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Esfera armilar
Reflexão sobre esfera armilar no reinado de D.
Manuel I em diálogo com a cultura portuguesa
Porto
2019
Resumo
um plano nacional que necessariamente, pela natureza do próprio objeto, extravasa esse
plano nacional para um plano mais que ocidental e europeu, mas universal.
Palavras-chave:
Esfera armilar
D. Manuel I
Messianismo
Introdução
A escolha deste tema surge após a leitura dos livros Identidade Nacional do
Portugueses de José Manuel Sobral e depois de reter o conteúdo das aulas. Então,
heráldica, achei de particular interesse um elemento heráldico que vive connosco ainda
hoje, ainda hoje nos falando, a esfera armilar. Pesquisando, encontrei a tese de mestrado
Contudo, o que me propus a fazer não consiste numa recensão dessa obra, mas, a
partir dela, dialogar com as aulas, com a teologia, com os livros que foram propostos e
com o meu sentido crítico de maneira a criar em mim uma ideia de identidade cultural
portuguesa. Portanto, o que aqui vamos estudar é uma viagem pela esfera armilar na
história da humanidade e tentar perceber de que maneira é que ela chega ao Reino de
Portugal e que caminho ela faz no reinado de D. Manuel I para se tornar um dos
num contexto geral, introduzindo já algumas questões que trataremos mais adiante.
Explicar qual a origem da esfera armilar é algo difícil e impossível. Esta divisa
cristã, com relevante significado. Este objeto exige um pré conhecimento astronómico,
pois ele é uma representação esférica do cosmos e do seu funcionamento, ou seja, figura
advém desta estrutura, é que ela ordena um ideal de beleza da estrutura da totalidade da
praticidade deste objeto, mas Carlos Godinho chama-nos já à atenção para dois
criado por Deus, tal como nos diz o livro do Génesis da tradição judaico-cristã, é porque
é bom. Carlos Godinho define assim a esfera armilar: «modelo do sistema cósmico
pelos círculos imaginários do movimento dos astros, que encontra no seu centro o
Neste sentido, são-nos dados aqui alguns dados para entendermos a força deste
nacional portuguesa a partir do século XVI. Mas a que contexto manuelino nos
referimos? Podemos dizer que no contexto em que D. Manuel foi educado existia uma
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Carlos Eduardo Godinho, “Esfera Armilar de D. Manuel I: Visão Celestial e Providência Astral”, (2016), 4.
grande influência das interpretações bíblicas judaicas, onde a astrologia tinha um
Manuel
num contexto islâmico, fruto da ocupação islâmica da península. Albas Firnas que
trabalhava para o emir ` Abd al-Rahman II é o nome pioneiro na península, construindo
o instrumento para uma função muito específica: indicação do horário das orações
islâmicas, caso o sol e as estrelas não estivessem visíveis para indicar esse momento.
Isto no século IX, seguindo-se no século X pela mão de um judeu, líder da comunidade
hebraica andaluza. É referenciada também nos Libros del saber de Afonso X, sofrendo
uma difusão por toda a Europa. A esfera armilar constitui-se, portanto, como um
ser considerado um instrumento de luxo. Mas porque D. Manuel recebe por divisa a
esfera armilar?
visto ele não ser filho de rei. D. João II reinava em Portugal no final do século XV e D.
Manuel não tinha grande importância na corte régia. O irmão mais velho de D. Manuel,
D. Diogo duque de Viseu, tinha mais importância no reino, contudo, acusado de traição,
é morto pelo então rei de Portugal. Com a morte deste em 1484, o futuro Afortunado
recebe o título de duque de Viseu, mas só em 1489 é que D. João lhe atribui o ducado
Acredita-se que o infante D. Afonso lhe sucedesse, porém este morre, tentando,
portanto, legitimar o seu filho bastardo D. Jorge. O Príncipe Perfeito vai mais longe,
pois não conseguindo legitimar seu filho ilegítimo como seu sucessor, ordena que D.
não cumpre. Neste sentido, Fernão Lopes diz na Crónica de D. João de 1504 que o
Príncipe Perfeito terá dado como divisa a esfera armilar a D. Manuel esperançado de
que este o viria a suceder. Somos obrigados pela historicidade a refutar esta afirmação
nada fazia prever que este viria a assumir o trono do Reino de Portugal.
escolha desta divisa por parte do seu antecessor. D. Manuel foi instruído na ciência
Florença da autoria de Sandro Boticelli, onde Santo Agostinho surge a contemplar uma
esfera armilar, ou seja, «o instrumento seria um meio extático de meditação que permite
Agostinho, grande santo da Igreja, pois vislumbram-se aqui alguns aspetos de que
volta da esfera armilar. Agostinho é uma referência da racionalidade cristã como meio
para chegar a Deus, o que confere uma grande autoridade a este objeto como algo que
interessante é que Agostinho é bastante platónico, bebe muito de Platão, como fará o
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Carlos Eduardo Godinho, “Esfera Armilar de D. Manuel I: Visão Celestial e Providência Astral”, (2016),
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3. O Talismã esférico e a virtude da esperança
Marsílio Ficino cria uma teoria que nos será importante, a Teoria da Redenção,
Godinho diz-nos a este propósito que «A totalidade da existência, emana de Deus como
um ato de amor, que lhe é retornado, por usa vez, pela redenção da Humanidade. A
«o propósito da existência do ser humano é a sua ascensão cósmica para Deus, origem
da sua criação»4. Assim, a ascensão do ser humano faz-se por via de três esferas, a
por mediação divina para, finalmente, pensar ideias divinas. Esta é a Teoria da
Redenção de Ficino que encontra paralelo com as três virtudes teologais, respetivamente
por cada esfera enunciada, fé, esperança e caridade. A esperança é, portanto, o elo de
ligação entre as antípodas esferas, é a que possibilita ao ser humano tomar consciência
resta uma virtude teologal, a caridade, o amor, a única virtude teologal que Deus possui
na tradição cristã.
