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O conceito de infância -Modelo pedagógico  Visa educá-la com o objetivo de assegurar o futuro da

- Antes de começar a falar em psicanálise com crianças é necessário estudar o civilização.


conceito de infância, historicizando como a criança foi pensada dentro da cultura -É nesse momento que surge a escola como meio de educação das crianças, a partir do
ocidental desde a Antigüidade até hoje. movimento de moralização promovido pelos reformadores católicos e protestantes
- A infância considerada hoje uma etapa privilegiada da vida, e até mesmo idealizada ligados à Igreja, às leis e ao Estado.
como um sonho que o homem moderno desejaria perpetuar, nem sempre teve tanto O CONCEITO DE INFÂNCIA – FAMÍLIA
prestígio. -Esse sentimento de responsabilidade pela formação da criança também passa para a
- O conceito de infância ganhou vários contornos ao longo dos séculos, e seu vida familiar.
investimento adquiriu as dimensões de um projeto social, que se agregou ao -A família começa a se ocupar de tudo que diga respeito à vida de seus filhos, desde as
narcisismo parental mas, transcendendo-o, tornou as crianças as grandes depositárias brincadeiras até a educação, incluindo um elemento novo que é a preocupação com a
de ilusões e expectativas relativas ao futuro, sobretudo no Ocidente, durante o século higiene e a saúde física.
XX. -A criança assume então um lugar central dentro da família.
- Houve um tempo em que não se tinha a concepção da infância tal como hoje a -No século XIX e mesmo no século XX: preocupação mais ampla e sistemática com o
entendemos, ou seja, como um ser singular, com uma particularidade que a diferencia estudo da criança e a necessidade de uma educação mais formal  A pedagogia, a
do adulto. pediatria e as especializações em torno da criança desenvolvem-se.
- Em História social da criança e da família, Philippe Ariès faz um estudo na Europa, no -O discurso psicológico destaca-se como aquele capaz de produzir um discurso
período compreendido entre a Idade Média e o século XX, para demonstrar como a científico sobre a infância. O caráter normatizador torna-se imperativo.
definição de criança se modificou no decorrer do tempo de acordo com parâmetros -Entendemos que o desenvolvimento das ciências proporcionou um estudo mais
ideológicos. amplo sobre a criança, porém resultou na desqualificação da família como aquela que
- Pela análise de pinturas, diários, esculturas e vitrais produzidos na Europa no período poderia gerir a educação dos filhos.
anterior aos ideais da Revolução Francesa, Ariès forja a expressão “sentimento da -Os pais tornaram-se submissos aos ditames da ciência, esta sim, capaz de instruí-los
infância” para designar “a consciência da particularidade infantil, essa particularidade quanto à forma correta de conduzir a educação das crianças.
que distingue essencialmente a criança do adulto”. Clínica com crianças – ALGUMAS OBSERVAÇÕES:
-Esse sentimento vai aparecer a partir apenas do século XVII. -A adesão ao tratamento e sua eficácia tem relação com o funcionamento psíquico
O conceito de infância – NA IDADE MÉDIA parental.
- Na Idade Média, a criança era vista como um pequeno adulto, sem características -A psicoterapia da criança pode ser interrompida precocemente por decisão da família,
que a diferenciassem, e desconsiderada como alguém merecedor de cuidados -A interrupção pode implicar em prejuízos para a criança; e é importante que o
especiais. terapeuta tenha conhecimento da motivação e questões subjacentes que a
-Não significava que as crianças fossem até então desprezadas ou negligenciadas, ocasionaram.
-Ariès comenta que os pintores ocidentais reproduziam crianças vestidas como -O estudo da relação dos pais com o atendimento do filho nos fornece ferramentas
pequenos adultos, e que somente percebemos se tratar de uma criança devido ao seu fundamentais que contribuem para elaborar formas de manejo das questões
tamanho reduzido. envolvidas no tratamento.
-Nas sociedades agrárias, a infância era um período rapidamente superado e, tão logo -Apesar de muitas vezes ser a criança a intervenção terapêutica, a inseparabilidade de
a criança adquiria alguma independência, passava a participar da vida dos adultos e de seu mundo psíquico e dos pais faz com que as questões individuais dos pais estejam
seus trabalhos, jogos e festas. presentes no tratamento infantil.
-Essa indiferença em relação às crianças era uma consequência do perfil demográfico Teoria psicanalítica e a clínica com crianças
da época. O brincar:
-Os pais não se apegavam muito a seus filhos porque poucos sobreviviam. -A infância na sociedade atual é marcada pelo brincar, que faz parte de cada cultura.
