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Grupo I
Ana comprou a Bernardo um computador por € 1.000. O preço seria pago em dez
prestações mensais de € 100 cada.
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:
1) Ana não pagou a quarta prestação. Bernardo quer resolver contrato. Pode fazê-lo? (3
valores)
- Tomada de posição fundamentada sobre aplicação do 934.º, 1.ª parte, (referente ao direito de
resolução), mesmo sem haver reserva de propriedade e independentemente de ter ou não havido
entrega (enunciado deixa em aberto este último aspeto).
2) A sua resposta à questão anterior mudaria se Ana e Bernardo tivessem acordado que este
podia resolver o contrato por falta de pagamento de qualquer prestação? (2 valores)
3) Imagine agora que as partes tinham acordado na venda do computador sob reserva de
propriedade, sendo que a propriedade se transferiria aquando da entrega do computador,
que deveria ocorrer no momento do pagamento da quinta prestação. Após o pagamento da
segunda prestação, Ana vende o computador a Carlos, omitindo a existência da reserva.
Ana não pagou mais nenhuma prestação a Bernardo, que resolve, por isso, o contrato e
exige a Carlos que este lhe entregue o computador. Quid juris? (5 valores)
- Tomada de posição fundamentada sobre se estamos ou não, neste caso, perante uma exceção ao
sistema do título (princípios da consensualidade e da causalidade).
- Embora as partes tivessem acordado que a entrega seria feita apenas mediante o pagamento da
5ª prestação, depreende-se que ela ocorreu antes, uma vez que Carlos tem o computador, não se
pondo em questão, por isso, a verificação de todos os pressupostos do art.º 934.º, 1.ª parte, CC.
Bernardo pode, portanto, resolver o contrato a partir do momento em que Ana entra em
incumprimento definitivo relativamente a duas prestações (de valor superior, no seu conjunto, a
1/8 do preço), nos termos dos artigos 805.º/2, a) e 808.º CC. Em alternativa à resolução, Bernardo
pode exigir o imediato pagamento das restantes por haver perda de benefício do prazo (2.ª parte
do citado artigo).
- Sendo a cláusula de reserva de propriedade oponível a Carlos, se não tivesse havido ainda entrega
e consequente transmissão da propriedade, estaríamos perante uma venda de bens alheios (892.º e
904.º CC): requisitos e regime aplicável, nomeadamente referência aos direitos de Carlos perante
Ana: direito à convalidação do negócio (897.º CC), indemnização por dolo (898.º), indemnização
por incumprimento da obrigação de convalidar o contrato (900.º). Tendo já havido transmissão da
propriedade, então Bernardo nada poderia exigir de Carlos.
Grupo II
A sociedade de arquitetos “Dias & Dias” contratou Eduardo para que este instalasse uma
casa de banho numa divisão que até então servia de arrecadação pelo preço de € 17.500. Durante
a execução da obra, Inácio, um dos associados da “Dias & Dias” reparou que Eduardo estava a
colocar azulejos verdes na parede onde deveria colocar os azulejos azuis. No entanto, achou que
se tratava de um pormenor sem importância e nada disse. Após a conclusão da obra, Roberto,
sócio principal da “Dias & Dias”, que havia voltado do estrangeiro no dia anterior, informou
Eduardo de que não pagaria o preço enquanto este não retirasse os azulejos errados e colocasse
os da cor certa. Uma semana depois, Roberto telefonou a Eduardo para o informar que a base do
chuveiro tinha começado a verter água, exigindo a reparação desse defeito. Porém, Eduardo disse
que isso não era da sua responsabilidade, mas de Francisco, que subcontratou para instalar o
chuveiro e a respetiva base.
- Contrato de empreitada entre a sociedade “Dias & Dias” e Eduardo (1207.º CC), referente a coisa
imóvel, com estabelecimento de preço global.
- Sendo ambas as partes no contrato profissionais, tudo indicando que a casa de banho virá a ser
utilizada pelos sócios e associados da “Dias & Dias” no contexto da sua atividade profissional, e
sendo esta uma sociedade, pode assumir-se não ter lugar a aplicação do regime do DL n.º 84/2021,
aplicável à empreitada nos termos do art.º 3.º/1, b) do referido diploma. Mas pode debater-se, como
fator de valorização adicional, a questão de saber se, em certos cenários, os profissionais e pessoas
coletivas podem, ou não, ser tidos por consumidores e aplicabilidade, ou não, neste caso, do regime
estabelecido no DL n.º 84/2021. Na situação em apreço, porém, na ausência de quaisquer dados
em sentido contrário devia optar-se pela aplicação de regime civil. Mesmo para quem defenda que
profissionais e pessoas coletivas podem, em certos cenários, ser consumidores, o ónus da prova da
factualidade que justificaria a aplicação desse regime, está a cargo de quem o invoca e dependente
da efetiva existência de factos suscetíveis de apoiar essa solução.
- Eduardo, empreiteiro, tem a obrigação de executar a obra sem vícios e defeitos, de acordo com
o convencionado e as legis artis do seu ofício (artigo 1208.º CC).
- Relativamente à vazão de água pela base do chuveiro, trata-se que um defeito oculto,
desconhecido pelo dono da obra aquando da verificação, pelo qual o empreiteiro é responsável
(1219.º CC). Referência ao ónus e prazo para denunciar (1220.º CC). A dona da obra tem direito
à eliminação do defeito, por via de reparação ou de nova construção (1221.º/1 CC) e, se o
empreiteiro não o fizer, tem direito à redução de preço ou à resolução contratual (1222.º CC), além
do direito à indemnização, nos termos gerais (1223.º CC).
- A subempreitada (1213.º CC) – a qual é lícita, mesmo sem autorização do dono da obra, desde
que a obra seja de natureza fungível, como sucede aqui, nos termos do artigo 264.º/1, aplicado
mutatis mutandis ex vi art.º 1213.º/2 CC – não exonera o empreiteiro da responsabilidade por todos
os defeitos, nos termos do artigo 1219.º CC, tratando-se de um contrato do qual o dono da obra
não é parte; o empreiteiro pode, no entanto, exigir o direito de regresso ao subempreiteiro pelos
danos por que tenha de responder perante o dono da obra, desde que respeitado o prazo de denúncia
previsto no artigo 1226.º CC.
Duração: 90 minutos
Ponderação global: 2 valores
Direito dos Contratos I (TAN) | 2.ª Época - Recurso
15 de fevereiro de 2021 | Duração: 90 minutos
Grupo I
Em 10 de janeiro de 2022, Amílcar comprou a Bernardo um quadro de um pintor
português famoso pelo preço de € 8.000, o qual deveria ser pago em 40 prestações mensais
de € 200 cada. A entrega foi feita imediatamente. As partes acordaram ainda que a
propriedade só se transferiria para Amílcar quando o preço fosse integralmente pago.
Responda fundamentadamente às seguintes questões, considerando-as isoladamente:
1) Amílcar não pagou a 24.ª e a 27.ª prestações. O que pode Bernardo fazer? (3 valores)
- Qualificação do contrato como venda a prestações (art.º 934.º ss. CC) com reserva de
propriedade (art.º 409.º CC).
- Menção aos requisitos de aplicação da primeira e segunda partes do art.º 934.º CC.
- Em particular, tomada de posição fundamenta sobre se o não pagamento de mais de um
(duas) prestações inferiores, no seu conjunto, a 1/8 do preço pode fundamentar, à luz da 1.ª
parte do artigo, o direito de resolução do contrato ou, à luz da 2.ª parte do artigo, a perda do
benefício do prazo quanto às demais prestações, tendo em conta o elemento literal (“…uma
só prestação…”) e a reiteração da falta de pagamento e consequente quebra de confiança do
vendedor, por oposição à não verificação do elemento quantitativo correspondente a 1/8 do
preço
- No que respeita à perda do benefício do prazo, mencionar que se trata, segundo a doutrina
e jurisprudência consensuais, de uma hipótese de exigibilidade (fraca) da obrigação e não
de vencimento (automático) de todas as prestações vincendas.
2) A sua resposta à questão anterior alterar-se-ia, se a propriedade se tivesse transferido
logo aquando da celebração do contrato? (3 valores)
- Tomada de posição fundamentada sobre a aplicabilidade do artigo 934.º, 1.ª parte, CC (e
não do artigo 886.º CC) nos casos em que não existe cláusula de reserva de propriedade,
considerando que a não aplicabilidade do artigo 934.º, 1ª parte, nesses casos resultaria numa
situação de maior proteção ao credor/vendedor que não contemple uma cláusula garantística
como a de reserva de propriedade, conferindo-lhe o direito à resolução, desde que seja
afastado pelas partes o regime do art.º 886.º (de teor supletivo), negando-o para o
credor/vendedor que tenha a seu favor uma cláusula de reserva de propriedade, i.e.,
proporcionando um tratamento desigual em desfavor do credor supostamente “mais
protegido” (pela reserva de propriedade), sem qualquer motivo para tal discriminação. De
acordo com a doutrina do Prof. Pedro de Albuquerque, bem como da generalidade da
doutrina, deve assim aplicar-se as restrições ao direito de resolução previstas na 1ª parte do
art.º 934.º mesmo nos casos em que não existe cláusula de reserva de propriedade.
- No caso, de qualquer forma, mesmo o art.º 886.º não permitia a resolução do contrato,
dado não haver convenção em contrário pelas partes e tendo havido logo a entrega e a
transmissão do direito de propriedade.
3) Suponha agora que, após o pagamento da 20.ª prestação, um incêndio deflagrou no
edifício onde Amílcar residia, em virtude de uma fuga de gás, e praticamente todos os
bens de Amílcar foram destruídos, incluindo o quadro. Amílcar recusa-se a pagar mais
prestações. Tem direito a esta recusa? (3 valores)
- Tomada de posição fundamentada sobre a questão da transferência do risco nos contratos
de compra e venda com reserva de propriedade, fazendo referência ao regime do artigo 796.º
do CC, e argumentando se o risco do perecimento do quadro se mantém na esfera jurídica
de B, na qualidade de alienante, ou se se transfere para a esfera jurídica de A, na qualidade
de adquirente, tendo em conta o facto de já ter havido entrega, atendendo aos argumentos
apresentados pela doutrina.
- A transferência do risco de deterioração ou perecimento da coisa para o adquirente (A)
não impede que haja a natural perda da garantia (conferida pela reserva de propriedade sobre
o bem alienado) por parte do alienante (B), embora este não perca o direito à
contraprestação, na sua totalidade.
4) Imagine que o quadro havia sido adquirido numa loja especializada em arte
contemporânea portuguesa. Amílcar acordou levantar o quadro no dia seguinte ao da
compra. No dia seguinte, Amílcar reparou que a moldura do quadro estava partida e
solicitou à loja que trocasse o quadro para outra. No entanto, a loja recusou, com o
argumento de que o estrago tinha sido causado por um assalto feito à loja, já depois de
Amílcar ter comprado o quadro. Quem tem razão? (4 valores)
- Qualificação do contrato como compra e venda de bem de consumo, sujeita ao regime do
DL 84/2021, tendo em conta a natureza de “profissional” da loja vendedora e a natureza de
“consumidor” de A (art.º 2.º, g) e o) e art.º 3.º/1, a) do referido DL).
- Falta de conformidade do bem, nos termos do art.º 6, a), do referido DL.
- Tomada de posição fundamentada sobre se o regime impositivo de um “dever de entrega
dos bens em conformidade” (art.º 5.º e ss. do referido DL) implica um desvio às regras
gerais de transferência de risco estabelecidas no art.º 796.º CC, tendo em conta o
considerando 38) da Diretiva (UE) 2019/771, do Parlamento e do Conselho, de 20 de maio
de 2019 (no sentido de as regras dos EMs sobre risco não serem afetadas), mas também o
facto de a responsabilidade do profissional relativamente à não conformidade do bem tomar
como momento de referência o da entrega (e não a transferência da propriedade) – cf. o art.º
12.º/1 do referido DL.
- Não havendo transferência do risco, estaríamos perante um cumprimento defeituoso, em
que a culpa presumida do vendedor seria ilidível, nos termos gerais (799.º CC), não sendo
a loja responsável.
- Respondendo a loja nos termos do referido DL, mesmo não havendo culpa no assalto
(posterior ao momento da venda, mas anterior ao momento da entrega), o comprador teria
os direitos previstos no art.º 15.º do DL (i. reposição da conformidade, que poderia ser
realizada através da substituição da moldura, ii. redução do preço e iii. resolução do
contrato), os quais obedecem à hierarquia aí estabelecida.
- Referência à desnecessidade de denúncia, ao prazo de 3 anos de responsabilidade desde a
entrega do bem (art.º 12.º/1 do DL), ao prazo de 2 anos da presunção de que a
desconformidade existe desde essa data (art.º 13.º/1 do DL) e ao prazo de caducidade de 2
anos desde a comunicação da desconformidade (art.º 17.º/1 do DL).
Grupo II
2/3
Carolina contratou Daniel, seu amigo e estudante de engenharia, para reparar a
caldeira da sua casa pelo preço de € 100. Daniel, cioso dos segredos da sua “arte”, apesar de
não ser um profissional, exigiu que Carolina não pudesse fiscalizar os trabalhos durante a
sua execução, ao que Carolina acedeu, tendo em conta que a contratação de um canalizador
profissional lhe custaria o dobro do preço.
Uma semana depois de a reparação ter sido concluída, a caldeira deixou de funcionar.
Contactado por Carolina, Daniel informou-a de que tinha iniciado um semestre em Itália, no
âmbito do programa Erasmus, já se encontrando fora do país, pelo que não iria verificar a
caldeira.
Carolina contactou então um canalizador profissional, que a informou de que a
“reparação” efetuada por Daniel havia sido um desastre e que o custo para reparar os estragos
causados ascenderiam a € 900. Farta, Carolina decidiu comprar um esquentador em vez de
reparar a caldeira, mas pretende ser ressarcida por Daniel.
Quid juris? (6 valores)
- Qualificação do contrato entre C e D como empreitada – de reparação – (art.º 1207.º CC),
mencionando os seus elementos essenciais (preço e obra).
- Tomada de posição fundamentada sobre se as partes podem, no âmbito da sua autonomia
privada, afastar a faculdade de fiscalização (art.º 1209.º CC) que assiste ao dono da obra;
referência à essencialidade da fiscalização e à fiscalização enquanto elemento tipológico do
contrato de empreitada. Referência às consequências do afastamento desta faculdade:
nulidade da cláusula (art.º 809.º CC) ou perda do elemento tipológico, com a consequência
de se poder equacionar estarmos perante um outro contrato típico (como a compra e venda
de bem futuro – o que não poderia defender-se no caso, dada a inexistência de transferência
de qualquer coisa ou direito) ou, eventualmente, perante um contrato (de prestação de
serviços) atípico.
- Responsabilidade de D pela existência de defeitos ocultos (art.º 1219.º/1 CC, a contrario)
e direito de A à sua eliminação (art.º 1221.º/1 CC).
- Direito de resolução por parte de C, nos termos do art.º 1222.º CC, mesmo sem necessidade
de interpelação admonitória de D para haja incumprimento definitivo da obrigação de
eliminação dos defeitos, dado que D declarou estar no estrangeiro e que, em consequência,
não cumpriria a sua obrigação de eliminar os defeitos. Eventual referência à possibilidade
de, independentemente do não cumprimento definitivo dessa obrigação, C recorrer a
terceiro e ressarcir-se dos gastos com terceiro como forma de indemnização a exigir a D, de
acordo com a doutrina da Regência, ou mediante urgência na eliminação dos defeitos, de
acordo com jurisprudência consolidada. C direito à indemnização pelo não cumprimento e
pelos danos causados, que poderiam ascender ao montante necessário à reparação da
caldeira (interesse contratual positivo), i.e., € 900, sendo que a indemnização poderá,
logicamente, quedar-se no valor (que se infere ser inferior) do esquentador adquirido por C.
