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METODOLOGIA DO DIREITO

Aulas Teóricas

14 de abril de 2021

Centralidade jurídica da problemática da interpretação jurídica e seu relevo no atual


contexto metodológico (implicando a ascensão de clássicas e renovadas dimensões
retóricas e dialético-argumentativas no seio da atual ciência do Direito)

Dentro da metodologia jurídica a interpretação é uma etapa importante do processo


metodológico, é a dimensão central no processo de tomada de decisão: na decisão judicial.

Temos, então, de ver qual é o papel da interpretação.

A interpretação jurídica trata-se da busca do sentido. A. CASTANHEIRA NEVES coloca que na


verdade tem a ver com sentido. Estudamos a interpretação dentro da hermenêutica: HERMS (Deus
da comunicação), por isso está relacionado com sentido. A. CASTANHEIRA NEVES diz que é o ato
metodológico de determinação do sentido jurídico-normativo de determinada fonte jurídica para obter
a partir desta um critério jurídico-normativo, no âmbito da problemática da realização do direito.

A interpretação é um momento normativo-metodológico de determinação do sentido jurídico, de


um problema que envolve o Direito. Segundo A. CASTANHEIRA NEVES, o problema da
interpretação aparece não só como um ato de interpretação da lei, mas também como ato de
realização do Direito – existe uma grande distância entre aquilo que é a interpretação da lei e a
interpretação do Direito. Não é suficiente hoje falar de uma interpretação da lei, mas muito mais que
isso é necessária a verdadeira realização do Direito (A. CASTANHEIRA NEVES). É um ato muito
pobre dizer que a realização do Direito se esgota na interpretação da lei. Devemos entender melhor
o que é a interpretação no contexto da realização do Direito. Assim, a interpretação será um momento
metodológico normativo, dentro do processo da realização do Direito. Dentro da ideia da metodologia
enquanto processo, a interpretação é um momento fundamental.

Falamos de interpretação do Direito e não da interpretação da Lei – confronto da interpretatio


legis e interpretatio juris (A. CASTANHEIRA NEVES). Os juristas e filósofos tardaram a entender o
papel fundamental entre direito e interpretação – ligação estrutural, de caráter fundamentador,
porque a hermenêutica está preocupada com a interpretação da lei e do Direito entendido como
interpretação da lei. A interpretação não se resume à interpretação de texto, aos materiais jurídicos.
A interpretação jurídica não se limita à relação que existe entre lei e sentença do juiz. A hermenêutica
jurídica (área que se ocupa da interpretação) precisa de considerar o sistema jurídico como uma
parte do mundo. Com efeito, se este sistema faz parte do mundo, então a hermenêutica jurídica

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compreende uma teoria da interpretação, ou melhor uma compreensão não só do Direito, mas do
mundo (interpretamos factos e situações). O jurista tem de ter uma cultura muito mais ampla do que
a simples interpretação da lei – GIUSEPPE ZACCARIA (autor italiano).

Não atender apenas ao material normativo, mas às próprias situações da vida, ciente da
complexidade da vida. Do ponto de vista hermenêutico, tentamos convencer o juiz, defender uma
tese, utilizando artifícios que o sistema coloca à disposição (por exemplo, o legislador racional de
SANTIAGO NINO.

Tentar pensar o direito como lei, conflito é muito redutor.

De acordo com A. CASTANHEIRA NEVES, a interpretação jurídica vai-se manifestar como um


ato judicativamente decisório, que envolve uma certa intenção normativa, axiológica, uma intenção
do Direito, uma intenção do legislador. Trabalhamos com a interpretação do sistema, que faz parte
do mundo, que exige que interpretemos certas situações – compreensão jurídico-normativa do
mundo.

A. CASTANHEIRA NEVES coloca um ponto muito interessante referente à redefinição


metodológica jurídica da interpretação. Este autor diz que há nisto um papel desempenhado pelo
positivismo legalista, um positivismo jurídico forjado sobre uma base normativa, dedutiva, analítica,
que levou a que os juristas se refugiassem naquilo que o autor denomina como alienante-abstrato,
ou seja, a que os juristas jogassem com abstrações, com ficções legais. Muitas vezes, essas ficções
normativas não nos permitem olhar para a vida com tudo o que contempla, isto é, existe um problema
de se jogar num alienante-abstrato tipo de um positivismo legalista e o jurista não pode esquecer-se
do Direito e prender-se só à vida. Tem, portanto, de existir um caminho do meio em que se transita
da vida para o Direito e vice-versa. Não obstante, A. CASTANHEIRA NEVES afirma que hoje não há
mais este abstracionismo, inclusive cita IHERING, dizendo que o direito existe para se realizar, a
vida e a verdade do direito é a própria realização do Direito.

Nessa realização do Direito atual não é suficiente trabalhar com uma conceção de subsunção da
lei que tanto tempo orientou a própria conceção de Direito.

Assim sendo, a mera subsunção é substituída pela concretização de normas, porque quando
falamos em concretização das normas implica o reconhecimento de algo mais que a mera
interpretação do texto normativo e, desta forma, não reduzimos a interpretação normativa à
interpretação textual e gramatical – renovação no plano epistemológico (retórica, argumentativa) –
chega o momento de reconhecer que a subsunção não é suficiente, os juristas têm de ir buscar o
saber a teorias tópicas que A. CASTANHEIRA NEVES tanto fala.

Sabemos que os juristas práticos/operadores do direito, no passado, acharam que era possível
resistir ao arcabouço que foi estabelecido desde o positivismo exegético até hoje, achando que era

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simples a interpretação através da subsunção. Quanto muito lançariam mão da interpretação


teleológica, gramatical e histórica, apoiados na tese de SAVIGNY.

Do ponto de vista prático, temos muitos juristas que não se preocupam com a metódica
metodológica porque necessitam de sair da zona de conforto.

MARINELLI defende que a resistência que há ao pensamento filosófico, do ponto de vista do


jurista, é injustificada porque não podemos negligenciar as bases filosóficas e históricas que sempre
orientaram a praxis do Direito. Existe, diz ele, uma base filosófica. Por exemplo, desde os três tipos
de discursos de ARISTÓTELES (discurso deliberativo, que quer conciliar, trabalha sobre a dicotomia
entre o que pode ser útil e o que pode ser prejudicial; discurso epidítico, que trabalha na dicotomia
entre o elogio e a crítica; e, ainda, o discurso judiciário, que também trabalha numa base dicotómica
que é fundamentalmente entre o justo e o injusto). ARISTÓTELES dizia que havia a demonstração
e a dialética que, por exemplo, repercute-se até hoje.

Existem teorias filosóficas das quais o direito bebe, que vão sendo colocadas de lado,
infelizmente, pelo tecnicismo lógico, mas para haver progresso, temos de atentar nisso, na base do
Direito.

Aceção ampla e restrita de interpretação jurídica. O atual entendimento da


interpretação jurídica como processo de concretização constitutivo-normativa. Crítica
da tese segundo a qual in claris non fit interpretatio. Apreciação crítica da legitimidade
institucional e constitucional destes resultados interpretativos

Diante da clareza da letra da lei, não é necessária interpretação – in claris non fit interpretatio.
Esta foi a ideia que vigorou durante muito tempo.

Por exemplo, o jurista devia seguir o sentido literal da lei, apoiado na certeza da lei, certeza do
Direito – Lei da Boa Razão (MARQUÊS DE POMBAL). Esta lei naquela época já estava condenada
a interpretações abusivas. A ideia de certeza do Direito é muito complicada.

Numa ação judicial a única certeza é que vai haver Direito, mas em relação ao conteúdo do
Direito não temos a certeza. A. CASTANHEIRA NEVES afirma que houve uma recuperação deste
pensamento jurídico mais positivista, numa perspetiva mais analítica, no século passado,
entendendo o direito como analise da linguagem.

Para A. CASTANHEIRA NEVES, a tese anterior é inadmissível porque é absolutamente


impossível do ponto de vista linguística, errada a nível exegético e inaceitável do ponto de vista
normativo – “quando a lei é clara cessa a interpretação” constitui uma tese absurda que gerou certeza
na mente dos juristas. A. CASTANHEIRA NEVES vai desconstruir esta tese.

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Quando A. CASTANHEIRA NEVES diz que a tese é impossível ao nível linguístico ele não diz
que ao nível de sintaxe do texto é impossível, mas sim é impossível ao nível da semântica.
Relembremos que temos três níveis na linguagem: 1) sintaxe; 2) semântica; e 3) pragmática. A
semântica diz respeito à interpretação, então a nível hermenêutico é impossível do ponto de vista da
linguagem, porque para que fosse admissível a nível linguístico precisaríamos de satisfazer três
pressupostos: i) os termos que são utilizados na construção e a elaboração das fontes do Direito,
teriam de ser termos utilizados na linguagem comum; ii) os termos da linguagem comum teriam de
ter um sentido único e usual; iii) a utilização destes mesmos termos no contexto judiciário tem de
deixar intocado o contexto comum/sentido comum dos termos. Só quando satisfeitos os três
pressupostos é que poderíamos defender a teoria de que na “clareza do texto da lei, cessa a
interpretação”. A inadmissibilidade funda-se no próprio sentido normativo de todas as expressões
que aparecem no discurso jurídico. E isto sem falar que há uma oposição a esta tese de outras
teorias sofisticadas. Era necessário, para esta tese ser admissível que cada sentido de cada palavra
fosse absoluto: reflexo perfeito do objeto. Por exemplo, a palavra “manga” pode ser uma fruta tropical
ou pode ser a manga da camisola.

Os contributos de outros autores que A. CASTANHEIRA NEVES cita no seu livro e que nos
mostram uma série de coisas são, nomeadamente, como é ingénuo o naturalismo semântico, ou
seja, a ideia de que existe relação natural, unívoca, entre as palavras e a significação e, ainda, que
toda a compreensão que elaboramos com as palavras, existe no uso das palavras um determinado
contexto/uso da linguagem que fazemos.

Ora, avancemos para o nível exegético. Sendo que não podemos esquecer que o texto normativo
não é uma entidade puramente textual, tem uma missão: comunicar, manifestar um certo conteúdo
jurídico, possui um sentido. Não é um texto comum forjado numa linguagem comum, mas é um texto
técnico. A preocupação é com o sentido jurídico do texto pela simples razão de que a lei não é o
texto, não é identificável lei com texto e se o fizermos não podemos esquecer que se trata de um
texto técnico. Não podemos identificar a lei com o Direito, porque o Direito carrega um sentido.

Quanto ao sentido normativo, a interpretação jurídica não tem fundamento linguístico-exegético,


na verdade o fundamento da interpretação jurídica é de base normativo, pelo que temos de refletir
sobre o ato da utilização metodológico de um determinado/certo critério jurídico no juízo decisório,
do processo de tomada de decisão de um certo problema normativo-jurídico. Interessa-nos a
utilização no ato metodológico onde pensamos sobre qual o critério jurídico que é utilizado na tomada
de decisão, e tudo se forja numa base e fundamento normativo.

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“Na problemática da interpretação jurídica se reflete toda a fundamental conceção de direito de


cada época, ao mesmo tempo que esta conceção pressupõe o contexto cultural que vai no horizonte
significativo do jurista.”

A. CASTANHEIRA NEVES

Esta afirmação comprova que a interpretação jurídica (metodologia adotada) está subjacente ao
conceito que se tem de Direito, à forma como o vemos, e isto está ligado à cultura de cada um. Logo,
o direito é uma parte integrante da cultura.

Numa aceção ampla, a interpretação corresponde à determinação de sentidos normativos (e


não meramente hermenêuticos) de qualquer fonte de direito.

Num sentido mais restrito, a interpretação jurídica trata-se de um ato metodológico de


determinação de sentidos normativos de uma dada fonte de direito com o propósito de retirar dela
um critério de decisão jurídico-normativo, no âmbito de uma concreta problemática concretização de
direito, e como momento metodológico e normativo fundamental dessa mesma realização.

Desta forma, uma norma é sempre um resultado da sua interpretação. A interpretação ao propor-
se referir uma fonte (norma interpretanda) às concretas exigências de um problema jurídico, traduz-
se sempre numa concretização constitutiva: a norma obtém-se a partir do problema jurídico.

A interpretação é, assim, imprescindível para a aplicação do direito. Não é, portanto, aplicável o


princípio da exclusão da interpretação in claris non fit interpretatio, pois não é a obscuridade de um
texto que justifica a sua interpretação, mas antes a própria realização concretizadora do direito.

Perante a natureza normativamente constitutiva da interpretação jurídica, também se pode


compreender o facto de o legislador querer, ao longo do tempo, chamar a si as tarefas de
interpretação.

Por fim, interpretar consiste evidentemente em retirar desse texto um determinado sentido ou
conteúdo de pensamento (BAPTISTA MACHADO). Mediante a interpretação “faz-se falar” este
sentido, quer dizer, ele é enunciado com outras palavras, expressado de modo mais claro e preciso,
e tornado comunicável (KARL LARENZ).

Trata-se agora de eleger, de entre os vários sentidos inevitavelmente possíveis da norma, aquele
que, no caso concreto, melhor realiza a sua função estabilizadora (HESPANHA).

Ora, a interpretação jurídica tem por objeto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o
seu sentido prevalente ou decisivo, sendo o Artigo 9.º do Código Civil a norma fundamental a
proporcionar uma orientação legislativa para tal tarefa.

O Artigo 9.º do Código Civil reza que interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas
reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do

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sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo
em que é aplicada (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é o ponto de partida de toda a interpretação,
mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o
pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda
que imperfeitamente expresso (n.º 2); além disso, [n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete
presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu
pensamento em termos adequados (n.º 3).

Assim, a apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação,


embora incompleta, pois será sempre necessária uma tarefa de interligação e valoração, que excede
o domínio literal (JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO).

Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm
elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou
teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição,
tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª
reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das
Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes).

