática jurisprudencial nesta matéria).

Duração: 90 minutos

Apreciação global: 1 valor


DIREITO DOS CONTRATOS I

Exame Escrito de Coincidências de Recurso


20 de fevereiro de 2020 - 90 minutos
Prof. Doutor Pedro de Albuquerque

TÓPICOS DE CORRECÇÃO

GRUPO I

1. Integração do caso no contrato de empreitada (art. 1207.º);


Natureza jurídica da fiscalização (art. 1209.º);
Distinção entre a fiscalização e a verificação (art. 1218.º);
Distinção entre a aceitação com reserva e sem reserva (art. 1219.º);
Conclusão que A. tinha direito à eliminação dos defeitos ou à construção de nova obra (arts. 1221.º
e 1222.º), atendendo o facto de não ter referido nada aquando da fiscalização não implica a perda
de direitos aquando da verificação e aceitação com reserva. Adicionalmente, tem A. direito a ser
indemnizada dos prejuízos causados (art. 1223.º).
Cf. PEDRO DE ALBUQUERQUE/MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, Direito das Obrigações, Volume II, 2.ª ed.,
Almedina, 2013, pp. 272-280, 284-292, 394-399.

2.Ponderação da eventual aplicação do regime dos bens de consumo, previsto no DL n.º 67/2003,
que não prevê hierarquia nos direitos atribuídos ao consumidor;
Nos termos gerais, a resolução do contrato é possível se os defeitos tornarem a obra inadequada
ao fim a que se destina (art. 1222.º, n.º 1, parte final), o que poderia ser o caso em análise.
Cf. PEDRO DE ALBUQUERQUE/MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, Direito das Obrigações, Volume II, 2.ª ed.,
Almedina, 2013, pp. 433-437.

3. Identificação da situação como sendo uma alteração por exigência do dono da obra (art. 1216.º).
A alteração por exigência do dono da obra como derrogação do artigo 406.º. Limitações legais às
alterações que o dono da obra pretenda, discutindo neste caso se existia alteração da natureza da
obra ou o valor podia exceder a quinta parte do preço estipulado (art. 1216.º, n.º 1).
Indicação dos direitos do empreiteiro caso a alteração exigida pelo dono da obra fosse aceite por
aquele (art. 1216.º, n.ºs 2 e 3).
Cf. PEDRO DE ALBUQUERQUE/MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, Direito das Obrigações, Volume II, 2.ª ed.,
Almedina, 2013, pp. 365-373.

4. Desistência do dono da obra e os seus efeitos jurídicos (art. 1229.º). A desistência do dono da
obra como derrogação do artigo 406.º.
Identificação do interesse contratual protegido pela norma, a favor do empreiteiro.
Cf. PEDRO DE ALBUQUERQUE/MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, Direito das Obrigações, Volume II, 2.ª ed.,
Almedina, 2013, pp. 502-510.
DIREITO DOS CONTRATOS I

Exame Escrito de Coincidências de Recurso


20 de fevereiro de 2020 - 90 minutos
Prof. Doutor Pedro de Albuquerque

GRUPO II

1. Ponderação da modalidade de venda de bens defeituosos (arts. 913.º e ss.);


Identificação dos direitos da compradora, nomeadamente à reparação e/ou substituição da
bicicleta (art. 914.º ).
Discussão sobre a possível aplicação do art. 914.º, parte final, quando o vendedor desconhecia sem
culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece, o que também afasta o direito à
indemnização prevista no art. 909.º, por remissão do art. 915.º.
Identificação do procedimento da compradora aquando da constatação do defeito (denúncia) – art.
916.º.
Cf. PEDRO DE ALBUQUERQUE, Direito das Obrigações, Volume I, Almedina, 2019, pp. 418 e ss.

2. Ponderação da situação quanto à modalidade de venda de bens alheios (art. 892.º);


Diferenciação da venda de bens futuros (art. 893.º);
Identificação dos direitos de H., nomeadamente à convalidação do contrato, que a não ser cumprida
pelo vendedor gera um direito de indemnização cumulável com as indemnizações previstas nos
arts. 898.º e 899.º, com a limitação prevista no art. 900.º, n.º 2.
Direito à restituição do preço, que afasta a convalidação do contrato (arts. 894.º e 896.º, n.º 1, al. b);
Caracterização da nulidade decorrente desta modalidade de venda como atípica, justificando-a.
Cf. PEDRO DE ALBUQUERQUE, Direito das Obrigações, Volume I, Almedina, 2019, pp. 325 e ss.
3.º Ano Dia
Turma A

14 de fevereiro de 2020
Prof. Doutor Pedro de Albuquerque

Direito dos Contratos I


EXAME DE RECURSO
TÓPICOS DE CORREÇÃO

1)

Qualificação completa e fundada do contrato como contrato de empreitada (incluindo os seus elementos
caraterizadores essenciais e caraterísticas) e referência à empreitada de construção de coisa imóvel e respetivas
implicações;
Qualificação da empreitada como empreitada de consumo (por estar em causa uma relação de consumo, o
que ocorre sempre que o empreiteiro seja um profissional e o dono da obra um consumidor, visando a obra
para fins não profissionais – arts. 1.º A, n.º 1, e 1.º B a) do DL 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações
entretanto sofridas (de ora em diante, DL 67/2003) e arts. 2.º, n.º 1 da Lei 24/96, de 31 de Julho, com as
alterações entretanto sofridas) e aplicação do regime específico da empreitada de bens de consumo instituído
pelo DL 67/2003. Referência ao disposto no artigo 1.º A, n.º 2, deste diploma legal que declara expressamente
a aplicação do diploma “com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada
ou outra prestação de serviços”, o que permite incluir a empreitada, seja ela de construção, reparação ou modificação.
Explicação fundada de que estando em causa uma empreitada de bens de consumo, o regime dos artigos
1218.º e ss do Código Civil (de ora em diante “CC”) é substituído pela aplicação, com as necessárias adaptações
do regime do DL 67/2003 pelo que não será igualmente de aplicar o disposto no artigo 1225.º CC que
estabelece uma garantia suplementar no caso de empreitadas destinadas a longa duração. Daqui resulta que o
empreiteiro tem o dever de realizar a obra e de a entregar em conformidade com o contrato (artigo 2.º, n.º 1
do DL 67/2003) o que se presumirá não se verificar sempre que ocorra algum dos factos negativos referidos
no artigo 2.º, n.º 2 do DL 67/2003 – o aluno deverá explicar e fundamentar qual deste facto/os
ocorreu/ocorreram e articular esta desconformidade com o disposto no artigo 3.º, n.º 2 do mesmo diploma
legal que presume que a falta de conformidade que se verifique no prazo de 5 anos após a entrega, para os
imóveis, já existia nessa data.
Para além disso é relevante referir que o regime da empreitada de bens de consumo não impõe ao dono da
obra o dever de verificar, apenas irresponsabilizando o empreiteiro se o defeito for aparente, isto é, se o dono
da obra conhecia a falta de conformidade ou não podia razoavelmente ignorá-la ou se esta resultar dos materiais
por este fornecidos (artigo 2.º, n.º 3 do DL 67/2003). Ora, no caso sub judice era precisamente isso que sucedia
com a parte do pedido de substituição de todo o mobiliário de cozinha feito por Amélia (esta alega que o
mobiliário era de cor branca e havia sido convencionado, no contrato, que deveria ser de cor castanha) pois
trata-se de defeito aparente. Já o mesmo não sucede relativamente à pretensão de Amélia relativamente à
reparação do telhado já que se trata de defeito oculto.
Quanto à reparação do telhado, estando assente que se trata de uma falta de conformidade (nos termos do
disposto no artigo 2.º, n.º 2 do DL n.º 67/2003), caberia debater quais são os remédios ao dispor do consumidor
- dono da obra, bem como a existência ou inexistência de hierarquia entre eles (artigo 4.º, n.º 1 do DL n.º
67/2003). Mesmo sufragando a inexistência de hierarquia, de referir que sempre seria ser oponível a cláusula
geral prevista no artigo 4.º, n.º 5 Decreto-Lei n.º 67/2003.
No respeitante aos prazos, de referir ainda que a denúncia se pressupõe ter sido feita dentro do prazo, uma
vez que no enunciado da hipótese do exame se refere que Amélia notificou de imediato a empreiteira depois
de a desconformidade se manifestar (e nos termos do disposto no artigo 5.º-A, número 2 do Decreto-Lei n.º
67/2003), a dona da obra dispõe de um prazo de um ano para denunciar o defeito ao empreiteiro. Cumpriria
igualmente notar que a falta de conformidade se manifestou dentro do prazo (de garantia) de cinco anos
previsto no artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 67/2003, conforme acima referenciado. Posto isto, A. poderia
propor ação em tribunal pedindo o reconhecimento do seu direito (reparação ou resolução do contrato) no
prazo de 3 anos após a denúncia (nos termos do disposto no artigo 5.º-A, n.º 3 do DL n.º 67/2003).
Por último, seria necessário referir também que o prazo de 8 dias para a reparação do telhado que fora
conferido por A. ao empreiteiro não seria, muito provavelmente, um prazo razoável, nem atendível pelo
empreiteiro para efetuar e concluir a reparação em apreço, já que, de acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º
2 do DL 67/2003, o legislador dispõe que “tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas
dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito” (…), “sem grave inconveniente para o consumidor”. Ora,
apesar de este preceito legal não fixar um prazo concreto para o caso da reparação dos imóveis, considerando,
por um lado (i) a natureza da desconformidade em apreço – reparação do telhado, e, por outro lado (ii) o facto
de o prazo para a reparação de um móvel, ser fixado no máximo de 30 dias, pelo que deveria ser aventada pelos
alunos a desrazoabilidade do prazo de 8 dias fixado por Amélia.

2)

- Qualificação completa e fundada do contrato como contrato de compra e venda que tem por objeto um
bem imóvel – um determinado terreno com 10.000 metros quadrados.
- Análise do problema da compra e venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem e medição, isto é venda
de coisas determinadas, ainda que sujeitas a uma posterior operação de contagem, pesagem ou medição (cf.
arts. 887.º e ss do CC).
- No caso concreto coloca-se o problema da existência de uma discrepância entre a referência contratual e
o resultado da operação de medição do terreno. Uma vez que o terreno se trata de uma coisa determinada, a
venda considera-se concluída antes da operação de medição, logo com a celebração do contrato, adquirindo
assim Amélia imediatamente a propriedade do terreno vendido (artigo 408.º, n.º 1), suportando assim
consequentemente o risco pela sua perda ou deterioração (artigo 796.º, n.º 1), pelo que a discrepância apenas
pode ter reflexos para efeitos do apuramento do preço devido.
- Havia que distinguir a venda ad mensuram ou por medida da venda ad corpus ou a corpo. No caso concreto
o preço havia sido fixado para o terreno como um todo, pelo que parece resultar estarmos perante um caso de
venda ad corpus ou a corpo, já que se tratará de um caso em que as partes não terem indicado um preço unitário,
mas antes um preço global, pelo que deveria ser aplicado o regime previsto no art. 888.º do CC que determina
que a correção da discrepância entre a “quantidade das coisas vendidas” e a que é declarada no contrato seja
apenas corrigida se a discrepância for superior a 5% na venda a corpo ou ad corpus. No caso concreto o preço
deveria, pois, sofrer redução proporcional uma vez que tinha, de facto, menos 1000 metros quadrados.

3)

- Qualificação completa e fundada do contrato de como compra e venda como compra e venda fracionada ou
a prestações com reserva de propriedade (artigo 934.º do CC).
- Análise completa e fundada dos requisitos de aplicação do disposto no artigo 934.º do CC, quanto à primeira
parte (resolução) e quanto à segunda parte (exigibilidade antecipada das prestações vincendas) para aferir dos
direitos de A. em relação a C. (dar nota que apesar de a questão não se colocar no caso concreto, para o Senhor
Professor Pedro de Albuquerque, Professor Regente, entende que quanto à primeira parte do artigo 934.º, a
reserva de propriedade não é um verdadeiro e próprio requisito).
- Explicação completa e fundada do sentido, função e natureza da cláusula de reserva de propriedade.
Implicações daqui resultantes para o caso em apreço. Em princípio, não se trata de uma exceção ao princípio
da transmissão da propriedade por efeito do contrato, e, concomitantemente, ao Sistema do Título, mas apenas
de uma dilação dessa transmissão para um momento posterior.
- A. não poderia resolver o contrato, nem exigir as prestações ainda não vencidas, já que funcionava a tutela do
artigo 934.º do CC (1.ª e 2.ª parte deste preceito legal, respetivamente) mas poderia exigir o cumprimento
coercivo das prestações em falta ou a sua execução específica.
- Pode alienar-se a posição jurídica do comprador com reserva de propriedade (que era relevante qualificar),
que tem conteúdo patrimonial e não está abrangida por qualquer proibição de disposição pelo seu titular. Pode
também tratar-se o bem como bem relativamente futuro (artigo 893.º do CC). Fora desses casos, parece que há
venda de bens alheios (artigo 892.º CC). Assim, in casu, depois da venda a C., A. não mantém a plenitude dos
poderes de um normal proprietário, designadamente os poderes de alienação. A reserva de propriedade cumpre
uma função de garantia, pelo que se deve entender que Amélia não tem legitimidade para alienar a coisa a E..
Consequentemente, tal hipótese deverá ser equiparada à venda de coisa alheia como própria, sancionando-se
tal venda com a nulidade. Explicar fundadamente que tipo de nulidade estava em causa.
- Já no que respeita à alienação do carro por C., adquirente sob reserva, a D., haveria que distinguir e colocar
duas hipóteses (uma vez que o texto do enunciado do exame é omisso quanto a este ponto) e retirar daí as
devidas ilações, devidamente fundamentadas: (i) estando em causa uma de venda de bem alheio como bem
alheio, isso significará conforme acima referido, que esta venda será válida, sendo-lhe aplicável o disposto no
art. 880.º do CC, ex vi artigo 893.º do CC, tratando-se o bem como relativamente futuro; (ii) caso se trate da
venda de bem alheio como bem próprio, o contrato será nulo já que se tratará de uma compra e venda de um
bem alheio (artigo 892.º do Código Civil).
Direito dos Contratos I — Turma B
Época de recurso
29 de julho de 2020
Duração: 2 horas

I.
A vendeu a B um carro de luxo usado por €50.000,00 (cinquenta mil euros).
Ficou convencionado que o preço seria pago em 48 prestações mensais de €1.041,67, e
que A reservaria a propriedade para si até ao pagamento integral do preço, o que passou
a constar do registo. Seis meses após a compra, B deixou de cumprir o acordado e
vendeu o automóvel a C por €60.000,00 (sessenta mil euros), que pagou o preço a
pronto.
Imagine as seguintes situações, independentes entre si, e responda apenas às
perguntas colocadas:
1) Imagine que C destruiu o carro num acidente provocado inteiramente por
culpa de outrem. Tendo tido conhecimento do facto, A exige a B o
pagamento da totalidade das prestações ainda em dívida (42 prestações).
Simultaneamente, A exige a C a entrega do que resta do automóvel. Terá A
êxito nestas pretensões? (4 valores)

Pretensões de A perante B:
A e B celebraram um contrato de compra e venda, em prestações, com reserva
de propriedade.
B, ao incumprir uma prestação, encontra-se em mora do devedor [artigo 805.º/2,
a)], ficando, por essa via, vinculado ao pagamento de juros de mora (artigo 806.º).
Equacionar a possibilidade de aplicação do regime do artigo 934.º, tendo em
atenção os seus pressupostos. Explicar a sua relação de especialidade com o artigo
781.º. Na medida em que B falte exclusivamente ao pagamento de uma prestação,
considerando que esta não excede 1/8 do preço, não pode A pedir o pagamento das
prestações remanescentes. De acordo com o regime geral, A só entrará numa situação
de incumprimento definitivo após interpelação admonitória e decurso do prazo
admonitório (artigo 808.º/1).
Porém, se B persistir no incumprimento, é possível discutir-se se a falta de
pagamento de duas ou mais prestações, mesmo não excedendo 1/8 do preço, podem
legitimar A a pedir o pagamento das prestações restantes. Nesse caso, importa
equacionar se a perda do benefício do prazo equivale a uma situação de vencimento
antecipado ou de exigibilidade antecipada da prestação, explicando as suas
consequências, nomeadamente ao nível dos juros de mora que são devidos.

A perante C:
A é o proprietário do automóvel, pelo que, em princípio, poderia reivindicá-lo
(artigo 1311.º). Porém, a propriedade de A encontra-se onerada pelo direito real de
aquisição de B.
Para que A possa pedir a C a entrega do que resta do automóvel seria preciso
que (i) A pudesse resolver o contrato de compra e venda celebrado com B e (ii) a
cláusula de reserva de propriedade fosse oponível a C.
Quanto ao primeiro ponto, ponderar a possibilidade de aplicação do artigo 934.º,
explicando a sua relação de especialidade com o artigo 886.º. Tal como na hipótese
anterior, na medida em que a prestação em falta não excede 1/8 não é possível a
resolução do contrato (sem prejuízo de se poder ponderar o cenário de persistência do
incumprimento).
Sendo admissível a resolução do contrato de compra e venda celebrado com A,
e estando a cláusula de reserva de propriedade registada, pode a cláusula ser oposta a
C (artigo 409.º/2), podendo A reclamar a entrega do que resta do automóvel.

Podia, ainda, discutir-se quem terá direito à indemnização devida em resultado


do acidente de terceiro. Discutir a possibilidade de existir um fenómeno de sub-rogação
real, de o lesante indemnizar conjuntamente o comprador e o vendedor ou, por último,
de o comprador ser o principal titular do direito à indemnização, sem prejuízo do direito
do vendedor a ser compensado por ter ficado frustrada a sua garantia sobre o bem
vendido.

2) Suponha, que um ano após a compra, C descobriu que o carro já tinha


300.000 km de rodagem apesar de o conta-quilómetros marcar apenas
100.000 km e de B lhe ter assegurado que este número era verdadeiro, pois
havia-lhe sido vendido com essa garantia. C dirige-se então a A para
reclamar deste a devolução de € 40.000,00, a título de desvalorização do
carro resultante da sua real quilometragem. Terá C êxito nesta pretensão?
Poderia C pedir algo a B? (4 valores)

Identificação da celebração de um contrato de compra e venda de coisa


defeituosa entre A e B e entre B e C. Apresentação do conceito de vício e sua aplicação
no caso concreto.
A garantiu a veracidade da quilometragem do automóvel: artigo 921.º/1. Porém,
não tendo sido estipulado outro prazo, a garantia expirou seis meses após a entrega do
automóvel, pelo que B já não poderá denunciar o defeito dentro do prazo da garantia
(artigo 921.º/3).

C nada pode reclamar de A. Não se aplica o Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de


abril, na medida em que a compra e venda é celebrada entre dois não profissionais.
Vigora o princípio da relatividade das obrigações (artigo 406.º/2), pelo que, na medida
em que não existe qualquer vínculo contratual entre C e A, nada poderá ser reclamado
de A.

Pretensões de C perante B:
Foi celebrado um contrato de compra e venda de coisa defeituosa. Na medida
em que não existe dolo de B, C deve denunciar o defeito seis meses após a entrega da
coisa (artigo 916.º/2). A ação de anulação caduca findo este prazo (artigo 917.º).
Questionar se a caducidade prevista no artigo 917.º apenas se aplica à ação de
anulação ou também à ação de reparação/ substituição, diminuição do preço ou
indemnização. Tomada de posição. Em qualquer caso, os direitos de C perante B
caducaram, uma vez que o defeito apenas foi detetado um ano após a celebração do
contrato de compra e venda.
Equacionar a possibilidade de existir responsabilidade civil obrigacional de B
perante C (artigos 798.º ss.), embora fosse duvidosa a existência de culpa do vendedor.

II.
António queria mudar-se para o Alentejo para uma casa com piscina e com
espaço para receber toda a sua família numerosa. Não tendo conseguido adquirir
nenhuma casa com essas características nem encontrado um terreno que satisfizesse os
seus interesses, António contacta Beatriz para, no terreno desta, construir uma moradia
com dois andares e piscina. Convencionaram que o prazo para a construção seria de um
ano, pelo valor de € 2 milhões.
Decorridos seis meses sobre o início dos trabalhos, Beatriz apercebe-se que não
vai conseguir terminar a construção a tempo, pelo que contrata Carlos para a ajudar
com a finalização das obras. Com essa preciosa ajuda, Beatriz consegue entregar a
António a moradia na data convencionada.
António, após analisar minuciosamente a obra, demonstra-se muito satisfeito,
exceto em relação à fechadura da porta, que não funcionava bem. Ainda assim,
agradece a Beatriz e aceita as chaves.
Porém, passados três anos António dirige-se a Beatriz queixando-se que o
soalho estava levantado, que a fechadura da porta encravava com regularidade e que as
janelas, mesmo fechadas, deixavam entrar correntes de ar. As janelas foram instaladas
por Carlos e este utilizou um material rapidamente degradável.
Responda, fundadamente, às seguintes questões:

a) Podia Beatriz pedir ajuda a Carlos na construção da moradia? (2 valores)


Qualificação do contrato celebrado entre António e Beatriz como empreitada.
Identificação dos seus elementos essenciais.
Identificação de um contrato de subempreitada entre Beatriz e Carlos.
Problematização da admissibilidade da celebração deste contrato. Interpretação
da lei: artigos 1213.º e 264.º/1. Identificação e explicação dos critérios que devem estar
verificados para a contratação de um subempreiteiro. Tomada de posição.

b) Quais as pretensões de António perante Beatriz? (5 valores)

Análise do comportamento do empreiteiro: 1208.º. Dever de executar a obra


sem vícios que reduzam o valor da moradia.
António analisa minuciosamente a obra: verificação da obra (artigo 1218.º).
Aceitação tácita por parte de António, sem reservas.
Identificação de defeitos. No caso da fechadura trata-se de um defeito aparente,
detetado pelo dono da obra durante a verificação. Quanto aos problemas associados ao
soalho e janelas estamos perante defeitos ocultos. Explicar e distinguir os conceitos de
defeitos aparentes e ocultos.
Identificação da moradia como “imóvel de longa duração” para efeitos de
aplicação do artigo 1225.º. Análise dos elementos que caracterizam os imóveis de longa
duração e conclusão pela aplicação ao caso concreto.
Os defeitos devem ser denunciados por António. Quanto ao soalho e às janelas:
verificação do prazo do artigo 1225.º/2, ou seja, de um ano a contar do conhecimento
dos defeitos pelo dono da obra. O prazo de caducidade da ação para requerer a
eliminação dos defeitos é de um ano a contar da denúncia (artigo 1225.º/3). O prazo de
cinco anos deve valer como prazo para a manifestação dos defeitos (e não como prazo
de caducidade dos direitos face ao empreiteiro).
Análise, fundamentada, da questão de saber se o funcionamento do artigo 1225.º
depende da gravidade dos defeitos, em especial, em relação à fechadura da porta que
encravava com regularidade. Tomada de posição.
Mesmo quanto aos defeitos das janelas, António pode reagir contra Beatriz, que
é responsável, perante António, pelos atos dos subempreiteiros (artigo 800.º).
Quanto à fechadura, problematizar a aplicação do regime de irresponsabilidade
do empreiteiro previsto no artigo 1219.º/1 no domínio do regime especial dos imóveis
para longa duração. Tomada de posição e conclusão em conformidade.
Sendo Beatriz responsável perante António pelos defeitos no soalho e nas
janelas, análise dos meios de tutela ao alcance do dono da obra. Artigo 1221.º e 1222.º:
análise da existência de uma hierarquia entre os vários meios de tutela.
Subsidiariamente, direito a uma indemnização para ressarcir os prejuízos não
eliminados.

c) Pode António pedir a substituição das janelas a Carlos? (3 valores)

Ponderação, com argumentos contra e a favor, da possibilidade de existir ação


direta do dono da obra face ao subempreiteiro.
Admitindo que sim, análise do direito à substituição das janelas tendo em conta
a hierarquia dos direitos reconhecidos ao dono da obra defeituosamente efetuada.