3/3
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Exame escrito — Época Normal — Direito dos Contratos I
3.º Ano – TAN
Grupo I
A sociedade “Andar de transfer, Lda.” adquiriu um automóvel elétrico, no valor
de € 55.000, à concessionária “Bms e outros, Lda.”, recorrendo para tal a financiamento
bancário junto da “Créditum, S.A.”, a reembolsar durante o período de seis anos, i.e., a
pagar em 76 prestações. Em contrato assinado pelas três partes, estipulou-se que a
propriedade do automóvel ficava reservada a favor da “Créditum, S.A.”.
Responda, isoladamente, a cada uma das seguintes questões:
a) Ao cabo de dois anos, a sociedade “Andar de transfer, Lda.” vendeu o
automóvel a Daniela. Quid juris? (4 valores)
- Qualificação do contrato de compra e venda, nos termos do 874.º CC, de forma livre
(875.º, a contrario, e 219.º CC).
- Não há venda a prestações (934.º CC), porque preço foi pago integralmente à vendedora,
através do financiamento obtido por mútuo da C a A.
- Tomada de posição fundamentada quanto à admissibilidade (e consequente validade) de
reserva de propriedade (409.º CC) a favor de terceiro financiador.
- Ainda que fosse admissível a reserva da propriedade, atendendo ao objeto - bem sujeito
a registo - tinha sempre de ser registada para ser oponível a terceiros (409.º/2 CC). Não
falando a hipótese no facto de ter existido registo a questão não podia deixar de ser
levantada. Não estando registada, a reserva não seria oponível a D, exceto se estivesse de
má fé. Estando registada e sendo oponível a D., Daniela nunca poderia estar de boa-fé.
- Sendo considerada válida a reserva de propriedade, e estando registada, a venda a
Daniela consubstancia uma venda de bens alheios: menção aos respetivos requisitos
(892.º e 904.º CC) e regime, nomeadamente quanto à obrigação de fazer convalescer o
contrato (907.º) e ao regime indemnizatório do 908.º e do 910.º CC. Neste cenário, dada
a boa fé da compradora, não se aplica o artigo 1301.º do CC.
Na eventualidade de a reserva ser considerada válida, mas não ter havido registo, a
segunda venda continua a ser uma venda de coisa alheia, mas não é oponível a D, que
beneficia do efeito do registo. Nessa eventualidade, mantém-se a obrigação de
convalidação perante D, que pode pretender uma aquisição no plano substantivo e não
apenas no plano registal. Em princípio D não terá prejuízos, dada a proteção registal de
que beneficia. Mas se os tivesse aplicavam-se as regras gerais de indemnização em caso
de venda de coisa alheia.
Ainda no mesmo cenário de admissibilidade da reserva de propriedade a favor de terceiro,
mas de ausência de registo, B responderia perante C, nos termos gerais, por ter frustrado
a sua garantia e responderia perante A por ter frustrado a sua expetativa de aquisição.
b) Suponha que, dois anos após a aquisição, a sociedade “Andar de transfer, Lda.”
apercebe-se de que a bateria do automóvel está a descarregar de forma demasiado rápida,
face à autonomia expectável, e pretende que a “Bms e outros, Lda.” proceda à sua
substituição. Suponha ainda que, no contrato, tinha ficado estipulado que a compradora
tinha direito a um mês de “período experimental” durante o qual a “Andar de transfer,
Lda.” podia, sem necessidade de qualquer justificação, devolver o automóvel e “anular”
o contrato, o que não fez. A concessionária rejeita ser responsável, alegando,
nomeadamente, que o facto de a compradora não ter exercido o referido direito a “anular”
o contrato a exonera de responsabilidade. Quid juris? (5 valores)
- Sendo ambas as partes no contrato profissionais, nada sendo dito quanto ao destino a
dar ao bem, por A e sendo esta uma sociedade, pode assumir-se não ter lugar a compra e
venda de bens de consumo. Nesse caso, o regime a aplicar nunca poderia ser o da compra
e venda de bens de consumo, aplicando-se o regime da compra e venda civil. Mas pode
debater-se, como fator de valorização adicional. a questão de saber se, em certos cenários,
os profissionais e pessoas coletivas podem, ou não, ser tidos por consumidores e
aplicabilidade, ou não, neste caso, do regime da compra e venda de bens de consumo. Na
situação em apreço, porém, na ausência de quaisquer dados em sentido contrário devia
optar-se pela aplicação de regime civil e não pela compra e venda de bens de consumo.
Mesmo para quem defenda que profissionais e pessoas coletivas podem, em certos
cenários, ser consumidores, o ónus da prova da factualidade que justificaria a aplicação
desse regime, está a cargo de quem o invoca e dependente da efetiva existência de factos
suscetíveis de apoiar essa solução.
- A estipulação do “período experimental” durante o qual a compradora podia desistir
(“anular”) o contrato conduz à qualificação do mesmo como uma venda a contento, na
segunda modalidade (924.º CC).
- Porém, não tendo sido exercido direito de resolução atribuído à compradora no prazo
fixado (924.º/3 CC), tal facto não exime a vendedora de eventual responsabilidade por
defeitos da coisa, nos termos dos artigos 913.º e ss. CC.
- Qualificação do problema de descarga da bateria como defeito da coisa, nos termos do
913.º CC, por não ter as qualidades asseguradas pelo vendedor, nem necessárias à (boa)
realização do seu fim (circulação rodoviária).
Grupo II
Francisco combinou com Guilherme, seu amigo de longa data, que este, pessoa
que gostava de se gabar das suas qualidades de “faz-tudo”, reparasse o autoclismo
avariado da casa de Francisco, da próxima vez que fosse lá almoçar, como era habitual
entre os dois amigos. Infelizmente, Guilherme não só não foi capaz de solucionar o
problema do autoclismo, como ainda partiu a bomba de descarga. Por isso, Francisco
contratou Hugo, canalizador profissional, para proceder às reparações necessárias, tendo
substituído a bomba por uma nova, pelo valor total de € 120.
Grupo I
A sociedade Arquitetos & Designers, Lda (A&D) pagou € 3.000 a uma fábrica de
tapeçarias artesanais em troca da produção de três tapetes com as dimensões e os desenhos
indicados pela A&D. Ficou acordado que os tapetes seriam entregues no prazo de 60 dias.
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:
1) Um dia antes da entrega dos tapetes, já totalmente finalizados, a fábrica de tapeçarias
sofre um incêndio. Os três tapetes ficam destruídos. Em consequência, a A&D exige a
devolução do preço, mas o departamento jurídico da fábrica envia uma carta à A&D a
recusar essa pretensão, alegando que o contrato celebrado entre as partes configurava uma
“venda de bens futuros”, cujo risco se havia transferido aquando da conclusão dos tapetes.
Terá razão? (4 valores)
- Distinção entre venda de bens futuros e empreitada. Qualificação do contrato entre a A&D e a
fábrica como um contrato de empreitada, com os seus dois elementos essenciais (prestações
principais de realização de obra e de pagamento do preço) – 1207.º CC. A produção e entrega dos
tapetes em conformidade com as indicações da A&D cumpre os requisitos para se considerar a
natureza dessa prestação como “obra”: (i) resultado exteriorizável numa coisa concreta, corpórea,
suscetível de entrega e aceitação, (ii) resultado específico e concreto (ou seja, pode ser separado
do processo produtivo, do modo de realização e atividade e conteúdo espiritual, se se quiser se
ele próprio assumir a relevância de um significado ou utilidade própria desligada da atividade que
esteve na sua origem mesmo se consistir numa coisa incorpórea), (iii) resultado concebido e
alcançado de acordo com um projeto (as indicações da A&D).
- Aplicação do 1212.º/1, 1ª parte CC: ainda não tinha havido aceitação da obra, portanto risco
corre por conta da empreiteira (fábrica).
- Consequências do não cumprimento, dentro do prazo fixado, pela fábrica a obrigação de entregar
a obra: constituição em mora (805.º/2, a) CC); requisitos do incumprimento definitivo
(interpelação admonitória – 808.º/1 CC), do qual resulta o direito de resolução do contrato e
concomitante pedido de devolução do preço.
2) Dezoito meses após a entrega dos tapetes, a A&D apresenta uma reclamação junto da
fábrica de tapeçarias com o fundamento de que todos eles haviam começado a desfiar
bastante, pretendendo uma devolução parcial do preço, no valor de € 1.000. (4 valores)
- Existência de defeitos ocultos, pelos quais empreiteira é responsável (1208.º e 1219.º CC). Dono
da obra tem o ónus de demonstrar que defeito é imputável à empreiteira, não resultando da sua
má ou descuidada utilização (estado dos tapetes, etc.).
- Requisitos do direito à redução do preço (1222.º/1 CC), subsidiário em face do direito à
eliminação dos defeitos e à construção de nova obra (que cessam em caso de
desproporcionalidade entre as despesas e o proveito deles resultantes, como aparenta ser o caso –
1221.º/2 CC).
- Prazo para denúncia dos defeitos: 30 dias desde o descobrimento (1220.º/1 CC). Prazo de
caducidade de 1 ano desde a denúncia, desde que não superior a 2 anos desde a entrega da obra
(prazo respeitado).
3) A sua resposta à questão 2) seria diferente se o adquirente dos tapetes, em vez da A&D,
fosse Bernardo, que pretendera os tapetes para decorar a sua casa? (3 valores)
- Estaríamos, neste caso, perante uma empreitada de bens de consumo, regulada pelo DL n.º
67/2003, de 8 de abril (1.º-A/2 e 1.º-B, a), b) e c) do referido DL). Tratando-se de bens (tapetes)
entregues no âmbito da empreitada, não se colocam aqui as questões controvertidas quanto à
aplicabilidade do referido DL às empreitadas celebradas com consumidores em que estejam em
causa os chamados bens “extra rem” (nomeadamente, nas empreitadas de reparação) ou às
empreitadas de onde não resulte a entrega ou incorporação de nenhum bem (máxime, empreitadas
de demolição).
- Existência de desconformidade com o contrato, nos termos do 2.º/2, d) do referido DL, pela
qual empreiteira é responsável (3.º/1 do referido DL).
- Presunção de que desconformidade já existia à data da entrega dos tapetes (3.º/2 do referido
DL), a qual inexiste no âmbito da empreitada civil.
- Tomada de posição fundamentada sobre a existência de hierarquia dos meios de reação previstos
no artigo 4.º/1 do referido DL, atendendo às posições doutrinárias e jurisprudenciais existentes,
nomeadamente à luz do n.º 5 do mesmo artigo e do regime previsto na Diretiva n.º 1999/44/CE,
do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio.
- Prazo para denúncia: 2 meses desde o descobrimento (5.º-A/2 do referido DL). Prazo de
caducidade de 2 anos (5.º/1 ex vi 5.º-A/1 do referido DL).
Grupo II
Carlos comprou a Daniela uma bicicleta pelo preço de € 1.500. O preço seria pago em
dez prestações mensais de € 150 cada. Ficou ainda acordado que Daniela poderia resolver o
contrato por falta de pagamento de qualquer prestação.
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:
1) Carlos não pagou a sexta prestação. Daniela pretende resolver o contrato. Pode fazê-lo?
(3 valores)
2) Suponha que Carlos havia adquirido a bicicleta a Daniela sob reserva de propriedade.
Após o pagamento da terceira prestação, Carlos vende a motocicleta a Eduardo,
omitindo a existência da reserva. Carlos nunca mais paga nenhuma prestação a Daniela,
que resolve o contrato entre ambos e exige de Eduardo a entrega da motocicleta.
Eduardo recusa entregá-la, por considerar que a reserva de propriedade não lhe é
oponível. Quid juris? (4 valores)
- Carlos constitui-se em mora relativamente às quarta e seguintes prestações (805.º/2, a) CC).
Decorrido o prazo razoável previsto em interpelação admonitória (808.º/1 CC), Carlos entra em
incumprimento definitivo e Daniela pode resolver o contrato.
- Sendo a cláusula de reserva de propriedade oponível a Eduardo, estamos perante uma venda de
bens alheios (892.º e 904.º CC): requisitos e regime aplicável, nomeadamente referência aos
direitos de Eduardo: direito à convalidação do negócio (897.º CC), indemnização por dolo (898.º),
indemnização por incumprimento da obrigação de convalidar o contrato (900.º).
Duração: 90 minutos
Grupo I
Grupo II
Daniel contratou Filipa para proceder à construção de uma moradia. Para tanto, Filipa
devia construir a moradia num dos terrenos constantes do seu portfólio imobiliário.
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:
1) Imediatamente após a celebração do contrato, Daniel prometeu vender a moradia a
Helena pelo valor de €5.000.000,00. Helena exigiu que se incluísse expressamente a
possibilidade de lançar mão da ação de execução específica em caso de incumprimento.
Filipa não construiu o imóvel dentro do prazo convencionado, provocando um atraso
substancial na celebração do contrato definitivo. Quid juris? (4 valores)
- Qualificação completa e fundada como contrato de empreitada (artigo 1207.º);
- Problematização à luz do regime da transmissão da propriedade (artigo 1212.º CC) e
identificação da forma como se transmite a propriedade no caso de esta pertencer ao
empreiteiro (caso não resolvido pelo 1212, n.º 2 do CC); na medida em que ainda não se
tinha verificado a transmissão da propriedade para a esfera do dono da obra, deveria
discutir-se a admissibilidade do contrato promessa de compra e venda de bem alheio e
da inclusão, no respetivo contrato, da previsão de execução específica.
2) Suponha que Filipa havia contratado Guilherme para cuidar da instalação elétrica e que,
durante a execução dos trabalhos, Daniel instruíra Guilherme para fazer a instalação de
forma diversa. Guilherme respondeu que nada alteraria até que Filipa lhe desse
instruções nesse sentido. Daniel, que tentara — sem sucesso — contactar Filipa, disse
então a Guilherme que este lhe tinha de obedecer. Terá razão? E, findo o contrato, pode
Guilherme exigir que Daniel lhe pague diretamente o preço devido? (4 valores).
- Identificação completa e fundada de uma subempreitada (1213.º CC) e respetiva
admissibilidade;
- Deveria discutir-se e tomar posição fundamentada quanto à admissibilidade de ação
direta entre empreiteiro e subempreiteiro. O caso convoca uma análise do problema à
luz do regime das alterações exigidas pelo dono da obra ao subempreiteiro e da questão
de saber se o subempreiteiro pode exigir o pagamento do preço ao subempreiteiro.
Duração: 90 minutos
Grupo I
a) Perante a resposta de Beatriz, Carlos intenta uma ação judicial para obter a
reparação da bicicleta. Além do argumento já invocado, Beatriz acrescenta que a
bicicleta nem sequer lhe pertencia e que, portanto, a venda era nula. Quid juris? (5
valores)
- Qualificação do negócio entre Bruna e Carlos como venda de bens alheios e aplicação do
respetivo regime, nomeadamente:
1) verificação dos requisitos (artigos 892.º e 904.º CC); particularmente quanto ao requisito
da falta de legitimidade: embora Bruna dispusesse de procuração outorgando-lhe poderes
de representação para vender a bicicleta de Ana, tal não lhe conferia legitimidade para a
vender em nome próprio (mas apenas legitimidade para atuar no âmbito da esfera jurídica
de Ana, em nome desta, diferentemente do que veio a suceder no negócio com Carlos); em
consequência, o negócio entre Bruna e Carlos padece da nulidade atípica regulada nos
artigos 892.º ss.
2) uma das especificidades da nulidade atípica da venda de bens alheios respeita ao regime
de arguição e oponibilidade: Bruna, vendedora, não pode opor a invalidade ao comprador
de boa fé, Carlos (artigos 892.º, 2.ª parte)
3) referência aos direitos de Carlos (em particular, à indemnização prevista no artigo 898.º) e
às obrigações de Bruna (em particular, à de convalidação, prevista no artigo 897.º).