Interpretação em sentido restrito, amplo e global

Existem três sentidos da interpretação jurídica segundo A. CASTANHEIRA NEVES:

§ Interpretação em sentido restrito: é o sentido tradicional, que se forjou, que se tornou


comum, depois de o positivismo legalista e exegético identificar a interpretação jurídica com
a interpretação da lei (base clássica, onde não olhamos para o mundo);

§ Interpretação em sentido amplo: envolve no processo de interpretação da lei um processo


da integração de lacunas, onde se reconhecem as limitações no domínio da interpretação no
sentido restrito. Ora, não basta interpretar a lei, temos de interpretar num sentido de
integração das lacunas. O Direito é um processo capaz de integrar as lacunas, com recurso
à hermenêutica – reconhecimento da insuficiência do dogma da completude do ordenamento
jurídico, que aparece muito na interpretação anterior; postula a integração de lacunas através
de critérios normativos (reconhecemos a hermenêutica e partimos da ideia de que o princípio
é lacunoso e exige um olhar novo);

§ Interpretação no sentido global: a interpretação trabalha a expressão concetual da


totalidade da mediação normativa que é exigida pela realização o Direito pelo legislador –
continuum constitutivo. A. CASTANHEIRA NEVES refere que se exige que reconheçamos
um quadro global do sistema jurídico, ou seja, reconhecer que a interpretação não se fecha
em si mesma, trabalha com normas, mas também princípios e valores e reconhece a ordem

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jurídica como uma unidade/sistema (caráter global), entende todas as fontes do direito, entre
elas também o costume (a mais abrangente, ideia mais aberta de sistema, trabalha com
fontes variadas).

Objeto da interpretação jurídica. Confronto entre a tese tradicional e o atual


entendimento

Quanto ao objeto da interpretação jurídica, existe um confronto entre duas teses: tese tradicional
e tese atual.

Na tese tradicional, o objeto da interpretação jurídica é o texto normativo prescritivo das fontes
em geral, é uma perspetiva textual. Na questão de saber o que se interpreta, a resposta vai ser o
texto jurídico. O que se interpreta é as normas, o texto normativo, as compilações. Há uma base
histórica para esta tese: séc. XI, com o Corpus Iuris Civilis (texto mais antigo), pode ser o ponto de
partido deste pensamento, fontes positivadas, postas pelos poderes da época. Coloca o Direito como
expressão textual. Para A. CASTANHEIRA NEVES, há um avanço da tese tradicional, mas sempre
textual.

No entendimento atual, o pensamento é mais sofisticado, não é reducionista. Propõe a


necessidade de superar, a partir de uma crítica, o entendimento do modelo tradicional. Isto é, superar
pelo reconhecimento das suas insuficiências, dizendo que devemos pensar a interpretação noutras
perspetivas, nomeadamente numa perspetiva mais teleológica, mais finalística. Para além disso,
devemos trabalhar na dimensão global com elementos normativos extratextuais (como, por exemplo,
os valores, os costumes, fontes materiais e sociais que interferem no sistema autopoiético, aberto e
fechado ao mesmo tempo, trabalha com interação com o ambiente e outros elementos não
meramente normativos).

Também se reconhece neste entendimento atual, o continuum da realização do Direito que é o


entendimento sobre a interpretação jurídica; quer acabar com a dicotomia antiga da interpretação vs.
aplicação/integração. Ora, não é mais assim, interpretação, integração, aplicação – trata-se de um
continuum metodológico, porque existe uma unidade metodológica deste processo. Assim, o autor
diz que a interpretação só se irá consumar/realizar no que ele chama de concreto juízo
normativamente decisório – no momento da decisão, da aplicação ao caso concreto. Não é possível,
hoje, separar estes dois momentos: quando se interpreta já se está a aplicar.

Distinção entre interpretação doutrinal e interpretação autêntica: as leis


interpretativas

Na Teoria Pura do Direito de KELSEN, este fornece uma teoria da interpretação do Direito, que
na verdade é um entendimento, dado que este autor não é um hermeneuta, mas sim um civilista.

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§ Interpretação doutrinal: ciência jurídica (doutrina), reveste-se de papel de descrever o


direito positivo, e ao fazer isto interpreta as normas; mas ao interpretar o jurista não cria
direito, dado que estamos perante uma interpretação simplesmente cognoscitiva da ciência
jurídica (é operação do conhecimento do direito – interpretação não autêntica);

§ Interpretação autêntica: aplicação por órgão jurídico que efetua uma certa escolha entre um
rol de possibilidades e vai fazer uma escolha – ato de vontade por parte dos tribunais;
interpretação cognoscitiva do Direito combinada com um ato de vontade, de conhecimento.

A teoria tradicional da interpretação jurídica e o pressuposto da teoria da imanência


do sentido no direito positivo

No que respeita à teoria da imanência do sentido do direito positivo, para A. CASTANHEIRA


NEVES, na teoria tradicional da interpretação jurídica, essa teoria sugere que a significação jurídica
é constituída exclusivamente pelo texto e que apenas nesse texto se deve buscar conteúdo. Este
entendimento é limitador e leva a compreensão autorreferente, fechada do direito – o direito positivo
não procura critérios extranormativos, encontra o sentido na expressão formal escrita, encontrado
de forma dogmática – Escola da Exegese e Escola Histórica do Direito (pensamento de SAVIGNY
sobre a interpretação – a interpretação é a reconstrução do pensamento expresso na letra da lei e
que deve ser encontrado na letra da lei). A. CASTANHEIRA NEVES vai sustentar que no direito
posto encontramos o sentido jurídico.

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21 de abril de 2021

Breves notas quanto às coordenadas metodológicas adotadas pela Escola da


Exegese. O silogismo judiciário como modelo lógico-susbuntivo de aplicação prática
do Direito: silogismo de determinação da consequência jurídica e silogismo de
subsunção (de que resulta a fixação da premissa menor: categorias de K. LARENZ).

Críticas a um modelo lógico-formal de realização do Direito: dificuldades de


autonomização quer da premissa maior quer da premissa menor; dificuldades de
determinação dos conteúdos quer da premissa maior, quer da premissa menor, quer
da própria conclusão. A natureza entimemática das premissas com que lida o Direito:
entre razão teórica e razão prática.

Questões linguísticas implicadas no processo de determinação do sentido da norma


e no processo de determinação da chamada matéria de facto.

§ Direito e Linguagem

Para um jurista italiano, a ciência jurídica será sempre uma grave terribilidade não ver tratado
as consequências do seu paralelismo com as linguagens.

Ora, o que este autor quer dizer é que o direito e a linguagem têm uma plataforma comum,
isto é, operamos/comunicamos dentro da mesma linguagem porque somos dotados de
linguagem. O direito não existe separado da linguagem e o problema da interpretação aprece
inscrito na linguística, sendo um problema linguístico. O Direito e a linguagem estão sempre
ligados – interpretação de uma série de questões conexas (argumentação) e problemas inscritos
que se cristalizam nesta interface entre direito e linguagem.

A. CASTANHEIRA NEVES faz uma reflexão filosófica e linguística da crítica forjada sobre
base filosófica. Com efeito, A. CASTANHEIRA NEVES coloca o problema sobre o ponto de vista
crítico, sendo que não tem uma preocupação muito restrita quando pensamos no problema
linguístico em si, não identifica o direito com discurso (como GREGORIO ROBLES – Teoria
Comunicacional do Direito, que fala do direito como texto).

O Professor RICARDO MENNA BARRETO não gosta de identificar o direito com o texto, não
só como texto, mas também como discurso – comunicação verbal. Só que o discurso jurídico não
tem autonomia, daí a importância das teorias da interpretação. Logo, precisamos de entender o
discurso jurídico como uma interação social situada (comunicação social, histórica, caráter

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político, ideológico) e a partir daí entendemos o discurso jurídico em três formas: pensar direito
enquanto discurso judicial, enquanto discurso doutrinal ou, ainda, enquanto discurso académico
(são estes os três tipos de discurso no direito). Não que não existam outras, mas estas são as
mais importantes. Podemos ainda colocar um em primeiro lugar teríamos ainda o discurso legal,
obviamente. A lei ocupa um lugar fundamental, dado que é um ponto de partida na interpretação
do Direito. Não há/não deveria haver discurso judicial sem lei, sem doutrina, sem jurisprudência,
haveria um problema de direito. Mas quando isto é detetado é porque já interpretamos e,
portanto, sem interpretação não há nada.

“O Direito da Sociedade” de NIKLAS LUHMANN, onde ele afirma que a demanda por teorias
jurídicas, que são elaboradas por juristas (professores, advogados, etc.), nasce de uma fonte
bipartida que é de um lado a prática jurídica (que demanda o acesso a teorias jurídicas
(operadores do direito) e, de outro lado, a docência. Historicamente, os argumentos utilizados no
início eram relativos ao Direito e eram provenientes do processo judicial. Havia um conflito de
interesses e nesse conflito havia uma argumentação e contra-argumentação, sendo que a partir
dali se desenhavam teorias, os esboços do direito. Eram utilizados pelos tribunais e depois eram
reutilizados pelos tribunais, nascendo assim a jurisprudência. Isto para dizer que o que vemos
na prática depois aparece na docência, porque tudo o que vemos na academia, toda a doutrina,
são trabalhos que nascem de uma exigência prática e teórica e que releva na importância da
teoria do Direito em que da exigência teórica nasce a Metodologia do Direito – como é que a
metodologia aparece no séc. XX.

A teoria jurídica que se origina da prática (praxis) não cumpre geralmente o que se pensa
quando se fala em teoria no plano das ciências. Os juristas na prática não estão preocupados
em teorias, mas sim em resolver problemas práticos. Deste modo, LUHMANN diz que o que
nasce da praxis é um produto colateral da necessidade de se tomarem decisões sólidas, que
aparecem com esse formato sólido porque envolvem algum tipo de teorização que parecem
ciência, mas não são ciência porque isto nasce na academia. Temos uma dupla perspetiva:
praxis e docência. O discurso jurídico nasce destas duas e origina dois discursos jurídicos
diferentes.

§ Matrizes Teórico-Jurídicas, Metodologia e Hermenêutica Jurídica

Do ponto de vista teórico é mais correto falar em matrizes do pensamento jurídico, de acordo
com LEONEL ROCHA. Este Professor criou as três matrizes do direito, que é uma ideia rica e
inovadora, que corresponde a um ponto cego teórico do Direito.

Quando falamos em Introdução ao Estudo do Direito e Metodologia do Direito sabemos que


são duas coisas distintas. O maior representante da Teoria Geral do Direito é KELSEN.

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A divisão do pensamento jurídico pode ser colocada em três matrizes de pensamento de


reflexão de como o direito cria uma racionalidade própria para se explicar (LEONEL ROCHA).

A Introdução ao Estudo do Direito (Teoria Geral do Direito) é uma disciplina que é uma
reflexão sobre a teoria do Direito. Temos contacto com situações onde o direito conta com
diversos tipos de descrição do sistema, das várias distinções do sistema. Para descrever as
matrizes, vamos buscar à linguística, na semiótica – Círculo de Viena (KELSEN).

A semiótica é dividida em três dimensões: sintaxe, semântica e pragmática – são as três


dimensões da linguagem, que correspondem às três matrizes da teoria da linguagem.

De acordo com LÚCIA SANTIAELA, a semiótica é o estudo da vida, visto que a vida pode
ser compreendida como uma linguagem, especialmente se considerarmos que o DNA é um
código linguístico para que haja vida, podemos dizer que a vida existe na linguagem. Assim, a
semiótica é o estudo da linguagem e, consequentemente, o estudo da vida.

Por sua vez, CHARLES S. PEIRCE afirma que a semiótica é a ciência que estuda os signos
linguísticos, a partir da sintaxe, semântica e pragmática, ou seja, falamos aqui da linguagem.

A hermenêutica envolve a teoria da interpretação e a interpretação envolve linguagem, e a


linguagem é a sintaxe, semântica e pragmática.

Quanto à sintaxe, do ponto de vista da linguagem, é a área que estuda a estrutura formal,
através de uma análise lógica de como as palavras se relacionam entre si, isto é, envolve a
construção do texto, do ponto de vista lógico e formal.

Relativamente à semântica, trabalha na averiguação do sentido das proposições, tenta


perceber a relação entre o enunciado contido naquela preposição e a realidade – averiguação
do sentido das proposições linguística, considerando o sentido que tem no direito. Texto em
relação à realidade.

Quanto à pragmática, constitui um estudo das preferências discursivas da comunicação; é a


própria comunicação.

LEONEL ROCHA relata as construções teórico-jurídicas desde o nível semiótico dessas


construções e, para isso, resume-as a partir de três matrizes que são características do direito:
analítica à sintaxe; hermenêutica à semântica; sistema ou comunicação social/sociedade à
pragmática. (à = relaciona-se com)

A Teoria Geral do Direito (Introdução ao Estudo do Direito) é o que se estuda na analítica. A


filosofia analítica aparece preocupada com os elementos do direito, como a metateoria, que
descreve o sistema através de uma linguagem rigorosa da ciência do direito (metateoria que

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trabalha com a linguagem objeto). Pensamos o sistema a partir da estrutura normativa que é
descrita pela ciência do Direito, que é para todos os efeitos Introdução ao Estudo do Direito.

KELSEN foi o elaborador da teoria onde descreve tudo o que estudamos em Introdução ao
Estudo do Direito – Teoria Pura do Direito; é o grande representante da matriz analítica,
representado pelas três matrizes.

Outro representante da matriz analítica é NORBERTO BOBBIO, um neopositivista,


reconhecido pelo seu contributo para a ciência do Direito e tudo o que estudamos em Introdução
ao Estudo do Direito aparece nos livros destes dois autores.

A metodologia precisa de uma base normativa e do conhecimento do funcionamento do


próprio sistema, para depois podermos interpretar o próprio sistema. Como interpretar a
hierarquia jurídica se não soubermos o que ela significa? Ideia da pirâmide (KELSEN). A matriz
analítica vinculada à sintaxe da linguagem, porque estuda as preposições normativas (plano
restrito) não se preocupa com a aplicação.

Como é que estas preposições normativas se organizam?

O positivismo jurídico está inscrito na analítica, falamos de uma matriz analítica. Não é por
acaso que KELSEN aparece como positivista analista. KELSEN ficou famoso por, na doutrina da
Teoria Pura do Direito, apresentar o dualismo entre ser e dever ser. A norma está no plano do
dever ser, KANT e DAVID HUME já afirmavam isto. KELSEN encontra esta dicotomia no
passado. Para além disso, KELSEN descreve o Direito como realidade normativa, por isso
privilegia aspetos lógicos em detrimento dos factos – plano do dever ser. Na interpretação temos
de atender aos factos, mas ao descrever o sistema ele não se preocupa com a dimensão social
do conhecimento jurídico.