Ponderação global: 2 valores


Direito dos Contratos I (TN) | Exame Escrito (1.ª Época)
17 de Janeiro de 2019 | Duração: 90 minutos

Grupo I
[9 valores]
No dia 31 de dezembro de 2018, Abel recebeu em sua casa a sua amiga Beatriz, que ficou muito
bem impressionada com os azulejos italianos que decoravam a sua sala de estar. Beatriz propôs
comprá-los pelo preço de € 25.000,00, a pagar em 25 prestações mensais de € 1.000,00 cada. Abel
aceitou, tendo combinado a entrega dos azulejos na casa de Beatriz uma semana depois.

Considere as seguintes hipóteses, isoladamente:


1) No dia seguinte, Abel preparava-se para retirar os azulejos da parede quando se sente um
sismo. O sismo provocou a destruição da parede e dos azulejos que a decoravam. Abel
pretende que Beatriz pague o preço dos mesmos, uma vez que não se considera mais
proprietário dos mesmos.
2) Em março de 2019, Beatriz não havia pago as prestações referentes aos meses de janeiro
e fevereiro, pese embora Abel haja procedido à entrega dos azulejos na data combinada.
Que tutela legal assiste a Abel naquela data?
3) Beatriz descobre que os azulejos pertenciam a Carlos, irmão de Abel, proprietário e
legítimo possuidor do imóvel, que os reivindica a Beatriz. Beatriz recusa-se a entregar
os azulejos invocando que procedeu a um custoso restauro dos mesmos, o que em muito
os valorizou.
Grupo II
[9 valores]
Na sequência do sismo, e em face da necessidade de reparar as paredes de sua casa, Abel decidiu
contactar Dionísio para as reparar, em troca de €2.500,00.

Considere as seguintes hipóteses, isoladamente:


1) Dionísio retorquiu que apenas aceitava a proposta na condição de Abel não interferir
durante a execução da obra, ao que este anuiu. Abel tem agora dúvidas em classificar o
contrato celebrado, pedindo-lhe o seu parecer jurídico. Qual o seu parecer?
2) Abel contratou Elias, um especialista, para vistoriar a obra durante a sua execução.
Confiando no relatório elaborado por Elias — nos termos do qual se considera que a obra
está a ser executada muito lentamente —, Abel exige a Dionísio que a execute mais
rapidamente. Dionísio replica que não tem de seguir as suas exigências, para mais quando
está a seguir o plano convencionado. Abel solicita-lhe, novamente, o seu parecer jurídico.
3) Abel, estudante de Direito dos Contratos I, afirma que o seu parecer é defeituoso.
Considerando ser aplicável o regime da empreitada, exige-lhe a eliminação dos defeitos,
nos termos do artigo 1221.º do Código Civil. Esclareça Abel sobre a natureza do contrato
celebrado.

[Ponderação Global: 2 valores]


Critérios de correção
Grupo I
[9 valores]

1) Classificação completa e fundada do contrato como compra e venda (art. 874.º); Referência
ao princípio da consensualidade ao momento da transmissão da propriedade: estamos perante
partes integrantes (202.º e 204.º/3), pelo que a transmissão da propriedade fica diferida para
o momento da separação (408.º, n.º 2).
A destruição dos azulejos e da parede onde se encontravam provoca a impossibilidade do
cumprimento da obrigação de entrega, por causa não imputável ao devedor (A); o efeito real
não se logrou a produzir com a mera celebração do contrato (408.º/2), nem ocorreu a
necessária entrega dos bens.
Não há lugar à aplicação das regras do risco (796.º), porquanto não houve nem transferência
de domínio nem a constituição ou transferência de direitos reais sobre os azulejos.
Resta a aplicação das regras relativas à impossibilidade de cumprimento (795.º/1). B fica
desobrigado da contraprestação (de pagamento do preço) e tem o direito de exigir a sua
restituição, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa, se já a tiver totalmente
ou parcialmente realizado.

2) B não paga duas das prestações do preço, podendo A exigir antecipadamente as restantes
prestações (934.º, segunda parte); ao não pagar duas prestações, torna-se irrelevante apurar
se a falta de pagamento excede uma oitava parte do preço.
Articulação dos artigos 886.º e 934.º, primeira parte; discussão e tomada de posição
fundamentada acerca da questão de saber se perante uma venda a prestações sem reserva de
propriedade se deverá aplicar a primeira parte do artigo 934.º: aplicando-se o preceito, a
possibilidade de resolução do contrato ficaria dependente de o incumprimento de B exceder
1/8 do preço; porém, B incumpriu duas prestações, devendo discutir-se se a possibilidade de
resolução do contrato fica dependente da gravidade do incumprimento, tal como previsto no
artigo 802.º/2.

3) A venda celebrada entre A e B qualifica-se como uma venda de bens alheios, por falta de
legitimidade de A, tratando-se de uma venda como própria de uma coisa alheia específica e
presente, fora do âmbito das relações comerciais (892.º e ss.). A venda é, como tal, nula
(nulidade atípica). A compra e venda entre A e B é ineficaz perante Carlos (C), que poderá
reivindicar a coisa perante quem a tenha em seu poder (1311.º).
B, estando de boa fé, poderá invocar a nulidade da compra e venda perante A, que se encontra
de má fé (presumivelmente), mas não o inverso (892.º). Quanto aos efeitos, sendo nula a
venda realizada (pressupondo-se a não convalidação do contrato), B ficará obrigado a restituir
a coisa (289.º) a C, que a reivindica, e tem direito à restituição integral do preço que
eventualmente tenha pago, por se encontrar de boa fé (894.º/1, in fine).
B tem ainda direito a ser indemnizado por A, nos termos do artigo 897.º, caso este tenha
procedido com dolo (253.º) ou, alternativamente, nos termos do art.º 899.º; esta indemnização
poderá ser cumulada com a indemnização pela não convalidação do contrato (897.º/1, in fine),
se compatível, nos termos do artigo 900.º.
B terá direito à restituição das benfeitorias realizadas nos azulejos, nos termos dos artigos
901.º e 1273.º, podendo reter a coisa (754.º) até ao seu pagamento por C, quer B, devedores
solidários.

Grupo II

2/3
[9 valores]

1) Discussão relativa à questão de saber se as partes podem, no âmbito da sua autonomia


privada, afastar a faculdade de fiscalização que assiste ao dono da obra; referência à
essencialidade da fiscalização e referência à fiscalização como elemento tipológico do
contrato de empreitada. Referência às consequências do afastamento desta faculdade:
nulidade da cláusula (809.º) ou perda do elemento tipológico, com a consequência de se
considerar estarmos perante um outro contrato típico (compra e venda de bem futuro) ou,
eventualmente, perante um contrato atípico.

2) Referência ao empreiteiro como prestador de serviços autónomo em termos técnicos;


podendo fiscalizar, não poderá o dono da obra, em princípio, dar ordens ao empreiteiro;
a possibilidade de o dono da obra alterar unilateralmente o conteúdo da prestação (1216.º)
não afasta a necessária autonomia do empreiteiro. Dionísio não está obrigado a seguir as
ordens de Abel, devendo executar a obra de acordo com o convencionado e com as regras
da arte (1208.º).

3) Discussão relativa à extensão do conceito de obra do artigo 1207.º: a obra deve


materializar-se numa coisa concreta, ter uma utilidade própria desligada do processo de
criação e o seu resultado deve ser alcançado de acordo com um projeto. A encomenda de
parecer jurídico não pode constituir uma empreitada, porquanto o próprio parecer não se
pode desligar do seu discurso justificativo e fundamentante.

[Ponderação Global: 2 valores]

3/3
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Prova escrita de Direito dos Contratos I

3.º Ano – TAN – 18.02.2019

Critérios Orientadores de Correção

Grupo I

António, comerciante do ramo automóvel, celebrou um contrato de compra e venda de um


automóvel com Bento. Pelo automóvel, que foi entregue na data da celebração do contrato, Bento
pagou €20.000,00 em 40 prestações mensais de igual valor.

Considere cada uma das seguintes hipóteses isoladamente:

1. António e Bento convencionaram que aquele poderia resolver o contrato caso Bento
faltasse ao pagamento de uma das prestações devidas a título de preço. Bento não pagou
a vigésima nona prestação. Quid juris?

Qualificação completa e fundada do contrato como contrato de compra e venda a


prestações; discussão e tomada de posição fundamentada sobre a admissibilidade da
convenção resolutiva na compra e venda a prestações com entrega da coisa e sem reserva
de propriedade atendendo ao disposto nos artigos 886.º e 934.º, 1.ª parte do Código Civil.

2. António pretende exigir judicialmente o cumprimento de Bento. Além disso, e na


medida em tinham convencionado que Bento pagaria €25.000,00 com vista a compelir
Bento ao cumprimento, António pretende exigir esse montante de Bento. Pode fazê-lo?

Discussão e tomada de posição fundamentada sobre a questão de saber se o artigo 935.º é


apenas aplicável às situações em que o vendedor exige o cumprimento da prestação ou se,
ao invés, é apenas às situações em que pretende resolver o contrato. Estando perante uma
cláusula penal compensatória de natureza puramente compulsória, não vale a proibição de
cúmulo constante do artigo 811.º, n.º 1 do CC, embora pareça dever aplicar-se o limite do
artigo 935.º do CC: a cláusula penal deveria ser reduzida a metade do valor devido a título
de preço.

3. Cinco messes depois, Bento vendeu o seu automóvel a Carlos pelo preço de € 15.000,00,
tendo ambos acordado que aquele poderia resolver o contrato no prazo de três anos,
pagando € 17.000,00. O automóvel apresenta agora diversos problemas mecânicos, pelo
que Carlos pretende resolver o contrato. Quid juris?

Qualificação completa e fundada do contrato como contrato de compra e venda a retro


(927.º CC); o vendedor não pode ser obrigado a restituir um preço superior ao fixado para
a venda em caso de resolução, sendo a cláusula nula quanto ao excesso (928.º); tratando-se
de bem móvel (sujeito a registo) a resolução só poderia ser exercida no prazo máximo de
dois anos, devendo considerar-se a convenção reduzida a esse limite (929.º).
Aplicação do regime da compra e venda de bens de bens de consumo (artigos 1.º-A e 1.º-B
do DL 67/2003) – António é um profissional do ramo automóvel; A conformidade como
garantia (2.º/1); Presunção ilidível de não conformidade (2.º, n.º 2, al. c); Presunção da sua
existência ao tempo da entrega no prazo de dois anos (3.º/2); Transmissibilidade dos direitos
de Bento ao 3.º adquirente, Carlos, nos termos do art. 4.º/6; Bernardo deve exercer os seus
direitos contra António no prazo de dois meses a contar da data em que os detetar (art. 5.º-
A, n.º 2), tendo direito à reparação no prazo de 30 dias, sem grave inconveniente para si
(4.º/2). Discussão relativa à eventual subsidiariedade entre os vários direitos atribuídos ao
consumidor, com apelo ao disposto no artigo 4.º/5 que dispõe no sentido de poder o
comprador exercer qualquer um dos quatro direitos, salvo manifesta impossibilidade ou
abuso de direito (valorização da referência ao escalonamento do exercício de direitos,
através da fixação de dois níveis de reação no texto da diretiva transposta).

Cotação: 9 (nove) valores

Grupo II

Em janeiro de 2019, Daniel contratou o conhecido informático Edgar para criar um algoritmo
informático de publicidade para utilizar no seu website, pelo preço de € 5.000,00.
Convencionaram ainda que o prazo de execução dos trabalhos era de 3 meses.

Em fevereiro de 2019, dirigindo-se às instalações de Edgar, Daniel constata que o software


contém uma falha grave na linguagem utilizada, e que implicará a reprogramação do produto,
mas nada diz, ciente de que poderá fazer valer os seus direitos no fim do prazo de execução.

Daniel havia fornecido um conjunto de CD’s rom para a instalação do software final. Todavia, o
material é furtado das instalações de Edgar. Este nega qualquer responsabilidade perante o
sucedido, garantindo que os CD’s se encontravam em local seguro.

No fim de março, Daniel recusa-se a pagar o preço a Edgar. Afinal, o algoritmo criado não
funciona e, para mais, Edgar não adicionou uma funcionalidade ao programa pedida por Daniel
em meados de fevereiro, via e-mail, tendo Edgar, na altura, respondido “O Senhor Daniel não
me dá ordens. Essa funcionalidade, como bem sabe, não consta do algoritmo acordado.”.

Em abril, Fernando contacta Daniel reclamando o pagamento dos serviços de programação que
lhe foram encomendados por Edgar. Fernando afirma que nunca foi pago pelos seus serviços,
acrescentando que Edgar não programou uma única linha de código.

Quid iuris?
Cotação: 9 (nove) valores

Qualificação do contrato celebrado entre Daniel (D) e Edgar (E) como um contrato de
empreitada (1207.º CC): elementos essenciais. O contrato não se encontra sujeita a forma
especial (219.º CC);
Discussão e tomada de posição fundamentada sobre o conceito de obra (1207.º CC): se abrange
tanto bens corpóreos (em sentido material), como bens incorpóreos (obras de cariz intelectual).
No caso, tratava-se da criação de uma obra intelectual (algoritmo informático);
Enquadramento da faculdade de fiscalização da obra, nos termos do artigo 1209.º CC: limitação
do exercício do direito de denúncia dos defeitos perante vícios conhecidos pelo dono de obra, e
ignorados pelo empreiteiro, aquando da execução da obra, consubstanciando abuso de direito
(334.º CC);
Discussão acerca da aplicabilidade das normas de risco aos materiais fornecidos pelo dono de
obra (1212.º/1 CC), e respetiva inclusão do conceito de obra antes da sua incorporação, nos
termos do artigo 1228.º CC. Enquadramento da responsabilidade de E à luz do contrato de
depósito, quando os materiais são fornecidos pelo dono de obra, em prejuízo das regras referidas
relativas ao risco;
Direitos do dono de obra perante a obra defeituosa, posteriormente à verificação, no momento
da entrega (1218.º e ss CC). Enquadramento do dever do empreiteiro executar a obra, nos termos
do artigo 1208.º CC, de acordo com o convencionado. Inexistência de poder de direção do dono
de obra modificando o conteúdo acordado da prestação do empreiteiro e articulação com o
regime de alterações (designadamente, da iniciativa do dono de obra – 1216.º CC);
A contratação de Fernando (F) consubstancia a celebração de um contrato de subempreitada
(1213.º CC), sem o consentimento de D, o que é permitido ( 1213/2 e 264.º/1, parte final CC).
Valorização do enquadramento da divergência quanto à presente possibilidade e suas
consequências (responsabilidade contratual – posição da Regência). Enquadramento da
admissibilidade do subempreiteiro exigir o preço diretamente ao dono de obra, como uma
exceção ao princípio da relatividade dos contratos.

Ponderação Global: 2 (dois) valores


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Ano Lectivo 2018/2019


Direito dos Contratos I
3º Ano/Turma A
Professor Doutor António Menezes Cordeiro/Professor Doutor Rui Ataíde
Exame escrito/1ª época

Tópicos de correcção1

1. Venda de empresa com passivo não declarado

- Qualificação completa do contrato em apreço.


- A compra de empresa através da aquisição das acções representativas da sociedade
que a detinha, constitui actualmente, segundo MENEZES CORDEIRO, Tratado de
Direito Civil, Volume XI, pp. 229 ss, o campo mais significativo da venda de bens
onerados (artigos 905º e seguintes) quando, como é o caso, exista dívida social não
assumida e/ou não declarada no contrato de compra e venda.
- Referência à impropriedade da solução legal de aplicar à venda de bens onerados o
regime do erro, o qual respeita à formação do contrato, quando o cumprimento
imperfeito, como é o caso, respeita à execução do contrato; o comprador fez uma
declaração correcta, correspondente à vontade real e esta formou-se devidamente;
todavia, na execução, foi-lhe entregue uma coisa onerada, que contraria o programa
contratual.
- Na doutrina, esta hipótese da venda de empresa com passivo não declarado, é objecto
de enquadramentos alternativos à venda de bens onerados, como é o caso da culpa in
contrahendo, defendida por PEDRO ROMANO MARTINEZ (Contratos, p. 124), o
qual alega que, em rigor, sobre os títulos transaccionados não existem quaisquer ónus
mas antes que as acções não representam o valor esperado do capital social. Contudo,
embora exista decerto culpa in contrahendo, dado que o vendedor violou um dever de
informação pré-contratual ao ocultar do comprador a totalidade do passivo social, esse
incumprimento não deixou de provocar tecnicamente uma venda de bens onerados, pelo
que se deve reconhecer ao lesado o direito de optar entre a indemnização concedida pelo
artigo 227º e os meios de defesa previstos nos artigos 905º e seguintes. Aliás, a não ser
assim, então nunca haveria aplicação deste regime, dado que a venda de bens onerados,
quando não existe informação ao adquirente sobre a existência dos ónus, significa que
houve violação de um dever de informação pré-contratual.
- No âmbito dos meios de tutela do comprador concedidos pelos artigos 905º e
seguintes, e como os adquirentes querem manter o negócio, os vendedores têm a
obrigação de fazer convalescer o contrato, expurgando os ónus existentes, pelo que
devem entregar aos adquirentes o montante do passivo não declarado (artigo 907º),
podendo estes, na falta disso, socorrerem-se do mecanismo da redução do preço (artigo
911º/1), o qual é compatível com as pretensões indemnizatórias que ao caso couberem
(artigo 911º/1, parte final). Nada impede, com efeito, o comprador de exigir
imediatamente a redução do preço, caso não esteja interessado, como é o caso, na
anulação do contrato (LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III,
p. 117).

2) Distribuição de dividendos

1
Podem ser ponderados outros tópicos que tenham a devida cobertura normativa.
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

- Segundo o artigo 880º/1, a coisa deve ser entregue no estado em que se encontrava à
data da venda. Por seu lado, o n º 2 deste preceito legal especifica que a obrigação de
entrega compreende, inter alia, os frutos pendentes;
- Como a deliberação de distribuição de dividendos foi tomada em Março de 2009, isso
significa que no momento da venda das acções, em Abril, os dividendos eram frutos
civis que se encontravam pendentes, pelo que deviam ser abrangidos pela obrigação de
entrega da coisa mãe. Pronuncia-se neste sentido, MENEZES CORDEIRO, Tratado de
Direito Civil, Volume XI, p. 150 e, em sentido contrário, PIRES DE LIMA/ANTUNES
VARELA, Código Civil Anotado, Volume II, nota 3 ao artigo 213º/2, considerando que
o artigo 880º/2, quando dispõe sobre frutos pendentes, apenas se refere aos frutos
naturais, pelo que a partilha dos frutos civis se deve fazer pro rata temporis, nos termos
do disposto no artigo 213º/2.

3) Utilização do apartamento arrendado para sessões de jogos clandestinos a


dinheiro

- O locatário não pode aplicar a coisa a fim diverso daquele a que ela se destina (artigo
1038º, alínea c).
- Explicação completa e fundada dos contornos da resolução do contrato de
arrendamento e, em particular, que no âmbito da resolução deste contrato, há um plus
face à resolução dos contratos em geral, o qual se traduz no fundamento da resolução
que é dado pelo disposto no corpo do artigo 1083º/2 – não é qualquer incumprimento
que pode fundamentar a resolução mas apenas um incumprimento que, pela sua
gravidade ou consequências, torne inexigível a manutenção do arrendamento pela outra
parte.
- A prática de organizar sessões de jogos clandestinos a dinheiro, subsume-se ao campo
de aplicação do artigo 1083º/2, alínea b), na parte em que prevê a utilização do prédio
em contrariedade à lei como fundamento de resolução do contrato pelo senhorio (mais
forçadamente, pode admitir-se que se trata também de uma violação dos bons costumes)
e alínea c);
- Há ainda que avaliar se o comportamento só por si constitui fundamento bastante da
resolução ou se é necessário que preencha os requisitos constantes do corpo do artigo
1083º/2, consubstanciando um incumprimento que, pela sua gravidade ou
consequências, torne inexigível a manutenção do arrendamento.

4) Construção de um novo bloco de quartos na unidade de turismo rural

- Qualificação completa do contrato, referindo que esta empreitada submete-se ao


regime civil, em virtude de ter sido celebrada entre duas entidades empresariais (artigos
1207º e seguintes, CC);
- O contrato tem por objecto um imóvel que se destina, por sua natureza, a longa
duração (artigo 1225º). Explicação cabal dos requisitos deste preceito;
- Os defeitos manifestaram-se e foram denunciados dentro do prazo de cinco anos a
contar da entrega da obra2, como exige o artigo 1225º/1 e a denúncia foi feita dentro do
prazo de um ano a contar da descoberta do defeito (artigo 1225º/2);

2
A entrega da obra aconteceu em Novembro de 2013 e os defeitos foram denunciados em Maio de
2018.
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

- Segundo o artigo 1221º/1, o dono da obra pode exigir a eliminação dos defeitos, não se
justificando neste caso exigir nova construção, porque os defeitos podem ser
suprimidos. Se não o forem, pode ser exigida a redução do preço nos termos 1221º/1,
sem prejuízo da indemnização a que se refere o artigo 1225º/1, parte final, a qual deve
ser pedida no ano seguinte à denúncia (artigo 1225º/2);
- A propósito da natureza subjectiva ou objectiva da responsabilidade do empreiteiro
fixada no artigo 1225º, deve entender-se que se trata de uma verdadeira garantia legal,
apenas sendo possível ao empreiteiro evitar a responsabilidade, se provar que os
defeitos advieram de causas exteriores à sua actuação (neste sentido, MENEZES
CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, Volume XI, pp. 975-976 e LUÍS MENEZES
LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III, pp. 547-548).

5) Compra da produção de cereja que ficou totalmente inutilizada

- Como a compra e venda tinha por objecto frutos naturais, a transferência da


propriedade não se deu aquando da celebração do contrato, apenas se verificando no
momento da colheita (artigo 408º/2, parte final);
- Logo, a transmissão do risco apenas se deu também nesse momento, nos termos do
artigo 796º/1, pelo que, em princípio, caberia ao adquirente pagar o preço da fruta, caso
se verificasse o seu perecimento acidental após esse momento;
- Contudo, o perecimento da coisa não foi casual, antes sendo imputável culposamente
ao alienante (artigo 801º/1), por força dos artigos 880º/1, 882º/1 e 918º, porquanto a
fruta foi deixada de modo descuidado em cima dos camiões durante a noite, não tendo
sido devidamente guardada. Deste modo, foram mal cumpridas as diligências
necessárias para o comprador adquirir os bens vendidos (artigo 880º/1, hipótese que
deve ser alargada às diligências necessárias para fazer com que o comprador entrasse na
posse da coisa), tendo sido violado o dever de custódia que impende sobre o vendedor
até à entrega da coisa (artigo 882º/1), pelo que são aplicáveis as regras relativas ao não
cumprimento das obrigações (artigo 918º). Logo, o pagamento da fruta não é devido,
cabendo ainda ao devedor ressarcir os danos sofridos pelo credor (artigo 798º) com a
impossibilidade culposa da prestação. Só assim não seria se as partes tivessem atribuído
carácter aleatório ao contrato (artigo 880º/2), o que, porém, não sucedeu.
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Ano lectivo 2018/2019
Direito dos Contratos I
3º Ano/Turma B

17.06.2019 Exame escrito (1ª época)


Tópicos de correcção1
1) Responsabilidade pelos curto-circuitos provocados pela nova instalação eléctrica

- Qualificação do contrato entre Santos & Bernardino e a ASTECIL: empreitada regulada pelo
regime do Código Civil, em virtude de o dono da obra não ser consumidor.
- O contrato celebrado entre a ASTECIL e a REAL ELECTRO configura uma subempreitada
(artigo 1213º/1), cuja admissibilidade deve ser avaliada à luz do artigo 264º, ex vi artigo
1213º/2. Deste modo, a subempreitada apenas será permitida se for autorizada pelo dono da
obra ou se a autorização resultar do conteúdo do contrato de empreitada ou da relação que o
determina. A doutrina tem entendido que a autorização para a celebração da subempreitada pode
resultar dos usos, em especial, quando a empreitada envolver, como é o caso da hipótese,
actividades de especial tecnicidade, fora do alcance técnico do empreiteiro, considerando tratar-
se de uma autorização implícita para a subempreitada (neste sentido, MENEZES LEITÃO,
Direito das Obrigações, Volume III, pp. 532-533).
- Como observa MENEZES CORDEIRO (Tratado, Volume XII, pp. 919-920), a subempreitada
representa uma concretização da assunção de dívida, visto que, com a sua celebração, o
empreiteiro transmite ao subempreiteiro o dever de executar a obra, no todo ou em parte (artigo
595º/1, alínea a). Se o dono a autorizar, tratar-se-á de assunção liberatória, havendo exoneração
do empreiteiro, o qual apenas responderá por culpa in eligendo ou in instruendo, caso em que o
dono e o subempreiteiro têm pretensões reciprocas directas; se não houver autorização, a
assunção é cumulativa, havendo responsabilidade solidária do empreiteiro e subempreiteiro
(artigo 595º/2. 2ª parte). Este regime resolve a questão da acção directa do dono contra o
subempreiteiro, embora limitada pelo âmbito da empreitada, podendo o dono confrontar o
subempreiteiro com os defeitos da parcela da obra que lhe coube executar, como é o caso dos
defeitos da instalação eléctrica.

