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A INFLUÊNCIA DA NIACINA NA SAÚDE HUMANA: UMA

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

GIMENIZ, Nádia L F A (UNITRI, nlfandrade@gmail.com)*


SANTOS, Matheus S (UNITRI, matheus.ss99@hotmail.com)*
LÁZARI, Cristiane S (UNITRI, cristianelazari@hotmail.com)*
SOUZA, Bruno P (UNITRI, brunops2009@hotmail.com)*
JUNIOR, Hélio P P (UNITRI, heliojr.rp@hotmail.com)*
MELLO, Anna Raquel S R – (UNITRI, annaraquelsr@gmail.com)**

RESUMO
De forma simplificada, niacina ou ácido nicotínico é o verdadeiro
nome da vitamina B3 (ou PP). É fundamental na síntese de NAD(H) e
NADP(H), cofatores das reações de oxirredução celulares no
metabolismo de nutrientes. Seguindo-se esse pensamento, este trabalho
traz aspectos bioquímicos e funcionais das diversas ações da vitamina no
organismo, apresentando assim, suas necessidades e demandas
nutricionais. Todo esse trabalho tem o objetivo de demonstrar e
especificar o tema aqui citado, mostrando as mais variadas funções da
niacina para o melhor funcionamento do corpo, evidenciando sua
importância e fontes alimentares.

Palavras chave: Niacina, Ácido nicotínico, Vitamina B3


Metabolismo.

*Acadêmico do curso de Nutrição – Centro Universitário do Triângulo


**Professora do curso de Nutrição – Centro Universitário do Triângulo. Especialista em
Nutrição Enteral e Parenteral pelo GANEP e Especialista em Nutrição Clínica pela
BRASPEN
1. INTRODUÇÃO
A descoberta das vitaminas foi uma grande conquista científica
para compreensão da relação saúde e doença (SEMBA, 2012).
Vitaminas são partes essenciais dos alimentos, não fornecem
energia ou calorias, mas ajudam nosso corpo a processar carboidratos,
lipídios e proteínas. Até hoje, 15 vitaminas foram descritas, as quais são
classificadas em lipossolúveis e hidrossolúveis (RIAZ et al., 2009).
Vitaminas hidrossolúveis são solúveis em água, estão geralmente
envolvidas em funções enzimáticas e controle do metabolismo. São
exemplos desse grupo a vitamina C e vitaminas no complexo B (RIAZ et
al., 2009).
A niacina, antigamente conhecida como vitamina B3, foi a terceira
vitamina do complexo B a ser identificada, é uma vitamina hidrossolúvel
assim como todas as outras pertencentes ao grupo do complexo B. Ocorre
sob a forma de dois compostos: ácido nicotínico e nicotinamida, sendo
que ambas exercem as funções no organismo atribuídas à vitamina.
Porém, os termos em questão, causam grande conflito, pois acabam
sendo remetidos à nicotina do tabaco, uma vez que o ácido nicotínico foi
descoberto em 1867, como produto da oxidação da nicotina, entretanto,
nenhuma relação com a nutrição foi estabelecida naquele momento.
(MARIA; MOREIRA, 2011)
Considerada uma vitamina indispensável para a biossíntese de
NAD(H) e NADP(H), - nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD) e
nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADP). Estas moléculas
bioativas são cofatores importantes para a maioria das reações de
oxirredução celulares incluindo glicólise, metabolismo do piruvato e
biossíntese de pentose, ácidos graxos e esteróis e, como tal, são
essenciais para manter o metabolismo celular e a respiração.
(KIRKLAND; MEYER-FICCA, 2018)
O corpo humano é capaz de sintetizar niacina, porém em
quantidades insuficientes para suprir as necessidades metabólicas,
tornando indispensável sua ingestão diária. A carência pode levar à
pelagra, doença característica. (MARIA; MOREIRA, 2011)
Esta é uma proposta de revisão de literatura, e tem por finalidade
abordar a importância, funções e metabolismo, as fontes alimentares,
absorção e excreção, hipervitaminose e a hipovitaminose da niacina, bem
como sua utilização como fármaco.