No que respeita à 2.ª matriz – hermenêutica à semântica – trata da interpretação do direito,


sendo que não se preocupa com a descrição sintática dos objetos, com as construções
proposicionais normativas, mas sim com a correspondência que existe entre estas proposições
normativas e o mundo real – LEONEL ROCHA (como o facto se conecta com a realidade).

Porque é que a hermenêutica se relaciona com a semântica? Falamos aqui de interpretação


da realidade e das normas. A hermenêutica interpreta textos, entendemos por teoria da
interpretação.

HERBERT HART e RONALD DWORKIN foram grandes nomes na hermenêutica, assim como
A. CASTANHEIRA NEVES.

O sentido que fazemos ao interpretar é o relevante – pragmática, o direito comunica. A


comunicação humana foi muito importante. O direito é visto como uma estrutura social
(LUHMANN). O direito é uma forma de comunicação social, comunica expectativas. Por sua vez,

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LUHMANN disse que o Direito era expectativa, uma vez que uma norma jurídica é uma
expectativa de que aquela norma se cumpra. Mais do que o dever ser, é melhor dizer que é uma
expectativa social normativa. O Direito é um texto que comunica (ROBLES). E estes textos nada
mais são do que expectativas sociais (LUHMANN) que são generalizadas pelo Direito em três
dimensões: 1) dimensão temporal: normativa – porque a norma está no passado, o sentido
jurídico foi estabilizado no passado e atualizamo-lo por meio da interpretação, e a norma jurídica
nasce da interpretação, dado que o que temos antes é um texto, mas o sentido só nasce depois
da interpretação; 2) dimensão social: institucionalização da norma – tem que haver um
consenso de como a norma se interpreta; 3) dimensão prática: doadora de sentido – o sentido
de facto tem que ser produzido, que daí surja o consenso – dimensão social.

O texto normativo foi estabilizado e depois o sentido é renovado pela interpretação.

§ Centralidade jurídica da problemática da interpretação jurídica e seu relevo no


atual contexto metodológico

No curso da licenciatura, atravessamos dois momentos: um analítico (em Introdução ao


Estudo do Direito), um semântico-hermenêutico (em Metodologia do Direito) e um terceiro
momento, pragmático, que aparece na vida prática com a reprodução do sistema – comunicação
e reprodução da comunicação jurídica.

Para simplificar: 1.º ano à analítica; 4.º ano à semântica; após a licenciatura à pragmática.

No entanto, é no plano da hermenêutica que encontramos a expressão problemática da


expressão jurídica e da interpretação jurídica.

O atual problema metodológico da interpretação jurídica está relacionado com a nossa


disciplina (A. CASTANHEIRA NEVES).

A interpretação jurídica é um problema hermenêutico ou é um problema normativo?

Sabemos que temos três matrizes, sobre as três vertentes da semiótica. A. CASTANHEIRA
NEVES faz esta pergunta e distingue se o problema da interpretação é um problema semântico
ou analítico, pergunta feita a partir da semiótica. A resposta é: hermenêutica.

A. CASTANHEIRA NEVES fez esta pergunta e não é por acaso: a interpretação jurídica visa
tão só a determinação e assimilação de um sentido, de uma significação e nessa determinação
esgota-se ou não se realiza já em si uma intenção, sendo judicativo-decisório é ela também em
si prática-normativa?

Esta pergunta feita por ele, leva a uma distinção entre 1) hermenêutica-compreensiva, ou
hermenêutica em sentido próprio ou sentido restrito; e 2) hermenêutico-analítica, que é a
interpretação analítica-linguística, fundamentalmente semântica. A interpretação do direito

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carrega uma dimensão analítica e isso já foi provado pela doutrina exegética – estava
preocupada com a analítica, com situações de interpretação limitada; o juiz não interpreta,
comunica o sentido do que está escrito, não há espaço para interpretação, para os juspositivistas.

Isto posto, A. CASTANHEIRA NEVES refere que existe uma tradição hermenêutica – a
hermenêutica teológica, estudos dos livros bíblicos, etc. – exegese analítica. Existe uma
hermenêutica estrita, mais semântica, dimensão que reflete como esses objetos podem
referenciar a algo exterior a eles.

Como é que a hermenêutica ganha uma forma diferenciada do ponto de vista jurídico? Como
é que podemos pensar o direito a partir de uma conceção hermenêutica?

§ Cânones Hermenêuticos: a contribuição de E. BETTI

E. BETTI foi um autor importantíssimo no âmbito da hermenêutica. Ele definia a interpretação


como uma ação cujo evento útil é o entendimento. Ele refere que para compreendermos a
unidade do processo interpretativo, só precisamos de retornar ao fenómeno elementar do
entendimento que age por meio da linguagem. Não é por menos que encontramos no A.
CASTANHEIRA NEVES o E. BETTI.

Para além disso, este autor coloca uma questão importantíssima: a interpretação jurídica
pode ter os resultados controlados a partir da observância daquilo que ele chamou de cânones
hermenêuticos, que podem ser encontrados em vários lugares (por exemplo, no Direito Civil).
Existe uma tradição no Direito Civil de colocar no texto a interpretação, normalmente versando
nos Artigos 8.º e 9.º do Código Civil. É uma preocupação do legislador com a hermenêutica.

Com efeito, quando o autor diz que no Direito Civil a partir de categorias civilísticas podemos
encontrar os cânones, o E. BETTI diz que isso pode conduzir o aplicador do direito naquele
processo interpretativo. Ora, isso não é só no Direito Civil, tem noutros campos do Direito.

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28 de abril de 2021

Aceção restrita de interpretação jurídica: o atual entendimento da interpretação


jurídica como processo de concretização constitutivo-normativa do Direito

Volta-se a um ponto importante da conceção de interpretação jurídica de A. CASTANHEIRA


NEVES: são questões semelhantes às das linhas das três matrizes. Nas três matrizes há a sintaxe,
hermenêutica e sistemista. Quando se fala em interpretação jurídica, transita-se na segunda
dimensão da simbiótica, a dimensão semântica. Quando se fala na hermenêutica jurídica, está-se
no campo da semântica.

A. CASTANHEIRA NEVES coloca uma pergunta que leva à interpretação: a interpretação jurídica
visa a determinação e a assimilação de um sentido ou de uma significação normativa, ou realiza em
si mesma uma intenção que por ser judicativo-decisório é também constitutivo-normativo? Isto é, a
interpretação é um puro ato determinativo ou é um ato normativo? A interpretação jurídica é norma
ou é uma determinação de sentido?

Para responder a esta pergunta, segundo o A. CASTANHEIRA NEVES, em primeiro lugar, tem
de se ponderar o caso jurídico. Para isto tem de se entender o que é que a interpretação jurídica
envolve. O caso não é só o objeto decisório-judicativo, o caso jurídico é mais do que isso. O caso é
quando o intérprete se depara com um problema, com uma perspetiva problemática intencional, que
acaba por condicionar tudo. É em função desse caso (desse problema) que nos vamos interrogar e
procurar resolver o problema.

Considerando esta ideia chega-se à conclusão de que a interpretação jurídica é uma


determinação normativa pragmaticamente orientada (tem propósito pragmático) de um critério
jurídico estabelecido pelo direito vigente.

A. CASTANHEIRA NEVES distingue a expressão critério jurídico de fundamento jurídico: o


fundamento jurídico refere-se ao elemento justificativo invocado na conclusão racional de um
discurso jurídico problemático, isto é, o fundamento jurídico é a justificação que é invocada sempre
que se tem de fundamentar racionalmente uma decisão judicial; o critério jurídico é o meio técnico
que pré-esquematiza a solução, solução essa que tem de ser fundamentada juridicamente, o critério
jurídico aparece antes. É pelos critérios que se vai chegar ao fundamento. Sem critério não há
fundamento. Se se chegar ao fundamento sem critério, está-se perante uma decisão forjada pela
consciência do intérprete, o que é perigoso, porque não se consegue participar na consciência do
outro (por exemplo, a situação da Inquisição). Tem de se ter material jurídico (provas, critérios), para
que se possa partilhar o sentido. É através do critério que se vai chegar ao fundamento.

Segundo A. CASTANHEIRA NEVES, só os critérios são interpretáveis, oferecem-se como


objeto de interpretação. Já os fundamentos possibilitam e sustentam a interpretação, que é sempre

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contingente. Pode-se usar os mesmos critérios e chegar a soluções diferentes. Os fundamentos, em


alguma medida, servem para forjar o processo hermenêutico, o processo interpretativo.

Do ponto de vista hermenêutico, é um problema grave fazer uma distinção entre as etapas do
processo hermenêutico.

No entanto, A. CASTANHEIRA NEVES entende que se se quiser observar o sistema jurídico,


percebe-se que os princípios jurídicos são os fundamentos e os critérios são as normas. A.
CASTANHEIRA NEVES está a querer dizer que no sistema da civil law, as regras são critérios, são
critérios que estão dispostos num sistema. Somente estas regras (e não os princípios) podem
desempenhar uma função metódica de critérios. Isto porque as regras têm força vinculante da
autoridade político-jurídica (serem impostas pela autoridade). As normas são o núcleo duro da civil
law.

Do ponto de vista hermenêutico, há uma abertura em termos de suporte fáctico quando se fala
de regras e princípios. As regras e os princípios têm dimensões diferentes no sistema e,
consequentemente, efeitos diferentes. Contudo, elas têm uma característica em comum, quando se
observa um sistema com os seus critérios e, logo, com os seus fundamentos, todas elas conduzem
ao horizonte pragmático e problemático. Tanto as regras como os princípios conduzem para o
horizonte pragmático e problemático. É este horizonte que A. CASTANHEIRA NEVES chama de
pragmático e problemático, que se interpreta, ao qual se faz da pergunta.

A. CASTANHEIRA NEVES coloca a seguinte pergunta: Qual o objeto da interpretação solicitada


pelo caso (a interpretação que vai ser realizada) segundo a intencionalidade por ele constituída? Isto
é, todo o caso convoca o sistema. Todo o caso exige uma resposta que será encontrada no sistema,
em tese. Contudo, é necessário entender as características do sistema, principalmente quando se
fala do sistema da civil law. Se os critérios, neste tipo de sistema, são normas, então as normas
serão o objeto. Não se trataria de qualquer norma, mas sim apenas aquelas normas que são
aplicáveis ao caso. Porque o intérprete ao procurar a solução do problema ao qual é chamado, ele
encontra no sistema a resposta pré-estabelecida. Por isso é que se tem a ideia da programação
condicional. O Direito é um programa que oferece as respostas previamente estabelecidas. Por
serem respostas previamente estabelecidas, ele é uma espécie de tecnologia que é dogmática,
porque joga com o passado.

Para além disso, A. CASTANHEIRA NEVES fala em normas, mas só aquelas que são aplicáveis
ao caso, o que gera outra pergunta: Como considerar que uma norma determinada é aplicável e não
outras? Qual é o critério para considerar que uma norma é aplicável e outra não? Existe um caminho
metodologicamente estabelecido que determina o que se deve seguir. O sistema coloca os critérios,
mas tem de se entender como fazer as escolhas e isto é a metodologia.

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O problema da interpretação jurídica, para A. CASTANHEIRA NEVES, é uma questão muito


peculiar, porque ele tem um pensamento no qual ele estabelece a pergunta como ponto de partida,
questionando se a interpretação é um problema normativo ou um problema hermenêutico. O sistema
tem critérios e que também há fundamentos. Por outro lado, precisa-se de critérios hermenêuticos
interpretativos para pensar os critérios jurídicos, para fazer a seleção. Perante isto, A.
CASTANHEIRA NEVES questiona se o intérprete está perante um problema normativo ou de um
problema hermenêutico.

O problema interpretativo é implicado pela natureza prática-normativa do caso.

Há um modelo tradicional da interpretação jurídica que insiste que o objeto da interpretação é o


texto das normas jurídicas.

Por sua vez, A. CASTANHEIRA NEVES afirma que não é do texto das normas jurídicas que se
trata esta questão. Segundo A. CASTANHEIRA NEVES, o problema que se tem de analisar é o da
normatividade que as normas jurídicas como critérios que são oferecem ao caso concreto. É uma
pobreza extrema pensar que a norma é texto. A norma é muito mais do que o texto, a norma integra
também a normatividade.

Assim, segundo A. CASTANHEIRA NEVES, é necessário distinguir no processo interpretativo o


que é, na norma jurídica, a expressão significante e o que é a normatividade.

A expressão “significante” leva-nos para um lugar que é o conteúdo da norma composto pelo
texto. A. CASTANHEIRA NEVES questiona se é a que faz a norma ser norma. Será que na
interpretação jurídica se visa a expressão da norma? Será que o que se busca ao interpretar uma
norma, é a norma da norma? A. CASTANHEIRA NEVES questiona ainda: o que é que se visa ao
interpretar uma norma, o texto ou a norma?

Na Teoria do Direito diz-se que a norma é o que resulta de uma interpretação. Antes do processo
interpretativo não há norma. Isto significa que o que se busca ao interpretar não é o texto, mas sim
o sentido jurídico que é expresso pelo texto. É a norma enquanto norma que faz com que
interpretação jurídica se realize. Daí que A. CASTANHEIRA NEVES fale no objeto intencionalmente
normativo-jurídico.

Este pensamento distintivo entre texto e norma, leva-nos para o lugar do objeto da interpretação
jurídica.

A norma carrega o texto normativo, mas ela também expressa uma normatividade. Quando se
fala em normatividade, significa que a norma é mais do que o texto. A norma é o resultado da
interpretação do texto. Segundo A. CASTANHEIRA NEVES, no processo de aplicação da norma
busca-se atingir o objetivo da normatividade prático-jurídica, a partir do problema do caso. Todo o

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caso problemático invoca uma norma ou critérios. Tudo isto para, do ponto de vista material, se
chegar à solução judicativa ou judiciária.

No que diz respeito à distinção entre norma e caso, A. CASTANHEIRA NEVES afirma que o
positivismo hermenêutico pregou sobre um processo interpretativo centrado na norma. Porém,
quando num processo interpretativo nos centramos na norma, há um problema, porque há uma
tendência para colocar de lado o caso e se centra no texto normativo, na norma. Mas a decisão não
é obtida apenas da norma (do texto normativo). Tem de se entender a norma para além do texto,
isto significa entender a norma dentro da sua normatividade. Daqui a distinção entre o texto normativo
e a normatividade.