2) Responsabilidade do dono da obra pelo pagamento do preço ao subempreiteiro

- Como a obra se destina ao património do respectivo dono, não se compreende por que razão
não deveria este pagar-lhe o respectivo preço, desde que não haja duplicações, ou seja, se ainda
não o tiver pago ao empreiteiro, podendo depois descontar-se no acerto final de contas (neste

1 Podem ser ponderados outros tópicos, desde que fundamentados com a devida cobertura normativa.
sentido, MENEZES CORDEIRO (Tratado, Volume XII, p. 920 e PEDRO ROMANO
MARTINEZ, Contratos, pp. 417-419).

3) Analise e qualifique o contrato celebrado entre António e o stand AUTO GOMES.


Validade de uma eventual cláusula de reserva de propriedade estabelecida a favor de uma
entidade terceira, estranha ao contrato de compra e venda, que financiasse a aquisição do
veículo

- Qualificação do contrato: compra e venda de bens de consumo. Âmbito de aplicação do DL n.º


67/2003, de 8 de Abril, com as alterações introduzidas pelo DL n. º 84/2008, de 21 de Maio.
- Reserva de propriedade a favor do vendedor, que difere a transmissão da propriedade para o
momento do pagamento integral do preço (artigo 409º/1). Como a cláusula incide sobre bens
sujeitos a registo e se encontra registada, é oponível a terceiros (artigo 409º/2).
- A validade de uma cláusula de reserva de propriedade a favor do financiador, nos contratos de
crédito ao consumo, tem sido largamente discutida na doutrina e jurisprudência.
- A favor da validade da cláusula, tem-se pronunciado uma orientação minoritária (sustentada
por ISABEL MENÉRES CAMPOS, Contributo para o estudo da reserva de propriedade – Em
especial a reserva de propriedade a favor do financiador, pp. 385 ss) entendendo que as partes
podem acordar, expressamente, que a transferência da propriedade para o comprador só se dará
com o pagamento da totalidade da dívida ao financiador, sub-rogando-se este nos direitos do
vendedor, através de qualquer das três modalidades de sub-rogação voluntária previstas nos
artigos 589º, 590º e 591º (sub-rogação pelo credor, sub-rogação pelo devedor ou sub-rogação
em consequência de empréstimo feito ao devedor). Neste sentido, STJ, Proc. N. º
844/09.8TVLSB.L1.S1, 30-09-2014 mas com uma importante declaração de voto vencido do
Conselheiro Moreira Alves.
- Contra a validade da cláusula, deduz-se que o artigo 409º/1 apenas permite ao alienante
reservar a propriedade, pelo que a estipulação dessa cláusula a favor do financiador/mutuante
não é válida, porque legalmente inadmissível, face ao disposto no artigo 409º nº 1. Só quando o
vendedor do bem em prestações é simultaneamente o financiador da sua aquisição, é que se
justifica que no respectivo contrato de crédito se inclua e mencione a cláusula de reserva de
propriedade, se acordada pelos contratantes. Logo, sendo tal cláusula nula nos termos do artigo
294.º, não pode produzir o efeito da transferência de propriedade do bem da vendedora para o
financiador.
- A expressão “outro evento”, constante do artigo 409.º, n.º 1, do CC, significa que nada impede
que se estipule a reserva de propriedade enquanto o comprador não pagar ao financiador mas a
titularidade do direito mantém-se na esfera do vendedor.
- Do artigo 589.º resulta que a sub-rogação pressupõe o pagamento ao credor por terceiro,
dependendo de que aquele expressamente manifeste ao terceiro a vontade no sentido da sub-
rogação, que constitui uma forma de transmissão de créditos que coloca o sub-rogado na
titularidade do mesmo direito de crédito que pertencia ao primitivo credor (artigo 593.º, n.º 1).
- A sub-rogação a favor do mutuante, prevista no artigo 591.º do CC, embora dispense o acordo
do credor, exige a declaração expressa, no documento de empréstimo, de sub-rogação feita pelo
devedor ao mutuante – cf. n.º 2 daquela disposição legal. Portanto, não existindo, no caso em
apreço, qualquer manifestação expressa da vontade de sub-rogar por parte do
adquirente/devedor, não poderá falar-se em sub-rogação.
- De todo o modo, mesmo que a sub-rogação, enquanto simples modalidade de transmissão de
créditos (e não de direitos reais), produza o seu efeito típico, transmitindo o crédito, nem por
isso se deve considerar abrangida a cláusula de reserva de propriedade na referência à
transferência dos acessórios enquanto efeito da sub-rogação (artigo 582º/1 ex vi artigo 594º). Os
acessórios apenas compreendem a estipulação de juros, a cláusula penal ou as cláusulas
limitativas de responsabilidade, não se estendendo ao direito de propriedade, que não é
acessório do crédito (pronunciando-se pela nulidade da cláusula, STJ, Proc. Nº 403/07, 12-07-
2011, MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III, pp. 53-54 (nota 100) e
GRAVATO MORAIS, Cadernos de Direito Privado nº 6, pág. 49/53; União de Contratos de
Crédito e de Venda para o Consumo, 2004, pág. 307, nota 572).

4) Quais os meios de tutela ao dispor de Beatriz para reagir ao facto de o automóvel que
comprou a António ainda pertencer ao stand AUTO GOMES?

- A venda do automóvel por António a Beatriz configura uma venda de bens alheios, dado que,
por força da cláusula de reserva, a propriedade mantinha-se na esfera do vendedor (AUTO
GOMES) até integral pagamento do preço. Logo, aplica-se ao caso o regime legal dos artigos
892º e seguintes, que impõe a nulidade do negócio, embora com desvios importantes face à
disciplina geral da nulidade, desde logo porque, em relação ao verdadeiro proprietário da coisa,
que nele não interveio, o negócio é ineficaz, insusceptível de produzir quaisquer efeitos, pelo
que não carece de vir a juízo pedir a declaração de nulidade.
- Na definição do regime aplicável à venda de bens alheios, assume relevo especial a
determinação dos estados subjectivos dos intervenientes, ou seja, da sua boa ou má-fé.
Considerando que a boa-fé mencionada nos preceitos pertinentes é subjectiva e ética, isso
significa que o vendedor e o comprador agem de boa-fé quando ignoram, sem culpa (por terem
cumprido os competentes deveres de cuidado) que estão a contratar sobre uma coisa não
pertencente ao alienante (MENEZES CORDEIRO, Tratado, Volume XI, pp. 203-206).
- Consequentemente, enquanto a má-fé de António é indiscutível, visto saber que o automóvel
não lhe pertencia, já o estado subjectivo de Beatriz se afigura mais complexo, sendo
conveniente, por isso, responder em termos de sub-hipótese. Com efeito, estando em causa
coisas sujeitas a registo, pode considerar-se que cabia ao adquirente inteirar-se da situação
jurídica do bem, consultando o correspondente registo, em que estava inscrita a cláusula de
reserva de propriedade. Não o fazendo, não cumpriu o dever de indagação que ao caso cabia,
pelo que terá agido de má-fé. Contudo, os tribunais têm admitido a boa-fé do comprador,
quando o vendedor lhe certifica a sua legitimidade para dispor do bem, o que o dispensaria do
ónus de se informar no registo. É, portanto, à luz desta sub-hipótese que devem ser avaliados os
meios de tutela que assistem ao adquirente.
- Se o comprador estiver de boa-fé, pode exigir a restituição integral do preço, mesmo que os
bens se hajam perdido, estejam deteriorados ou tenham diminuído de valor por qualquer causa
(artigo 894º/1).
- Além disso, havendo boa-fé do adquirente, o vendedor é obrigado a sanar a nulidade,
adquirindo a propriedade da coisa ou a titularidade do direito (artigo 897º/1). Em caso de
incumprimento desta obrigação, o artigo 900º estabelece uma indemnização específica pela não
convalidação.
- Há ainda lugar à indemnização prevista no artigo 898º, para o caso de um dos contraentes agir
de boa-fé e o outro, dolosamente, devendo reparar-se os danos que não teriam sido sofridos se o
contrato fosse válido desde o começo ou não houvesse sido celebrado, conforme venha ou não a
ser sanada a nulidade.

5) Beatriz quer saber se tem meios de tutela ao seu dispor, e contra quem, para se
ressarcir dos danos sofridos com a destruição do automóvel comprado a António.

- O artigo 4º/6 do DL n. º 67/2003, estende ao terceiro adquirente do bem os direitos que


o preceito atribui ao consumidor (direito à reparação ou substituição do bem, redução
adequada do preço e resolução do contrato), em termos paralelos ao disposto no artigo
1225º/1, CC, parte final, sem prejuízo de se aplicar os limites do artigo 4º/5.
- Como o automóvel foi destruído pelo incêndio, não se pode aplicar o direito à
reparação do bem, pelo que, em princípio, apenas restaria a possibilidade de requerer a
substituição do bem, a resolução do contrato ou a redução do preço previstos no artigo
4º/4, em caso de perecimento por motivo não imputável ao comprador (ou seja, quando
o evento se dever a desconformidade do bem, como explica CALVÃO DA SILVA,
Venda de bens de consumo, pp. 102 ss). Contudo, a resolução do contrato e a redução
do preço não podem, no caso da hipótese, ser exercidos, já que o terceiro adquirente não
foi, por definição, parte no contrato (precisamente por este motivo, o consumidor
também não os pode exercer contra o produtor nos termos do artigo 6º do DL n. º
67/2003, dado que este também não foi parte no contrato celebrado com o consumidor).
- Além disso, ainda é invocável uma pretensão indemnizatória a deduzir nos termos
gerais, cumulável o pedido de substituição do bem, como defende CALVÃO DA
SILVA, Venda de bens de consumo, p. 114 e Compra e venda de coisas defeituosas, pp.
71 ss e 119 ss). Neste sentido, depõe também o n.º 1 do artigo 12.º da Lei de Defesa do
Consumidor, que atribui ao consumidor o direito à indemnização dos danos
patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de
serviços defeituosos.
- O consumidor pode, em alternativa, optar por exigir do produtor a substituição do bem
(artigo 6/1 do DL n. º 67/2003), em cúmulo com o pedido de indemnização a deduzir
nos termos gerais.
15 de fevereiro de 2019 | Duração: 90 minutos
Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque

Critérios de Correção

Grupo I
[9 valores]
António vendeu a Berta o quadro “O Milagre de Ourique”, de Domingos Sequeira, no dia 02 de
janeiro de 2019, pelo preço de € 400.000,00, tendo sido o preço imediatamente pago por Berta.
António exigiu, porém, a consagração de uma cláusula de reserva de propriedade no contrato de
compra e venda celebrado.
Berta, considerando ter liquidado o valor do quadro, e ser sua legítima proprietária e possuidora,
decidiu vendê-lo a Carlos, no dia 10 de janeiro de 2019, pelo preço de € 550.000,00, que nada
sabia dos termos do negócio anteriormente celebrado entre António e Berta.
Sabendo de tal alienação, António pretende que o quadro lhe seja devolvido, solicitando parecer
junto do seu advogado, sobre a melhor forma de fazer valer os seus direitos.
Entretanto, em 02 de fevereiro de 2019 deflagrou um incêndio na casa de Carlos, onde se
encontrava o quadro, destruindo por completo o seu recheio.
António vem agora exigir a Carlos o valor do quadro.

Referência ao princípio da consensualidade resultante do artigo 408.º/1 do CC. Regra geral, a constituição
e transferência de direitos reais, na ordem jurídica portuguesa, dá-se por mero efeito do contrato (sistema
do título).

Discussão sobre a natureza da cláusula de reserva de propriedade enquanto mero desvio ou verdadeira
exceção ao princípio da consensualidade, à luz do artigo 409.º/1 do CC.

É possível a celebração de cláusula de reserva de propriedade relativa a coisas móveis não sujeitas a registo,
como era o caso do quadro, com o pagamento integral do preço pelo comprador, apesar de não ser comum
no tráfego.

Esta cláusula de reserva de propriedade estava sujeita a liberdade de forma (artigo 219.º do CC).

Problema de não se ter sido definido, como impõe o artigo 409.º/1, o momento da transmissão da
propriedade para o comprador. Inadmissibilidade da existência de cláusulas de reserva de propriedade
perpétuas, em face do princípio da tipicidade dos Direito Reais.

Berta, tendo apenas uma expetativa real de aquisição, não poderia alienar o quadro a Carlos, razão pela qual
não tinha legitimidade para a celebração de tal negócio jurídico, pelo que estamos perante um contrato de
compra e venda de bens alheios, nos termos do disposto no artigo 892.º do CC, não se aplicando, atendendo
aos dados da hipótese, o regime do artigo 893.º do CC.
Discussão da oponibilidade da cláusula de reserva de propriedade em relação a coisas móveis não sujeitas
a registo. Referência ao entendimento do Professor Romano Martinez de que nas coisas não sujeitas a
registo, a cláusula de reserva de propriedade tem eficácia meramente obrigacional. Invocação das críticas
elencadas pelo Professor Pedro de Albuquerque ao entendimento do Professor Romano Martinez. Tomada
de posição fundamentada.

Discutir fundamentadamente a transferência do risco nos contratos de compra e venda com reserva de
propriedade, fazendo referência ao regime do artigo 796.º do CC, e argumentando se o risco do perecimento
do quadro se mantém na esfera jurídica de António, na qualidade de alienante ou se se transfere para a
esfera jurídica de Berta, na qualidade de adquirente, ou de Carlos, enquanto sub-adquirente atendendo aos
argumentos apresentados pela doutrina.

Carlos, estando de boa fé, teria direito à restituição integral do preço, nos termos do disposto no artigo 894.º
do CC e à convalidação do negócio, ao abrigo do artigo 897.º, caso o quadro não tivesse sido destruído.

Carlos teria também direito a ser indemnizado, nos termos do disposto no artigo 896.º, pela circunstância
de Berta ter agido dolosamente.

O quadro, em virtude do incêndio, destruiu-se, deixando de existir direito real de propriedade, por
inexistência de objeto.

António não poderia exigir o valor do quadro a Carlos, podendo apenas hipoteticamente intentar uma ação
real de reivindicação da propriedade, nos termos do disposto no artigo 1311.º do Código Civil, caso o
quadro não tivesse sido destruído.

Grupo II

Abel, proprietário de um imóvel em Cascais, vende-o a Bento, em 20 de janeiro de 2017.


Em dezembro de 2018, após uma forte chuvada, o telhado do imóvel desaba, tendo-se verificado
que tal vicissitude ocorrera por um problema estrutural do telhado, o qual era do conhecimento
de Abel, aquando da venda do imóvel, ocorrida em janeiro de 2017.
Bento comunica em janeiro de 2019 o desabamento do teto, mediante carta registada, exigindo a
imediata reparação.
Em resposta à carta, Abel alega que o desabamento se deveu a uso imprudente do imóvel.
Precisando da reparação urgente do imóvel, Bento contrata a empresa de Carlota para a reparação
do telhado, pelo preço de € 10.000,00.
A empresa de Carlota decide contratar Dário para a colocação das telhas no telhado.
Bento, apercebendo-se de tal situação, recusa que Dário execute tais trabalhos, alegando que não
o tinha contratado para a reparação do telhado, mas sim à empresa de Carlota.

Aplicação do regime da compra e venda de coisa defeituosa, enquanto perturbação típica da compra e
venda, nos termos do disposto nos artigos 913.º e ss. do CC.
Inaplicabilidade do regime do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de abril, atendendo à natureza dos dois
contraentes.

O imóvel padecia de um defeito estrutural oculto, que era do conhecimento de Abel, o qual agiu
dolosamente, não procedendo a sua argumentação.

Bento teria direito à reparação do imóvel, nos termos do disposto no artigo 914.º do CC, tendo denunciado
tempestivamente o defeito, nos termos do disposto no artigo 916.º/3 do CC.

Teria Bento ainda direito a uma indemnização ao abrigo do artigo 908.º do CC, aplicado ex vi artigo 913.º
do CC.

Qualificação do contrato celebrado entre Bento e Carlota como empreitada, nos termos do disposto nos
artigos 1207.º e ss. do CC.

Atendendo à circunstância de ser a empresa de Berta a responsável pela empreitada, enquanto sociedade
comercial, discussão sobre a aplicabilidade da empreitada de bens de consumo – Decreto-Lei nº 67/2003,
de 08 de abril (cfr. Diretiva 1999/44/CE relativa aos contratos de compra e venda de consumo, que também
pode ser aplicada a certos contratos de empreitada (artigo 1º/4 da Diretiva), por se tratar de empreitada de
reparação do telhado (e não de uma obra nova).

Referência às três posições doutrinárias a este respeito (não aplicação; aplicação apenas quanto aos bens
incorporados pelo empreiteiro no objeto reparado; aplicação).

Carlota, na qualidade de empreiteira, poderia subempreitar livremente a obra, de acordo com uma leitura
adaptada do artigo 264.º do CC ex vi n.º 2 do artigo 1213.º do CC, em virtude na natureza fungível da
prestação. Assim, Bento não podia recusar a execução da obra pela empresa de Dário.

Apesar de a empresa de Berta ter recorrido à empresa de Dário, tal circunstância não a exonera da
responsabilidade de execução da empreitada assumida perante Bento, permanecendo inteiramente
responsável perante este último, por todos os defeitos da prestação, ainda que decorram de culpa do
subempreiteiro, como permite o disposto no artigo 800.º/1, do CC.
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Ano lectivo 2018/2019
Direito dos Contratos I
3º Ano/Turma B
Professor Doutor António Menezes Cordeiro/ Professor Doutor Rui Ataíde

22.07.2019 Exame escrito (Época de Recurso) 120 Minutos


Tópicos de correcção1

1) Eliminação dos defeitos da fachada


- Qualificação completa e fundada do contrato como como contrato de empreitada ao qual se
aplica o regime civil, considerando que estamos perante um contrato celebrado entre dois
profissionais;
- Aplicação do regime disposto no artigo 1225º do CC, enquanto garantia suplementar no caso
de empreitadas destinados a longa duração. Enunciação e explicação completa e fundada dos
respetivos requisitos de aplicação atendendo ao caso concreto;
- De acordo com o critério de distribuição do ónus da prova (artigo 343º/2 do CC), cabia à
construtora a prova de o prazo para a instauração da acção ter já decorrido – ónus que não
cumpriu – por se tratar de uma acção que deve ser proposta dentro de certo prazo a contar da
data em que o autor teve conhecimento de determinado facto;
- Por um lado, há que questionar se perante a aceitação da obre sem reserva (hipótese que teria
que ser aberta, ou pressupor, considerando que o enunciado é omisso quanto a este ponto), o
empreiteiro pode elidir a sua responsabilidade ao abrigo do disposto no art. 1219.º do CC,
provando que os defeitos eram aparentes ou conhecidos do dono da obra, como entende alguma
parte da doutrina. Articulação com a natureza da responsabilidade prevista no art. 1225.º do CC,
tomada de posição e consideração dos dados constantes do caso concreto;
- Por outro lado, segundo o disposto no artigo 1220.º/2 do CC, equivale à denúncia o
reconhecimento pelo empreiteiro da existência de defeitos. Ora, o facto de a construtora se ter
deslocado várias vezes ao prédio para recolar as peças de tijoleira entretanto caídas, deve
entender-se como um reconhecimento dos defeitos da obra e esse reconhecimento,
designadamente, através de uma ou mais tentativas de reparação, deve interpretar-se como um
reconhecimento do direito relevante para efeitos do disposto no artigo 331.º/2, do CC, que vale
como facto impeditivo da caducidade. Reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente
impedida, tal como se tratasse do exercício da acção judicial; com efeito, se o direito é
reconhecido, fica definitivamente assente e não há já que falar em caducidade. (STJ, 08-11-
2018, Proc. N. º 267/12.1TVLSB.L1.S1). Por consequência, a partir desse reconhecimento dos
defeitos não corre um novo prazo de caducidade, antes o prazo ordinário de prescrição de 20
anos a que alude o artigo 309.º do CC (STJ, 09-07-2015, Proc. N. º 3137/09.7TBCSC.L1.S1).
Neste sentido, também se pronunciou o STJ, 21-02-2019, Processo n. º 404/17.0T8VCT.G1.S1,
considerando que o efeito impeditivo do reconhecimento do direito implica que o dono da obra
possa exercer os meios de tutela previstos nos artigos 1221.º a 1223.ºdo CC, para exigir, p. ex.,
a eliminação dos defeitos, dentro do prazo ordinário de prescrição do artigo 309.º do CC.
- Caso o defeito reconhecido pelo empreiteiro seja eliminado, começará a correr um novo prazo
de caducidade de cinco anos (artigo 1225.º, n.º 1) e se o defeito reaparecer dentro desse novo
prazo de caducidade, como sucedeu na hipótese, o dono da obra terá o ónus de o denunciar
dentro do prazo de um ano a contar do seu conhecimento — artigo 1225.º, n.º 2 — e de exercer
os direitos de eliminação dos defeitos e de indemnização dentro do prazo de um ano a contar da
denúncia — artigo 1225.º, n.ºs 2 e 3. CC.
- Como observa PEDRO ROMANO MARTINEZ (in Cumprimento defeituoso, p. 426) quando
existe uma tentativa malograda de eliminação do defeito, não se justifica que o prazo de garantia

1
Podem ser ponderados outros tópicos, desde que fundamentados com a devida cobertura normativa.
se continue a contar da data da entrega, como de resto também sucede quando o faltoso substitui
a obra e se mantêm os mesmos ou outros vícios da anterior. De facto, se não houvesse um
reinício do prazo da garantia legal, os direitos derivados do cumprimento defeituoso raramente
poderiam ser feitos valer, caso o dono da obra quisesse fazer valer a via da execução específica.