2. FUNÇÕES DA NIACINA
A niacina, ácido nicotínico e a nicotinamida, mais comumente
mencionada como vitamina B3, é indispensável para todas as células.
Suas funções praticamente podem ser resumidas em seu papel como
precursores de moléculas bioativas, nicotinamida adenina dinucleotídeo
(NAD) e nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADP) e atuam
como cofatores para grande parte de reações de oxirredução presente
nas células, dessa maneira, são importantes para o metabolismo celular
e respiratório (KIRKLAND; MEYER-FICCA, 2018).
Embora sejam frequentemente utilizadas em vias biossintéticas e
para proteção celular contra tipos reativos de oxigênio, o NADP e NADPH
(formas fosforiladas da nicotinamida dinucleotídeos) realizam também
reações químicas com funcionalidade intracelular. O metabolismo em
células eucarióticas é mediado por meio da cadeia transportadora de
elétrons, onde o NADH exerce uma função essencial no fornecimento de
energia para alimentar a fosforilação oxidativa (SAUVE, 2008).
A nicotinamida também influencia o estresse oxidativo e modula
múltiplas vias ligadas à sobrevivência celular e à morte (MAIESE et al.,
2009). Tem um papel significativo, promovendo um aumento da
sobrevivência celular, bem como proporcionando longevidade às células
(LI et al., 2006). É um citoprotetor durante distúrbios que incluem:
disfunção do sistema imunológico, isquemia cerebral, diabetes e doenças
relacionadas ao envelhecimento como Alzheimer e Parkinson, sendo
capaz de bloquear a ativação celular inflamatória (MAIESE et al., 2009).
Além de ter potencial para influenciar os mecanismos de reparação de
DNA e de estabilidade genética, sistema imune, eventualmente, repercute
sobre o risco de câncer, como bem como os efeitos colaterais da
quimioterapia (KIRKLAND, 2003).
A multifuncionalidade concedida a nicotinamida, ácido nicotínico e
os dinucleotídeos, proporciona grande influência no metabolismo do NAD,
desenvolvendo possibilidades em seu curso metabólico, adquirindo
formas terapêuticas e propriedades farmacológicas, tanto do ácido
nicotínico, quanto de seus precursores (SAUVE, 2008).
A niacina, em termos de disponibilidade comercial, é ponderada
como um importante agente para elevar as concentrações plasmáticas de
HDL (High Density Lipoprotein) e reduzir as concentrações de triglicérides
e LDL (Low Density Lipoprotein) (LIN, et al., 2013). A vitamina B3 aumenta
os níveis de HDL através da redução da remoção da proteína
apolipoproteína A-1, ocasionando um crescimento nos níveis de
apolipoproteína A-1 e HDL (KAMANNA; KASHYAP, 2000), aumentando
assim, o transporte reverso de colesterol (MORGAN et al., 2003).
Com a redução da disponibilidade de ácidos graxos e inibição na
síntese de triglicérides, pode haver limitação da produção de VLDL (Very
Low Density Lipoprotein) e inibição da formação de LDL
(THAVINTHARAN; KASHYAP, 2001), desse modo, a niacina demonstra
capacidade de degradação intra-hepática da apolipoproteína B, que é o
principal constituinte lipoproteico de VLDL, LDL e lipoproteínas de
densidade intermediárias (MORGAN et al., 2003).