Contudo, isto gera uma questão por A. CASTANHEIRA NEVES: a normatividade da norma seria
a função concreta da problematicidade jurídica do caso que é colocado pela norma? Segundo A.
CASTANHEIRA NEVES, o caso convoca a norma.

A. CASTANHEIRA NEVES dá duas hipóteses:

1) Se o objeto problemático é, de todo o modo, o caso concreto que está a ser decidido, então
pretende-se manter a norma com esquema metódico, reconhecendo nela um sentido
normativo, que resiste num plano abstrato;

2) Se o objeto problemático não é, de todo o modo, o caso concreto que está a ser decidido,
então recusa-se a possibilidade anterior. Entende-se que é no problema do caso que a norma
é interrogada, e é nessa interrogação para o caso que a norma oferece a sua normatividade.

Na primeira hipótese, há um sentido normativo que subsiste, está lá no plano acessível. Na


segunda hipótese, há uma norma que surge, que nasce, que é perguntada quando se está diante do
caso. A norma só surge no caso, ela só é interrogada quando o caso convoca essa norma e ela
oferece a sua normatividade ao caso (isto pressupõe uma dimensão hermenêutica/interpretativa, a
resposta está além do texto).

A primeira hipótese surge no pensamento alemão (FRIEDRICH MÜLLER). A ideia é que tratando-
se de uma norma jurídica aplicada a um caso, ela deve ser interpretada, segundo a hermenêutica
jurídica tradicional, referindo-se a um texto (há referência ao teor textual). Quando se refere ao teor
textual, está-se a trabalhar sobre um quadro de normatividade e de realização do Direito que o caso
convoca, mas com apelo textual. O teor do texto é que define o quadro de possibilidades de
interpretação. Dentro da moldura é que se interpreta (Capítulo XVIII da Teoria Pura do Direito,
KELSEN). O caminho é visto enquanto método estruturante, tendo em vista a concretização da
norma.

A segunda hipótese tem como representante PERELMAN, e é uma perspetiva que desloca a
discussão do texto, forjada sobre o problema textual da norma e joga no campo da argumentação.

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Trata a dimensão tópica e argumentativa, explorando a dialética entre o texto e as possibilidades de


aplicação da norma. Toda o texto é deslocado para algo muito mais rico (caso jurídico).

A. CASTANHEIRA NEVES fala na normativa concretização do texto. Para isso é necessário olhar
sobre o caso, porque há naquilo que se forjou como um chamado senso comum teórico jurídico, há
uma ideia de que o Direito é o texto normativo e só assim se conhece aplicar a norma ao caso
concreto.

Uma coisa é o texto outra é o caso. No positivismo, havia grande identificação com o texto.

Como é que o Direito nos engana? Enquanto o computador não for dotado da capacidade de
compreensão, a máquina não vai decidir pelo ser humano. O engano do engano: o Direito me
enganou. Quando nos descobrimos licenciados no Direito, nós descobrimo-nos com a sensibilidade
de perder. Como é que o Direito nos tira a sensibilidade? Como? Como é que a vida me vai mostrar
que me tornei uma pessoa insensível?

Para A. CASTANHEIRA NEVES (mais inclinado para a segunda hipótese), a decisão jurídica é
o resultado de uma técnica judicativa que vai procurar razões ou fundamentos para um caso
concreto, em uma concreta dimensão histórico social de diálogo. A. CASTANHEIRA NEVES não se
inclina para a primeira ideia, que é aquela que joga com a ideia de um texto e a sua concretização,
mas sim com a ideia que joga com o pensamento metodológico que transcende a interpretação
textual, mas que nem por isso se fica apenas pela casuística. A razão é que o problema concreto vai
sempre convocar a normatividade que é pressuposta. A. CASTANHEIRA NEVES diz que esta
normatividade vai aparecer mediada pela norma. Assim, não é só texto e também não é só caso.
Mas todo o caso convoca uma dimensão normativa, está disponível num quadro que é o sistema,
que pode aparecer sobre a forma de critério ou de fundamento.

Implicações

Tudo isto vai levar a algumas implicações, porque se consideramos a perspetiva de A.


CASTANHEIRA NEVES, que é uma proposta que não cai no positivismo normativista, nem no
positivo hermenêutico. Também não cai nas divagações da filosofia, porque o problema é que
quando se desconecta da dimensão metodológica clássica, os métodos e a interpretação caem.
Alguns caem na filosofia e não conhecem do Direito. Ficam em abstrações que não levam a nada
prático.

Se se considerar as reflexões sobre a interpretação jurídica de A. CASTANHEIRA NEVES com


todas as distinções que ele nos expôs, que vai desde o critério e fundamento até à norma e o caso,
isto traz uma série de reflexões:

a) Crítica da tese segundo a qual in claris non fit interpretativo

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A crítica que A. CASTANHEIRA NEVES à tese de que quando a norma é clara não precisa
de ser interpretada.

De um ponto de vista linguístico, semântico e exegético, é muito complicado pensar isto, esta
tese cai. Esta tese vem com força reforçada com o movimento das codificações, graças à Escola
da Exegese (séc. XIX), onde não cabe a interpretação e simplesmente se aplica o texto.

A. CASTANHEIRA NEVES derruba esta tese. A crítica a esta tese feita por A. CASTANHEIRA
NEVES demonstra que esta é improvável a nível semântico e textual, mas também exegético.

b) A interpretação da lei e o poder legislativo

Outra dimensão do problema da interpretação prende-se com o facto de existir, do ponto de


vista metodológico, algo que pertence à área legislativa, e que aí seria uma conceção de método
forjada na perspetiva do legislador do processo, e outro é quando há uma deslocação do texto
posto positivado para a aplicação. Não cabe falar do ato de legislar.

A dimensão interpretativa do ato de legislar é um problema jurídico. A. CASTANHEIRA


NEVES coloca a problemática de como o poder legislativo se arroga, ao legislar, da titularidade
do Direito. Há uma disputa entre quem escreve (a figura do legislador) e quem aplica (o
intérprete). Há um certo conflito entre o poder jurídico legislativo e o poder judicial.

Segundo A. CASTANHEIRA NEVES, este conflito dá-se pelo total domínio do Direito. Não se
pode pensar a interpretação como algo exclusivo do legislador. O poder legislativo interpreta de
modo vinculante as leis que ele prescreve, mas não pode haver uma proibição, por parte da
instância legislativa, que as outras instâncias, como a instância judicial, interpretem.

Contudo, do ponto de vista histórico, isso já aconteceu (na Revolução Francesa). Há proibição
de interpretar (juiz como boca da lei). Se formos à história, isto aconteceu desde JUSTINIANO
até à Revolução Francesa. A instância legislativa pode, em certa medida, obstar o processo
hermenêutico que envolve o aplicador do direito determinar o sentido da norma, de maneira que
o intérprete não consiga adaptar o texto à realidade concreta.

c) Apreciação crítica da legitimidade institucional e constitucional dos frutos


daquele processo

Para A. CASTANHEIRA NEVES, devemos considerar a legitimidade institucional e


constitucional do processo. Por seu turno, A. CASTANHEIRA NEVES utiliza a expressão de
limites políticos institucionais da criação jurídica interpretativa no contexto do Estado de Direito
(contexto institucional e constitucional). Quais são os limites da criação jurídica no plano político-
institucional:

- à luz do princípio do Estado de Direito

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- à luz dos princípios da separação de poderes e do princípio da legalidade

- necessidade de repensar os mesmos princípios

A. CASTANHEIRA NEVES problematiza a índole da interpretação no processo do problema


da validade constitucional do Direito, da criação do Direito. Ele não se preocupa com o legislador.

A. CASTANHEIRA NEVES faz outra distinção: interpretação legislativa e interpretação


jurisdicional. Esta distinção deve ser feita pelo relevo jurídico dos diversos processos
interpretativos, a qual merece ser problematizada.

A interpretação do legislador é vinculante, o legislador opera dentro de um quadro legal, A.


CASTANHEIRA NEVES vai mais além e diz que o legislador faz uma interpretação sobre si
mesmo. Por isso, esta interpretação vai ser chamada de interpretação autêntica (não é a
interpretação do capítulo XVIII da Teoria Pura do Direito).

A. CASTANHEIRA NEVES vai diferenciar a interpretação autêntica (do legislador), da


jurisdicional (do juiz) e da doutrinária (da doutrina). Ele vai fazer esta diferenciação pela índole
metodológica da interpretação.

Para KELSEN, na Teoria Pura do Direito, ele entende que a interpretação autêntica é aquela
que é realizada pelos órgãos jurisdicionais. Ele também refere uma interpretação não autêntica.
No entanto, vários trabalhos doutrinários já serviram de base a decisões judiciais.

A índole jurisdicional e a índole doutrinal são diferentes, e não é por uma ser prática
(jurisdicional, pois o juiz aplica) e a outra ser mais teórica (doutrinária, porque o doutrinador está
a refletir sobre bases teóricas complexas). Segundo A. CASTANHEIRA NEVES, as duas são
práticas do ponto de vista problemático-jurídico. Do ponto de vista do problema, a índole
jurisdicional e a índole doutrinal são ambas práticas.

A diferença é que a interpretação doutrinária tende a considerar um problema jurídico


concreto, mas de uma perspetiva diferente do aplicador. O aplicador pensa sobre o caso, o
doutrinador pensa o problema a partir de uma perspetiva dogmática-problemática. Ele pensa o
sistema não operando o sistema decidindo o caso. Ele pensa o caso para propor uma forma de
resolver o caso e não para resolver o caso.

Âmbito da Interpretação Jurídica: sentidos restrito, amplo e global. Entre


interpretação, integração, e desenvolvimento autónomo do Direito

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5 de maio de 2021

Objeto da interpretação jurídica. Confronto entre a tese tradicional e o atual


entendimento

O objeto da interpretação jurídica variará conforme a conceção que possuímos de Direito.


Tradicionalmente, no séc. XIX, como o direito se identificava direta e unicamente com a lei, então o
objeto da interpretação era o texto da lei. Nos tempos atuais, o objeto não é o formalmente
significativo, isto é, não é o texto da lei enquanto texto, mas é o objeto intencionalmente normativo-
metodológico, ou seja, refere-se à norma que se pretende expressar através do texto. Hoje, portanto,
verifica-se a existência de uma intenção normativa adjacente a todo o texto jurídico.

De acordo com BAPTISTA MACHADO, a interpretação doutrinal e a interpretação autêntica


trabalham no sentido de tentar circunscrever um universo de possibilidades que se operam no plano
da linguagem, dado que o texto normativo guarda diversas possibilidades de sentido. Sempre que
estamos perante o conteúdo de uma lei temos um conjunto de palavras que formam um texto. Este
pode apresentar problemas, tais como a polissemia (as palavras do texto normativo podem ser
ambíguas, dado que carregam mais do que um sentido). Por sua vez, tais problemas levantam
problemas no plano da interpretação gerando uma consequência no plano da aplicação.

Ora, BAPTISTA MACHADO refere que os problemas surgem dado que a expressão verbal pode
ter traído o legislador. O legislador tem que pensar em todos os problemas do mundo da vida, tem
que traduzir isso num texto normativo e naturalmente os problemas vão surgindo à medida em que
o texto pode carregar mais um sentido. A lei é um instrumento de prática, conformação e ordenação
da vida em sociedade; é um texto normativo que se dirige a uma generalidade de indivíduos. Por
esse motivo, a lei vale para um sem número de casos, isto é, a lei comporta uma série de situações
possíveis.

A interpretação é a operação da qual o intérprete vai fixar o sentido e o alcance normativo que o
texto deve valor – fixação do sentido (BAPTISTA MACHADO). Nestes termos, a fixação do sentido
advém do facto de existirem vários sentidos possíveis e, como tal, temos que escolher sempre um
sentido. Entre todos os sentidos possíveis do texto precisamos de escolher um sentido. Para além
disso, quais serão os critérios utilizados para a fixação desse sentido. Por seu turno, o intérprete vai
ter de extrair ou fixar um sentido que seja válido para todas as pessoas e para todos os casos em
situações idênticas.

Assim, o intérprete tem como função fixar um sentido que seja decisivo da lei e que garanta o
mínimo de uniformidade nas soluções que são estabelecidas. O trabalho do intérprete consiste,
portanto, na procura de um mínimo de critérios para a uniformização das soluções jurídicas que
serão apresentadas. A razão da procura de critérios visa resguardar as espectativas da comunidade,

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transmitir segurança e certeza e, acima de tudo, evitar a arbitrariedade, o solipsismo (evitar que o
sujeito tome a decisão com base na consciência) e o casuísmo no processo de tomada da decisão.

Historicamente, no período da Inquisição num determinado julgamento o processo de tomada de


decisão não apresentava critérios para que ele era julgado – critérios obscuros. Ou seja, durante o
período da Inquisição todas as instruções que se tinham acerca dos processos de feitiçaria eram, na
verdade, uma leitura bastante tendenciosa que os julgadores faziam, fruto de uma interpretação
cujos critérios não eram acessíveis. O ritual era quase imutável, sendo que havendo suspeitas
procuravam sinais no corpo das pessoas (sinais do Diabo), eram torturadas e a partir daí produzia-
se contra a pessoa a prova – desconhecimento dos critérios por parte das pessoas, critérios que não
eram visíveis até à morte dos suspeitos (apenas os julgadores os sabiam). Só a partir do séc. XVII
há uma mudança na consciência da magistratura.

Em suma, a disposição legal apresenta-se ao jurista como um enunciado linguístico, como um


conjunto de palavras que constituem um texto, como um conjunto de palavras que constituem um
texto. Interpretar consiste evidentemente em retirar desse texto um determinado sentido ou conteúdo
de pensamento. O texto comporta múltiplos sentidos (polissemia do texto) e contém com frequência
expressões ambíguas ou obscuras. Mesmo quando aparentemente claro à primeira leitura, a sua
aplicação aos casos concretos da vida faz muitas vezes surgir dificuldades de interpretação
insuspeitadas e imprevisíveis. Além de que, embora aparentemente claro na sua expressão verbal
e portador de um só sentido, há ainda que contar com a possibilidade de a expressão verbal ter
atraiçoado o pensamento legislativo. Daí a necessidade de interpretação, ou seja, daquela atividade
do jurista que se destina a fixar o sentido e o alcance com que o texto deve valer.