2) Acção de despejo proposta por Anjos & Costa contra António

- Qualificação completa e fundada do contrato como contrato de arrendamento para fins


habitacionais;
- O artigo 1072º/1 do CC impõe ao arrendatário o dever de uso efectivo do locado, admitindo no
respetivo n. º 2, alínea a), que o não uso seja lícito em caso de doença. Deste modo, existindo
uma situação de residência alternada, afigura-se, em princípio, que não haveria fundamento de
resolução.
De resto e, como sustenta a jurisprudência, o dever de uso efectivo não é sinonimo de residência
única (STJ, Proc. N. º 07 A4127, 18-12-2007: “residência permanente não significa residência
única, sendo possível uma pessoa ter residências alternadas, onde vive interpoladamente, face
a exigências da vida, desde que o faça com carácter de habitualidade e estabilidade”; já o
Acórdão de 10 de Outubro de 2002 – N.º 2062/06 – julgara que a mesma pessoa pode ter
residências alternadas que sejam residências permanentes. Para existirem essas residências
permanentes alternadas torna-se necessário que, em relação a alguma delas, se verifique o
condicionalismo previsto para o conceito de residência permanente: estabilidade, habitualidade,
continuidade e efectividade de estabelecimento em determinados locais do centro de vida
familiar.”)
A interpretação teleológica do preceito aponta contudo no sentido de se entender que o não uso
em caso de doença apenas é lícito quando se trate de um impedimento temporário, que não
obste, por consequência, ao regresso do inquilino ao locado, havendo forte possibilidade de o
tratamento ser decisivo para a recuperação da sua saúde (assim, MENEZES CORDEIRO
(Tratado, Volume XI, pp. 935-936).
Ora, no caso da hipótese, a impossibilidade do locatário afigura-se definitiva, sem viabilidade de
recuperação em virtude de se tratar de uma situação crónica, apresentando um estado de
dependência física em que não lhe é possível permanecer desacompanhado, pelo que não se
mostram preenchidos os pressupostos que tornam lícito o não uso (para um caso deste tipo, STJ,
Proc. N. º 09A144, 12-02-2009).

3) Responsabilidade pelos danos causados pelo incêndio no locado

- O disposto no artigo 1044º do CC estabelece que o locatário responde pela perda ou


deteriorações da coisa não exceptuadas no artigo anterior (que dispõe que o locatário não
responde pelas deteriorações inerentes a uma utilização prudente da coisa locada), salvo se
resultarem de causa que não lhe seja imputável, nem a terceiro a quem tenha permitido a
utilização da coisa. Cumpre, pois, determinar o sentido da expressão “causa imputável”, bem
como o alcance da referência ao terceiro a quem tenha sido permitida a utilização da coisa.
- Uma orientação minoritária, sustentada por PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA (Código
Civil Anotado, Volume II, p. 381), entende que se trata de uma hipótese de responsabilidade
objectiva, bastando que se trate de um facto que diga respeito ao locatário ou ao terceiro a quem
ele permitiu a utilização do locado.
- Contudo, a corrente largamente maioritária, tanto na jurisprudência como na doutrina,
considera que se trata de uma presunção de culpa do locatário, cabendo-lhe provar que a perda
ou deteriorações se deveram a um facto que lhe não é imputável (MENEZES CORDEIRO
(Tratado, Volume XI, p. 786, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Contratos, pp. 201 ss).
- Poder-se-ia, contudo, entender que a actuação do empreiteiro preenche a previsão final do
preceito, quando menciona o terceiro a quem o locatário permitiu a utilização da coisa, como
sucede com os familiares, empregados ou o sublocatário. Não é, contudo, o caso da hipótese,
dado que o empreiteiro não foi autorizado a utilizar o locado, apenas lhe tendo sido permitido o
acesso para efeitos de obras. Além disso, um traço característico do contrato de empreitada é o
da autonomia e independência do empreiteiro face ao dono da obra, inexistindo vínculo de
subordinação daquele em relação a este. O poder de fiscalização de que goza o dono da obra não
anula aquela característica, tratando-se de um direito do dono da obra e não de um dever de
vigilância deste sobre o empreiteiro. Faltando o referido vínculo, nem sequer existe uma relação
de comissão para efeitos do disposto no artigo 500.º do CC.
- O locador também não tem acção directa a título contratual contra o empreiteiro, em virtude de
faltar uma empreitada de base entre locador e locatário, ou seja, não há uma subempreitada que
faculte a acção directa do locador.
- Logo, o empreiteiro apenas poderá responder a título extracontratual perante o locador, dado
que, durante as obras, foram utilizados maçaricos, o que configura o exercício de uma
actividade perigosa pelos meios utlizados, pelo que impende sobre si a presunção de culpa
consagrada no disposto artigo 493º/2 do CC.

4) Venda de coisas de existência incerta

- A venda de um terreno onde se julgava estar escondido um tesouro dos Templários, conforme
foi declarado pelo vendedor na própria escritura, configura uma hipótese de venda de coisas de
existência incerta, subsumível ao disposto no artigo 881º do CC.
- Como a lei presume que as partes quiseram celebrar um contrato aleatório, é devido o preço na
totalidade ainda que os bens não existam, embora os contraentes possam, porém, elidir essa
presunção (MENEZES CORDEIRO (Tratado, Volume XI, pp. 121 ss e MENEZES LEITÃO,
Direito das Obrigações, Volume III, pp. 50 ss).
Direito dos Contratos I (TAN) | 1.ª Época - Coincidências
25 de Janeiro de 2019 | Duração: 90 minutos

Grupo I
[12 valores]
Em 15 de novembro de 2018, Antónia soube que um conhecido stand de automóveis estava a
vender os carros que tinha em exposição com um grande desconto. Nesse mesmo dia, dirigiu-se
ao stand e comprou um dos carros em exposição, por € 25.000. Uma vez que se tratava do único
exemplar do modelo pretendido por Antónia em exposição, esta teve de se contentar com o facto
de ser azul. O contrato com o stand foi assinado com uma cláusula de reserva de propriedade a
favor do Banco B, que financiou a aquisição do veículo, tendo ficado combinada a sua entrega
para um mês depois.

Considere as seguintes hipóteses:


1) Duas semanas depois, deflagra um incêndio no stand por causa de uma violenta tempestade.
Felizmente, o carro adquirido por Antónia apenas sofreu estragos superficiais. No entanto,
Antónia recusa-se a levar o carro consigo na data acordada, caso o stand não proceda às
reparações necessárias, nomeadamente a uma nova pintura. Pode Antónia exigir do stand
a reparação do carro? (4 valores)
Qualificação do contrato como compra e venda de bem de consumo, à luz do DL n.º
67/2003, de 8 de abril, mencionando o preenchimento do âmbito de aplicação em
articulação com as definições relevantes.
Transferência da propriedade ocorre no momento da celebração do contrato, dado estar em
causa uma venda de coisa específica e determinada (único exemplar em exposição) – art.º
408.º, n.º 1 CC.
Classificação dos estragos causados no carro como (i) não imputáveis quer ao vendedor,
quer ao comprador e (ii) falta de conformidade, nos termos do art.º 2.º do DL n.º 67/2003,
de 8 de abril. Vendedor responde por qualquer falta de conformidade que exista no
momento da entrega do bem (art.º 3.º, n.º 1 do DL n.º 67/2003, de 8 de abril), não se
aplicando a regra sobre risco prevista no art.º 796.º, n.º 1 CC.
Logo, o comprador tem os direitos previstos no art.º 4.º, n.º 1 do DL n.º 67/2003, de 8 de
abril, nomeadamente, o direito de reparação. Antónia podia, sem incorrer em mora do
credor (art.º 813.º CC), recusar a entrega do veículo até que fosse cumprida a obrigação de
reparação que incide sobre o stand.
2) Mantendo a factualidade indicada em 1), suponha que o stand se dispunha a custear as
despesas com a reparação do carro, mas Antónia contrapunha que “tinha comprado um
carro novo e que, por isso, não estava interessada em levar um carro reparado”, exigindo
que o stand lhe entregasse outro exemplar do mesmo modelo. Terá razão? (4 valores)
Direito de substituição é também um dos direitos do consumidor perante compra de bem
de consumo com falta de conformidade. Referência à discussão sobre a (in)existência de
ordem hierárquica quanto ao exercício dos direitos previstos no art.º 4.º, n.º 1 do DL n.º
67/2003, i.e., se apenas é possível exercer os direitos à redução de preço e à resolução do
contrato, se não for possível obter a reparação ou substituição do bem (como decorre do
art.º 3.º, n. 5 da Diretiva 1999/44/CE, de 25 de maio, contrariamente ao que parece decorrer
do n.º 5 do art.º 4.º do DL n.º 67/2003). Mesmo adotando a tese da existência de hierarquia
entre os direitos, o direito de substituição situar-se-ia no mesmo plano que o direito à
reparação.
Exigência de substituição do bem (de valor elevado) por causa de estragos superficiais e
reparáveis deve entender-se como abusiva, nos termos do n.º 5 do art.º 4.º do DL n.º
67/2003 e do art.º 334.º CC, por não ter qualquer motivação objetiva ou económica razoável
que se vislumbra.
3) Suponha que Antónia entra em incumprimento para com o Banco B relativamente a várias
prestações do mútuo contraído. Em consequência, o Banco B exige a entrega do carro,
invocando para o efeito que o veículo é sua propriedade. Pode fazê-lo? (4 valores)
Discussão sobre validade da cláusula de reserva de propriedade a favor de terceiro (no caso,
mutuante), mencionando os argumentos a favor e contra (valorizando-se as referências à
jurisprudência existente a respeito desta matéria), tendo em conta, particularmente, a
proibição de pacto comissório e o princípio da tipicidade dos direitos reais.
Eventual menção à validade de cláusula de reserva de propriedade em que evento que
desencadeia a produção do efeito transmissivo consiste no pagamento a terceiro e à
(im)possibilidade de transmissão da reserva de propriedade.

Grupo II
[6 valores]
Em 10 de janeiro de 2019, Carlos comprou a Daniela um apartamento em Lisboa por € 250.000.
Uma semana depois da compra, Carlos apercebe-se de que o imóvel se encontra arrendado a
Eduardo

Considere as seguintes hipóteses, isoladamente:


1) Carlos pretende a resolução do contrato de compra e venda celebrado com Daniela. A
sua pretensão tem fundamento jurídico? (3 valores)
Qualificação como compra e venda de bens onerados (art.º 905.º CC). O “ónus” enquanto
um vício do direito transmitido e não do objeto do negócio, i.e., a coisa vendida
(diferentemente do que sucede na venda de bens defeituosos).
Tomada de posição fundamentada sobre se a venda de bens onerados é causa de
anulabilidade (plano da validade do negócio) ou de resolução (plano do não
cumprimento) do contrato. O direito de resolução implica um ónus suficientemente grave,
nos termos gerais, o que sucede no caso, em face da impossibilidade de o proprietário ter
o gozo do imóvel por causa do direito pessoal de gozo do arrendatário Eduardo.
Não existe possibilidade de confirmação do negócio pelo comprador (art.º 288.º CC), mas
sim a possibilidade (rectius, obrigação) de convalescença pelo vendedor (art.ºs 906.º e
907.º CC), através da expurgação do ónus. Carlos pode resolver o contrato ou requer a
expurgação do ónus, sem que haja dependência entre os pedidos.
2) Uma vez que Daniela não consegue que Eduardo abandone o imóvel, revogando o
contrato de arrendamento, Carlos pretende uma indemnização no valor de € 325.000,
correspondente ao preço pelo qual entretanto prometera vender o apartamento a um
investidor estrangeiro. Terá direito a tal indemnização. (3 valores)

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Aplicação articulada dos artigos 908.º ou 909.º (consoante Daniela tivesse ou não
conhecimento da existência do arrendamento) e 910.º CC. Partindo do princípio de que
havia dolo de Daniela, aplica-se o art.º 910, n.º 2, que permite a indemnização pelo
interesse contratual positivo, como pretendido por Carlos. Tomada de posição
fundamentada sobre se a aplicação do art.º 910.º, n.º 2 implica que haja violação culposa
do dever de convalescença (como decorreria do n.º 1).

[Ponderação Global: 2 valores]

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Direito dos Contratos I (TN) | Exame Escrito (1.ª Época)


18 de Janeiro de 2018 | Duração: 90 minutos

Grupo I
No dia 24 de Dezembro de 2017, Ana propôs que Bento, amante de música, ficasse com o seu
gira-discos antigo e com o seu único disco de vinil de Gary B.B. Coleman, pelo preço total de
€50,00, a pagar até ao dia de Natal.
Para grande desagrado de Carlos, colega de Bento, Bento aceitou imediatamente a proposta
de Ana. Combinaram ainda que no dia de Natal Bento iria receber o gira-discos e o disco de
vinil em causa. No entanto, e pese embora a revolta de Bento, Ana recusou-se a entregar o
certificado de autenticidade do equipamento, pretendendo que Bento pagasse €100,00 por este
documento. Nessa mesma noite, de véspera de Natal, Carlos, num acesso de fúria, dirigiu-se ao
escritório de Ana, e partiu o único disco de vinil de Gary B.B. Coleman.
Bento descobre ainda que o gira-discos se encontrava na loja de Zacarias, comerciante que
havia procedido ao seu restauro. Zacarias recusa-se a devolver o equipamento sem que
primeiro lhe paguem o valor das reparações. No dia 26 de Dezembro, Ana, revoltada com a
ingratidão de Bento, pretende resolver o negócio por falta de pagamento do preço.

Em Janeiro de 2018, Carlos adquiriu numa loja de informática, pertencente a “Venda de


Eletrónica, S.A.” - Sociedade Comercial que se dedica à venda de bens eletrónicos - um
smartphone por €200,00. Pese embora a grande insistência do funcionário da loja, Carlos optou
por não subscrever um plano de seguro do equipamento.
Após uma semana de uso, e inesperadamente, o ecrã do equipamento deixou de funcionar.
Carlos dirige-se à mesma loja onde é informado de que terá de reparar o equipamento num
centro especializado para o efeito e suportar os custos inerentes. “Venda de Eletrónica, S.A”
acrescentou ainda ser alheia aos problemas que o equipamento apresentava após a venda, uma
vez que o equipamento se encontrava a funcionar naquela data e por Carlos ter optado por não
aderir ao seguro proposto.

Quid iuris? [12 valores]


Estamos perante um contrato de compra e venda celebrado entre Ana (A), vendedora, e Bento
(B), comprador. A qualificação do contrato decorre da presença dos elementos essenciais deste
tipo contratual (cfr. art.º 874.º), nomeadamente da eficácia real translativa do direito de
propriedade (art.º 1395.º) de duas coisas (móveis, cfr. arts. 202.º e 205.º/1), mediante um preço
(determinado, de €50,00, cfr. art.º 550.º, e art.º 883.º, a contrario). O contrato de compra e venda
não se encontra sujeito exigências de forma (cfr. art.º 875.º, a contrario, e art.º 219.º).
A perfeição do contrato de compra e venda alcançou-se no dia 24 de Dezembro, com a aceitação
por B da proposta contratual de venda de A, independentemente da entrega dos bens ou do
pagamento do preço (princípio da consensualidade, e cfr. arts. 217.º e ss). A obrigação principal
da vendedora, A, de entregar o gira-discos e o único disco de vinil de Gary B.B. Coleman (art.º
879.º, b)) qualifica-se como uma obrigação a prazo (a ser cumprida no dia 25 de Dezembro) – tal
como a obrigação de pagamento do preço (art.º 879.º, c) e 774.º), a ser cumprida até ao dia 25
de Dezembro. O lugar do cumprimento daquela obrigação resulta do art.º 773.º.
A recusa da entrega do certificado de autenticidade do equipamento (gira-discos), exigindo
€100,00 adicionais ao preço inicialmente estipulado, atenta contra o disposto no n.º 2 do art.º
882.º: a obrigação da entrega da coisa (art.º 879.º, b)), tem por objeto o bem, em si (gira-discos),
bem como os documentos relativos à coisa ou direito. Se A demonstrar que o certificado de
autenticidade contém outras matérias do seu interesse (p.ex. uma assinatura com valor
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sentimental), é obrigada a entregar pública-forma da parte respeitante à coisa ou direito, ou


fotocópia de igual valor, não sendo devidos os €100,00 adicionais por B.
A destruição do único disco de vinil de Gary B.B. Coleman por C, no dia 24 de Dezembro, provoca
a impossibilidade do cumprimento da obrigação de entrega de A do presente objeto do negócio.
Todavia, o efeito real da compra e venda (art.º 879.º, a), efeito real quoad effectum, produziu-se
com a mera celebração do contrato (art.º 408.º/1). As regras sobre o risco prejudicam, no caso,
as regras relativas à impossibilidade de cumprimento: nos termos do art.º 796.º/2, o risco recai
sobre A, vendedor, pelo perecimento da coisa por causa não lhe imputável (no presente contrato
que transfere um direito real sobre a coisa) porquanto o Disco continuou em seu poder por termo
constituído a seu favor (prazo de entrega no dia 25 de Dezembro). Será valorizada a discussão
quanto aos efeitos do risco, entendido ou não, como um caso de risco na contraprestação,
desobrigando B ao pagamento do preço. C é civilmente responsável perante B, proprietário do
Disco (art.º 483.º).
Zacarias (Z) havia procedido ao restauro do equipamento (gira-discos). A sua recusa na entrega
do equipamento consubstancia o exercício do direito de retenção (754.º). O direito de retenção
(independentemente da sua qualificação como direito de real de garantia), assume-se uma
posição jurídica se revela eficaz relativamente ao comprador (B), ignorada ao tempo da compra
(posição da Regência). O contrato de compra e venda, relativamente ao gira-discos, qualifica-se
como uma compra e venda de bens onerados (art.º 905.º). B poderá resolver (posição da
Regência) o contrato, ou anular o negócio (art.º 905.º, 247, 251.º, cumulável com a indemnização
por erro ou dolo – consoante o enquadramento realizado, na falta de elementos, cfr. arts. 908.º,
909.º conjugado com o art.º 910.º), sem prejuízo do pedido principal à eliminação dos defeitos
(art.º 907.º), quer à redução do preço (911.º). Seria valorizado o enquadramento do restauro de
Z, como tendo sido realizado no âmbito de um contrato de empreitada (art.º 1207.º).
No dia 26 de Dezembro, B estaria em mora quanto à sua obrigação de pagamento do preço do
gira-discos (279.º, c), 804.º, 805.º/2, a) e art.º 806.º). Por aplicação do art.º 886.º, dada a falta de
entrega do bem por parte de A (art.º 428.º, pela natureza sinalagmática das obrigações), a
vendedora poderia resolver o contrato de compra e venda, devendo converter a mora em
incumprimento definitivo (art.º 801.º/2) – sem prejuízo da negação da presente possibilidade
na decorrência de nos encontrarmos perante uma venda de bens onerados (art.º 905.º e ss).
C celebra um contrato de compra e venda, regulada nos termos do DL n.º 67/2003, de 08 de Abril
(Venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas), uma vez que se encontra verificado
o âmbito de aplicação do diploma (art.º 1.º-A/1 e 1.º B, a), b) e c)), com aplicação preferencial
relativamente às normas do CC (arts. 913.º e ss). B poderá, em alternativa, exercer os direitos
previstos no n.º 1 do art.º 4.º, no prazo de 2 anos a contar da data da venda e nos 2 meses
posteriores à data de deteção da desconformidade (art.º 5.º/1 e 5.º-A/2), pela existência de uma
falta desconformidade, presumidamente existente no momento da entrega do bem (art.º 3.º e
art.º 2.º/1,a)), contra o vendedor, ou diretamente contra o produtor (art.º 6.º). Será valorizado a
aplicação, em alternativa, do regime previsto nos arts. 913.º ss do CC, a respeito da possibilidade
legal de tutela dos defeitos supervenientes do bem (arts. 913.º, e 918.º, devidamente
interpretado) entendendo-se que o equipamento se destinava a uso profissional (art.º 1.º-B, a) e
art.º 1-A/1 do DL mencionado).
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Grupo II
Daniel, estudante de Direito, pretende encomendar ao seu amigo Ernesto, Disco-Jóquei, dez
músicas da sua autoria para uma festa que irá realizar em sua casa. Combinou que as músicas
seriam entregues no espaço de duas semanas, numa pen-usb que Ernesto forneceria, pelo preço
de €10,00. Daniel pretende celebrar o presente contrato por escrito, mas não sabe qualificá-lo.
Em Janeiro de 2018, Ernesto combinou com Francisco a substituição do telhado de tijolo de
sua casa, pelo preço de €10.000,00, no prazo de 30 dias. Aquando da reparação do telhado,
Francisco descobriu ser necessária a instalação de um lona impermeabilizadora. Francisco
informou Ernesto desta necessidade, e este nela consentiu. Todavia, e sem avisar Ernesto,
Francisco contratou Xavier para a instalação da lona.
Concluída a reparação do telhado, Ernesto recusa-se a aceitar a obra e a pagar os €12.000,00
que Francisco lhe exige (€10.000,00 do telhado e €2.000,00 da lona). Constata-se que,
decorrente de uma má instalação da lona, existem infiltrações no teto.
Ernesto pretende, hoje, resolver o negócio e que Xavier o indemnize pelos danos causados na
sua mobília em virtude da infiltração.