3. FONTES ALIMENTARES
A niacina é a única vitamina que tem um aminoácido como seu
precursor, podendo ser sintetizada a partir do triptofano (MARIA;
MOREIRA, 2011).
O triptofano é um aminoácido aromático considerado essencial, ou
seja, não é sintetizado pelo metabolismo humano e por isso a ingestão
diária é indispensável. Pode ser encontrado com facilidade na dieta, pois
é constituinte de variadas proteínas como carnes, ovos, leite e seus
derivados (MARIA; MOREIRA, 2011).
O processo de síntese de niacina a partir de triptofano não é
eficiente, no entanto, a ingestão dietética de triptofano é importante para
o estado geral de niacina no corpo, em quantidades correspondentes, 60
mg de triptofano pode ser convertido em 1mg de niacina e a síntese ocorre
tanto pela flora intestinal quanto nos tecidos (MAHAN et al., 2012).
As principais fontes de niacina são carnes, peixes, leveduras,
cereais, etc. Leite e ovos não apresentam quantidades significativas, no
entanto são excelentes fontes de triptofano, como citado anteriormente
(MAHAN et al., 2012). Nas plantas encontra-se principalmente como ácido
nicotínico ligado a proteínas dependendo a sua biodisponibilidade do
modo de preparação dos alimentos. Nos tecidos animais, a vitamina
apresenta-se geralmente na forma de nicotinamida na Nicotinamida
Adenina Dinucleotídeo (NAD) ou Nicotinamida Adenina Dinucleotídeo
fosfato (NADP) (FLORES et al., 2015).
A tabela 1 relaciona o conteúdo de niacina em alimentos
considerados fontes (em medida usual) e foi construída a partir do livro
Tabela de Composição de Alimentos – Suporte para decisão nutricional
da autora Sonia Tucunduva Philippi:

Tabela 1 – Conteúdo de niacina em alimentos considerados fonte

Quantidade Niacina
Alimento Medida usual
(g) (mg)
Peito de frango sem pele 1 unidade 100 24,830
(grelhado)
Salmão cozido 2 filés 200 20,2
Merluza assada 2 filés 200 15,940
Fígado cozido 1 unidade 100 13,862
Peito de peru 1 filé 100 11,3
Bife grelhado de contrafilé 1 unidade 100 4,280
Carne moída refogada 3 1/2 colher de sopa 63 3,599
Linguiça de porco grelhada 1 gomo 50 3,3
Batata inglesa cozida 1 1/2 unidade 202,5 2,916
Bacalhau cozido 1 pedaço médio 135 2,169
Arroz branco cozido 4 colheres de sopa 125 1,640
Milho verde cozido espiga grande 100 1,610
Amendoim (com casca, cru) 25 unidades 10 1,590
Amendoim torrado com sal 25 unidades 10 1,360
Arroz integral cozido 6 colheres de sopa 198 1,2
Goiaba 1/2 unidade 95 1,140
Camarão cozido 13 unidades 104 1,113
Abacate 4 colheres de sopa 45 0,864
Morango 10 unidades 240 0,552
Feijão (50% grão/caldo) 1 concha média 140 0,496
Tomate comum 1 unidade 76 0,479
Cenoura crua 1 unidade 38 0,353
Fonte: PHILIPPI, 2016

Sabe-se que as leveduras apresentam elevados teores de


vitaminas do complexo B, incluindo a niacina como uma das principais, no
entanto são escassos os dados na literatura que quantifiquem cada
vitamina do complexo B na levedura e derivados. (MAHAN et al., 2012)
Estudos comprovaram que a niacina permanece estável quando
submetida ao calor, ou seja, é uma vitamina resistente ao processo de
cozimento, também se mantém estável na presença de acidez, luz e
oxigênio (RIAZ et al., 2009).
A Ingestão Dietética de Referência (DRIs, do inglês, Dietary
Reference Intakes) de niacina foi estabelecida em 1998 pelo Instituto de
Medicina de Washington nos Estados Unidos, ocorre de acordo com a
tabela:
Tabela 2 – Ingestão Dietética de Referência (DRIs): Necessidade Mé1dia Estimada
(EAR – do inglês, Estimated Average Requirement), Ingestão Diária Recomendada
(RDA – do inglês, Recommended Dietary Allowance), Limite Superior Tolerável de
Ingestão (UL – do inglês, Tolerable Upper Intake Level)