- Qualificação do negócio entre Bruna e Carlos como venda de coisa defeituosa e aplicação do
respetivo regime, nomeadamente:
1) verificação dos requisitos (artigo 913.º):
a. existência de “vício” material do bem vendido, o qual lhe retira as qualidades
necessárias para a realização do fim a que se destina (locomoção);
b. tomada de posição fundamentada sobre a necessidade de haver erro, enquanto falsa
perceção da realidade (quanto à existência do defeito da bicicleta), à data da
celebração do contrato, e de se verificarem os respetivos requisitos (essencialidade
do elemento sobre o qual incidia o erro e respetiva cognoscibilidade, nos termos do
artigo 247.º ex vi artigo 251.º), por remissão do artigo 905.º, ex vi artigo 913.º, para
que se apliquem os mecanismos de reação ao dispor do comprador ao abrigo do
regime da venda de coisas, nomeadamente o direito à reparação e substituição
previstos no art.º 914.º; atender, em particular, ao art.º 918.º e à inexistência de um
“regime geral” do cumprimento defeituoso, o qual deverá ser construído através
das “manifestações” desse tipo de não-cumprimento consagradas, de forma isolada,
ao longo do Código Civil, entre as quais se encontra o regime da venda de coisas
defeituosas;
2) ónus de denunciar o defeito no prazo de 30 dias após o seu descobrimento e dentro de 6
meses após a entrega, salvo dolo do vendedor (artigo 916.º, n.ºs 1 e 2);
3) referência à caducidade da ação nos termos do artigo 917.º;
4) referência aos direitos de Carlos à reparação e, caso tal não fosse possível, à substituição
da bicicleta, dada a sua natureza fungível, ao abrigo do artigo 914.º, 1.ª parte, bem como ao direito
à indemnização prevista no artigo 898.º, ex vi artigo 913.º.
b) Suponha que Beatriz tinha vendido a bicicleta a Carlos € 1.500, a pagar em dez
prestações mensais de € 100 cada, ficando convencionado que o incumprimento de
qualquer prestação conferiria a Beatriz o direito de resolver o contrato. Perante o
atraso no pagamento da quinta prestação, Beatriz pretende resolver o contrato.
Pode fazê-lo? (5 valores)
Grupo II
A sociedade “Dominó” contratou Ernesto para efetuar obras de remodelação geral da sua
loja pelo preço de € 15.000. Uma semana depois da conclusão e entrega da obra, a “Dominó”
informou Ernesto da existência de defeitos na instalação elétrica, exigindo-lhe a sua reparação.
Ernesto recusou-se a proceder a tal reparação com dois argumentos: i) a partir da aceitação da obra,
na semana anterior, o contrato de empreitada havia-se “esgotado” e o dono da obra não podia
exigir mais nada ao empreiteiro; ii) a instalação elétrica fora efetuada por Francisco,
subempreiteiro, pelo que Ernesto não poderia ser responsável por eventuais defeitos a ela
inerentes. Quid juris?
(8 valores)
- Contrato de empreitada entre a sociedade “Dominó” e Ernesto (artigo 1207.º), referente a coisa
imóvel, com estabelecimento de preço global.
- Ernesto, empreiteiro, tem a obrigação de executar a obra sem vícios e defeitos, de acordo com o
convencionado e as legis artis do seu ofício (artigo 1208.º).
- O primeiro argumento invocado por Ernesto corresponde a uma afirmação falsa, pois a aceitação
da obra sem reservas pelo dono da obra, bem como a sua não verificação – conducente à respetiva
aceitação ficta (artigo 1218.º, n.º 1) – não exoneram o empreiteiro de responsabilidade por todos
os defeitos da obra, mas apenas pelo defeitos que fossem do conhecimento do dono da obra (artigo
1219.º, n.º 1), presumindo-se tal conhecimento no caso dos defeitos aparentes (artigo 1219.º, n.º
2), mas não no caso dos defeitos ocultos, como, à partida, será o caso dos defeitos na instalação
elétrica.
- O segundo argumento invocado por Ernesto também não é procedente, uma vez que a
subempreitada (artigo 1213.º) – a qual é lícita, mesmo sem autorização do dono da obra, desde que
esta seja de natureza fungível, nos termos do artigo 264.º, n.º 1, mutatis mutandis – não exonera o
empreiteiro da responsabilidade por todos os defeitos ocultos que não sejam conhecidos pelo dono
da obra à data da aceitação, nos termos do artigo 1219.º, tratando-se de um contrato do qual o dono
da obra não é parte; o empreiteiro pode, no entanto, exigir o direito de regresso ao subempreiteiro
pelos danos por que tenha de responder perante o dono da obra, desde que respeitado o prazo de
denúncia previsto no artigo 1226.º, respondendo, nesse caso, o subempreiteiro perante o
empreiteiro nos termos gerais, i.e., do artigo 1219.º ss..
- Assim, tendo efetuado a denúncia dentro dos prazos previstos nos artigos 1225.º, n.ºs 1, 2 e 3
(cinco, a sociedade “Dominó” tem o direito à eliminação dos defeitos (artigo 1221.º) e, não
havendo essa eliminação, à redução do preço (artigo 1222.º), os quais são cumuláveis com o direito
à indemnização (artigo 1223.º). Pareceria excessivo, contudo, o recurso à resolução do contrato,
dado que a instalação elétrica corresponde apenas a uma parte da obra, não se podendo, portanto,
considerar que (toda) a obra será “inadequada ao fim a que se destina” em virtude dos defeitos.
Duração: 90 minutos
Exame de contratos I
Turma da noite
01-02-2021
- Havendo entrega, a 2ª parte do art.º 934.º não permite a perda do benefício do prazo por
falta de pagamento de uma prestação correspondente a montante inferior a 1/8 do preço
(no caso, 1/20).
- Em todo o caso, o risco de perda da coisa nunca deveria correr por conta de A (vendedor
inicial, com reserva de propriedade), após a entrega do automóvel a B. Exposição e
tomada de posição justificada relativamente às teses que sustentam que o risco corra por
conta do adquirente nestes casos.
II
Turma da noite
19-01-2021
- O preço enquanto elemento essencial do contrato de compra e venda (art.º 874.º CC),
mas que pode estar indeterminado.
- O contrato de compra e venda contempla uma cláusula penal compensatória (i.e., para
o caso de incumprimento definitivo, não aplicável em caso de mera mora).
- Não se aplica o art.º 935.º CC por não estarmos perante uma venda a prestações. Aplica-
se o regime geral previsto nos art.ºs 810.º a 812.º CC.
II
a) A, empreiteiro, obriga-se para com B a realizar a construção de uma casa num pântano.
No contrato não é fixado prazo para a sua realização. Passados dois anos B impacienta-
se e pretende demandar A por incumprimento do pactuado. A defende-se dizendo: i)
nunca tinha realizado a construção de uma casa num pântano; ii) não há prazo
estabelecido. Quid iuris? (valores 5)
- Quanto ao primeiro argumento invocado por A, importa referir que o empreiteiro deve
realizar as obras as cumprindo as regras da arte e todas as outras necessárias para se poder
afirmar haver um cumprimento conforme com o interesse do dono da obra, por exemplo,
regulamentos urbanísticos e outras normas administrativas (art.º 1208.º CC e também art.º
1215.º CC). No silêncio do contrato, o padrão de diligência a que o empreiteiro está
sujeito corresponde ao fixado nas regras da arte objetivamente consideradas, devendo o
empreiteiro conhecê-las: a obrigação do empreiteiro é uma obrigação de resultado. É,
pois, irrelevante que A não as conheça ou não consiga cumpri-las por não dispor, por
exemplo, de meios técnicos ou de pessoal qualificado na sua estrutura empresarial.
Embora o empreiteiro não seja, em regra, obrigado a dominar as técnicas “de ponta”, a
própria natureza da obra a realizar pode suscitar padrões mais exigentes na qualidade
construtiva, como no presente caso em que a obra consiste na construção de um imóvel
em local onde se verificam condições de solo e clima onde a construção é particularmente
difícil. A não pode, assim, invocar tais condições para reclamar um grau de diligência
mediano no cumprimento – muito menos exonerar-se invocando a impossibilidade ou
excessiva onerosidade do cumprimento da sua obrigação.
- Quanto ao segundo argumento invocado por A, é certo que o prazo de cumprimento não
se encontra na total disponibilidade do dono da obra. A obrigação de realizar uma obra é
um exemplo clássico das chamadas obrigações de prazo natural, previstas no n.º 2 do
artigo 777.º CC (e não um caso de obrigação pura, em que o devedor entra em mora com
a interpelação). O n.º 2 do artigo 777.º CC dispõe que, se for necessário fixar um prazo
para o cumprimento, não havendo acordo das partes, deve essa fixação ser deferida ao
tribunal. No entanto, pode defender-se, como faz PEDRO DE ALBUQUERQUE, que o
deferimento ao tribunal da fixação do prazo não se justifica, se o dono da obra fixar um
prazo tecnicamente razoável para a execução da obra. Nesse caso, pode o empreiteiro
discutir em juízo a razoabilidade do prazo fixado pelo dono da obra. Mas se o dono da
obra vier a ganhar a disputa judicial (entendendo o tribunal ser o prazo por ele fixado de
facto sensato e ponderado), os efeitos da mora reportam-se ao momento do não
cumprimento do prazo inicialmente fixado. Evita-se, assim, fomentar a inércia do
empreiteiro durante todo o tempo tomado pelo tribunal para se pronunciar sobre o prazo
razoável. É esta também a solução consensualmente defendida pela doutrina
relativamente aos casos de fixação de um limite temporal para a eliminação dos defeitos
ou realização de obra nova nas hipóteses dos artigos 1221.º e 1225. Assim, deve B fixar
um prazo razoável para o cumprimento da obrigação de realização da obra por A,
entrando A em mora se desrespeitar tal prazo.
b) A, empreiteiro, construiu uma coisa para B, mas com defeito. A procede a uma
intervenção destinada a corrigir os defeitos detetados ou à realização de obra nova, mas
estes mesmo assim subsistem ou aparecem novos defeitos. O que pode o dono da obra
fazer? Poderá recorrer a terceiro para eliminar os defeitos que A não consegue ou não
pretende eliminar? (4 valores)
- A entrega da obra com defeitos pelo empreiteiro ao dono da obra confere a este o direito
à eliminação dos defeitos ou à construção de nova obra, se essa eliminação não for
possível (art.º 1221.º/1 CC) e, no limite, não sendo eliminados os defeitos ou construída
obra nova, à redução do preço ou à resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra
inadequada ao fim a que se destina (art.º 1222.º/1 CC).
- Porém, o dono da obra dispõe ainda, para além dos direitos já referidos, do direito à
indemnização (cumulável com os seus demais direitos, nos termos do art.º 1223.º CC),
pelo que alguma doutrina, como CURA MARIANO, MENEZES LEITÃO e PEDRO DE
ALBUQUERQUE, admitem o recurso a terceiro para a eliminação dos defeitos e
consequente pedido de ressarcimento ao empreiteiro do custo inerente, o que se pode
configurar como uma forma de indemnização.
- A jurisprudência tem também entendido que, nos casos em que a eliminação dos defeitos
se afigure urgente, pode o dono da obra recorrer a terceiro antes de haver incumprimento
definitivo, invocando, por exemplo, a figura do estado de necessidade.
a)
- Assim, a questão da propriedade do “quadro pintado” apenas se suscita, a jusante, no momento em que
a coisa exista. In casu, no momento da conclusão do quadro.
c)
- A. assumiu a obrigação de efetuar todas as diligências para que o credor (B. ou C.) adquira a coisa
(artigos 1207.º e 880.º do Código Civil, respetivamente). Uma obrigação cujo incumprimento se presume
de A. (artigo 799.º/1 do Código Civil);
- Tendo A. perdido o braço em resultado de um acidente de viação, vê-se impossibilitado de não cumprir
essa obrigação. Com efeito, A. perdeu o braço esquerdo, com que pintava. Esta impossibilidade, apesar de
subjetiva, parece igualmente importar a extinção da obrigação, por a prestação contratada ser infungível
(791.º do Código Civil). Sendo um “conhecido pintor” terá sido contratado pelas suas especiais qualidades;
- Cabe a A. o ónus da prova de ilidir a presunção do artigo 799.º/1 do Código Civil, sob pena de responder
pelos danos provenientes de não ter exercido as diligências necessárias para que o credor adquirisse o
quadro;
a) Contrato celebrado entre A. e B.: Se se considerar uma empreitada ou uma prestação de serviços
atípica à qual se aplica o regime da empreitada, parece de aplicar o artigo 1227.º, in fine, para determinação
do montante a receber por A.;
b) Contrato celebrado entre A. e C.: Não tendo o contrato natureza aleatória (artigo 880.º/1, a contrário,
do Código Civil), B. fica desobrigado da contraprestação e C. tem direito de exigir a restituição dos € 5.000,00
pagos nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa (artigo 795.º/1 do Código Civil).
II
a)
- Qualificação do contrato celebrado entre D. e E. como empreitada (artigo 1207.º do Código Civil) de
bens de consumo. Fundamento do preenchimento, objetivo e subjetivo, do DL n.º 67/2003, de 8 de abril. D.
seria consumidor e E. seria profissional;
- Análise do dever de conformidade do serviço prestado com o contrato e presunção da sua violação por
ocasião da entrega, quanto ao facto de o motor ter gripado. Um consumidor não espera que o motor de um
veículo ao qual foi trocado o óleo gripe por ter sido colocado óleo a mais no mesmo [als. c) e d) do n.º 2 do
artigo 2.º do DL n.º 67/2003]. Já quanto ao embate no separador de proteção, por problemas nas pastilhas
dos travões, não tendo a empreitada contratada a E. compreendido qualquer intervenção nas mesmas, não
existir qualquer falta de conformidade imputável a E.;
- Perante a falta de conformidade da obra com o contrato, D. tem, perante E., os direitos mencionados no
artigo 4.º do DL n.º 67/2003 em relação ao motor estragado;
- A caducidade dos direitos de D., invocada por E., não procede. Com efeito, na empreitada de bens de
consumo, o prazo de garantia é de dois anos (artigo 5.º/1 do DL n.º 67/2003, de 8 de abril). Por outro lado,
o prazo de denúncia dos defeitos é de dois meses, a contar da data em que o mesmo tenha sido detetado
(artigo 5.º-A/2 do DL 67/2003, de 8 de abril). Não da sua entrega. Atentos os dados de facto, o problema só
foi detetado passados 13 meses, com o óleo do motor bem quente.
b)
- Perante a falta de conformidade da obra com o contrato, D. tem os direitos mencionados no artigo 4.º
do DL n.º 67/2003. Entre eles, o direito à reparação do seu veículo sem encargos. Entenda-se, dos danos ao
nível do motor.
- Os direitos do D. efetivam-se, em primeira linha, sobre o devedor (E.). Assim, em princípio o dono da
obra não tem o direito de recorrer aos préstimos de terceiro, assumindo os custos da eliminação dos
defeitos e depois imputando os mesmos ao dono da obra. Se o fizer, tais custos correm por sua conta.
Contudo, a doutrina e a jurisprudência têm admitido que esta construção não é absoluta, podendo ceder em
casos de urgência. Análise, fundamentada, se, tendo a desconformidade em causa ocorrido em Espanha e
necessitando o dono da obra do carro para prosseguir a sua viagem e regressar a Portugal, não estaríamos
perante um caso de urgência que poderia motivar a aplicação da ação direta (artigo 336.º do Código Civil).
Nesse caso, D. poderia mandar reparar o veículo e depois imputar os respetivos custos a E.
EXAME DE DIREITO DOS CONTRATOS I
TÓPICOS
11-06-2021 90 minutos
- No enunciado é dito que se trata de uma venda. O contrato está assim devidamente caraterizado,
tornando-se desnecessário e despiciendo proceder à caracterização do negócio celebrado entre as
partes e seus efeitos típicos: seria percorrer um caminho já trilhado pelo próprio enunciado e que nada
acrescenta ao já dito. Bastaria a referência a, na ausência de indicação em contrário, se tratar de uma
compra e civil.