Quid iuris? [8 valores]

O contrato celebrado entre Daniel (D) e Ernesto (E) qualifica-se como um contrato de empreitada
(art.º 1207.º) – locatio condutio, modalidade típica do contrato de prestação de serviços (art.º
1155.º): constitui para os contraentes, enquanto elementos essenciais para a sua qualificação,
uma obrigação de resultado do empreiteiro (E), de realizar uma obra; sinalagmática da obrigação
do dono da obra (D) pagar o preço convencionado (€10,00). O contrato não se encontra sujeito
a forma especial (art.º 219.º).
No que respeita ao conceito de obra, para efeitos de qualificação do negócio jurídico celebrado,
de deve-se entender que abrange tanto bens corpóreos (em sentido material), como bens
incorpóreos (obras de cariz intelectual). No caso, tratava-se da criação de uma obra intelectual
(criação de dez músicas). Este entendimento foi perfilhado pelo STJ, no ac. de 03.11.1983 (SANTOS
SILVEIRA), considerando que a materialização da obra no seu suporte físico é suficiente para a
qualificação do negócio enquanto um contrato de empreitada. A posição da regência é mais
exigente. Requere a verificação cumulativa dos requisitos de 1) exteriorização do resultado
numa coisa concreta, suscetível de entrega e aceitação; 2) existência de um resultado específico
e concreto; e 3) o resultado foi concebido e alcançado em conformidade com um projecto. E
sobretudo exige que a obra se possa autonomizar totalmente do seu autor. Portanto, nesta
hipótese é duvidoso se à luz desta orientação o contrato de empreitada se pode qualificar, ou
não, como empreitada. Parece que não. Ainda assim, ela diverge da opinião dos Professores
ANTUNES VARELA, MENEZES LEITÃO e ROMANO MARTINEZ, A. que consideram que o conceito de obra se
restringe a obras corpóreas, pelo enquadramento sistemático do regime deste contrato
(fiscalização, transferência da propriedade, alterações e defeitos de obra), incompatível com o
tratamento devido às obras intelectuais.
O contrato celebrado entre Ernesto (E) e Francisco (F) também se qualifica como um contrato de
empreitada (art.º 1207.º): constitui para os contraentes, enquanto elementos essenciais para a
sua qualificação, uma obrigação de resultado do empreiteiro (F), de reparar o telhado;
sinalagmática da obrigação do dono da obra (E) pagar o preço convencionado (€10.000,00, cfr.
arts. 1211.º e 883.º). O contrato não se encontra sujeita a forma especial (art.º 219.º).
Aquando da execução do contrato, o empreiteiro (F), em cumprimento da sua obrigação principal
(1208.º) de realização da obra, sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor, ou a aptidão para
o uso ordinário ou previsto no contrato (um telhado sem infiltrações), avisa (cumprimento
concomitante do dever de informação, acessório de conduta – posição da Regência) o dono de
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obra (E) e sugere alterações ao plano convencionado (alterações necessário, cfr. art.º 1215.º). As
presentes alterações foram consentidas pelo dono de obra (F), e têm influência na alteração do
preço global devido por E (art.º 1215/2). Na falta de acordo, caberá ao tribunal fixar a
modificação quanto ao preço devido (1215.º/1, parte final).
A contratação de Xavier (X) consubstancia a celebração de um contrato de subempreitada
(1213.º), para a instalação da lona impermeabilizadora, sem o consentimento de E, o que é
permitido (arts. 1213/2 e 264.º/1, parte final). Será valorizado o enquadramento da divergência
quanto à presente possibilidade e suas consequências (responsabilidade contratual – posição da
Regência).
A recusa de E em aceitar a obra, aquando da verificação (1218.º/1 e 3), deverá ser seguida de
denúncia dos defeitos, no prazo de 1 ano após o seu conhecimento (1225.º/2 e 3) – cujo prazo
de caducidade de exercício dos direitos será de 1 ano após a denúncia (1225.º/2 e 3)-, e nunca
após o decurso do prazo de 5 anos (admitindo-se que o prazo de 5 anos seja considerando mero
prazo de manifestação de defeitos - posição da Regência). Estamos perante um imóvel destinado,
por sua natureza, a longa duração (a expectativa de duração do imóvel em causa é superior ao
prazo de responsabilidade do empreiteiro, de 5 anos – cfr. art.º 1225.º - posição da Regência). O
exercício dos direitos reconhecidos a E, não permitem que o mesmo opte pela resolução do
contrato (1222.º e art.º 884.º), sem antes requerer a eliminação dos defeitos (1221.º e art.º
1221.º e 1222.º/1, in fine); sem prejuízo do direito à indemnização (1223.º - que aquando da
resolução do contrato se limita ao interesse contratual negativo).
A responsabilidade pelo defeito da obra é de F (800.º/1), com direito de regresso sobre X
(1226.º), nos quais se inclui a responsabilidade pelos danos provocados na mobília (1223.º), no
âmbito deste cumprimento defeituoso; embora seja possível que o dono da obra exija
diretamente ao subempreiteiro a reparação dos defeitos de obra, via ação direta (posição da
Regência).
Direito dos Contratos I (TN) | Exame Escrito (Época de Coincidências)
24 de Janeiro de 2018 | Duração: 90 minutos

Grupo I
Em Novembro de 2017, Abel vendeu a Bernardo um colar de ouro branco com diamantes
incrustados pelo preço de 12.000€, tendo Abel reservado para si a propriedade do colar até
ao integral pagamento do preço. O preço do colar devia ser pago em oito prestações mensais
de 1.500€ cada, sendo a primeira devida em Novembro de 2017 e a última em Junho de 2018.
Em Dezembro de 2017, Bernardo decide vender e entregar o colar a Carlos que o queria
oferecer de presente à sua noiva Eliana. Abel fica furioso ao descobrir este negócio de
Bernardo e decide, por isso, vender o mesmo colar a Daniel (ex-namorado de Eliana), que
agora o pretende reivindicar a Carlos. Entretanto, Bernardo não pagou a prestação de
Janeiro no dia acordado e Abel quer aproveitar essa situação para lhe exigir o pagamento de
todas as prestações devidas até Junho. Quid iuris?
a) Imagine agora que Bernardo não beneficiou da entrega da coisa e Abel quer resolver
o contrato celebrado com Bernardo ou, em alternativa, exigir antecipadamente todas
as restantes prestações. Quid iuris?
b) Suponha agora, para efeitos desta alínea b), que Bernardo era o pleno proprietário
do bem quando o decidiu vender a Carlos. Carlos, tendo previamente usado todas as
suas poupanças para comprar livros de Direito para estudar para os exames, decide
pedir um empréstimo ao Banco Facilitador para comprar o colar. O Banco
Facilitador aceita financiar Carlos mas pretende reservar a propriedade do bem para
si até ao pagamento integral do mútuo. Quid iuris?

Qualificação do negócio jurídico celebrado entre Abel (A) e Bernardo (B) como uma compra
e venda (874.º), não sujeita a exigências de forma (arts. 875.º e 219.º). Identificação dos
elementos essenciais do contrato.
O efeito real do contrato (879.º, a) não se produziu com a mera celebração do contrato,
porquanto A reservou a propriedade do colar até ao integral pagamento do preço (art.º
409.º/1).
O preço do colar, repartido em oito prestações mensais, qualifica o contrato como uma
venda a prestações (art.º 932.º e ss).
Discussão sobre a oponibilidade da cláusula de reserva de propriedade a terceiros,
incidente sobre bens móveis não sujeitos a registo (cfr. art.º 409.º/2) e posições da doutrina.
A venda de B a Carlos (C), qualifica-se como uma venda de bens alheios (892.º), porquanto
B não é proprietário do bem.
A venda de A a Daniel (D) qualifica-se como uma venda de bens alheios, por analogia (892.º),
porquanto o direito de propriedade de A encontra-se limitado para efeitos de garantia do
pagamento do preço. A pretensão de D não será procedente.
A falta de pagamento da prestação de Janeiro faz incorrer B em mora (805.º/2 a)). Não
permite, todavia, exigir o pagamento das demais prestações. A exigibilidade antecipada das
restantes prestações depende de a prestação em falta exceder um oitavo (1/8) do preço
(havendo entrega da coisa), o que não sucede (€1.500,00 = € 12.000,00/8), nos termos do
art.º 934.º, contra o disposto no art.º 781.º. Resta a A exigir judicialmente a prestação em
causa, acrescida de juros de mora (art.º 817.º e 806.º), ou aguardar pelo incumprimento de
uma segunda prestação, quando poderá exigir judicialmente as demais prestações ou
resolver o contrato (convertendo a mora das prestações em falta em incumprimento
definitivo).

1/3
a) Discussão sobre os pressupostos de aplicação do art.º 934.º, designadamente se é
exigida a entrega da coisa para não importar a perda do benefício do prazo ou a
resolução do contrato na falta de pagamento de uma só prestação que não excede
1/8 de preço, como era o caso. Dar nota da distinção entre a resolução e a perda de
benefício do prazo que é feita pela doutrina nestes casos, designadamente da
posição da regência: não há nenhum obstáculo em aplicar também a restrição
imposta pelo art. 934.º no respeitante ao vencimento antecipado aos casos em que
não se assistiu à tradição da coisa.
b) C celebrou um contrato de mútuo com o Banco Facilitador (BF). Discussão sobre a
possibilidade de reserva de propriedade inicial a favor de terceiro - à luz do
princípio da tipicidade dos direitos reais (arts. 409.º e 1306.º) e da proibição do
pacto comissório, entre outros argumentos – com indicações de doutrina contra e a
favor. Referência à transmissibilidade da reserva de propriedade e posições
divergentes na doutrina sobre esta possibilidade, dando nota da posição favorável
da regência.
Grupo II
Gertrudes, uma mulher de negócios no mercado imobiliário, animada com o estado atual do
mercado em Lisboa, contratou Hugo, empreiteiro, para fazer obras num apartamento velho
que comprou previamente à Imobiliária Ideal por 500.000€ com a intenção de remodelar e
vender por preço superior. Na escritura de compra e venda constava que o imóvel tinha 150m2
mas, ao preparar o projeto para as obras, Gertrudes descobriu que afinal o apartamento
tinha apenas 145m2.
Hugo receberia 50.000€ por um conjunto de trabalhos a efetuar, entre os quais: (i) a
substituição total do chão em taco de madeira por soalho flutuante; e (ii) a remodelação total
da casa de banho, incluindo a resolução do atual problema de infiltrações de água na parede
junto à banheira. Hugo estava empenhado em cumprir integralmente o projeto de obra mas,
na sua opinião, não fazia sentido substituir os atuais tacos de boa madeira por soalho
flutuante. Bastaria afagá-los e envernizá-los para o chão ficar como novo por um preço
significativamente inferior e é precisamente isso que se propunha fazer.
Imagine ainda que a obra tinha sido entregue no dia 3 de janeiro de 2013 e que Gertrudes
ainda não tinha vendido a casa quando, no dia 31 de Dezembro de 2017, apercebe-se que
existia água a escorrer junto à parede da banheira. Descobriu então que o problema das
infiltrações na casa de banho não tinha sido resolvido por Hugo, pois este tinha simplesmente
tapado a zona com uma parede de pladur… Aflita, contacta Hugo sem sucesso e, em resposta
ao seu email sobre o problema, recebe um email de “ausência do escritório” que a informa que
Hugo se encontra de férias e incontactável até dia 6 de janeiro de 2018. Gertrudes fica em
pânico, pois a água já estava a danificar o chão do seu apartamento e Gertrudes não sabe se
ainda será possível exercer os seus direitos após Hugo regressar de férias…

Qualificação do contrato celebrado entre Gertrudes (G) e Hugo (H), como um contrato de
empreitada por referência aos elementos essenciais do tipo contratual (1207.º).
Qualificação do contrato de compra e venda celebrado entre G e Imobiliária Ideal (IH) como
uma compra e venda (art.º 874.º) atendendo aos seus elementos essenciais. Referência à
forma deste contrato. Aplicabilidade do artigo 888.º quanto à diferença real de metros
quadrados do apartamento relativamente à escritura, com a consequência de exclusão do
direito à redução do preço.
Alteração de Hugo (H) qualificada como uma alteração da iniciativa do empreiteiro
(1214.º/1). Só com autorização do dono da obra pode o empreiteiro fazer tais alterações e,
para isso, o empreiteiro deve fazer proposta ao dono da obra (406.º/1). Sem autorização do

2/3
dono de obra G, existe cumprimento defeituoso (art.º 1214.º/2). Tutela do dono de obra em
sede de defeitos (arts. 1218.º e ss).
Qualificação das infiltrações como defeitos ocultos (art.º 1224.º/2). Tutela de G ao abrigo
do art.º 1225.º, cujo prazo de caducidade de cinco anos se conta a partir da entrega (n.º1 do
preceito). Discussão sobre a forma de exercício da denúncia (art.º 1225.º/3 e 1220.º), se
receptícia ou não e sobre a necessidade de solicitar previamente ao empreiteiro a sua
eliminação (art.º 1221.º/1). Com base no art.º 336.º, uma vez que a urgência do pedido não
é compatível com a disponibilidade de H, G poderia proceder à reparação e exigir o
reembolso das despesas a H.

3/3
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Direito dos Contratos I – turma A
Exame de Recurso
Senhor Professor Doutor Pedro de Albuquerque
19 de Janeiro de 2018

Tópicos de Correção

Em Junho de 2016, Dinis vendeu a Edilberto (conhecido ator, a residir em Los Angeles) uma
moradia em Cascais, com vista frontal do mar, por € 3.000.000, juntamente com um carro
da marca Austin Martin que acabara de chegar ao stand de automóveis usados de que Dinis
é proprietário, pelo preço de €180.000.
A moradia foi paga integralmente na mesma data. Quanto ao automóvel, Dinis reservou para
si a propriedade do mesmo até integral pagamento do preço. A cláusula de reserva de
propriedade foi registada.

Responda de forma completa, fundada e independente, às seguintes questões:

a) Em Novembro de 2016, Edilberto regressa definitivamente a Portugal e pretende


passar a viver na moradia que adquirira em Cascais. Porém, constata que ela se encontra
habitada por uma família brasileira, que a tinha tomado de arrendamento a Dinis em
Maio de 2013, pelo prazo de 6 anos. Quid Juris? (3,5 valores)
-Explicação completa e fundada da situação de venda de bem onerado, regulada no
artigo 905.º e seguintes do CC sendo o contrato anulável por erro (do comprador) ou dolo
(do vendedor).
-Assim, caso o vendedor tenha intencionalmente ocultado a existência do contrato de
arrendamento ou o comprador, por lapso, não se tenha apercebido da existência desse
contrato (sendo essa informação essencial para a decisão de contratar – artigo 247.º CC),
verificar-se-ão os requisitos para a anulabilidade do negócio.
- O regime desta invalidade apresenta, porém, algumas particularidades. Uma delas
consiste na obrigação que sobre o vendedor impende de fazer convalescer o contrato,
eliminando os ónus ou limitações existentes, como determina o artigo 907.º do CC.
- Caso os ónus ou limitações venham a desaparecer (seja pelo cumprimento da obrigação
de convalidação do vendedor, seja por algum outro facto), fica sanada a anulabilidade do
contrato – artigo 906.º do CC.
- Nem todos os tipos de ónus ou limitações são suscetíveis de ser eliminados por
vontade unilateral do vendedor. Assim, se a limitação consiste na existência de um direito de
terceiro, emergente de um contrato do qual o vendedor já não é parte (porque a sua posição
se transmitiu nos termos do disposto no artigo 1057.º do CC), nada poderá fazer para
eliminar essa limitação.
- O contrato de arrendamento foi celebrado em Maio de 2013, pelo que poderá terminar
em Maio de 2019, caso Edilberto (novo senhorio) se oponha à sua renovação, nos termos
do disposto no artigo 1097.º do CC, com um ano de antecedência.
- Assim, caso Edilberto tivesse outra casa onde pudesse viver até à extinção do contrato
de arrendamento, e se demonstre que ele sempre teria adquirido aquela moradia, embora por
um preço inferior, haverá redução do preço (em vez de anulação do contrato), nos termos
do artigo 911.º do CC.
- Não se verificando esta hipótese, e decidindo o comprador invocar a anulabilidade do
negócio, terá direito a ser indemnizado pelos danos emergentes do contrato, na hipótese de
ter havido apenas erro (nos termos do disposto no artigo 909.º do CC), ou por todos os
prejuízos que não teria sofrido se a compra não tivesse sido celebrada, no caso de ter havido
dolo do vendedor (nos termos do disposto no artigo 908.º do CC).

b) O preço do Austin Martin deveria ser pago em duas prestações de igual valor, vencendo-
se a primeira no último dia de Outubro de 2016 e, a segunda no último dia de Março de
2017. Edilberto passou de imediato a conduzir o automóvel. Após o pagamento da
primeira prestação, Edilberto vendeu e entregou o automóvel a um colega de profissão
americano, Francis. Dinis, ao tomar conhecimento de tal facto, acha que Edilberto não
foi leal consigo e decide vender o automóvel a Gaspar, inimigo de longa data de
Edilberto, que o pretende reivindicar a Francis. Quid Juris? (3,5 valores)
- Explicação completa e fundada do sentido, função e natureza da cláusula de reserva de
propriedade. Implicações daqui resultantes para o caso em apreço. Em princípio, não se trata
de uma exceção ao princípio da transmissão da propriedade por efeito do contrato, mas
apenas de uma dilação dessa transmissão para momento posterior.
- Pode alienar-se a posição jurídica do comprador com reserva de propriedade (que era
relevante qualificar), que tem conteúdo patrimonial e não está abrangida por qualquer
proibição de disposição pelo seu titular. Pode também tratar-se o bem como bem
relativamente futuro (artigo 893.º do CC). Fora desses casos, parece que há venda de bens
alheios (artigo 892.º CC).
- Assim, in casu, depois da venda a Edilberto, Dinis não mantém a plenitude dos poderes
de um normal proprietário, nomeadamente os poderes de alienação. A reserva de
propriedade cumpre uma função de garantia, pelo que se deve entender que Dinis não tem
legitimidade para alienar a coisa. Consequentemente, tal hipótese deverá ser equiparada à
venda de coisa alheia como própria, sancionando-se tal venda com a nulidade.

c) Aquando da compra do Austin Martin, o Stand de que Dinis é proprietário fez saber a
Edilberto que o preço original de €200.000 seria apenas de €180.000, se Edilberto
assinasse um documento em que declarava comprar o automóvel “no estado em que se
encontrava”, o que veio efetivamente a acontecer. Algumas semanas depois o carro
começou a manifestar problemas no sistema elétrico. Edilberto prontamente se queixou
das avarias no Stand de automóveis de Dinis e pretende que o mesmo seja reparado.
Dinis declina qualquer responsabilidade e recorda a Edilberto a declaração que assinou
aquando da compra do carro. Quid Juris? (3 valores)
- O contrato de compra e venda em apreço está sujeito ao regime previsto no Decreto-
Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações entretanto introduzidas, uma vez que foi
celebrado entre um particular e um profissional, o stand de automóveis. Assim, o vendedor
é responsável perante Edilberto por qualquer falta de conformidade que exista no momento
em que o bem lhe é entregue, presumindo-se essa falta se o vício se manifestar num prazo
de 2 anos (cfr. Artigo 3.º, n.º 2).
-No caso em análise Edilberto assinou um documento em que declarou aceitar o Austin
Martin estado em que se encontrava, o que leva o vendedor a declinar qualquer
responsabilidade quanto aos defeitos que, entretanto, se manifestaram. Todavia, a proteção
conferida pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações entretanto sofridas,
é imperativa, sendo nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual, antes da denúncia da falta
de conformidade ao vendedor se excluam ou limitem os direitos do consumidor aí previstos
(artigo 10.º). A renúncia de Edilberto à proteção que lhe é conferida legalmente é, pois, nula.
Nos termos do disposto no n.º 2 e no n.º 3 do artigo 16.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho
(Lei de Defesa do Consumidor), a nulidade apenas pode ser invocada pelo consumidor ou
seus representantes, e o consumidor pode optar pela manutenção do contrato quando
algumas das suas cláusulas forem nulas.
- Assim, Edilberto deve denunciar os defeitos ao vendedor no prazo de dois meses a
contar da data em que os detetar (artigo 5.º A, n.º 2), tendo direito à reparação pretendida no
prazo de trinta dias sem grave inconveniente para si (artigo 4.º, n.º 2).
- Note-se, por último, que o prazo de garantia para as coisas móveis é de dois anos a
contar da data da entrega do bem (artigo 5.º, n.º 1), ou seja prolonga-se até Junho de 2018.
Todavia, como estávamos perante a venda de um automóvel usado, o artigo 5.º, n.º 2 teria
permitido que o prazo de garantia, por acordo das partes, tivesse sido reduzido a um ano.

II

António, proprietário de um terreno no Douro e conhecido promotor imobiliário na região,


acordou com Bernardo, a preparação de um terreno e a construção das necessárias
infraestruturas para a construção de um hotel de 3 andares e um luxuoso SPA, por um preço
global de €5.000.000,00, prevendo-se a sua conclusão em Dezembro de 2016.
Bernardo, sentindo dificuldades em concluir a obra atempadamente, contrata
Casimiro, encarregando-o de realizar o último piso do edifício do hotel, bem como todas as
instalações elétricas interiores.
A obra foi entregue no dia 31 de Dezembro de 2016 a António que, entusiasmado,
a aceitou sem qualquer ressalva, declarando que o SPA e o hotel estavam fabulosos e que de
certeza seriam um enorme sucesso.
Em Março de 2017, antes da abertura oficial do hotel, António resolve instalar-se
com a família e amigos no último piso, a fim de testar as funcionalidades e a operacionalidade
do hotel. Uma vez instalados, António verifica que o mesmo não só não tinha luz, fruto de
um curto-circuito na instalação elétrica, mas também que todo o soalho flutuante estava mal
colocado e começar a levantar em alguns pontos, o que poderia até atentar contra a
integridade física de quem aí passasse.
António notificou imediatamente Bernardo do sucedido, mas como não obteve
qualquer resposta, decidiu promover a expensas suas todas as necessárias reparações, tendo
despendido €50.000, que prontamente reclamou de Bernardo. Este recusa-se a reembolsar
António afirmado que a culpa é exclusivamente de Casimiro.
Quid Juris? (8 valores)
-Qualificação completa e fundada do contrato entre António e Bernardo como contrato
de empreitada (artigo 1207.º do Código Civil do Código Civil (“CC”)), com fixação de preço
global;
- Regime jurídico aplicável: âmbito de aplicação objetiva e subjetiva do Decreto-Lei n.º
67/2003, de 8 de Abril, com as alterações entretanto introduzidas – artigo 1.º-A, n.º 1 e 1.º
B, n.º 2. Exclusão deste regime e aplicação do regime comum do CC;
- Qualificação completa e fundada do contrato entre Bernardo e Casimiro como
contrato de subempreitada (artigo 1213.º do CC);
- Aferição da validade do contrato de subempreitada (artigo 264.º ex vi artigo 1213.º, n.º
2 do CC);
- Referência ao regime da verificação da obra (artigo 1218.º do CC), aferindo da
relevância da aceitação efetuada por António (artigo 1219.º do CC);
- Referência à existência de defeitos ao abrigo do contrato de empreitada (artigo 1225.º
do CC), com referência ao regime da responsabilidade de Casimiro enquanto subempreiteiro
(artigo 1226.º do CC), referindo o regime dos artigos 1221.º a 1223.º do CC.

Duração da prova: 1 hora e 30 minutos.


2 Valores de ponderação global.
DIREITO DOS CONTRATOS I
3.º Ano - 2017/2018
Exame (Época de Coincidência)
Duração: 120 minutos
Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque

I
Em agosto/2016, Afonso, proprietário de um terreno composto por laranjeiras, vendeu as laranjas que
se colhessem naquele ano a Beatriz, proprietária de uma mercearia. Em outubro/2016, Afonso vendeu
a Carlos, agricultor, o mencionado terreno. Do contrato de compra e venda ficou a constar que o
terreno tinha uma área de 1000 m2.

Responda de forma completa e fundamentada às seguintes questões:

(a) Em novembro/2016, Beatriz interpelou Carlos solicitando-lhe a entrega da colheita de laranjas


daquele ano. Carlos ficou surpreendido e recusou a entrega, pois Afonso nunca havia mencionado o
direito invocado por Beatriz. Quid iuris? (3 valores)

(b) Em novembro/2017, Carlos começou a vangloria-se na aldeia de que o terreno comprado a Afonso
tem 1500 m2, de modo que havia feito um excelente negócio, pois pagou 1 e levou 1 e ½. Afonso,
surpreendido por esta informação, quer saber se, e como, pode reagir. (2 valores)

(c) Em junho/2017, Carlos comprou à Deer, S.A. um trator agrícola por €10.000, o qual lhe foi
entregue de imediato. Carlos obrigou-se a pagar o preço em 10 prestações mensais de igual valor. A
Deer, S.A. não reservou para si a propriedade. No contrato de compra e venda, foi estipulado que o
incumprimento de uma prestação conferia ao vendedor o direito a resolver o contrato. Aprecie a
validade desta cláusula. (4 valores)

(d) O trator comprado por Carlos avariou 6 vezes nos primeiros 8 meses. A vendedora tem-se
prontificado a repará-lo em todas essas ocasiões. Todavia, Carlos, aborrecido com o transtorno,
pretende que o veículo seja definitivamente substituído por um novo. Tem esse direito? (3 valores)
.

II
A Wood, S.A., que comercializa móveis usados, contratou com Alberto, carpinteiro, a restauração de
duas cómodas antigas. As cómodas foram devolvidas por Alberto, já restauradas, em 15 de
janeiro/2016.