Estágio de Nicina (mg/dia)


vida EAR RDA UL
Crianças
0-6 meses ND 2 ND
7-12 meses ND 4 ND
1-3 anos 5 6 10
4-8 anos 6 8 15

Homens
9-13 anos 9 12 20
14-18 anos 12 16 30
19-30 anos 12 16 35
31-50 anos 12 16 35
51-70 anos 12 16 35
> 70 anos 12 16 35

Mulheres
9-13 anos 9 12 20
14-18 anos 11 14 30
19-30 anos 11 14 35
31-50 anos 11 14 35
51-70 anos 11 14 35
> 70 anos 11 14 35

Gestantes
≤ 18 anos 14 18 30
19-30 anos 14 18 35
31-50 anos 14 18 35

Nutrizes
≤ 18 anos 13 17 30
19-30 anos 13 17 35
31-50 anos 13 17 35

FONTE: FOOD AND NUTRITION BOARD - INSTITUTE OF MEDICINE


Um estudo de 2013, mostrou que a prevalência de inadequação de
ingestão de niacina foi muito baixa (menor que 5%), uma vez que
alimentos com grandes quantidades da vitamina fazem parte das
refeições diárias dos brasileiros, como por exemplo o arroz, feijão, carnes
de frango e bovina, tomate, etc. (ARAUJO et al., 2013)
A ingestão adequada de niacina é fundamental para a prevenção
da Pelagra, doença característica da carência da vitamina. (BADAWY,
2014).

4. ABSORÇÃO E EXCREÇÃO
Como visto, as fontes de niacina podem ser endógenas ou
exógenas. A fonte endógena provém da conversão do triptofano em
niacina e a exógena é fornecida através da dieta por absorção no intestino
(NABOKINA et al., 2005).
Contudo, o mecanismo de absorção da niacina e sua regulação
não são muito bem compreendidos, alguns estudos defendem a
existência de um transportador específico, não dependente de sódio, no
fígado e em células epiteliais intestinais humanas. No fígado, esse
transporte é dependente de parâmetros como acidez, pH, temperatura e
energia (MARIA; MOREIRA, 2011). Quando em altas concentrações,
ocorre a absorção por difusão simples (NABOKINA et al., 2005).
A homeostase corporal de niacina depende da sua absorção
normal no intestino. Interferências na absorção, podem ocorrer em
variadas condições (por exemplo, defeitos congênitos do sistema
digestivo ou absortivo, doença intestinal, interação medicamentosa e uso
crônico de álcool levam à deficiência absortiva e podem resultar em
anormalidades clínicas (SAID, 2011).
Em condições normais, há pouca ou nenhuma excreção urinária da
niacina, pois esta é ativamente reabsorvida do filtrado glomerular.
Somente quando a concentração está relativamente alta pode ocorrer
uma excreção significativa. (BENDER, 2003)
Os principais produtos de excreção da niacina são a N1-
metilniacinamida e a N1-metil-2-pirodona-5-carboxamida, seu derivado.
Outros catabólitos pirimidínicos de minoritários também são encontrados
na urina, porém estes são dependentes da quantidade e do tipo de niacina
que foi absorvida assim como do estado metabólico de niacina no
indivíduo (MARIA; MOREIRA, 2011).

5. HIPERVITAMINOSE
De uma forma geral, a niacina não costuma ser tóxica, porém
quando ingerida em grandes quantidades, pode causar efeitos
prejudiciais. O principal efeito colateral da niacina é o ‘’flushing’’, que seria
o calor e rubor que se mostra evidente na pele. A pele desempenha um
importante papel na termorregulação e também no sistema imune, dessa
forma, doses constantes e excessivas de ácido nicotínico, geralmente
quando usadas como fármacos, podem causar toxicidades na pele e em
outras partes do organismo, como: hepatotoxicidade, toxicidade gástrica,
glicotoxicidade e como dito anterior a mais comum dentre elas, a
toxicidade da pele (hipersensibilidade cutânea aguda) (DUNBAR;
GELFAND, 2010).