-A morte de uma criança não era sentida como uma perda irreparável e, muitas vezes, -A brincadeira permite que a criança vivencie o lúdico e entre em contato com ela
no campo principalmente, elas eram sepultadas no quintal da casa. mesma, apreendendo a realidade e se tornando capaz de desenvolver seu potencial
O conceito de infância – NA RENASCENÇA criativo.
-A partir da Renascença, ocorre a privatização do espaço doméstico, uma -Ela está presente desde a educação infantil, preconizada na legislação, até o âmbito
diferenciação entre o espaço público e o privado, e a família se estabelece como um familiar.
grupo coeso. -Pode ser entendida como uma atividade capaz de promover o desenvolvimento geral
-A criança passa a ser vista como o centro do grupo familiar, e a infância considerada das crianças, incentivar a interação entre os pares e estimular a resolução construtiva
um período de preparação para o futuro. de conflitos, formando pessoas reflexivas e críticas.
-Segundo Ariès, o apego à infância e à sua singularidade se exprimia pelo interesse -Pode-se dizer que as crianças brincam não só para conhecer coisas novas mas
psicológico e preocupação moral. também para satisfazer necessidades internas.
-Há a preocupação com o desenvolvimento da disciplina e da moral. -Através da brincadeira, é possível relacionar-se com pessoas, transformar o
-Do século XVII até o século XVIII: predomina a noção de uma inocência infantil que imaginário em realidade, sonhar e viver emoções.
precisava ser preservada e a educação tornou-se uma preocupação constante das -O lúdico permite trabalhar a imaginação, a criatividade e o desenvolvimento dos
famílias, dos homens da lei e dos educadores. processos mentais.
O conceito de infância – iluminismo -É importante que a criança brinque com materiais diversos e tenha estímulos que
-Sentimento modifica-se a partir do século XVIII, com o surgimento do discurso proporcionem um ambiente para desenvolver sua capacidade de conhecimento,
filosófico iluminista. entendimento, concepção e habilidade (KISHIMOTO, 2011).
-Jean-Jacques Rousseau é um dos representantes desse momento. -O brincar torna-se um elo que une o real ao imaginário e, na ótica psicanalista,
-Ele irá colocar o sentimento no centro de sua visão do homem. permite que a criança reinscreva de forma inconsciente, no mundo externo, os
-Para Rousseau, “não há perversidade original no coração humano”. conteúdos de seu mundo interno.
-A criança nasce inocente, pura, e tem maneiras de pensar e sentir que são próprias à -A brincadeira pode funcionar como um regulador de ansiedade diante daquilo que os
sua idade. conteúdos internos podem ocasionar.
-Ele postulava que a educação da criança visava o desenvolvimento de suas -Neste sentido, a brincadeira pode funcionar como uma descarga emocional,
potencialidades naturais e seu afastamento dos males sociais. possibilitando uma reedição dos conflitos infantis (BERNARDI, 2016).
-Rousseau: Se não há perversidade original na criança, é a sociedade que a corrompe -De acordo com Bernardi (2016), o brincar é fonte de aprendizagem e
e, para impedir que isso aconteça, os educadores devem seguir os princípios por ele desenvolvimento, além de fazer parte de um processo psicológico importante.
sugeridos. Envolve um processo complexo de articulação entre o que foi vivido e o novo, entre
-Em Rousseau, o termo criança remete a essa etapa da vida na qual o infans — o a imaginação e a memória, a fantasia e a realidade.
infante, aquele que não fala — é desprovido de toda sexualidade, e foi essa ideia que -É através da brincadeira que a criança elabora seus sentimentos e suas emoções.
se impôs no imaginário social. -O brinquedo pode ser utilizado, por exemplo, para que ela possa dominar medos
-Ariès afirma que: o sentido da inocência infantil resultou, portanto, numa dupla instintivos por meio da projeção destes para o mundo externo.
atitude moral em relação à infância: preservá-la da sordidez da vida, e especialmente -Por meio dessa projeção que a criança conseguirá deslocar suas angústias para fora,
da sexualidade tolerada — quando não aprovada — entre os adultos; e fortalecê-la, permitindo, assim, lidar com seus medos e desenvolver formas de enfrentá-los.
desenvolvendo o caráter e a razão. -Quando a criança brinca livremente, ela tem o domínio sobre seu próprio mundo e
O CONCEITO DE INFÂNCIA – EDUCAÇÃO cria diferentes formas de solucionar conflitos através da imaginação.
-Com a ascensão do capitalismo e dos ideais da burguesia, os valores individuais -A imaginação a ajudará a lidar com as frustrações da realidade, aprendendo a lidar
ganham cada vez mais importância. simbolicamente com algo que a ameaça.