Responda de forma completa e fundamentada às seguintes questões:

(a) Em 13 de julho/2016, a Wood, S.A. apercebe-se de que o verniz aplicado no restauro é


manifestamente desadequado para o efeito, à luz das regras técnicas aplicáveis. Nesse mesmo dia,
confrontou Alberto com aquele facto, mas este rejeitou a correção do juízo segundo o qual o verniz era
desadequado. Posto isto, a Wood, S.A. quer saber de que prazo dispõe para exercer judicialmente o seu
direito. (4 valores)

(b) A Wood, SA nunca chegou a pagar o preço dos serviços prestados por Alberto. Em 19 de
janeiro/2018, Alberto ganhou coragem e interpelou a Wood, SA, através de carta, para pagar. Em
resposta, a Wood, SA informou que nada deve, dado que o crédito de Alberto já prescreveu. Considera
este argumento procedente? (4 valores)
DIREITO DOS CONTRATOS I
3.º Ano - 2017/2018
Exame (Época de Coincidência)
Duração: 120 minutos
Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque

Tópicos de Correção

(a) Cumpriria debater se a transferência da propriedade sobre o terreno para Carlos havia afetado o
direito de Beatriz.
Nos termos do artigo 408.º/2 CC, quanto aos frutos pendentes, apesar da dilação temporal entre a data
da celebração da compra e venda e o efeito real, a causa deste é o contrato, e não a separação da árvore.
Consequentemente, logo que os frutos se separassem da árvore (porque eram colhidos ou porque
haviam caído) a propriedade sobre os mesmos transferir-se-ia para Beatriz, que, em consequência,
poderia reivindicá-los de Carlos. Este poderia agir contra Afonso, designadamente com fundamento em
dolo, pedindo a anulação do contrato e/ou uma indemnização. Importaria ainda mencionar o artigo
880.º CC, nos termos do qual o vendedor fica obrigado a realizar as diligências necessárias para que o
comprador "adquira" os bens vendidos. Se o termo "adquira" puder ser entendido como "obter a
detenção material sobre a coisa vendida", então seria de sustentar que Beatriz poderia exigir a Afonso
que diligenciasse junto de Carlos no sentido de as laranjas lhe serem entregues.

(b) Nesta hipótese, seria valorizado o debate sobre o direito de Afonso à correção do preço.
Uma vez que a diferença entre a medida real do terreno e a declarada no contrato equivalia a ½, tem-se
por preenchido o requisito de relevância previsto no artigo 888.º/2 CC. Neste contexto, poderia
discutir-se se a correção proporcional do preço visaria a totalidade da diferença ou apenas a parte da
diferença que excedia 1/20. Justificar-se-ia ainda mencionar o direito de resolver o contrato pelo
comprador previsto no artigo 891.º/1 CC.
O direito de Afonso receber a diferença teria, todavia, caducado 1 ano após a entrega (artigo 890.º/1
CC), ou seja, antes de novembro/2017, data em que Afonso tomou conhecimento da discrepância.

(c) Nesta hipótese, depois de ser esclarecido se o artigo 934.º CC contém ou não uma norma
imperativa, caberia debater se, apesar de o preceito não ser aplicável, ao menos diretamente, dado que
não tinha havido reserva de propriedade, se justificaria estender o seu regime ao caso em apreço, com a
consequência de tornar a cláusula em causa inválida. Seria sobretudo valorizada a demonstração do
conhecimento deste debate na doutrina.

(d) Caberia debater se o legislador propôs uma hierarquia para os direitos que confere ao comprador de
bem defeituoso contra o vendedor (artigo 914.º CC). Resolvido esse debate no sentido positivo,
interessaria notar que essa hierarquia é, numa certa perspetiva, constituída a favor do vendedor, que
desse modo passa a ter o direito de escolher reparar em vez de substituir, o que será em princípio
menos oneroso. Caberia então colocar e responder às perguntas seguintes: (i) Se o vendedor, apesar de
se prestar a reparar os defeitos da coisa, evidencia incapacidade para realizar uma reparação eficaz, uma
que permita ao comprador utilizar o bem sem limitações, pode o comprador recusar a reparação e
exigir a substituição? (ii) As sucessivas reparações ineficazes tornam a substituição necessária?
Uma solução poderá passar por considerar que as reparações sucessivas e ineficazes demonstram a
incapacidade do vendedor para reparar o defeito, devendo, na sequência, ser a coisa substituída, o que
pode ser exigido pelo comprador. De acordo com este entendimento, Carlos teria direito à substituição.

II

(a) Nesta hipótese, está em causa decidir se a Wood é titular dos previstos nos artigos 1221.º-1223.º CC
contra Alberto.
DIREITO DOS CONTRATOS I
3.º Ano - 2017/2018
Exame (Época de Coincidência)
Duração: 120 minutos
Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque

Neste sentido, e assentando que Wood não conhecia o defeito quando aceitou a obra, interessaria
começar por discutir se o defeito em causa deveria ser considerado oculto ou aparente. Seria valorizada
a distinção fundada entre estes dois conceitos.
Sendo o defeito oculto, a Wood não só havia cumprido o prazo de 30 dias para denunciar o defeito
(artigo 1220.º CC), como poderia propor ação para fazer valer os seus direitos até ao dia 14 de janeiro
de 2018.
Sendo o defeito considerado aparente, e tendo a obra sido aceite sem reservas, a Wood teria de ilidir a
presunção prevista no artigo 1219.º/2 CC, caso pretendesse exercer os seus direitos. Se não fosse bem-
-sucedida nesta diligência, não só estaríamos perante um caso de irresponsabilidade do empreiteiro
(artigo 1219.º/1 CC), como o prazo para denunciar o defeito já teria caducado (artigo 1220.º/1 CC).

(b) Na presente hipótese, interessaria debater se a presunção de cumprimento prevista no artigo 317.º,
b) CC aproveita ao dono de obra.
Depois de compreendido que a Wood não poderia alegar a prescrição, mas o cumprimento, dado que o
artigo 317.º CC não prevê qualquer efeito prescritivo, caberia debater se este regime é ou não aplicável
à empreitada, mobilizando as considerações doutrinárias e jurisprudenciais que se afigurassem
convenientes.
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Direito dos Contratos I — Época de Recurso

3.º Ano — Turma da Noite — 19.02.2018

Grupo I

António, recém-licenciado e carenciado de financiamento, é proprietário de um “Why-


Phone” que adquiriu recentemente na “Phones4all, Lda.”. Bernardo, estudante, mostrou-
se interessado no moderno dispositivo móvel de António. Combinaram que o primeiro o
venderia ao segundo o telemóvel pelo preço de 800,00 €. O preço deveria ser pago em 10
prestações mensais de igual valor.

Considere cada uma das seguintes hipóteses isoladamente:

a) António, sabendo que Bernardo tinha dificuldades financeiras, combinou que só


lhe entregaria o telemóvel no momento do pagamento da quinta prestação.
Bernardo falhou o pagamento da segunda prestação. António pretende agora
resolver o contrato. Quid juris? (3 valores)

Qualificação completa e fundada do contrato de compra e venda a prestações


(arts. 874.º e ss.; 934.º e ss.).
Discussão acerca da (im)possibilidade de o vendedor exigir antecipadamente
todas as prestações devidas a título de preço, em face do não pagamento de uma
prestação que não excede uma oitava parte do preço, nos casos em que não tenha
sido feita a entrega da coisa (articulação dos regimes dos arts. 934.º, 2.ª parte,
e 781.º). Tomada de posição fundamentada, preferencialmente no sentido da
aplicabilidade da segunda parte do artigo 934.º ao caso em apreço, com a
consequência não ser possível exigir a totalidade das prestações.
Problematização da possibilidade de António resolver o contrato.
Inaplicabilidade da primeira parte do artigo 934.º (não houve entrega) e do
artigo 886.º (a atribuição do vendedor não se encontra totalmente realizada, na
medida em que não houve entrega da coisa). Valorização da (não) identificação
da reserva de propriedade como requisito de aplicação da 1.ª parte do artigo
934.º.
A resolução só seria possível na medida em que o comprador estivesse
constituído numa situação de incumprimento definitivo. Em coerência com a
tomada de posição a respeito da (in)exigibilidade antecipada das restantes
prestações, deveria concluir-se no sentido de que Bernardo não estaria
constituído numa situação de incumprimento total e definitivo.

b) No momento da venda, o telemóvel encontrava-se com Ramiro, reparador de


telemóveis. Bernardo pagou a quinta prestação do preço. António não entregou o
telemóvel dizendo que não tinha pago o preço da reparação o que, de resto, diz
não ter que fazer por não ser já seu proprietário. Ramiro recusa-se a entregá-lo a
Bernardo. Quid juris? (3 valores)
Qualificação completa e fundada do contrato celebrado por António e Ramiro
como sendo um contrato de empreitada (artigos 1207.º e ss.). António está
obrigado a pagar o preço, podendo Ramiro lançar mão da retenção para
garantia do pagamento do preço (art. 754.º do CC). Valorização da discussão
relativa à admissibilidade do direito de retenção do empreiteiro (neste caso
exercido sobre coisa de terceiro).
Identificação do direito de retenção como “ónus ou limitação que excede os
limites normais dos direitos da mesma categoria” (art. 905.º do CC) e aplicação
do regime da venda de bens onerados. Discussão e tomada de posição
fundamentada em relação à questão de saber qual a consequência
(anulabilidade ou resolução do negócio jurídico) e identificação coerente do
regime aplicável; possível convalescença do contrato (906.º) e possível
indemnização em caso de não cumprimento da obrigação de fazer convalescer o
contrato (910.º) à qual acresce indemnização nos termos do artigo 908.º.
Salvaguarda da opção entre a indemnização dos lucros cessantes pela
celebração do contrato que veio a ser resolvido (ou anulado) e dos lucros
cessantes pelo facto de não ser sanado o vício (910.º, n.º 2); referência à possível
redução do preço (feita nos termos do artigo 884.º) e consequente manutenção
do contrato (911.º, n.º 1).

c) Passados 10 dias Bernardo, em brincadeira com os amigos, decidiu atirar o


telemóvel para a sua piscina, tendo o dispositivo deixado de funcionar. Reclamou
junto de António que lhe terá dito, no momento da venda, que o equipamento era
“à prova de água”. António confirmou que aquele modelo tem (ou deveria ter)
essa característica, mas que, em todo o caso, não era responsável pelo seu mau
funcionamento. Quid juris? (2 valores)

Aplicação do regime da compra e venda de bens de bens de consumo (artigos


1.º-A e 1.º-B do DL 67/2003); A conformidade como garantia (2.º/1); Presunção
ilidível de não conformidade (2.º, n.º 2, al. d); Presunção da sua existência ao
tempo da entrega no prazo de dois anos (3.º/2); Transmissibilidade dos direitos
de António ao 3.º adquirente, Bernardo, nos termos do art. 4.º/6; Bernardo deve
exercer os seus direitos contra a “Phones4all, Lda.” no prazo de dois meses a
contar da data em que os detetar (art. 5.º-A, n.º 2), tendo direito à reparação no
prazo de 30 dias, sem grave inconveniente para si (4.º/2). Discussão relativa à
eventual subsidiariedade entre os vários direitos atribuídos ao consumidor, com
apelo ao disposto no artigo 4.º/5 que dispõe no sentido de poder o comprador
exercer qualquer um dos quatro direitos, salvo manifesta impossibilidade ou
abuso de direito (valorização da referência ao escalonamento do exercício de
direitos, através da fixação de dois níveis de reação no texto da diretiva
transposta).
d) Imagine que as partes estabeleceram que António poderia readquirir o telemóvel
a seu bel-prazer no prazo de um ano. Em contrapartida, deveria pagar 900,00 € a
Bernardo. Qualificaram o contrato como “retrovenda”, apesar de não se
encontrarem muito seguros a esse respeito. Qual a natureza jurídica do contrato
e o regime aplicável? (2 valores)

Caracterização do contrato de compra e venda a retro como o contrato mediante


o qual o vendedor reserva para si o direito de reaver a propriedade da coisa ou
direito vendido mediante a restituição do preço (art. 927.º), aplicando-se o
disposto nos artigos 432.º e seguintes, em tudo o não afastado pelo regime
específico da venda a retro; distinção face à retrovenda (ou pacto de revenda),
onde se verifica existirem duas convenções (no mesmo instante ou
posteriormente), permanecendo a venda posterior como simples proposta sujeita
à aceitação do vendedor (António) ou como venda completa, subordinada à
anuência posterior do vendedor (António). Diferenças em termos de regime (não
vale para a retrovenda o regime dos artigos 432.º e ss, mas antes o regime da
compra e venda), ainda que a identidade de situações implique a aplicabilidade
de algumas das regras do regime da venda a retro à retrovenda (relativas a
prazos e preços); a cláusula mediante a qual António se obriga a restituir preço
superior ao convencionado para a venda é, portanto, nula quanto ao excesso
(928.º, n.º 2).

Grupo II

Carlos e Dinis acordaram que este construiria àquele uma moradia de três andares e uma
bela piscina pelo valor de 1.000.000,00 €.

Considere cada uma das seguintes hipóteses isoladamente:

a) Pertencendo o terreno a Carlos, a partir de que momento se torna proprietário do


imóvel? E se o terreno pertencesse a Dinis? Imaginando que o preço seria pago
em prestações, seria lícito convencionar-se que Dinis só se tornaria proprietário
no momento do pagamento da última prestação? (3 valores)

Qualificação completa e fundada como contrato de empreitada (art. 1207.º).


Tendo a empreitada por objeto a construção de um imóvel (art. 1212.º, n.º 2) e
pertencendo o terreno ou a superfície ao dono da obra, é ele o proprietário da
coisa (mesmo sendo os materiais fornecidos na totalidade pelo empreiteiro,
transmitindo-se a propriedade sobre os bens à medida que são incorporados no
solo).
O art. 1212.º não regula a hipótese de a obra ser construída em terreno
pertencente ao empreiteiro, devendo considerar-se estarmos perante um contrato
misto ou uma união de contratos (contrato de empreitada e contrato promessa de
compra e venda do imóvel), admitindo-se posição diversa devidamente
fundamentada. A transmissão da propriedade ocorreria, em princípio, no
momento da celebração do contrato definitivo (geralmente, uma compra e venda).
A estipulação de uma cláusula de reserva de propriedade da obra até que o dono
da obra pague integralmente o preço é possível (art. 409.º).

b) Dinis contratou Felisberto para a instalação das janelas. Após a aceitação da obra,
Carlos descobriu que as janelas tinham sido deficientemente colocadas e ainda
que Dinis tinha recorrido a Felisberto para o fazer. Exige agora que Felisberto as
repare. Pode fazê-lo? (4 valores)

Qualificação completa e fundada do contrato celebrado entre Dinis e Felisberto


como subempreitada (1213.º) e respetiva admissibilidade. Discussão e tomada de
posição fundamentada a respeito da existência de relações diretas entre
subempreiteiro e dono da obra.

c) Pressupondo a factualidade da alínea anterior, sendo o frio insuportável, e em


função da urgência, Carlos decidiu recorrer a um conhecido (Ernesto) para efetuar
a respetiva reparação. Gastou para o efeito 30.000,00 € que exige agora de Dinis
e Felisberto. Quid juris? (3 valores)

Admissibilidade do recurso a terceiros para efetuar reparações em situações de


urgência que não consintam dilação ou numa situação em que se verifique um
incumprimento definitivo da obrigação de efetuar reparações por parte do
empreiteiro. Nestas situações, o custo de recursa a terceiro será somente apenas
mais um dano indemnizável decorrente do cumprimento defeituoso do
empreiteiro. Admissibilidade de posições diversas, desde que devidamente
identificadas e fundamentadas.
DIREITO DOS CONTRATOS I
3.º Ano - 2017/2018
Exame (Época Normal)
Duração: 120 minutos
Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque

I
Ana, reformada e assídua espetadora de um programa de vendas na TV, encomenda um robot de
cozinha que é anunciado e explicado num desses programas pela BiTech, S.A.. O preço,
correspondente a €1.200, seria pago em vinte e quatro prestações mensais sem juros.

Responda de forma completa e fundamentada às seguintes questões:

(a) Sete dias após ter recebido o robot de cozinha, não obstante o seu impecável funcionamento, Ana
acha que cometeu um excesso e pretende devolvê-lo. Quid iuris? (1 valores)

(b) Ana encontra-se em falta quanto ao pagamento de três prestações. Que direitos assistem à
vendedora, a BiTech, S.A.? (4 valores)

(c) Dois dias após a compra do robot à BiTech, S.A., Ana vendeu-o à sua vizinha Célia, por €1100, que
recebeu o bem, mas nunca chegou a pagar o preço. Supondo que a BiTech, S.A. reservou para si a
propriedade, que, 6 meses após a venda, resolveu validamente o negócio celebrado com Ana e que, na
sequência da resolução, lhe solicita a devolução do robot, de que modo pode Célia reagir quando Ana lhe
solicita a entrega do bem para devolvê-lo à BiTech, S.A.? (4 valores)

(d) A máquina tinha uma garantia de bom funcionamento de um ano. Ao cabo de oito meses, o motor
avariou. A BiTech, S.A. substituiu-o por um motor novo. Decorridos dois anos e três meses sobre a
compra, o motor do robot de cozinha avariou novamente. Que direitos assistem a Ana? (2 valores)

II
António contratou com Bento a construção de uma moradia, pelo valor de €150.000, num terreno que
pertencia a António. Acordaram que a construção teria de estar concluída no prazo de 12 meses e que o
preço seria pago da seguinte forma: €70.000 no prazo de 6 meses contados desde a celebração do
contrato e o valor remanescente aquando da aceitação da obra.

Responda de forma completa e fundamentada às seguintes questões:

(a) Após o decurso de 7 meses de execução dos trabalhos, Bento apercebeu-se de que não conseguiria
concluir a obra no prazo acordado, pelo que contratou Carlos para proceder à instalação elétrica e das
canalizações no imóvel. A obra foi concluída dentro do prazo acordado e aceite por António sem
qualquer reserva. Sucede que, 2 meses após a aceitação, António comunicou a Bento que existia uma
infiltração na cozinha devido à deficiente colocação da canalização. Bento declinou qualquer
responsabilidade com o argumento de que havia sido Carlos a instalar as canalizações. Quid iuris? (5
valores)

(b) Na fase de acabamento, um sismo destruíra por completo a construção. António exige de Bento
nova construção; Bento recusa-se a reconstruir por tal estar completamente fora do que orçamentou
para a empreitada contratada. Quid iuris? (3 valores)

Ponderação global: 1 valor


DIREITO DOS CONTRATOS I
3.º Ano - 2017/2018
Exame (Época Normal)
Duração: 120 minutos
Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque

Tópicos de Correção

(a) Trata-se de um contrato celebrado a distância, supondo que Ana é consumidora e que a celebração
foi feita exclusivamente por uma técnica de comunicação a distância. (cf. artigo 3.º, n.º 1, al. f) do
Decreto-Lei n.º 24/2014 de 14.02). Ana tem direito à de livre resolução, dentro do prazo de 14 dias
subsequentes à entrega (artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 24/2014 de 14.02). Seria valorizada a explicação
do fundamento e funcionamento deste direito.

(b) No pressuposto de que o equipamento já foi entregue, o vendedor não pode resolver (mediante
conversão da mora em incumprimento definitivo), porque não há reserva de propriedade nem cláusula
resolutiva (cf. artigo 886.º CC). A resolução seria todavia admissível se as partes tivessem
convencionado nesse sentido (cf. artigo 886.º CC).
Uma vez que estão em falta três prestações (artigo 934.º), o vendedor pode exigir a totalidade do preço
em falta: perda de benefício do prazo, discutindo-se se há vencimento antecipado ou exigibilidade
antecipada, sendo necessário, neste último caso, interpelação para que o comprador entre em mora
quanto à parte restante do preço.
Em alternativa, se se tratar de contrato de crédito ao consumo, aplicar-se-á o artigo 20.º do Decreto-Lei
n.º 133/2009 de 2.06. Todavia, de acordo com os dados da hipótese, e tendo em vista a exclusão
prevista no artigo 2.º/1, f) do referido diploma, este regime não seria aplicável.

(c) O problema colocado pela questão prende-se com o reconhecimento do direito de Célia recusar a
entrega do robot que Ana lhe solicita.
Afigura-se irrelevante a circunstância de Célia ainda não ter pago o preço, atenta a regra no artigo 886.º
CC. Mais pertinente é decidir se Ana transmitiu validamente a propriedade do bem a Célia, dado que a
BiTech, SA havia reservado para si a propriedade. Cumpria, neste contexto, discutir a eficácia da
cláusula de reserva de propriedade relativamente a terceiros. Seria valorizada a exposição detalhada do
debate doutrinário sobre este tema. O sentido da resposta à questão levantada pela hipótese estaria
assim dependente da posição assumida na querela sobre a eficácia da reserva de propriedade
relativamente a terceiros. Sendo ineficaz, então teria sido válida a venda do bem a Célia, esta ter-se-ia
tornado proprietária do mesmo, podendo por conseguinte recusar entregá-lo a Ana. Se a reserva de
propriedade fosse considerada eficaz relativamente a Célia, então caberia apreciar a validade da venda
celebrada entre esta e Ana. Seria, designadamente, ponderável aplicar o regime da venda de bens
alheios, diretamente ou por analogia, sendo por conseguinte a venda nula (artigo 892.º), com as
consequências previstas no artigo 289.º/1 CC. Todavia, caberia questionar se Ana poderia alegar a
nulidade do negócio contra Célia, atendendo às limitações previstas no artigo 892.º. Não estaria, porém,
a BiTech, S.A. impedida de pedir a Célia a restituição do bem, invocando a reserva de propriedade.
Outras soluções, desde que devidamente fundamentadas seriam ponderáveis.

(d) Tratando-se de uma venda a consumidor, era aplicável o DL n.º 67/2003, 08.04.
Poderia debater-se a diferença entre a garantia relativa a defeitos da coisa e a garantia de bom
funcionamento. Neste caso, porém, esta distinção conceptual não envolve consequências de regime
aplicável, atendendo ao disposto nos artigos 5.º/1 e 10.º do DL n.º 67/2003, 08.04.
A substituição do motor do robot oito meses depois da compra do mesmo era devida, nos termos dos
artigos 4.º/1 e 5.º/1 do DL n.º 67/2003, 08.04. O motor avariou novamente dois anos e 3 meses após a
DIREITO DOS CONTRATOS I
3.º Ano - 2017/2018
Exame (Época Normal)
Duração: 120 minutos
Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque

compra, mas apenas 19 meses após ter sido substituído. Posto isto, importa discutir se, relativamente à
peça substituída, a garantia de dois anos (artigo 5.º/1 do DL n.º 67/2003, 08.04) se (re)iniciou na data
da substituição. A dúvida quanto à resposta a esta questão reside na redação do artigo 5.º/6 do DL n.º
67/2003, 08.04, que prescreve o reinício da garantia nos casos em que se verifique a substituição do
bem. Cumpre, então, questionar: no caso em apreço (e em hipóteses similares), releva a substituição do
motor do robot ou a reparação do robot através da substituição do motor? Seguindo o primeiro
entendimento, deve entender-se que, à data da segunda avaria, a garantia do motor subsistia; optando
pelo segundo, deve concluir-se que, na data da segunda avaria, a garantia do robot já havia expirado.

II

(a) Primeiramente, é necessário qualificar o contrato celebrado entre António e Bento como um
contrato de empreitada, nos termos do art. 1027.º do CC, e o contrato entre Bento e Carlos como um
contrato de subempreitada, de acordo com o art. 1213.º do CC.
A obra deve ser executada sem quaisquer vícios que excluam ou reduzam o seu valor (art. 1208.º do
CC), sendo que, antes da aceitação, o dono deve verificar se a obra corresponde ao convencionado com
o empreiteiro, não tendo qualquer defeito (art. 1218.º do CC). Neste âmbito, seria necessário qualificar
o tipo de defeito como oculto, não sendo conhecido pelo dono da obra aquando da aceitação, nem
tendo este a possibilidade de conhecer usando a diligência normal. Desta forma, não se aplica a
irresponsabilidade do empreiteiro, nos termos do art. 1219.º do CC.
O prazo de denúncia dos defeitos é de 30 dias após o descobrimento (art. 1220.º do CC), nos termos
gerais, sendo que no caso aplicar-se-ia o prazo de um ano (art. 1225.º, n.º 2 do CC), presumindo-se que
a comunicação dos defeitos pelo António a Bento foi realizada no prazo legal. Contudo, tratando-se de
um defeito relacionado com a execução da subempreitada, deve aplicar-se o disposto no art. 1226.º.
Denunciado o defeito, o dono da obra tem direito à sua eliminação, por ser possível (art. 1221.º do
CC). Caso os defeitos não sejam eliminados, o António teria direito à redução do preço ou à resolução
do contrato, no caso de os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que o dono a pretende
destinar. A acrescer a estes direitos, o António pode ser indemnizado nos termos gerais (art. 1223.º do
CC).
Para o caso de imóvel destinado por sua natureza a longa duração, como no caso em apreço, o prazo
de garantia é de 5 anos, desde a entrega, sendo que os direitos devem ser exercidos no prazo de 1 ano
após a denúncia dos defeitos. Este contexto, seria importante referir a posição assumida pelo Prof.
Pedro de Albuquerque quanto ao designado “prazo de manifestação de defeitos”, e aos seus efeitos
práticos na contagem dos prazos.
O argumento do Bento é ineficaz, atendendo à eficácia interna das obrigações (artigo 406.º/2 CC). O
empreiteiro responde sempre perante o dono de obra pelos atos do subempreiteiro, designadamente
por via do artigo 800.º CC (v. também artigo 264.º/4 e 1213.º/2)
Concluir-se-ia que o Bento seria responsável perante o António quanto ao defeito denunciado, e o
Carlos poderia ter de assumir responsabilidade perante o Bento, nos termos do art. 1226.º do CC.
(direito de regresso de Bento contra Carlos).
Caso se considerasse que Bento era um profissional, tratar-se-ia de uma empreitada de consumo, sendo
aplicáveis os direitos e os prazos previstos nos artigos 4.º e ss. do DL 67/2003.