6. HIPOVITAMINOSE
6.1 REVISÃO HISTÓRICA
A pelagra foi relatada pela primeira vez em 1735, pelo médico
espanhol Gaspar Casal, que observou a enfermidade entre aldeões mais
pobres que se alimentavam em maior quantidade de milho (pobre em
triptofano) e praticamente não ingeriam carne (BADAWY, 2014; LÓPEZ,
et al., 2013). Gaspar Casal nomeou de Mal da Rosa, pelas erupções
vermelhas que residiam nas mãos e pés dos pacientes atendidos
(PÉREZ, et al., 2013), e os ferimentos na região do pescoço como
Colarinho de Casal (LÓPEZ, et al., 2013).
Francesco Frapoli nomeou esta doença do italiano pelle agra (pele
áspera) e foi o primeiro a usar este termo em 1771 (LÓPEZ, et al., 2013).
Na década de 1920, Goldberger e seus associados estabeleceram
que a pelagra, apesar de toda uma suplementação de minerais, vitaminas
e proteínas de alto valor biológico, ainda assim se desenvolveu. Assim,
Goldberger após ter feito um levantamento sobre a possibilidade de a
doença ter sido consequência da escassez ou instabilidade de
aminoácidos na dieta, determinou que a pelagra era causada por uma
deficiência alimentar e que poderia ser tratada por um fator preventivo de
pelagra (Fator PP), fator que mais tarde, seria conhecido como vitamina
PP. Porém, ele nunca identificou o indescritível Fator PP, pois as
pesquisas foram interrompidas por sua morte prematura. (LANSKA,
2012).
Mais tarde, em 1937 Elvehjem e colaboradores descobriram que
essa substância se tratava da niacina (BADAWY, 2014).
Krehl, em 1945, estipulou a existência de uma ligação entre niacina
e o aminoácido essencial triptofano (BADAWY, 2014).

6.2 DIAGNÓSTICO E SINTOMAS DA PELAGRA


Existem diversos sintomas relacionados a carência de niacina no
organismo, sendo o mais marcante dentre eles, a patologia conhecida
como pelagra. Pelagra é uma doença nutricional causada pela falta de
niacina e seu precursor triptofano no organismo, sendo o sintoma mais
genérico da carência dessa vitamina, atingindo principalmente idosos,
desnutridos e alcoólatras (PÉREZ, et al., 2013). Apresenta sintomas
característicos como: diarreia, dermatite e demência, respectivamente
nessa ordem, a doença dos 3 ‘’Ds’’ conhecida como tríade, se não tratada,
o indivíduo pode vir a óbito, 4 ‘’Ds’’ (STRATIGOS; KATSAMBAS, 1977).
A pelagra é, portanto, uma patologia que envolve a falta não
apenas de niacina, vitamina B3, mas também de seu precursor o
triptofano, também composta por deficiências de outros nutrientes como
vitaminas do complexo B e possivelmente de zinco. Dessa forma, a
ausência de niacina sozinha não conduziria a pelagra, desde que
quantidades apropriadas de triptofano estejam sendo consumidas
(BADAWY, 2014).
O excesso de leucina ingerido pode induzir a um quadro de
pelagra, por ações nas enzimas da quinurenina hepática, via de
degradação do triptofano, onde a niacina é sintetizada (BADAWY, 2002,
2005, 2014).
Entre casos de pelagra, pode existir ao que denominam de
‘’pseudopelagra’’, termo utilizado quando a doença não provém de dietas
com milho ou painço, e ‘’Pelagra tifoide’’ é usado quando a doença causa
um estado de febre prolongada. Os sinais da ‘’doença dos três Ds, é
enganoso, visto que a diarreia e demência podem nem sempre estarem
presentes na sintomatologia. Também em raros acontecimentos, a
dermatite pode não se fazer presente, assim esta situação foi dada pelo
termo ‘’pelagra sine pelagra’’ (WHO,2000).
A doença pode ser primária, decorrente da ingestão inadequada de
niacina, ou secundária a condições que podem interferir na absorção e
processamento do ácido nicotínico, como: alcoolismo crônico, diarreia
prolongada e incapacidade no metabolismo do triptofano (HUI, et al.,
2017).