-A criança transforma-se num investimento lucrativo para o Estado, ela é vista como -É através do brincar que a criança se permite crescer e avançar para outras etapas do
uma força de produção que traria lucros a longo prazo. desenvolvimento.
Anna freud Transtorno de Déficit de
-Anna Freud considera que as crianças não têm capacidade de transferência, sendo Atenção e/ou Hiperatividade (TDAH) na infância
necessário um trabalho prévio não analítico, com a finalidade de prepara-las para o -Dentre as psicopatologias infantis, o Transtorno de Déficit de Atenção e/ou
tratamento, proporcionando-lhes uma consciência de sua enfermidade dando-lhes Hiperatividade (TDAH) se destaca pela grande incidência desse diagnóstico no século
confiança na análise e no analista e criando um transferência positiva que faça interna XXI.
a decisão externa de analisar-se. (Aberastury, 1982: 60-61) -Essa psicopatologia é considerada uma disfunção manifestada por sintomas
-Considera que “o pequeno paciente não está disposto como o adulto, a reeditar seus específicos que incluem padrões persistentes de desatenção e/ou hiperatividade,
vínculos amorosos, porque, por assim dizer, ainda não esgotou a velha edição. perturbando o funcionamento e o desenvolvimento das atividades de interação social
Desta forma, a criança não pode fazer uma segunda edição antes de esgotar a e de aprendizagem nas crianças.
primeira. -O TDAH compromete as funções de atenção, memória, autocontrole e planejamento.
-Nas entrevistas com pais busca por informações e, quando necessário, oferecer-lhes -O diagnóstico de TDAH é difícil devido à natureza clínica heterogênea do transtorno.
orientações acerca da educação e de como facilitar o desenvolvimento sadio do filho -No DSM-5, TDAH é caracterizado como um transtorno do neurodesenvolvimento,
-Cabe ao analista a tarefa de controlar, além de decidir o que deve ser rejeitado, tendo como característica essencial um padrão persistente de desatenção e/ou
domado ou satisfeito, exercendo, assim, uma ação educativa. hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento ou no desenvolvimento
-Para Anna, na análise com crianças, o que é levado em conta é o material recolhido do sujeito.
no âmbito da família e não no da sessão. -O TDAH não acontece apenas em crianças.
-Daí a importância do trabalho constante com os pais e dessa troca contínua de O transtorno de oposição desafiante (TOD) e o transtorno de conduta (TC)
informações -Os transtornos disruptivos envolvem problemas na regulação emocional e
-O que Anna Freud propõe é uma análise pedagógica comportamental, e caracterizam-se por um padrão persistente e pervasivo “de
Melaine klein comportamentos que violam direitos básicos de terceiros e/ou colocam o indivíduo em
-Melanie Klein fundou a técnica da análise pela atividade lúdica com crianças. conflito significativo com normas sociais ou figuras de autoridade”1. Esses
-Brincar — atividade natural das crianças — foi considerado por ela a expressão comportamentos comumente se iniciam na infância e persistem ao longo do
simbólica da fantasia inconsciente. desenvolvimento, causando prejuízos em diversas áreas do funcionamento do
-Afirmou que pelas brincadeiras a criança traduz de modo simbólico suas fantasias, indivíduo.
seus desejos e suas experiências vividas. -Na infância e adolescência, os principais transtornos disruptivos são: o transtorno de
-O elemento organizador essencial do pensamento de Melanie Klein é a prevalência da oposição desafiante (TOD) e o transtorno de conduta (TC). Esses transtornos abrangem
fantasia e dos “objetos internos” sobre as experiências desenvolvidas no contato com uma grande variedade de comportamentos, incluindo: humor irritável, ataques de
a realidade externa. raiva, comportamentos desobedientes e desafiadores, agressão a pessoas e animais,
-É importante ainda ressaltar que sua ênfase recai sobre o mundo interno do bebê, atos de vandalismo, comportamento desonesto, roubo e graves violações de regras.
que vai se constituindo desde o nascimento. Atribuindo maior destaque em relação às Pontos-chave
primeiras fases (consideradas como não estanques) do desenvolvimento infantil -Os transtornos disruptivos caracterizam-se por um padrão persistente e pervasivo “de
-Também argumentava que os primeiros estágios da vida psíquica eram muito mais comportamentos que violam direitos básicos de terceiros e/ou colocam o indivíduo em
relevantes do que defendia Freud em seus estudos. conflito significativo com normas sociais ou figuras de autoridade”.