- Na verdade, o que a hipótese convoca é saber qual o regime da concreta patologia verificada: tratar-
se-á de um caso de cumprimento defeituoso sujeito à aplicação do artigo 918.º do CC ou antes uma compra
e venda defeituosa sujeita aos artigos 913.º e ss.?
- O artigo 918.º do CC dispõe no sentido de, tendo a coisa, depois de vendida e antes de entregue,
sofrido deterioração, adquirindo vícios ou perdendo qualidades, ou a venda respeitar a coisa futura ou
a coisa indeterminada de certo género, serem aplicáveis as regras gerais. Poder-se-ia, assim, tomar-se o
preceito à letra e, depois, fazer-se uma interpretação a contrario do mesmo, de forma a julgar-se impor
o preceito dois regimes absolutamente diferenciados. Um primeiro, referente:
– i) à compra e venda de coisa com eficácia real imediata, nos termos do artigo 408.º/1 do CC, em
que o defeito é posterior à conclusão do negócio, ou seja, se mostra superveniente, mas anterior à
entrega;
– ii) e à compra e venda sem eficácia real imediata, nos termos do artigo 408.º/2 do CC.
E um outro, relativo, agora, à compra e venda dotada de eficácia real imediata, de acordo com o artigo
408.º/1, mas em que o defeito ou vício é contemporâneo à celebração do contrato e se afigura, destarte,
originário.
Tratando-se do primeiro cenário valeria, por força do artigo 918.º, a disciplina do inadimplemento
ou cumprimento defeituoso. Já no segundo, aplicar-se ia o regime dos artigos 914.º e seguintes. É esse
o entendimento de Menezes Leitão e Nuno Pinto de Oliveira e a valer determinaria, no nosso caso a
aplicação dos artigos 913.º e ss. e do regime da compra defeituosa, e não o do artigo 918.º, dado, não
obstante não ter havido entrega, o risco ser contemporâneo do negócio.
Uma outra orientação considera, porém, não ser essa a melhor solução. Por força do princípio geral
da integralidade do cumprimento, presente no artigo 763.º/1 do CC, e, portanto, do direito ao
cumprimento pontual, subjacente também, de forma manifesta à compra e venda de coisa defeituosa,
em especial por força do artigo 914.º do Código Civil, ninguém pode ser forçado a aceitar um bem
diverso do devido. Se a isso somarmos o facto de:
– i) o regime da compra e venda de coisa defeituosa dever ser emoldurado, ele próprio, no regime
do cumprimento defeituoso (possibilidade de majoração da classificação da resposta com bonificação
se o aluno debater, argumentando, a questão do enquadramento dogmático da compra e venda
defeituosa por forma a reforçar a medida em que as tese do erro e a do incumprimento favorecem ora
a posição de LML e NPO quanto ao artigo 918.º, ora a tese de Menezes Cordeiro e também defendida no
presente curso de contratos I) e a anulação prevista no artigo 905.º do CC, para onde remete o artigo
914.º do mesmo diploma, convolada em resolução;
EXAME DE DIREITO DOS CONTRATOS I
TÓPICOS
– ii) o prazo de seis meses para a realização da denúncia só se iniciar depois da entrega da coisa
(artigo 916.º/2 do CC), ergo antes dela se seguir o regime comum e, destarte, o comprador não poder
ser forçado a aceitar uma coisa com defeito;
– iii) tratando-se de coisas transportadas os prazos de denúncia e garantia só se dão a partir da
receção pelo comprador (artigo 922.º do CC), donde este pode não aceitar coisas desconformes.
- Então, tudo somado, mesmo na eventualidade de se estar diante de uma compra e venda dotada de
eficácia real imediata, segundo o artigo 408.º/1, mas em que o defeito ou vício é contemporâneo à
celebração do contrato, se deve julgar valer o regime do cumprimento defeituoso se ainda não houve
entrega. Seria, além disso, absurdo, antissistemático e valorativamente contraditório e, destarte,
despropositado admitir-se um regime para as hipóteses diretamente referidas no artigo 918.º e as
demais. E sendo a necessidade de remoção das aporias valorativas e a ponderação dos resultados hoje
um dos elementos comummente aceites, do processo de interpretação não pode a solução valer.
Depois, se bem se atentar no artigo 918.º do CC a regra, prevista na sua segunda parte, funciona para
além da aquisição da coisa futura pelo vendedor ou com a determinação e, portanto, para além da
transferência do risco. Apenas a entrega afasta o regime geral. Mas se é assim, por força do artigo 918.º,
para os cenários de defeito superveniente relativamente ao negócio, mas anterior à entrega, atendendo
ao disposto nos artigos 916.º/2 e 922.º do CC, de onde emerge não se iniciarem os prazos de denúncia
antes da entrega, vale igual solução mesmo tratando-se de defeito originário de um bem vendido através
de uma compra e venda com eficácia real imediata. Ou seja, também aqui, não havendo entrega da coisa
vale o regime geral. Apenas a entrega afastará as regras do cumprimento defeituoso. Só depois dela tem
lugar a regulamentação especial dos artigos 914.º e seguintes do CC. Donde, em bom rigor, o artigo 918.º
do Código Civil mais não faz senão explicita só valer, nas hipóteses de defeito superveniente, de modo
forçoso, o regime especial, após a entrega.
Em qualquer dos casos deve-se apelar ao perfil funcional comum para dizer que um relógio com um
risco profundo não é admissível.
- Sínteses:
LMN e NPO: sustentam a aplicação do regime especial da compra e venda com todos os remédios a
ela associados que haveria de descrever;
AMC e PdeA: sustentam que o comprador pode optar entre o regime do cumprimento e o especial a
compra e venda de coisa defeituosa. Se recusar a entrega da coisa pode optar pelo regime do
incumprimento:
- Caso o comprador opte pelo regime do incumprimento, dispõe de todos os remédios associados a
situação de incumprimento. E isso significa poder, portanto, nos termos do artigo 918.º, o comprador
alegar a exceção de não-cumprimento do contrato, negar-se a aceitar a entrega da coisa, valer-se do
regime da mora, fixar prazo admonitório, perder o interesse na prestação, dar o negócio por
definitivamente não cumprido, resolver o negócio e pedir uma indemnização por inadimplemento nos
termos gerais.
- Mas pode preferir aceitar a coisa e nesse caso tem aplicação o regime especial dos artigos 913.º e
seguintes. Para esse caso (assim como para o de se considerar que o artigo 918.º não tinha aplicação
dado o defeito ser originário) que haveria de descrever o regime da compra e venda de coisa defeituosa
(dos direitos que a lei confere ao comprador de coisa defeituosa; da hierarquia, ou não, dos direitos do
comprador; de A. estava ou não de má-fé. Quer para efeitos de denúncia, quer ainda para efeitos do
direito à substituição). Com especial relevância para a possibilidade, mesmo nesse caso, de aplicação da
exceção de não cumprimento do contrato.
EXAME DE DIREITO DOS CONTRATOS I
TÓPICOS
- Análise da divergência entre o peso vendido e o peso real. Relativamente à compra e venda ad corpus,
dispõe o artigo 888.º do CC que, se na venda de coisas determinadas o preço não for estabelecido à razão
de tanto por unidade, o comprador deve o preço estipulado mesmo se no contrato se mencionar
número, peso ou medida das coisas vendidas e a referência não traduzir a realidade exceto se a
quantidade diferir da declarada em mais de um vigésimo.
- No caso em apreço há, porém, excesso de um cereal e défice do outro. Põe-se, pois, o problema de
saber se se deve aplicar, ou não, o arrigo 889.º. Estar-se-á perante coisas homogéneas? Há várias
respostas possíveis consoante o entendimento de “homogeneidade”. A posição sustentada no presente
curso é a de que devem ter-se por homogéneas as coisas do mesmo género (parcelas do mesmo ou de
diferentes prédios rústicos, apartamentos do mesmo ou diferentes edifícios, cereais diversos existentes
no mesmo celeiro, etc.), mas não necessariamente da mesma espécie. Portanto, por este prisma poderia
haver compensação. Caso se defendesse entendimento diverso do termo homogeneidade haveria que
fundamentar.
- Em ambos os cereais a diferença era superior a 1/20 haveria uma redução e aumento proporcional
do preço (888.º/2 CC). Porém, como no caso em apreço havia excesso e défice punha-se o problema de
saber se o funcionamento do artigo 889.º não afasta a aplicação do artigo 888.º/2. Não parece aceitável
adotar, nesta hipótese, imediatamente a solução do artigo 888.º/2. Isto, dado a vontade das partes se
formar, na venda ad corpus, relativamente ao preço global e não haver prejuízo, dado o preço ser um só
e único. O perdido de um lado é ganho no outro. A norma do artigo 889.º vem limitar a aplicação do
artigo 888.º/2, justamente na medida da compensação entre as duas categorias. Este último preceito só
será, destarte, chamado a depor se, após a compensação, subsistir uma diferença de um vigésimo entre
a quantidade declarada e a efetivamente vendida.
TÓPICOS
3. Quais os prazos que devem ser respeitados por E. para interpor a ação de anulação/resolução do contrato?
E na hipótese de E. apenas pretender a redução do preço acordado?
- Na ausência de indicação pode assumir-se tratar-se de compra e venda civil. Não há nenhuma razão
ou indício de algum vício de forma do presente contrato. A sua validade pode ser assumida.
- O bem vendido tinha um defeito. Ao que tudo indicia, um defeito-vício que desvaloriza a coisa e, a
médio prazo, pode impedir a sua utilização para os fins a que se destina;
- Havendo dolo do vendedor não há dever de denunciar o defeito (916.º CC); vale o disposto no artigo
287.º/1 do CC (defende-se, por se considerar que na compra e venda a tutela dada ao comprador vítima
de dolo não deve ser inferior à dada a outras vítimas de dolo, no presente curso posição diversa da de
Pedro Romano Martinez que não aplica o artigo 287.º, mas sim o n.º 2 do artigo 916.º. Caso se siga esta
posição de PRM haveria que dizer porquê). O comprador tem, então, um ano, a contar do conhecimento
do vício e do dolo, para reagir, podendo fazê-lo diretamente na ação de anulação, sem denúncia prévia.
Pergunta-se se, nesta hipótese de dolo, o artigo 287.º/1 continua a valer na eventualidade de se estar
perante a venda de um bem imóvel? A resposta poderá parecer negativa. De outro modo, dir-se-ia, o
comprador teria melhor proteção na hipótese de simples erro do que na de dolo. Valeria, para o simples
erro, o prazo do artigo 916.º/3 (um ano a contar da manifestação e cinco a contar da venda), a que se
seguiria depois um prazo de seis meses para a interposição da ação de anulação. Portanto, o comprador
teria um ano e meio, a partir da ciência do vício, para atacar o negócio. Já na situação de dolo, o
adquirente teria apenas o de um ano do artigo 287.º/1, a determinar desde a ciência do defeito, para
intentar a ação de anulação. Deveria, por isso, entender-se valer sempre o prazo de um ou cinco anos
na eventualidade de se estar diante da compra e venda de um bem imóvel, para a realização da denúncia,
independentemente de haver dolo ou erro a que se somaria, ainda, o prazo de seis meses, do artigo 917.º
do Código Civil. Mas não é sempre assim, pois no caso do artigo 287.º não vale o prazo máximo de cinco
anos para interpor a ação. Pode, pois, haver situações em que é o inverso: o artigo 287.º conduz a um
prazo mais largo do que o artigo 916.º, mesmo perante bens imóveis. Análise dos argumentos que
podem ser referidos a favor e contra. A verdade, é que por se tratar de um prazo a lacuna que parece
resultar da conjugação do artigo 287.º com o artigo 916.º, no que diz respeito aos bens imóveis, parece
estar-se diante de uma lacuna rebelde ao preenchimento. Portanto, vale sem mais o prazo do artigo
287.º.
- Discussão e tomada de posição acerca da aplicação, ou não, do artigo 917.º do CC aos demais direitos
conferidos ao comprador de coisa defeituosa que não o direito de anulação por erro.
EXAME DE DIREITO DOS CONTRATOS I
TÓPICOS
II
Quid iuris?
- Caraterização do contrato: empreitada. Ao que tudo indicia, uma empreitada entre um consumidor
e um profissional. De todo o modo, o regime da venda de bens de consumo não dá resposta ao problema
da hipótese. O regime da empreitada do CC continuaria a ser de aplicar;
- Análise e articulação dos 1228.º e 807.º/1. Apesar do 1228.º, o seu sentido não foi o de afastar as
condições gerais da mora do devedor obrigado a entregar a coisa. Neste caso, o 807.º/1 parece aplicável.
- Donde em conclusão. Neste caso terá de se interpretar a aceitação para saber se ela operou, de forma
tácita, a interpelação para entrega da coisa. Se operou há mora e inversão do risco. Se não operou não há
inversão. O regime do risco não deve fazer esquecer ter o empreiteiro o dever de custódia sobre as coisas
submetidas à sua guarda. Isto significa, se a coisa estiver à guarda do empreiteiro, e perdendo-se ou
deteriorando-se a mesma, caber-lhe a ele elidir a presunção de culpa sobre si pendente, para se exonerar
de responsabilidade (799.º). Ilidida a presunção entram as regras do risco.
Direito dos Contratos I – TB
28/06/2021 90 minutos
Tópicos:
Após comunicada a conclusão da obra e colocada à disposição do dono de obra, este tem o
encargo/ ónus material de comunicar o resultado ao empreiteiro.
- Previamente à aceitação, cabe ao dono da obra preceder à sua verificação;
- No caso, o dono de obra verificou e aceitou a obra, embora não se tenha apercebido da
existência de defeito.
- Trata-se de um defeito oculto, uma vez que não é detetável, através de um exame diligente,
por quem não seja conhecedor da língua alemã.
- Assim, o dono de obra poderá denunciar os defeitos nos 30 dias seguintes ao descobrimento
dos mesmos, nos termos do artigo 1220.º n.º 1, sem prejuízo do disposto no artigo 1224 n.º
2, 2 ª parte.
- Quanto aos direitos do dono de obra, o aluno deve referir que a resolução do contrato,
aparentemente, só é possível se não forem eliminados os defeitos ou construída nova obra
(ou tal for impossível), nos termos do artigo 1222.º e 1221.º.
- No entanto, tendo a tese de Doutoramento sido entregue, em princípio, o dono da obra não
retiraria qualquer utilidade na eliminação dos defeitos ou realização de nova obra.
- Assim, o aluno poderá considerar que se verifica uma perda objetiva de interesse do credor
na realização da obra sem defeitos, suscetível de legitimar a resolução do contrato.
- Por fim, os danos adicionais sofridos pelo dono de obra seriam ressarcíveis nos termos
gerais, conforme disposto no arts. 1223.º.
2- Aprecie a validade do estipulado entre e as partes e, se for o caso, apresente uma alternativa ao
clausulado, de forma a salvaguardar a sua validade. (5 valores)
Tópicos:
- A compra e venda, enquanto contrato de alienação, pode ser objeto de uma cláusula de reserva da
propriedade, nos termos do artigo 409.º n.º 1.
- Indicar que oponibilidade depende do registo (artigo 409.º n.º 2). Caso contrário, apenas tem
eficácia inter partes;
- Para a resolução do presente caso é essencial que o aluno tome posição quanto à natureza da
compra e venda com reserva de propriedade. Segundo a posição do curso, o vendedor mantém a
propriedade com função de garantia e o comprador é investido numa expectativa real de aquisição.
- Questão controversa é saber se é admitida a reserva da propriedade a favor de terceiro.
- A posição do curso é da não admissibilidade:
- O artigo 409.º prevê: o “alienante reservar para sai propriedade”.
- Em termos lógico-conceptuais, só o proprietário pode reservar para si a propriedade.