6.3 DOENÇAS ASSOCIADAS E ALCOOLISMO


A deficiência bioquímica do metabolismo do triptofano pode ser
ocasionada por doenças, dentre elas a doença de Crohn. É uma doença
inflamatória do trato gastrointestinal (TGI). Pacientes com essa doença
podem manifestar pelagra associada, seja em virtude das restrições
necessárias à dieta, seja devido às perdas de vitaminas e nutrientes
relacionadas aos numerosos episódios de diarreia ou às complicações
funcionais no TGI, que podem levar à baixa absorção de niacina (HUI, et
al., 2017).
A doença de Hartnup é relacionada a um defeito no transporte de
aminoácidos neutros, causando um declínio dos níveis de niacina, assim
de forma semelhante a doença de Crohn, acarretando em má absorção
de seu precursor, o triptofano (RESENDE, et al., 2006).
Os efeitos próprios do álcool podem causar consequências
metabólicas de vitaminas e nutrientes. O álcool pode provocar pelagra por
meio da diminuição da absorção da niacina, seus precursores, vitaminas
e nutrientes levando a uma queda de disponibilidade de nutrientes no
organismo (BADAWY, 2014).

7. NIACINA UTILIZADA COMO FÁRMACO


A niacina é metabolizada por duas vias: a via na qual é conjugada
com a glicina para formação do ácido nicotínico e a via que abrange uma
série de reações de óxido-redução, que formam a nicotinamida e
derivados pirimidínicos. (SONG; FITZGERALD, 2013; SANTOS, 2005).
Essa vitamina tem sido usada por mais de meio século no
tratamento da dislipidemia, com efeitos na redução da doença
aterosclerótica e do risco cardiovascular. O HM74A, seu alvo molecular
no metabolismo lipídico, é conhecido desde 2003. Seu uso contínuo reduz
os níveis de triglicérides (20-50%) e de LDL (5-25%). É uma das drogas
hipolipemiantes que mais aumenta o HDL (15-35%) (SONG;
FITZGERALD, 2013; SANTOS, 2005).

7.1 FORMAS DE APRESENTAÇÃO DA NIACINA


7.1.1 Niacina de liberação imediata
A niacina de liberação imediata é rapidamente absorvida e
excretada, de modo que atinge seu pico sérico de 30 a 60 minutos após
sua ingestão. Sua meia vida metabólica é de uma hora, o que determina
a necessidade de prescrição em múltiplas doses. (SANTOS, 2005).

7.1.2 Niacina de liberação lenta


Esta formulação, também conhecida como de liberação controlada
ou sustentada, tem tempo de dissolução maior que 12 horas. (SANTOS,
2005).
7.1.3 Niacina de liberação intermediária ou estendida
Esta apresentação ocupa uma posição farmacocinética
intermediária em relação às duas outras descritas. Isso porque é
absorvida num período de 8 a 12 horas, permitindo a ingestão uma vez
por dia, sendo, portanto, a formulação mais utilizada para o tratamento a
dislipidemia.
A dose diária recomendada desse medicamento na forma de
liberação intermediária é de 1000 a 2000 mg, em única tomada. Existem
apresentações de 250 mg, 375 mg, 500 mg, 750 mg e 1000 mg.
Recomenda-se que a prescrição seja iniciada com doses menores,
seguindo-se aumento progressivo até alcançar a dose alvo. Essa titulação
pode ser feita com dose inicial de 500 mg durante um mês, seguida d
aumento em 500 mg a cada 4 semanas até atingir 2000 mg/dia. É
possível, ainda, iniciar com 375 mg, aumentando para 500 mg na
segunda, para 750 mg na terceira e para 1000 mg na quarta semana.
Após um mês recomenda-se elevar a dose para 1500 mg e
posteriormente para 2000 mg (SANTOS, 2005).