-Dessa forma, ela abandona as formulações sobre o complexo de Édipo tal como -Estudos longitudinais mostram que os transtornos disruptivos apresentam uma
haviam sido pensadas por Freud, em favor de uma estrutura anterior e muito mais continuidade homo e heterotípica e estão associados a diversos desfechos negativos
determinante — a do vínculo que une a mãe ao filho. na idade adulta. Porém, não necessariamente evolui para um transtorno conversivo de
-Melanie Klein vai focalizar esse mundo interno arcaico e sem limites do bebê com a conduta no adulto.
mãe, no qual o pai não intervém. -O diagnóstico dos transtornos disruptivos deve ser feito por meio de uma investigação
-Melaine Klein discorda de Anna Freud, especialmente no que que se refere à clínica detalhada, que inclua a avaliação do quadro clínico, contexto familiar e
legitimidade da análise de crianças: sociocultural.
-Pensa que a capacidade de transferência é espontânea na criança e deve ser -Terapias comportamentais são a primeira linha de tratamento.
interpretada, tanto a positiva quanto a negativa, desde o primeiro momento, não Critérios diagnósticos do transtorno de oposição desafiante (CID-11)
devendo o analista tomar o papel do educador. -É um padrão persistente (p. ex.: 6 meses ou mais) de comportamento marcadamente
-A transferência é o instrumento principal para conhecer o que acontece na mente da desafiador, desobediente, provocativo ou rancoroso, que ocorre com mais frequência
criança. do que o normalmente observado em indivíduos com idade e nível de
Donald Woods Winnicott desenvolvimento semelhantes, e que não se restringe à interação com irmãos.
-O conceito de objeto transicional diz respeito a um objeto que adquire um valor -O transtorno pode se manifestar com humor predominante e persistentemente
afetivo para a criança. irritável, em geral acompanhado de ataques de raiva severos, ou comportamento
-O conceito de mãe suficientemente boa diz respeito à mãe que proporciona ao bebê a teimoso, argumentativo e desafiador.
ilusão de que o mundo é criado por ele. -O padrão de comportamento é de gravidade suficiente para resultar em prejuízos
-Seu modelo tem como base a relação primária entre a mãe e o bebê, sendo esta pré- significativos nas áreas pessoais, familiares, sociais, educacionais, ocupacionais ou
edípica e constitutiva do sujeito, a princípio indiferenciado da mãe. outras áreas importantes do funcionamento.
-Enfatizou que o pai é “necessário para dar à mãe um apoio moral, para sustentá-la em
sua autoridade, para ser a encarnação da lei e da ordem que a mãe introduz na vida da
criança”. DSM-5 E CID-11
-Estabelece estágios sucessivos, compreendidos como: -Embora os critérios diagnósticos apresentados sejam semelhantes aos de suas edições
-uma fase inicial, na qual a criança encontra-se num estado de dependência absoluta anteriores, tanto a CID-11 como o DSM-5 trouxeram algumas mudanças.
em relação ao meio, na qual ele e o meio não se diferenciam. -Na CID-11, a seção “Distúrbios de conduta” passou a ser chamada de
-seguido do estado de dependência relativa, onde a criança descobre, que ela e sua “Comportamentos disruptivos ou distúrbios dissociais”.
mãe são separadas, que suas fantasias não correspondem à realidade e que depende -E, no DSM-5, o diagnóstico de TOD, que não poderia ser feito caso fossem
de sua mãe para a satisfação de suas necessidades. preenchidos os critérios para TC, passou a poder ocorrer de forma comórbida.
O atendimento psicanalítico com crianças -Assim, o TOD deixou de ser tratado como uma forma mais precoce e menos grave do
-Winnicott não se preocupava com a demanda de análise, estabelecimento de um TC e passou a ser apresentado como uma entidade distinta.
diagnóstico, nem mesmo com a interpretação. Valorizava o encontro, muitas vezes -Apesar da comorbidade entre TOD e TC ser frequente e dos dois transtornos
único, da criança e do analista para descobrir o conflito que ocasionou a busca por apresentarem fatores de risco comuns, os estudos mostram que TOD e TC apresentam
análise. correlatos e evoluções clínicas distintas; e que somente uma parcela dos pacientes
-Em relação à técnica de análise com crianças, preferia desenhar com a criança, com TOD evolui com TC.
fazendo-lhe perguntas e sugestões de modo a despertar o seu interesse em falar de
coisas que, normalmente, não falaria com outras pessoas.
-Winnicott (1971) introduziu sua técnica de rabiscos para comunicar-se via metáforas
com seus pacientes infantis.
-Utilizou o jogo de rabiscos como o centro das suas consultas de curta duração.
-O objetivo dessa técnica era estabelecer uma comunicação com os pensamentos e
sentimentos íntimos da criança, por meio de uma interação que “desatasse aquela
parte em que o desenvolvimento do paciente foi interrompido”.

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