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14 de março de 2021, Nilópolis -- RJ.

Justiça, dikaiosynê. -- Na parte “I” desse verbete, se apresenta a justiça como ideia
reguladora do que se entende ser justo no mundo. Em Fedro 247d, Platão fala da Ideia como
“lugar supraceleste” para onde se deslocam, sobre aquele carro indicado, os espíritos
abastados e profundos; alcança tal caminho o que teve a “coragem de dizer a verdade”. A
visão desta ideia do verdadeiro, do incolor, informe e intangível, apenas o “piloto” da alma, o
intelecto, pode deter e contemplar. Ademais, é como um alimento divino, pois os deuses
somente se deleitam na inteligência e ciências puras, donde que se artilha com eles o regozijo
(verdadeiro) de contemplar a verdade. De fato, o caminho de retorno à vida terrenal é pacífico
e ceifado na ambrosia dos deuses, pois o auriga chega e deixa os cavalos a beberem o néctar.
Daqui se pode puxar a tanto a reminiscência como o divino que explicam tal relação idealista
com a Justiça. Esta ideia precisa do divino ou de princípio transcendentes para escapar das
imposições da historicidade ou do tempo que há neste mundo; assim, toda manifestação da
ideia da Justiça é profana e imperfeita e deve pautar-se na Ideia mesma. Platão em República
remata afirmando a necessidade dos “paradigmas”: “(...) talvez haja algo no céu (en ouranô)
um modelo (pareidgma) [da justiça] para aquele que quer ver e orientar-se pelo que vê.” (Cita
Shäfer, p. 186.
Em “II. A definição de justiça” tem-se o planteamento do problema da definição, de
como encontrar a definição de justiça. O início da tentativa é o equilíbrio, que logo remete o
que o pensa àquela “concepção pré-platônica”, diz Schäfer, de “o âmbito divino-cósmico
como medida superior do social e do individual”. Um primeiro encontro com isto é
Anaximandro, que afirmara a impossibilidade de se dissolver o “ilimitado”, como é a arché,
em conceitos anteriores a si mesmo; as desmedidas do pensamento com as coisas são injustas
e, em sua condição temporal tornam-se ajustadas depois no ciclo que principia as coisas em
seu movimento, do ilimitado. A medida hipocrática dos humores também seria um exemplo
do equilíbrio. Ainda próximo, há uma impressão da justiça que Sócrates inicia por combater
em República I, traduzido por Ulpiano: “(constans et perpetua voluntas) suum cuique
tribuendi.” (A justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu). Não há
distinções de uma ação justa, mas apenas do encaminhamento escolhido dos malefícios.
Numa segunda crítica, se afirma que passa despercebida a qualidade ou excelência moral do
indivíduo que, por acaso, praticou tal ação justa; justamente se vê que a justiça não é algo
apenas relacional, mas um assunto pessoal (o que Aristóteles criticaria, deixando a justiça
como “pros heteron”). Aqui entra a maneira correta de se avaliar o justo: não é uma atitude
intencionado o que o torna assim, mas as circunstâncias objetivas que nos levam a afirmar se
participa ou não sua alma da ideia de justiça. A vida desenhada por Platão em Fédon 78b-80a
divide-se em conhecer as coisas que são sempre as mesmas, independentes dos objetos que a
ela se referem, e tais objetos, sempre em dependência de seres para ser o que é. O corpo vê
várias coisas belas mas enquanto repousar na percepção variante e multiforme esquecerá do
que as une e as torna verdadeiramente admirável (e fruto da “meditação”, diz) que é a Ideia de
Beleza, o ente que torna todas aquelas outras idênticas por participação. Da divisão corpo-
alma, Sócrates arremata em Fédon 80a: Míralo también con el enfoque siguiente: siempre
que estén en un mismo organismo alma y cuerpo, a l uno le 8& prescribe la naturaleza Que
sea esclavo y esté sometido, y a la otra mandar y ser dueña . Y según esto, de nuevo, rc u él
de ellos te parece Que es semejante a lo divino y cuál a lo mortal? j.O no te parece que lo
divino es lo que esté naturalmente capacitado para mandar y ejercer de guía, mientras que lo
mortal lo está para ser guiado y hacer de siervo? (Platão, Diálogos III. Gredos, 1988, p. 70).
Schäfer não deixa de fazer, novamente, referência da Justiça com a ideia da Beleza, enquanto
se trata de uma harmonização do homem interior; além disso, trata-se dessa ascendência que é
uma virtude, uma aretê na qual se torna o melhor de si mesmo; igualmente o é virtude e
segundo a mesma estrutura a justiça da pólis e a do cosmo. A pólis encontrará em seu
aperfeiçoamento da justiça as manifestações temporais desta: a justiça será salvaguarda da
base econômica, seguindo-se a uma reordenação da opulência, procurando afastar a ganância
(pleonexia), e logo se terá de “a polis opulenta em justa). A justiça cria raízes na pólis pelas
estâncias do todo e pela divisão virtuosa das classes: “classe nutridora”, “classe de defesa” e a
“classe de ensino” (a dos reis-filósofos). A alma (ta em psychê ) é ordenada pela razão
condutora das partes do “apetite” e a “irascível”. Cabe ao homem saber a função e virtude que
deve cumprir cada parte de sua alma a fim de que a conduza sem conflitos, mas na ordem e na
amizade consigo mesmo, diz Platão em Rep. 443c-d. A injustiça será, portanto, a má
condução interna da alma, cuja parte racional é a única capaz de mediar e pôr em existência a
justiça, essa virtude que faz o bem em sua perfeição conforme a si próprio e aos outros.
Protágoras, 423b-c: En cambio, en la Justicia y en la restante virtud politica, si
saben que alguno es injusto y éste, él por su propia cuenta, habla con sinceridad en
contra de la mayoría, lo que en el otro terreno se juzgab a sensatez, decir la verdad,
ahora se conside ra locura, y afirman que delira el que no apare nta la justicia. De modo
e que parece necesario que nadie deje de participar de e lla en alguna medida. bajo pe
na de dejar de existir entre los humanos.