(b) No caso em apreço, a empreitada tinha como objeto um imóvel, cujo terreno pertencia a António,
dono da obra, razão pela qual aplica-se o art. 1212.º, n.º 2 do CC.
Atendendo a que o imóvel ficara totalmente destruído por caso fortuito, o sismo, e sendo António o
proprietário já do imóvel construído por se encontrarem incorporados os materiais fornecidos pelo
DIREITO DOS CONTRATOS I
3.º Ano - 2017/2018
Exame (Época Normal)
Duração: 120 minutos
Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque

empreiteiro à medida que fora construindo a moradia, o risco corre por conta de António (artigo 1228.º
do CC).
Nesta medida, António terá de pagar o preço acordado a Bento, e caso queira nova construção, a
mesma constituirá nova empreitada, nos termos do art. 1207.º e seguintes do CC.
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Direito dos Contratos I — TAN

Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque

Época Especial — 10/09/2018

TÓPICOS DE CORREÇÃO

Grupo I

Anabela vendeu a Beatriz o seu automóvel ligeiro de passageiros, pelo preço de € 20.000,00, a ser
liquidado em dez prestações mensais de idêntico valor, de € 2.000,00 cada. O automóvel foi entregue a
Beatriz no momento da celebração do negócio, por simples documento particular. Convencionaram que o
atraso no pagamento de qualquer prestação implicaria que Beatriz perdesse as prestações entretanto
liquidadas e permitiria a Anabela resolver o contrato.

Considere as seguintes hipóteses, isoladamente:


1) Devido a dificuldades económicas, e após o primeiro negócio, Anabela decidiu vender o mesmo
automóvel a Carolina. Carolina, que desconhecia a existência da primeira venda, pretende
reivindicar o automóvel a Beatriz. Avalie a pretensão de Carolina.
Qualificação do negócio jurídico celebrado entre Anabela (A) e Beatriz (B) como uma compra e
venda (874.º), não sujeita a exigências de forma (arts. 875.º e 219.º). Identificação dos elementos
essenciais do contrato e do momento da transmissão da propriedade (arts. 879.º, a) e 408.º/1 –
princípio da consensualidade e da causalidade). Qualificação do negócio jurídico celebrado entre
A e Carolina (C) como uma venda de bens alheios (892.º). A pretensão de C não será procedente.
Enquadramento da tutela de C, enquanto compradora de boa fé (arts. 894.º, 898.º e 900.º).
2) Beatriz faltou ao pagamento da segunda prestação. Que meios de tutela assistem a Anabela?
A falta de pagamento da segunda prestação faz incorrer B em mora (art. 805.º/2 a)). Não poderia,
todavia, exigir antecipadamente as restantes prestações, porquanto o artigo 934.º, 2.ª parte,
impõe que a falta de pagamento exceda 1/8 do preço, sendo este preceito imperativo (934.º, parte
final).
Discussão em torno da aplicabilidade do art. 934.º, 1.ª parte, ao caso em apreço quanto à
resolução do contrato (que implicaria a constituição de B em incumprimento definitivo): se é
verdade que o preceito parece fazer depender a respetiva aplicabilidade da existência de reserva
de propriedade, não deixa de ser impressivo que, de um lado, aquele que reserva a propriedade
para si não possa resolver o contrato (quando o incumprimento não exceda 1/8 do preço) e, de
outro lado, aquele que não a reserva para si possa fazê-lo nos termos do artigo 886.º
(independentemente do valor). Identificação de uma contradição valorativa e correção desta
contradição através da aplicação do artigo 934.º a este caso (seja mediante adaptação extensiva
ou aplicação analógica). Admissibilidade de entendimento diverso, desde que devidamente
fundamentado.

3) Uma semana após a celebração do negócio entre Anabela e Beatriz, o automóvel apresenta graves
problemas mecânicos. Beatriz recusa-se a liquidar as prestações em falta enquanto Anabela não
custear a reparação do automóvel. Quid iuris?
Qualificação do negócio como uma venda de coisa defeituosa (art.º 913.º). Enquadramento da
tutela de B perante o desconhecimento sem culpa por A do vício do automóvel (arts. 914.º e 915.º).
Garantia do bom funcionamento (921.º). Procedência da exceção de não cumprimento (432.º) da
obrigação de pagamento do preço perante o cumprimento defeituoso da obrigação de entrega da
coisa, se o vício for imputável ao vendedor. Caso contrário, estaremos perante um problema de
risco (796.º/1), que recai sobre B.

Grupo II

Em agosto de 2018, Alberto acordou com Bruno, mecânico, que este lhe repararia o automóvel que aquele
adquiriu a Carlos, sob reserva de propriedade, no início do presente ano. A reserva de propriedade foi
devidamente registada e o preço fracionado em 40 prestações iguais e sucessivas.

1) Não foi fixado qualquer preço. Pode o mesmo ser determinado por David, amigo comum de
ambos? E pode, pura e simplesmente, não ser fixado qualquer preço?

O preço, sendo elemento essencial do contrato de empreitada, não tem que estar necessariamente
determinado (arts. 1211.º/2 e 883.º). A determinação pode ser feita por terceiro, nos termos do
art. 400.º. O preço é elemento essencial do contrato, pelo que na falta de estipulação de preço, ,
haverá um contrato atípico (que poderá ser, por exemplo, uma prestação de serviço gratuita).

2) Alberto decidiu que, para ter mais conforto, queria que o mecânico colocasse novos estofos no seu
automóvel. Bruno, que não tinha conhecimentos técnicos para o efeito, decidiu contratar Ernesto,
especialista na arte. Bruno não pagou a Ernesto o preço combinado. Poderá Ernesto exigir o
pagamento a Alberto?

Identificação do regime das alterações exigidas pelo dono da obra (art. 1216.º) e dos respetivos
limites quantitativo e qualitativo. Discussão em torno da admissibilidade da subempreitada
(artigo 1213.º) e da existência de relações diretas entre subempreiteiro e dono da obra quanto ao
pagamento do preço. Tomada de posição fundamentada.

3) Bruno falece deixando um filho — Francisco — sobrevivo. Francisco, advogado, não sabe o que
fazer com o automóvel de Alberto. Esclareça-o.

Identificação do regime consagrado no art. 1230.º. Discussão em torno da bondade da solução:


a luz do contexto socioeconómico vigente não interessará, em princípio, nem ao dono da obra
nem aos herdeiros do empreiteiro, porquanto não se afigura hoje comum que os herdeiros do
empreiteiro sigam o ofício deste. Atribuir-se-ia, assim, a possibilidade ao empreiteiro de fazer
extinguir unilateralmente o contrato mediante resolução por justa causa.

4) Alberto não pagou a Bruno nem a Carlos. Bruno pretende, por isso, reter a coisa até ser pago.
Carlos opõe-se, afirmando que o automóvel lhe pertence e que nada tem a ver com o contrato
celebrado. Quem tem razão?

Discussão em torno da possibilidade de o empreiteiro poder exercer o direito de retenção (art.


754.º) sobre coisa pertencente a terceiro (que não o dono da obra). Tomada de posição
fundamentada, preferencialmente no sentido de ser possível ao empreiteiro exercer o direito de
retenção, porquanto se trata de um direito real de garantia, oponível erga omnes; a prioridade
proporcionada pelo registo anterior da cláusula de reserva de propriedade não afasta este
entendimento, devendo o problema ser resolvido à luz do disposto do art. 759.º, n.º 2: caso
contrário, o proprietário do automóvel locupletar-se-ia à custa do empreiteiro (sem a sua
intervenção, a coisa poderia perder-se, deteriorar-se ou não teria aumentado de valor).
Admissibilidade de entendimento diverso, desde que devidamente fundamentado.

(10 valores)
DIREITOS DOS CONTRATOS I
Grupo I
- Qualificação do contrato entre Gabriel e Carlota como contrato de compra e
venda de bens de consumo. Explicitação do âmbito de aplicação do Decreto-Lei
n.º 67/2003 (Artigo 1.º-A, n.º 1 e 1.º-B, a), b) e c);
- Relevância da declaração publicitária. Noção de defeito vs. falta de
conformidade. Interpretação-concretização do artigo 2.º do Decreto-lei n.º
67/2003. Concretização ao caso prático: Artigo 2.º, n.º 2, a);
- Discussão sobre o conteúdo e alcance interpretativo da declaração publicitária à
luz das regras sobre interpretação da declaração negocial (artigo 236.º do Código
Civil) e dos Artigos 2.º, n.º 3 e 6.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 67/2003;
- Momento relevante para a aferição da conformidade do bem face às declarações
do vendedor: artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 67/2003;
- Direitos de Carlota: artigo 4.º, n.º s 1 e 2. Cotejo entre o n.ºs 1 e 5 do artigo 4.º:
hierarquia entre “remédios” garantidos ao “comprador-consumidor”? Referência
(breve) ao Direito da União Europeia e posições doutrinárias divergentes.
Tomada de posição fundamentada;
- Explicitação da norma constante do Artigo 4.º, n.º 4 do Decreto-lei n.º 67/2003 e
da sua relevância para a resolução do caso prático: houve culpa do comprador no
perecimento ou deterioração da coisa? Poderá o artigo 334.º do Código Civil
obstar à pretensão de Carlota em resolver o contrato de compra e venda?
Tomada de posição fundamentada;
- Articulação entre o Artigo 4.º e o Artigo 5.º-A do Decreto-lei 67/2003: aplicação
ao caso prático;
- Responsabilidade directa do produtor: fundamentos e limites (artigo 6.º do
Decreto-lei n.º 67/2003);
- Explicitação do conteúdo normativo do artigo 7.º, n.º 3 do Decreto-lei 67/2003:
poderá a declaração de Gabriel, segundo a qual o “ relógio é mesmo de ouro”,
afastar o direito de regresso do vendedor contra o produtor?
- Garantia voluntária: distinção face à garantia legal e articulação entre ambas
(Artigo 9.º do Decreto-lei n.º 67/2003); a falta de entrega do certificado não
afecta a validade da garantia (Artigo 9.º, n.º 5);
- Contrato de compra e venda entre Patrícia e Ricardo: sujeição ao regime da
compra e venda de coisa defeituosa prevista no Código Civil (artigos 913.º e
ss.);
- Relevância da não abertura da embalagem do relógio antes da venda por
Patrícia: exclusão da responsabilidade do vendedor (artigo 914.º, in fine);
- Contrato de compra e venda entre Patrícia e Letícia: efeitos essenciais, em
especial, a obrigação de entrega da coisa (artigo 879.º, c) do CC);
- Momento da transferência da propriedade da bicicleta para Letícia: princípio da
consensualidade (artigo 408.º, n.º 1 CC);
- Impossibilidade de as partes afastarem por convenção a obrigação de entrega da
coisa, sob pena de “descaracterização” do contrato como contrato de compra e
venda;
- Acção adequada para tutela do direito de Letícia seria a acção de cumprimento
para entrega de coisa certa (artigo 827.º do CC);
- Risco pelo perecimento da coisa: Artigo 796.º, n.º 2 CC. Havendo mora da
devedora-vendedora, por virtude da sua declaração de não cumprimento, aplica-
se o artigo 807.º , n.º 1 do CC.
Grupo II
- Qualificação completa e fundada do contrato de empreitada, por preço global
(fracionado em prestações);
- Realização da obra em terreno pertencente ao empreiteiro: consequências quanto
à forma de transmissão da propriedade da obra (1212.º, n.º 2);
- Contrato de subempreitada e respetiva admissibilidade (1213.º);
- Regime quanto a defeitos e prazo para exercício de direitos (1218.º e ss).
Aplicação do art. 1225.º (que consagra uma exceção ao princípio da relatividade
dos contratos na parte final do n.º1, legitimando o terceiro adquirente a agir
contra o empreiteiro) e qualificação do prazo de 5 anos como de manifestação de
defeitos;
- Discussão sobre a aplicação do regime constante do Decreto-Lei n.º 67/2003
(empreitada de consumo) e sua articulação com o regime do Código Civil;
- Discussão relativa à admissibilidade de “autorizações implícitas de
subempreitada”, com arrimo na doutrina e jurisprudência relevantes. Tomada de
posição fundamentada;
- Discussão acerca da existência de relações diretas entre dono da obra e
subempreiteiro (em especial quanto à eliminação de defeitos);
- Discussão acerca da possibilidade de o subempreiteiro exigir ao dono da obra o
que lhe é devido a título de preço pelo empreiteiro;
- Desenvolvimento da questão relativa à admissibilidade de recurso a terceiros
(para além das situações de urgência — apesar de parecer se esse o caso — e em
caso de incumprimento definitivo da obrigação de eliminar defeitos) para a
eliminação de defeitos e possibilidade de exigir ao empreiteiro o valor pago pela
intervenção deste terceiro, sendo apenas mais um dano indemnizável, nos
termos gerais.
CRITÉRIOS DE CORRECÇÃO DIREITOS DOS CONTRATOS I

TAN (RECURSO)

Os critérios que se seguem não esgotam as matérias jurídicas susceptíveis de


problematização na resposta a formular pelos alunos na prova de recurso de
Direito dos Contratos I, TAN: antes pretendem enunciar os pontos mais relevantes
na problematização-resolução do caso prático submetido aos alunos para efeitos de
avaliação final.

Qualificação do contrato como compra e venda. Forma do contrato (artigo 875.º do


Código Civil, doravante CC). Nulidade de forma (artigo 219.º), admitindo-se a
possibilidade de o aluno defender a excepção de abuso do direito de arguir esta
invalidade, por apelo ao que a doutrina qualifica como “inalegabilidades formais”.
Consequências. Admitindo-se a nulidade, o segundo contrato é válido e em
consequência do princípio da causalidade, a segundo compradora adquire a propriedade
do imóvel no dia em que celebra o contrato de compra e venda (princípio da
consensualidade – artigo 408.º e 879.º, a).

Qualificação do contrato como compra e venda a prestações: explicitação do regime


legal plasmado no artigo 934.º, em especial, a impossibilidade legal – ainda que prevista
pelas partes no contrato – de resolver a relação contratual pelo incumprimento da
obrigação de pagamento de apenas uma prestação. Aplicação do artigo 796.º, n.º 1: a
possibilidade de modificação do contrato (mais concretamente, a redução do preço em
caso de perecimento) poderá verificar-se, não em consequência do regime do risco, mas
sim através de uma modificação da relação contratual. É admissível: estamos no âmago
do Direito Civil, logo, há que respeitar o princípio da autonomia privada (artigo 405.º
CC).

Venda de bens onerados: identificação, explicitação dos seus pressupostos e respectivo


regime. Consequências legais da sua invocação, destacando os direitos do comprador.
Cálculo da indemnização: interesse contratual positivo ou interesse contratual negativo?
Artigos 908.º e 911.º CC. Discussão sobre a admissibilidade da redução do preço e sua
preferência face à anulação do contrato: afloramento da ideia do princípio do
aproveitamento do negócio jurídico e da proibição do abuso do direito.

Venda de bem alheio (artigo 892.º CC): pressupostos e apresentação da discussão,


doutrinária e jurisprudencial, sobre a admissibilidade de o tribunal conhecer
oficiosamente a nulidade do contrato. Venda de coisa defeituosa. Consequências legais
(em especial, explicação do conteúdo normativo do artigo 914.º CC).

II
Qualificação do contrato como empreitada. Renúncia ao poder de fiscalização pelo dono
da obra: admissibilidade, com apelo aos contributos da doutrina e da jurisprudência.
Alterações necessárias ou alterações do empreiteiro? Tomada de posição, atendendo aos
dados do caso prático. Consequências legais (artigos 1214.º e 1215.º CC).
Admissibilidade da subempreitada, ainda que sem autorização do dono da obra.
Discussão doutrinária. Tomada de posição fundamentada. A acção directa do
subempreiteiro contra o dono da obra: admissibilidade. Defeitos aparentes e defeitos
ocultos: diferença e consequências práticas. Possibilidade de Xavier denunciar o defeito
(artigos 1218.º,1219.º e 1220.º CC). Discussão sobre a admissibilidade legal de o
subempreiteiro exercer direito de retenção sobre a obra para garantia do seu crédito
contra o empreiteiro e o dono da obra: explicitação do problema e enunciação das
posições doutrinárias estudadas. Tomada de posição fundamentada.
CRITÉRIOS DE CORREÇÃO
Direito dos Contratos I — TAN
Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque
Época de Coincidência — 27/01/2017

GRUPO I

1. Relação jurídica entre A e B

- Identificação de um contrato de compra e venda civil, com a obrigação de pagamento


do preço fracionada em prestações e sujeita a reserva de propriedade (arts. 874.º e ss.;
934.º e ss; e 409.º do CC);
- Identificação de uma venda de coisa determinada sujeitas a contagem, com fixação do
preço nos termos do art. 888.º CC;
- Discussão acerca da possibilidade de A exigir antecipadamente todas as prestações
devidas a título de preço, em face do não pagamento de uma prestação que não excede
uma oitava parte do preço devido em consequência da celebração da compra e venda a
prestações, com reserva de propriedade e sem entrega da coisa (articulação dos regimes
dos arts. 934.º e 781.º do CC). Tomada de posição fundamentada, preferencialmente no
sentido de entender ser aplicável a segunda parte do artigo 934.º ao caso em apreço,
com a consequência não ser possível exigir a totalidade das prestações;
- Possibilidade de A resolver o contrato. Inaplicabilidade da primeira parte do artigo
934.º (não houve entrega) e do artigo 886.º (a atribuição do vendedor não se encontra
totalmente realizada, na medida em que não houve transmissão da propriedade nem
entrega da coisa). A resolução é possível, na medida em que o comprador esteja
constituído numa situação de incumprimento definitivo.

2. Relação jurídica entre B e D

- Identificação de um contrato de compra e venda civil, celebrado entre sujeitos a atuar


como particulares, submetido às regras do Código Civil (arts. 874.º e seguintes);
- Identificação do sistema de transferência de direitos reais adotado na ordem jurídica
portuguesa à luz do art. 408.º, n.º 1 do CC; identificação da obrigação de entrega como
elemento essencial do tipo contratual da compra e venda (art. 879.º/b) e 882.º do CC);
conclusão de que a falta de entrega constitui um fundamento de incumprimento
contratual e não prejudica a formação válida do contrato no caso concreto;
- Enquadramento dogmático da compra e venda celebrada com reserva de propriedade
celebrada entre A e B (eficácia translativa diferida ao momento do pagamento do preço,
ficando o vendedor com um direito de propriedade funcionalizado a fins garantísticos e
o comprador com uma expectativa real de aquisição). Consequências deste
enquadramento: falta de legitimidade do vendedor para a produção do efeito translativo
sobre o objeto do contrato. Temos, assim, uma venda de bens alheios (892.º e ss.).

3. Relação jurídica entre E e Wortex:

- Qualificação completa e fundada do contrato como de compra e venda de bens de


consumo: explicitação do âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 67/2003 de 08/04 à
luz dos arts. 1.º-A, n.º 1 e 1.º-B, als. a), b) e c);
- Dependência da relação de consumo da destinação não profissional do bem; discussão
da existência de uma destinação principal ao uso pessoal em articulação com eventual
emprego acessório do computador no âmbito da atividade profissional de E;
desaplicação do Decreto-Lei n.º 67/2003 de 08/04 caso se concluísse pela destinação
principal do computador a um uso profissional;
- Conclusão pela destinação eminentemente não profissional do bem (a aquisição foi
destinada a jogar videojogos, sendo o uso profissional meramente secundário) e, em
conformidade, aplicação do regime do Decreto-Lei n.º 67/2003 de 08/04;

4. Relação jurídica entre E e F:

- Em face da aplicação do Decreto-Lei n.º 67/2003 de 08/04 na relação jurídica entre E e


Wortex, conclusão pela extensão objetiva da garantia ao adquirente subsequente nos
termos do art. 4.º, n.º 6 do referido diploma, para a determinação dos obrigados ao
restabelecimento da conformidade contratual;
GRUPO II

- Qualificação completa e fundada do contrato como de empreitada. Realização de obra


destinada, por sua natureza, a longa duração: aplicação do regime dos arts. 1207.º e
seguintes do CC;
- Determinação do preço como montante global sujeito a pagamento fracionado em
prestações;
- Aquisição da propriedade dos materiais pelo dono da obra, à medida em que vão sendo
incorporados pelo empreiteiro nos termos do art. 1212.º/2 CC (afastamento das regras
da acessão industrial imobiliária);
- Extensão do direito do dono de obra à entrega da obra sem vícios (art. 1208.º):
desconformidade da obra realizada por P com o respetivo plano: aplicação do regime do
art. 1214.º CC; desconformidade do trabalho com as legis artis aplicáveis à atividade do
empreiteiro (art. 762.º/1 CC);
- Identificação de uma subempreitada e discussão da respetiva admissibilidade:
aplicação do regime do art. 1213.º CC; avaliação da culpa do empreiteiro na escolha e
instruções dadas ao subempreiteiro para efeitos da responsabilidade por eventuais
vícios;
- Exercício da faculdade de fiscalização pelo dono da obra, passível de ser realizada a
todo o tempo e através de comissário (art. 1209.º/ 1 e 2);
- Discussão acerca da possibilidade de o exercício da fiscalização não impedir o
exercício dos direitos quanto a defeitos conhecidos do dono da obra. Tomada de
posição, preferencialmente no sentido de o silêncio de L ter um efeito preclusivo do
exercício desses direitos contra o empreiteiro pelos vícios da obra (1209.º, n.º 2). Apesar
de o preceito dispor não ficarem os direitos do dono da obra precludidos mesmo na
eventualidade de o defeito ser aparente ou notório, o exercício posterior dos direitos que
lhe assistem em caso de conhecimento efetivo dos defeitos sempre se teria como
abusivo.
- Encargo da verificação da obra aquando da respetiva entrega pelo empreiteiro, art.
1218.º CC;
- Inexistência de uma aceitação da obra com os efeitos previstos no art. 1219.º CC;
- Aplicação do regime de eliminação dos defeitos previsto nos arts. 1221.º a 1222.º, nos
termos do art. 1225.º; nomeadamente, atendendo ao ónus de denúncia dos defeitos, art.
1220.º CC; eventual direito à indemnização previsto no art. 1223.º CC;
- Como consequência do dever de P informar o dono de obra dos problemas técnicos
detetados no projeto, com fundamento no dever genérico de contratação de boa fé (art.
762.º/2 CC) e eventual dever de promoção de alterações necessárias para cumprimento
das regras técnicas aplicáveis à obra (art. 1215.º CC e art. 762.º/1 CC); responsabilidade
do empreiteiro pelo cumprimento defeituoso, nos termos do art. 1225.º/3, sem prejuízo
de eventual responsabilidade de R pelas incorreções do projeto;
- Eventual aplicação do art. 1226.º nas relações entre empreiteiro e subempreiteiro.
Tópicos de Correção do Exame de Direito Comercial I – 3º Ano – Turma Dia B,

de 26 de Fevereiro de 2016

1. António é comerciante (artigos 7º, 13º/1, 230º/2, 463º/1 e 3 do C. Comercial):


explicar os quatro requisitos da qualificação como comerciante em nome
individual – personalidade, capacidade jurídica de gozo e exercício, prática de
atos de comércio objetivos e profissionalidade (dentro deste explicar os
índices-tipo que a caracterizam – prática autónoma, tendencialmente exclusiva,
exercida com intuito lucrativo, constituindo principal modo de vida).
Bernardo não é comerciante (artigo 230º § 1º - 2ª parte do C. Comercial).