De entre os sentidos possíveis do texto há que eleger um, mas não um qualquer de entre os
sentidos possíveis. Sendo a lei um instrumento de prática conformação e ordenação da vida social,
dirigida a uma generalidade de pessoas e a uma série indefinida de casos, deve procurar extrair-se
dela um sentido que valha para todas as pessoas e para todos os casos. Deve, pois, fixar-se um
sentido decisivo da lei que garanta um mínimo de uniformidade de soluções. Para esse efeito julga-
se indispensável fixar um conjunto de diretivas ou critérios que devem orientar a atividade do
intérprete, por forma a evitar o casuísmo e o arbítrio de cada julgador, incompatíveis com as
necessidades da vida social, incompatíveis, designadamente, com a segurança jurídica. Esse
conjunto de diretivas ou cânones hermenêuticos constitui a chamada metodologia da interpretação
ou hermenêutica jurídica.

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Distinção entre interpretação doutrinal e interpretação autêntica: as leis


interpretativas

Assim, KELVIN distingue:

§ Interpretação autêntica: realizada pelo próprio legislador. O órgão competente que cria uma
lei (por exemplo, a Assembleia da República) tem também competência para interpretar,
modificar, suspender ou revogar alguma norma (BAPTISTA MACHADO). Significa isto que,
uma vez promulgada certa lei e suscitadas dúvidas importantes acerca do seu exato sentido
ou alcance, o órgão que a editou tem competência para a interpretar através de uma nova
lei. Para se criar uma lei têm de se observar certos critérios, precisamente para atender ao
escalão (KELVIN) da hierarquia das normas (tem que se interpretar conforme esse escalão)
– processo de criação da lei. Assim sendo, a interpretação autêntica é uma manifestação da
competência legislativa, sendo que a força vinculativa se encontra no órgão que promulgou
a dita norma. As leis interpretativas são o seu produto (Artigo 13.º do Código Civil – “a lei
interpretativa integra-se na lei interpretada”), isto é, as leis que apenas se destinam a fixar o
sentido com que deve valer uma lei anterior. Uma vez que a sua promulgação não obedece
aos mesmos parâmetros que a lei normal, esta pode ser usada como pretexto de criação de
direito novo. Às leis interpretativas contrapõem-se as leis inovadoras.

§ Interpretação doutrinal: interpretação jurisdicional e administrativa. Feita pelos tribunais,


pela doutrina, académicos, etc. Tem apenas a intenção de clarificar alguma norma menos
clara. A força vinculativa encontra-se na argumentação. A doutrina é, por excelência, a
fixadora dos critérios. O modo como a doutrina “prescreve” não tem naturalmente a força de
uma lei, mas contribui para a praxis (BAPTISTA MACHADO).

Os cânones ou diretivas hermenêuticas são dirigidas ao aplicador, aquele que está a interpretar
o direito para o aplicar; não vinculam o órgão com competência legislativa: a interpretação (lei
interpretativa) fixada por tal órgão vale com a força inerente à nova manifestação de vontade do
legislador. Na interpretação doutrinal essa tem apenas a força ou poder de persuasão (não é
vinculante) que decorre da sua fidelidade aos cânones de uma metodologia jurídica correta, do seu
maior ou menor acerto na “descoberta” do direito. De acordo com BAPTISTA MACHADO, existem
regras do ponto de vista da doutrina da interpretação e da aplicação do direito que não podem ser
encontradas na doutrina, mas encontramos nas leis interpretativas.

Posto isto, o intérprete fica entre estes dois mundos: aquilo que a lei prescreve sobre a
interpretação que não é uma regra e aquilo que a doutrina coloca tradicionalmente.

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A teoria tradicional da interpretação jurídica e o pressuposto da teoria da imanência


do sentido no direito positivo: objetivos, elementos e resultados da interpretação

A teoria tradicional da interpretação jurídica baseia-se em fundamentos juspositivistas, tendo


como objeto o texto da lei. O recurso a elementos estranhos e exteriores ao direito para providenciar
as determinações ou as realizações desse direito não era permitido – dogma da imanência do sentido
no direito positivo. A interpretação tem natureza exegética e não normativa, e por isso é que se
pretende superar este modelo. Todavia, este objetivo não foi, até hoje, cumprido.

Objetivos da interpretação jurídica: polémica entre subjetivismo/objetivismo e entre


historicismo/atualismo

O quê que leva o legislador a esculpir no texto normativo certos “nortes” hermenêuticos?

Na teoria tradicional da interpretação jurídica debateram-se vários métodos, que apesar de terem
o mesmo ponto de partida, o texto da lei, têm diferentes objetivos – querela dos métodos (BAPTISTA
MACHADO):

§ Teses subjetivistas: visam a reconstrução do pensamento do legislador expresso na


formulação legal – mens legislatoris (vontade ou intenção do legislador); movimento que o
intérprete faz no processo hermenêutico normativo em que ele tenta desvelar, a partir de um
processo argumentativo, a vontade do legislador. A atividade interpretativa deve ir apontada
à descoberta da vontade do legislador, dando menos peso à objetivação linguística dessa
vontade no texto ou fórmula da lei.

De entre as várias aceções que o texto legal comporta, deve prevalecer aquela que
corresponda à vontade ou ao pensamento real do legislador, isto é, a vontade historicamente real
do legislador (HECK).

Os argumentos que sustentam esta tese são (BAPTISTA MACHADO):

1) O dever de obediência ao legislador ou ao poder legítimo exige que se procure a


determinação de uma vontade histórica prescritiva (mens legislatoris);

2) A certeza do direito: a determinação dessa vontade histórica dá maiores garantias de


segurança aos destinatários das normas e promove a uniformidade de soluções.

§ Teses objetivistas: visam a alcançar o sentido objetivamente consagrado na formulação


legislativa, independentemente da vontade do seu autor – mens legis (vontade ou intenção
da lei). A atividade interpretativa deve dirigir-se essencialmente à descoberta do sentido da
fórmula normativa objetivada no texto, autonomizando este da possível vontade psicológica
que esteve na sua origem, tomando-o como algo de separado da vontade que o engendrou,
como dado objetivo a partir do qual se deve descobrir a solução mais razoável.

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Outro critério de distinção destas duas teses, tendo em conta o seu contexto histórico-social:

§ Teses subjetivistas: o texto da lei consagra, através do legislador, a vontade do povo.


Obedecer ao legislador, como representante do povo, garante segurança e certeza jurídica;

§ Teses objetivistas: o texto da lei procura responder a objetivos práticos e diversos


(adequação material ao contexto normativo), o que satisfaz valores como a justeza e a
correção interpretativa.

A teoria da alusão

Contra o argumento dos objetivistas de que não é possível determinar a vontade histórica do
legislador, por isso que este é em regra um órgão colegial e cada um dos seus membros pode ter
atribuído à fórmula um sentido diferente, responde-se, pelo lado dos subjetivistas, que tal
circunstância pode até facilitar a descoberta do sentido com que a lei foi querida e votada, dada a
existência de relatórios e atas onde ficam a constar os debates, os pareceres, os comentários, as
críticas, os projetos ou propostas alternativas, etc.

Em todo e qualquer caso, permaneceria válido o dever de obediência à vontade real do legislador
sempre que a sua descoberta fosse possível.

§ Subjetivismo moderado: pretende alcançar a vontade do legislador, desde que o seu


pensamento tenha sido minimamente aludido no texto da lei, isto é, exige-se que a vontade
se reflita no texto legal, ainda que minimamente – teoria da alusão (Artigo 9.º do Código
Civil);

§ Subjetivismo extremo (não faz parte da interpretação jurídica): pretende descobrir a vontade
do legislador mesmo que esta se revele contra a letra da lei, isto é, a mens legislatoris é
determinante mesmo quando nos conduza para além do texto. A vontade do legislador
prevalece em detrimento do texto.

A consagração de teorias mistas, gradualistas ou de síntese

Contemporaneamente, não prevalecem teses radicais, mas conciliadoras: são as chamadas


teorias mistas. Isto porque, apesar de se verificar que as coordenadas históricas e jurídico-
filosóficas implicadas nas orientações objetivistas suplantaram aquelas que estavam implicadas nas
orientações subjetivistas, observa-se, por outro lado, que as vinculações do intérprete às prescrições
legais tomadas pelo legislador constituem um imperativo constitucional.

Associada a esta distinção está uma outra: a distinção entre historicismo e atualismo.

A questão agora em debate é a questão de saber se deve prevalecer a rigidez da lei (o caráter
sagrado do versículo do Código) ou o dinamismo e a fluidez da vida na sua evolução histórico-social,
ou seja, se o sentido das leis se mantém imutável (historicismo) ou, pelo contrário, deve esse mesmo

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sentido evoluir de acordo com o evoluir da vida, isto é, de acordo com as mudanças técnicas, as
necessidades e as conceções sociais (BAPTISTA MACHADO).

§ Historicismo

Subjetivismo historicista: pretende retirar do texto da lei a vontade do legislador


histórico: restituição da vontade do legislador que promulgou essa lei; foi predominante
na chamada Escola da Exegese;

Objetivismo historicista: pretende abstrair o sentido que o legislador atribui ao texto e


que se cristalizou no tempo, isto é, o texto que foi objetivado linguisticamente tem um
sentido invariável – o sentido está “petrificado” como o próprio texto.

§ Atualismo

Subjetivismo atualista: extrai a solução que o legislador verteria no texto caso tivesse
contacto com a realidade presente;

Objetivismo atualista: retira o sentido que está objetivamente na lei, mas que é passível
de evoluir no decorrer do tempo. O sentido que da fórmula se extrai pode variar conforme
a evolução da vida e bem assim que as novas normas inseridas pelo legislador atual no
ordenamento jurídico podem introduzir neste um novo espírito capaz de se repercutir
sobre as normas anteriores, sobre o sentido que o intérprete atual deve extrair,
objetivamente, dessas fórmulas antigas.

As divergências entre as duas escolas reduzem-se a muito pouco: o intérprete, mesmo que adira
à corrente subjetivista, tem de partir do suposto que a lei emana de um legislador razoável; e, por
isso, terá de perguntar-se como um tal legislador teria pensado e querido a lei ao legislar no
condicionalismo do tempo da sua publicação, e no ambiente histórico em que foi sancionada a lei.

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11 de maio de 2021

Distinção entre interpretação dogmática e teleológica: linhas orientadoras de uma


síntese

A distinção entre interpretação dogmática e teleológica nem sempre é clara, porque se se pensar
numa interpretação dogmática no seio de uma dogmática hermenêutica, a distinção começa a ficar
nublada.

A dogmática hermenêutica pode ser entendida como a ciência do Direito compreendida


enquanto uma teoria da interpretação (FERRAZ JR.). FERRAZ JR. diz que a dogmática
hermenêutica tem um objetivo muito simples e ao mesmo tempo muito complexo. O objetivo da
dogmática hermenêutica é fazer a lei falar através de uma metodologia.

Se um autor diz que a hermenêutica é a dogmática, como é que fica a carga filosófica da qual
temos falado, por exemplo com A. CASTANHEIRA NEVES? Será que tudo se remete ao pensamento
dogmático? Pensar o direito do ponto de vista dogmático é reconhecer que o direito tem uma
finalidade prática, que a interpretação jurídica tem uma finalidade prática. E a finalidade da
interpretação jurídica é a de fazer com que se tenha o mínimo de controlo das consequências
possíveis da incidência das normas sobre os casos. A tentativa, do ponto de vista hermenêutico, do
ponto de vista da interpretação, é possibilitar um mínimo de controlo na aplicação das normas no
caso concreto, para que se tenha um mínimo de previsibilidade. Previsibilidade essa que já está
contida no texto da própria norma, mas que nos vai levar a uma zona cinzenta no momento da
aplicação da norma, porque não se pode partir da premissa de que a lei sendo clara não precisa de
interpretação. Esta tese já foi deitada por terra por A. CASTANHEIRA NEVES. O processo de
aplicação, do ponto de vista hermenêutico, é uma tarefa complexa.

Quando se fala na dimensão dogmática, a dimensão dogmática do problema leva-nos a


reconhecer que, do ponto de vista do sentido jurídico que uma norma apresenta, esse sentido já
aparece de antemão estabelecido, por isso, a dogmática. Dizer que o sentido foi previamente
estabelecido (porque está numa norma) equivale a dizer que o sentido foi domesticado. Ou seja, do
ponto de vista do aparecimento das normas, a norma já carrega o sentido jurídico.

Assim, é necessário analisar os caracteres do caso concreto, é necessário atender às exigências


desse contexto social (que é um contexto concreto), porém, também se tem de reconhecer que
interpretar é uma tarefa complexa, como BAPTISTA MACHADO e FERRAZ JR. reconhecem.

É necessário pensar a hermenêutica dogmática como um sistema de facto e de valores, mas do


ponto de vista de um dever-ser mais voltado para o ponto de vista da aplicação do direito no campo
da interpretação. Por isso é que ela é dogmática, ou seja, toda a dimensão metodológica do problema
da interpretação do direito já está previamente estabelecida e, nesse caso, sobretudo pela doutrina.

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A doutrina tem um papel fundamental neste caso. Isto significa que está tudo previamente
estabelecido. O sentido já está posto pela norma e é necessário ativar esse sentido pela aplicação.

O processo de interpretação envolve uma ativação do sentido jurídico. Por isso é que a norma é
sempre o resultado da interpretação. Se não existir interpretação, não existe norma, existe texto. A
norma nasce, individualiza-se no processo hermenêutico de interpretação e aplicação da lei.

FERRAZ JR. dá um conceito de interpretação. O que é interpretar? É a partir da hermenêutica


filosófica que se consegue colocar problemas fantásticos: compreendo porque interpreto, ou será
que interpreto porque compreendo? A interpretação, num primeiro momento, significa selecionar
possibilidades de comunicação na complexidade discursiva. Isto é, há um emaranhado de discursos
possíveis e o intérprete seleciona as possibilidades de comunicar nessa complexidade. Assim, há
pré-estabelecidas possibilidades de comunicação do sentido do direito e uma complexidade
discursiva. Quer dizer que há sempre uma série de discursos possíveis e nós precisamos de fazer
uma seleção.