- E mais importante, vigora nesta matéria o princípio da tipicidade dos direitos reais.
- Assim, seria de concluir pela invalidade do estipulado.
- Quanto a termos contratuais alternativos, o aluno pode propor a reserva de propriedade a favor
do vendedor, com posterior transmissão da posição jurídica – propriedade limitada à função de
garantia – do vendedor para a instituição de crédito.
- Além disso, pode sugerir que o vendedor reserve a propriedade para si até restituição do capital
mutuado ao financiado.
Grupo II
1-
Tópicos:
A resolução, geralmente, tal como a nulidade, tem efeito retractivo, mas nos contratos de execução
continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efetuadas, exceto se entra estas
e a causa de resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas, nos termos do
disposto no artigos 434.º, n.ºs 1 e 2, do CC.
O aluno deveria, no entanto, referir que o contrato de compra e venda, inclusive a venda a
prestações, se qualifica como um contrato de execução instantânea.
Na verdade, na venda a prestações existe somente uma prestação, ainda que a prestação surja
dividida/fracionada.
Assim, o aluno deve concluir que a resolução tem efeitos retroativos, nos termos gerais.
2-
Por regra, a execução incide sobre bens do executado, todavia a nomeação à penhora de bem do
próprio exequente poderá ser entendido como uma renúncia tácita à reserva de propriedade.
Ou seja, com a nomeação à penhora do bem sujeito a reserva, a propriedade transmite-se para o
comprador.
Sucede que na alienação de veículo, pode existir registo da cláusula de reserva de propriedade.
- Aplicação do artigo 824.º do CC e 827.º do CC, para efeito dos referidos preceitos a renúncia
tácita a direito real de garantia é equivalente, em termos normativos, à caducidade do
direito.
EXAME DE DIREITO DOS CONTRATOS
Coincidências
26 de janeiro de 2021 Duração: 2 horas
HIPÓTESE
⇰ Tópicos:
- Qualificação do negócio como uma compra e venda de bens de consumo a prestações.
Fundamentação do preenchimento, objetivo e subjetivo, do DL n.º 67/2003, de 8 de abril;
- Análise do dever de conformidade do bem com o contrato por B. e, in casu, da
presunção da sua violação, se A. provar que o bem não apresentava as caraterísticas
asseguradas por B. (2.º do DL n.º 67/2003);
- Análise dos direitos de A., enquanto consumidor (4.º do DL n.º 67/2003).
Concretamente, à reposição sem encargos. A “reposição da conformidade” significaria
reparar o veículo, colocando no mesmo os equipamentos em falta. Já o “sem encargos”
poderia significar a disponibilização de um veículo de substituiçáo. Caso contrário,
poderia A. exigir uma indemnização, segundo o art. 12.º Lei Defesa do Consumidor;
⇰ Tópicos:
- Qualificaçao do contrato como uma compra e venda a prestações;
- Análise da admissibilidade da convenção relativa ao resolução do contrato, atento o
disposto no art. 934.º in fine (“sem embargo de convenção em contrário”).
- Análise do direito de resolução do contrato, atento o disposto no art. 934.º, primeira
parte, e o artigo 886.º do Código Civil. Seja, por uma via, seja por outra, a resolução do
contrato só se coloca perante um incumprimento definitivo, não sendo de admitir em
simples mora do comprador.
- A exclusão da resolução pelo comprador prevista no art. 934.º pressupõe, entre outros
requisitos, a reserva de propriedade e um incumprimento inferior a 1/8 do valor do preço.
No caso a propriedade transmitiu-se e o incumprimento foi superior a 1/8 do valor do
preço. Logo, há que aplicar o art. 886.º segundo o qual, havendo transferência de
propriedade e entrega da coisa, a resolução, com fundamento na falta de pagamento do
preço apenas é admitida por convenção das partes. Por a mesma ter sido permitida, pode
ter lugar por incumprimento definitivo.
⇰ Tópicos:
- Qualificaçao do contrato como empreitada de bens de consumo. Fundamentação do
preenchimento, objetivo e subjetivo, do DL 67/2003, de 8 de abril;
- Análise do dever de C., enquanto empreiteiro, de comunicar como deve ser feita a obra.
Um dever integrado no dever de cumprir pontualmente a obrigação e de executar uma obra
isenta de vícios e que corresponda ao interesse do dono da obra (1208.º e 762.º). Caso
contrário, será C. responsável por cumprimento defeituoso, eventualmente em concurso
com o projetista.
- Análise do eventual direito de C., de exigir uma prestação desconforme (reparar a
centraliza ao invés de a substituir) Apesar de o ponto de partida ser o que o empreiteiro já
não pode recusar-se a cumprir o projeto, há que ter em consideração que, por um lado, as
declarações de B. apenas operam ao nível da responsabilidade contratual entre C. e B. Neste
caso, há que ponderar a possibilidade de C. impor alterações à obra que, a não serem aceites
por B., apenas poderiam fundamentar a desistência da obra (1229.º). Não o cumprimento.
⇰ Tópicos:
- Análise critica e fundamentada, do ponto de vista legal e da doutrina, sobre a eventual
admissibilidade do direito de retenção de A. por um crédito sobre B. relativamente a uma
coisa alheia ao dono da obra, por pertencer a A.
EXAME DE DIREITO DOS CONTRATOS I
22 de janeiro de 2021
I
[…]
II
[…]
⟼ Tópicos
- Qualificação do contrato celebrado como uma empreitada (1207.º)
- Análise do dever de F., enquanto empreiteiro, de comunicar os erros que tenha conhecimento
que possam prejudicar a aptidão da obra. Ainda que esses erros sejam provenientes de terceiro,
e, naturalmente, sem prejuízo da eventual responsabilidade do terceiro. Um dever integrado no
dever de cumprir pontualmente a obrigação e de executar uma obra isenta de vícios e que
corresponda ao interesse do dono da obra (1208.º e 762.º). Caso contrário, será F. responsável
por cumprimento defeituoso, eventualmente em concurso com o projetista.
- Análise do eventual direito de E., informado dos erros, de receber/exigir uma prestação
desconforme. Apesar de o ponto de partida ser o que o empreiteiro já não pode recusar-se a
cumprir o projeto, há que ter em consideração que, por um lado, as declarações de E. apenas
operam ao nível da responsabilidade contratual entre F. e E., e, por outro, que a execução da obra
em causa, a concretizar-se, poderia ruir. Neste caso, há que ponderar a possibilidade de F. impor
alterações à obra que, a não serem aceites por E., apenas poderiam fundamentar a desistência da
obra (1229.º). Não o cumprimento.
d) […]
Quid iuris?
⟼ Tópicos
- Análise, atento o disposto nos arts. 1208.º e 762.º, segundo uma boa-fé subjetiva ética, se F.
não deveria ter conhecido dos erros dos projetistas e, assim sucedendo, da eventual
responsabilidade por cumprimento defeituoso.
- Contudo, E., sabendo dos erros dos projetivas, deveria ter informado F. dos mesmos. Menção
à posição de VAZ SERRA e PEDRO ROMANO MARTINEZ no sentido de que haveria venire contra factum
proprium. Posição diversa de MENEZES LEITÃO atento o disposto no artigo 1209.º/2. Menção há
possibilidade de haver abuso de direito de E, mesmo perante o disposto no artigo 1209.º/2. Com
efeito, por força da boa-fé, tinha o encargo de prestar-lhe a colaboração necessária à boa execução
do projeto (762.º). Não o tendo feito, e, em resultado da sua omissão, ruido a obra sido realizada
segundo o projeto, continua obrigado a pagar o preço acordado. Quanto à responsabilização de F.,
apesar a presunção da culpa de F. pela derrocada, importa analisar se a omissão, culposa, de
colaboração de E. pode conduzir à atenuação, ou mesmo exclusão, da responsabilidade de F.
Direito dos Contratos I (TN) | Exame Escrito (1.ª Época)
17 de Janeiro de 2019 | Duração: 90 minutos
Grupo I
[9 valores]
No dia 31 de dezembro de 2018, Abel recebeu em sua casa a sua amiga Beatriz, que ficou muito
bem impressionada com os azulejos italianos que decoravam a sua sala de estar. Beatriz propôs
comprá-los pelo preço de € 25.000,00, a pagar em 25 prestações mensais de € 1.000,00 cada. Abel
aceitou, tendo combinado a entrega dos azulejos na casa de Beatriz uma semana depois.
1) Classificação completa e fundada do contrato como compra e venda (art. 874.º); Referência
ao princípio da consensualidade ao momento da transmissão da propriedade: estamos perante
partes integrantes (202.º e 204.º/3), pelo que a transmissão da propriedade fica diferida para
o momento da separação (408.º, n.º 2).
A destruição dos azulejos e da parede onde se encontravam provoca a impossibilidade do
cumprimento da obrigação de entrega, por causa não imputável ao devedor (A); o efeito real
não se logrou a produzir com a mera celebração do contrato (408.º/2), nem ocorreu a
necessária entrega dos bens.
Não há lugar à aplicação das regras do risco (796.º), porquanto não houve nem transferência
de domínio nem a constituição ou transferência de direitos reais sobre os azulejos.
Resta a aplicação das regras relativas à impossibilidade de cumprimento (795.º/1). B fica
desobrigado da contraprestação (de pagamento do preço) e tem o direito de exigir a sua
restituição, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa, se já a tiver totalmente
ou parcialmente realizado.
2) B não paga duas das prestações do preço, podendo A exigir antecipadamente as restantes
prestações (934.º, segunda parte); ao não pagar duas prestações, torna-se irrelevante apurar
se a falta de pagamento excede uma oitava parte do preço.
Articulação dos artigos 886.º e 934.º, primeira parte; discussão e tomada de posição
fundamentada acerca da questão de saber se perante uma venda a prestações sem reserva de
propriedade se deverá aplicar a primeira parte do artigo 934.º: aplicando-se o preceito, a
possibilidade de resolução do contrato ficaria dependente de o incumprimento de B exceder
1/8 do preço; porém, B incumpriu duas prestações, devendo discutir-se se a possibilidade de
resolução do contrato fica dependente da gravidade do incumprimento, tal como previsto no
artigo 802.º/2.
3) A venda celebrada entre A e B qualifica-se como uma venda de bens alheios, por falta de
legitimidade de A, tratando-se de uma venda como própria de uma coisa alheia específica e
presente, fora do âmbito das relações comerciais (892.º e ss.). A venda é, como tal, nula
(nulidade atípica). A compra e venda entre A e B é ineficaz perante Carlos (C), que poderá
reivindicar a coisa perante quem a tenha em seu poder (1311.º).
B, estando de boa fé, poderá invocar a nulidade da compra e venda perante A, que se encontra
de má fé (presumivelmente), mas não o inverso (892.º). Quanto aos efeitos, sendo nula a
venda realizada (pressupondo-se a não convalidação do contrato), B ficará obrigado a restituir
a coisa (289.º) a C, que a reivindica, e tem direito à restituição integral do preço que
eventualmente tenha pago, por se encontrar de boa fé (894.º/1, in fine).
B tem ainda direito a ser indemnizado por A, nos termos do artigo 897.º, caso este tenha
procedido com dolo (253.º) ou, alternativamente, nos termos do art.º 899.º; esta indemnização
poderá ser cumulada com a indemnização pela não convalidação do contrato (897.º/1, in fine),
se compatível, nos termos do artigo 900.º.
B terá direito à restituição das benfeitorias realizadas nos azulejos, nos termos dos artigos
901.º e 1273.º, podendo reter a coisa (754.º) até ao seu pagamento por C, quer B, devedores
solidários.
Grupo II
2/3
[9 valores]
3/3
Direito dos Contratos I (TAN) | 1.ª Época - Coincidências
25 de Janeiro de 2019 | Duração: 90 minutos
Grupo I
[12 valores]
Em 15 de novembro de 2018, Antónia soube que um conhecido stand de automóveis estava a
vender os carros que tinha em exposição com um grande desconto. Nesse mesmo dia, dirigiu-se
ao stand e comprou um dos carros em exposição, por € 25.000. Uma vez que se tratava do único
exemplar do modelo pretendido por Antónia em exposição, esta teve de se contentar com o facto
de ser azul. O contrato com o stand foi assinado com uma cláusula de reserva de propriedade a
favor do Banco B, que financiou a aquisição do veículo, tendo ficado combinada a sua entrega
para um mês depois.
Grupo II
[6 valores]
Em 10 de janeiro de 2019, Carlos comprou a Daniela um apartamento em Lisboa por € 250.000.
Uma semana depois da compra, Carlos apercebe-se de que o imóvel se encontra arrendado a
Eduardo
2/3
Aplicação articulada dos artigos 908.º ou 909.º (consoante Daniela tivesse ou não
conhecimento da existência do arrendamento) e 910.º CC. Partindo do princípio de que
havia dolo de Daniela, aplica-se o art.º 910, n.º 2, que permite a indemnização pelo
interesse contratual positivo, como pretendido por Carlos. Tomada de posição
fundamentada sobre se a aplicação do art.º 910.º, n.º 2 implica que haja violação culposa
do dever de convalescença (como decorreria do n.º 1).
3/3
15 de fevereiro de 2019 | Duração: 90 minutos
Regência: Professor Doutor Pedro de Albuquerque
Critérios de Correção
Grupo I
[9 valores]
António vendeu a Berta o quadro “O Milagre de Ourique”, de Domingos Sequeira, no dia 02 de
janeiro de 2019, pelo preço de € 400.000,00, tendo sido o preço imediatamente pago por Berta.
António exigiu, porém, a consagração de uma cláusula de reserva de propriedade no contrato de
compra e venda celebrado.
Berta, considerando ter liquidado o valor do quadro, e ser sua legítima proprietária e possuidora,
decidiu vendê-lo a Carlos, no dia 10 de janeiro de 2019, pelo preço de € 550.000,00, que nada
sabia dos termos do negócio anteriormente celebrado entre António e Berta.
Sabendo de tal alienação, António pretende que o quadro lhe seja devolvido, solicitando parecer
junto do seu advogado, sobre a melhor forma de fazer valer os seus direitos.
Entretanto, em 02 de fevereiro de 2019 deflagrou um incêndio na casa de Carlos, onde se
encontrava o quadro, destruindo por completo o seu recheio.
António vem agora exigir a Carlos o valor do quadro.
Referência ao princípio da consensualidade resultante do artigo 408.º/1 do CC. Regra geral, a constituição
e transferência de direitos reais, na ordem jurídica portuguesa, dá-se por mero efeito do contrato (sistema
do título).
Discussão sobre a natureza da cláusula de reserva de propriedade enquanto mero desvio ou verdadeira
exceção ao princípio da consensualidade, à luz do artigo 409.º/1 do CC.
É possível a celebração de cláusula de reserva de propriedade relativa a coisas móveis não sujeitas a registo,
como era o caso do quadro, com o pagamento integral do preço pelo comprador, apesar de não ser comum
no tráfego.
Esta cláusula de reserva de propriedade estava sujeita a liberdade de forma (artigo 219.º do CC).
Problema de não se ter sido definido, como impõe o artigo 409.º/1, o momento da transmissão da
propriedade para o comprador. Inadmissibilidade da existência de cláusulas de reserva de propriedade
perpétuas, em face do princípio da tipicidade dos Direito Reais.
Berta, tendo apenas uma expetativa real de aquisição, não poderia alienar o quadro a Carlos, razão pela qual
não tinha legitimidade para a celebração de tal negócio jurídico, pelo que estamos perante um contrato de
compra e venda de bens alheios, nos termos do disposto no artigo 892.º do CC, não se aplicando, atendendo
aos dados da hipótese, o regime do artigo 893.º do CC.
Discussão da oponibilidade da cláusula de reserva de propriedade em relação a coisas móveis não sujeitas
a registo. Referência ao entendimento do Professor Romano Martinez de que nas coisas não sujeitas a
registo, a cláusula de reserva de propriedade tem eficácia meramente obrigacional. Invocação das críticas
elencadas pelo Professor Pedro de Albuquerque ao entendimento do Professor Romano Martinez. Tomada
de posição fundamentada.