2. A aquisição do veículo não é um ato objetivamente comercial (art.º 2º - 1ª


parte do C. Comercial), porquanto é uma compra não comercial feita para uso
próprio (art.º 464º/1 do C. Comercial).
A aquisição do veículo é um ato subjetivamente comercial (art.º 2º - 2ª parte
do C. Comercial) por se tratar de um contrato do comerciante, não
exclusivamente civil, nada resultando, em princípio, em contrário do próprio
ato.

3. Os livros de escrituração comercial podem ser admitidos em juízo a fazer prova


entre comerciantes, em factos do seu comércio (art.º 44º do C. Comercial).
Todavia, Bernardo não é comerciante e o pagamento do preço da viagem não é
um facto do comércio de António.

4. Carla, na qualidade de endossatária, é a legítima portadora da Letra (artigos


11º e 16º da LULL).
É necessário que Bernardo tenha aceite a Letra, para ser responsável pelo seu
pagamento (artigos 25º e 28º da LULL), para que Carla possa exigir de Bernardo
o pagamento da mesma.
Caso contrário, o sacador-endossante António é o garante tanto da aceitação
como do pagamento da Letra (artigos 9º e 15º da LULL).

5. Trata-se de um contrato de consórcio (artigos 1º, 2º/a) do Decreto-Lei nº


231/81, de 28/7). Consórcio interno (art.º 5º/1/a) do Decreto-Lei nº 231/81, de
28/7), pelo que a responsabilidade perante terceiros é meramente do membro
do consórcio (António) que estabelece relações com terceiros, ao vender no
seu Stand os carros.
Não se trata de um consórcio externo, nem se verifica a existência de uma
obrigação plural, pelo que não se aplica nem o art.º 19º do Decreto-Lei nº
231/81, de 28/7, nem o art.º 100º do Código Comercial.

6. A venda do estabelecimento comercial trata-se de um contrato de trespasse.


Pressupondo que Eduardo seja comerciante e que o trespasse seja um ato de
comércio subjetivo, as dívidas comerciais do cônjuge comerciante presumem-
se contraídas no exercício do seu comércio (art.º 15º do C. Comercial) e
comunicáveis, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum
do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime de separação de bens (art.º
1691º/1/d) do C. Civil), pelo que Daniela é responsável pelo pagamento do
preço (art.º 1695º/1 do C. Civil).

7. Contrato de concessão comercial, que é um contrato de distribuição comercial,


mediante o qual o concessionário adquire ao concedente os bens, para depois
os revender, assumindo o risco e ganhando na diferença entre o preço de
compra e o de revenda. Poderá estar em causa uma obrigação implícita de não
concorrência face ao trepasse celebrado (discutir as posições doutrinárias:
aplicação das regras da boa-fé versus liberdade de concorrência e autonomia
privada).
Faculdade de Direito da Universidade de lisboa

Exame de recurso de Direito dos Contratos I

3.º Ano – Turma da Noite – 16.02.2016

Grupo I

Alberto, estudante da FDL de escassas posses, ama profundamente a sua namorada Francisca.
Pretendendo surpreende-la no dia de São Valentim, adquiriu na Telemóvel Ideal, Lda., um
telemóvel em formato de coração, em segunda mão, com garantia de 6 (seis) meses, ficando
acordado entre as partes que, se o mesmo não satisfizesse a sua namorada, o contrato deixaria de
produzir quaisquer efeitos. O preço de € 100,00 seria pago por Alberto em 10 prestações,
levando este o telemóvel consigo, que ofereceu a Francisca como culminar do seu jantar
romântico do último Domingo.

a) Qualifique juridicamente o contrato celebrado entre Alberto e a Telemóvel Ideal, Lda.


(2 valores)
Contrato de compra e venda a contento, na modalidade condicional – cfr. o art. 924.º,
n.º 1, CC, sendo o preço pago a prestações – cfr. o art. 934.º CC, e constituindo, ainda,
uma venda de consumo (de bem em segunda mão) – cfr. o art. 1.º-A, n.º 1, e 1.º-B,
alínea b), do Decreto-Lei n.º 67/2003, alterado.
b) Francisca achou o telemóvel que lhe foi oferecido por Alberto absolutamente
abominável, pretendendo que este o devolva. Todavia, esqueceu-se do telemóvel no
restaurante, tendo este desaparecido. É Alberto obrigado a pagar as restantes prestações
do telemóvel? (3 valores)
Questão do risco, associada à natureza do contrato, e tendo presente a entrega da
coisa ao comprador – aplicação do art. 796.º, n.º 3, 1.ª parte, CC. Alusão eventual a
uma regra de transmissão de risco com a entrega da coisa, deduzida do art. 3.º, n.º 1,
do Decreto-Lei n.º 67/2003. O risco (da contraprestação) corre, em qualquer das
alternativas, pelo comprador, sendo então devidas as fracções do preço que se
encontrem por pagar. Distinta (rectius, oposta) seria a solução se fosse aplicável o art.
923.º CC (que, todavia, não encontra aplicação).
c) Se telemóvel deixar de funcionar por alturas do Natal de 2016 pode Francisca exigir a
sua reparação à Telemóvel Ideal, Lda.? E poderá renunciar aos seus direitos no mesmo
âmbito? (3 valores)
Aplicação do art. 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 67/2003, com consequente nulidade da
estipulação da garantia de 6 meses e vinculação, ainda, do vendedor. Possibilidade de
exercício dos direitos por terceiro, ex vi o disposto no art. 4.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º
67/2003. Nulidade da renúncia a direitos, atento o disposto no art. 10.º, n.º 1, do
mesmo normativo.
d) Havendo incumprimento definitivo de duas prestações do preço pode a Telemóvel
Ideal, Lda. resolver o contrato? (2 valores)
Atento o disposto no art. 934.º, a verificação do incumprimento de duas prestações
viabilizaria a resolução contratual . Porém, não existe reserva de propriedade na
alienação, razão pela qual será aplicável o disposto no art. 886.º, que veda a resolução
contratual (sem prejuízo do vencimento da totalidade do preço e hipotética acção
judicial de cumprimento).
e) Sendo o telemóvel da titularidade, não da Telemóvel Ideal, Lda., mas antes de Bruno,
sujeito que lhe havia alienado o telemóvel com reserva de propriedade, pode o contrato
celebrado pela primeira com Alberto ser válido? (2 valores)
Enquadramento jurídico da alienação por parte do adquirente com reserva de
propriedade (detentor de uma expectativa jurídico-real de aquisição do bem,
negociável enquanto tal). Questão da legitimidade da venda, sendo certo que a
propriedade não pertence ao vendedor – art. 892.º CC. A concluir-se pela ilegimitidade
(solução não preferível), consideração da sanação do vício ex vi o disposto no art.
895.º CC.

Grupo II

António, proprietário de uma bela herdade com inestimável valor histórico, decidiu fazer
reparações na capela que se encontrava um pouco degradada. Em especial, nos arcos ogivais
estavam em condições bastante degradadas. Nesse sentido, contratou Bento, empreiteiro (e o
maior especialista em arquitectura histórica em Portugal), para efectuar a reparação. Finda a
obra, António nada disse.

i) Afinal Bento não tinha em dia as suas lições de história da arquitectura. Confundiu
o estilo gótico com o estilo românico e em vez de arcos ogivais alterou a estrutura
para arcos de meia circunferência. António só se apercebeu um mês depois, quando
voltou à sua herdade. Quid juris? (3 valores)
Falta de verificação e de aceitação da obra. Art. 1218.º/5 e valor declarativo do
silêncio (importa a aceitação). Funcionamento do art. 1218.º/5 apenas com o
incumprimento definitivo do ónus material de verificar e de comunicar o resultado
dessa verificação. Consideração da obra como defeituosa e consequências.
ii) Como Bento era um especialista em arquitectura histórica disse a António que só
aceitava realizar a obra se ele estivesse afastado da mesma, não podendo fiscalizar o
seu trabalho. Podem fazê-lo? Quais as consequências? (2 valores)
Possibilidade de afastamento do poder de fiscalização da obra. Entendimento
maioritário no sentido de que a fiscalização respeita ao conteúdo essencial do
contrato de empreitada, sem o qual este fica descaracterizado. Apesar de poder ser
regulada a forma como esta fiscalização é feita, a fiscalização é um elemento
tipológico caracterizador do contrato. As partes podem afastá-la, mas nessa
medida teremos um contrato atípico, ao qual se aplicaria o regime da empreitada.
iii) Bento não estava com paciência para fazer os acabamentos e decidiu contratar
Carlos para o fazer. Como Bento não pagou, Carlos exige o pagamento do preço a
António. António diz que nada deve. Quem tem razão? (3 valores)
Explicação dos termos em que é admitida a subempreitada, que é impedida pelo
caracter infungível desta empreitada. Admissibilidade de uma eventual acção
directa do subempreiteiro relativamente ao dono da obra, que é afastada pela
inoponibilidade em relação ao dono da obra da subempreitada. Responsabilidade
do empreiteiro pela realização de qualquer parte da obra pelo subempreiteiro.
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Exame de Direito dos Contratos I

3.º Ano – Turma da Noite – 7.1.2016

Grupo I

António, comerciante do ramo automóvel, celebrou um contrato-promessa de compra e venda com Bento,
advogado, relativo a uma fracção autónoma de um prédio sito em Lisboa. O mesmo contrato-promessa
veio ser incumprido por António, havendo Bento, a quem as chaves do imóvel tinham sido entregues por
António, exercido direito de retenção sobre a fracção.

Um mês mais tarde, António vendeu o imóvel a Carlos, que desconhecia a situação de Bento. Foi ainda
clausulado entre as partes que a fracção seria entregue a Carlos no estado físico em que se encontrava,
bem como que António poderia por termo ao contrato, por sua livre vontade, num prazo de dez anos,
deste que restituísse a Carlos o preço pago, acrescido da taxa de juro aplicável às operações civis.

Por sua vez, beneficiando de um erro registal, Bento vendeu a fração autónoma a Daniel, proprietário de
uma empresa de produtos informáticos, que para esta se pretende mudar na próxima semana. Em
simultâneo, Daniel vendeu a Bento um computador topo de gama, que lhe deverá ser entregue no final do
mês de Janeiro.

a) Pode Carlos anular o contrato de compra e venda celebrado com António, sete meses após tomar
conhecimento da retenção da fração por parte de Bento? (2 valores)
Retenção do promitente-comprador ex vi o disposto no art. 755.º, n.º 1, al. f). Enquadramento da
situação enquanto venda de bem onerado, nos termos do disposto no art. 905.º. Prazo de
anulação apurado ex vi o disposto no art. 287.º, n.º 1, com exclusão do disposto no art. 916.º, n.º
2.
b) Não o fazendo, e vindo a tomar conhecimento, depois, de graves infiltrações na fracção
autónoma, pode Carlos solicitar a António o respectivo arranjo e limpeza de tectos e paredes? (2
valores)
Exclusão de venda de bem de consumo e da aplicação do disposto no DL 67/2003 – cfr. art. 1.º-
B, alíneas a) e c). Venda puramente civil, com aplicação do disposto nos arts. 913.º e 914.º a
respeito dos defeitos da coisa. Exclusão da reparação da coisa por vontade das partes (cláusula
de não garantia).
c) Pode António resolver o contrato celebrado com Carlos três anos volvidos, recusando-se a pagar
a este qualquer quantia? (3 valores).
Enquadramento da situação enquanto venda a retro. Nulidade de duas cláusulas, com redução e
conversão legal: 928.º, n.º 1, 929.º, n.ºs 1 e 2. Possibilidade de resolução nos termos do disposto
nos arts. 927.º e 930.º, com devolução do preço recebido (e despesas que não juros).
d) Daniel é proprietário do imóvel? Que direitos pode este exercer contra Bento? (3 valores).
Venda de bem alheio ex vi o disposto no art. 892.º. Situação jurídica plúrima: direito à
restituição do preço, à convalidação do contrato (com indemnização por não convalidação) e a
indemnização nos termos gerais – cfr. arts. 893.º, 897.º e 900.º e 898.º.
e) O computador vendido por Daniel a Bento não possui quatro teclas, o que foi descoberto por este
logo após a sua entrega. Pode Daniel solicitar a Bento a restituição do preço pago pelo aparelho?
(2 valores)
Venda de bem de consumo. Resolução do contrato como uma dos direitos hipotéticos do
comprador ex vi o art. 4.º do DL 67/2003, e nos moldes dos arts. 432.º e ss. do CC. Questão do
abuso de direito na petição imediata da resolução (que a excluirá).
Grupo II

Alberto celebrou com Bernardo um contrato, nos termos do qual este se obrigava a construir uma moradia
num terreno que era propriedade daquele. Para o efeito, Alberto pagaria a Bernardo a quantia de €
150.000, devendo a obra estar concluída no dia 27 de Dezembro de 2010.

Apesar de estar muito empenhado na realização da obra e no cumprimento integral do plano, Bernardo
discordava da colocação de soalho no piso superior da moradia. Segundo ele, não se justificava por duas
razões: i) o revestimento a azulejo ficava muito mais em conta; e ii) não tinha competências técnicas para
a colocação do soalho (o que o levaria a ter que contratar mão-de-obra especializada para o efeito).

Para além disso, não sendo a electricidade “a praia” de Bernardo, este decidiu contratar Cristiano para que
este fizesse as instalações eléctricas na moradia. Ficou acordado que Bernardo pagaria € 2.000 para o
efeito. Bernardo não pagou.

A obra foi entregue no dia 27 de Dezembro de 2010. No dia 24 de Dezembro de 2015, quando Alberto
desfrutava da sua bela ceia de Natal com a família, o insólito aconteceu: parte do telhado ruiu. Por sorte a
noite não estava chuvosa, mas não se livraram do frio que se propagou por toda a casa. No dia 25 de
Dezembro, Alberto ligou a Bernardo exigindo que Bernardo fosse eliminar o defeito. Bernardo, indignado
com o tom de Alberto em plena quadra natalícia, riu-se da situação e disse: “Recuso-me. E não te
esqueças, só tens dois dias para me obrigar a fazer o que queres. Boa sorte!”. Alberto tentou de imediato
ligar a Dinis, seu advogado, vendo a sua tentativa frustrada. Decidiu mandar um email, obtendo resposta
imediata (automática): “Não me encontro disponível até dia 3 de Janeiro, visto ter ido passar férias à
neve. Caso tenha algum problema, aguarde até essa data. Agradeço a compreensão”. Alberto ficou
desesperado e sem saber o que fazer.

a) Pode Bernardo colocar azulejo em vez de soalho? Em que termos e quais as consequências
(designadamente no que respeita ao pagamento do preço)? (3 valores)
Identificação no caso de alterações da iniciativa do empreiteiro (em princípio, vedadas
(1214.º/1)). Só com autorização do dono da obra pode o empreiteiro fazer tais alterações: o
empreiteiro deve efectuar proposta nesse sentido ao dono da obra (406.º/1). Identificação do
carácter excepcional das exigências de forma do artigo 1214.º/3 (para que o dono da obra tenha
direito à redução do preço, não é necessário que conste da autorização por escrito a indicação
da redução do preço, podendo ser verbal).

b) Pode Cristiano exigir o pagamento do preço a Alberto? (2 valores)


Discussão relativa à admissibilidade da celebração da subempreitada (1213.º/2). Estando
perante uma subempreitada (admissível), deve atender-se às relações entre subempreiteiro e
dono da obra, sendo o princípio nesta matéria o da produção dos efeitos do contrato apenas
entre as partes (406.º/2). Identificação de uma agremiação de fins entre o contrato de
empreitada e subempreitada, donde se retira um interesse directo do dono da obra na prestação
do subempreiteiro, o que deve ter consequências no reconhecimento de relações directas entre
dono da obra e subempreiteiro (posição defendida pelo Professor Pedro de Albuquerque).

c) O que diria a Alberto relativamente aos defeitos que se manifestaram na data de 24 de Dezembro
de 2015? Seria ainda possível fazer valer os seus direitos face a Bernardo? (3 valores)
Desenvolvimento do regime da responsabilidade do empreiteiro por defeitos da obra (1219.º e
ss.). Aplicação do artigo 1225.º e crítica à communis opinio que vê no prazo de 5 anos fixado no
artigo 1225.º um prazo de exercício de direitos e não um prazo de manifestação de defeitos.
Estamos perante uma situação de cumprimento defeituoso de um contrato, revelando-se esse
cumprimento defeituoso antes do final do período estabelecido no artigo 1225.º. O prazo de
denúncia dos defeitos é de um ano (1225.º/2 e 3), sendo o momento determinante para o início
da contagem do prazo de denúncia o do conhecimento do defeito pelo dono da obra (1220.º). O
prazo de caducidade do direito de acção é de um ano a contar da denúncia (1225.º/2 e 3).
Assim, pode o direito de acção ser exercido mesmo passados 5 anos sobre a entrega da obra.
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Exame de Coincidências de Direito dos Contratos I

3.º Ano – Turma da Noite – 21-1-2016

Grupo I

Américo, comerciante do ramo imobiliário, celebrou com Bernardino um contrato de compra e venda de
um bem imóvel relativo a uma fracção autónoma de um prédio sito em Lisboa, declarando o primeiro que
o vendia pelo “preço justo”. Bernardino, feliz pela sua compra e pelo facto poder abrir finalmente o seu
consultório médico, ficou surpreendido pelo facto de encontrar Carlos instalado no prédio. Este justificou-
se dizendo que o tinha arrendado anteriormente e que tinha todo o direito em estar ali.

Bernardino começou por ficar fulo com a situação. Ainda assim, após de dois dedos de conversa e um
café, percebeu que Carlos tinha todo o direito em estar ali. Apesar disso, Bernardino lamentou-se por ter
já adquirido um novo computador topo de gama, que apesar de lhe servir também para uso pessoal, tinha
sido adquirido a pensar no seu consultório. Chegaram então a acordo e Carlos acabou por comprar a
Bernardino o computador (pelo preço de 4.000,00€ fraccionados em 10 prestações mensais no valor de
400,00€) que este tinha adquirido na Loja X, acabando por mitigar os efeitos nefastos desse investimento.
A entrega só aconteceria dali a 3 meses, sendo que Carlos deveria começar a pagar imediatamente.

Passados 3 meses Carlos, satisfeito com a sua nova compra e com o seu novo amigo, decidiu utilizar o
novo computador. Para seu espanto, o monitor tinha problemas de imagem. Ligou a Bernardino e
reportou-lhe a situação. Bernardino foi ter com Carlos para se explicar, mas este não ficou satisfeito e
quer ver a situação resolvida.

Nessa mesma oportunidade, Bernardino ficou impressionado com o automóvel de Carlos, que era igual ao
da nova coqueluche do Benfica e tinha a matrícula 19-04-CD (numa clara alusão histórica à sua paixão de
infância). Bernardino decidiu então fazer uma proposta de compra do automóvel por 250.000,00€. Carlos
aceitou de imediato. No entanto, acabaram por condicionar a produção de efeitos do contrato à
circunstância de a coisa vir a agradar a Bernardino. Para azar deste último, o automóvel foi destruído por
relâmpago numa noite de trovoada mesmo antes de o aceitar.

a) É válida a convenção das partes ao referirem-se ao “preço justo”? E seria possível remeterem a
determinação do preço para Daniel, amigo comum de Américo e Bernardino? (2 valores)
Aplicação do artigo 883.º/2, aplicando os critérios de determinação do preço n.º 1. Aplicação
do artigo 400.º/1 no que respeita à determinação por terceiro.
b) O que pode fazer Bernardino relativamente à fracção autónoma que adquiriu? E contra quem
deve reagir? (3 valores)
Enquadramento da situação como uma venda de bem onerado (905.º) e das respectivas
consequências (907.º, 908.º, 910).
c) Imagine que Carlos não pagou uma das prestações a Bernardino. Atendendo a que ainda não
beneficiou da entrega do bem, pode exigir antecipadamente as restantes prestações? E se faltasse
ao pagamento de duas das prestações? (3 valores)
Discussão relativa à aplicação da 2ª parte do artigo 934.º não havendo entrega da coisa.
Aplicação do artigo 934.º ao caso. O não pagamento de uma das prestações não excede 1/8 do
preço, não podendo o vendedor exigir antecipadamente as prestações ainda não vencidas. A
falta de pagamento de duas prestações independentemente do seu valor possibilita a
exigibilidade antecipada.
d) Carlos quer resolver a situação relativa aos problemas de imagem dos monitores. Como o
aconselhava relativamente aos direitos que pode fazer valer e contra quem os pode efectivar? (2
valores)
Aplicação do DL 67/2003, havendo transmissibilidade dos direitos de Bernardino a Carlos
(4.º/6). Carlos poderá reagir contra o vendedor profissional ou contra o produtor (6.º),
excluindo-se nesta hipótese a redução do preço ou a resolução do contrato.
e) Carlos recusa-se a pagar o automóvel. Pode fazê-lo? (2 valores)
Enquadramento da situação como venda na primeira modalidade de venda a contento (923.º).
Não produzindo a compra e venda os respectivos efeitos típicos antes da aceitação, a atribuição
do risco ao comprador só se verificará com o decurso do prazo estabelecido no artigo 923.º/2
ou com a aceitação expressa ou tácita.

Grupo II

Alberto, conhecido adepto sportinguista, acordou com Berta que esta lhe faria um casaco novo, com dois
bolsos e um forro interior, exclusivamente com pele exterior de Leão. A pele seria adquirida por Berta,
sendo-lhe desde logo dito por Alberto que, atenta a sua mestria na costura, culinária e outras ciências
ocultas, “nem sequer preciso de experimentar o casaco! Tem é que mo entregar a tempo no próximo jogo
da equipa em Alvalade!”.

Considere individualmente as seguintes questões:

a) Tendo já Berta realizado a estrutura do casaco, é proibida por Decreto-Lei a comercialização de


pele de leão. Quid iuris? E se a proibição legal fosse anterior à celebração do contrato? (3
valores).
Enquadramento da situação como sendo um caso de impossibilidade superveniente da
prestação, com as consequências previstas no artigo 1227.º. Caso a proibição fosse anterior,
estaríamos perante uma impossibilidade originária da prestação, com a consequente nulidade
(401.º).
b) Desolado com o resultado obtido pela sua equipa em Portimão, Alberto comunica a Berta – que
tem a estrutura do casaco concluída – que já não possui interesse no mesmo. Quid iuris? (2
valores).
Possibilidade de desistência da obra nos termos do artigo 1229.º, com as consequências aí
previstas.
c) Alguns meses após usar o casaco, Alberto descobre que o mesmo foi feito com pele de lince.
Como pode reagir? O facto de nunca se ter preocupado em experimentar previamente o casaco
impede-o de exercer qualquer faculdade? (3 valores)
Entrega de coisa diferente da que é objecto do contrato de empreitada. Eventual aplicação
analógica das regras da empreitada. Falta de verificação importa a aceitação (1218.º/5). Caso
de irresponsabilidade do empreiteiro (1219.º).

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