tem que ver com a esfera armilar. Já referimos anteriormente a partir da figura de
Agostinho a relação entre a esfera armilar e a virtude teologal da esperança. Platão diz-
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Carlos Eduardo Godinho, “Esfera Armilar de D. Manuel I: Visão Celestial e Providência Astral”, (2016),
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Carlos Eduardo Godinho, “Esfera Armilar de D. Manuel I: Visão Celestial e Providência Astral”, (2016),
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nos que a verdade tem de ser necessariamente bela. Para o cristianismo a causa e
fundamento da beleza é Deus e, portanto, esta é um meio para chegar a Ele. A ideia de
criação cristã coloca o cosmos numa perspetiva de Beleza, pois criado por Deus. Sendo,
Deus. Sendo que a morte constitui a perfeição dessa participação no amor de Deus.
perfeita, sendo a esfera armilar esse intermediário que, capaz de captar a cognição de
Deste modo, Ficino atribui cores à esfera armilar em diálogo com esta teoria.
gravura da Câmara de Lisboa. Haverá uma relação direta? É provável que não, mas a
corte portuguesa era uma corte europeia e, portanto, também ela estava imbuída pelos
movimentos culturais e intelectuais da época. Acrescenta-se a isto que Ficino numa das
português.
4. Esfera messiânica
fazer uma ponte entre a astrologia e o messianismo, em que contexto este messianismo
aparece e que formas ele toma. Dialogando com o último capítulo diz-nos Carlos
própria estrutura celeste»6. Situamo-nos aqui numa exegese astronómica judaica. Mas
não terá existido também uma exegese astronómica cristã? Claramente que sim, até
judaico e cristão, que de resto não se diferenciam muito, visto que ambos se apoiam no
Antigo Testamento. Para os judeus, o messias, que será anunciado pelos astros,
cristãos esperam a segunda vinda, o fim dos tempos, contudo ambos têm em comum um
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Carlos Eduardo Godinho, “Esfera Armilar de D. Manuel I: Visão Celestial e Providência Astral”, (2016),
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importante para que D. Manuel assuma o seu messianismo com grande certeza e
convicção, parece-me.
D. Manuel viveu num contexto cristão, onde tudo o que acontecia tinha uma
justificação bíblica. Herdou uma história, uma forma de pensar, de fazer política e viver
portanto, como descendente de David, portanto, sente como sua missão restaurar o reino
Acreditava-se que o fim dos tempos estava próximo, fazendo-se já cálculos sobre a data
exata e, por isso, este constituía mais um motivo para D. Manuel sentir o seu reinado
como messiânico, talvez como o último. Isto quer dizer que toda a linhagem da
monarquia portuguesa era, também ela, descendente do rei David. Nada que nos
surpreenda tendo em conta estar muito vivo no imaginário o milagre de Ourique, onde
Cristo toma a linhagem de Afonso Henriques como protegida, como predileta, quase
como se fosse o novo povo escolhido de onde emergiria o messias. Esta relação poderá
não ser direta, mas é possível que este messianismo seja fruto de um longo caminho e
A esfera armilar que D. Manuel fez proliferar por forais, monumentos por todo o
forte e não passou despercebida. Para além de que, como já vimos, a esfera armilar tem
um papel bastante prático, para o conhecimento de latitudes, entre outras coisas. Ela
Jerusalém e restaurar o reino de David. Apesar de isto não ter acontecido, foi no reinado
Deste modo, podemos afirmar que o sentido messiânico de D. Manuel era muito
forte e estava presente nesta divisa que ganhou múltiplas significações. Por isso mesmo,
após a morte do monarca ela acabou por extravasar o próprio monarca, passando a ser
ao longo dos tempos um símbolo nacional que designa a nação portuguesa a uma
missão especial, tendo como fim uma realidade futura da qual desconhecemos forma.
Conclusão
Olhar para a cultura portuguesa através desta viagem é perceber que ela é fruto
de uma diversidade imensa que conflui depois num ideal messiânico bastante forte que
judaico-cristã. Este estudo permitiu fazer uma releitura cultural da história e dar-me
armas para dizer que a heráldica nos continua a falar, assim como o cristianismo. Num
mundo que continua dominado pela guerra, é importante que Portugal se assuma como
construtor de uma fraternidade humana que, apesar de não ser confessional tem as suas
raízes no catolicismo. Afirmando também que a sua bandeira é símbolo de paz, pois
caridade, contudo já não assumida como teológica. Escutar a história é permitir que ela
Resumo…………………………………………………………………………………..
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Introdução………………………………………………………………………………..3
1. O que é a esfera armilar?...............................................................................................4
2. A esfera armilar na Península Ibérica e a atribuição da divisa a D. Manuel………….6
3. O Talismã esférico e a virtude da esperança………………………………………….8
4. Esfera messiânica……………………………………………………………………10
Conclusão………………………………………………………………………………13
Bibliografia……………………………………………………………………………..14