Discutir fundamentadamente a transferência do risco nos contratos de compra e venda com reserva de
propriedade, fazendo referência ao regime do artigo 796.º do CC, e argumentando se o risco do perecimento
do quadro se mantém na esfera jurídica de António, na qualidade de alienante ou se se transfere para a
esfera jurídica de Berta, na qualidade de adquirente, ou de Carlos, enquanto sub-adquirente atendendo aos
argumentos apresentados pela doutrina.
Carlos, estando de boa fé, teria direito à restituição integral do preço, nos termos do disposto no artigo 894.º
do CC e à convalidação do negócio, ao abrigo do artigo 897.º, caso o quadro não tivesse sido destruído.
Carlos teria também direito a ser indemnizado, nos termos do disposto no artigo 896.º, pela circunstância
de Berta ter agido dolosamente.
O quadro, em virtude do incêndio, destruiu-se, deixando de existir direito real de propriedade, por
inexistência de objeto.
António não poderia exigir o valor do quadro a Carlos, podendo apenas hipoteticamente intentar uma ação
real de reivindicação da propriedade, nos termos do disposto no artigo 1311.º do Código Civil, caso o
quadro não tivesse sido destruído.
Grupo II
Aplicação do regime da compra e venda de coisa defeituosa, enquanto perturbação típica da compra e
venda, nos termos do disposto nos artigos 913.º e ss. do CC.
Inaplicabilidade do regime do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de abril, atendendo à natureza dos dois
contraentes.
O imóvel padecia de um defeito estrutural oculto, que era do conhecimento de Abel, o qual agiu
dolosamente, não procedendo a sua argumentação.
Bento teria direito à reparação do imóvel, nos termos do disposto no artigo 914.º do CC, tendo denunciado
tempestivamente o defeito, nos termos do disposto no artigo 916.º/3 do CC.
Teria Bento ainda direito a uma indemnização ao abrigo do artigo 908.º do CC, aplicado ex vi artigo 913.º
do CC.
Qualificação do contrato celebrado entre Bento e Carlota como empreitada, nos termos do disposto nos
artigos 1207.º e ss. do CC.
Atendendo à circunstância de ser a empresa de Berta a responsável pela empreitada, enquanto sociedade
comercial, discussão sobre a aplicabilidade da empreitada de bens de consumo – Decreto-Lei nº 67/2003,
de 08 de abril (cfr. Diretiva 1999/44/CE relativa aos contratos de compra e venda de consumo, que também
pode ser aplicada a certos contratos de empreitada (artigo 1º/4 da Diretiva), por se tratar de empreitada de
reparação do telhado (e não de uma obra nova).
Referência às três posições doutrinárias a este respeito (não aplicação; aplicação apenas quanto aos bens
incorporados pelo empreiteiro no objeto reparado; aplicação).
Carlota, na qualidade de empreiteira, poderia subempreitar livremente a obra, de acordo com uma leitura
adaptada do artigo 264.º do CC ex vi n.º 2 do artigo 1213.º do CC, em virtude na natureza fungível da
prestação. Assim, Bento não podia recusar a execução da obra pela empresa de Dário.
Apesar de a empresa de Berta ter recorrido à empresa de Dário, tal circunstância não a exonera da
responsabilidade de execução da empreitada assumida perante Bento, permanecendo inteiramente
responsável perante este último, por todos os defeitos da prestação, ainda que decorram de culpa do
subempreiteiro, como permite o disposto no artigo 800.º/1, do CC.
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Grupo I
1. António e Bento convencionaram que aquele poderia resolver o contrato caso Bento
faltasse ao pagamento de uma das prestações devidas a título de preço. Bento não pagou
a vigésima nona prestação. Quid juris?
3. Cinco messes depois, Bento vendeu o seu automóvel a Carlos pelo preço de € 15.000,00,
tendo ambos acordado que aquele poderia resolver o contrato no prazo de três anos,
pagando € 17.000,00. O automóvel apresenta agora diversos problemas mecânicos, pelo
que Carlos pretende resolver o contrato. Quid juris?
Grupo II
Em janeiro de 2019, Daniel contratou o conhecido informático Edgar para criar um algoritmo
informático de publicidade para utilizar no seu website, pelo preço de € 5.000,00.
Convencionaram ainda que o prazo de execução dos trabalhos era de 3 meses.
Daniel havia fornecido um conjunto de CD’s rom para a instalação do software final. Todavia, o
material é furtado das instalações de Edgar. Este nega qualquer responsabilidade perante o
sucedido, garantindo que os CD’s se encontravam em local seguro.
No fim de março, Daniel recusa-se a pagar o preço a Edgar. Afinal, o algoritmo criado não
funciona e, para mais, Edgar não adicionou uma funcionalidade ao programa pedida por Daniel
em meados de fevereiro, via e-mail, tendo Edgar, na altura, respondido “O Senhor Daniel não
me dá ordens. Essa funcionalidade, como bem sabe, não consta do algoritmo acordado.”.
Em abril, Fernando contacta Daniel reclamando o pagamento dos serviços de programação que
lhe foram encomendados por Edgar. Fernando afirma que nunca foi pago pelos seus serviços,
acrescentando que Edgar não programou uma única linha de código.
Quid iuris?
Cotação: 9 (nove) valores
Qualificação do contrato celebrado entre Daniel (D) e Edgar (E) como um contrato de
empreitada (1207.º CC): elementos essenciais. O contrato não se encontra sujeita a forma
especial (219.º CC);
Discussão e tomada de posição fundamentada sobre o conceito de obra (1207.º CC): se abrange
tanto bens corpóreos (em sentido material), como bens incorpóreos (obras de cariz intelectual).
No caso, tratava-se da criação de uma obra intelectual (algoritmo informático);
Enquadramento da faculdade de fiscalização da obra, nos termos do artigo 1209.º CC: limitação
do exercício do direito de denúncia dos defeitos perante vícios conhecidos pelo dono de obra, e
ignorados pelo empreiteiro, aquando da execução da obra, consubstanciando abuso de direito
(334.º CC);
Discussão acerca da aplicabilidade das normas de risco aos materiais fornecidos pelo dono de
obra (1212.º/1 CC), e respetiva inclusão do conceito de obra antes da sua incorporação, nos
termos do artigo 1228.º CC. Enquadramento da responsabilidade de E à luz do contrato de
depósito, quando os materiais são fornecidos pelo dono de obra, em prejuízo das regras referidas
relativas ao risco;
Direitos do dono de obra perante a obra defeituosa, posteriormente à verificação, no momento
da entrega (1218.º e ss CC). Enquadramento do dever do empreiteiro executar a obra, nos termos
do artigo 1208.º CC, de acordo com o convencionado. Inexistência de poder de direção do dono
de obra modificando o conteúdo acordado da prestação do empreiteiro e articulação com o
regime de alterações (designadamente, da iniciativa do dono de obra – 1216.º CC);
A contratação de Fernando (F) consubstancia a celebração de um contrato de subempreitada
(1213.º CC), sem o consentimento de D, o que é permitido ( 1213/2 e 264.º/1, parte final CC).
Valorização do enquadramento da divergência quanto à presente possibilidade e suas
consequências (responsabilidade contratual – posição da Regência). Enquadramento da
admissibilidade do subempreiteiro exigir o preço diretamente ao dono de obra, como uma
exceção ao princípio da relatividade dos contratos.
Duração: 90 minutos
I
• Ponderação do regime de venda de bens onerados (arts. 905.º e seguintes) referindo os direitos
da compradora nesse caso;
• Considerando que a vendedora reservou para si a propriedade, importa analisar o regime e
os seus efeitos perante terceiros.
II
António vendeu um terreno à imobiliária Belas Vistas, Lda. por 5 milhões de euros. O
terreno, registado com 10.000 m2, situa-se junto à Praia Seguro e destinava-se à construção
de um hotel. António compra e venda foi ajustada com reserva de propriedade a favor do
Banco Credito Bom, que financiou o pagamento do preço.
A Imobiliária Belas Vistas, Lda. celebrou, seguidamente, um contrato de empreitada
com o empreiteiro Damião, que iniciou de imediato a construção do hotel, pois confiou,
como lhe garantira a Imobiliária Belas Vistas, Lda., que já fora aprovada a licença de
construção pela Câmara Municipal. O empreiteiro Damião contratou o empreiteiro Ernesto
para realizar os trabalhos de fundações.
a) Pese embora no registo constar que a área do terreno era de 10.000 m2,
efectivamente só tinha 9.750 m2. Quid iuris? (2,5 valores)
Qualificação do contrato. Referência à forma. Aplicabilidade do art. 888.º, com a consequência de exclusão
do direito à redução do preço.
b) Seis meses após o início das obras, a Câmara Municipal embargou a construção do
hotel e o empreiteiro Damião reclamou junto do dono da obra o pagamento de
todas as despesas realizadas assim como do lucro esperado com a realização da
obra. Quid iuris? (3 valores)
Qualificação do contrato como contrato de empreitada de construção de coisa imóvel. Ponderação da aplicação
do art. 1227.º ou, em alternativa, do art. 1229.º, por a impossibilidade se dever a um substrato a fornecer
pelo credor/dono da obra. Enunciação das diferenças entre as duas previsões e as duas estatuições. Não
existia impossibilidade originária, pois o embargo (determinante da impossibilidade) foi posterior à celebração
do contrato.
c) O empreiteiro Ernesto vem igualmente reclamar ao dono da obra (Imobiliária
Belas Vistas, Lda.) o pagamento das despesas de realização das fundações do
prédio. Quid iuris? (3 valores)
Problema da admissibilidade da subempreitada não expressamente autorizada (art. 1213.º e art. 264.º, n.º
1). Problema da admissibilidade da acção directa do subempreiteiro contra o dono da obra (argumentos da
relatividade dos contratos e do par condito creditorum).
d) O empreiteiro Damião, como ainda não foi pago, fechou a obra a cadeado e não
retira as máquinas do terreno, mas o Banco C., invocando que é proprietário, exige
a imediata entrega do terreno. Quid iuris? (3 valores)
Referência ao problema da atribuição de um direito de retenção ao empreiteiro (cf. art. 754.º e 755.º).
Referência ao problema da admissibilidade da constituição de um direito de retenção a favor do empreiteiro
quando o dono da obra não é proprietário.
I.
A vendeu a B um carro de luxo usado por €50.000,00 (cinquenta mil euros).
Ficou convencionado que o preço seria pago em 48 prestações mensais de €1.041,67, e
que A reservaria a propriedade para si até ao pagamento integral do preço, o que passou
a constar do registo. Seis meses após a compra, B deixou de cumprir o acordado e
vendeu o automóvel a C por €60.000,00 (sessenta mil euros), que pagou o preço a
pronto.
Imagine as seguintes situações, independentes entre si, e responda apenas às
perguntas colocadas:
1) Imagine que C destruiu o carro num acidente provocado inteiramente por
culpa de outrem. Tendo tido conhecimento do facto, A exige a B o
pagamento da totalidade das prestações ainda em dívida (42 prestações).
Simultaneamente, A exige a C a entrega do que resta do automóvel. Terá A
êxito nestas pretensões? (4 valores)
Pretensões de A perante B:
A e B celebraram um contrato de compra e venda, em prestações, com reserva
de propriedade.
B, ao incumprir uma prestação, encontra-se em mora do devedor [artigo 805.º/2,
a)], ficando, por essa via, vinculado ao pagamento de juros de mora (artigo 806.º).
Equacionar a possibilidade de aplicação do regime do artigo 934.º, tendo em
atenção os seus pressupostos. Explicar a sua relação de especialidade com o artigo
781.º. Na medida em que B falte exclusivamente ao pagamento de uma prestação,
considerando que esta não excede 1/8 do preço, não pode A pedir o pagamento das
prestações remanescentes. De acordo com o regime geral, A só entrará numa situação
de incumprimento definitivo após interpelação admonitória e decurso do prazo
admonitório (artigo 808.º/1).
Porém, se B persistir no incumprimento, é possível discutir-se se a falta de
pagamento de duas ou mais prestações, mesmo não excedendo 1/8 do preço, podem
legitimar A a pedir o pagamento das prestações restantes. Nesse caso, importa
equacionar se a perda do benefício do prazo equivale a uma situação de vencimento
antecipado ou de exigibilidade antecipada da prestação, explicando as suas
consequências, nomeadamente ao nível dos juros de mora que são devidos.
A perante C:
A é o proprietário do automóvel, pelo que, em princípio, poderia reivindicá-lo
(artigo 1311.º). Porém, a propriedade de A encontra-se onerada pelo direito real de
aquisição de B.
Para que A possa pedir a C a entrega do que resta do automóvel seria preciso
que (i) A pudesse resolver o contrato de compra e venda celebrado com B e (ii) a
cláusula de reserva de propriedade fosse oponível a C.
Quanto ao primeiro ponto, ponderar a possibilidade de aplicação do artigo 934.º,
explicando a sua relação de especialidade com o artigo 886.º. Tal como na hipótese
anterior, na medida em que a prestação em falta não excede 1/8 não é possível a
resolução do contrato (sem prejuízo de se poder ponderar o cenário de persistência do
incumprimento).
Sendo admissível a resolução do contrato de compra e venda celebrado com A,
e estando a cláusula de reserva de propriedade registada, pode a cláusula ser oposta a
C (artigo 409.º/2), podendo A reclamar a entrega do que resta do automóvel.
Pretensões de C perante B:
Foi celebrado um contrato de compra e venda de coisa defeituosa. Na medida
em que não existe dolo de B, C deve denunciar o defeito seis meses após a entrega da
coisa (artigo 916.º/2). A ação de anulação caduca findo este prazo (artigo 917.º).
Questionar se a caducidade prevista no artigo 917.º apenas se aplica à ação de
anulação ou também à ação de reparação/ substituição, diminuição do preço ou
indemnização. Tomada de posição. Em qualquer caso, os direitos de C perante B
caducaram, uma vez que o defeito apenas foi detetado um ano após a celebração do
contrato de compra e venda.
Equacionar a possibilidade de existir responsabilidade civil obrigacional de B
perante C (artigos 798.º ss.), embora fosse duvidosa a existência de culpa do vendedor.
II.
António queria mudar-se para o Alentejo para uma casa com piscina e com
espaço para receber toda a sua família numerosa. Não tendo conseguido adquirir
nenhuma casa com essas características nem encontrado um terreno que satisfizesse os
seus interesses, António contacta Beatriz para, no terreno desta, construir uma moradia
com dois andares e piscina. Convencionaram que o prazo para a construção seria de um
ano, pelo valor de € 2 milhões.
Decorridos seis meses sobre o início dos trabalhos, Beatriz apercebe-se que não
vai conseguir terminar a construção a tempo, pelo que contrata Carlos para a ajudar
com a finalização das obras. Com essa preciosa ajuda, Beatriz consegue entregar a
António a moradia na data convencionada.
António, após analisar minuciosamente a obra, demonstra-se muito satisfeito,
exceto em relação à fechadura da porta, que não funcionava bem. Ainda assim,
agradece a Beatriz e aceita as chaves.
Porém, passados três anos António dirige-se a Beatriz queixando-se que o
soalho estava levantado, que a fechadura da porta encravava com regularidade e que as
janelas, mesmo fechadas, deixavam entrar correntes de ar. As janelas foram instaladas
por Carlos e este utilizou um material rapidamente degradável.
Responda, fundadamente, às seguintes questões:
Grupo I
António vendeu a Bernardo por €100 o seu computador da marca XPTO, com valor de
mercado de €2.500, que lhe havia sido furtado no âmbito de um assalto ocorrido no mês anterior.
Bernardo tinha conhecimento do furto do computador, tendo-lhe sido entregue por António uma
cópia da queixa-crime efetuada junto da polícia relativamente ao assalto, na qual o computador
constava como um dos objetos furtados.