7.2 EFEITOS DA NIACINA SOBRE O METABOLISMO LIPÍDICO


A niacina aumenta o colesterol carreado pela lipoproteína de alta
densidade (HDL), mas reduz aquele presente nas lipoproteínas de baixa
e muito baixa densidade (LDL e VLDL), e triglicerídeos. Reduz, ainda, a
concentração plasmática de lipoproteína A , que desempenha um papel
independente na patogênese da doença coronariana (SONG;
FITZGERALD, 2013).
Os mecanismos pelos quais a niacina desencadeia seus efeitos
lipídicos são pouco conhecidos. É sabido que dimunui a concentração
plasmática arterial de ácidos graxos livres (AGL) em humanos em jejum,
em poucos minutos. Este efeito é dependente da dose e se mantém após
6 meses de tratamento regular. Esta supressão de AGL plasmáticos reduz
o fornecimento de substrato para a síntese hepática de partículas de
triglicerídeos, VLDL e LDL, embora haja evidência da presença
concomitante de outros mecanismos, visto que os efeitos podem ocorrer
na ausência de mediação por receptores específicos de niacina. A
vitamina também pode inibir a enzima diacilglicerol aciltransferase-2 no
fígado, acelerando a degradação da apoproteína B, que resulta em
diminuição da síntese hepática de VLDL e TG (SONG; FITZGERALD,
2013; MARIA; MOREIRA, 2011).
Além da diminuição na síntese hepática, há redução da
mobilização de AGL nos adipócitos, o que resulta diretamente na
diminuição das concentrações de triglicérides em VLDLs e LDLs. A
inibição da mobilização dos AGL e a consequente depleção dos
triglicerídeos nas lipoprotéinas LDL e VLDL, resultam na diminuição da
troca de ésteres de colesterol entre VLDLs e HDLs, mediada pela proteína
de transferência de colesteril-ésteres (CETP), seguindo-se elevação de
HDL. Estes eventos sugerem que a niacina atue como inibidora de CETP
(SONG; FITZGERALD, 2013).
Outro mecanismo proposto é que a niacina reduza a expressão
hepática de receptores ativados por proliferadores e peroxissoma (PPAR)
e apolipoproteína C-III (apoC-III), o que resulta em depuração acelerada
de lipoproteínas ricas em triglicerídeos. Isto, por sua vez, elevaria HDL, à
medida que menos colesterol seria transferido via CETP (SONG;
FITZGERALD, 2013; MARIA; MOREIRA, 2011).
A niacina tem ação tabém sobre a LpA, que é, por si, um fator de
risco independente para infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral.
Estudos demonstram que o tratamento com 4 g de niacina por 5-7
semanas reduz as concentrações plasmáticas de LpA em 40%, embora
nenhum deles tenha endereçado o impacto no desfecho clínico de
pessoas com níveis elevados de LpA (SONG; FITZGERALD, 2013;
MARIA; MOREIRA, 2011).
7.3 EFEITOS ADVERSOS DA NIACINA
O efeito induzido por niacina conhecido como “flushing” é
caracterizado por vermelhidão e calor devido à vasodilatação dos vasos
sanguíneos dérmicos e associa-se a uma sensação de formigamento e
ardor, que duram tipicamente por volta de uma hora. Cerca de 70% dos
pacientes que recebem niacina apresentam flushing, e em torno de 20%
abandonam o tratamento por esse motivo. A liberação de prostaglandina
D2 durante a formação do ácido nicotínico desempenha um papel central
no desenvolvimento do flushing, seja por células da medula óssea, seja
por plaquetas e células dendrítica. (SANTOS, 2005)
Esse efeito é mais frequente e intenso com o uso da niacina de
liberação rápida, visto que esta formulação rapidamente satura a via da
nicotinamida e passa a ser, preferencialmente, metabolizada pela via do
ácido nicotínico. Já a formulação de ação lenta raramente causa rubor
devido a sua preferência pela via da nicotinamida (SANTOS, 2005).
A ocorrência de flushing tende a diminuir com o passar de uma
semana, e pode ser parcialmente controlado com o uso se ácido acetil-
salicílico (SONG; FITZGERALD, 2013).
É também conhecido o efeito da niacina na redução sensibilidade
à insulina. Estudos que utilizaram niacina com objetivo de reduzir a
incidência de eventos cardiovasculares, também constataram que as
complicações diabéticas foram duas vezes mais frequentes no grupo que
recebeu o fármaco em relação ao grupo controle. Seus efeitos protetores
cardiovasculares, entretanto, foram semelhantes em paciente com ou
sem intolerância à glicose (SONG; FITZGERALD, 2013). A hiperglicemia
é mais frequente com o uso das formulações de ação rápida, enquanto
tende a ser mais discreta e transitória com as formas de liberação
intermediária (SANTOS, 2005).
Podem ocorrer sintomas dispépticos, como dor epigástrica, azia,
indigestão, náuseas, além de diarréia, associados ao uso de niacina, que
podem acometer até 50% dos indivíduos em uso do medicamento. O
mecanismo para estes sintomas gastrointestinais não são claros. Pode
causar, ainda, hepatotoxicidade, que é dose-dependente e mais comum
quando a droga é administrada em uma formulação de liberação
prolongada, sugerindo que o efeito tóxico pode se dever a metabólitos da
vitamina (SONG;FITZGERALD, 2013; SANTOS, 2005).
A niacina também pode ocasionalmente aumentar os níveis de
ácido úrico no plasma e induzir a gota. Este efeito pode ser devido à
inibição da uricase, uma enzima oxidante do ácido úrico, ou devido a uma
diminuição na excreção desse ácido (SONG; FITZGERALD, 2013).
Outros possíveis e raros efeitos colaterais com as diversas
formulações de niacina são arritmias cardíacas, tontura, calafrios, edema,
cefaléia, e toxicidade muscular (CPK > 10 vezes o limite superior da
normalidade) (SANTOS, 2005).