Essa complexidade discursiva que é colocada pelo intérprete, ele tem de reduzir a complexidade.
Reduzir a complexidade equivale a selecionar, a decidir. Sempre que se decide, reduz-se a
complexidade. A interpretação é selecionar as possibilidades de comunicação na complexidade
discursiva. Aí é que vem a ideia clássica que interpretar é fixar o sentido. Fixar o sentido é escolher
um sentido entre vários possíveis e, naturalmente, fixar por meio de uma decisão. Isto não é fácil e
pressupõe, segundo FERRAZ JR., uma contingência. Uma contingência significa que toda a
interpretação é sempre contingente, é duplamente contingente. Tem de se partir da premissa que
essa complexidade é muito mais elevada do que parece. Isto significa que sempre que se toma uma
decisão, só se toma essa decisão porque ela poderia ser diferente.

Como é que se controla o ato de interpretar? FERRAZ JR. afirma que se controla a interpretação
por meio de códigos. Os códigos são seletividades fortalecidas que todos os comunicadores têm
acesso. Assim, o código pode ser uma Convenção feita entre A e B. O código é uma forma de reduzir
a complexidade. Sempre que se tenta controlar a complexidade no processo hermenêutico
interpretativo, é necessário atender aos códigos ou convenções que as pessoas normalmente
estabelecem para que possam tomar a decisão, para que possam interpretar. Mas isto não é fácil,
porque para além destes códigos, há códigos sobre códigos. Ou seja, há convenções sobre algo
normativo. Por exemplo, há leis e há convenções sobre certos modos de aplicar essas leis. Aqui é
que está a dimensão dogmática hermenêutica.

A dogmática hermenêutica pressupõe uma complexidade reduzida por meio dos códigos que
permitem a seletividade fortalecida. Assim, os códigos são discursos que interpretamos. Geralmente
discursos sobre discursos.

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Numa simples conversa com alguém já se está a interpretar. Mas o jurista tem uma diferença: o
jurista tem mecanismos de controlo da interpretação, que é a seletividade fortalecida pelos códigos
que são discursos sobre discursos. Daí a ideia de que ao interpretar a norma o jurista elabora um
discurso normativo, uma interpretação sobre essa norma. Essa interpretação não pode destoar
daquilo que é convencionado pelo sistema, do ponto de vista dogmático.

O direito é um programa marcadamente condicional, pressupõe que se opere esse programa de


uma maneira pré-estabelecida (não tenho tanta liberdade quanto a que penso). Sempre que se toma
uma posição, sempre que se realiza uma interpretação, está-se no universo de possibilidades de
ação, mas acaba-se por tomar uma decisão que é fruto dessa interpretação que visa a decisão. A
complexidade é o excesso de possibilidades discursivas (de escolha), a complexidade tem de ser
reduzida e ao ser reduzida, interpreta-se. A interpretação é um processo hermenêutico, mas de
carácter dogmático, porque existe um programa e convenções (do ponto de vista hermenêutico).
Existe um método de interpretação hermenêutico de interpretação do direito que pressupõe controlo,
o que significa que o próprio sistema controla o intérprete no processo de interpretação e aplicação
da lei. existe um programa por trás.

O texto tem de ser interpretado. Existe também o princípio da inegabilidade dos pontos de
partida que mostra que ao interpretar e aplicar a lei, se pode ir de acordo com a lei e além da lei,
mas nunca se pode ir contra a lei. Isto significa que a norma é o ponto de partida inarredável de todo
o intérprete. Ao aplicar essa norma existe uma programação por trás, que coloca à disposição uma
certa metodologia de interpretação e aplicação do direito e isso pressupõe controlo. Significa que o
sistema controla o intérprete, ele não tem tanta liberdade quanta pensa ter.

PIERRE BOURDIEU fala de um poder de violência simbólica. Significa que o direito joga com
esse poder de violência simbólica a todo o momento. Ele está sempre a colocar forma de controlar
o processo de tomada de decisão. Esse controlo surge quando a doutrina prescreve os métodos de
interpretação do direito. Assim, as possibilidades que o sistema coloca já estão previamente
estabelecidas. O intérprete pensa que tem liberdade, mas o poder de violência simbólica tem a
característica e oculta essa liberdade.

Por exemplo, o professor dá quatro restaurantes de escolha para jantar. Pensamos que somos
livres para escolher, mas na verdade quem fez a escolha foi o professor no momento em que disse
que o universo de possibilidades que os alunos têm de escolha é este. Os alunos estão
condicionados pelas escolhas prévias que o professor fez.

Isto mostra que se age a partir da premissa que se é livre, mas na verdade está tudo pré-
estabelecido. Temos a impressão de que somos livres, mas a verdade é que estamos previamente
condicionados para tomar a decisão.

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Do ponto de vista hermenêutico da interpretação, a metodologia joga com uma série de tipos e
métodos de interpretação que já estão previamente estabelecidos e isso pressupõe controlo no
processo de tomada de decisão.

Com efeito, a interpretação dogmática é orientada por uma metodologia (dogmática


hermenêutica).

Isto vê-se reproduzindo desde SAVIGNY, quando ele falava na escola histórica dos métodos, ele
já falava das possibilidades de interpretação e aí surge a discussão sobre círculo hermenêutico,
sobre discussão linguística.

A interpretação é dogmática. Mas BAPTISTA MACHADO e LARIUS chamam a interpretação de


teleológica.

Para LARIUS, a interpretação teleológica é a interpretação de acordo com os fins cognoscíveis


e as ideias fundamentais de uma só. Isto significa que todas as disposições normativas que o sistema
coloca têm de ser interpretadas sempre de um quadro do sentido possível, geralmente um sentido
literal (fala-se disto na interpretação gramatical). Ou seja, tem de haver uma concordância no
momento de aplicação da lei com o contexto da norma, que é o contexto significativo. A norma dirige-
se a uma determinada finalidade.

No processo de aplicação da lei, o intérprete tem de levar em consideração os fins que serviram
de base para a regulação. Não é fácil pensar na norma de um ponto de vista finalísticos, ou seja,
quais eram os objetivos que se buscavam com a criação daquela norma. Isto é a dimensão
teleológica da interpretação. Parte-se de uma premissa de que o legislador ao criar a norma se
orientou por determinados fins. Levou em consideração determinados fins. Mas mesmo que ele
considere todos os fins ao criar a norma, mas não teve condições de prever todas as possibilidades
de aplicação dessa norma, todas as consequências que decorrem dessa norma (SANTIAGO NINO).
Pelo facto de não ter condições de prever isso é que se utilizam os métodos teleológicos. Ou seja,
estes métodos levam-nos á possibilidade de atribuir, por meio destes métodos, um propósito, um fim
a estas normas.

FERRAZ JR. disse que quando se pensa nas normas costumeiras, não é possível encontrar o
fim dessas normas. Isto porque o longo uso de um costume leva as pessoas a desenvolverem um
sentimento de obrigatoriedade e detetar toda a rede de disciplinas que envolve esses
comportamentos que são desenvolvidos pela sociedade é muito difícil. A rede de práticas que se
instaurou é muito difícil de desvendar o porquê. FERRAZ JR. identificou algumas normas em que é
difícil encontrar o seu fim, sendo que as normas costumeiras são uma delas. Por sua vez, encontrar
a finalidade da Constituição é mais fácil. Vai-se ao trabalho preparatório que levou à criação da
Constituição que, cruzado com o contexto histórico, e tendo material escrito, facilita que se detete
uma intenção.

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Encontrando-se essas normas, encontra-se o fim. TELOS afirma que esse fim é sempre um fim
social. Nunca se pode atribuir a uma norma um fim que seja antissocial.

Muitas vezes, encontra-se o direito associado ao bem comum. O que é o bem comum? O bem
comum é um fim do direito ou um fim da vida social? É de ambos. Primeiro é da vida social e depois
é do direito. Será que o bem comum decorre de um pacto social e só depois é expressado pelo
direito?

Não se consegue desconectar o social do direito. O direito invoca o bem comum, é algo social
mas aparece no direito.

Do ponto de vista da interpretação teleológica, um dos argumentos é o bem comum. O conceito


de interpretação teleológica ou uma das suas marcas, segundo FERRAZ JR., é a própria participação
do intérprete na configuração do sentido normativo, de um sentido que por vezes a norma silenciou,
porque nem sempre se consegue detetar na norma positiva a ideia de bem comum.

Assim, segundo TELOS, é um movimento interpretativo que vai partir das consequências
externas e sociais avaliadas nas normas que que vão retornar para o interior dos sistemas. Então, o
direito remete-se ao exterior para tomar uma decisão que aparece no interior do sistema. A
interpretação teleológica joga com esta dialética interior e exterior. O intérprete, para configurar
sentido normativo, ativa os valores e os fins sociais que o direito visa.

Isto não aparece, por exemplo, na interpretação sistemática, porque se a interpretação


teleológica se dirige para fora do sistema, para depois retornar ao sistema, a interpretação
sistemática já envolve o reconhecimento da unidade do sistema.

Ainda quando se realiza uma interpretação sistemática, o direito vai sempre visar um determinado
fim, os chamados fins sociais do direito e as exigências do bem comum. O intérprete ativa porque às
vezes a norma positiva silencia este aspeto. No silêncio da norma, o intérprete faz a norma falar o
que ela silenciou. O intérprete não precisa que a norma diga que visa o bem comum, porque ele
pode ativar esse sentido normativo que está inscrito na própria norma, a partir de um processo
hermenêutico.

Elementos da interpretação jurídica. Importância da distinção entre letra e espírito da


norma legal

O direito é uma linguagem, ele é expresso por meio de uma linguagem normativa. Mas todo e
qualquer intérprete se vai aperceber que a norma jurídica oscila entre dois aspetos: onomasiológico
e semasiológico

O onomasiológico é o sentido corrente da palavra. É sentido que fora do direito as pessoas


atribuem ao facto.

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O sentido semasiológico é a própria significação normativa. Quer dizer que o direito reveste de
normatividade um dado evento da vida. O direito vai revestir de um sentido normativo um
determinado evento da vida, que é tratado pelas pessoas por meio do aspeto onomasiológico.
Semasiológico é o sentido normativo.

No entanto, o legislador para tratar os problemas da vida utilizando vocábulos que ele tira da
linguagem quotidiana, pode ter dificuldades na formulação do texto numa norma. Naturalmente,
quando se fala na linguagem quotidiana, fala-se de uma linguagem que não tem essa pretensão
técnica-normativa, no sentido de levar ao intérprete um sentido que é o próprio dever-ser, um sentido
normativo. Ora, é aqui que reside o problema. FERRAZ JR. vai tratar estes dois aspetos.

Segundo TELOS, por vezes, estes aspetos podem coincidir, e outras vezes não coincidem.
Quando não coincidem há um problema: o sentido técnico, diferente do que os juristas pensaram
durante muito tempo, não é independente do sentido do aspeto onomasiológico. A dimensão
semasiológico do texto normativo não está desprendida da dimensão onomasiológico. Portanto, o
sentido técnico pode levar a alguma dificuldade, na medida em que ele se intercala com essa
dimensão que é o sentido comum, que é o sentido onomasiológico.

Segundo FERRAZ JR., o que existe é uma tensão entre estes dois aspetos, o onomasiológico e
o semasiológico, justamente porque o legislador tira da linguagem quotidiana vocábulos que são
usados nessa linguagem e tenta traduzir essa ideia de modo normativo.

Aqui é que está o papel principal da dogmática hermenêutica. A dogmática hermenêutica vai
determinar o sentido das normas (BAPTISTA MACHADO). Mas no fim a tarefa é uma só: o
entendimento do significado do texto normativo. Tentar detetar no texto qual era a intenção do
legislador, legislando daquele sentido. Assim, é um processo interpretativo pelo qual se vai
determinar o sentido de uma norma, visando entender o significado do texto, a intenção do texto,
com o objetivo final de decidir um conflito.

A dogmática hermenêutica tem uma finalidade prática. E, repare-se, quando se diz dogmática
hermenêutica, está a colocar-se tudo dentro. Toda a dimensão metodológica do problema aparece
na dogmática hermenêutica. Os métodos de interpretação, o sentido de interpretação, aparecem
sempre escrito no que se entende por dogmática hermenêutica.

Contudo, na vida quotidiana as pessoas também interpretam. Qual é a diferença entre um jurista,
na interpretação do texto, e um historiador? Esta distinção aparece em FERRAZ JR., o historiador
olha para o passado, um passado imóvel. Se ao se olhar para o passado se consegue ressignificar
o presente, então consegue-se modificar o futuro. A velha ideia de que quem não conhece a história
repete os erros. A palavra-chave que diferencia o historiador do jurista é a ligação. O intérprete do
direito ativa o sentido, ele observa, até como historiador, o movimento da criação normativa, o
contexto, mas ele tem um propósito: não é só entender o texto. O historiador olha para o texto

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procurando uma compreensão. O jurista tem uma finalidade prática, que é determinar a força e o
alcance do sentido do texto na aplicação. O historiador descreve os factos. Os dois olham para o
passado, mas enquanto o historiador olha para o passado e descreve-o, imobilizando-o, o jurista
olha para o futuro visando uma produção da diferença. O jurista tenta, por meio da aplicação, ativar
o sentido do texto.

O texto normativo está no passado. O legislador está no passado. Quando os hermeneutas se


referem a ativar o sentido do texto, interpretar, e daí surgir uma norma, o que estão a dizer é que o
sentido do texto está parado no tempo. Sabe-se que o legislador observou o passado e produziu a
norma naquele presente, visando resolver um problema futuro. Mas esse mesmo legislador também
sabe que o aplicar vai trabalhar sobre o sentido e aqui tem-se uma finalidade prática. O sentido não
está pronto e acabado no passado com a letra da lei. Ao interpretar-se a Constituição está a ativar-
se o seu sentido no presente.

O justo dogmático não está preocupado com a indagação, mas sim com a aplicação, que tem o
objetivo de decidir os conflitos. Assim, a norma é uma direção que visa a decidibilidade dos conflitos.

O historiador pode descrever o passado e, no processo de indagação, ele naturalmente vai


estabelecer uma certa compreensão sobre certos eventos passados. É um trabalho de reconstrução
por meio da indagação. Tanto o jurista como o historiador interpretam. O jurista tem a perspetiva de
interpretar visando a aplicação. No historiador há uma preocupação de ficar restrito aos factos, mas
há historiadores com outro tipo de pretensão. Uma coisa é simplesmente descrever os factos, outra
coisa é indagar sobre os factos e, a partir daí, propor alguma distinção. São complexidades
diferentes.