14 de abril de 2021, Nilópolis -- RJ.


Poesia (poiêsis, poiêtikê ou, ocasionalmente, mousikê). -- I. Banquete 205b-c: “Tu sabes que
poesia é algo de múltiplo. Pois toda causa de qualquer coisa passar do não-ser ao ser é poesia.
Por isso, os produtos de todas as artes têm como base a poesia, e os mestres (dêmiourgoi) são
todos poetas. ...Sabes, porém, que eles não são chamados poetas, mas têm outras
denominações, e que da totalidade da poesia apenas uma parte é destacada, aquele que se
refere à música (mousikê) e à métrica, e com o nome do todo ela é denominada. Mas é apenas
isso que se chama poesia, e os que possuem essa parte da poesia são chamados poetas”. Esse
texto evoca duas significações de “poesia”, tal como a entendemos, no vocabulário grego:
“poiêsis”, feita pelos “dêmiourgoi”, e “mousikê”; e o fazer demiúrgico é pano de fundo dessas
palavras. Com efeito, ambos os substantivos podem remeter à “poesia”, sendo a “poiêsis” a
ação, criação, poema, etc., e “mousikê”, a educação das musas, a música, etc. Diotima usou aí
o “arrebatamento poético” e o contrastou com o arrebatamento filosófico – de fato, seu “de
Mantineia” evoca “mantis”, “o vidente em êxtase”.
II. O poeta é como o filósofo do Banquete, ambos são arrebatados de sua linguagem
para que possam expressar um algo além de si e que é instigado por algo superior (tal como o
daimon na Apologia). A poesia e a mousikê, que andavam juntas na Grécia, caracterizam-se
pelo “fator erótico do maníaco e extático” e devem ser expressas pela harmonia e ritmo
(Banq. 187)”. A necessidade de comunicar livremente algo da experiência humana é o que
une o filósofo ao poeta, pois são impelidos comunicar algo da realidade que os possui. Porém,
o filósofo responsabiliza-se pelo que lhe possui da realidade para explicá-la como é, uma
competência que necessita do trânsito entre a lógica, a matemática e a dialética. O poeta não
se importa de conhecer sobre seu arrebatamento; porém, no início da República, (332b-c),
parece que o poeta Simônides “intui poeticamente o que constitui a justiça (a erótica
‘procriação no belo’)”, mas se necessitou um debate filosófico da justiça “subsequente e
detalhado”.
Íon 533d-535a. Sócrates falou do arrebatamento dos poetas e dos intérpretes deles
comparando isso à força de alinhamento da magnetita sobre anéis de ferro; o ferro transforma-
se em anel-magneto que pode atrair outros anéis; da mesma forma que da divindade ao poeta
e passando aos intérpretes se pode tomar a força do arrebatamento, aqui estaria implícito o
argumento de Deus como “motor imóvel”. O argumento muda-se afirmando que o poeta
recebe inspiração divina, e disto partiria a crítica platônica. Com efeito, enquanto arrebatados,
não falam e pensam com consciência, de tal modo que, após o êxtase, não têm conhecimento
algum para propor. Ainda assim, não se perdeu até agora o sentido de poesia como,
formalmente, uma competência técnica.
III. Desse modo, é incomparável o filósofo ao poeta, e a arte deste tem um fim
pedagógico para a Filosofia. Com efeito, a poesia e a música servem para uma “Subida ao
Bem”, mediada pelo belo, entre esses extremos de poesia e conhecimento (do bem). Assim
que educado nelas e tê-las superado (Rep. 531a), o filósofo preferirá a suprema forma de
“poetar”, tal como se disse sobre a filosofia no Fédon, “cria que o sonho me animava e
exortava a fazer exatamente o que fazia, como os que animam aos corredores, e a mim
também o sonho animava a isso que praticava, na convicção de que a filosofia é a mais alta
música, e que eu a praticava.” (60e-61a; e Leis 875c-d). Na aplicação pedagógica da Poesia,
seu uso é de contraparte da gymnastikê, e também compõem o período em que se inicia o
jovem na Matemática; além disso, o uso da poesia exigiria uma vigilância de seus “logoi”,
bem como as formas de expressão, lexis. (Mais referências: Político, 299e e 304a-d.)