8. CONCLUSÃO
O presente estudo teve por finalidade possibilitar um maior
conhecimento da niacina, uma vitamina com grande importância para o
organismo, além de centralizar pesquisas já realizadas sobre as
necessidades fisiológicas do corpo, relacionando-a aos benefícios e
advertindo quanto à falta ou excesso da mesma.
De um modo geral, a niacina tem grande importância,
principalmente por ser precursora de moléculas bioativas, que atuam
como cofatores importantes para grande parte das reações de
oxirredução presentes nas células além de, também possuir influência
quanto ao estresse oxidativo, modulando múltiplas vias ligadas a
sobrevivência celular e a morte. Entre todas as suas funções, também é
um agente importante para elevar as concentrações plasmáticas de HDL
e reduzir as concentrações de triglicérides e LDL.
O estudo também possibilitou um maior conhecimento quanto às
fontes da vitamina e de seu aminoácido precursor, quantidades diárias de
consumo, digestão e absorção, além de suas formas de liberação no
organismo. Problemas como Pelagra ou “flushing,” acarretados
respectivamente, pela carência e pelo excesso desta vitamina, também
foram abordados durante o desenvolvimento deste artigo. Outros
aspectos importantes como problemas absortivos ligados a patologias do
TGI e ao alcoolismo, a hepatotoxidade e o aumento da resistência à
insulina e níveis de ácido úrico foram relatados, bem como efeitos
colaterais relacionados à forma de liberação da niacina. De qualquer
forma foi evidenciada a utilização desta vitamina como citoprotetor,
cardioprotetor e como fármaco hipolipemiante.
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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