Essa complexidade é reduzida de duas formas: no caso do historiador, é mais descritiva, porque
está mais restrita á descrição dos factos, mas também se tem de ter em conta o processo de
indagação.

BAPTISTA MACHADO classifica os elementos da interpretação jurídica a partir de uma


bipartição: o elemento gramatical e o elemento lógico.

Por sua vez, no elemento lógico há uma tripartição em que há três derivações:

- O emento racional ou teleológico;


- O elemento sistemático; e
- O elemento histórico.

Elemento gramatical: função negativa e positiva

O elemento gramatical é a letra da lei. A letra é o princípio (é por ela que começamos a
interpretação), mas também o limite (sendo que o resultado tem de ter sempre algo a ver com a letra)
e o reforço (do resultado que seja obtido).

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A interpretação literal é o primeiro estádio da interpretação. Efetivamente, o texto da lei forma o


substrato de que deve partir e em que deve repousar o intérprete. Uma vez que a lei está expressa
em palavras, o intérprete há-de começar por extrair o significado verbal que delas resu1ta, segundo
a sua natural conexão e as regras gramaticais.

O sentido das palavras estabelece-se com base no uso linguístico, o qual pode ser diverso
conforme os lugares e os vários círculos profissionais. Normalmente as palavras devem entender-
se no seu sentido usual comum, salvo se da conexão do discurso ou da matéria tratada derivar um
significado especial técnico.

Pode existir, finalmente, um uso linguístico individual do próprio legislador: na verdade, pode
suceder que o legislador empregue certas fórmulas e maneiras de dizer com um valor especial,
diverso do ordinário e do jurídico. Em tal caso prevalece este significado individual.

O elemento gramatical e o elemento lógico, em regra, são aplicados de modo conjunto. Eles
devem ser sempre utilizados conjuntamente. A doutrina coloca esta ideia muito bem.

Segundo BAPTISTA MACHADO, a ênfase no elemento gramatical é algo próprio da atividade


interpretativa. Não há como fugir do próprio texto na dimensão gramatical da lei, do texto normativo.
A dimensão gramatical vai estar sempre presente e ela reaparece sempre que o intérprete está muito
cingido ao texto normativo.

Para BAPTISTA MACHADO, o elemento gramatical tem duas funções: uma função positiva e
uma função negativa. A premissa base é que o texto normativo vai ser sempre o ponto de partida da
interpretação. Dizer isto leva ao princípio da inegabilidade dos pontos de partida (premissa básica
no processo hermenêutico-interpretativo: parte-se sempre da lei, pode-se ir além da lei, mas nunca
contra a lei).

A função negativa aparece na medida em que há a eliminação de sentidos que não tenham
rescaldo no texto da lei. Esta função leva à conclusão que o apego ao texto acaba por prevalecer. O
texto acaba por prevalecer por força deste apego, em detrimento de outros argumentos que não são
o texto e que poderiam aparecer na interpretação e na aplicação do direito. Assim, a função negativa
significa eliminar todos os sentidos possíveis e fixar-se o texto normativo.

Na função positiva, se o texto comporta só um sentido, esse vai ser o sentido da norma. Fala-
se em função positiva na medida em que se entende que a norma comporta sempre mais do que um
significado. Se se diz que uma pessoa interpreta e aplica, outra pessoa interpreta e aplica e assim
por diante, chega-se à conclusão de que a norma é sempre o resultado de uma interpretação. Assim,
o que existe antes não é norma, por mais que se chame norma. O que existe antes é texto. A norma
só aparece como resultado de interpretação, que é sempre contingente e, por isso, pode ser sempre
diferente. A função positiva do texto aparece ao dar apoio a um dos sentidos possíveis naquela

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complexidade discursiva de FERRAZ JR. seleciona-se uma possibilidade de comunicação, que é


aquela que vai prevalecer, dizendo que este é o sentido da norma e não outro.

Segundo BAPTISTA MACHADO, quando não aparecem elementos que induzam o intérprete à
escolha do sentido imediato do texto, o intérprete deve optar pelo sentido que corresponde ao
significado natural e técnico-jurídico das expressões verbais.

Mas isto é o reconhecimento da tese estabelecida de que só haveria um único sentido literal
gramatical. Contudo, a interpretação do texto normativo demonstra que há a possibilidade de se
fixarem sentidos diferentes ao texto e é essa fixação do sentido que é interpreta. Interpretar o texto
é gerar uma norma.

Elemento histórico. Referência à occasio legis

O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as


fontes da lei e os trabalhos preparatórios.

Assim sendo, o elemento histórico é a observância de todos os materiais normativos que se


referem à história de um preceito normativo.

Para isso há três pontos, segundo BAPTISTA MACHADO. Num primeiro momento, quando se
destaca os elementos históricos, observa-se a história evolutiva de um determinado instituto. Assim,
passa-se ao estudo da perceção de como uma determinada norma é fruto de uma evolução histórica
de um determinado regime jurídico. Aqui existe uma recomendação ao intérprete: ele deve servir-se
dos precedentes normativos, de todas as normas que vigoraram no passado e que antecederam a
disciplina nobre. Isto porque, comparando a norma do passado com a norma do presente, consegue-
se entender o motivo, o que levou o surgimento de uma norma. A própria história evolutiva de um
determinado instituto dá-se por comparação. É o levantamento das condições históricas que
evidencia a evolução de um instituto jurídico. Só se consegue analisar a evolução de um instituto
jurídico por meio de uma comparação, por meio de um levantamento das condições históricas.

Neste seguimento, surge a observância das fontes da lei. BAPTISTA MACHADO, quando refere
fontes da lei, ele refere-se aos textos normativos ou até mesmo os textos doutrinários. Tudo o que
inspirou o legislador a elaborar uma determinada lei. É o estudo das obras doutrinárias e das leis
(até de outros ordenamentos) que inspiram a criação de normas em solo nacional. Por exemplo, o
Código Civil português tem influências de outros códigos.

Assim, consegue-se olhar para o passado e fazer uma comparação entre códigos e
ordenamentos e detetar as fontes da lei.

Em terceiro lugar, há os trabalhos preparatórios, que são os estudos prévios que foram realizados
para que se elaborasse um determinado texto normativo. Trabalhos preparatórios são atas das
comissões, os projetos de leis. Assim, uma terceira característica do elemento histórico é a

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observância dos trabalhos preparatórios. A observância destes trabalhos remete para a dimensão
histórica. Observam-se os trabalhos preparatórios para se verificar quais foram os passos dados pelo
legislador, porque é que ele chegou a um determinado texto final. Para chegar àquele texto houve
uma evolução. A génese da lei pode ser entendida através destes trabalhos preparatórios.

Elemento sistemático, expressão da coerência intrínseca do ordenamento jurídico

O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o


complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma
matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas
normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático
que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o
espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico. O sistema é um todo unitário.

O método sistemático vai ser sempre aplicável ao estabelecer uma dimensão de unidade do
sistema, quando remetemos uma lei ao contexto no qual está inserido.

De acordo com BAPTISTA MACHADO, os lugares paralelos são as outras dimensões do sistema
que nós acedemos quando pretendemos resolver um problema e não encontramos a resposta. A
vantagem de procurar nos lugares paralelos para o intérprete consiste em dar-nos uma resposta que,
por outra via, não conseguíamos obter. Para além disso, permitem-nos saber que, para determinadas
problemáticas jurídicas, nós encontramos regulações que são em muitos aspetos idênticas. Essa
identidade que BAPTISTA MACHADO vai colocar não é ocasional, na medida em que nós partimos
da premissa (SANTIAGO NINO) que é dada pela completude do sistema. O legislador vai partir
naturalmente/vai estabelecer certas disposições que não vão colidir. Para todos os efeitos o sistema
é retratado como um todo hormónico. À medida em que conseguimos observar essa harmonia
percebemos que, do ponto de vista das disposições normativas, existem situações idênticas. Tal
demonstra uma certa harmonia, que é realizada pela atividade legislativa e o acesso a esses lugares
favorece o intérprete.

Elemento teleológico ou racional: recurso à ratio legis

O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim
visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar
(BAPTISTA MACHADO). O elemento racional ou teleológico evidencia-se através de uma série
de outras dimensões, muitas vezes exteriores ao sistema, nomeadamente as dimensões sociais,
políticas, morais, ideológicas, económicas, etc. Isto leva-nos à dimensão legislativa, isto é, occasio
legis. Assim sendo, aqui falamos de uma dimensão importante do ponto de vista hermenêutico, do
ponto de vista da interpretação.

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O intérprete tem a tarefa de compreender o quê que o legislador pensava ao pôr a norma, isto é,
descobrir qual é a racionalidade do legislador, tendo em conta todas essas circunstâncias. De acordo
com BAPTISTA MACHADO, é necessário compreender esse contexto como um ponto de apoio
necessário no processo de interpretação e aplicação da norma, para que possamos detetar qual é o
verdadeiro alcance da norma. O alcance da norma diz respeito diretamente a essa capacidade do
intérprete de situá-la num determinado contexto (social, político, económico, etc.) – dimensão
teleológica. KARL LARENZ refere que apenas no momento que supomos que há uma certa intenção
por parte do legislador, é que conseguiremos chegar à melhor interpretação, ao resultado, à solução
adequada para o caso concreto.

KARL LARENZ defende dois grupos de critérios de interpretação teleológica-objetiva:

1) Estruturas do âmbito material: dados factuais que o legislador não consegue alterar, mas
leva-os em consideração os factos que a vida lhe apresenta e a partir daí ele vai legislar; são
o ponto de partida para legislar;
2) Princípios ético-jurídicos: são mais fáceis de encontrar, uma vez que estão geralmente
estabelecidos na lei (princípios do ponto de vista do ordenamento).

KARL LARENZ fala destes dois grupos de critérios de interpretação teleológica-objetiva, dado
que, na verdade, eles transcendem a figura do legislador, na medida em que não dependem da
consciência do legislador. São grupos importantes para a regulação normativa, para termos uma lei,
mas eles existem à parte da consciência do legislador.

Natureza tópica destes critérios da interpretação jurídica. Referência à interpretação


conforme à Constituição

A interpretação conforme a constituição aparece na metodologia, no campo da hermenêutica a


propósito da interpretação.

Todos os critérios que KARL LARENZ colocou antes devem estar, em alguma medida, em
harmonia, em concordância, sendo que devem orientar a interpretação.

No que diz respeito aos princípios ético-jurídicos, estes realçam a interpretação conforme à
Constituição, nomeadamente no princípio da dignidade da pessoa humana, no princípio da igualdade
na ideia de Estado. Estes princípios têm uma função muito importante, designadamente a
recondução de toda a interpretação. Segundo KARL LARENZ existem várias interpretações
possíveis segundo critérios já observados, mas de todas as interpretações possíveis vai prevalecer
sempre a interpretação que for conforme a Constituição.

Isto posto, a interpretação conforme à Constituição é, na verdade, um critério de interpretação.

Contudo, se de repente o legislador tiver positivado um efeito que é mais amplo do que aquele
que está previsto na Constituição, por via da interpretação reconduzimos ao efeito amplo,

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delimitamos e dirigimos os efeitos da legislação para a Constituição. De acordo com KARL LARENZ,
a lei será interpretada restritivamente conforme a Constituição. Não se trata de uma mera
interpretação por parte do intérprete, mas antes uma redução teleológica, de modo a ser possível
desenvolver o direito conforme a Constituição. O movimento de recondução de uma norma dentro
do sistema para a Constituição significa realizar uma redução teleológica, para que essa norma se
desenvolva e seja, consequentemente, aplicada.

Assim sendo, a norma é o resultado de uma interpretação. Logo, por meio da redução teleológica
é possível reconduzir uma norma infraconstitucional em direção à base do sistema, para a
Constituição.

Com efeito, segundo KARL LARENZ, a redução teleológica traduz-se na situação de quando
uma “regra contida na lei” for concebida de modo muito amplo, segundo o seu sentido literal, ela
deve ser reconduzida e reduzida ao âmbito de aplicação que ele corresponde segundo o fim da
regulação ou a conexão de sentido da lei. Ou seja, reconduzir a norma conforme a Constituição é
restringir o sentido.

Por fim, quando nos referimos a interpretação conforme a Constituição não procuramos o sentido
e finalidade da regulação que estamos a interpretar de KARL LARENZ, mas o preceito que está em
conformidade com a Constituição, de modo a preservar ao máximo o texto que foi colocado pelo
legislador, sempre em conformidade com a funcionalidade do sistema.

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12 de maio de 2021

Interpretação e integração jurídicas. Perspetiva tradicional e atual contexto de


renovação. Interpretação e processos de desenvolvimento judicial do Direito

De acordo com BAPTISTA MACHADO, tanto a interpretação como a integração exigem


procedimentos metodológicos bastante complexos. Estes dois movimentos lançam mão de dois
recursos, nomeadamente o uso de princípios e a interpretação analógica.

Segundo SANTIAGO NINO, nenhum legislador é capaz de prever todas as situações do mundo
vida. Isto é, o legislador não consegue antever todas as situações da vida social que mereçam ou
que venham a merecer tratamento normativo. Por sua vez, nas situações que envolvam a carência
de regulamentação jurídica/legislativa, o julgador deve decidir de acordo com os processos de
integração das leis.

O comando da lei só cobre o que da norma se deduz, isto é, não há espaço para inferências do
intérprete (BAPTISTA MACHADO). O intérprete pode ir buscar argumentos, realizar inferências
metodológicas que não sejam necessariamente fundadas nesses comandos normativos. Todavia,
esta liberdade não é assim tão grande.

Assim sendo, na Teoria Tradicional, existe uma fronteira entre a interpretação e a integração. Na
verdade, estes correspondem a dois momentos diferentes, sendo que a integração é uma
continuidade da interpretação. Esta distinção deve-se ao facto de o legislador não ser omnisciente
nem omnipresente, logo ele não conseguirá prever todas as relações jurídicas que possam surgir, e
de não se sentir habilitado a tecer uma legislação única, deixando alguns conceitos por definir,
doando, assim, uma maior esfera de criação de direito por parte do julgador – domínio de aplicação
praeter legem (para lá da lei).

Conforme refere BAPTISTA MACHADO, passamos da estrita aplicação secumdum legem


(interpretação conforme a lei) para o plano da indagação e da aplicação praeter legem (interpretação
além da lei).