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:
b) Suponha que ficou acordado que o preço seria pago um dia após a celebração do contrato.
Passado duas semanas, Bernardo ainda não havia procedido ao pagamento, apesar de
várias interpelações de António para o efeito. Entretanto, a polícia descobriu os autores
do assalto e recuperou o computador. António pretende agora resolver o contrato por
falta de pagamento do preço.
Pode fazê-lo? (3 valores)
- Discussão dos pressupostos de aplicação do art.º 886.º CC, nomeadamente quanto à entrega da
coisa. Tomada de posição fundamentada sobre se obrigação de entrega consiste sempre num
efeito essencial da compra e venda, mesmo nos casos em que o comprador aceita a incerteza
quanto à existência do bem (ou em casos como o da venda de direitos de crédito, em que, por
natureza, não há entrega material ou em que o comprador já tem a coisa em seu poder), enquanto
obrigação de conteúdo variável que pode ser normativamente cumprida sem que haja entrega
material, desde que comprador seja colocado na posição de poder exercer plenamente os seus
direitos sobre o bem.
c) Imagine agora que Carlos, proprietário da Computadores Novos & Usados, Lda.,
adquiriu o computador a um feirante e o colocou à venda na sua loja. O computador foi
vendido a Daniela por €1500. Sucede que Daniela e Bernardo eram amigos de longa
data. Quando Daniela mostrou a Bernardo o seu “novo computador”, este reconheceu o
que comprara a António e exigiu a sua entrega. Daniela afirmou que só lho entregaria se
a loja o substituísse por um computador igual. Porém, Carlos recusa-se a entregar outro
computador a Daniela, disponibilizando-se apenas a devolver o preço.
Quid juris? (5 valores)
- Qualificação da venda entre a CN&U e Daniela como venda bem alheio (892.º + 904.º CC).
Bernardo, como legítimo proprietário, pode reivindicar a coisa de Daniela, bem como arguir a
nulidade do contrato enquanto interessado. Referência eventual ao art.º 1301.º CC.
- Referência à obrigação de convalidação da CN&U, uma vez que Daniela estava de boa fé
(897.º/1 CC).
- Tomada de posição fundamentada sobre se, à luz da boa fé subjetiva ética, a CN&U pode arguir
a nulidade do negócio (892.º, 2ª parte CC) e se tem a obrigação de indemnizar Daniela nos termos
do art.º 898.º CC (dolo eventual) ou se é apenas responsável objetivamente nos termos do art.º
899.º CC, pelos danos emergentes que não resultem de despesas voluptuárias. Em caso de
incumprimento da obrigação de convalidação, acrescerá a indemnização prevista no n.º 1 do art.º
900.º CC, sem prejuízo do n.º 2.
- Qualificação do negócio celebrado entre Daniela e a loja como uma venda de bem de consumo,
celebrada entre profissional e consumidor (art.ºs 1.º-A, n.º 1, e 1.º-B, a) e c) do DL n.º 67/2003).
- Tomada de posição fundamentada sobre se Daniela tem os direitos previstos no DL n.º 67/2003,
na medida em que se possa ou não qualificar a alienidade do computador como uma falta de
conformidade, nos termos do art.º 2 do DL n.º 67/2003, à semelhança da discussão existente a
propósito da venda de bens onerados.
- Em caso afirmativo, Daniela poderá exigir os direitos previstos no artigo 4.º do DL n.º 67/2003,
nomeadamente o direito à substituição, desde seja possível substituir o bem vendido por um de
qualidades e características idênticas.
Grupo II
A sociedade Arquitetos & Arquitetos, Lda., contratou Bento para montar uma casa de
banho numa divisão utilizada até então como despensa pelo preço de € 6.500, com o material
incluído. Durante a execução dos trabalhos, Carlota, arquiteta e sócia-gerente da Arquitetos &
Arquitetos, Lda., reparou que a forma como a canalização estava a ser montada implicaria elevar
o chão em cerca de 5 cm a mais do que tinha sido previsto. Ao informar disso Bento, este
respondeu-lhe que era verdade, mas que agora já não havia nada a fazer, senão teriam de remover
os tubos todos e começar de novo. Carlota disse então para prosseguirem os trabalhos como
estavam a fazer.
Considere cada uma das seguintes hipóteses, isoladamente:
1) No dia em que a obra ficou pronta, a Arquitetos & Arquitetos, Lda., recusou-se a pagar
a totalidade do preço por causa da elevação do chão.
Podia fazê-lo? (4 valores)
- Qualificação do negócio como contrato de empreitada, nos termos do art.º 1207.º CC, por preço
global.
- Referência ao dever de o empreiteiro de executar a obra de acordo com o projeto acordado
(1208.º CC). A elevação do chão não consiste numa alteração da obra necessária por falta de
verificação dos requisitos do art.º 1215.º, n.º 1 CC, dado que resulta da forma escolhida pelo
empreiteiro para instalar a canalização no âmbito da sua autonomia técnica.
- Referência ao exercício do direito de fiscalização pelo dono da obra (A&A) através de Carlota
(1209.º, n.º 1 CC). O dono da obra não tem o dever ou o ónus de exercer este direito, mas não
poderá exercer os seus direitos pelos defeitos existentes ou pela má execução da obra, se tiver
havido da sua parte concordância expressa com a obra executada (1209.º, n.º 2 CC). Tomada de
posição fundamentada sobre se, no caso, Carlota expressou a concordância expressa da A&A.
Caso o aluno entenda que Carlota – independentemente dos motivos pelos quais expressou a sua
concordância com o prosseguimento dos trabalhos com elevação do chão (evitar que a conclusão
da obra demorasse mais tempo) – não manifestou concordância expressa, nem autorizou a
alteração ao plano convencionado (1214.º CC), então deverá indicar que a A&A pode exercer os
direitos previstos nos artigos 1221.º ss. e apenas poderá exigir a redução do preço nos termos do
art.º 1222.º CC (discutir eventual abuso do direito). Caso entenda que houve concordância
expressa ou autorização à alteração da obra, não é a obra havida como defeituosa, nos termos do
art.º 1214.º CC. Em consequência, na última hipótese, não poderá a A&A exigir a redução do
preço ou exercer quaisquer outros direitos pela elevação do chão aquando da verificação da obra
(1218.º CC).
2) Suponha que Bento havia contratado Edmundo para tratar da instalação da canalização
e que, durante a execução dos trabalhos, Carlota instruíra Edmundo para fazer a
instalação de forma diversa de modo a evitar a elevação do chão. Edmundo respondeu
que nada alteraria até que Bento lhe desse instruções nesse sentido. Carlota, que não
estava a conseguir contactar Bento, disse então a Edmundo que este lhe tinha de
obedecer.
Terá razão? (4 valores).
- Qualificação do contrato entre Bento e Edmundo como subempreitada (1213.º, n.º 1 CC). Bento
não carecia de autorização para subcontratar Edmundo, pois a realização da obra consiste numa
prestação de natureza fungível, nos termos do art.º 264.º, n.º 1, ex vi 1213.º, n.º 2 mutatis mutandis.
- O direito de fiscalização do dono da obra não lhe permite, em princípio, dar ordens ao
empreiteiro, o qual mantém a sua autonomia técnica. Porém, estando em causa a má execução da
obra (por ser infiel ao projeto acordado ou por apresentar defeitos), o empreiteiro deverá acatar
as instruções do dono da obra, enquanto manifestação do seu dever de executar a obra em
conformidade com o disposto no art.º 1208.º CC.
- Discussão e tomada de posição fundamentada sobre se o dono da obra pode dar ordens ou
instruções diretamente ao subempreiteiro. Uma vez que não existe uma relação contratual entre
si (princípio da relatividade dos contratos), à partida não seria de admitir tal faculdade. Porém,
existem argumentos a favor dessa possibilidade: a prestação do subempreiteiro prossegue, em
última instância, a satisfação dos interesses do dono da obra através da realização da obra, sendo
admissível considerar-se que existe uma relação paracontratual entre ambos; pelo menos em
certas circunstâncias, nomeadamente em casos de urgência ou de impossibilidade de contactar o
empreiteiro, poderá admitir-se que o dono da obra dê instruções diretamente ao subempreiteiro e
este tenha o dever de as acatar.
Duração: 90 minutos
Grupo I
Anabela vende a Baltazar uma moradia na Zambujeira do Mar, cuja área é de 120 m2, que este
pretende utilizar para fins habitacionais durante o verão. O preço acordado foi de € 400.000 e as
chaves foram entregues duas semanas após a escritura pública.
- Qualificação como compra e venda de bens onerados (art. 905.º CC). O “ónus” enquanto um
vício do direito transmitido e não do objeto do negócio, i.e., a coisa vendida (diferentemente do
que sucede na venda de bens defeituosos).
- Não existe possibilidade de confirmação do negócio pelo comprador (art. 288.º CC), mas sim a
possibilidade (rectius, obrigação) de convalescença pelo vendedor (art. 906.º e 907.º CC), através
da expurgação do ónus.
- Pretensão indemnizatória: aplicação articulada dos artigos 908.º ou 909.º (consoante o vendedor
tivesse ou não conhecimento da existência do direito de usufruto) e 910.º CC. Em caso de dolo, o
vendedor tem direito a uma indemnização pelo interesse contratual positivo (art. 910.º, n.º 2 CC).
2) Decorridos dez meses desde a celebração do contrato, Baltazar descobre que a área da
moradia é de apenas 108 m2. Quid juris? (2 valores)
- A área real da moradia difere da área declarada no contrato em 1/10 (um décimo), logo Baltazar
tem direito à correção do preço (art. 888.º, n.º 2 CC): discussão sobre se correção proporcional do
preço visaria a totalidade da diferença ou apenas a parte da diferença que excedia 1/20.
- O direito à correção do preço ainda não havia caducado, pois Baltazar tomou conhecimento da
discrepância antes de decorrer 1 ano após a entrega do imóvel (art. 890.º, n.º 1 CC).
- Discussão sobre o direito de resolver o contrato previsto no artigo 891.º, n.º 1 CC.
3) Imagine que a compra e venda da moradia havia sido ajustada com reserva de propriedade
a favor do Data Bank, S.A.., que financiou o pagamento do preço. Entretanto, e antes do
pagamento integral das prestações do contrato de mútuo, Baltazar perde o interesse na
moradia e vende-a a Eurico, seu amigo de infância. Quid juris? (4 valores)
- Discussão sobre validade da cláusula de reserva de propriedade a favor de terceiro (no caso,
mutuante), mencionando os argumentos a favor e contra (valorizando-se as referências
jurisprudenciais e doutrinárias relevantes). Referência, em particular, à proibição de pacto
comissório e ao princípio da tipicidade dos direitos reais.
Grupo II
- Qualificação do contrato como empreitada de consumo (art. 1207.º CC e art. 1.º-A, n.º 2 do DL
n.º 67/2003), celebrado entre um profissional e um consumidor (art. 1.º-B do DL n.º 67/2003).
- Debate doutrinário quanto à interpretação do art. 1209.º, n.º 2 CC: a prévia fiscalização pelo
dono da obra preclude os seus direitos em sede de empreitada defeituosa? Confronto com a figura
do abuso de direito (art. 334.º CC). Tomada de posição.
2) Uma vez que não era especialista em instalações elétricas, Guilherme contrata Hugo
para o auxiliar na remodelação do apartamento. Finalizada a instalação elétrica, Hugo
não recebe a quantia acordada de 2.500€, pelo que vem exigir o seu pagamento a
Francisca, a qual recusa por desconhecer a existência de tal acordo. Em consequência,
Hugo retira o quadro elétrico que havia instalado. Quid juris? (4 valores)
- Qualificação da contratação de Hugo como uma subempreitada (art. 1213.º, n.º 1 CC), a qual
não necessitava de autorização do dono da obra, atendendo à sua natureza fungível (art. 264.º, ex
vi 1213.º, n.º 2 CC).
- Enquadramento da admissibilidade do subempreiteiro exigir o preço diretamente ao dono de
obra, como uma exceção ao princípio da relatividade dos contratos (art. 406.º, n.º 1 CC).
Duração: 90 minutos
14 de fevereiro de 2020
Prof. Doutor Pedro de Albuquerque
1)
Qualificação completa e fundada do contrato como contrato de empreitada (incluindo os seus elementos
caraterizadores essenciais e caraterísticas) e referência à empreitada de construção de coisa imóvel e respetivas
implicações;
Qualificação da empreitada como empreitada de consumo (por estar em causa uma relação de consumo, o
que ocorre sempre que o empreiteiro seja um profissional e o dono da obra um consumidor, visando a obra
para fins não profissionais – arts. 1.º A, n.º 1, e 1.º B a) do DL 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações
entretanto sofridas (de ora em diante, DL 67/2003) e arts. 2.º, n.º 1 da Lei 24/96, de 31 de Julho, com as
alterações entretanto sofridas) e aplicação do regime específico da empreitada de bens de consumo instituído
pelo DL 67/2003. Referência ao disposto no artigo 1.º A, n.º 2, deste diploma legal que declara expressamente
a aplicação do diploma “com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada
ou outra prestação de serviços”, o que permite incluir a empreitada, seja ela de construção, reparação ou modificação.
Explicação fundada de que estando em causa uma empreitada de bens de consumo, o regime dos artigos
1218.º e ss do Código Civil (de ora em diante “CC”) é substituído pela aplicação, com as necessárias adaptações
do regime do DL 67/2003 pelo que não será igualmente de aplicar o disposto no artigo 1225.º CC que
estabelece uma garantia suplementar no caso de empreitadas destinadas a longa duração. Daqui resulta que o
empreiteiro tem o dever de realizar a obra e de a entregar em conformidade com o contrato (artigo 2.º, n.º 1
do DL 67/2003) o que se presumirá não se verificar sempre que ocorra algum dos factos negativos referidos
no artigo 2.º, n.º 2 do DL 67/2003 – o aluno deverá explicar e fundamentar qual deste facto/os
ocorreu/ocorreram e articular esta desconformidade com o disposto no artigo 3.º, n.º 2 do mesmo diploma
legal que presume que a falta de conformidade que se verifique no prazo de 5 anos após a entrega, para os
imóveis, já existia nessa data.
Para além disso é relevante referir que o regime da empreitada de bens de consumo não impõe ao dono da
obra o dever de verificar, apenas irresponsabilizando o empreiteiro se o defeito for aparente, isto é, se o dono
da obra conhecia a falta de conformidade ou não podia razoavelmente ignorá-la ou se esta resultar dos materiais
por este fornecidos (artigo 2.º, n.º 3 do DL 67/2003). Ora, no caso sub judice era precisamente isso que sucedia
com a parte do pedido de substituição de todo o mobiliário de cozinha feito por Amélia (esta alega que o
mobiliário era de cor branca e havia sido convencionado, no contrato, que deveria ser de cor castanha) pois
trata-se de defeito aparente. Já o mesmo não sucede relativamente à pretensão de Amélia relativamente à
reparação do telhado já que se trata de defeito oculto.
Quanto à reparação do telhado, estando assente que se trata de uma falta de conformidade (nos termos do
disposto no artigo 2.º, n.º 2 do DL n.º 67/2003), caberia debater quais são os remédios ao dispor do consumidor
- dono da obra, bem como a existência ou inexistência de hierarquia entre eles (artigo 4.º, n.º 1 do DL n.º
67/2003). Mesmo sufragando a inexistência de hierarquia, de referir que sempre seria ser oponível a cláusula
geral prevista no artigo 4.º, n.º 5 Decreto-Lei n.º 67/2003.