Platão critica também as histórias imorais sobre os deuses, colocando-se pela ideia da
“adequação divina” (theoprepeia) do discurso, na qual a imagem divina e do herói deveriam
ser purificadas dos infortúnios e erros humanos. O uso da poesia é semelhante ao da retórica,
pois ele se baseia no caráter influenciador que ela tem para as almas. A natureza da poesia é a
imitação e ela atinge especialmente as partes irracionais do homem, por isso, os poemas
devem conter-se à imitação de feitos exemplares, bons, a fim de que o homem vá engendrar
imitações do gênero. A crítica de Platão à poesia e mimese é ontológica, mas se transforma
em críticas política e ética, estando exemplificadas nos livros II e X da República.
IV. A principal crítica de Platão às artes está em serem “substitutos da vida” (cita
Kutschera), especialmente em relação às virtudes. Com efeito, a impossibilidade de se atingir
a verdade pela arte se deve a esta situar-se no campo da “eikasia”, isto é, uma operação
“imaginativa”, na qual não se pode saber se a percepção é mesmo uma imagem da coisa.
Platão contorna a questão da pois tem sua teoria da apreensão da realidade: “... o reflexo
direto das coisas sensíveis não é passível de verdade, pois é apenas uma cópia (...) de uma
cópia da verdade” (idem, 259). A arte, no fim das contas, deveria interessar-se em saber a
essência daquilo que expressa com o fim de dar a conhecer a verdade de forma compreensível
(Rep. 597e, e Fédon 96a-101e); o objetivo último do demiurgos e do poietês deveria ser
emular o Dêmiourgos, “que, com o olhar direto nas essencialidades e relações de sentido
puras, forma o cosmo como coisas sensivelmente apreensíveis (Rep. 596b-c).” (idem p. 259).
Desse modo, há a regra de contemplar as relações essenciais entre as coisas do mundo
segundo a verdade e a exortação a fim de que se prossiga em direção ao pensamento puro;
mas Platão crê que só a Filosofia alcança isso.
V. A respeito da acolhida do tema da poesia em Platão pelos críticos, Schäfer ressalta
que tentar entender como ele pensa sua própria produção literária, a do diálogo, foi ressaltada.
A crítica aos poetas sofreu por vezes resistência amargar, como tardiamente em Karl Popper;
mas teve defensores como Cícero (Disputas tusculanas 2, 23) e Agostinho (Confissões 3, 2-
4), e uma reiteração da crítica platônica à poesia em Plotino Enéadas (livro III.8 [30].4): que
es una contemplación silenciosa, mas un tanto desvaída. Hay, en efecto, otra contemplación
más clarividente que ella; ella, en cambio, es imagen de otra contemplación 19. Y
precisamente por eso, lo engendrado por ella es totalmente débil, porque una 30
contemplación que se debilita engendra un objeto débil de contemplación. (1985, editora
Gredos, p. 243). O “hino aos deuses” que Platão teria consentido foi ambicionado na filosofia
de Juliano, o Apóstata, Mário Vitorino, Proclo e outros. Schäfer afirma que esse episódio de
censura à experiência poética constitui sua “teologia negativa” para a “filosofia platônica do
Um”.

5 de setembro de 2021, Nilópolis - RJ.

Verbete (pp. 134-138):


Filosofia (philosophia). -- 1. A primeira referência textual de “filósofo” está em Heráclito
(fragmento DK 22 B 35). Segundo o sentido corrente, philos- é o “amante” ou “amigo”; mas,
na literatura mais antiga, o termo é usado como pronome possessivo, de modo a poder
significa um de parentesco ou matrimonial. Logo, havia a íntima relação com a sabedoria, ou
sua posse; também, para Sólon, o philosophein era o protótipo do sábio ou sapiente. Cícero
marca na história da filosofia: “todo saber dos objetos superiores e a ocupação com eles se
chamavam filosofia” (De oratore 3, 16). Desse modo, a menção de Pitágoras do “filósofo” faz
por marcá-lo dentro da tradição dos mestres da verdade gregos, os profetas, os poetas. Platão
refere-se ao filósofo, nesse sentido pitagórico, em Fédon 61c.

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