A indagação do Direito praeter legem começa no extremo limite que vai separar a interpretação
extensiva da interpretação analógica da mesma norma (BAPTISTA MACHADO) – princípio da
inegabilidade dos pontos de partida. Isto significa que podemos ir a favor da lei, além da lei, mas
nunca contra a lei.

Em suma, a fronteira existente entre estes dois momentos é a interpretação extensiva. Tudo o
que vá para lá desta pertence ao âmbito da integração, pois supera o espírito da lei. A integração
era só adotada para a resolução das lacunas.

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Nos tempos hodiernos, a interpretação e a integração são tidas como duas fases do mesmo
processo – o da concretização do direito. De facto, estas diferentes opiniões sobre estes dois
momentos estão relacionadas com a própria conceção de lacuna e esta com a conceção de direito.

Os limites tradicionais da interpretação e da integração analógica

§ Interpretação extensiva: quando o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica
aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adotada peca por defeito, pois diz menos do
que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance
conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da
lei. Não se tratará de uma lacuna da lei, porque os casos não diretamente abrangidos pela
letra são indubitavelmente abrangidos pelo espírito da lei (BAPTISTA MACHADO). Portanto,
quando falamos de interpretação extensiva, esta envolve um movimento de casos não
previstos no texto normativo, mas estão compreendidos no espírito da lei. Quando falamos
de interpretação extensiva, a aplicação da norma dá-se a casos que não estão previstos, não
obstante estarem compreendidos no espírito da norma;

§ Interpretação analógica: quando interpretamos analogicamente quando aplicamos a norma


a situações que não estariam abarcadas pelo espírito da norma. O vocábulo “espírito” resume
o movimento da interpretação extensiva e da analógica. Na interpretação extensiva
estendemos o sentido em casos não previstos no texto, mas que o espírito do texto permite
aplicar. Por sua vez, na analogia transcende no movimento o espírito da norma (BAPTISTA
MACHADO). A unidade do sistema é que permite realizar esta interpretação.

De acordo com a teoria da alusão (BAPTISTA MACHADO), excederá a indagação e a


interpretação do direito praeter legem (além da lei), na medida em que a situação não se encontra
abarcada por qualquer interpretação da norma, com uma correspondência ainda que mínima do que
aquilo que está previsto no enunciado/na forma verbal da norma.

O direito opera a partir de um código binário, sendo que por meio desse código o Direito faz uma
filtragem de toda a informação do ambiente (LUHMANN), o que significa que aquilo que entra no
sistema começa a fazer parte do sistema enquanto comunicação. O direito regula, desta forma,
certos eventos da vida, embora haja determinadas coisas que não importam para o sistema e,
consequentemente, não são reguladas (por exemplo, criminalizar o adultério). O sistema faz a
filtragem entre aquilo que são as informações internas e externas do sistema denomina-se de
autopoiese. Ao nível das operações o Direito é fechado, mas interage com o ambiente, embora
sempre a partir de uma leitura própria do sistema. Todo o sentido que o sistema jurídico produz é a
nível interno, não se deixando corromper pelo ambiente (por exemplo, beliscão). Conforme a teoria
da autopoiese, o Direito autoproduz-se.

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Outro ponto salientado por BAPTISTA MACHADO traduz-se na proibição da decisão de non
liquet (obrigação de julgar). Diante do silêncio da lei, o juiz não pode isentar-se de julgar – Artigo 8.º
do Código Civil. Assim, o juiz tem de fornecer uma resposta, tem de decidir. No entanto, pode
isentar-se de analisar uma questão se esta não pertence ao sistema, isto é, se esta extrapola o
campo jurídico do sistema. Por exemplo, não valora provas espirituais, é algo que extrapola o direito
– movimento discricionário do juiz (no direito brasileiro, um juiz apreciou uma prova que era uma
carta de um médico recebendo um espírito de um homem que faleceu, sendo que o juiz valorou a
mesma/considerou a prova para o processo; no Brasil há um religiosidade/espiritualidade muito
grande; BOLSONARO quer eleger como cabeça do Supremo Tribunal de Justiça do Brasil um pastor
profundamente evangélico).

Com efeito, no Código Civil português está previsto o princípio/regra do non liquet, embora haja
uma exceção: caso transcenda a esfera, saia do sistema e alcance o ambiente, o juiz pode recusar-
se a julgar – não vai produzir um sentido para algo que, de facto, extrapola a esfera do sistema. Não
produz decisão de facto, pois não entra no sistema.

O conceito de lacuna: raízes históricas. Atual centralidade jurídico-metodológica da


figura da lacuna

No séc. XIX, desejava-se que o direito fosse um plano fechado e autossuficiente, que tivesse
soluções para todos os casos prático-jurídicos que adviessem. Desta forma, a lacuna era
tradicionalmente vista como uma falha, uma imperfeição contrária ao plano regulativo da lei/da ordem
jurídica.

A ideia de lacuna demonstra que o direito trabalha com uma série de ficções, sendo que a lacuna
é um dos problemas do sistema, nomeadamente a completude do sistema (BOBBIO).

A ideia de completude traduz-se no facto de que o ordenamento jurídico tem sempre uma norma
para regular todo e qualquer caso. Assim sendo, quando falta uma norma, temos uma lacuna. O
ordenamento é completo quando o juiz pode encontrar nele uma norma para regular todo o caso que
se apresenta perante o próprio (BOBBIO). Caso o juiz consiga encontrar a tal norma, dizemos que o
ordenamento jurídico é completo. Do ponto de vista interno do sistema, não haveria um caso que
não estivesse contemplado na norma. Um ordenamento é completo quando jamais se verifica o caso
de que a ele não se podem demonstrar pertencentes nem uma certa norma, nem a norma
contraditória (BOBBIO). Ou seja, a incompletude consiste no facto de que o sistema não vai
compreender nem norma que proíbe determinado comportamento, nem aquela norma que permite
esse mesmo comportamento.

Posto isto, a lacuna é sempre uma incompletude, uma falta ou falha. Tratando-se de uma lacuna
jurídica, consiste numa incompletude contrária ao plano do Direito vigente, determinada segundo
critérios eliciáveis da ordem jurídica global. Existirá uma lacuna quando a lei (dentro dos limites de

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uma interpretação ainda possível) e o direito consuetudinário não contêm uma regulamentação
exigida ou postulada pela ordem jurídica global, isto é, não contêm a resposta a uma questão jurídica.

Lacunas legais e lacunas do Direito. Lacunas de regulamentação, de colisão e


teleológicas. Lacunas patentes e lacunas ocultas

A ordem jurídica é constituída por três camadas (BAPTISTA MACHADO):

1) Camada das normas;

2) Camada das rationes legis (teologia imanente às normas de Direito positivo);

3) Camada dos princípios e valores jurídicos gerais (rationes iuris).

À primeira e à segunda camada correspondem as lacunas da lei (lacunas próprias), enquanto


que à terceira camada correspondem as lacunas do Direito.

§ Lacunas da lei: no plano das próprias normas podem verificar-se lacunas quando uma norma
legal não pode ser aplicada sem que acresça uma nova determinação que a lei não contém.
Assim, poderá sucede, por exemplo, se a lei mandar constituir um órgão por eleição, mas
não diz quem elege ou qual é o processo eleitoral ou se manda adotar certos procedimentos
deixando por regular um dos seus trâmites, etc. As lacunas da lei designam-se, de acordo
com a doutrina, de lacunas “próprias”. Por seu turno, BAPTISTA MACHADO designa as
lacunas da lei como “lacunas ao nível das normas”. Tratam-se de lacunas que aparecem em
situações muito particulares, nomeadamente quando há contradições normativas. Tais
contradições só podem verificar-se entre normas da mesma hierarquia que entrem em vigor
na mesma data. Podem ser:

Contradições lógicas;

Contradições teleológicas;

Contradições valorativas/axiológicas: dizem respeito a valores.

Quando estamos diante de contradições lógicas e teleológicas, surgem as chamadas


lacunas de colisão: espaço jurídico à primeira vista “duplamente ocupado” fica a constituir
um espaço jurídico “desocupado”, uma lacuna. Ou seja, existe um espaço ocupado por duas
normas, mas a colisão das normas leva ao surgimento de um espaço “desocupado”, por isso
é uma lacuna. Duas normas ocupam o sistema, isto é, ocupam o mesmo espaço no sistema,
na medida em que se referem a uma mesma situação, ao mesmo aspeto, mas por colidirem
tornam aquele espaço vazio, gerando uma lacuna. Algo que ocupa um espaço, desocupa-o
pelo simples facto de que não fornece uma resposta. A lacuna existe pelo simples facto de
que não posso de maneira arbitrária excluir uma norma em favor da outra (BAPTISTA

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MACHADO). Para além disso, BAPTISTA MACHADO expõe a impossibilidade de aplicar as


duas normas ao mesmo tempo.

A mais importante das categorias das lacunas da lei são as lacunas teleológicas:
lacunas de segundo nível, que determinam o objetivo visado pelo legislador, ou seja, em face
da ratio legis de uma norma ou da teleologia imanente a um complexo normativo. A analogia
serve aqui tanto para determinar a existência de uma lacuna como para o preenchimento da
mesma.

Nesta categoria de lacunas podemos ainda distinguir entre lacunas patentes e lacunas
ocultas (doutrina alemã). As lacunas patentes verificam-se sempre que a lei não contém
qualquer regra que seja aplicável a certo caso ou grupo de casos, se bem que a mesma lei,
segundo a sua própria teleologia imanente e a ser coerente consigo própria, deverá conter
tal regulamentação.

Por sua vez, as lacunas ocultas ou lacunas latentes verificam-se quando a lei contém
uma regra aplicável a certa categoria de casos, mas de modo que se observarmos o próprio
sentido e finalidade da lei, se verifica que essa categoria de casos abrange uma subcategoria
cuja particularidade ou especialidade, valorativamente relevante, não foi considerada. A
lacuna traduzir-se-ia aqui na ausência de uma disposição excecional ou de uma disposição
especial para essa subcategoria de casos.

§ Lacunas do Direito: toda a ordem jurídica assenta num transfundo de princípios ordenadores
ou decisões fundamentantes e se legitima pela referência (expressa ou implícita) a valores
jurídicos fundamentais que lhe conferem a unidade e coerência de um “sistema intrínseco”
do qual são eliciáveis critérios orientadores que tornam possível a adaptação do ordenamento
a novos problemas e situações. O Direito só dos valores culturais pode retirar a sua
legitimação. Neste terceiro nível, somos remetidos para critérios de valoração extralegais,
mas nem por isso extrajurídicos.

Preenchimento de lacunas: o artigo 10.º do Código Civil. Caracterização da figura da


analogia. O recurso à analogia para preenchimento de lacunas e sua razão. Analogia
legis e analogia iuris. O artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil e a criação de uma norma ad
hoc pelo intérprete/aplicador.

Nos termos do Artigo 10.º, n.º 1, do Código Civil, o julgador deverá aplicar por analogia aos
casos omissos as normas diretamente contemplem casos análogos. Só na hipótese de não encontrar
no sistema uma norma aplicável a casos análogos é que deverá proceder de acordo com o n.º 3 do
mesmo artigo.

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Dois casos dizem-se análogos quando neles se verifique um conflito de interesses paralelo,
isomorfo ou semelhante, de modo a que o critério valorativo adotado pelo legislador para compor
esse conflito de interesses num dos casos seja igual ou maioria da razão aplicável ao outro (Artigo
10.º, n.º 2, do Código Civil).

O recurso à analogia como primeiro meio de preenchimento das lacunas justifica-se por uma
razão de coerência normativa ou de justiça relativa (princípio de igualdade: casos semelhantes ou
conflitos de interesses semelhantes devem ter um tratamento semelhante), a que acresce ainda uma
razão de certeza do direito. É muito mais fácil obter a uniformidade de julgados pelo recurso à
aplicação, com as devidas adaptações, da norma aplicável a casos análogos do que remetendo o
julgador para critérios de equidade ou para os princípios gerais do Direito.

Na falta de caso análogo, diz o Artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil, a situação é resolvida segundo
a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema. A
expressão “espírito do sistema” refere-se à capacidade que o intérprete tem de criar uma norma a
partir dos princípios gerais de direito do sistema e princípios jurídicos. Assim, o intérprete serve-se
do recurso aos princípios gerais de direito do sistema e princípios jurídicos.

Na criação da norma ad hoc não existe uma recomendação expressa do legislador. O intérprete
vai ter de verificar no caso concreto qual a norma dentro do espírito do sistema, qual é a regra que
cabe integrar naquele caso omisso. Como tal, a norma ad hoc vale para aquele caso concreto, isto
é, não tem efeito vinculante, dado que é uma criação para aquele caso concreto e não para os casos
futuros.

O que o legislador pretende é que o julgador capte o problema jurídico no seu recorte específico,
isolando-o preventivamente das particularidades do caso concreto, para que ganhe altura e ascenda
a um horizonte visual capaz de lhe permitir não só ver o problema na sua especificidade, mas
também mediante a inserção no espírito do sistema da norma elaborada ad hoc, inserir igualmente
nesse espírito a solução do caso, através de um adequado entendimento daquela norma como
resposta àquele problema e através de uma concretização da mesma norma, em função das
particularidades da situação.

Existem dois tipos de analogia:

§ Analogia legis/particular: aplicação de uma norma particular a uma situação não prevista
pelo legislador;

§ Analogia iuris/geral: recorre à análise de um conjunto de disposições normativas de onde


se extrai um princípio jurídico geral aplicável a situações não previstas pelo legislador. A
norma criada pelo intérprete é geral e abstrata, mas não possui força vinculativa (norma ad
hoc), ou seja, não é posteriormente aplicada, ainda que haja a mesma lacuna. Ocorre no

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ordenamento jurídico português e é defendido pela teoria tradicional que afirma que a
integração não deve ser assumida como fonte de direito.

Hodiernamente, as lacunas não são falhas, mas parte integrante da própria natureza do direito.

Intenção generalizadora e não individualizadora subjacente ao artigo em questão

Processo de renovação e mesmo de superação que atravessa a atual doutrina da


interpretação jurídica. Exigência atual de descoberta de novos modelos de
fundamentação da racionalidade jurídica

Unidade jurídico-metodológica entre os momentos tradicionalmente autónomos da


interpretação, aplicação e integração jurídicas

A norma como eixo de um complexo processo metodológico de concretização do


Direito

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