No respeitante aos prazos, de referir ainda que a denúncia se pressupõe ter sido feita dentro do prazo, uma
vez que no enunciado da hipótese do exame se refere que Amélia notificou de imediato a empreiteira depois
de a desconformidade se manifestar (e nos termos do disposto no artigo 5.º-A, número 2 do Decreto-Lei n.º
67/2003), a dona da obra dispõe de um prazo de um ano para denunciar o defeito ao empreiteiro. Cumpriria
igualmente notar que a falta de conformidade se manifestou dentro do prazo (de garantia) de cinco anos
previsto no artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 67/2003, conforme acima referenciado. Posto isto, A. poderia
propor ação em tribunal pedindo o reconhecimento do seu direito (reparação ou resolução do contrato) no
prazo de 3 anos após a denúncia (nos termos do disposto no artigo 5.º-A, n.º 3 do DL n.º 67/2003).
Por último, seria necessário referir também que o prazo de 8 dias para a reparação do telhado que fora
conferido por A. ao empreiteiro não seria, muito provavelmente, um prazo razoável, nem atendível pelo
empreiteiro para efetuar e concluir a reparação em apreço, já que, de acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º
2 do DL 67/2003, o legislador dispõe que “tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas
dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito” (…), “sem grave inconveniente para o consumidor”. Ora,
apesar de este preceito legal não fixar um prazo concreto para o caso da reparação dos imóveis, considerando,
por um lado (i) a natureza da desconformidade em apreço – reparação do telhado, e, por outro lado (ii) o facto
de o prazo para a reparação de um móvel, ser fixado no máximo de 30 dias, pelo que deveria ser aventada pelos
alunos a desrazoabilidade do prazo de 8 dias fixado por Amélia.
2)
- Qualificação completa e fundada do contrato como contrato de compra e venda que tem por objeto um
bem imóvel – um determinado terreno com 10.000 metros quadrados.
- Análise do problema da compra e venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem e medição, isto é venda
de coisas determinadas, ainda que sujeitas a uma posterior operação de contagem, pesagem ou medição (cf.
arts. 887.º e ss do CC).
- No caso concreto coloca-se o problema da existência de uma discrepância entre a referência contratual e
o resultado da operação de medição do terreno. Uma vez que o terreno se trata de uma coisa determinada, a
venda considera-se concluída antes da operação de medição, logo com a celebração do contrato, adquirindo
assim Amélia imediatamente a propriedade do terreno vendido (artigo 408.º, n.º 1), suportando assim
consequentemente o risco pela sua perda ou deterioração (artigo 796.º, n.º 1), pelo que a discrepância apenas
pode ter reflexos para efeitos do apuramento do preço devido.
- Havia que distinguir a venda ad mensuram ou por medida da venda ad corpus ou a corpo. No caso concreto
o preço havia sido fixado para o terreno como um todo, pelo que parece resultar estarmos perante um caso de
venda ad corpus ou a corpo, já que se tratará de um caso em que as partes não terem indicado um preço unitário,
mas antes um preço global, pelo que deveria ser aplicado o regime previsto no art. 888.º do CC que determina
que a correção da discrepância entre a “quantidade das coisas vendidas” e a que é declarada no contrato seja
apenas corrigida se a discrepância for superior a 5% na venda a corpo ou ad corpus. No caso concreto o preço
deveria, pois, sofrer redução proporcional uma vez que tinha, de facto, menos 1000 metros quadrados.
3)
- Qualificação completa e fundada do contrato de como compra e venda como compra e venda fracionada ou
a prestações com reserva de propriedade (artigo 934.º do CC).
- Análise completa e fundada dos requisitos de aplicação do disposto no artigo 934.º do CC, quanto à primeira
parte (resolução) e quanto à segunda parte (exigibilidade antecipada das prestações vincendas) para aferir dos
direitos de A. em relação a C. (dar nota que apesar de a questão não se colocar no caso concreto, para o Senhor
Professor Pedro de Albuquerque, Professor Regente, entende que quanto à primeira parte do artigo 934.º, a
reserva de propriedade não é um verdadeiro e próprio requisito).
- Explicação completa e fundada do sentido, função e natureza da cláusula de reserva de propriedade.
Implicações daqui resultantes para o caso em apreço. Em princípio, não se trata de uma exceção ao princípio
da transmissão da propriedade por efeito do contrato, e, concomitantemente, ao Sistema do Título, mas apenas
de uma dilação dessa transmissão para um momento posterior.
- A. não poderia resolver o contrato, nem exigir as prestações ainda não vencidas, já que funcionava a tutela do
artigo 934.º do CC (1.ª e 2.ª parte deste preceito legal, respetivamente) mas poderia exigir o cumprimento
coercivo das prestações em falta ou a sua execução específica.
- Pode alienar-se a posição jurídica do comprador com reserva de propriedade (que era relevante qualificar),
que tem conteúdo patrimonial e não está abrangida por qualquer proibição de disposição pelo seu titular. Pode
também tratar-se o bem como bem relativamente futuro (artigo 893.º do CC). Fora desses casos, parece que há
venda de bens alheios (artigo 892.º CC). Assim, in casu, depois da venda a C., A. não mantém a plenitude dos
poderes de um normal proprietário, designadamente os poderes de alienação. A reserva de propriedade cumpre
uma função de garantia, pelo que se deve entender que Amélia não tem legitimidade para alienar a coisa a E..
Consequentemente, tal hipótese deverá ser equiparada à venda de coisa alheia como própria, sancionando-se
tal venda com a nulidade. Explicar fundadamente que tipo de nulidade estava em causa.
- Já no que respeita à alienação do carro por C., adquirente sob reserva, a D., haveria que distinguir e colocar
duas hipóteses (uma vez que o texto do enunciado do exame é omisso quanto a este ponto) e retirar daí as
devidas ilações, devidamente fundamentadas: (i) estando em causa uma de venda de bem alheio como bem
alheio, isso significará conforme acima referido, que esta venda será válida, sendo-lhe aplicável o disposto no
art. 880.º do CC, ex vi artigo 893.º do CC, tratando-se o bem como relativamente futuro; (ii) caso se trate da
venda de bem alheio como bem próprio, o contrato será nulo já que se tratará de uma compra e venda de um
bem alheio (artigo 892.º do Código Civil).
DIREITO DOS CONTRATOS I
3.º Ano - 2017/2018
Exame (Época Normal)
Duração: 120 minutos
Regência: Professora Doutora Maria de Lurdes Pereira
Enunciado
Em janeiro/2013, a Build, S.A. construiu e vendeu a António, famoso arquiteto, uma moradia,
que este destinava a casa de férias. Passados 15 dias sobre a data da escritura, António
visitou a sua nova moradia, tendo então descoberto que a mesma estava habitada por Carlos.
Mais estupefacto ficou quando Carlos exibiu um contrato de arrendamento com três anos de
duração celebrado com a Build, S.A.
(a) De que modo pode António reagir à descoberta de que o imóvel que comprou se
encontrava arrendado, caso a data do contrato de arrendamento fosse 15 de dezembro/2012?
(4 valores)
(b) No final de novembro/2017, António constatou que as paredes das divisões viradas para
o mar evidenciavam humidade. Pediu parecer a um engenheiro, que identificou na
impermeabilização deficiente das paredes a causa da humidade. Tendo andado muito indeciso
sobre o que fazer, António acabou escrevendo à Build, S.A. apenas em maio/2018, dando
conta dos problemas de humidade e exigindo o reembolso do preço pago. Aprecie a pretensão
de António e clarifique se e dentro de que prazo pode António propor ação judicial para
realizá-la. (4 valores)
(c) Em maio/2013, António descobriu que, além de Carlos, a moradia era habitada por mais
três amigos deste, que tinham chave de casa e usavam em exclusividade três dos quatro
quartos, sendo que cada um deles entregava a Carlos €100/mês para as despesas da casa.
Quid iuris? (4 valores)
(d) Passado um ano após a compra da casa, António descobriu e obteve prova de que, afinal, o
contrato de arrendamento ao abrigo do qual Carlos habitava o imóvel tinha sido celebrado
com a Build, S.A. no dia seguinte àquele em que António havia comprado o imóvel. De que
modo pode António reagir? (4 valores)
(e) Recentemente, António decidiu fazer algumas remodelações na sua moradia. Gizou e
elaborou um projeto, que entregou a Dário, empreiteiro de profissão, para execução. Durante
a obra, António visitou frequentemente a moradia para acompanhar os trabalhos. Tendo a
obra sido finalizada, António recusou a entrega, argumentando que as portas e as janelas não
estavam de acordo com o projeto. Por conseguinte, exigiu a Dário que as substituísse. Dário
ficou muito revoltado e recusou proceder à substituição, pois entendia que a desconformidade
era pouco relevante e que António devia tê-lo alertado antes. Quem terá razão? (4 valores)
1
DIREITO DOS CONTRATOS I
3.º Ano - 2017/2018
Exame (Época Normal)
Duração: 120 minutos
Regência: Professora Doutora Maria de Lurdes Pereira
Tópicos de Correção
(a) Atendendo ao disposto no artigo 1057.º CC, depois da compra e venda o A passou a ser o
locador, sucedendo nas obrigações e direitos do B.
Posto isto, cumpre decidir se o contrato de arrendamento celebrado entre B e C afeta, e em
que termos, o contrato de compra e venda celebrado entre A e B. Sendo a resposta positiva,
importaria mencionar que esse impacto decorre de o A (comprador) desconhecer a relação
arrendatícia no momento em que celebrou o contrato de compra e venda.
Cumpriria discutir se o arrendamento pode ser, neste contexto, qualificado como ónus do bem
vendido, fazendo em consequência intervir a tutela do comprador prevista nos artigos 905.º e
ss. CC. Neste caso, caberia descrever as vias de reação ao dispor do comprador tal como
configuradas nos mencionados preceitos (anulação — para alguns, resolução — do contrato,
redução do preço e obrigação de fazer convalescer o contrato de B mediante expurgação do
ónus, todas cumuláveis com indemnização).
Não se entendendo que o arrendamento devesse ser considerado um ónus do bem vendido,
cumpriria gizar formas alternativas de tutela do comprador: inter alia, regime do erro,
violação dos deveres de informação.
Uma vez que A se torna locador de C, cumpriria discutir se A poderia fazer cessar o contrato
de arrendamento, em particular, opondo-se à renovação do contrato, nos termos legais
(forma, antecedência mínima, etc.). Tem ainda direito, enquanto senhorio, de exigir a C o
pagamento das rendas.
(b) Por referência à distinção entre compra e venda e empreitada, qualificar o contrato
celebrado entre A e B, tendo presente que B havia construído a casa. Em qualquer caso, ao
contrato celebrado entre A e B é aplicável o regime da venda de bens de consumo, tal como
previsto no Decreto-Lei n.º 67/2003, 08.04 (especial referência aos artigos 1.º-A e 1.º B deste
diploma).
Neste contexto, caberia decidir justificadamente se a impermeabilização deficiente das
paredes deveria ser considerada uma falta de conformidade do bem, nos termos do artigo 2.º
Decreto-Lei n.º 67/2003. A aplicação da presunção prevista no artigo 3.º/2 Decreto-Lei n.º
67/2003 seria, neste caso, redundante, dado que se trata de um vício de construção.
Assente que se trata de uma falta de conformidade, caberia debater quais são os remédios ao
dispor do consumidor-comprador, bem como a (in)existência de hierarquia entre eles (artigo
4.º/1 Decreto-Lei n.º 67/2003). Mesmo sufragando a inexistência de hierarquia, no presente
caso, à pretensão de resolução pareceria ser oponível a cláusula geral prevista no artigo 4.º/5
Decreto-Lei n.º 67/2003.
No respeitante aos prazos, cumpriria notar que a falta de conformidade se manifestou dentro
do prazo (de garantia) de cinco anos previsto no artigo 5.º/1 Decreto-Lei n.º 67/2003. Depois
de o defeito se manifestar, o comprador dispõe de um prazo de um ano para denunciar o
defeito ao vendedor (artigo 5.º-A/2 Decreto-Lei n.º 67/2003); A observou o prazo para a
denúncia. Posto isto, A poderia propor ação em tribunal pedindo o reconhecimento do seu
direito (reparação, redução do preço ou resolução do contrato) no prazo de 3 anos após a
denúncia (artigo 5.º-A/3 Decreto-Lei n.º 67/2003), ou seja, até maio de 2021.
(c) Nesta questão, cumpria discutir se a relação jurídica entre C e os seus amigos poderia ser
configurada como um contrato de subarrendamento (v. artigo 1060.º CC e artigos 1088.º e ss.)
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DIREITO DOS CONTRATOS I
3.º Ano - 2017/2018
Exame (Época Normal)
Duração: 120 minutos
Regência: Professora Doutora Maria de Lurdes Pereira
ou antes se os amigos de C deveriam ser considerados seus hóspedes (v. artigo 1093.º/3 CC).
Importa, pois, definir e distinguir as duas figuras.
Independentemente da resposta para esta pergunta, caberia debater as consequências de
ambas as qualificações hipotisadas. Ao passo que a hospedagem até 3 pessoas é permitida,
salvo se for proibida pelo contrato [artigo 1093.º/1, b) CC], o subarrendamento é proibido,
salvo se for permitido pelo contrato ou, posteriormente à celebração do contrato, autorizado
por escrito pelo senhorio [artigos 1308.º, f) e 1088.º CC].
As consequências da qualificação da relação jurídica entre o C e os seus amigos para a posição
do A são divergentes. Tratando de hospedagem, o A deve tolerá-la, pois é lícita. Tratando-se
de subarrendamento, supondo a sua ilicitude (o direito não consta do contrato de
arrendamento nem foi posteriormente autorizado pelo A), assiste ao A o direito de resolver o
contrato [artigo 1083.º/2, e) CC] ou de ratificar o subarrendamento (art. 1088.º, n.º 2).
(d) Tendo o contrato sido celebrado pela B quando já não era proprietária do imóvel, caberia
notar que a B havia arrendado um bem alheio, não sendo titular de qualquer direito que lhe
conferisse a faculdade de ceder o gozo do imóvel.
O contrato seria, pois, ineficaz relativamente a A, podendo este propor ação com o propósito
de defender o seu direito de propriedade (v. artigos 1311.º e ss.). Caberia ainda discutir se A
poderia propor alguma ação de defesa da posse (artigos 1276.º e ss.), o que implicaria debater
se, e em que casos, o comprador adquire a posse no momento em que compra.
Seria valorizado o paralelo entre a posição do proprietário na compra e venda de bens alheios
e no arrendamento de bens alheios.
Quanto à validade do contrato de arrendamento celebrado entre B e C, este é válido, embora
se considere não cumprido (cf. o art. 1034.º, n.º 1, al. b)), a menos que A não impedisse gozo
de C, caso em que o contrato de arrendamento se consideraria cumprido (art. 1034.º, n.º 2).
Referir ainda o art. 1035.º.
(e) Nesta hipótese, cumpriria debater o regime legal aplicável: o CC ou o Decreto-Lei n.º
67/2003 (v. artigo 1.º-A/2)? Independentemente da solução a dar a este problema, a resposta
à questão colocada pela hipótese não parece variar.
Quanto ao primeiro argumento do D (irrelevância do vício), deveria o mesmo ser considerado
improcedente, dado que o regime legal não faz depender os direitos do dono de obra da
relevância do vício (v. artigo 1221.º CC e artigos 2.º e ss. Decreto-Lei n.º 67/2003).
Quanto ao segundo argumento, caberia encetar por classificar a figura da fiscalização na
empreitada: é um dever, um ónus ou um direito (uma faculdade)? Atendendo ao regime
positivado (em particular o disposto no artigo 1209.º/2 CC), a melhor solução parece ser a
terceira. Assim sendo, o argumento de D não deve, numa primeira análise, proceder: A
poderia, de facto, tê-lo avisado, mas não estava obrigado a fazê-lo, nem a circunstância de o
não ter feito implica a preclusão de qualquer direito. Todavia, atendendo a que A projetou a
obra, era arquiteto e, efetivamente, fiscalizou a obra, poderia discutir-se se o princípio da boa-
fé poderá, nestas circunstâncias, intervir corretivamente conferindo tutela à pretensão de D.
Seria valorizada a demonstração do conhecimento do debate doutrinário a este respeito.
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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA